Introdução
Você sabe o preço das coisas. Eu me pego em umas conversas e depois falo
para mim mesma: “Meu Deus, Camila. Não é que você virou a sua mãe, você
já virou a sua avó!”. Outro dia, eu estava ao telefone com uma amiga
trocando dicas de receitas com abóbora, porque tinha entrado em promoção
no supermercado do bairro. Ah, ser adulto definitivamente é uma eterna
busca por promoções. Se antes você ostentava uma blusinha de marca, agora
o legal é economizar vinte reais na compra do mês e se sentir mais rica e
poderosa.
Você não sente mais vergonha comprando camisinha, ou pelo menos não
deveria. Quando fica adulto, é você quem compra seus remédios na farmácia.
E, quanto mais velho você fica, mais cabulosos (que é a palavra mais teen
que eu poderia usar agora) eles ficam. Tipo quando engravidei e tive que
comprar creme para hemorroidas. A farmácia estava lotada, até tentei falar
meio baixo, mas o farmacêutico repetiu o nome do creme bem alto. E esses
cremes sempre têm nomes bem óbvios que começam com “hemo”, que é para
não deixar nenhuma dúvida. Então comprar camisinha fica relativamente
fácil.
Você começa a achar legal contar suas histórias do passado e mostrar para os
mais jovens tudo o que você curtia quando tinha a idade deles. Desde como
era a vida antes do celular, quando todo mundo usava telefone fixo e você
ligava na casa do crush e corria o risco de ter que falar com o pai ou mãe
dele, até o filme que você viu milhões de vezes na Sessão da Tarde e do qual,
provavelmente, eles jamais teriam ouvido falar se não fosse você para
apresentar a eles. Passar adiante as coisas que foram importantes para você
vira uma diversão, assim como seus pais ou amigos mais velhos faziam
quando o jovem era você. Quem nunca se gabou de ter sido o primeiro a
apresentar The Doors para a turma de amigos ou indicar um documentário
dos anos 1970?
e você calcular há quantos anos está no Facebook, Twitter ou Instagram, vai
perceber que eles te acompanharam em várias fases importantes da vida.
Conheceram diferentes namorados. Viram você fazer novos amigos e até
bloquear outros com quem acabou brigando. Você cresceu enquanto usava
todos esses aplicativos, e o que passou entre vocês está guardado. Talvez não
no coração, mas num arquivo virtual para quem quiser dar um Google e te
stalkear. E isso dá um certo pânico, não dá?
Morro de medo de ver circulando por aí um tweet antigo meu, daqueles
bem sem noção de 2009, quando eu tinha outra cabeça e ainda não enxergava
o mundo como hoje. Principalmente daquela fase em que a gente só falava
“das inimigas” e que fulana tinha “recalque”. Que coisa mais besta. E tweet
sobre política então? Tenho vontade de sumir. Já me decepcionei tanto que
nem comento. É tipo quando você abre aquele álbum antigo de fotos e dá de
cara com você bem novinho e quase não se reconhece. Cabelo estranho,
roupas de uma época em que você era de uma tribo nada a ver com você hoje
em dia, às vezes até na companhia de pessoas com quem você não anda mais.
É exatamente isso que acontece na internet, com a diferença de que seus
álbuns antigos podem ser escondidos no maleiro de casa. Mas algum período
da sua vida ficou esquecido em um álbum no Facebook de um amigo, por
exemplo, onde você, com uma camiseta do Bob Marley, está fazendo hang
loose para a câmera todo feliz. Hoje você só ouve indie rock e usa camisa
xadrez, mas essa sua outra versão do reggae está lá para quem quiser
encontrar.
A internet é uma coisa tão maluca que agora você, além de crescer e virar
adulto, também acompanha digitalmente outras pessoas — que jamais
conheceria se não fossem as redes sociais — se transformarem em adultos.
Só que às vezes você pode amadurecer antes que elas e acabar perdendo o
interesse no que postam. Outras vezes elas mudam e você não entende por
que as influencers X e Y não falam mais sobre tal assunto. Vira e mexe, faço
uma limpa das pessoas que eu perdi o interesse em seguir. Às vezes, demoro
mais para deletar porque fico com pena, sabe? — “Poxa, já vi essa pessoa
passar por tantas coisas… Vou deixar ela aí mais um pouco” —, e desisto de
deletá-la.
Excluo também algumas redes sociais. Às vezes permanentemente, porque
perdi o interesse. Outras temporariamente, só porque estão me distraindo
demais durante o dia. O Snapchat foi uma das que desisti de vez. Eram tantas
as atualizações e os tipos de filtro que, quando eu ficava uns dias sem usar,
parecia que tinha virado uma tecnologia alienígena. Aliás, espero que não
aconteça com você, mas rolou com algumas amigas e sinto que cada vez mais
acontece comigo: virar a perdida da tecnologia. Aquela que tem medo de
baixar um novo aplicativo e não saber usar, que pede ajuda para postar numa
rede social e que acha que qualquer link pode ser vírus (o.k., muitos são). Sei
que não sou minha sobrinha de treze anos, que tem aplicativos e jogos dos
quais eu nunca ouvi falar, mas eu ainda, eu disse ainda, não sou como a
minha mãe. E, pensando bem, até que fiz um superfavor a ela tendo um filho,
porque o nível tecnológico dela já poderia ser considerado “avó” há uns bons
oito anos.
m dia você abre presentes no Natal na casa da sua avó e disfarça que odiou
ganhar uma meia da sua tia Suzana. No outro você passeia pelo shopping, vê
uma meia muito engraçada com desenhos de pizzas e pensa: “Nossa, a
Izabella, minha sobrinha, vai amar essa meia!”. Pronto, sua transição foi
iniciada. Você ainda é incapaz de perguntar se o pavê é “pra ver ou pra
cumê”, mas sem nem perceber senta ao lado da coitada da Izabella, que
acabou de ganhar a meia, e comenta: “E aí, Iza, tá namorando?”. A mágica
aconteceu: você virou uma adulta da sua família.
Agora você não só aceita levar um tupperware para casa com o resto da
comida como manda indireta no fim da ceia, dizendo em voz alta “Nossa,
sobrou bastante comida, né?” para não esquecerem de dar a sua parte. Afinal,
você já é adulta, mas a sua geladeira ainda não. Você agora planeja como o
Papai Noel (que não existe) vai deixar os presentes na sala sem que nenhuma
criança perceba. E, eventualmente, uma das crianças esperando o Papai Noel
chegar vai ser o seu filho.
Ser uma adulta da família é perder várias regalias e entrar para o time das
pessoas que passam a ter responsabilidades nos encontros com os parentes.
Elas podem variar entre comprar gelo, fazer a maionese ou até ceder a própria
casa para os eventos. E pensar que você achava esses encontros um trampo
quando era adolescente só porque te pediam para ajudar a pôr a mesa. Agora
você está gritando da cozinha enquanto mistura a maionese: “Izabella, tira
esse fone e ajuda sua avó a pôr a mesa!”.
Mas eu sinto falta mesmo é das coisas que se resolviam misteriosamente.
Um botão da sua blusa que caiu, mas do nada foi pregado de volta. O pijama
no qual você derrubou molho de tomate, mas a mancha sumiu. Uma calça
que precisava de uma barra e subitamente aparece pronta. São consultas
médicas marcadas, celular pago sem que você receba a mensagem “sua conta
está atrasada, pague e evite bloqueios” e lâmpadas trocadas. É uma vida de
luxo, mas, como você ainda não sabe direito das coisas, não dá o valor
necessário a elas.
Viajar com os pais é um dos melhores programas da vida. Não só porque
viajar é legal, mas porque são eles que cuidam de tudo. Seus pais agendam o
voo, o hotel, verificam se os documentos estão válidos e carregam os seus,
fazem as contas de que horas é preciso sair de casa para chegar ao aeroporto e
ter tempo de passar na livraria e comprar uma revista para você, que não
pensou em nada e, se bobear, esqueceu de pôr calcinha na mala. Hoje me
lembro disso e constato que fui uma adolescente inútil. Eu ficava andando em
círculos pelo aeroporto olhando para o meu tênis, enquanto meu pai arrastava
malas e minha mãe procurava a companhia aérea certa, com medo de perder
o voo. “Camila, fica aqui perto, filha, presta atenção.” E eu imaginando como
seria se eu me perdesse dos meus pais e tivesse que começar uma vida nova
dentro do aeroporto. “Pelo menos tem banheiro e dá para dormir nas
cadeiras”, eu pensava.
A transição da adolescente inútil para mãe de primeira viagem foi muito
brusca para mim. Tão brusca que na primeira viagem do Arthur esqueci de
pôr calcinhas na minha mala. Fiquei com vergonha de contar para o meu
marido e lavava a única calcinha que tinha, colocava no sol e ficava de
biquíni esperando secar. Adulta, né?
— Mãe, você tem um pedreiro para me indicar?
— Vai fazer obra, filha?
— Mais ou menos… Preciso arrumar o teto da cozinha.
— Tá com infiltração?
— Não, ele amassou.
— Amassou?
— É. E onde eu compro uma panela de pressão nova?
— Filha, você tá bem? Estou indo aí.
“Quando eu for adulta e morar sozinha, vou ouvir música no volume que
eu quiser.” Sim, você vai. Logo que fui morar sozinha, eu era aquela vizinha
pesadelo. Passava o dia inteiro com o som ligado e só lembrava que já era
tarde da noite quando o porteiro interfonava dizendo que alguém havia
reclamado da música alta. Eu achava injusto, mas diminuía o volume.
Durante os primeiros anos da minha vida adulta, os barulhos mais comuns
na minha casa eram a música alta, o secador de cabelo, a TV ligada e o celular
tocando. Com o tempo, esses sons logo foram substituídos por outros bem
mais adultos. O barulho mais emblemático dessa nova etapa da vida é o da
panela de pressão — que também é um dos grandes medos do recém-adulto.
Uma casa adulta nunca é adulta o suficiente sem aquele chiado ao fundo.
Relembre sua infância, imagine-se entrando na cozinha da casa dos seus pais
e diga se o som da panela de pressão não invade sua lembrança.
Outros sons característicos da vida adulta são: aspirador de pó;
liquidificador (porque nada pode ser mais prático para o dia a dia do que uma
boa torta de liquidificador); máquina de lavar roupa (principalmente quando
você já não tem medo de quando ela começa a centrifugar e parece que vai
explodir); interfone (ele toca bem mais do que o telefone, primeiro porque
você não tem mais telefone fixo, e segundo porque seu celular está sempre no
modo vibrar).
De repente, a música alta que você tanto ouvia vira um incômodo. E
vizinhos nessa fase de transição se transformam no seu pesadelo. Você
concluiu mais uma etapa da vida: agora é alguém que faz feijão e reclama da
garotada que mora no 72.
m belo dia eu estava ouvindo rádio enquanto lavava louça, bem dona de casa
madura, quando percebi que a música que tocava era muito boa e pensei:
“Nossa, parece a voz do Jay Kay, vocalista do Jamiroquai”. E nisso o locutor
da rádio diz: “Essa foi a nova música do Jamiroquai, que lançou álbum novo
no mês passado”. Oi? Álbum novo? Sempre fui fã da banda, do tipo que vai
aos shows e compra camiseta, e eu não fazia a menor ideia de que eles tinham
lançado uma música e, pior, um álbum inteiro. É triste e vergonhoso como fã,
mas ao mesmo tempo é totalmente compreensível perto das tantas
responsabilidades que tenho hoje em dia.
Comecei a perceber que minhas bandas favoritas são as mesmas de anos
atrás porque mais difícil do que ficar a par da vida delas é descobrir novos
artistas. É por isso que quando fico sabendo, bem em cima da hora
geralmente, que vai rolar um festival de música na minha cidade, não
conheço metade dos grupos que vão se apresentar. E tudo bem saber em
cima, nunca consigo ir mesmo. Primeiro porque os ingressos já estão
esgotados. E segundo porque com esse dinheiro posso pagar meu IPTU.
É chato entregar os pontos de uma vez e virar a senhorinha que estala os
dedos quando começa a tocar George Michael na rádio preferida da mãe.
Mas, infelizmente, é o que noto acontecer a cada dia. A vantagem é que,
como estou mais velha, minha bagagem musical também é maior. E agora eu
sei que aquele hit que todos os jovens berram durante o show e elogiam no
Twitter, como se o cantor fosse um gênio, na verdade é um cover de uma
banda dos anos 1980. Tudo tem o seu lado positivo.
ocê passou sua adolescência inteira achando que tinha insônia. Isso porque
ficava até tarde no computador. Mas é só quando você chega à vida adulta
que descobre como é que funciona de verdade essa história de não conseguir
dormir. Quando é mais novo, na maioria das vezes você dorme tarde porque
quer. Quando é adulto, você quer muito dormir, está exausto, mas mesmo
assim não consegue. Sua cabeça, que é a principal parte do corpo que deveria
relaxar, parece que fica a mil por hora e não para mais de pensar. E não são
pensamentos normais: são verdadeiras tragédias que surgem do nada,
acabando com qualquer possibilidade de sono tranquilo. Isso, sim, é insônia
de verdade.
Tenho paranoias muito loucas antes de dormir. Estou quase pegando no
sono, pensando nos compromissos do dia seguinte, quando lembro que vou
ter uma reunião num lugar meio longe. De repente, na minha imaginação,
bato o carro no meio do caminho. Na mesma hora, em vez de interromper o
pensamento, eu continuo e então me vejo no guincho e, não sei por quê, estou
sem bateria no celular. “Como vou avisar às pessoas que não vou conseguir
buscar o Arthur na escola?” E logo começo a tentar resolver problemas que
nem aconteceram. “Posso pedir o celular do motorista do guincho
emprestado. Hoje em dia todo mundo tem celular…” Até que, finalmente,
depois de uns quarenta minutos, chego a uma solução supercomplexa. Mas a
história não para por aí. Logo penso em outro absurdo e, quando vejo, já
estou no quarto do Arthur quase que pedindo desculpas por todos os erros
que cometi dentro da minha cabeça enquanto ele dorme como um anjo.
Se o milho explode e vira uma coisa muito melhor, será que outros
alimentos também têm esse
superpoder e ninguém sabe?
Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor
no Brasil em 2009.
Camila Fremder e Jana Rosa ajudam a lidar com a vida depois dos
trinta sem crise e com muito bom humor.Fazer trinta anos é uma
crise? Camila Fremder e Jana Rosa respondem: não precisa ser!
Muito pelo contrário, os trinta podem e devem ser maravilhosos.
Carreira, relacionamento, ter ou não ter filhos, saúde, vida social,
tecnologia, moda, conjunções astrais e numerologia - com um texto
sempre bem-humorado, elas falam sobre o que viveram e
pesquisaram acerca desses aspectos da vida como mulheres
balzaquianas. Depois do sucesso de Como ter uma vida normal
sendo louca, a dupla preparou este novo livro que vai trazer
verdadeiras iluminações sobre entrar na terceira década e, com
muita leveza, ajudar a lidar com as questões que inevitavelmente
surgem.