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Organizações e Regimes Internacionais

Nilton César Fernandes Cardoso (2019)

Ao longo do século XX é possível perceber uma proliferação de regimes e de


organizações internacionais das mais diversas naturezas. Esse fenômeno se mostrou ainda mais
intenso no pós-Segunda Guerra Mundial, como consequência do estabelecimento de uma nova
ordem internacional liberal, de caráter multilateral, esboçada e conduzida pelos EUA. O que se
percebe a partir do início do século XXI, contudo, é um questionamento crescente da ordem
internacional – consequência, em grande medida, da sua a partir da década de 1970, sob a égide
do neoliberalismo –, e mais intensamente a partir da ascensão das potências emergentes no
cenário internacional, que passaram a pôr em questionamento a manutenção dos EUA como
único polo de poder do sistema, colocando em cheque o chamado momento unipolar que teria
se estabelecido com o fim da Guerra Fria. A postura estadunidense – frente a sua perda relativa
de poder – em relação à ordem multilateral estabelecida tem impactos importantes nas
Organizações Internacionais. Buscamos aqui, de forma panorâmica, apresentar um histórico da
construção das principais organizações e regimes que compõem a ordem internacional vigente,
bem como apresentar os desenvolvimentos recentes e algumas possíveis explicações para eles.

[OI’s e Regimes]
As Organizações Internacionais (sejam elas Intergovernamentais ou Não-
Governamentais) são a forma mais institucionalizada de cooperação internacional,
especialmente por conta de seu caráter permanente, contando com aparatos burocráticos,
orçamentos e sedes físicas. Um dos pressupostos básicos das OIs é o multilateralismo – ou seja,
a coordenação de relações entre três ou mais Estados de acordo com um conjunto de princípios
(HERZ; HOFFMAN, 2004). De acordo com Ruggie (1992), a prática do multilateralismo
pode ser definida por três conceitos: os princípios, que norteiam a coordenação entre os
Estados; a indivisibilidade, que pressupõe que os princípios acordados são aplicados a todos os
Estados envolvidos; e a reciprocidade difusa, que assume que os atores tendem a respeitar
normas e regras quando percebem que o mesmo é feito pelos pares.
No passado, tratados e acordos tendiam a ser bilaterais ou regionais, mas
progressivamente passaram a fazer parte de arranjos multilaterais criados para lidar com
problemas cada vez mais complexos em diversos campos (econômico, securitário, político,
social, etc.), formando, muitas vezes, regimes internacionais – que são “um conjunto de
princípios, normas, regras e procedimentos decisórios em torno dos quais as expectativas dos
atores convergem em uma área temática” (KRASNER, 1982). Em vários casos, a existência de
regimes internacionais dá origem a Organizações Internacionais. A criação das Organizações
Intergovernamentais Internacionais (OIGs) é uma decisão dos Estados, que delimitam sua área
de atuação. Essas OIs são, simultaneamente, fóruns nos quais ideias circulam, se legitimam,
adquirem raízes e também desaparecem, e mecanismos de cooperação entre Estados e deles
com outros atores. Além disso, também são atores centrais do sistema internacional, uma vez
que adquirem relativa autonomia em relação aos Estados-membros, elaborando políticas e
projetos próprios, além de poderem ter personalidade jurídica. Além de contribuir para a
gestação de normas e regras, as OIGs fornecem mecanismos para garantir o cumprimento
dessas normas e regras, estabelecendo assim um ambiente propício à expectativa de
reciprocidade, fazendo com que os Estados possam, ao guiar-se pelo seu autointeresse, perceber
vantagens em se comportar de acordo com as normas e regras – criando incentivos para que os
demais atores portem-se da mesma forma. Nesse sentido, como destaca Claude (1984), o
desenvolvimento de OIGs pressupõe a existência de Estados soberanos, um fluxo de contato
significativo entre eles, o reconhecimento pelos Estados dos problemas que surgem a partir de
sua coexistência, e a percepção de necessidade de criação de instituições e métodos sistemáticos
para regular suas relações.
As OIGs se diferenciam não apenas por suas temáticas e abordagens, mas também por
seu tamanho, escopo e funções. Algumas são compostas por poucos (ao menos três) membros,
outras contam com quase a totalidade dos Estados do sistema. Algumas têm funções bastante
específicas e técnicas, outras lidam com a governança global de uma forma ampla. Assim,
podemos identificar organizações regionais (como a OEA; CEDEAO; ASEAN) e globais
(como a OMC), com funções gerais (como a ONU) ou especializadas (como a OIT). Já as
ONGIs são entidades privadas e voluntárias, que contam com membros individuais ou coletivos
de diversos países, e que se voltam para causas específicas (como direitos humanos, paz ou a
proteção ambiental) ou para a prestação de serviços (como a ajuda humanitária ou a assistência
ao desenvolvimento).
Assim, em linhas gerais podemos identificar ao menos quatro categorias de
Organizações Internacionais, que não são necessariamente excludentes entre si. O primeiro
tipo são as Organizações de Segurança Coletiva, como a ONU, mecanismos internacionais que
conjugam compromissos de Estados nacionais para evitar, ou até suprimir, agressões de um
Estado contra outro. O segundo tipo são as organizações funcionais, que têm por função
coordenar a cooperação em áreas temáticas específicas (como questões sociais e econômicas),
podendo ter abrangência global ou apenas regional. O terceiro tipo são as organizações
regionais, que são resultados institucionais específicos de processos de integração regional. O
quarto tipo são as organizações da sociedade civil global, que são fóruns nos quais os
indivíduos e grupos colaboram na formulação de normas, ou como atores, dependendo do grau
de institucionalização e autonomia, englobando tanto as OINGs quanto movimentos sociais
transnacionais, redes de políticas globais, coalizões transnacionais e comunidades epistêmicas.
As organizações internacionais passaram a ter maior relevância na política internacional
no século XIX. As transformações econômicas, a assunção de maiores responsabilidades
econômicas e sociais pelos Estados e o desenvolvimento tecnológico foram os fatores mais
relevantes que contribuíram para esse fenômeno. Criava-se um novo campo de atuação dos
Estados na esfera internacional. Um número grande de agências foi criado para responder às
necessidades de coordenação e cooperação em áreas diversas. A necessidade de criar padrões
universais no campo da comunicação, controle de epidemias, pesos e medidas era premente,
em particular para aqueles envolvidos no mundo dos negócios transnacionais. Ainda no século
XIX, organizações não governamentais internacionais proliferaram a partir da percepção da
existência de questões universais, como a paz e os problemas sociais. Como exemplo, podemos
citar a fundação do Comitê Internacional da Cruz Vermelha, organização criada com o objetivo
de prestar assistência humanitária em situações de conflito.
A partir do início do século XX, a crença na conciliação, mediação ou arbitragem, como
formas pacíficas de resolução dos conflitos internacionais, adquire raízes e se institucionaliza.
As organizações internacionais viriam a ter, a partir de então, um papel central no
desenvolvimento dessas atividades. As grandes guerras, o desenvolvimento econômico, as
inovações tecnológicas e o próprio crescimento do número de Estados no sistema internacional,
a partir da desagregação dos impérios, favoreceram um enorme crescimento do número de
OIGs e ONGIs, especialmente na segunda metade do século XX – no contexto de estruturação
da ordem internacional multilateral pelos EUA. Da mesma forma, as organizações
intergovernamentais regionais proliferaram no cenário internacional nesse período, com a
criação de organizações de diferentes tipos em todos os continentes. A identidade regional, a
percepção de que a interdependência econômica em nível regional poderia favorecer o
desenvolvimento e melhorar as condições de competição internacional e as considerações
geoestratégicas foram fatores que favoreceram esse processo.
[Desenvolvimentos do século XX]

A Liga das Nações (criada em 1919), nesse contexto, foi a primeira organização
internacional universal, estando aberta à participação de todos Estados soberanos que
escolhessem compor seus quadros, e tendo como objetivo lidar com a ordem internacional de
forma global. Sua principal função, nesse sentido, era substituir o balanço de poder, que
caracterizara o Concerto de Estados Europeus, por um sistema de segurança coletiva, que
buscava tratar a guerra como uma ameaça à ordem, entendendo que mesmo ameaças localizadas
representavam ameaças à paz internacional. Nesse sentido, a Liga se dedicaria à investigação,
à mediação, à arbitragem ao desarmamento e à diplomacia aberta, como formas de incentivar
a solução pacífica de disputas e evitar o dilema de segurança. A despeito de suas ambições, o
sistema de segurança coletiva se mostrou um enorme fracasso, não evitando o conjunto de
conflitos e a corrida armamentista que precederam a Segunda Guerra Mundial. Em grande
medida, seu insucesso se deveu tanto a questões operacionais da própria organização (como a
exigência de unanimidade entre os membros do Conselho e da Assembleia nos processos
decisórios, a inexistência de um caráter de obrigatoriedade nas resoluções desses órgãos e a
inexistência de mecanismos que assegurassem a implementação da coerção militar), quanto à
ausência dos EUA, o que contribuiu para que o sistema não adquirisse um caráter efetivamente
universal, comprometendo sua credibilidade e operacionalidade.
A experiência fracassada da Liga das Nações contribuiu para a criação, no pós-Segunda
Guerra, de uma nova organização universal, a Organização das Nações Unidas (ONU). As
negociações para a criação da ONU começaram antes mesmo do fim do conflito, com o acordo
entre os EUA, a URSS, a China e o Reino Unido, em Dumbarton Oaks, em 1944, de criação
de uma organização universal que fosse baseada no princípio da igualdade entre os Estados
soberanos. O sistema ONU é composto por seis órgãos principais – o Conselho de Segurança,
a Assembleia Geral, o Conselho Econômico e Social (ECOSOC), o Conselho de Tutela
(desativado em 1994), a Corte Internacional de Justiça e o Secretariado. A Organização tem
funções sociais e econômicas, mas a administração da segurança, a partir do princípio de que o
uso da força contra a integridade territorial ou independência de qualquer Estado está proscrita
e de que disputas devem ser resolvidas pacificamente, é a sua principal função.
A proposta de criação de uma nova organização universal e de um novo sistema de
segurança coletiva visava a corrigir os erros detectados no sistema anterior. Assim, o papel
especial das grandes potências foi reconhecido na forma das atribuições específicas do
Conselho de Segurança e em um processo decisório que concede prerrogativas de soberania
especiais às grandes potências, na forma do poder de veto. A relevância da participação de todas
as grandes potências em uma organização universal, que buscava evitar um novo conflito, logo
após a Segunda Grande Guerra, era evidente. O contexto de disputa durante a Guerra Fria,
contudo, fez com que a ONU desempenhasse um papel mais restrito do que o projetado no
campo da segurança, especialmente pela paralização verificada no Conselho de Segurança,
dadas as divergências entre as superpotências e seu poder de veto.
Paralelamente à criação da ONU, um novo regime econômico internacional também
foi estruturado e consubstanciado no Sistema de Bretton Woods. Nele foram definidas as
bases de gerenciamento econômico internacional pós-guerra e fixadas as regras para as relações
comerciais e financeiras do mundo capitalista. Seu principal objetivo era garantir o crescimento
mundial (apoiado no livre comércio em nível internacional) e, simultaneamente, construir
ferramentas que protegessem (e ao mesmo tempo promovessem) a estabilidade doméstica e os
níveis de emprego, sem promover as consequências externas mutuamente destrutivas que
marcaram o período entreguerras. Nesse sentido, o chamado liberalismo dirigido seria
fundamentalmente multilateral (diferente do nacionalismo que marcara os anos 1930) e baseado
no intervencionismo doméstico (diferente do liberalismo do padrão-ouro) (RUGGIE, 1992).
Além do estabelecimento da indexação da taxa de câmbio das principais moedas em
relação ao dólar e uma paridade fixa desse em relação ao ouro, novas Organizações foram
criadas – o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (BIRD), o atual
Banco Mundial, e o Fundo Monetário Internacional (FMI). O sistema de Bretton Woods
também previa a criação de uma terceira ferramenta, a Organização Internacional do Comércio
(OIC), que todavia não se concretizou. Ainda assim, nesse processo foi estabelecido o Acordo
Geral de Tarifas e Comércio (GATT), em 1947, que passou a ser o fórum efetivo de negociações
para a liberalização comercial, contendo, em princípio, o compromisso dos governos para
reduzir tarifas e um código de conduta regulando outras formas de política comercial.
Estabeleceu-se, assim, no pós-Segunda Guerra Mundial uma nova ordem internacional, de
caráter liberal e multilateral. Tal ordem, que excluía parte significativa dos países do mundo de
sua estruturação – especialmente aqueles do Sul global que, à época, ainda se encontravam, em
sua maioria, sob o jugo colonial –, refletia, por meio de suas Organizações e Regimes
internacionais, o poder internacional dos EUA no período, servindo também de instrumento
para a manutenção da posição de destaque estadunidense nas relações internacionais
(HURREL, 2005).
Ao longo das duas décadas que se seguiram à Segunda Guerra, até os anos 1970, o
mundo viveu um período de mudanças generalizadas e de duradouro crescimento econômico,
marcado por um verdadeiro desenvolvimento econômico com distribuição de renda que
significou melhorias concretas no padrão de vida das populações. Nesse contexto, o que se viu
foi uma articulação crescente dos países do Terceiro Mundo, especialmente a partir da década
de 1960, tanto na Assembleia Geral da ONU quanto no ECOSOC (com a formação do
Movimento dos Não Alinhados e do G-77), fazendo com que algumas demandas terceiro-
mundistas fossem atendidas no âmbito das mais diversas organizações e regimes internacionais.
Exemplo disso é a criação da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o
Desenvolvimento (UNCTAD), que se tornou um símbolo de agência da ONU voltada a
assuntos dos países subdesenvolvidos, e os ajustes realizados no regime de comércio
internacional, especialmente com a inclusão da chamada Parte IV no GATT, em 1966 e a
adoção do Regime Geral de Preferências, durante a Rodada Tóquio. Em linhas gerais, à
UNCTAD e à Comissão Econômica Para a América Latina (CEPAL), somam-se a Comunidade
das Nações Unidas para a África (ECA), a Organização da Unidade Africana (OUA) e a
Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), dentre outras organizações que, direta
ou indiretamente, simbolizavam formas de articulação dos países subdesenvolvidos como
forma de resolver seus desafios naquele contexto.
Também ao longo do período que se estende do pós-II Guerra até a década de 1970, se
proliferaram as organizações regionais funcionais, de segurança e de integração regional, e os
acordos de integração econômica, sendo esta conhecida como a primeira onda de regionalismo.
No que concerne as Organizações voltadas à segurança, o regionalismo foi fortemente
influenciado pela estratégia de Contenção adotada pelos EUA no contexto da Guerra Fria, com
a proposição ou a promoção de diversas organizações que tinham por objetivo conter o
comunismo, como a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a Organização do
Tratado do Sudeste Asiático (SEATO). No que se refere aos aspectos econômicos, a primeira
onda de regionalismo ficou conhecida como “regionalismo fechado”, sendo este entendido e
promovido como uma estratégia de desenvolvimento econômico, buscando garantir incentivos
especiais para a promoção da industrialização nos países mais atrasados.
A década de 1970, contudo, trouxe importantes mudanças para as relações
internacionais. O rompimento unilateral dos EUA com o sistema de Bretton Woods (que levou
ao final deste) contribuiu para propulsionar uma crise global que já se construía desde fins da
década de 1960, e que foi ainda mais intensificada pelas crises do petróleo de 1973 e 1979.
Além disso, esse contexto foi acompanhado por uma mudança significativa na concepção da
ordem internacional, que passava, paulatinamente, a estruturar-se em torno do ideário
neoliberal – mudança que afetou, igualmente, as OIs que lhe davam sustentação, como o FMI
e o Banco Mundial. Nesse contexto, os Estados Unidos e o Reino Unido se engajaram na
promoção da desregulamentação e liberalização no âmbito global, que acabaram por ter um
profundo impacto não apenas sobre os fluxos econômicos internacionais, mas também nas
Organizações Internacionais. Por um lado, a onda de regionalismo enfraqueceu
significativamente, impactando até mesmo o processo de integração na Europa. Por outro, OIs
empoderadas pelas grandes potências passaram a impactar os países subdesenvolvidos de forma
ainda mais direta, o que fica muito claro, por exemplo, na atuação do Banco Mundial e do FMI
ao longo dos anos 1980, que tiveram papel ativo na implantação do neoliberalismo sobretudo
por meio da imposição dos chamados Programas de Ajustes Estruturais aos países endividados,
principalmente do Sul global – sobretudo na América Latina e na África.
A partir do final da década de 1980 e início da de 1990, com o fim da Guerra Fria, a
recuperação econômica global e a aceleração do processo de globalização, novas mudanças
podem ser identificadas no que concerne as organizações e regimes internacionais. Nesse
período, podemos identificar um renovado impulso aos processos de integração regional, como
o surgimento de uma nova onda de regionalismo, que contribuiu para a criação de novas
organizações e acordos de integração, e a revigoração de outros já existentes. Na nova onda,
chamada de regionalismo aberto, os processos regionais de integração econômica passaram a
ser vistos como etapas intermediárias para a liberalização multilateral, e não mais como fins
em si mesmos. Esse período também marcou a aparente consolidação do regime multilateral de
comércio, o que se caracterizou pela criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), em
substituição ao GATT, em 1995, após a conclusão da Rodada Uruguai. O fim do conflito
bipolar também impactou de forma significativa a ONU. Com o fim do uso sistemático do
poder de veto por EUA e Rússia, inaugurou-se uma tendência a decisões consensuais, que
contribuiu para um aumento significativo do número de missões de paz, bem como do escopo
de suas atividades e da quantidade de militares e civis envolvidos. De igual forma, a imposição
de sanções tornou-se mais frequente e foram criados tribunais para crimes de guerra e
genocídios. O contexto de globalização intensificada também marcou um aumento expressivo
do número e da proeminência das ONGIs, que passaram a ter participação cada vez mais ativa
nas relações políticas internacionais.

[Fragilização no século XXI]


Nos anos finais da década de 1990 e iniciais dos anos 2000, todavia, alguns
questionamentos em relação à ordem liberal multilateral começaram a ser evidenciados. Nesse
período, os EUA realizaram intervenções militares a despeito da contrariedade do Conselho de
Segurança das Nações Unidas (no Kosovo, em 1999, e no Iraque, em 2003), e as negociações
da OMC mostraram-se crescentemente difíceis, com a clara paralisia da Rodada Doha de
negociações desde sua inauguração, em 2001. Nesse mesmo período, a crença otimista do
regionalismo aberto como forma de promover o desenvolvimento econômico, que vigorara na
década anterior, diminuiu expressivamente, sobretudo após as crises econômicas da década de
1990 (no México, na Ásia, e na Rússia e na América Latina) e diante do crescente
questionamento no México sobre os efeitos do NAFTA.
Simultaneamente, o início dos anos 2000 também foi marcado pelo estabelecimento de
organizações internacionais regionais que tinham como objetivo principal a coordenação e
cooperação em matérias diversas, incluindo questões políticas, econômicas e de segurança.
Como exemplos dessas organizações podemos citar a Organização para Cooperação de Xangai
(OCX), a União Africana (UA), que substituiu a OUA, a União das Nações Sul-Americanas
(UNASUL). Em grande medida, pode-se dizer que o objetivo principal dessas organizações era
o fortalecimento de suas respectivas regiões – através da criação de alternativas às políticas que
vinham sendo defendidas por organizações tradicionais como o FMI – bem como sua
constituição como meio de fazer frente tanto à postura unilateralista que vinha sendo adotada
pelos EUA em intervenções em diversas partes do mundo, quanto, em certa medida, à própria
atuação da ONU.
A eclosão da crise financeira internacional de 2007 e 2008 e os seus severos impactos
contribuíram, a sua vez, para reforçar as críticas à globalização e também à ordem internacional
(MEARSHEIMER, 2019). Uma das consequências disso tem sido, desde então, e
especialmente na segunda década do século XXI, a ascensão, em todo o mundo, de governos
apoiados em plataformas nacionalistas e, na grande maioria dos casos, críticos ao
multilateralismo e às próprias Organizações e Regimes internacionais. Como resultado, o que
se vê é um cenário em que diversos deles têm sido alvo de questionamentos e ataques (como é
o caso da ONU, por exemplo nos discursos de Bolsonaro e Trump na abertura da AG, em 2019),
sendo em muitos casos fragilizadas (como é o caso da União Europeia, diante do Brexit, ou do
Acordo de Paris, com a saída dos EUA) ou até mesmo esvaziadas (caso da UNASUL, cujo
funcionamento foi suspenso). Ainda, reflexos desse contexto também podem ser encontrados
nas constantes críticas realizadas pela administração Trump acerca da OTAN e do NAFTA,
bem como pelas ações de fragilização da OMC (com o esvaziamento do corpo de apelações
promovido pelos EUA) e pela guerra comercial que se estabeleceu entre EUA e China
recentemente.
A década de 2010, assim, se encerra em um complexo contexto de questionamentos em
relação à ordem internacional – e também às Organizações e Regimes internacionais que lhe
estruturam. Por um lado, se observa, por parte dos EUA, tanto a rejeição crescente de arcar com
os custos de sustentação da ordem internacional multilateral estabelecida – o que se expressa,
entre outros, por sua postura frente às organizações e regimes internacionais –, quanto a adoção
unilateral de políticas que têm como objetivo declarado (na NSS 2017) a manutenção do poder
dos EUA frente às disputas políticas, econômicas e geoestratégicas com potências emergentes.
Por outro, se vê uma crescente disposição das potências emergentes – evidenciada
principalmente após a crise financeira de 2008 – tanto de adquirir maior protagonismo na
sustentação da ordem estabelecida, assumindo maiores responsabilidades e protagonismo junto
às OIs e regimes de tal ordem (o que se verifica, por exemplo, na demanda dos BRICS pela
reforma do sistema financeiro internacional, nos discursos do presidente chinês a favor do livre
comércio e também na presença da China como segundo maior patrocinador das missões de
paz da ONU), quanto de criar alternativas a algumas OIs que são base dessa ordem (o que se
evidencia, por exemplo, na criação do Banco de Desenvolvimento do BRICS).
Nesse sentido, o que parece haver, em verdade, não é uma crise do multilateralismo ou
das organizações e regimes internacionais em si, mas sim um processo de instabilidade (e,
possivelmente, de transformação) da ordem internacional da qual elas fazem parte – e à qual
servem de sustentação –, cujo futuro se mostra incerto. Se por um lado parece haver uma
tentativa, por parte da potências emergentes, de sustentação da ordem vigente, em grande
medida desenhada pelos EUA, por outro verifica-se, simultaneamente, a tentativa de
estabelecer novas organizações e regimes que sejam capazes de influenciar a ordem
internacional, de forma a torná-la mais democrática (e multilateral), refletindo assim,
efetivamente, o caráter crescentemente multipolar das relações internacionais no século XXI.
Nesse contexto, ainda que seja difícil fazer previsões a respeito do futuro da ordem
internacional, parece seguro afirmar que independente de sua natureza e características, as
Organizações e Regimes Internacionais seguirão sendo fundamentais para sua existência.

REFERÊNCIAS
CLAUDE, Inis. Swords into plowshares: the problems and progress of international
organizations. New York: McGraw-Hill, 1984
HERZ, Mônica. HOFFMAN, Andrea. Organizações internacionais: história e práticas. Rio
de Janeiro: Elsevier, 2004.
HURREL, Andrew. Power, Institutions, and the Production of Inequality. In: BARNETT,
Michael; DUVALL, Raymond (Eds.). Power in Global Governance. Cambridge: Cambridge
University, 2005
KRASNER, Stephen. Structural causes and regime consequences: regimes as intervening
variables. International Organization, Cambridge, v.36, n.2, 1982.
MEARSHEIMER, John. Bound to fail: the rise and fall of the liberal international order.
International Security, v.43, n.4, 2019
RUGGIE,John. Multilateralism: the anatomy of an institution. International Organization,
Cambridge, v.46, n.3, 1992

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