Você está na página 1de 129

Prefácio — Jana Rosa

Introdução

“Quantos anos você acha que eu tenho?”


Do nada, virei adulta
Adultos têm (muitos) medos
Ops, fiquei grisalha
É proibido envelhecer?
Mandar a real, enfim
Menina, você não imagina a última:
adultos amam fofoca
Quatro fatos que comprovam que você cresceu
Por que eu postei aquilo???
Quase a tia do pavê
De vizinha pesadelo a fiscal da vizinhança
Lollapallooquê?
Insônia, minha BFF
Amigo de bar, amigo de lar
Casamento não é (só) festa
Banco imobiliário da vida real
Trabalho dá trabalho
Enfim, mãe
Padrão: grávida
Capítulo sobre… esqueci
Qual vai ser o nome?
Já sabe o sexo?
O último mês dura um ano
O pós
A hora do pesadelo (ou as visitas chegaram)
A fase do “essa fase é tão tranquila”
Se o meu bebê falasse
Nada transante
Reality show
Filho dos astros
Dá a chupeta pro bebê (e a mãe) não chorar
Cara de mãe
Julho nunca mais será o mesmo
Look sujinho do dia
Um hobby: pagar a língua
WhatsApp é uma mãe
Vai ficar tudo bem!
o começo da nossa amizade, juro que a Cami foi ao bar comigo. Ela foi tipo
três vezes e todas elas em dias da semana. Sem ter medo da ressaca do dia
seguinte. Uma vez, tiramos uma foto desfocada com o Serginho Mallandro,
então tenho provas. Acho até que ela bebeu duas cervejas nesse dia. Era o
início do nosso relacionamento e ela devia estar fazendo muito esforço para
me agradar, mas logo cansou e mostrou quem realmente é: uma pessoa que
dorme muito cedo, saudável, que se alimenta bem, que faz academia porque
exercícios físicos são necessários. Uma pessoa que tem máquina de lavar
louça…
Foi um choque e confesso que demorei anos para aceitar que tinha uma
amiga adulta. Pior que adulta, ela é uma amiga adulta com vida de adulta,
casa de adulta, roupas de adulta, a adulta que você sempre sonhou em ser um
dia. Do tipo que reforma a casa para ter um piso mais bonito. Adulta madura
que mantém a calma em momentos difíceis e fica bonita mesmo no dia em
que tem um bebê. Até o bebê dela colabora no estilo mulher adulta que ela
tem, porque ele é bonito, legal, feliz e trata todo mundo bem. Mais adulto que
muita gente por aí, não?
Ela é inteligente e talentosa e trabalha com o que gosta. Ela consegue
inclusive sentar numa cadeira na mesa de trabalho e falar “Agora vou ficar
aqui escrevendo um livro”. E ela realmente escreve o livro, e eis que o livro
está aqui pronto! Ah, e sem querer humilhar todas nós, fake adultas, que
ainda vivemos uma vida louca meio adolescente, mas ela escreveu este livro
durante os primeiros meses de vida do filho… Eu entendo se você estiver se
perguntando: “Mas, afinal, por que vou ler um livro sobre a vida adulta
escrito por uma pessoa que é, sim, a adulta perfeita e talvez a mulher perfeita
também?”. Mas juro que vale muito a pena, porque (com licença, vou
continuar elogiando minha amiga) ela também é uma das pessoas mais
engraçadas e malucas que você vai conhecer.
E a cabeça dela é genial e consegue transformar qualquer situação
cotidiana em uma crônica deliciosa de ler, que te faz rir e comentar com as
pessoas como ela é genial. Quero que você leia este livro e que o dê de
presente para todas as suas amigas e seus amigos. Então vou humanizar mais
essa mulher para te convencer. Ela tem defeitos? Sim, tem vários! Ela gosta
de falar ao telefone e não por mensagem, algo que te faz se acostumar a falar
ao telefone como os antigos. Ela segue as piores e as mais miadas
celebridades e sabe quando trocam de namorado e estão saindo com um DJ
musculoso. Ela gosta de acompanhar a carreira de ídolos teen brasileiros dos
anos 2000, que ninguém sabe por onde andam. Só ela, que sabe até que eles
têm canal no YouTube — e, se você é um ídolo teen brasileiro dos anos 2000
e tem quinze visualizações no seu canal, saiba que uma foi dela. E por essa já
te convenci a ler este livro. Afinal, adultos, ídolos teen dos anos 2000 e bebês
legais são o público da Cami. Você vai amar e vai querer ser amiga(o) dela
também, mas já te adianto que ela não vai ao bar com você em uma terça-
feira porque ela é adulta demais pra isso, tá?
eu nome é Camila Fremder, sou casada, mãe e faço vários freelas, como
roteirista e redatora, para agências de publicidade e produtoras. Casada e
freelancer eu já sou faz tempo, mas mãe é novidade. Não sei em que mês ou
ano você vai ler este livro, mas ele foi escrito durante os primeiros meses de
vida do meu primeiro filho (não, freelancers não têm licença-maternidade).
Escrevi no intervalo entre mamadas, trocas de fralda, entre as horas de
contemplação olhando aquele bebê lindo dormir no berço e os ataques de
choro no banho. Porque é muito louco ser mãe e freelancer ao mesmo tempo.
Na verdade, é muito louco ser mãe. Ponto. Foi bem complicado escrever este
livro, mas ele se revelou uma terapia e acabou sendo uma grande reflexão
sobre a vida adulta. Ele fala sobre a chegada dessa fase. Ou a não chegada
dela, quando ela já deveria estar por aqui há tempos, não sei. Mas, como
ainda estamos na introdução, vamos descobrir juntos conforme os capítulos
avançam.
Já tenho alguns livros publicados, mas confesso que fiquei com medo de
escrever este. Na verdade, sempre fico com medo depois que publico alguma
coisa, seja uma frase nas redes sociais, seja um livro. Porque sei que algumas
pessoas vão gostar dele e outras não. E eu me importo muito com o que
pensam a meu respeito. Acho que todo mundo se importa, principalmente os
adultos. Adultos acham que precisam ser fortes e seguros de si para serem
adultos, mas essa é a parte mais infantil de ser adulto. Você tem que ser
muito corajoso para dizer que está triste, decepcionado, com vergonha, sem
graça, sem jeito. Mais ainda para pedir ajuda, um abraço ou desculpas. Não
acho que adultos sejam bons nisso. E é no mínimo curioso que algo tão
natural como ficar chateado de vez em quando seja visto como sinal de
fraqueza. Na minha opinião, a parte mais corajosa da gente é a que mostra a
verdade.
Não vou mentir e dizer que não vou ficar triste se você postar em algum
lugar “Nossa, que livro ridículo”. Vou ficar arrasada, tá? E vou reler o livro
várias vezes e até deixar de gostar de alguns capítulos. Porque adultos são
inseguros e, como já disse, se importam com o que os outros dizem. E eu sei
disso exatamente porque já tive livros publicados e fiquei péssima depois de
ler comentários negativos. Até hoje morro de vergonha quando leio certos
trechos, principalmente quando percebo como mudei de opinião sobre o que
escrevi. Mas o que quero que você, leitor, tenha em mente é que escrevi este
livro me valendo da maior honestidade do mundo. E isso não é pouco nos
dias de hoje, porque a gente mente o tempo todo. Mentimos idade,
inventamos uma vida inteira nas redes sociais, criamos nomes de profissões
supercomplicados para “agregar” mais importância por pura vaidade. E a
gente adora criticar tudo e todos só para ter uma opinião. Porque adultos
sentem necessidade de opinar sobre todos os assuntos.
Nesse processo de virar adulta, percebi que estou longe de ser perfeita. E,
ao mesmo tempo, cansei de sentir medo por não ser. Então, sim, talvez você
não goste deste livro, que não é perfeito (nem pretende ser). Talvez eu mesma
mude de ideia sobre algumas partes dele depois. Talvez mude sobre tudo.
Mas, neste momento, foi assim que ele saiu. Tudo o que escrevi aconteceu
comigo e é absolutamente real, inclusive os diálogos e as histórias meio
escatológicas — que já me arrependi de ter escrito. Porém, achei que seria
infantil da minha parte pedir para o editor tirá-las.
O lado bom é que, toda vez que me exponho e dou a cara a tapa, sinto que
cresço mais um pouco. E, como estou nessa vida para crescer, está aqui a
minha cara para você bater (ou dar um beijo). Eu vou me importar com os
dois. Espero que goste do livro e desculpa qualquer coisa.
u odeio quando pergunto para uma pessoa quantos anos ela tem e ouço de
volta um “Quantos anos você acha que eu tenho?”. O que é isso, gincana da
idade? Todo mundo que devolve essa pergunta sabe que a gente vai chutar
para baixo para não correr o risco de errar feio e criar um constrangimento.
“Ah, não sei, uns 31?”, arriscamos. Daí a pessoa responde que tem 24 e fica
com aquela cara de arrasada, enquanto tentamos consertar a situação: “Putz,
eu sou péssima nisso, sempre erro. Mas você está ótima, juro mesmo!”.
Sempre preferi falar minha idade logo de cara. Hoje em dia, considero até
aumentar uns quatro ou cinco anos para ouvir, quem sabe, um “Nossa, achei
que você tivesse menos”.
Não existe uma idade certa para você virar adulto. A vida adulta chega de
repente, tipo menstruação. Eu percebi que estava adulta quando um vendedor
de semáforo me ofereceu um pano de prato. Nunca ninguém tinha me
oferecido um pano de prato. Era só carregador de celular, boneco inflável do
Bob Esponja, chicletes… Quando ele ergueu o pano e falou “Não está
precisando, não, dona?”, eu senti o primeiro fio de cabelo branco romper meu
couro cabeludo. Cheguei em casa e liguei para minha mãe:
— Mãe, tô velha.
— Como assim?
— O cara do semáforo me ofereceu um pano de prato.
— É por isso que você tá velha, Camila?
— Não, tô velha porque comprei. Poxa, mãe, três panos por dez reais! Ele
pode até dizer que eu sou avó se continuar me vendendo pano por esse preço!
— Mas você viu se ele tinha pano de chão também?
— Ah, não. Nem reparei.
— Ai, filha. Você ainda é muito jovem…
Mas a verdade é que as pessoas sempre me acham mais nova do que sou. E
não, não estou forçando a barra e dizendo como, aos 36 anos, estou
conservada e pareço uma menina. As pessoas é que dizem. Essa confusão que
elas fazem me deixou feliz em um primeiro momento, mas depois descobri
por meio de um amigo, desses bem sincerões, que, na realidade, eu não
pareço mais jovem fisicamente. Eu pareço é imatura.
Fiquei intrigada quando ele disse isso. Poxa, será que é o jeito como me
visto? Será que é meu papo? E olha que me acho responsável e tal. Então
meu amigo explicou melhor qual era o “problema”: “É sua persistência em
não deixar o seu lado jovem morrer”.
É verdade. Eu me interesso por tudo o que é do universo teen, como
músicas, aplicativos, redes sociais, programas de TV, filmes com bailes de
formatura no meio…
Falando em filmes, sempre que meu marido encontra na Netflix algum
com o cartaz cheio de jovens e com palavras como “férias” ou “confusão” no
título, ele imediatamente salva na minha lista, pois sabe que eu vou querer
ver (resquícios de uma infância assistindo a muita Sessão da Tarde). Na turma
de amigos também sou referência teen. Quando alguém quer saber qual é o
novo barraco entre os youtubers ou quem o Justin Bieber está namorando,
eles sabem que basta me perguntar.
Apesar disso, nunca me senti tão adulta. Sou casada, tenho um filho, sou
independente financeiramente e adoro minha profissão. É, acho que a gente
consegue ser uma adulta jovem um pouco imatura, porém responsável.
Pago mensalmente todos os meus boletos. Tem coisa mais adulta que
quitar as contas? Ah, tem, sim, quitar “quase todas”, porque atrasar um
pagamento é tão natural na vida adulta quanto marcar horário no
fisioterapeuta por causa da dor na coluna. Aliás, dores são um grande
indicativo da vida adulta. E, se antes dormir era apenas dormir, na vida adulta
você descobre que é possível dormir errado. Isso acontece quando você
acorda torta. E, se você ignora esse fato e não corrige a postura, a vida adulta
te trava e você é obrigada a procurar ajuda. É assim que a gente cresce na
marra.
Não importa se você junta dinheiro para ir a shows de astros teen, se
acompanha os vídeos de uma youtuber que nasceu quando você já tinha
transado pela primeira vez, se joga videogame melhor que sua sobrinha de
treze anos ou tem um perfil fake no Instagram para stalkear gente do seu
passado, tipo seu primeiro namorado que hoje tem três filhos. Eu acredito
que, se os seus boletos estão quase todos em dia, ou você pelo menos gostaria
que estivessem, parabéns, você é um adulto jovem. Talvez um pouco
imaturo, mas e daí?
Quando somos jovens e nos imaginamos adultos, sempre sonhamos em
fazer coisas que provavelmente não vamos mais querer fazer quando viramos
adultos de fato. Você geralmente ainda não sabe disso nessa época, mas, na
verdade, não quer ficar adulto, você só quer ter dinheiro. Ser adulto na cabeça
de muita gente jovem é, na realidade, ser rico.
“Ah, quando eu crescer e tiver minha própria casa, vou mandar fazer um
escorregador que sai da janela e vai para o térreo do prédio.” Eu me lembro
de andar na rua e olhar prédios aleatórios e pensar: “Ah, acho que quero
morar nesse aqui quando crescer. Não, espera, acho que aquele da esquina é
melhor porque tem piscina”. Recordo que, todas as vezes que ia para o litoral
com meus pais, eu pensava: “Quer saber? Quando eu crescer vou vir morar
na praia. Assim, bem de frente para o mar. É isso, acho que vou gostar de
mergulhar todos os dias antes de ir para o trabalho”. Mas é só quando você
se torna adulto que percebe que existe algo ainda mais difícil do que ser
adulto: ser rico.
Curtindo a vida adoidado
515 vezes
Loucademia de Polícia
401 vezes (incluindo todas as sequências)
A lagoa azul
apesar de ser o recordista em reprises, vi apenas 234 vezes
Os Goonies
1000 vezes (mais, talvez)
A vingança dos nerds
136 vezes (e eles realmente dominaram o mundo; que filme profético)
Férias frustradas
215 vezes (incluindo as sequências)
Minha mãe é uma sereia
90 vezes (Cher rainha)
Indiana Jones
245 vezes (incluindo as sequências, menos a quarta, eca)
Os Caça-Fantasmas
120 vezes (já a música ouvi 600 vezes)
Um príncipe em Nova York
100 vezes
Lua de cristal
120 vezes (não é guilty pleasure)
Meninas malvadas
300 vezes
Gremlins
90 vezes
Top Gun
290 vezes
Matilda
80 vezes
er adulto nem sempre é uma opção. Pelo menos no meu caso, acredito que
não tenha sido. Eu não estava pronta para tudo isso. Na verdade, eu estava
ótima jogando videogame e montando cidades incríveis de Lego. O doido é
que, quando eu era criança, morria de vontade de ser adulta. Mas, quando
cheguei à vida adulta, não percebi de cara. Eu me lembro de brincar naqueles
carrinhos de bate-bate de parque de diversões, e meu objetivo era dirigir
direitinho. Imaginava que estava indo para uma reunião ou que meus filhos
estavam no banco de trás. E, quando alguém cortava o meu barato com uma
batida no meu carrinho, eu não achava a menor graça. “Que gente mais
infantil”, pensava, dava uma ré e continuava o meu percurso fazendo uma
lista de supermercado mentalmente.
A impressão que eu tenho é que um dia estava vendo Chaves, sem maiores
preocupações e responsabilidades, e no dia seguinte eu já estava casada, com
um filho e com prazo para entregar este livro. Eu não sinto que tive uma fase
preparatória, sabe? Sei lá, um treino para sentir o gostinho do que me
esperava. Eu do nada estava cheia de pepinos para resolver, fazendo
mamografia e lendo sobre alimentos que retardam o envelhecimento.
Todo dia eu sinto que cresço um pouco na marra. Sabe aquela história de
que “a vida ensina”? Comigo funciona meio assim. Acontece alguma coisa
que me obriga a tomar certa atitude adulta e pronto, cresci mais um pouco.
Essa é a diferença entre crescer e envelhecer. Você vai envelhecer, é
inevitável, mas precisa se certificar de que está crescendo ao mesmo tempo.
Você cresce quando aprende algo novo, quando aceita o que não esperava,
quando entende outro ponto de vista, quando enfrenta um medo, quando
reconhece um erro e pede desculpas… Envelhecer faz parte do jogo, crescer é
se aprimorar com as experiências que vive.
Outro dia, eu estava andando na rua e falei para uma amiga: “Tá vendo
esse cabeleireiro? Antes era uma agência dos Correios. Depois a agência
virou loja de cozinha e só há uns cinco anos que é cabeleireiro”. Foi um jeito
bem didático de perceber como eu tinha envelhecido, bem aquele papo de
avó: “Aqui antes era tudo mato!”. Cada vez mais isso me acontece. E quando
você recebe a mensagem de que está há dez anos em uma rede social? Me
deparei com essa notificação outro dia e fiquei assustada. “Como assim eu
uso isso há dez anos?” A gente não percebe esse tempo. Achamos que a
semana passou rápido, que a novela acabou do nada, que, nossa, já é Natal de
novo, e, quando recebe uma notificação dessas, diz: “Mas é impossível fazer
tudo isso de tempo…”.
Quando fiz trinta anos, me achei supervelha, mas agora, aos 36, lembro
como era jovem ter trinta. O truque é se imaginar mais velha todos os dias,
daí relembrar a idade real e se sentir jovem automaticamente.
osso falar sobre esse assunto com bastante propriedade porque, apesar de ter
saído da casa dos meus pais aos vinte e poucos anos, continuei dormindo com
a luz do quarto acesa por causa do meu medo de escuro e de espíritos. Adulto
tem medo de espíritos? Sim. Hoje, aos 36 anos, amamento meu filho nas
madrugadas rezando para não ouvir nenhum móvel estalando. E, quando
ouço, acordo meu marido com alguma desculpa esfarrapada. Porque adulto,
graças a Deus, mente. Nossa, adulto mente muito, mente mais que qualquer
criança e, em especial, mente para crianças. “Na volta a gente compra”, “Não
pode mentir porque o nariz cresce”, “O Papai Noel tá vendo, viu?”, “Não vai
doer nada, é só uma picadinha de leve…”.
— Amor, acorda. Acho que ouvi um barulho.
— Quê?
— Um barulho, lá na cozinha.
— Não é nada.
— Como você sabe?
— O cachorro nem latiu…
— Ele não sabe que é um cachorro.
— Como assim, Camila?
— A gente não criou ele como um cachorro normal.
— Oi?
— É! Ele odeia passear e come legumes com frango.
— E daí?
— E daí que ele pode ter perdido as referências de quando latir.
— Ai, meu Deus, eu preciso dormir.
— Eu também!
— Então boa noite.
— Mas eu só vou conseguir dormir se você for lá na cozinha checar se não
é nada.
— Nossa, como você é chata…
Ele levanta, vai até lá e grita da cozinha:
— Não tem nada aqui.
— Então aproveita que você tá aí e me traz uma água?
— Eu não acredito que você fez tudo isso só para eu te buscar uma água.
— Nossa, nada a ver…
— Camila, até quando você vai ter medo de pegar água na cozinha?
— Não sei. Brigada.
Ser adulta e ter medo de escuro é o meu maior dilema. Como vou
tranquilizar meu filho quando ele começar a acordar à noite com medo de
escuro? Eu vou falar: “Ai, que bom que você também está acordado. Estou
segurando xixi há horas! Vamos comigo no banheiro? Eu sempre acho que
vou ver alguém no reflexo do espelho…”. Não duvido se esse diálogo
acontecer.
Nunca conto para as pessoas que tenho medo de escuro, de espíritos e de
dormir sozinha. Como é que você vai passar credibilidade no trabalho se o
seu chefe descobrir que, se acabar a luz do escritório, você é a primeira a
gritar desesperada? Já perdi as contas de quantas vezes fiquei segurando o
xixi esperando alguém entrar no banheiro do trabalho, só porque eu achava o
banheiro sinistro, com aquelas várias cabines vazias. Tinha medo de entrar
sozinha. E banheiro de cinema então? Deus me livre sair no meio do filme e
entrar naquele banheiro enorme que está sempre com a última cabine fechada
sabe-se lá por quê. E você acha que tem todos os tipos de vilões clichês de
filmes atrás dela.
E estacionamento de shopping? Você sai do elevador e só tem o seu carro
lá no fundo. Saio correndo com a chave do carro na mão, entro, bato a porta,
tranco e aí penso, apavorada: “Será que tem alguém escondido aqui dentro?”.
Vendi meu carro. Juro. Falei para todos que o problema era o valor do IPVA,
mas prefiro o transporte público porque estou sempre acompanhada. Tá, o
IPVA também estava complicado.
Eu carrego em mim todos os medos clichês da infância. E agora os juntei
com os medos clichês da vida adulta. Ou seja, continuo com medo de
corredores vazios de hotéis, mas também morro de medo de o cartão de
crédito não passar na hora de fazer check-out.
O massacre do cartão de crédito
A cabana (sem wi-fi)
A vingança da parcela esquecida
O mistério das meias sem par
Boleto assassino
A maldição da panela de pressão
Juros do cartão, o retorno
A volta da celulite maligna
Possessão na reunião de condomínio
Infiltração, o inimigo mora em casa
primeiro fio de cabelo branco que nasce na sua cabeça assusta, mas não mais
do que o primeiro fio de cabelo branco que cai da sua cabeça. Não me lembro
do primeiro que nasceu, mas lembro bem do primeiro a cair. Foi no banho.
Fui fazer aquele bolinho de cabelos caídos para jogar no lixo e vi o dito-cujo,
branco, no meio dos pretos. Minha primeira reação foi olhar para a periquita
e pensar: “Daqui a pouco é você, amiga”.
Quando os brancos começam a surgir, você tem duas opções. Uma é pintar
e ser escrava da tintura para o resto da vida. Outra é aceitar o grisalho e ouvir
das pessoas: “Se for deixar o cabelo grisalho, você precisa estar sempre
superbem-arrumada. Ou parece desleixo”. E aí logo me imagino grisalha, de
vestido longo e olho esfumado indo até o supermercado. O que essas pessoas
querem dizer com superbem-arrumada? Eu nunca mais vou poder usar jeans
e camiseta? Sinceramente, eu não sei o que é mais caro: pintar o cabelo todo
mês ou ter roupas chiques para poder ser grisalha.
Conto muito com essa próxima geração de meninas que não se depilam
mais. Sou do tempo em que uma edição inteira da Playboy não tinha nenhum
pelo. Fui tão influenciada por isso que gastei fortunas fazendo depilação a
laser e acabando com os pelos do meu corpo. Se não tivesse sido tão
influenciada, hoje com certeza seria uma adulta mais rica e mais feliz (e mais
peluda). Vivendo e aprendendo, né, gente? Espero me inspirar nessa geração
que vai tirar o grisalho de letra e continuar resistindo mesmo não tendo as
roupas adequadas, segundo essas pessoas que dão suas opiniões sem eu
nunca ter pedido.
cho que a minha geração, dos nascidos nos anos 1980, foi a que abraçou o
pior estilo de padrão de beleza de todos. Quando eu era adolescente, o bonito
era ser como a Barbie. Muito, mas muito magra, alta, loira de cabelos lisos e
olhos claros. O desespero para atender a esses requisitos era tanto que, se
você fosse baixinha e mais gordinha, por exemplo, talvez cogitasse até usar
lentes de contato azuis para compensar sua suposta falta de atributos físicos.
Se a gente partir do princípio de que a maioria das brasileiras é mais cheia
de curvas, morena e com cabelos cacheados, chegamos à conclusão de que
muitas meninas da minha época não gostavam da própria aparência. Isso
mudou? Talvez, mas apenas para a nova geração, que agora encontra um
mundo um pouco (ênfase no “um pouco”) mais variado, no qual meninas plus
size, baixas, negras, mestiças, orientais e de cabelos cacheados finalmente
têm espaço. Mas as garotas da minha época, que cresceram sendo
bombardeadas por estereótipos inatingíveis, carregaram isso para a vida
adulta, pois envelhecer tem me causado flashbacks da época em que eu era
adolescente, quando queria ser uma coisa que não era.
O que reparo é que a gente não tem o direito de ficar mais velha. Temos
que esconder o cabelo branco, disfarçar as rugas e manter um corpo sarado a
qualquer custo. Se uma atriz dá uma sumida por uns anos e, de repente,
reaparece em um filme, a primeira coisa que as pessoas falam é: “Nossa, você
viu como a fulana está velha?”. E isso é muito cruel porque o conceito “parar
de envelhecer” é o mais sem noção de todos.
Não sou contra procedimentos estéticos, mas sou completamente a favor
de se libertar da tintura de cabelo, da agulhada do botox e da massagem
modeladora. Assim como vem ocorrendo uma inclusão de tipos de beleza nos
desfiles e propagandas, a mulher mais madura precisa ter o seu espaço
também. Conforme você vai ficando mais velha, é natural que seu corpo, seu
rosto e seu cabelo sofram mudanças. Sim, natural, porque envelhecer é
natural. Pelo menos era para ser.
Às vezes tenho a impressão de que toda a velhice foi resumida na falta de
um ingrediente específico: o colágeno. Não sei direito o que é ou para que
serve, mas já comprei aquelas balinhas de goma de colágeno na esperança de
a minha pele se firmar e ganhar aquela aparência ginasial diante dos meus
olhos. Só o que aconteceu foi uma bela dor de barriga por não ter lido a
recomendação de quantas balinhas eram indicadas por dia.
Acordar com a marca do travesseiro na cara agora é uma realidade. Sim,
todo mundo pode acordar com marca de travesseiro na cara, mas, quanto
mais velha você fica, mais tempo demora para você desamassar. Eu hoje só
desamasso depois do almoço. E, se antes essa marca era sinal de uma noite
muito bem-dormida, hoje isso pode acontecer depois de um simples cochilo
de dez minutos. O mais chato é que ela não sai com nenhum tipo de
maquiagem. Você precisa esperar que ela desapareça sozinha, não importa se
tem uma reunião em vinte minutos. Se ela quiser, ela vai participar.
Outra novidade são pelos em lugares novos. Aliás, esse é um assunto tabu,
mas um belo dia você coça o seu queixo e do nada tem um pelo lá. Ele não
existia até a véspera. Mesmo você o tirando com a pinça, ele volta, cada vez
mais preto e mais grosso. Mas não se preocupe, todo mundo tem. Fiz questão
de fazer uma pesquisa de campo para ter certeza. A gente não fica sabendo
que é comum porque as pessoas só assumem que têm também depois que
você mostra o seu. Dizem que depois de uns anos ele fica grisalho. Sabe que
eu prefiro? Acho que vai ficar mais discretão.
não ser que você seja aquele tipo de pessoa que fala tudo o que vem à cabeça
e depois não se arrepende, ser adulto é respeitar uma etiqueta exaustiva que
acaba quando você finalmente chega à melhor idade (que tem esse nome,
aliás, porque é quando você faz o que quer da sua vida e não liga mais para o
que os outros pensam). Eu fui uma criança simpática, sou uma adulta
esforçada, mas espero ser uma velha louca. Não estou sendo indelicada
dizendo “velha” em vez de “idosa”, porque velha louca que se preze gosta de
ser chamada de velha louca.
Sempre que encontro uma pelo bairro fico fascinada. Pedindo passagem,
sacudindo o guarda-chuva na cara dos outros, mexendo em bebês sem pedir
permissão, atropelando pessoas com o carrinho do supermercado… São
tantos sonhos a ser realizados que, se por acaso eu for dessa para uma melhor
antes dos setenta anos, vou ficar bem pê da vida.
A verdade é que nada me intriga na vida adulta. Quando vejo uma mesa de
adolescentes, fico louca para sentar perto e ouvir o papo. Acho muito mais
interessante do que qualquer conversa de adulto. A mesma coisa acontece
quando vejo um grupo de velhinhas. Se tem caipirinha na mesa, então, quase
peço para me juntar. Sinto que estou em uma sala de espera aguardando o
melhor chegar. Minha vida adulta é uma eterna revista de fofocas, que a
gente olha sem prestar muita atenção, porque é só o que tem.
dultos costumam ser bem fofoqueiros. Toda vez que vejo um fofocando, noto
o êxtase dele ao fazer isso e, logo na sequência, o peso na consciência, que
vem seguido de um elogio nada a ver sobre a pessoa que era o alvo da fofoca:
“Pois é, menina, ele tá devendo para o meu amigo faz mais de um ano. Chato,
né? Porque ele sempre foi um amor de pessoa. Longe de mim falar mal…”.
Apesar de adorarem fofocar, adultos sabem que é feio e infantil.
Você só percebe quão fofoqueiro é quando acontece de conviver com
alguém que simplesmente não fala sobre a vida dos outros. São poucas
pessoas, mas existem. Esse ser superior tem o poder de mudar de assunto de
um jeito tão natural quando você ameaça fofocar que você fica super sem
jeito por ter tentado iniciar um papo sobre algum conhecido. O bom é que
você sabe que essa pessoa não vai sair falando para os outros que você é
fofoqueiro.
A fofoca da vida adulta é do tipo barra-pesada. Você cresceu e agora está
sujeito a ouvir coisas que até Deus duvida. Porque a fofoca que corre nessa
fase da vida é aquela bem cabeluda que inspira as novelas do Manoel Carlos:
“Fulano descobriu depois de três anos que a mulher tinha um caso com o
irmão dele e que seus filhos na verdade são seus sobrinhos”.
Quanto mais adulto você fica — e, consequentemente, mais
responsabilidades tem —, mais chocante é perceber que de um dia para o
outro você pode se encher da sua vida e querer mudar tudo, jogar tudo para o
alto mesmo. Pois é, acontece. Ou do nada você pode achar que conhecia tal
pessoa quando, na verdade, não sabia nada sobre a vida dela.
Os adultos ficam muito chocados quando isso acontece porque ver algo tão
doido rolar com outro adulto é constatar que pode acontecer com você
também. Adultos costumam julgar os outros. Porque o fato de se ver como
um adulto dá a impressão de que você agora precisa ser uma pessoa
desprovida de falhas. Mas a real é que ninguém erra mais e aprende mais do
que um adulto. Estamos em constante mudança e evolução, e pode ser que no
meio de tanta coisa você erre feio, fale mal de um coleguinha ou magoe
pessoas.
Por isso, é preciso ser maduro quanto a esse tema e pensar: será que um
adulto passaria essa fofoca para a frente? Será que isso não é ser
irresponsável porque todo mundo erra e um dia o assunto da fofoca pode ser
você?
Você se interessa mais por política, simplesmente porque agora paga
impostos. Você passa a ter noção de como o seu dinheiro some, do quanto os
produtos do supermercado aumentam de preço e lembra que não faz muito
tempo que o político X prometeu mil coisas e até agora nada. Você
acompanha com atenção os escândalos da política. Afinal, acontecem mais
reviravoltas em Brasília do que em qualquer série de ficção.

Você sabe o preço das coisas. Eu me pego em umas conversas e depois falo
para mim mesma: “Meu Deus, Camila. Não é que você virou a sua mãe, você
já virou a sua avó!”. Outro dia, eu estava ao telefone com uma amiga
trocando dicas de receitas com abóbora, porque tinha entrado em promoção
no supermercado do bairro. Ah, ser adulto definitivamente é uma eterna
busca por promoções. Se antes você ostentava uma blusinha de marca, agora
o legal é economizar vinte reais na compra do mês e se sentir mais rica e
poderosa.

Você não sente mais vergonha comprando camisinha, ou pelo menos não
deveria. Quando fica adulto, é você quem compra seus remédios na farmácia.
E, quanto mais velho você fica, mais cabulosos (que é a palavra mais teen
que eu poderia usar agora) eles ficam. Tipo quando engravidei e tive que
comprar creme para hemorroidas. A farmácia estava lotada, até tentei falar
meio baixo, mas o farmacêutico repetiu o nome do creme bem alto. E esses
cremes sempre têm nomes bem óbvios que começam com “hemo”, que é para
não deixar nenhuma dúvida. Então comprar camisinha fica relativamente
fácil.

Você começa a achar legal contar suas histórias do passado e mostrar para os
mais jovens tudo o que você curtia quando tinha a idade deles. Desde como
era a vida antes do celular, quando todo mundo usava telefone fixo e você
ligava na casa do crush e corria o risco de ter que falar com o pai ou mãe
dele, até o filme que você viu milhões de vezes na Sessão da Tarde e do qual,
provavelmente, eles jamais teriam ouvido falar se não fosse você para
apresentar a eles. Passar adiante as coisas que foram importantes para você
vira uma diversão, assim como seus pais ou amigos mais velhos faziam
quando o jovem era você. Quem nunca se gabou de ter sido o primeiro a
apresentar The Doors para a turma de amigos ou indicar um documentário
dos anos 1970?
e você calcular há quantos anos está no Facebook, Twitter ou Instagram, vai
perceber que eles te acompanharam em várias fases importantes da vida.
Conheceram diferentes namorados. Viram você fazer novos amigos e até
bloquear outros com quem acabou brigando. Você cresceu enquanto usava
todos esses aplicativos, e o que passou entre vocês está guardado. Talvez não
no coração, mas num arquivo virtual para quem quiser dar um Google e te
stalkear. E isso dá um certo pânico, não dá?
Morro de medo de ver circulando por aí um tweet antigo meu, daqueles
bem sem noção de 2009, quando eu tinha outra cabeça e ainda não enxergava
o mundo como hoje. Principalmente daquela fase em que a gente só falava
“das inimigas” e que fulana tinha “recalque”. Que coisa mais besta. E tweet
sobre política então? Tenho vontade de sumir. Já me decepcionei tanto que
nem comento. É tipo quando você abre aquele álbum antigo de fotos e dá de
cara com você bem novinho e quase não se reconhece. Cabelo estranho,
roupas de uma época em que você era de uma tribo nada a ver com você hoje
em dia, às vezes até na companhia de pessoas com quem você não anda mais.
É exatamente isso que acontece na internet, com a diferença de que seus
álbuns antigos podem ser escondidos no maleiro de casa. Mas algum período
da sua vida ficou esquecido em um álbum no Facebook de um amigo, por
exemplo, onde você, com uma camiseta do Bob Marley, está fazendo hang
loose para a câmera todo feliz. Hoje você só ouve indie rock e usa camisa
xadrez, mas essa sua outra versão do reggae está lá para quem quiser
encontrar.
A internet é uma coisa tão maluca que agora você, além de crescer e virar
adulto, também acompanha digitalmente outras pessoas — que jamais
conheceria se não fossem as redes sociais — se transformarem em adultos.
Só que às vezes você pode amadurecer antes que elas e acabar perdendo o
interesse no que postam. Outras vezes elas mudam e você não entende por
que as influencers X e Y não falam mais sobre tal assunto. Vira e mexe, faço
uma limpa das pessoas que eu perdi o interesse em seguir. Às vezes, demoro
mais para deletar porque fico com pena, sabe? — “Poxa, já vi essa pessoa
passar por tantas coisas… Vou deixar ela aí mais um pouco” —, e desisto de
deletá-la.
Excluo também algumas redes sociais. Às vezes permanentemente, porque
perdi o interesse. Outras temporariamente, só porque estão me distraindo
demais durante o dia. O Snapchat foi uma das que desisti de vez. Eram tantas
as atualizações e os tipos de filtro que, quando eu ficava uns dias sem usar,
parecia que tinha virado uma tecnologia alienígena. Aliás, espero que não
aconteça com você, mas rolou com algumas amigas e sinto que cada vez mais
acontece comigo: virar a perdida da tecnologia. Aquela que tem medo de
baixar um novo aplicativo e não saber usar, que pede ajuda para postar numa
rede social e que acha que qualquer link pode ser vírus (o.k., muitos são). Sei
que não sou minha sobrinha de treze anos, que tem aplicativos e jogos dos
quais eu nunca ouvi falar, mas eu ainda, eu disse ainda, não sou como a
minha mãe. E, pensando bem, até que fiz um superfavor a ela tendo um filho,
porque o nível tecnológico dela já poderia ser considerado “avó” há uns bons
oito anos.
m dia você abre presentes no Natal na casa da sua avó e disfarça que odiou
ganhar uma meia da sua tia Suzana. No outro você passeia pelo shopping, vê
uma meia muito engraçada com desenhos de pizzas e pensa: “Nossa, a
Izabella, minha sobrinha, vai amar essa meia!”. Pronto, sua transição foi
iniciada. Você ainda é incapaz de perguntar se o pavê é “pra ver ou pra
cumê”, mas sem nem perceber senta ao lado da coitada da Izabella, que
acabou de ganhar a meia, e comenta: “E aí, Iza, tá namorando?”. A mágica
aconteceu: você virou uma adulta da sua família.
Agora você não só aceita levar um tupperware para casa com o resto da
comida como manda indireta no fim da ceia, dizendo em voz alta “Nossa,
sobrou bastante comida, né?” para não esquecerem de dar a sua parte. Afinal,
você já é adulta, mas a sua geladeira ainda não. Você agora planeja como o
Papai Noel (que não existe) vai deixar os presentes na sala sem que nenhuma
criança perceba. E, eventualmente, uma das crianças esperando o Papai Noel
chegar vai ser o seu filho.
Ser uma adulta da família é perder várias regalias e entrar para o time das
pessoas que passam a ter responsabilidades nos encontros com os parentes.
Elas podem variar entre comprar gelo, fazer a maionese ou até ceder a própria
casa para os eventos. E pensar que você achava esses encontros um trampo
quando era adolescente só porque te pediam para ajudar a pôr a mesa. Agora
você está gritando da cozinha enquanto mistura a maionese: “Izabella, tira
esse fone e ajuda sua avó a pôr a mesa!”.
Mas eu sinto falta mesmo é das coisas que se resolviam misteriosamente.
Um botão da sua blusa que caiu, mas do nada foi pregado de volta. O pijama
no qual você derrubou molho de tomate, mas a mancha sumiu. Uma calça
que precisava de uma barra e subitamente aparece pronta. São consultas
médicas marcadas, celular pago sem que você receba a mensagem “sua conta
está atrasada, pague e evite bloqueios” e lâmpadas trocadas. É uma vida de
luxo, mas, como você ainda não sabe direito das coisas, não dá o valor
necessário a elas.
Viajar com os pais é um dos melhores programas da vida. Não só porque
viajar é legal, mas porque são eles que cuidam de tudo. Seus pais agendam o
voo, o hotel, verificam se os documentos estão válidos e carregam os seus,
fazem as contas de que horas é preciso sair de casa para chegar ao aeroporto e
ter tempo de passar na livraria e comprar uma revista para você, que não
pensou em nada e, se bobear, esqueceu de pôr calcinha na mala. Hoje me
lembro disso e constato que fui uma adolescente inútil. Eu ficava andando em
círculos pelo aeroporto olhando para o meu tênis, enquanto meu pai arrastava
malas e minha mãe procurava a companhia aérea certa, com medo de perder
o voo. “Camila, fica aqui perto, filha, presta atenção.” E eu imaginando como
seria se eu me perdesse dos meus pais e tivesse que começar uma vida nova
dentro do aeroporto. “Pelo menos tem banheiro e dá para dormir nas
cadeiras”, eu pensava.
A transição da adolescente inútil para mãe de primeira viagem foi muito
brusca para mim. Tão brusca que na primeira viagem do Arthur esqueci de
pôr calcinhas na minha mala. Fiquei com vergonha de contar para o meu
marido e lavava a única calcinha que tinha, colocava no sol e ficava de
biquíni esperando secar. Adulta, né?
— Mãe, você tem um pedreiro para me indicar?
— Vai fazer obra, filha?
— Mais ou menos… Preciso arrumar o teto da cozinha.
— Tá com infiltração?
— Não, ele amassou.
— Amassou?
— É. E onde eu compro uma panela de pressão nova?
— Filha, você tá bem? Estou indo aí.
“Quando eu for adulta e morar sozinha, vou ouvir música no volume que
eu quiser.” Sim, você vai. Logo que fui morar sozinha, eu era aquela vizinha
pesadelo. Passava o dia inteiro com o som ligado e só lembrava que já era
tarde da noite quando o porteiro interfonava dizendo que alguém havia
reclamado da música alta. Eu achava injusto, mas diminuía o volume.
Durante os primeiros anos da minha vida adulta, os barulhos mais comuns
na minha casa eram a música alta, o secador de cabelo, a TV ligada e o celular
tocando. Com o tempo, esses sons logo foram substituídos por outros bem
mais adultos. O barulho mais emblemático dessa nova etapa da vida é o da
panela de pressão — que também é um dos grandes medos do recém-adulto.
Uma casa adulta nunca é adulta o suficiente sem aquele chiado ao fundo.
Relembre sua infância, imagine-se entrando na cozinha da casa dos seus pais
e diga se o som da panela de pressão não invade sua lembrança.
Outros sons característicos da vida adulta são: aspirador de pó;
liquidificador (porque nada pode ser mais prático para o dia a dia do que uma
boa torta de liquidificador); máquina de lavar roupa (principalmente quando
você já não tem medo de quando ela começa a centrifugar e parece que vai
explodir); interfone (ele toca bem mais do que o telefone, primeiro porque
você não tem mais telefone fixo, e segundo porque seu celular está sempre no
modo vibrar).
De repente, a música alta que você tanto ouvia vira um incômodo. E
vizinhos nessa fase de transição se transformam no seu pesadelo. Você
concluiu mais uma etapa da vida: agora é alguém que faz feijão e reclama da
garotada que mora no 72.
m belo dia eu estava ouvindo rádio enquanto lavava louça, bem dona de casa
madura, quando percebi que a música que tocava era muito boa e pensei:
“Nossa, parece a voz do Jay Kay, vocalista do Jamiroquai”. E nisso o locutor
da rádio diz: “Essa foi a nova música do Jamiroquai, que lançou álbum novo
no mês passado”. Oi? Álbum novo? Sempre fui fã da banda, do tipo que vai
aos shows e compra camiseta, e eu não fazia a menor ideia de que eles tinham
lançado uma música e, pior, um álbum inteiro. É triste e vergonhoso como fã,
mas ao mesmo tempo é totalmente compreensível perto das tantas
responsabilidades que tenho hoje em dia.
Comecei a perceber que minhas bandas favoritas são as mesmas de anos
atrás porque mais difícil do que ficar a par da vida delas é descobrir novos
artistas. É por isso que quando fico sabendo, bem em cima da hora
geralmente, que vai rolar um festival de música na minha cidade, não
conheço metade dos grupos que vão se apresentar. E tudo bem saber em
cima, nunca consigo ir mesmo. Primeiro porque os ingressos já estão
esgotados. E segundo porque com esse dinheiro posso pagar meu IPTU.
É chato entregar os pontos de uma vez e virar a senhorinha que estala os
dedos quando começa a tocar George Michael na rádio preferida da mãe.
Mas, infelizmente, é o que noto acontecer a cada dia. A vantagem é que,
como estou mais velha, minha bagagem musical também é maior. E agora eu
sei que aquele hit que todos os jovens berram durante o show e elogiam no
Twitter, como se o cantor fosse um gênio, na verdade é um cover de uma
banda dos anos 1980. Tudo tem o seu lado positivo.
ocê passou sua adolescência inteira achando que tinha insônia. Isso porque
ficava até tarde no computador. Mas é só quando você chega à vida adulta
que descobre como é que funciona de verdade essa história de não conseguir
dormir. Quando é mais novo, na maioria das vezes você dorme tarde porque
quer. Quando é adulto, você quer muito dormir, está exausto, mas mesmo
assim não consegue. Sua cabeça, que é a principal parte do corpo que deveria
relaxar, parece que fica a mil por hora e não para mais de pensar. E não são
pensamentos normais: são verdadeiras tragédias que surgem do nada,
acabando com qualquer possibilidade de sono tranquilo. Isso, sim, é insônia
de verdade.
Tenho paranoias muito loucas antes de dormir. Estou quase pegando no
sono, pensando nos compromissos do dia seguinte, quando lembro que vou
ter uma reunião num lugar meio longe. De repente, na minha imaginação,
bato o carro no meio do caminho. Na mesma hora, em vez de interromper o
pensamento, eu continuo e então me vejo no guincho e, não sei por quê, estou
sem bateria no celular. “Como vou avisar às pessoas que não vou conseguir
buscar o Arthur na escola?” E logo começo a tentar resolver problemas que
nem aconteceram. “Posso pedir o celular do motorista do guincho
emprestado. Hoje em dia todo mundo tem celular…” Até que, finalmente,
depois de uns quarenta minutos, chego a uma solução supercomplexa. Mas a
história não para por aí. Logo penso em outro absurdo e, quando vejo, já
estou no quarto do Arthur quase que pedindo desculpas por todos os erros
que cometi dentro da minha cabeça enquanto ele dorme como um anjo.
Se o milho explode e vira uma coisa muito melhor, será que outros
alimentos também têm esse
superpoder e ninguém sabe?

Por que existem as palavras “amarela”


e “amarelo”, mas não tem “laranjo”?

Será que os homens das cavernas achavam


que o abacaxi era uma arma e só depois
de uma briga descobriram que era de comer?

Qual diâmetro precisa ter meu guarda-chuva


para eu conseguir pular do telhado igual
a Mary Poppins e não me estatelar no chão?

Se o meu filho tiver um filho, e esse filho


do meu filho arrumar uma namorada,
ela é nora do meu filho e minha o quê?

Tá, então eles cruzaram o lobo da montanha


com um lobo menor e com menos pelo,
mas como chegaram no chihuahua?
uanto mais velho você fica, mais variados são seus tipos de amigos. Pelo
menos comigo. Tem o que vai a festas todos os dias, mora com os pais e nem
pensa em casar, muito menos ter filhos. E há aqueles que já casaram, tiveram
filhos, se divorciaram e casaram de novo, agora dividem o teto com novos
parceiros, filhos e enteados e te contam como é a convivência com os ex.
Essa variedade gigante nas amizades é o que torna a vida adulta mais fácil,
porque, para cada problema ou desafio que precisar enfrentar, você tem um
tipo de amigo ao qual recorrer. O que te leva para o bar não é o mesmo que te
ensina os truques para fazer a cólica do bebê diminuir, que não é o mesmo
que te explica como fazer uma planilha de gastos, que não é o mesmo que te
indica um bom restaurante japonês. Por isso, é importante que você tente
manter a amizade com todos. Nada desse papo de que, agora que tem filho,
você precisa focar nos amigos que também têm. O negócio é buscar uma
mistura equilibrada de estilos de amizades.
Você começa a valorizar cada vez mais aqueles que te acompanham desde
sempre, mas muitas vezes eles já não têm mais nada a ver com o seu estilo de
vida. Mas já são tantos os anos de amizade e histórias juntos que, mesmo que
hoje vocês sejam opostos em tudo, é com eles que você continua desabafando
sobre a vida. E tem coisa mais confortável do que você dizer “Lembra do
Dani, que namorei em 98?” e a pessoa dizer que sim?
— Preciso comprar um Long John novo.
— O que é isso?
— Aquela roupa de neoprene pra surfar.
— Nossa, e tem esse nome? Achei que Long John fosse um novo corte de
cabelo, tipo o chanel que agora virou long bob.
— Quê?
— Nada, esquece.
— Como foi que a gente ficou amiga, Camila?
— Também não sei.
Por mais diferentes que vocês sejam, amigos antigos sempre sabem o que
você vai dizer antes mesmo de terminar a frase. E o principal é que eles
sacam quando não está tudo bem, mesmo você falando que está. Aliás,
adultos gostam de fingir que tudo está sempre no controle, mas todo mundo
que chegou aqui onde estou (se é que eu cheguei mesmo à vida adulta) sabe
que aquele cenário maduro e tranquilo que a gente imaginava quando era
adolescente não é real. E nada como poder ligar para aquele amigo de
verdade e dizer que sua vida parece estar desmoronando, mesmo você tendo
postado aquela foto do brunch no sábado com a legenda “A vida é
maravilhosa #gratidão”. Amigos são, sim, a família que a gente escolhe e,
quanto mais eclética for essa família, melhor.
Mesmo cultivando bem as amizades antigas, novos amigos podem surgir a
cada nova fase da vida. Alguns deles podem se tornar os seus velhos amigos
quando vocês chegarem juntos à terceira idade. Por isso, não seja aquela
pessoa que tem preguiça de conhecer gente nova. Vai saber os perrengues
que você ainda está para viver… Quanto mais ajuda (e amigos) você tiver,
melhor.
er casada é competir com o marido para ver quem consegue espremer ao
máximo o tubo da pasta de dentes e evitar a terrível tarefa de agachar e pegar
um novo embaixo da pia. Um dia você ganha, no outro você perde, mas o
mais importante é manter o espírito esportivo nessa saudável convivência
diária.
Estar casada é acompanhar alguém ficando adulto bem de perto e,
principalmente, crescer junto com ele a cada nova situação a ser enfrentada.
A gente passa por mil fases durante a vida. A mesma coisa acontece no
casamento. Eu olho as fotos antigas de quando comecei a namorar o meu
marido e percebo os vários casais que já fomos. Já amamos vida noturna.
Depois ficamos caseiros. Já fomos bem mais do esporte. E agora, pais,
praticamente não temos tempo para vida noturna ou esportes.
O casamento é um grande passo para a vida adulta, mas é curioso pensar
que, para celebrar essa nova etapa, a gente organiza uma festa e gasta
praticamente todas as nossas economias. Não é a atitude mais madura, né? Eu
vejo esses reality shows de casamentos e fico gritando do sofá para a noiva:
— Para! Esse vestido é muito caro. Você vai usá-lo por uma noite só!
Imagina a pia nova que você poderia instalar na sua nova casa se não torrasse
essa grana toda com um vestido!
Depois que falo isso, me sinto uma pessoa muito madura, que sabe o valor
de um bom granito nos dias de hoje.
Eu não quis fazer uma festa de casamento. Nunca gostei de dar festas por
medo de ninguém ir. Sempre foi uma tortura imaginar aquela cena da festa
meio vazia e das (poucas) pessoas presentes me olhando com dó. Se fosse
para dar uma festa de casamento, acho que eu convidaria muita gente para
não correr esse risco e acabaria gastando todo o dinheiro que nem tenho.
Acabei casando apenas no cartório e saí para comer hambúrguer com meu
marido que já morava comigo havia quase cinco anos.
O engraçado é que muita gente não me considerava casada só porque eu
não tinha dado uma festa. Cansei de ser levada por pessoas para a pista de
dança na hora em que a noiva ia jogar o buquê em casamentos. Nunca
entendi direito por que faziam isso. Na minha cabeça, as pessoas pegam o
buquê na esperança de um noivo aparecer na vida delas, e não de que muito
dinheiro surja e você crie uma vontade do nada de gastar tudo em uma festa.
Falando em dinheiro, essa é a parte mais importante de esclarecer logo no
começo da vida a dois. Quando você é mais nova, sempre pensa que a traição
é o maior motivo para um casal se separar, mas isso é coisa de cinema porque
seria muito chato assistir a um filme no qual o casal briga porque um quer
comprar um sofá novo e o outro quer viajar. E então ficam nessa discussão
até o cano da cozinha estourar e eles gastarem todo o dinheiro com uma
reforma que ninguém queria. Quem assistiria a esse filme? Em vez disso, nos
filmes sempre aparece uma terceira pessoa supersensual e no meio tem um
assassinato. É bem mais interessante.
Uma coisa bem adulta do casamento é brigar e ter que continuar no mesmo
ambiente que a pessoa. Quando somos adolescentes e discutimos com o
namorado numa festa, vamos embora, dormimos na nossa casa e só depois, às
vezes após dias, encontramos com ele de novo para fazer as pazes. No
casamento não é assim, “briguei com você, tchau, vou embora”. Os filmes
também enganam a gente nisso. Na casa do casal que brigou sempre tem um
sofá-cama ou um quarto de hóspedes. Mas na vida real a gente divide a cama,
a mesa do café da manhã, a pia do banheiro e, inclusive, o tubo de pasta de
dentes. Então, é mais comum resolver a briga logo porque é carão demais
para fazer nessa vida.
Quanto mais tempo você passa com uma pessoa, mais redonda vai ficando
a relação. Você já sabe do que ela gosta, qual é o seu papel no casamento.
Acho que até as brigas ganham o próprio ritmo e tempo de duração definido.
Alguns casais ficam parecidos com o passar dos anos, outros se vestem igual
sem querer. Mas, quando a relação não vai bem, quanto mais tempo você
demora para terminar, mais insuportável vai ficando a convivência.
Tenho um amigo que inventou um congresso para ficar uma semana num
hotel longe da esposa. Ela ficou encanada porque ele nunca tinha tido um
antes, ligou no hotel e descobriu que não estava acontecendo congresso
nenhum. Ela nem pensou duas vezes e baixou lá esperando pegá-lo com a
amante, mas, quando chegou, ele estava sozinho tomando uma cerveja e
fazendo palavras cruzadas. Digo que os filmes enganam a gente com essa
história de que todo mundo trai. Trair dá muito trabalho e ser adulto já é
complicado demais. Às vezes, a gente só quer tomar uma cerveja e fazer
palavras cruzadas sem ninguém interromper para perguntar por que o
requeijão está fora da geladeira.
Sempre fico pensativa quando alguém diz que não quer que o casamento
caia na rotina, já que é o que acaba fazendo o meu funcionar. Talvez eu me
sinta mais segura com o previsível, o que é ruim, já que ser adulto é aceitar
que você não controla nada nessa vida, e que tudo pode mudar da noite
para o dia.
— Oi, moça. Quanto tá o lençol?
— Noventa reais.
— E vem com quantas fronhas?
— Não, esse é o preço do lençol avulso. Vem só ele.
— Ah, tá, brigada. Qualquer coisa, eu volto.
Ser adulto é achar que você sabe quanto as coisas custam, quando na
verdade você vive ficando chocado com o preço de tudo. É usar a frase “tô
só olhando” para não precisar dizer o que está procurando com medo de o
item custar o triplo do que você pensava. É ouvir o valor de um produto e não
gaguejar ao dizer que vai pensar mais um pouco e que, qualquer coisa, volta.
Dinheiro é um tema constante da vida adulta, você tendo muito ou pouco.
Convivo com os dois grupos: os que têm muito vivem falando de aplicações,
bolsas de valores e, nos dias de hoje, até de bitcoin. E os que têm pouco
falam de empréstimos, poupança e dívidas caducadas. Dinheiro é uma pauta
eterna da maturidade. Você quer que ele renda, você quer que ele pare de
sumir, você quer que ele apareça e quem sabe até que caia do céu. A coisa
mais cruel relacionada ao dinheiro na vida adulta para mim é a Mega-Sena,
porque, depois que você joga uma vez, vem aquele momento em que a gente
volta a ser criança e fica olhando para o nada fazendo planos de comprar a
casa em não sei qual praia e o barco com quartos para toda a família. Como
se fosse fácil ganhar na Mega-Sena. Aliás, é na vida adulta que você tem a
triste constatação de que ganhar dinheiro é bem difícil.
A vida adulta não tem mais volta quando você precisa contratar um
contador. Ele é o marco da sua maturidade. Uma vez que contadores passam
a fazer parte do seu dia a dia, você percebe que todo mundo está sempre atrás
de um, principalmente no Facebook: “Gente, alguém tem um bom contador
pra me indicar?”. Mas aprendi do pior jeito que contador não se indica, pois
pode ser pior que sugerir um médico. Tudo bem que, se você indicar um
médico e ele errar feio no diagnóstico de alguém, a pessoa pode até morrer.
Mas ainda é mais seguro uma pessoa que passou dessa para a melhor do que
alguém vivinho da silva reclamando diariamente do contador que você
indicou.
Eu não indico a minha contadora para mais ninguém. Acho que ela é boa,
mas na verdade não dá para ter certeza porque nunca entendo realmente o que
ela diz. Eu só torço para que ela esteja me mandando pagar o imposto certo e
fico aliviada quando diz que já fez o meu imposto de renda. Pelo menos até o
momento ainda não fui presa e não precisei dos serviços de um advogado,
outro tipo de profissional que também nunca entendo o que está dizendo (e
isso não é uma coisa muito adulta de confessar em um livro). Outra coisa
nem um pouco adulta é não saber conferir o troco, mas só quem é de
humanas compreende a dificuldade que é. Ainda mais quando vem moeda no
meio. Às vezes, até finjo que estou conferindo, como se a pessoa fosse dizer
“Tá bom, você me pegou, tá faltando essa moeda aqui ó…”.
Ao mesmo tempo que pagar boleto é chato, ter todas as contas pagas sem
nenhum atraso é uma das sensações mais tranquilizantes do mundo. Mas é
normal que você sinta um pouco de raiva ao ter que pagar certas contas, tipo
quando você tem TV a cabo com trezentos canais, mas só assiste quatro.
Quem nunca ligou para a operadora e reclamou: “Mas eu não assisto
desenho. Por que no meu plano tem onze canais infantis?”. Eu te digo por
quê: do nada você pode ter um filho, assim como eu tive, e num dia em que o
pequeno está em fúria você liga a TV e percebe que o choro para. E aí você
lembra daqueles onze canais que antes eram inúteis e agora te ajudam a ter
tempo para dar uma arrumada na bagunça da casa.
Outras coisas de que sinto raiva por ter que pagar: meu condomínio, que eu
acho um roubo, pois o prédio não tem nem uma piscininha para refrescar; o
plano extra de internet no celular, porque ele sempre acaba antes; produto de
limpeza, que, além de estar caro, ainda te faz lembrar que você precisa fazer
faxina; fio dental, que é chato de passar e tem o mesmo efeito que uma linha
que saiu da sua roupa e ainda te mandam passar três vezes ao dia (se formos
contar o que já usamos de fio dental nessa vida, dá para costurar o Brasil na
África).
Bom, minha lista é bem absurda e extensa, mas cada um tem a sua, né? O
fato é que ser adulto é constatar que o dinheiro é uma parte muito importante
da vida, e que a gente só não diz que ele compra felicidade para não pegar
mal…
trabalho é uma das coisas que te fazem crescer na marra. No começo, a gente
sempre tem uma ideia muito divertida do que é ir trabalhar. Selecionamos a
roupa com a maior empolgação para o primeiro dia e nem imaginamos que,
meses depois, não vamos mais aguentar escolher o que usar todo santo dia
para ir ao mesmo lugar. E, quando ganhamos o primeiro salário, já fazemos
mil planos do que queremos comprar com os próximos. Sem pensar, porém,
que começar a trabalhar, e, consequentemente, a ganhar dinheiro, traz novas
responsabilidades que vão acabar com todo o dinheiro antes mesmo de
comprarmos aquilo que queríamos inicialmente. E é normal que, no começo,
com a empolgação de ter um salário, a gente acabe gastando um pouco mais
(tá, às vezes é mais do que um pouco) do que deveríamos. O clássico é achar
que precisa comprar roupas novas para compor um look mais corporativo, e
nessa empolgação nos enchemos de peças que nem têm muito a ver com o
nosso estilo e que provavelmente vão acabar mofando no guarda-roupa.
Começar a trabalhar é achar que podemos comprar várias coisas legais,
quando, na verdade, apenas conseguimos pagar as contas do mês (e isso já é
o máximo).
Quando o emprego vira rotina é que entendemos que trabalhar dá muito
trabalho. E que o fim do mês demora muito para chegar. Talvez seja por esse
motivo que muitos adultos jogam na Mega-Sena. Eles querem acabar com
essa tortura de ver o dinheiro sumir.
Eu adoro o meu trabalho. Amo escrever, sejam livros ou roteiros, mas
mesmo um trabalho legal tem partes chatas. Você tem prazos, horários e
regras. E você tem colegas de trabalho com os quais pode e provavelmente
vai implicar. Tem metas que às vezes você não consegue atingir e reuniões
que não dão o resultado esperado. Você tem medos e, claro, preguiça.
Você vai ouvir, várias vezes durante a sua vida, que precisa sair da sua
zona de conforto. Sempre que alguém me fala isso, eu penso: “Mas o que
essa pessoa quer que eu faça? Que arrume um emprego pior? Mais longe da
minha casa? Que pague menos? Com pessoas muito chatas como chefes?”.
Me deixem sentir um pouco de preguiça nessa vida, por favor.
Você começou a trabalhar e ganhar seu dinheiro. Ficou independente, o
que é uma nova conquista da sua fase adulta. Mas é quando você percebe que
vai ter que trabalhar para o resto da vida, e que daqui para a frente as suas
responsabilidades só aumentarão, que você entende como é complicado ser
adulto. Você começa então a fazer planos para, quem sabe um dia, conseguir
se aposentar com dignidade. Afinal, ser adulto é perceber que um dia você
vai ser velhinho, e velhinhos precisam cada vez mais de dinheiro. Eu acho
muito injusto que, quanto mais velho você fica, mais dinheiro tem que gastar,
enquanto menos dinheiro você ganha. Mas ser adulto é se deparar com as
injustiças do mundo.
Seu trabalho é um dos muitos núcleos da sua vida. Ele é como uma série
de TV. Entram e saem novos personagens o tempo todo, e em cada nova
temporada acontece algo impactante, seja uma nova promoção ou uma
demissão. E você tem que estar preparado para temporadas com finais felizes
ou trágicos. Ser adulto é ficar tentando se antecipar em tudo, mas
continuar sendo surpreendido o tempo todo. Pode ser que você se
apaixone por alguém do trabalho e se sinta como um adolescente de novo.
Tipo quando você está a fim de uma pessoa na escola e tem vontade de ir
para a aula todos os dias.
Se apaixonar por alguém do trabalho pode ter esse lado positivo, mas, se
você tomar um fora, não rola inventar uma gripe e faltar dois dias. Você vai
ter que encarar esse climão como um adulto. É melhor que você arrume uma
paixão dessas bem platônicas. Elas são perfeitas para o ambiente de trabalho.
Você não vira fofoca, não fica com medo de perder o emprego e está sempre
disposto para ir ao trabalho, porque tudo só acontece dentro da sua cabeça.
Eu tive uma paixão platônica tão grande por um chefe que, sem querer,
chamei-o de lindo no meio de uma reunião. Ele olhou assustado para mim:
— Oi?
— Lídio, eu disse Lídio, você lembra muito o meu amigo Lídio.
Conviver diariamente com as mesmas pessoas exige uma certa etiqueta.
Você até pode não gostar de alguém, mas deixar isso muito aparente é
sempre complicado. Cada pessoa tem um jeito de pensar e pode ser que o seu
chefe seja o tipo de gente que marca reuniões por qualquer razão e você
precise se fingir de interessado enquanto pensa em qual quilo vai almoçar. E,
quando você finalmente sai para almoçar, talvez precise inventar alguma
mentira para a menina chata que trabalha do seu lado não ir com você. Ou
seja, ser adulto no trabalho é uma eterna atuação. É mostrar que você não
precisa fazer uma escola de teatro para saber representar.
Mas existe uma situação em especial que nem os melhores atores do
ambiente corporativo conseguem controlar: o choro. Quando o choro no
trabalho vem, vem com tudo. E isso só quem já chorou depois de alguma
bronca sabe como é. Você vai até o banheiro jogar água no rosto, mas é só
voltar para a mesa que o choro retorna também. Acho que todo local de
trabalho deveria ter uma mãe fake para a gente poder abraçar nessas horas.
A parte mais exaustiva do trabalho é ter que parecer sempre ocupado. Não
tem essa de “Já acabei por hoje, acho que vou ligar uma série no computador
e chamar a Mari do RH pra ver comigo…”. Primeiro porque você precisa
justificar o seu salário. E segundo porque adultos adoram competir para saber
quem é o mais ocupado. Diferentemente das crianças que se gabam quando
estão de férias, os adultos competem para ver quem está mais ferrado de
trabalho, inclusive durante as férias. Eu me lembro de ser criança e ter inveja
da minha vizinha do quarto andar que não precisava ir para a aula de natação
e ficava vendo filme deitada no sofá. Aposto que essa vizinha cresceu e hoje
tem conversas do tipo: “Ai, amiga, desculpa não ter te ligado, mas não parei
um minuto esta semana. Juro! Acho que nunca trabalhei tanto na vida…”. E
quando você é mãe ainda ganha a cartada extra que é mostrar como os filhos
dão trabalho. Antes de ser mãe, eu morria de raiva das amigas que “venciam”
a competição com a simples frase: “É, mas isso porque você ainda nem tem
filhos…”. Por isso prometi para mim mesma que nunca falaria isso para
alguém, mas que eu ando corrida eu ando, viu? Ainda mais com filho…
k, você chegou a um capítulo sobre gravidez, mas nunca ficou grávida e nem
está perto de ficar. Ou nem quer ficar. Calma, é bom que você o leia,
primeiro porque pode ser pega de surpresa e acabar ficando grávida. E
segundo porque sempre tem uma amiga grávida, ou uma grávida na família,
ou uma grávida no trabalho, e elas vão te agradecer muito por você ter
dedicado alguns minutos da sua vida para entender como elas se sentem.
Eu amadureci muito quando fiquei grávida, mas foi um processo. Entendi
que a vida havia mudado, mas ainda não sabia por que você só descobre de
fato quando vira mãe. Mesmo sem compreender direito como ia ser dali para
a frente, o meu senso de responsabilidade se transformou por completo. Eu
não tomava mais conta só da minha vida, mas tinha uma outra em jogo. Você
se arrisca menos, se cuida mais, come coisas mais saudáveis, tenta não ficar
nervosa à toa. Faz exames o tempo inteiro, não esquece do cinto de
segurança, fica com aflição de viajar de avião, porque nada de errado pode
acontecer com você. Pois você não é mais só você. Ao mesmo tempo vem o
medo do desconhecido. Aqueles seus antigos temores da vida adulta são
deixados um pouco de lado, e você é apresentada a novos. Porque ser
adulto, no final das contas, é descobrir novos medos e enfrentá-los todos
os dias.
Por outro lado, ficar grávida é uma dádiva. Até para os outros. Até para a
pessoa na sua frente na fila do restaurante a quilo:
— Quer passar?
— Oi?
— Você tá grávida. Quer pagar na minha frente?
— Ah, sim, verdade. Mas tô bem, não precisa.
— Não, pode passar. Vai lá.
— Tá bom, brigada.
Paguei. A outra pessoa pagou. Ela foi embora feliz porque fez uma boa
ação, e eu continuei lá, em pé ao lado da fila, esperando meus amigos que
estavam comigo pagarem. Ser grávida é dar a chance ao próximo para que ele
acredite que realmente fez algo por alguém. É fascinante.
Ficar grávida é ser paparicada por conhecidos e desconhecidos. É uma
espécie de pique da vida adulta, quando você pode furar filas, repetir
sobremesas em restaurantes com menu fixo, ter sempre garantido um lugar
para sentar, receber ajuda para carregar sacolas e ganhar aquele olhar de
admiração dos outros. Porque, poxa, você está fabricando um novo ser dentro
da sua barriga e isso é realmente muito incrível. Aliás, quando estava grávida,
amava cruzar com outras grávidas na rua. Sempre rola uma troca cúmplice de
olhares. Tipo as buzinadinhas entre os taxistas, sabe? “Tô ligada, irmã, tamo
na mesma.”
Mas, ao mesmo tempo, estar grávida é estar preparada para responder a
perguntas chatas — e às vezes até invasivas — de pessoas que não têm a
menor intimidade com você.
— Seu mamilo já está escuro?
— Oi?
— O meu não ficou muito, não, mas, como você é mais morena, ele deve
estar bem escuro, né? Você está esfregando com uma bucha vegetal?
Aliás, eu nunca falei tanto sobre mamilos em toda a minha vida. Acho que
decidi esperar mais tempo para ter um segundo filho porque ainda não estou
pronta para voltar a conversar sobre mamilos. Ficamos respondendo às
mesmas perguntas todos os dias. Na próxima gravidez, vou andar segurando
uma placa dizendo de quantas semanas estou e o sexo do bebê, além de um
breve relatório de como me sinto.
— Oi, Cami. Quanto tempo! Fiquei sabendo que você tá grávida…
— É, tô, sim.
— E como tá?
— Ah, tô bem.
— Tá muito nervosa?
— Não…
— Tá chorando muito?
— Não…
— Tá com desejos estranhos?
— Não…
— Tá comendo muito?
— Não…
— Tá com azia?
— Não…
— Tá com muito sono?
— Não…
— Mas você tá de quantos meses?
— Seis e pouco.
— Nossa, cadê a sua barriga?
Eu fui uma grávida que decepcionou muitas pessoas, pois elas gostam de
ouvir (e, se possível, acompanhar de perto) os perrengues pelos quais você
passa. É por isso que a gente assiste a reality shows de resistência. Gostamos
de ver seres humanos no meio da selva dormindo embaixo de uma cabana de
galhos e folhas e esquentando um pedaço de lagarto na fogueira para jantar.
Acontece que o meu maior perrengue durante a gravidez inteira foram
gases. E esse não é bem um assunto sobre o qual você sai falando por aí.
Ninguém quer ouvir sobre pum. E, pior, ninguém quer sentir o seu pum. Mas
pum, infelizmente (ou felizmente, se por acaso você está ou já ficou grávida e
sabe a importância de soltar um pum), foi quase um tema diário durante a
minha gestação.
Foram mais de oito anos sem um único punzinho na minha relação com
meu marido. E, de repente, virei uma máquina de puns. E puns enormes. O
grande estouro, que inaugurou essa nova fase em minha vida, chegou do
nada. Para falar a verdade, eu nem achava que queria soltar um pum. Não é
que eu estava segurando nem nada. Eu só sei que meu marido disse algo
engraçado, eu ri e ele saiu.
— Isso foi um…
— Foi, amor, foi um pum.
— Mas, nossa, foi muito alto. Pareceu um berro!
E foi assim a gravidez toda. Depois de qualquer risada, tosse, espirro, força
para levantar, força para sentar, vinha um pum. Achei que esse seria o único,
digamos, vexame que eu passaria durante a gravidez, mas aí veio o xixi. Pois
é, fazer xixi na calça quando se é criança já é um pesadelo, mas e quando
você é adulta?
Eu estava na sala de casa, de camisolinha de grávida, toda angelical,
quando meu marido falou alguma besteira (sim, me casei com um cara
engraçado) e o xixi começou a sair, também do nada, e escorrer pelas minhas
pernas. E era muito xixi. Eu saí correndo, deixando um rastro para trás.
Voltei para a sala de calça de moletom e camisetão, sem charme nenhum, e
ele estava passando pano no piso, meio chocado. Achei que ele ia morrer de
rir, mas ficou preocupado. Até hoje não sei se ele ficou com medo de ter algo
errado comigo ou de aquilo virar algo rotineiro e ele ter que ficar limpando
xixi dos outros antes mesmo de ter um bebê em casa.
Pois é, não tive muito enjoo, nada de azia ou desejos, mas pus o casamento
à prova. E até o momento ele ainda mora comigo e, não, nunca soltou um
mísero pum na minha frente. Mas esse dia vai chegar, eu tenho fé.
Quem descobriu que eu estava grávida foi minha amiga Maria Eugênia.
Estávamos em uma viagem de trabalho e, como geralmente ficávamos
menstruadas sempre na mesma semana, ela se deu conta de que eu estava
atrasada. Comprou um teste de farmácia na mesma hora e praticamente me
obrigou a fazer.
— Vai lá fazer esse teste porque eu tenho certeza que você tá grávida!
— Que grávida, Maria? Tá doida?
— Vai, faz xixi nesse negócio logo. Preciso descobrir se vou ser tia.
— Mas eu acabei de fazer xixi, não tô com a menor vontade.
— Faz uma força que sai. E não demora que a gente tem que sair.
Entrei no banheiro superdesencanada. Abri o teste e consegui fazer umas
três gotinhas de xixi no local indicado. Não vi nenhuma mudança, positivo ou
negativo.
— Não saiu quase nada de xixi. Você com essa pressa me fez estragar o
teste.
— É, acho que você deve ter feito o xixi no lugar errado. Bom, na rua a
gente compra outro.
— Mas eu não tô grávida.
— Tá, sim.
Voltamos do trabalho. Maria foi direto para o nosso quarto e eu parei no
restaurante do hotel para comer. Do nada um garçom vem falar comigo:
— Oi, você que é a Camila?
— Eu mesma.
— A sua amiga Maria ligou aqui no restaurante te procurando.
— Sei…
— Ela pediu pra você subir para o quarto. Disse que era urgente.
— Tá bom, já estou indo. Obrigada.
— Olha, acho que ela estava chorando…
Saí correndo do restaurante. Cheguei à porta do quarto, que já estava
aberta, e encontrei a Maria emocionada, segurando o meu teste na mão. Ela o
encontrou em cima da pia do banheiro. Com o resultado positivo. Como eu
tinha feito muito pouco xixi, acho que o resultado demorou mais que o
normal para aparecer. Na mesma hora fiz outro teste. Positivo de novo. Maria
me abraçou, a gente chorava de felicidade. Ela disse que se fosse menina
tinha que se chamar Maria, mas, como ela tinha certeza de que ia ser menino,
eu podia escolher qualquer nome. Nunca mais duvidei da Maria.
Não sei se foi psicológico, se foi mesmo da gravidez ou da culinária
exótica, mas foi só chegar ao Acre, para onde havíamos viajado na sequência,
que comecei a sentir os tais enjoos. Eu queria voltar logo para São Paulo e
contar ao vivo para meu marido e minha mãe, mas ainda tinha mais dez dias
de gravação. O jeito foi contar por telefone mesmo.
O meu mais novo medo, pós-gravidez, se chamava desemprego. Quem
contrataria uma grávida de quase três meses? Mas aos quatro meses me
chamaram para um novo programa de TV, também como roteirista, e, dessa
vez, graças a Deus, em um estúdio, com hora certa para começar e terminar
as gravações. Seriam cinco meses de projeto. Ou seja, trabalharia até o final
da gravidez. Topei. Nessa altura já tinha feito as contas de quanto me custaria
o enxoval e, “milagrosamente”, meus enjoos passaram.
Minha barriga ainda não aparecia, mas, conforme eu ia andando pela
produtora, as pessoas espalhavam a notícia. “Gente, essa é a Camila. Ela tá
grávida! Nem parece, né? Quantos meses mesmo?” Por isso, fiquei conhecida
lá como “a grávida”. Era um tal de “fala com a grávida”, “pede para a
grávida”, “a grávida é quem cuida disso”… Acho que tem gente que
trabalhou comigo nessa época e nunca soube o meu nome. Mas ser “a
grávida” do trabalho teve a sua parte boa. Sempre me traziam comida,
arrastavam cadeiras para eu sentar e me liberavam no horário combinado.
Trabalhei até quase os nove meses. Quando chegava em casa, confesso,
sentia falta daquele bando de gente me paparicando o dia todo.
a gravidez, seu corpo passa pela maior transformação da sua vida e é tudo tão
rápido que você mal tem tempo de se acostumar com seu novo tamanho.
Você acaba virando um ser desgovernado que tropeça e derruba coisas. Acho
que deve ser parecido com quando você fica bem velhinha, principalmente na
questão da agilidade. Você anda devagar, segura no corrimão e evita todo o
tipo de sapato de salto.
Acabei descobrindo que grávidas também precisam seguir padrões. Sim,
para a grande maioria das pessoas existe uma grávida ideal. Ela não pode ser
nem muito gorda nem muito magra. O tamanho da barriga é algo
extremamente analisado e, para isso, as mãos de conhecidos ou estranhos
alisam a sua para conferir direito.
Pessoas aleatórias chutam o sexo do bebê conforme o formato da barriga.
A minha tinha um formato mais pontudo, o que queria dizer, supostamente,
que eu estava grávida de uma menina. Mesmo que avisasse as pessoas que
estava esperando um menino, eu ouvia: “Ah, você sabe que os testes podem
estar errados, né?”. Sim, com certeza o exame de sangue e o pênis que eu vi
no ultrassom foram enganos, uma vez que você acabou de me revelar que,
nossa, vou ser mãe de uma menina. Pensei em responder isso tantas vezes…
Mas insistir no assunto é um erro, porque você corre o risco de ouvir a
história de uma amiga da amiga que também tinha uma barriga pontuda, mas
achava que era menino e só descobriu o erro depois de ter comprado o
enxoval inteiro na cor errada. Putz, a tal da cor certa ou errada. Sim, em pleno
2018 ainda temos azul versus rosa.
— Oi, você tem prendedor de chupeta?
— Para menino ou menina?
— Para chupeta.
As pessoas te perguntam se você vai fazer o enxoval em Miami como se
essa cidade ficasse a duas horas de carro da sua. E como se você morasse
num país que mal tem fraldas à venda. Se a sua resposta for não, elas
começam a jogar na sua cara tudo o que você poderia comprar lá pela metade
do preço. E aí você se sente mais idiota ainda, porque, além de desconhecer o
sexo do próprio bebê pelo formato da sua barriga, você também não sabe
fazer enxoval. Nem fazer contas para descobrir onde economizaria mais. Eu
acabava explicando que estava trabalhando, mas isso não era o bastante, e
muitas pessoas ficaram decepcionadas por eu não ter condições de largar tudo
e ir até Miami fazer compras em dólar.
O tamanho da minha barriga também não correspondia à expectativa. Dos
seis aos nove meses de gravidez deixei pessoas confusas e indignadas com a
minha circunferência. “Mas o que a sua médica disse sobre o tamanho da sua
barriga?” e “O bebê tá normal?” foram frases que ouvi de mais de uma
conhecida. E, mesmo você dizendo que está tudo bem e que o bebê está com
o peso esperado, te olham como se você fosse louca e não soubesse que algo
de muito errado está acontecendo com você e com o seu filho.
As grávidas que engordam mais também sofrem julgamentos: “Tem
certeza de que não são dois aí dentro?”. Ah, é, pode ser que um bebê esteja
escondido atrás do meu estômago e não deu as caras em nenhum ultrassom
até agora. Se você responder isso já sabe, né? Vai ouvir sobre um caso que
aconteceu na Índia, onde uma grávida descobriu que eram gêmeos só no
oitavo mês, quando deu à luz antes do tempo.
As pessoas são tão enxeridas quando se está grávida que se tornam
especialistas no assunto, mesmo as que nunca ficaram grávidas: “Você sabe
que é importante se exercitar, né?”; “Você já fez um exame pra ver se não
está com diabetes?”.
Outro fato muito interessante é que grávidas mais magras não podem ser
vaidosas. Quando se é vaidosa e tem a barriga pequena, as pessoas traçam
uma teoria de que talvez você não esteja se aceitando como grávida. E aí vem
outra pergunta maravilhosa: “Você quis ficar grávida?”. Mas a real é que
estar grávida é apenas uma fase preparatória para quando você virar mãe e as
pessoas começarem a cuidar da vida do seu filho também. Durante a gravidez
você é questionada sobre como engravidou, quando, quanto tempo demorou
para ficar grávida, quem é seu médico, quais vitaminas você está tomando,
por que está se exercitando, por que não está se exercitando e, a pior de todas,
se vai ser normal ou cesárea.
O problema é que normal ou cesárea não é uma escolha simples. Você
pode querer muito fazer parto normal, mas não ter dilatação. Assim como
você pode agendar uma cesárea e o bebê nascer antes. Eu estava tão ansiosa
com essa coisa do parto que uma amiga minha disse que eu deveria me
consultar com uma vidente. Pensei que não seria uma má ideia: quem sabe
ela já não me dizia o sexo do bebê também? Marquei hora com a d. Eva, que,
por cem reais, falava por quarenta minutos cronometrados em um relógio. Ela
acertou. Disse que seria cesárea, e foi. Depois errou — “Vai ser uma menina
linda, a cara do pai” —, e por isso parei de acreditar em videntes. Mas era
divertido fazer cara de chateada e dizer “Queria muito fazer parto normal,
mas a d. Eva, que é vidente, já me avisou que vai ser cesárea. Então nem
gastei dinheiro com a bola de pilates”. Acho que as pessoas pensavam:
“Coitada, a gravidez deixou ela mais louca ainda”.
Ah, sim, louca! Agora você não ouve mais que está maluca por causa da
TPM: são os hormônios da gravidez! Você não pode mais ficar chateada
porque seu freela não rolou ou brava porque perdeu um brinco, pois as
pessoas sempre vão dizer que são os hormônios. Pode ser que um dia ou
outro seu humor oscile, é verdade, mas, para a maioria das pessoas, você
virou um novo ser, que causa medo, já que está prestes a explodir de raiva ou
chorar de modo descompensado.
Toda grávida tem fama de louca, mas quem não fica meio doida tendo que
aguentar esse bando de gente chata, não é mesmo? Podiam fazer um
experimento com pessoas não grávidas, dizendo para elas sem parar, por
exemplo: “Nossa, sua cabeça é muito pequena. Você já foi ao médico para
ver se está tudo bem com você? Ele disse que o seu cérebro é normal? Porque
sua cabeça não parece uma cabeça normal…”. Quem não ficaria maluco
ouvindo isso?
cara da academia me liga:
— Oi, Camila. Notei que você não aparece mais. Aconteceu alguma coisa?
— Eu tô grávida.
— Mas a sua médica te proibiu de se exercitar grávida?
— Não.
— Então por que você não aparece?
— Porque eu tô grávida.
— Sim, entendi.
— Desculpa, eu tô muito burra grávida. Não consigo pensar em nenhuma
desculpa melhor.
— Ah, o.k. Se mudar de ideia, apareça.
— Eu não vou. Eu tô grávida.
— Eu já entendi.
— Ah, que bom. Tchau.
— Tchau.
No momento em que deveria estar mais esperta, afinal é preciso agendar
exames, fazer enxoval e planejar a chegada de um novo ser ao mundo, você
vira uma pessoa incrivelmente burra e esquecida. Até se esforça e anota tudo
numa agenda, que, mais cedo ou mais tarde, vai perder. Eu cheguei a ponto
de me deixar bilhetes pendurados na porta do elevador de casa. E, não, o meu
prédio não tem um apartamento por andar. Mas, no final, eu assinava:
“Desculpa, vizinhos. Estou grávida e esquecida”. E ninguém nunca reclamou.
Ou, se reclamou, também já esqueci.
O lado bom é que mulheres que já ficaram grávidas relevam
automaticamente tudo o que você diz, principalmente tudo o que você
combina com elas e promete não esquecer (mas esquece). Elas são as
melhores companhias, e você precisa muito conversar com elas para se sentir
menos burra com as histórias da época em que estavam grávidas. Esse é um
dos objetivos deste capítulo do livro, além de te fazer rir. Quero que você,
leitora grávida, se sinta um pouco melhor com os absurdos que fazemos
durante esse período. E quero que você, não grávida, tenha um pouco mais de
compaixão com as gestantes.
Uma das minhas burrices preferidas foi escovar os dentes no trabalho,
jogar a escova de dentes fora e guardar o papel com o qual tinha enxugado a
boca no nécessaire. E eu fiz isso duas vezes. Também saí para trabalhar de
pantufas e me dei conta entrando no carro, graças a Deus. Seria difícil demais
para mim segurar esse look com naturalidade o dia todo. Perdi as contas de
quantas vezes chamei o meu marido de mãe (olá, Freud) e fiz a clássica
confusão de chegar uma semana antes à festa de aniversário do filho de uma
amiga. E é claro que na data certa da festa eu esqueci e não fui. O presente da
criança acabou ficando para o Arthur, meu filho.
Mas nada vai superar o dia em que achei que a Dilma (a ex-presidente)
estava almoçando com uma amiga, num restaurante a quilo, no bairro de
Pinheiros, em São Paulo. O mais doido é que eu não imaginei esse absurdo
sozinha. Quem começou com a história foi a minha amiga Jana, que nem
grávida estava.
— Cami, aquela mulher não é a cara da Dilma?
— Meu Deus, é ela!
— Sério? Você acha mesmo?
— Óbvio! Olha o cabelo, os óculos! É ela, certeza!
— Meu Deus, mas a Dilma almoçando no quilo?
— Tá vendo aquele cara ali atrás? Deve ser um segurança.
— Acho que ele é o garçom, Cami.
— Não, ele quer que você pense que ele é um garçom.
Conforme o almoço chegava ao fim, a Jana foi se dando conta cada vez
mais do absurdo que era achar que aquela mulher se servindo de mais pudim
de leite era a Dilma. Por que ninguém pedia uma foto com ela? Por que
ninguém nem ao menos olhava para ela? Mas a grávida maluca aqui chegou
ao trabalho e contou para todo mundo que, sim, a Dilma estava almoçando no
restaurante a quilo do bairro. A notícia se espalhou com tanta velocidade que
em determinado momento o Fábio Porchat (a produtora onde eu trabalhava
na época fazia o programa dele) me parou no corredor e perguntou: “Foi você
que almoçou com a Dilma hoje?”.
Naquele momento eu não era mais apenas “a grávida do trabalho”. Eu
tinha me tornado “a grávida que almoçava com a Dilma no restaurante a
quilo”. Mais tarde fui a uma reunião em outra produtora e, assim que entrei
na sala, uma das pessoas, que eu nem sabia quem era, falou alto: “Não foi
você que almoçou com a Dilma hoje? Eu vi alguém falando no Twitter!”.
Como uma boa grávida sem noção, confirmei e ainda comentei suas escolhas
do bufê. À noite a Jana me liga: “Cami, a gente não viu a Dilma, tá? Para de
falar isso para as pessoas. Um cara de uma revista acabou de me ligar”. Hoje
me lembro dessa história e morro de vergonha de mim mesma.
Fiz muitos outros absurdos durante a minha gravidez, que obviamente
acabei esquecendo. A esperança é que tudo melhore quando o bebê nascer,
mas preciso confessar que piora. Pois é. Então, prepare-se para ficar ainda
mais louca e atrapalhada. E, se eu puder dar um conselho, anote suas
melhores histórias da gravidez para não esquecê-las e poder rir de tudo mais
para a frente.
ssa é a pergunta pesadelo de toda mulher grávida que ainda não escolheu um
nome para o filho. Não existe nada pior do que você ficar indecisa entre
vários e as pessoas perguntarem quais são seus preferidos, além de fazerem
cara feia para um deles. Por que são sem noção e fazem isso?
— Tô em dúvida entre Max e Arthur…
— Max? Nossa, Max não é nome de cachorro?
E então escolhemos Arthur.
E quando o nome de que você gosta é o mesmo de alguém que o seu
marido odeia? É sempre assim: você acha que encontrou o nome mais lindo
para sua filha, mas ele diz que não, apavorado, revelando que teve uma
professora chata homônima que o deixou de recuperação. Ou você descobre
que o nome de que você sempre gostou é o de uma ex dele. Nada contra as ex
do meu marido, mas meio esquisito, né? Ele repetindo o nome dela o dia
inteiro e ainda fazendo uma voz fofa.
Tenho um amigo que não chegava a um acordo com a mulher sobre o
nome do filho. E a discussão não ficava apenas no primeiro nome mas
também na escolha dos sobrenomes. Então eles resolveram decidir na
numerologia. Cada um falou o nome completo escolhido para o bebê e a
numeróloga disse qual era o melhor. Ele perdeu. O filho ainda tem quatro
anos, mas quero acompanhar de perto a evolução dessa criança de nome
perfeito. Será que ele é o nosso próximo Neymar?
Sempre achei que teria um filho, mas, não sei por quê, só escolhi nomes de
meninas quando descobri que estava grávida. E a gente pega amor pelo
nome, sabe? Fiz a besteira de contar meu nome de menina no grupo das
amigas e uma delas disse: “Nossa, eu sempre gostei desse nome também”.
Então ali estava eu rezando para ela ter um menino e não roubar meu nome
de vez, sendo que eu nem sabia ainda se queria tentar ter outro filho (esta
parte do livro é bem “madura nem sempre”, tá?).
Mas e quando é você que pergunta qual vai ser o nome do bebê e do nada a
pessoa fala um que você acha muito horroroso? Conseguir manter uma cara
neutra é prova de maturidade e por isso mesmo evito perguntar. Se a pessoa
quiser, ela que fale. Não me esqueço do meu avô (geminiano que diz tudo o
que vem à cabeça), que uma vez brigou com uma moça grávida porque ela
queria chamar o bebê de Tony. E ele dizia, indignado: “Minha filha, Tony
não é nome, Tony é apelido. Ou você acha que o Tony Ramos se chama
Tony?”. E eu morrendo de vergonha, tentando ajudar: “Mas, vô, hoje é nome,
sim. E, se ela gosta de Tony, deixa ela”. E ele: “Imagina que é nome. Você e
ela estão malucas. Esse nome não existe!”. Nunca soube se o bebê acabou de
fato se chamando Tony, muito menos se esse é mesmo o nome do Tony
Ramos.
Tem gente que muda no cartório o nome que os pais deram. Pensa no
trabalho que deve ser fazer isso… Você tem que odiar muito o seu nome para
chegar a esse ponto. Eu vou ficar superchateada se o Arthur resolver mudar
quando ficar maior. Quando eu era novinha, imaginava meus filhos com uns
nomes superdiferentes, meio de personagem de filme, tipo Beatrix, Red, Tito.
Acho que meu avô teria um treco. Imagina se, aos vinte anos, o Arthur
implica que todo mundo se chama como ele, diz que eu não tive a menor
criatividade e muda o próprio nome para Nagori ou Turibio?
A real é que você pode dar o nome que quiser, mas sempre vai correr o
risco de um amigo da escola destruí-lo com um apelido horroroso. Então, seja
Antônio ou Tony, ele sempre pode crescer e virar o Cabeção ou o Toniqueta.
ssim que você engravida, todo mundo quer saber se é menina ou menino. E
eles querem saber logo. Nada de esperar para descobrir só no ultrassom. A
cobrança é que você faça um exame de sangue e dessa forma mate a
curiosidade de todos. As pessoas me diziam, animadas: “Tenho uma amiga
que descobriu que era menino com sete semanas!”. Como se ela não tivesse
que esperar os nove meses de qualquer maneira para ver o bebê.
Agora, então, está na moda o tal do “chá revelação”, que é quando o casal
reúne amigos e parentes e descobrem o sexo do bebê juntos. Os pais cortam
um bolo e encontram um recheio rosa (menina) ou azul (menino). Para
alguém que não fez nem festa de casamento, um evento desse tipo era algo
muito distante do meu universo e, dessa maneira, decepcionei novamente as
pessoas ao dizer que não faria um.
Confesso que eu até que estava animada para descobrir o sexo logo, mas,
assim que fiquei sabendo o preço do exame de sangue, que obviamente o
convênio não cobria, achei mais sensato tentar a sorte em algum dos muitos
ultrassons que ainda faria. Mas quem disse que me deixaram esperar? Minha
amiga Francesca ficou inconformada. Com oito semanas de gravidez, fui
interrogada por ela:
— Mas quando é o próximo ultrassom?
— Daqui a um mês.
— A gente só vai ficar sabendo daqui um mês?
— Talvez, porque pode ser que nem dê para ver nesse ultrassom.
— E aí?
— E aí que tem que esperar o outro.
— Ah, não. Não aguento. Se a gente fizer o exame de sangue já dá para
saber?
— Já, mas custa os olhos da cara, e eu não vou pagar.
— Eu pago.
— Como assim?
— Eu pago, mas com uma condição.
— Qual?
— Eu recebo o resultado primeiro.
Já vi pessoas ansiosas, mas nenhuma chega perto da Francesca. Ela me
arrastou para o laboratório no mesmo dia. Chegando lá, perguntava sem parar
para a atendente quando o resultado ficaria pronto e ouvir que poderia
demorar até cinco dias úteis foi uma tortura para ela. Só sei que uns três dias
depois que fiz o exame ela me ligou gritando: “É o Arthur que está aí! É o
Arthur!”. A gente ainda não tinha escolhido o nome, e Arthur estava na lista
junto com mais três opções, mas ela gritou com tanta convicção que achei
melhor não contrariá-la. Naquele momento me tornei a mãe do Arthur, e a
Francesca virou alguém que já planejava o meu chá de bebê. Sim, ela
organizou tudo porque, se dependesse de mim, a gente já sabe…
squeça aqueles cinco minutos finais do último dia de aula que não passam de
jeito nenhum quando você está prestes a sair de férias. Esqueça aquela sexta-
feira de trabalho pós-almoço e pré-feriado na segunda que não acaba nunca.
Esqueça tudo o que você tem de referência como muito demorado porque
tudo na vida passa muito rápido quando comparado ao último mês de
gravidez. A minha impressão é que, do terceiro para o oitavo mês,
transcorreram apenas dois meses, mas, do oitavo para o nono mês, passaram-
se sete meses.
O último mês é aquele que você tenta fazer coisas simples e não consegue.
Tipo amarrar o cadarço do tênis. Isso se o tênis ainda couber no seu pé. Você
passa mais tempo fazendo xixi do que dormindo e talvez se irrite um pouco
mais com o seu parceiro, apenas porque é irritante ver como nada na vida
dele mudou.
Você está lá com dor na bacia, tornozelo inchado, melecada de óleo de
amêndoas. E aí olha para o seu marido, e ele está igual. Ele não tem uma
barriga enorme, não anda parecendo um pato, amarra o tênis com facilidade,
vai à academia todo cheio de energia. Não seria mais justo se acontecesse
alguma coisa com ele? Sei lá, a mulher fica grávida, mas o saco do marido
aumenta durante a gestação. Ou então aparecem espinhas pelo corpo dele, e
ele precisa usar um creme específico que tem um cheiro ruim. Ou fica com
um pigarro chato no cair da tarde. Uma câimbra noturna que seja, sabe? Mas
nada acontece. Alguns chegam a ganhar peso junto com a mulher, mas o meu
marido, no caso, emagreceu. Não sei se ele perdia o apetite por causa dos
meus puns — não deixa de ser uma boa teoria.
Por outro lado, achei que jamais sentiria falta do meu final de gestação,
mas estava enganada. Tenho saudade de todo mundo me mandando comer e
dormir o dia inteiro. “Deita lá. Deixa que te levo um pedaço de torta.” Acho
que isso nunca mais vai acontecer na minha vida. A não ser que eu engravide
de novo e, caso isso aconteça, tenho planos bem mais legais para o último
mês de gestação.
Tive que fazer repouso no final da gravidez e fiquei reclamando de não
poder sair de casa e manter a minha rotina. Fico chocada como eu, uma
pessoa que amava tomar achocolatado vendo Sessão da Tarde, não soube dar
valor a esse momento tão especial na vida de uma adulta. Faria tudo diferente
se pudesse. A vida também é bela quando você só usa chinelo e as pessoas
levam comidas gostosas para você na cama enquanto você zera as maratonas
da Netflix.
udo o que não sofri durante a gravidez eu penei no pós-parto. Não que a
cesárea tenha sido complicada. Foi bem tranquila até, mas a minha
recuperação foi chata. E foi nesse momento que brilhei na maternidade,
porque eu finalmente tinha perrengues reais para desabafar com as pessoas
que durante os nove meses se decepcionaram com uma gravidez tão calma e
atípica. Eu tive uma infecção intestinal causada pelos antibióticos que
precisei tomar. Depois tive mastite, que é quando seus seios inflamam porque
o leite empedra e você tem várias reações, tipo dores e febres altíssimas. Em
seguida, peguei uma gripe surreal e amamentava usando aquelas máscaras
que o Michael Jackson colocava para sair na rua. Foi uma fase bem
complicada.
O pós-parto te dá o direito total de fazer o que você quiser para se sentir
melhor. Se for ficar sem tomar banho para ter mais vinte minutos de sono,
tudo bem. Se for almoçar às dez da manhã e jantar às cinco da tarde, beleza.
Se for ficar fazendo todas as refeições deitada na cama, nada mais justo. O
importante é que você consiga conciliar todas as coisas novas, muitas delas
doloridas.
A quarentena (para quem não sabe, são os quarenta dias que a mulher
precisa ficar sem ter relações sexuais) passou e me senti bem mais adaptada à
nova rotina. Amamentar já não doía mais, o bebê tinha seus horários bem
definidos e, aos poucos, eu sentia que a vida voltava ao normal. Depois disso
tudo, achei que não fosse querer ter mais filhos, mas gradativamente as coisas
foram estabilizando e cinco meses depois eu já estava pensando: “Mas e se a
gente tentasse uma menininha?”. Não sei se o meu marido já está pronto para
voltar a secar o meu xixi no chão. E o nosso bebê ainda nem desfraldou.
A sorte é que a gente esquece a dor, o medo, o desconforto, tudo, e bebês
são altamente viciantes. Você coloca o bebê para dormir e fica três horas
torcendo para que ele acorde e você possa abraçá-lo de novo. Eu sempre
ouvia aquele bando de lugares-comuns que quem virou mãe costuma falar,
mas, quando a gente finalmente tem filho, viramos mesmo uns clichês
ambulantes.
— Quando o bebê nascer, você prefere que eu te visite na maternidade ou em
casa depois?
— Prefiro que você me visite antes de o bebê nascer…
Chegou aquela hora gostosa de virar mãe e não ter a menor ideia de como
vai ser. Ao mesmo tempo, porém, você tem que ser simpática e mostrar o seu
bebê — que você mal conhece — para parentes e amigos. Nunca entendi essa
fixação que as pessoas têm em ver um bebê recém-nascido. Eu compreendo
se a minha melhor amiga ou prima de primeiro grau (já que não tenho
irmãos), que cresceu junto comigo, quiser me visitar. Mas de resto nunca vou
entender. Até porque nunca tive o menor interesse em ver o bebê recém-
nascido de conhecidos. Para falar a verdade, nem o de uma prima (desculpa,
primas). Porque eu não acho graça em bebezinhos muito pequenos. Acho
mais interessante quando eles pelo menos dão um sorrisinho para você.
Só que, depois que tive filho, percebi que sou uma exceção. Parece que
TODO MUNDO QUER VER O SEU BEBÊ. Pessoas que você jamais convidaria para o
seu aniversário te mandam mensagens dizendo: “Quero conhecer o bebê,
hein. Vamos combinar?”. Sim, também quero muito conhecer o bebê, até
porque ele está fora da minha barriga faz apenas uma semana e eu ainda não
tenho a menor ideia se ele está chorando por causa de cólica, frio ou fome.
Mas o que me deixava mais intrigada era quando algumas pessoas ficavam
me dando satisfação, dizendo por que elas ainda não tinham conseguido
tempo para me visitar. Como se eu estivesse realmente preocupada com
aquilo. “Eu ia passar aí na segunda, mas meu curso começou antes, e depois
eu tive que ir para casa porque esqueci o cartão de crédito lá. E acabou
ficando tarde porque tive um jantar que foi bem mais longo do que eu
esperava…” A pessoa não tinha a menor ideia de que, enquanto ela me falava
tudo aquilo, eu estava soprando meu mamilo para ver se ele parava de
sangrar, dando graças a Deus pelo jantar dela ter demorado tanto para acabar.
E imaginando se quem sabe eu teria a mesma sorte com a visita do dia
seguinte.
As visitas mais sem noção que apareceram em casa foram,
surpreendentemente, de pessoas que já têm filhos. Porque os sem filhos têm
medo de recém-nascidos. Quem não tem filho dificilmente põe a mão ou
pede para segurar. A maioria deles pergunta coisas triviais, às quais você
sabe muito bem como responder, tipo “Tá muito cansada?” ou “Ele vai
mamar que horas?”. Já os que já tiveram filhos — e já passaram pelo que
você está vivendo, mas não lembram o perrengue real que é, porque a gente
esquece mesmo — fazem perguntas muito difíceis. Tipo “Você já sabe como
vai fazer quando voltar a trabalhar?” ou “Você já estimulou seu peito com a
bomba de leite para saber quantos ml saem?”.
Os mais sem noção, na minha opinião, são os que trazem os filhos
pequenos para ver o bebê. Pois é, lá estava eu, toda costurada da cesárea, com
piriri depois de me darem tanto laxante na maternidade, com os bicos do
peito em carne viva, sem babá e com muito medo de que o meu microbebê
pegasse uma gripe, quando o casal surge com os dois filhos de mais ou
menos três anos, um deles com tosse. Assim que ouvi as crianças gritando e
tossindo no meu hall de entrada, agarrei o bebê como se ele fosse uma bola
de futebol americano e saí correndo para o quarto. Fechei a porta e fiquei só
ouvindo como o meu marido ia sair daquela roubada.
— Gente, a Camila está amamentando agora.
— Eba, quem quer ver o bebê mamando?
Crianças em coro:
— Euuuuu!
Mãe e crianças entraram. Meu bebê não pegou nenhuma gripe e, no final,
foi bem bonitinho ver a curiosidade deles em relação a ele. Talvez eu leve o
meu filho para visitar o seu recém-nascido. Não posso prometer nada, nem
que sim nem que não, porque, afinal de contas, a gente esquece tudo mesmo,
não é?
uando completei um mês de gravidez, comecei a ouvir a frase “Essa fase é
tão tranquila, aproveita”. E eu ficava pensando: “Essas pessoas estão me
preparando para o quê, afinal?”. O meu bebê tinha um mês e chorava sem
parar de cólica e elas: “Nossa, fase gostosa essa”. E eu olhava para ele,
vermelho de tanto berrar, e ficava mais desesperada ainda, imaginando o que
mais poderia acontecer. Só que agora, que ele já está com seis meses
enquanto escrevo este livro, me lembro daquele bebezinho de um mês e
morro de saudades. Todo micro no meu colo, com dorzinha na barriga.
Resultado: hoje eu também falo essas frases batidas: “Ai, ele tá na faculdade?
Essa fase é tão gostosa, aproveita!”.
Uma das coisas que constatei na maternidade é que não adianta as pessoas
te contarem como é ou como foi para elas viver aquele momento. Você só
entende mesmo o tamanho da loucura quando acontece com você. E aí você
vira aquela pessoa que fica dizendo para os outros tudo aquilo que todo
mundo te dizia e você achava que já tinha entendido. É um ciclo eterno de
“Não, você não está entendendo o que é. Ter filho é demais, é a melhor
coisa!”. Mas nem sempre o que te falam é legal e empolgante. E,
principalmente, nem sempre o que te dizem é agradável.
— Oi, Cami, tudo bem?
— Oi, tudo. E você?
— E aí, tudo pronto pra chegada do bebê?
— Acho que sim. Ontem dei um pulo no shopping para comprar mais
umas coisas.
— Isso, aproveita pra ir ao shopping agora, porque depois que o bebê
nasce não dá mais tempo de ir ao shopping.
— Sei. Aí acabei indo ao cinema. Vi um filme muito bom, não sei se você
já viu…
— É bom aproveitar para ir ao cinema agora, porque quando o bebê nasce
não rola mais.
— É, imagino. Bom, deixa eu ir, é aniversário da minha mãe hoje. Vou
encontrar com ela para jantar.
— Aproveita para sair pra jantar agora, porque depois que o bebê nasce
não rola mais…
— É, deve ser mesmo uma loucura.
— Sim, e aproveita para comemorar aniversário agora também, porque
depois que o bebê nasce não rola…
— Desculpa, mas estou com vontade de dar um soco na sua cara.
— Aproveita para socar pessoas agora, porque depois que o bebê nasce
não dá mais tempo…
— Mas, assim, socar a sua cara até você desmaiar!
— Aproveita para agredir pessoas até elas desmaiarem agora, porque
depois que o bebê nasce não rola mais mesmo!
— Sério, eu mataria você neste momento.
— Aproveita para assassinar pessoas agora, porque depois que o bebê
nasce não rola mais…
Conclusão: fui presa. Estou há três anos e meio sem ir ao shopping,
cinema, jantares e aniversários. A culpa não foi do bebê.
er um filho é um passo muito adulto da nossa vida, mas ao mesmo tempo
parece que nos rejuvenesce. Porque, por mais que você saiba que está ficando
velha e se sente mais madura porque está cuidando de um ser, seu filho
cresce tanto e muda tão rápido de um dia para o outro que, às vezes, parece
que só ele envelhece. Você se olha no espelho e a ruga está lá, no mesmo
lugar. No máximo você repara que suas olheiras estão maiores ou que nasceu
um fio de cabelo branco novo. Mas seu bebê em duas semanas perdeu metade
do guarda-roupa, ficou mais cabeludo, aprendeu novas expressões faciais e
ganhou dois dentes.
Nessa fase, você não aprende coisas novas todos os dias. Isso acontece de
hora em hora. O bebê cresce tão rápido que, quando você se acostuma com os
hábitos dele e cria outra rotina para vocês, ele já mudou de novo. E, a cada
nova rotina, novos desafios. Tipo amamentação. No começo, você não
acredita que as pessoas amamentam por meses e até anos. Porque é difícil,
dolorido e é o tempo inteiro. A impressão que eu tinha é que estava
amamentando a cada vinte minutos e que mal dava tempo para descansar o
mamilo. Agora, que já se passaram vários meses, a única coisa que penso é:
“Por favor, leite, não acabe porque amamentar meu filho é a melhor parte do
dia”.
Quando você é mãe de primeira viagem e não tem a ajuda de uma babá
experiente, você, por mais bem-intencionada que seja, faz muita besteira. E
sempre que me pego no meio de uma falta de jeito ou até uma burrice no
cuidado com o bebê imagino o que ele gostaria de falar para mim: “Querida,
não sei se você percebeu, mas tem um botão lateral na gola da roupa. Não é a
minha cabeça que é gigante, o.k.?”; “Jura que você vai encher a banheira
inteira? Você acha que vou sair nadando nela? Olha o meu tamanho!”; “É
mais inteligente você colocar um papel em cima do meu pipi. Eu já fiz xixi
em você oito vezes e é meio patético ver você se esquivando do jato e o xixi
atingindo a poltrona onde você me amamenta”; “A chupeta tá ao contrário,
mãe”; “Para de chorar, é claro que eu não te odeio. Eu só tô com cólica!”;
“Para de chorar, é claro que eu não te odeio. Eu só tô com fome”; “Não, eu
não gosto da Christina Aguilera cantando em espanhol…”; “Você canta
mal”; “Você só sabe essa parte da música?”; “Eu não quero mais leite. Tira
esse peito da minha cara, por favor”; “Estou irritado porque estou com sono”;
“Gente, como ela não sentiu o cheiro de cocô até agora? Vou ter que
berrar…”; “A fralda está ao contrário”; “Esse casaco leva horas para fechar.
Pega outro porque a gente já está atrasado para o pediatra”; “Pode parar de
chorar na frente do meu pediatra? É pedir muito?”; “Para mim é complicado
soltar pum. Se para você é fácil, guarda para você”; “Nossa, superdivertido
ver você tomar banho. Nem estou suando com o vapor…”; “Não, não é fome,
nem frio, nem cocô, nem sono… Pelo amor de Deus, desenrola esse seu fio
de cabelo do meu dedinho do pé! Nunca vi cair tanto cabelo”; “Sério que
você me tirou do banho e esqueceu de pegar a toalha de novo?”; “Eu estou no
carrinho ou no Rally dos Sertões? Dá para mudar de calçada?”; “Mãe, sua
roupa está suja”; “Por que eu troco três vezes por dia de roupa e você tá
sempre com a mesma camiseta?”.
uando você é jovem, você transa. Mesmo quando acha que não e desabafa no
Twitter, reclamando de que passou o fim de semana em casa vendo Netflix,
ainda assim você é mil vezes mais transante do que qualquer adulto que
acabou de ter um filho. Lembro de quando eu reclamava que estava fazia dias
sem transar, sem imaginar que no futuro ficaria até meses. Já falei em
quarentena aqui no livro, mas, por via das dúvidas, explico de novo o que é:
são os quarenta dias que a mulher precisa ficar sem transar depois que dá à
luz. Para mim foi pouco. Eu precisei da “cinquentena” ou da “sessentena”,
não lembro. Quando ouço falar que tal mulher engravidou no período da
quarentena, olho com admiração para aquele ser transgressor, tão fora das leis
da maternidade.
Não era uma questão de sentir vontade de transar ou não. A impressão que
tenho é que foram dias tão loucos, com tanta novidade e perrengues, que não
dava tempo de lembrar dessa parte. Sexo virou uma coisa distante, quase que
de uma outra vida: “Como é que fiz para esse bebê aparecer no meu colo
mesmo? Nossa, eu transei! Gente do céu, eu fiz sexo, foi isso!”. E, aos
poucos, bem aos poucos, fui recordando daquele ser transante que eu já fui.
É engraçado lembrar que logo que comecei a namorar eu transava várias
vezes por dia. Fico pensando como naquela época eu tinha agenda para fazer
todo esse sexo. Hoje em dia, a transa acontece naquela brecha na semana.
Quando ela não é programada e rola de forma espontânea, renova os votos do
casal automaticamente. É mágico.
Algumas mulheres perdem o apetite sexual durante a gravidez, mas eu não.
Mesmo com o peso atrapalhando e o corpo estranho, fiquei toda animada,
cheia de hormônios. Tive até uns sonhos eróticos meio bizarros.
— Sogra, esta noite sonhei que transava com um senhor taxista.
— Senhor tipo cinquenta anos?
— Não, tipo setenta.
— Nossa! E foi bom?
— Super, e o carro ainda estava em movimento!
— Mas que senhor animado!
— Será que são os hormônios da gravidez?
— Pode ser. Mas semana passada tive um sonho muito estranho.
— De sexo?
— É. Sonhei que transava com o Arnold Schwarzenegger.
— Mas era o Arnold de hoje em dia ou o fortão dos filmes?
— O fortão.
— Acho que se você estivesse grávida sonharia com o Arnold de agora.
— Graças a Deus estou na menopausa.
Depois do parto, eu não tinha medo de que fosse doer ou de que o bebê
choraria bem no meio, acabando com o clima. Meu medo era: “Será que eu
ainda sei transar?”. Eu tinha ficado muito tempo sem praticar nada, nem
sequer uma preliminar. Fora isso, meus hormônios ainda estavam
superdoidos e eu toda fragilizada. Meu corpo estava estranho e não era o
momento mais confiante para sensualizar estreando uma lingerie nova. E
obviamente nunca tinha me sentido tão cansada em toda a minha vida.
Só sei que um dia acordei cedinho, bem mais disposta, e constatei que
esperar para transar só à noite seria arriscado demais. Chacoalhei o meu
marido com o único motivo que o deixaria feliz em ser acordado tão cedo e
transamos. Pronto. Depois que você quebra o gelo, a coisa começa a voltar ao
normal. Ainda não está como antes, mas os boatos que escuto por aí é de que
tudo volta ao normal mesmo. Bom, isso até você ter outro filho. É, acho que
vou esperar mais um pouco.
om a chegada de um bebê, sua rotina muda e tudo fica muito mais corrido.
Você entra no banho já jogando o xampu no cabelo e tira a espuma depois
praticamente com a toalha na mão. E, se você tem dez minutos de paz para
fazer um número dois no meio do dia, considere-se muito sortuda. A maioria
das mães com quem converso (e até alguns pais) sempre cita essa falta de
tempo e/ou privacidade na hora de uma tarefa tão importante, e que antes era
totalmente corriqueira.
Mas o que ninguém te diz é que você, no meio dessa loucura toda,
continua tendo um tempo só para você (tá, muito de vez em quando). O
problema é que ele não é sempre muito bem aproveitado. Na calada da noite,
quando a casa está tranquila, tanto para trabalhar quanto para ir ao banheiro,
você, em vez de aproveitar essa brecha, mergulha no vício do seu mais novo
reality show: a telinha da babá eletrônica. Como todo bom reality, ele não
acontece apenas durante a madrugada, mas também em vários momentos do
dia. Só que, como quem tem experiência com esse tipo de programa sabe, é
durante a noite que se sucedem as cenas mais inusitadas.
Logo, acompanhar esse reality pode fazer com que você perca muitas
horas de sono. Mas não vou te julgar, porque neste momento estou
escrevendo e, ao mesmo tempo, ligada na telinha, conferindo todos os
movimentos do bebê (cujo choro na verdade consigo escutar aqui de onde
estou). Porque a minha vida agora é assim: quando não estou olhando a babá
eletrônica, acho que ele está chorando. Mas, quando chego ao quarto,
surpresa, ele está dormindo.
Só que o que deveria me tranquilizar acaba me deixando mais estressada.
Vou dar uma olhada no visor para checar o sono dele e, do nada, encano que
ele não está respirando direito. No fundo, no fundo, sei que ele está ótimo,
mas mesmo assim fico olhando fixamente para o peito dele, esperando o
movimento de inspiração e expiração. Eu olho já tão noiada que, mesmo
sabendo que em algum momento eu o vi respirar, cismo que posso ter me
enganado e resolvo levantar e ir até o quarto do bebê. O que, claro, acaba
com todo o propósito da babá eletrônica, que custou tão caro.
E coisas assustadoras podem acontecer. Depois de se acalmar, você vai dar
aquela espiada clássica para ver se tudo continua tranquilo, mas, quando olha
para a tela, ele está de olho aberto te encarando. Você leva o maior susto,
afinal, nada pode ser mais bizarro do que um bebê olhando fixamente para a
tela da babá eletrônica com aquele visual infravermelho que fica quando o
quarto está escuro. Se for medrosa como eu, você inclusive fica com medo de
ir até o quarto do bebê e encontrá-lo sentado na cama falando russo, bem
típico de filme de terror.
Não sei se todas as babás eletrônicas são iguais, mas acho que a maioria
tem microfone para você ouvi-lo chorar. Se eu pudesse dar uma única dica
sobre esse maravilhoso aparelho, a dica seria: nunca se esqueça de que, ao
entrar no quarto do bebê, um microfone pode estar captando absolutamente
tudo o que você disser. E, se alguém estiver com o aparelho, vai ouvir tudo
em perfeito e bom som.
— Mãe, por que você acordou o Arthur?
— Eu não acordei. Ele que se mexeu e acordou sozinho.
— Mãe, a babá eletrônica tava ligada.
— Como assim?
— A gente ouviu você acordando ele.
— É que daqui a pouco vou embora e ia ficar com saudades dele…
Ou:
— Cami, a gente está indo, tá?
— Mas já? Vocês acabaram de chegar!
— A gente só veio conhecer o Arthur. Não queremos atrapalhar.
— Imagina, fiquem mais um pouco.
— Pode ir dormir.
— Não, tá cedo ainda.
— A gente ouviu você falando pela babá eletrônica.
— Ah… É que ele acordou supercedo hoje…
Ops.
u não poderia deixar de escrever sobre astrologia. Minha obsessão pelo tema
é tanta que, quando eu e Jana Rosa (amiga que assinou dois livros comigo e o
prefácio deste) fomos escrever Enfim, 30, nós nos matriculamos em uma aula
para aprender mais sobre o retorno de Saturno. Eu fiquei tão doida com o
assunto que acabei me matriculando no curso completo e fiz todos os
módulos. Sei que ainda tenho muito que estudar, mas quem sabe mais para a
frente não viro astróloga?
É claro que o meu bebê não ia passar ileso por essa. Eu já estava pensando
em engravidar quando me dei conta de que estávamos em fevereiro. Fiz as
contas e vi que teria grandes chances de nascer um bebê de escorpião, que é o
meu signo e o do meu sogro, que por acaso também adora astrologia.
Digamos que aproveitei a coincidência e usei toda a minha sensualidade
escorpiônica para cima do meu marido, que, depois de quase oito anos de
casado, não deve ter entendido muito a minha animação toda durante o mês
de fevereiro.
Mas eu consegui! A primeira data prevista do parto era 15 de novembro,
bem no aniversário do meu sogro. No oitavo mês, um susto: tive contrações.
Fiz repouso absoluto. Como é que eu daria à luz um libriano depois de ter
aborrecido todo mundo com o papo do bebê de escorpião? Já tinha roupinha
temática, livrinho sobre crianças do signo, quadrinho bordado com a
constelação. Eu tinha que aguentar até o dia 23 de outubro, mas minhas
contrações aumentavam a cada noite. No dia 21, com muita dor, fui ao
hospital e confesso que dei uma checada num site de astrologia para saber
qual seria o ascendente dele caso nascesse nas horas seguintes. Mas foi
alarme falso.
Por fim chegou a data em que o signo mudava de libra para escorpião, mas
é claro que não parei por aí. Sabendo que a criança seria mesmo de escorpião,
agora a minha nova obsessão era pesquisar as opções de lua. Do dia 23 ao dia
30, que foi o dia em que ele nasceu, olhei qual seria a lua todos os dias. No
dia 29 marcamos a cesárea para o dia seguinte, pois eu já estava com pouco
líquido amniótico e continuava tendo contrações fortes. Era mais seguro fazer
uma cesárea. (Mães, não me julguem, o.k.? Obrigada.) Foi então que comecei
a pesquisar o ascendente. Mas como descobrir a hora do parto sem perguntar
para a minha médica, que me acharia louca?
— Que horas vai começar a cesárea, doutora?
— Você pode chegar ao hospital umas seis da manhã.
— E aí começa umas sete?
— Não, acho que não.
— Que horas começa?
— Depois dos preparativos.
— Quanto tempo de preparativos?
— Pouco tempo, fica tranquila.
— Sei. E quanto tempo dura uma cesárea, doutora?
— Ah, depende muito.
— Mais de uma hora?
— Provavelmente sim.
— Mais de duas?
— Às vezes.
— Mais de três?
— Fica tranquila, Camila. Vai dar tudo certo.
Cheguei às seis da manhã já sabendo que, se nascesse umas sete e pouco, o
ascendente seria escorpião. E que se nascesse depois das 9h45 seria
capricórnio, que é o meu ascendente. No meio disso, entre escorpião e
capricórnio, vinha sagitário, signo com o qual nunca tive uma convivência
muito intensa. Nenhum parente próximo, nenhum ex-namorado, e nada no
meu mapa o destacava, então eu estava decidida a ter um bebê de escorpião
com ascendente em capricórnio, como eu — sou um pouco egocêntrica
porque minha lua é leão, tá?
Como eu queria ter o bebê só depois das 9h45, comecei a fazer tudo bem
devagar. “A senhora pode vestir essa camisola?” Vinte minutos para vestir
uma camisola. “A senhora pode assinar essa autorização?” Quinze minutos
lendo uma autorização de meia página. Assim que entrei na sala de parto,
ainda tive a pachorra de pedir para usar o banheiro antes de começar a
anestesia. Sentei na privada para fazer uma horinha e saí confiante falando
para a barriga: você vai amar ter o signo e o ascendente iguais aos da mamãe.
Bem na minha frente havia um relógio digital. Tomei anestesia vendo os
segundos passarem. Não sei se foi o efeito da droga, mas naquele momento
tive a impressão de que tudo acontecia muito rápido, menos o passar dos
segundos. O relógio parecia quebrado, e eu inclusive cheguei a perguntar se
ele estava funcionando normalmente, mas ninguém me deu muita bola.
Afinal de contas, estavam trabalhando em um parto. Eu me sentia calma,
obviamente por causa da droga. O Tui, meu marido, estava tremendo de
nervoso e todos os médicos superconcentrados. De repente, a médica fala:
— Olha, ele é cabeludo!
— Como assim ele é cabeludo? Ele já tá aí?
Todos começaram a empurrar a minha barriga, e eu olhando para o relógio
parado em nove e pouco. O Tui começou a filmar tudo com o celular. Eu
ouvi o choro do bebê, olhei para o Tui e ele chorava. Comecei a chorar
também. O bebê apareceu por cima do lençol, que tapava a minha visão do
corte. Ele estava ali, todo escorpiãozinho lindo e bravo chorando bem forte.
Olhei para o relógio, repeti o horário em voz alta e complementei com um “É,
ascendente em sagitário…”. Minha médica graças a Deus nem prestou
atenção e logo o Arthur estava no meu colo e eu não parava de chorar — não
por causa da anestesia ou do ascendente em sagitário, mas porque é a coisa
mais louca deste mundo. Percebi que todo aquele lance de contar os segundos
e pensar nas opções de ascendente foi um jeito que encontrei para tentar me
distrair do nervoso que é saber que em algumas horas o meu bebê nasceria, e
eu finalmente me tornaria mãe.
Todo mundo que assiste ao vídeo do parto pergunta: “Mas o que é que
você fala na hora que ele nasce?”. Eu tento desconversar, mas o Tui não
perdoa: “Ela fala o horário que o bebê nasceu porque ela queria que fosse
ascendente em capricórnio, mas foi sagitário…”. E eu morro de vergonha.
O Arthur ter nascido com ascendente em sagitário serviu para me mostrar
como ainda preciso estudar mais astrologia, porque, se eu tivesse me
aprofundado mais nesse signo, eu teria torcido para ele ter esse ascendente
desde o começo. Nunca vi um bebê tão animado e sorridente. Hoje sou fã
número um dos sagitarianos (e continuo estudando astrologia).
inha mãe conta que foi um drama para eu largar a chupeta. Chegou até a
inventar a Fada da Chupeta — uma espécie de Fada do Dente que, em vez de
buscar os dentes em troca de dinheiro, ia atrás de chupetas. Eu achava um
absurdo que uma fada tivesse esse trabalho bizarro e sempre pensava em
comprar outra chupeta com o dinheiro, óbvio. O jeito foi esperar sentir
vergonha por ser grande demais e ainda chupar chupeta, e só assim eu parei.
Vi o Arthur empolgado com a chupeta dele e pensei: “Por que não
experimentar para lembrar qual era a sensação?” Peguei uma das suas muitas
e fiz o teste. Delicioso! Me pergunto por que a indústria das chupetas não
investiu nas chupetas para adultos. Elas são altamente viciantes, a cara do
adulto ansioso dos dias de hoje. Bastava uma campanha contra a Fada da
Chupeta, um lançamento em tons mais sóbrios que combine com uma boa
camisa branca e pronto, impossível não dar certo. Juro que consigo imaginar
a gente dando um break na reunião para chupar uma chupeta. “Gente, quem
quer descer comigo e com a Marina para dar uma chupetada lá embaixo?”
Pensa só na gama de chupetas caras e de grifes importadas, guardadas em
uma caixinha que comporta várias. Ou em um prendedor de chupeta de
brilhantes, uma verdadeira joia para presentear o marido nos 25 anos de
casados. Muitas histórias e chupetas juntos. A chupeta inteligente da Apple
que mede quantas calorias você gastou, o nível de colesterol, a falta de algum
nutriente… A coleção limitada de chupetas das Kardashians, vendidas on-
line e que se esgotam em 25 minutos. A Kim fazendo carão no tapete
vermelho chupando sua chupeta cravejada de cristais no tom do vestido, e a
Kylie postando selfies com caras sensuais e de chupeta nude, chique e básica
para o dia a dia.
São infinitas as possibilidades! E que mal a chupeta nos faria? Um dente
torto no máximo, que não é nada comparado ao cigarro ou ao chiclete, que
seriam provavelmente os maiores concorrentes da chupeta.
Fora que a gente pode chupar chupeta em qualquer lugar. Não teria aquela
história de área exclusiva para “chupetantes”. No shopping, no metrô, no
restaurante, poderia usar até no avião, onde a gente não tem o que fazer e
precisa muito relaxar e dar uma chupetada! Sei lá, me chamem de maluca,
mas, quando o bebê está impossível, e eu me sinto exausta porque fiquei
horas para tentar conseguir fazê-lo dormir, sento na poltrona de amamentação
e dou uma chupetada enquanto respondo a uns e-mails. É muito relaxante, eu
recomendo.
urante toda a gravidez, e até os dias de hoje, ouço as pessoas falando que eu
não tenho cara de mãe. Como se todas as mães tivessem a mesma cara. O que
é ter cara de mãe, afinal? E quando será que cada uma de nós conquista essa
cara? Um belo dia, pah!, você acorda e está lá a sua nova cara, super de
mãezona, pronta para fazer alguma coisa bem clichê? Pior do que escutar que
você não tem cara de mãe é ouvir “Eu não consigo imaginar a Camila sendo
mãe!”. Você jura que o seu cérebro não tem a capacidade de me imaginar
trocando uma fralda, dando de mamar, carregando um bebê no colo?
Se eu quiser, imagino qualquer pessoa sendo mãe. Faça o teste. Escolha
uma pessoa aleatória da sua vida, feche os olhos e imagine-a segurando um
bebê. Pode pôr de cenário um berço com um móbile em cima. A pessoa dá
um beijinho no bebê e o coloca para dormir. Pronto, não foi tão difícil assim,
né?
Sempre fiquei me perguntando por que alguma pessoa, sem um motivo
aparente, pode duvidar da minha capacidade de ser mãe. O que em mim
expressa essa falta de maternidade? Seria uma questão de vestuário? A falta
do tal look mãe? Ou ela sente falta de um certo tipo de corte de cabelo? Já
sei! É o meu vocabulário que precisa se adequar aos novos termos, tipo falar
japona em vez de casaco (ou será que só a minha mãe fala isso?). Não sei
exatamente o que se espera de uma mãe recente, mas na maioria das vezes
senti que esse momento, tão delicado e somente meu, estava sendo posto à
prova por pessoas que não têm nada a ver com isso.
Ouvi essas frases muitas vezes, inclusive de pessoas bem próximas, mas
não tenho medo de expor esse assunto aqui porque essas conhecidas não têm
cara de que leem livros, sabe? Brincadeirinha. Ou não.
“Você não tem cara de mãe” não é o melhor comentário que alguém pode
fazer, mas e quando, do nada, você está na rua com o seu bebê, se sentindo
linda, e aparece alguém que olha para o seu rosto e diz: “Nossa, você tá com
muita cara de mãe!”. É realmente difícil de entender se você está bem ou mal.
“Será que eu tô com cara de cansada? Ou de virgem imaculada?” Nunca vou
entender esse tipo de comentário. Eu não olho para as pessoas e falo: “Nossa,
você tá com muita cara de casada hoje!”. Ou “Menina, que cara de viúva que
você está!”. Mas talvez devesse passar a dizer…
esde o terceiro semestre da faculdade, quando eu tinha 22 anos e trabalhava
em uma agência de publicidade, não considero mais julho o mês das férias.
Ainda que alguns amigos mais afortunados viajassem para curtir o verão
europeu, nessa época, e até recentemente, eu, no máximo, comemorava a
melhora do trânsito no trajeto casa-trabalho, trabalho-casa, já que em São
Paulo, onde moro, as escolas e faculdades entram em recesso e a grande
maioria das pessoas está fora da cidade. De resto, julho era igual a agosto ou
setembro ou qualquer outro mês para mim. Aliás, quando eu resolvia tirar
minhas férias, me programava para ser em outra época e assim evitar a
lotação nos aeroportos, rodovias e hotéis. Escolhia um mês calmo e me
gabava, achando que eu era um ser superior que pagava metade do preço para
conhecer os lugares que queria.
Mas agora me dei conta de que julho passará a ter um novo significado na
minha vida. De repente, percebi que virei um deles. Estou sujeita a enfrentar
esperas enormes para fazer check-in e me acotovelar na fila preferencial na
hora do embarque, gritando: “Licença, estou com uma criança aqui. Com
licença!”, com medo de não ter mais espaço para pôr as malas de mão (que
não serão poucas) nos disputados compartimentos de bagagem. Isso sem
contar as esperas intermináveis em brinquedos da Disney (caso este livro
venda bem) ou em restaurantes.
A ficha só caiu quando comecei a procurar creches para o Arthur. Fiz uma
pesquisa entre os amigos com filhos e recebi dicas ótimas, mas o que mais
chamou a minha atenção foi a recomendação: “Essa creche não fecha em
julho!”. Ao visitar algumas lá do bairro onde moro, notei que o grande
diferencial é este: “Caso você não possa viajar no mês das férias, nós abrimos
normalmente!”. Julho acaba de virar a minha nova preocupação, tanto para
escolher uma creche quanto para me programar, inclusive financeiramente,
para viajar com meu filho. Depois de anos e anos apenas ignorando esse mês,
para o meu susto agora faço parte desse movimento de fuga coletiva.
oje em dia, acho engraçado lembrar que trabalhei com moda por vários anos
e ia toda produzida fazer a cobertura da São Paulo Fashion Week. Na sala de
imprensa é que rolavam os desfiles de verdade. Era onde se reuniam vários
jornalistas que sabiam usar as peças da estação sem abrir mão do conforto
necessário para enfrentar dias intermináveis de pautas eternas. Todos usavam
termos específicos como “maxicolar” ou “clutch” para não serem
confundidos com meros mortais, que falam “colar grande” e “bolsa
pequena”. Nécessaires de maquiagem dividiam o espaço com cadernos e
canetas, e, enquanto escrevíamos, retocávamos o batom. Eu vivia pensando
em looks, reparando no estilo dos outros e fazendo a lista de peças desejadas
que compraria assim que o salário caísse. Era um universo paralelo um pouco
fútil, mas com muito bom gosto.
Meu primeiro choque de realidade em relação à moda aconteceu durante a
gravidez. Praticamente nada do seu guarda-roupa fica bom quando a barriga
começa a crescer. E, com todo o gasto paralelo que você tem com consultas
médicas e preparo do enxoval, passa a ser bem complicado entrar na piração
de montar um guarda-roupa novo com looks para grávida. No começo eu até
procurava em sites ou contas de Instagram dicas para compor looks durante
esse período, mas percebi que seria mais uma função no meio de tantas outras
mais importantes, então fui me virando com o que tinha e repetindo
exaustivamente as mesmas peças que me serviam. Para a minha surpresa,
ninguém nunca reparou nos meus looks repetidos.
Depois que o Arthur nasceu veio a liberdade total. Nos primeiros meses, eu
estava tão cansada que, só de vestir um pijama limpo e conseguir lavar o
cabelo, eu já me sentia uma angel da Victoria’s Secret. Hoje já visto looks
mais elaborados, mas sempre fazendo composições que são a cara da mãe
moderna, como uma mancha de papaia no canto da gola alta ou um resto de
queijo branco estrategicamente grudado na alça da bolsa, onde fica evidente
também a tampa da mamadeira para fora. E, para dar textura aos cabelos,
nada como uma sopa de mandioquinha com espinafre. É incrível como a
moda me acompanha em todos os momentos da vida.
arece que a gente só está nessa vida para ficar pagando a língua, né? “Ai,
quando eu morar sozinha não vou ser paranoica com limpeza igual a minha
mãe.” Um ano morando sozinha e lá estava eu limpando o canto da mesa com
um cotonete e ligando para minha mãe, do corredor do supermercado, para
saber qual era o melhor produto para deixar vidro brilhando.
Cada ano que passa, me transformo mais naquilo que jurei para mim
mesma que não viraria. Desde “Nunca vou usar pochete” até “Nunca vou
criar um Instagram só para postar fotos de um bebê”. E estou muito feliz de
pochete atualizando a conta @baby_arthur_2017. Tenho a impressão de que
vou passar por isso o resto da vida, e cada vez com mudanças mais
significativas. Eu já não olho mais meus álbuns de infância pensando:
“Nossa, que cabelo ridículo”. Eu hoje digo: “Olha o cabelo que vou querer
usar daqui a uns cinco anos”. Porque é assim que as coisas acontecem. Ser
adulto é se tornar alguém completamente diferente dos seus planos.
A fase em que mais paguei a língua foi da gravidez para a maternidade. E
não paro de me contradizer até hoje. Eu lembro que me irritei com todas as
minhas amigas que me mandavam fazer chá de bebê “porque você ganha
coisas que vai usar muito”. Tipo o sugador de melecas de nariz. E eu
pensava: por que vou fazer um evento para ganhar uma coisa dessas? Se abro
a minha casa para as pessoas, quero ganhar presentes legais, não um limpador
de nariz. Bom, fiz o chá de bebê e ninguém teve coragem de me dar o tal
sugador de melecas de tanto que eu falava mal dele. Corta para seis meses
depois. Bebê com nariz entupido, eu desesperada indo atrás do tal sugador,
que agora é praticamente o meu melhor amigo. Ainda não sou o tipo de
pessoa que vai te dar um sugador como presente de chá de bebê, mas com
certeza vou dizer que é legal você ter um.
Uma coisa que sempre me irritou foi a paranoia do álcool em gel. Quando
visitava algum bebê, percebia que mal entrava na casa da família e todos
apontavam na direção do pote. E, mesmo quando eu optava por lavar as
mãos, eles ainda insistiam em me desinfetar. Hoje olho para a minha casa e
percebo que, em cada cômodo, tem um álcool em gel estrategicamente
posicionado. Agora que o Arthur está maiorzinho eu já não ligo tanto, mas
algumas pessoas entraram na minha lista negra da mão suja.
Fico imaginando quando meu filho crescer e me pedir para fazer coisas
que eu curtia quando jovem e eu achar um absurdo. “Mãe, vou numa festa na
praia onde não pega o celular, então talvez a gente fique sem se falar por uns
três dias.” Como assim? (Não cresce, bebê!) E fico lembrando de todas as
coisas doidas que fiz. Nem quero dar exemplos aqui porque vai que um dia
ele lê este livro. Se bem que, se ele pesquisar um pouco como os pais foram
criados, vai perceber que todo mundo era um pouco doido. Tipo, não tinha
essa história de criança andar de carro sentada numa cadeirinha especial.
Quem é dos anos 1980 ia largado e sem cinto lá no banco de trás. E tem algo
mais louco do que poder fumar dentro do avião?
Falando nisso, e criança dentro do avião? Ainda não tive a oportunidade de
viajar de avião com o Arthur, mas, mesmo ele sendo superbonzinho, tenho
certeza de que vai se transformar assim que a aeromoça falar no microfone:
“Portas em automático”. A minha vida inteira fui a pessoa que olhou para a
família com o bebê descontrolado chorando e revirou os olhos. Ainda
comentava com meu marido: “Olha lá, eles não têm o menor controle sobre a
criança…”. E balançava a cabeça como sinal de reprovação. Sei que minha
hora vai chegar, mas, enquanto os preços das passagens não baixam, vou
passando nervoso com chiliques em shoppings e restaurantes. Estamos, aí,
sempre pagando a língua.
ocê fica grávida e a notícia se espalha rapidamente entre sua turma. Não
demora muito e você é incluída em alguns seletos grupos de WhatsApp cuja
existência até então era desconhecida por você. Sim, são grupos de mães.
Algumas estão na mesma que você, grávidas, enquanto outras já passaram
por tudo o que você está enfrentando, até mais de uma vez. Alguns dos
grupos têm nome engraçado, tipo “Milfs” (para quem não sabe, é um
acrônimo em inglês que quer dizer “mães com quem eu transaria”). Outros
mais conservadores optam por um nome simples como “Mamães” e “Moms”.
O importante é saber qual o grupo certo para você e quando ele pode ser útil.
Logo que fiquei grávida, fui convidada a participar de três grupos, mas
hoje em dia sou fiel a apenas um. A parte mais engraçada desses grupos é o
fato de que eles são os que mais falam de sexo. Pois é, se você achava que o
conteúdo se resumia a pediatra e amamentação, ficaria surpresa com as dicas
picantes, os sonhos eróticos e os desabafos sinceros de quem está grávida e
bem animada por causa dos hormônios. Ou de quem está em pânico tentando
retomar a vida sexual no pós-parto. Outra qualidade desses grupos é que eles
são um lugar onde você pode, de forma segura e reservada, falar um pouco
mal do seu marido (desculpa, amor). Funciona tipo terapia mesmo. Você fala
tudo o que estava entalado, todas concordam com você, algumas aproveitam
a onda para desabafar junto e no final todo mundo sai mais leve.
No meu caso, nenhuma amiga da vida toda estava grávida ou com filhos
pequenos, então os grupos preenchiam essa lacuna. Algumas integrantes se
tornaram grandes amigas com o tempo.
O primeiro grupo do qual me retirei era enorme: tinha mais de trinta
meninas. Achei confuso saber quem era quem ou mãe de qual criança com
qual idade, já que não conhecia todas elas. A maioria estava no segundo
filho, então os papos eram muito distantes do que eu, ainda grávida, vivia
naquele momento. Eu não tinha tantas dúvidas como acontece depois que o
bebê nasce, mas, como queria me enturmar, resolvi fazer uma pergunta só
para ver como seria recebida: “Vocês leram algum livro sobre
bebês/maternidade quando estavam grávidas?”. E, para a minha surpresa,
ninguém me respondeu. Fui ignorada por trinta pessoas. Pior, por trinta mães
que supostamente deveriam acolher aquela nova grávida. Até hoje não sei se
essa é uma pergunta muito imbecil ou se elas são mal-educadas.
O segundo grupo do qual saí, por sua vez, era bem mais divertido, só que
alternativo demais para o meu estilo. Apesar de adorar as dicas de remédios
caseiros, em outros pontos eu me sentia um peixe fora d’água. Uma
integrante tinha acabado de dar à luz e, para contar de forma “resumida” o
parto, mandou seis áudios de cinco minutos cada. Sim, aconteceu tanta coisa,
segundo ela, que os áudios eram só para resumir. Ela também enviou fotos
que ilustravam todos os momentos e que me deixaram supernervosa ao
pensar no meu próprio parto. Parei no terceiro áudio, com medo de não estar
preparada para viver tudo o que aquela mulher tinha vivido. Naquela altura
da gravidez, eu já sabia que seria cesárea. Fiquei com vergonha imaginando o
meu áudio futuro de meio minuto, que diria algo como: “A cesárea foi bem.
A anestesia fez efeito, então não senti dor. Meu leite desceu. O bebê é lindo”.
E com o áudio eu mandaria uma foto do bebê de banho tomado com o gorro
do hospital. Me senti uma impostora e resolvi sair antes que fosse descoberta.
O grupo que sobrou era de mães de primeira viagem, com bebês com
diferença de um ano no máximo em relação ao Arthur. As dicas estavam
frescas na memória de todas. Ele reúne um mix interessante de mulheres, cuja
maioria, como eu, precisa trabalhar, o que no caso de muitas mães às vezes é
alternativa, outras vezes não. Com o tempo, viramos um grande centro de
apoio — até hoje elas são a minha salvação quando me bate uma insegurança
ou aquela dúvida e você não sabe se já é o caso de ligar desesperada para o
pediatra. Quem disse que o WhatsApp só serve para espalhar fake news e
spam?
e a gente parar para pensar, a nossa relação com tudo neste mundo funciona
na base da confiança. Você confia que o piloto do avião não vai enlouquecer
e jogar o avião na primeira montanha que avistar, que o carro vai brecar
porque o farol fechou para você atravessar a rua, que o botijão de gás não vai
explodir, que o elevador não vai cair, que o remédio que o médico receitou
não vai te fazer mal… Estamos o tempo todo confiando que tudo vai correr
como achamos que deveria. E só paramos para pensar quanto isso é incrível
quando um avião bate numa montanha, quando um carro não freia para os
pedestres passarem na rua, e assim por diante.
Só que, depois que você tem filho, a importância dessa confiança na vida
salta aos nossos olhos o dia inteiro. Quando saí de casa para passear com o
Arthur de carrinho pela primeira vez, me senti um alvo. E só pensava: “Ufa,
mais um carro passou ao nosso lado e nada aconteceu. Mais uma pessoa
olhou para ele e não tentou tirá-lo de mim. Mais uma esquina que viramos e
nenhum poste caiu ou bueiro explodiu”. Quando você se torna mãe/pai é que
você percebe como tudo dá certo na maioria das vezes, em contrapartida a
tudo o que você imaginava que podia ter dado errado.
Seu filho cresce e essa sensação vai se transferindo para outras situações.
Se para você já é normal passear de carrinho com o seu microbebê, que já
nem está tão micro assim, talvez agora você se sinta insegura porque ele vai
começar a ir para a escola ou tomar determinada vacina. E será que vai ficar
tudo bem?
Eu passei a repetir uma frase como uma espécie de mantra: “Vai ficar tudo
bem!”. E para tudo eu repito isso. Até o momento está tudo bem. E vai ficar,
eu sei. Mas, por via das dúvidas, repete comigo, gente: “Vai ficar tudo bem!”.
RENATO PARADA

CAMILA FREMDER nasceu em São Paulo, em 1981. Formou-se em publicidade e


fez pós-graduação em roteiro. É escritora e roteirista de programas de TV. Escreveu
quatro outros livros, entre eles Como ter uma vida normal sendo louca e Enfim, 30,
também lançado pela Paralela. Além de todas essas atividades, ela se concentra em
tentar ser uma pessoa madura, mas não é sempre que isso acontece…
Copyright © 2018 by Camila Fremder

A Editora Paralela é uma divisão da Editora Schwarcz S.A.

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor
no Brasil em 2009.

CAPA, PROJETO GRÁFICO E LETTERINGS Ale Kalko


ILUSTRAÇÕES DE CAPA E MIOLO Veridiana Scarpelli
PREPARAÇÃO Andréa Bruno
REVISÃO Valquíria Della Pozza
Marise Leal
ISBN 978-85-545-1283-5

Todos os direitos desta edição reservados à


EDITORA SCHWARCZ S.A & baby livros do Brasil
Rua Bandeira Paulista, 702, cj. 32
04532-002 — São Paulo — SP
Telefone: (11) 3707-3500
editoraparalela.com.br
atendimentoaoleitor@editoraparalela.com.br
facebook.com/editoraparalela
instagram.com/editoraparalela
twitter.com/editoraparalela
Enfim, 30
Rosa, Jana
9788543804439
192 páginas

Compre agora e leia

Camila Fremder e Jana Rosa ajudam a lidar com a vida depois dos
trinta sem crise e com muito bom humor.Fazer trinta anos é uma
crise? Camila Fremder e Jana Rosa respondem: não precisa ser!
Muito pelo contrário, os trinta podem e devem ser maravilhosos.
Carreira, relacionamento, ter ou não ter filhos, saúde, vida social,
tecnologia, moda, conjunções astrais e numerologia - com um texto
sempre bem-humorado, elas falam sobre o que viveram e
pesquisaram acerca desses aspectos da vida como mulheres
balzaquianas. Depois do sucesso de Como ter uma vida normal
sendo louca, a dupla preparou este novo livro que vai trazer
verdadeiras iluminações sobre entrar na terceira década e, com
muita leveza, ajudar a lidar com as questões que inevitavelmente
surgem.

Compre agora e leia


Pássaro de fogo
Fernandes, Paula
9788554512927
160 páginas

Compre agora e leia

Um relato surpreendente e inspirador. Uma das cantoras mais


populares do país desde 2010, ano em que estourou, Paula
Fernandes conquistou o Brasil com sua voz marcante e presença de
palco. Quem a vê confiante cantando para multidões, na TV ou em
capas de revista, no entanto, não imagina tudo que essa mineira de
origem humilde enfrentou para garantir seu lugar ao sol do show
business nacional.Paula caiu na estrada com 9 anos, fazendo shows
em rodeios e barzinhos, ganhando nada (ou quase) por suas
apresentações. Abriu mão de uma infância e depois de uma
adolescência normais para perseguir o sonho de viver da música, o
que só se concretizou aos 24 anos, quando assinou com uma grande
gravadora. Esse sacrifício cobrou seu preço, na forma de uma
depressão paralisante.Em Pássaro de fogo – Minha história, Paula
conta como venceu a doença e, na contramão de outras
autobiografias de artistas, fala do lado difícil da fama.

Compre agora e leia


Viva a vagina - Trecho gratuito
Brochmann, Nina
9788554510497
48 páginas

Compre agora e leia

Um convite para conhecer seu corpo melhor: neste trecho exclusivo


em e-book do livro Viva a vagina, você irá começar a entender um
pouco melhor o aparelho sexual feminino. Descubra a linguagem
divertida e informativa de Nina Brochmann e Ellen Støkken Dahl,
duas estudantes de medicina que se uniram para desmistificar e
esclarecer todos os mistérios e mal entendidos que afetam a saúde e
bem estar das mulheres. Se gostar, continue a leitura em Viva a
vagina.

Compre agora e leia


Despertar - Trecho antecipado exclusivo
Lane, Nina
9788554510770
44 páginas

Compre agora e leia

Fã de romances hot? Conheça o primeiro volume da série Espiral


do Desejo, de Nina Lane, neste trecho antecipado exclusivo!Um
casamento baseado no amor, no desejo e na confiança. Um segredo
guardado com a melhor das intenções. Um relacionamento —
intenso e imperfeito — colocado à prova. Dean West é o grande
amor e o porto seguro da vida de Olivia. Um marido dedicado, um
parceiro intenso e, acima de tudo, um homem completamente
apaixonado por sua mulher. Conhecedor dos segredos mais
obscuros da esposa, Dean a possui por completo — hoje, amanhã e
sempre. Mas o casamento aparentemente perfeito dos dois é
abalado quando Olivia descobre uma faceta até então desconhecida
do passado do marido. Será que a força dos sentimentos que eles
têm um pelo outro será capaz de prevalecer sobre a dor da
decepção?Este e-book gratuito contém os primeiros capítulos de
Despertar, o primeiro volume de uma série sexy e apaixonante que
vai mexer com suas emoções mais profundas.

Compre agora e leia


Um beijo selvagem
Day, Sylvia
9788580869774
61 páginas

Compre agora e leia

Novela gratuita da série Renegade Angels, de Sylvia Day, autora


best-seller do New York Times e da Veja e que já vendeu mais de
12 milhões de exemplares. O vampiro Raze perdeu suas asas por
ser um grande sedutor. E é o único dos Caídos que nunca encontrou
uma parceira. Mas ter conhecido Kimberly McAdams parece ter
mexido com ele. Ela é inteligente, linda, rica e, por algum motivo
inexplicável, se interessa por Raze. Depois de passarem uma noite
inesquecível juntos, ele percebe que encontrou em Kim algo de
especial. Será que este amor será maior do que as diferenças que
existem entre eles?

Compre agora e leia


Table of Contents
Rosto
Sumário
Prefácio - Jana Rosa
Introdução
Quantos anos você acha que eu tenho?
Do nada virei adulta
Adultos têm (muitos) medos
Ops, fiquei grisalha
É proibido envelhecer
Mandar a real, enfim
Menina, você não imagina a última: adultos amam fofoca
Quatro fatosv que comprovam que você cresceu
Por que eu postei aquilo???
Quase a tia do pavê
De vizinha pesadelo a fiscal da vizinhança
Lollapallooquê?
Insônia, minha BFF
Amigo de bar, amigo de lar
Casamento não é (só) festa
Banco imobili[ario da vida real
Trabalho dá trabalho
Enfim, mãe
Padrão: grávida
Capítulo sobre... esqueci
Qual vai ser o nome?
Já sabe o sexo?
O último mês dura um ano
o pós
A hora do pesadelo (ou as visitas chegaram)
A fase do "essa fase é tão tranquila"
Se o meu bebê falasse
Nada Transante
Reality show
Filho dos astros
Dá a chupeta pro bebê (e a mãe) não chorar
Cara de mãe
Julho nunca mais será o mesmo
Look sujinho do dia
Um hobby: pagar a língua
Whats App é uma mãe
Vai ficar tudo bem!
Sobre a autora
Créditos

Você também pode gostar