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LIVRO ÉTICA E ENFERMAGEM

Queirós, Ana Albuquerque (2001). Ética e Enfermagem. Coimbra: Quarteto


2
3

PENSAMENTO

“A ética está mais próxima da sabedoria do que da


razão, mais próxima de que coisa deve ser o bem do
que da formulação de princípios correctos.”
Francisco J. Varela
“Ser-se humano consiste principalmente em ter-se
relações com outros seres humanos”
F . Savater
4

DEDICATÓRIA:

Aos Estudantes de Enfermagem


Aos Profissionais de Enfermagem
5

INDICE
INTRODUÇÃO.....................................................................................................7
I PARTE
1. FUNDAMENTOS DA ÉTICA, CLARIFICAÇÃO DE
CONCEITOS .............................................................................................

2. DIMENSÕES ÉTICAS DA ENFERMAGEM


CONTEMPORÂNEA...................................................................................

3. DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS ÉTICO-RELACIONAIS.......

4. OS VALORES EM ENFERMAGEM............................................................

5. O QUE É UM PROBLEMA ÉTICO.............................................................

6. OS PRINCÍPIOS DE AUTONOMIA, BENEFICÊNCIA, NÃO


MALEFICÊNCIA E JUSTIÇA..................................................................

7. ROTEIRO PARA O PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO


ÉTICA..........................................................................................................

8. TEORIAS ÉTICAS

II PARTE
1. ÉTICA RELACIONAL NOS CUIDADOS DE SAÚDE AO ADOLESCENTE -
- uma abordagem sobre o consentimento informado

LISTA DE BIBLIOGRAFIA PARA APROFUNDAMENTO DO ESTUDO DA


ÉTICA E BIOÉTICA
ANEXOS:
§ Anexo I- Estatuto da Ordem dos Enfermeiros (da Ética e deontologia)
6

§ Anexo II- Linhas orientadoras para agir perante comportamentos e/ou


práticas profissionais incorrectas.
§ Anexo III- Parecer sobre aspectos éticos dos cuidados de saúde
relacionados com o final da vida - 11/CNECV/95
§ Anexo IV- Declaração de Helsínquia
§ Anexo V - Carta dos direitos e deveres dos doentes
§ Anexo VI - Convenção de Oviedo
§ Anexo VII- Declaração Universal dos Direitos do Homem
7

INTRODUÇÃO

O trabalho que apresentamos neste livro procura reflectir sobre a dimensão


ética da profissão de enfermagem e a sua contribuição para uma cada vez
maior visibilidade da genuína arte e ciência que esta profissão encerra.
Como colectânea, em livro, de alguns dos temas preparados para a
leccionação das disciplinas de Ética e Bioética na Escola Superior de
Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca, os objectivos que este trabalho envolve
são também os que nos orientaram para tais abordagens e que foram:
- Contribuir para a preparação dos estudantes/formandos no sentido
de compreenderem a importância das competências Éticas no âmbito
das Ciências de Enfermagem e da práxis profissional do(s)
Enfermeiro(s);
- Contribuir para que os estudantes/formandos desenvolvam uma
grande sensibilidade, uma sólida preparação teórica e uma clara
compreensão do papel do profissional de enfermagem, (nas suas
intervenções independentes e interdependentes), que requeiram a
aplicação das suas competências éticas.
O livro consiste, numa primeira parte com vários capítulos temáticos que
abordam itens relativos a aspectos de fundamentação para a reflexão ética,
uma perspectiva de clarificação de conceitos, uma reflexão sobre as
dimensões éticas da enfermagem contemporânea, sobre o desenvolvimento de
competências ético-relacionais, uma breve abordagem sobre os valores e a
enfermagem; segue-se, ainda capítulos contendo algumas reflexões sobre o
que é um problema ético e os princípios éticos a ter em atenção no processo
de tomada de decisão ética. Ilustra-se a abordagem para a tomada de decisão
com uma reflexão sobre a questão do sigilo profissional. Aborda-se, ainda, de
uma forma bem sucinta as teorias éticas mais referenciadas na literatura em
enfermagem.
Numa segunda parte apresenta-se o texto específico sob o tema “Ética
relacional nos cuidados de saúde ao adolescente” que constituiu o documento
de base da lição proferida no âmbito do concurso para professor coordenador
8

para a Escola Superior de Enfermagem de Bissaya Barreto realizado


recentemente pela autora.
É fundamental que se tenha em conta que os temas tratados não foram alvo de
uma exaustivo aprofundamento bibliográfico, procurando-se antes dar um certo
caracter de exposição, coerente, de algum modo, com a forma como as aulas
se desenrolaram.
As notas que são colocadas em pé de página remetem o leitor para as
referencias citadas ao longo do texto e no final inclui-se uma extensa lista de
bibliografia que se pretende seja útil para um estudo mais aprofundado.
Colam-se em anexo alguns documentos normativos, a título de exemplo, para
orientar o leitor para a importância da documentação relacionada, como o
Código de Ética e Deontologia dos Enfermeiros Portugueses, Linhas
orientadoras para agir perante comportamentos e/ou práticas profissionais
incorrectas, o Parecer do Conselho nacional de Ética para as Ciências da Vida
sobre aspectos éticos dos cuidados de saúde relacionados com o final da vida -
11/CNECV/95, a Declaração de Helsínquia, a Convenção de Oviedo, a Carta
dos Direitos e Deveres dos Doentes, da Direcção Geral de Saúde, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem.
9

I PARTE

1. FUNDAMENTOS DA ÉTICA, CLARIFICAÇÃO DE CONCEITOS

A questão ética é posta hoje com uma intensidade e uma urgência que se pode
medir pelos perigos presentes na actualidade e que se multiplicam. E esta
interrogação traduz-se frequentemente por uma procura e uma produção de
normas.
Os poderes públicos colocam barreiras à quantidade de riscos contemporâneos
(a informática face ás liberdades, a engenharia genética face aquilo que é o
Homem enquanto espécie); decidem actualmente regulamentar os
nascimentos assistidos tecnologicamente, os usos dos métodos de procriação
artificial; confronta-se com problemas da protecção da carta genética.” 1
Os profissionais de saúde apercebem-se de questões da mesma ordem e
procuram respostas a partir da sua prática. No mundo da enfermagem,
multiplicam-se as reflexões, as formações, iniciais ou contínuas, as publicações
sobre ética. E, apesar desta abundância, algo desordenada - mas é como a
própria vida - quantas vezes os profissionais se sentem sós e impotentes face
a questões difíceis. As soluções muito tempo retardadas, são muitas vezes,
ainda, tomadas de urgência, sem concertação ou com pouca, o desconforto, o
mau estar de muitos profissionais é evidente, e o do público é também muitas
vezes visível.
É, então, necessário, que os grupos profissionais ligados aos de
cuidados de saúde, se estruturem, por todos os meios à sua disposição, se
apetrechem para melhor fazer face, a estas situações: - é vital para todos e
para a sociedade. À criatividade que se manifesta no domínio das ciências e
das técnicas de vida e da saúde, deve responder a criatividade ética dos
profissionais da saúde.
Enquanto profissionais é imprescindível que procuremos enfrentar os
complexos desafios que se colocam na actualidade tanto a nível pessoal, como
institucional e social.

1
GEORGES Blandier, Le Désorde, Fayard, 1988, p. 182
10

A necessidade de os profissionais de enfermagem se apetrecharem para dar


resposta às exigências da alta competência técnica e da elevada competência
no “toque”, no cuidar humano, colocam o pensamento ético na interface entre
algo a que por vezes se chama a técnica dos cuidados de enfermagem e a
componente relacional dos mesmos cuidados2.
O estudo das teorias éticas, a clarificação da variedade de factores que
precisam de ser analisados quando se enfrentam os dilemas éticos, o processo
de tomada de decisão, são alguns dos elementos que se exige hoje que os
enfermeiros aprofundem de forma a fundamentarem as suas práticas
profissionais e assim aplicarem de forma exigente e criativa os princípios éticos
e deontológicos, como os que estão definidos no recente documento dos
Estatutos da Ordem dos Enfermeiros Portugueses3.
Na sua essência, a enfermagem é uma profissão que envolve situações que
encerram aspectos ético-morais de natureza complexa. A dependência que
cresce face à tecnologia, o resultado que esta produz na forma como o ser
humano experiência o seu ciclo vital, os altos custos económicos inerentes aos
cuidados de saúde, associados ao crescimento e desenvolvimento da
autonomia das diversas profissões cria uma atmosfera que exige que as
reflexões perante as situações concretas se façam segundo enquadramentos
teóricos clarificados.

A enfermagem sendo considerada como uma profissão com pressupostos


ético-morais importantes, tem vindo a sofrer mudanças no seu significado e na
sua estrutura, principalmente desde o início do século vinte, ao acompanhar
todo um conjunto de alterações no contexto do desenvolvimento das ciências
médicas e das próprias mudanças sócio-demográficas e económicas. Estas
mudanças que ocorrem na estrutura e nas finalidades da profissão de
enfermagem resultaram em modelos de enfermagem contemporâneos que
realçam o conceito de cuidar, que é o núcleo central da Enfermagem e que é
desenvolvido através do suporte e da protecção da dignidade do

2
In: Queirós, Ana. (2000). Empatia e respeito. Coimbra. Quarteto Editora.
3
Ver o Decreto-lei n.º 104/98 de 21 de Abril.
11

doente/utente4. Então, o objectivo da enfermagem é principalmente o de


promover a saúde e a qualidade de vida e providenciar um ambiente humano e
seguro. A primeira finalidade da relação enfermeira-doente é reconhecida como
sendo a de promover o bem-estar e a segurança da pessoa.
Esta perspectiva coloca o doente/utente no centro da atenção da profissão de
enfermagem. Isto faz com que a enfermagem seja realizada tratando-se e
cuidando-se, isto é preservando-se a integridade e auto-estima da pessoa.
Os valores e os objectivos tradicionais, que privilegiavam uma enfermagem
centrada no médico e numa atitude de obediência, foram ultrapassados por
uma visão contemporânea que coloca o doente/utente como o alvo da atenção
e que se desenvolve através de atitudes de respeito, de honestidade, de
lealdade, de coragem, de verdadeira consciência e compaixão5 perante o
doente.
Esta inovadora perspectiva de Enfermagem conduz a uma mudança
significativa nas interacções que acontecem entre as enfermeiras e os doentes
e produzem uma clarificação sobre a responsabilidade primordial que a
enfermeira tem face à pessoa que é alvo dos cuidados de enfermagem. Esta
compreensão acerca da enfermagem contemporânea realça a
responsabilidade ética para que a enfermeira assuma a defesa6 e protecção
dos direitos dos doentes.

4
Nesta obra será usada indistintamente a palavra doente ou utente querendo significar a
pessoa que é assistida nas instituições de saúde hospitalares, centro de saúde, em ambiente
domiciliar ou outro contexto na comunidade.
5
Compaixão é um termo que entendemos ser bastante interessante quando o distinguimos de
algo que diga respeito a “caridade”, mas antes se refere ao genuíno interesse humano e
profissional em ajudar a diminuir o sofrimento do outro.
6
O papel de defesa ou de advogado do doente é uma expressão que significa que o
profissional de enfermagem assume uma nova competência ética que, nesta perspectiva
contemporânea, é fundamental para a realização da excelência em enfermagem e que se
concretiza por uma atitude de grande empenho na promoção da autonomia e
autodeterminação do doente, face ao seu próprio processo de cuidados na saúde e na doença.
12

SPARKES (1991)7, afirma que as definições dos dicionários, da palavra Ética,


podem, trazer-nos ideias não conclusivas. Um dos significados dados é o de
"estudo filosófico da conduta moral e do raciocínio" (SPARKES, 1991). Esta
interpretação pode ser extensiva a questões do tipo do que são acções
correctas ou incorrectas. Nesta perspectiva, qualquer pessoa pode ser
considerada como estando preocupada com a Ética, num momento ou noutro,
pois que todos nós nos encontramos em situações que têm uma dimensão
moral.
Quando perguntamos aos nossos estudantes o que significa para eles a
palavra ética, muitas vezes as suas respostas são:
- «A ética tem a ver com quilo que os meus sentimentos
me dizem o que é certo e errado.»
- «A ética tem a ver com os meus valores religiosos.»
- «Ser ético é agir de acordo com a lei.»
- «A ética consiste em padrões de comportamento que a
sociedade aceita.»

7
SPARKES, A. W. (1991). Talking philosophy. A wordbook. Routledge, London.
13

- «Eu não sei bem o que é que a palavra quer dizer.»

Muitas destas respostas são mesmo bastante típicas e frequentes. De facto


não é assim tão simples explicar o que é que queremos dizer quando usamos a
palavra ética.
Ao fazer-se apelo aos sentimentos, está-se a evidenciar uma grande convicção
pessoal no pensamento ético; mas certamente que a ética não é uma questão
de sentimentos. A pessoa que segue os seus sentimentos pode errar e fazer
aquilo que não está certo. Muitas vezes, os sentimentos desviam-nos daquilo
que é ético.
Igualmente não é apropriado associarmos a ética com a religião. A maioria das
religiões, como se sabe, defendem elevados padrões éticos. No entanto, se a
ética fosse restrita às religiões, aplicar-se-ia apenas a pessoas religiosas. A
ética é igualmente inerente a um indivíduo que é ateu ou a alguém que é santo.
Certamente que a religião promove padrões éticos importantes, e pode
promover uma forte motivação para as atitudes éticas, mas contudo, não se
reduz à religião nem é algo parecido com a religião.
Ser ético também não é o mesmo que seguir as leis. As leis muitas vezes
incorporam normas éticas, com as quais a maioria dos cidadãos está de
acordo. Mas as leis, tal como os sentimentos, podem desviar-se do que é ético.
Pensemos por exemplo nas leis que defenderam escravatura ou nas leis que
defendem a pena de morte e que nos parecem grotescas e desviadas do que é
ético.
Finalmente, ser ético não é o mesmo que «fazer aquilo que a sociedade
aceita.» Em qualquer sociedade, a maioria das pessoas aceita os padrões que
são, de facto, éticos, mas os padrões de comportamento em sociedade podem
desviar-se daquilo que é ético. Uma sociedade inteira pode tornar-se
eticamente corrupta. É o caso da sociedade nazi, na Alemanha na época da II
Guerra Mundial.
Se, ser ético fosse fazer «o que a sociedade aceita», então para saber o que é
ético, a pessoa teria de procurar saber o que é que a sociedade aceita. Para
decidir o que eu penso sobre o aborto, por exemplo, eu teria de fazer um
inquérito a toda a sociedade e então depois ajustava o meu pensamento ao
que a sociedade aceitasse. Mas ninguém pensa que quando tem de adoptar
14

uma atitude ética vai precisar de fazer um inquérito na sociedade. Também a


falta de consenso social, sobre muitas questões, torna impossível que se
considere ético aquilo que a sociedade aceita. Algumas pessoas aceitam o
aborto e outras não. Se de facto a ética fosse fazer aquilo que a sociedade
aceita, então teríamos de encontrar uma concordância em temas, que na
realidade, não existe.
A distinção entre os dois termos Ética e Moral é mais de ordem filosófica e
podem ser dadas algumas respostas. Sabe-se que a etimologia dos dois
termos é a mesma, que o termo “moral” se tem imposto e que está conotado
por uma concepção “descendente”: vai-se dos princípios para as aplicações, o
que não é sempre operacional e pode ficar no campo individual. Daí o retomar
do uso do termo “ética”, que na reflexão filosófica e na prática contemporânea,
implica quer a responsabilidade de todos os actores e a procura dos
consensos. Uma reflexão clara sobre o processo ético é a que propõe o filósofo
Paul Ricoeur8. Para ele, o processo ético implica no ponto de partida uma
tomada de consciência do problema, um desejo de “lhe “ responder - o que ele
chama de “ intenção ética” - os “valores” como fundamento, a vontade de os
honrar, depois de uma procura muito concreta para tentar elaborar a melhor
resposta possível. O que necessita a referência às “normas”: e é então, que na
opinião deste filósofo, intervém a “moral”.
A ética significa decidir sobre “o que é mais correcto fazer?” ou decidir “ como
devo eu agir?” As respostas a estas questões devem ser descobertas nas inter-
relações entre os profissionais de saúde e o doente (e a sua família). Se é
verdade que o “momento ético” se encontra nas relações do “eu com o outro”,
então devemos considerar que precisamos ter uma cada vez maior habilidade
para controlar e manipular o corpo humano no âmbito dos cuidados de saúde,
pois existe um risco sério de se agredir o espírito humano.
Ética em enfermagem e ética médica, ética de cuidados de enfermagem,
e ética do quotidiano, bioética e ética biomédica, ética clinica e ética
hospitalar…os termos multiplicam-se, procuremos ver mais claro:
Uma situação relevante da ética, em cuidados de enfermagem, e
portanto no campo da “ética em enfermagem”, pode também ser relevante na

8
RICOEUR, Paul(1991) - O Si-Mesmo como um Outro. Papirus Editora, S. Paulo, Brasil.
15

“ética médica”; pode também falar-se de “ética clínica”; se a situação é


hospitalar, ela constitui igualmente uma situação de “ética hospitalar”. E como
as situações são sempre singulares, realça-se também a “ética do quotidiano”,
que se diferencia da reflexão ética de fundo. Sem nos ligarmos muito a estes
nomes, parece-me que há mais interesse em falar da participação da
enfermeira na ética em contexto de cuidados de saúde ou Ética clínica.
Assinalemos, ainda que o termo “bioética”, segundo o uso americano, e
o vocabulário a nível de instâncias europeias deve ser usado preferivelmente
ao termo “ética biomédica”, conotado sobretudo com a profissão médica.
A palavra bioética surgiu no início dos anos 70, a partir dos Estados Unidos,
tendo imediatamente passado para a Europa e, em seguida, para o resto do
mundo. A sua conotação inicial relacionava-se com uma questão de ética
global, ou seja, com a preocupação ética de preservação futura do planeta, a
partir da constatação de que algumas novas descobertas e suas aplicações,
em vez de trazerem benefícios para a espécie humana e para o futuro da
humanidade, originavam preocupações e até mesmo destruição da
biodiversidade, podendo ocasionar danos irreparáveis no próprio ecossistema.
Em pouco tempo, no entanto, a palavra “bioética” foi de certa forma apropriada
pelos pesquisadores do Instituto Kennedy, dos Estados Unidos, que deram ao
seu conceito uma feição mais relacionada com as situações éticas
relacionadas à vida das pessoas, desde o seu nascimento, ao longo da vida,
até à morte. Foi principalmente a partir daí, com esta conotação, que ela se
expandiu e é hoje reconhecida nos meios académicos e ligados à saúde,
internacionais.
A base da bioética é a “ética prática” ou “ética aplicada”. Actualmente, é
provável que este campo da filosofia tenha sua utilização mais aperfeiçoada,
mais acabada, exactamente através da bioética. Isso é até certo ponto natural,
uma vez que os grandes dilemas que passaram a colocar-se às pessoas e às
colectividades, na vida quotidiana e prática, principalmente dos anos 50 para
cá, começaram a exigir respostas ou decisões muitas vezes imediatas e
sempre concretas. Estamos a referir temas como a reprodução medicamente
assistida, os transplantes de órgãos, a terapia genética e tantas outras
situações que atingem, de certo modo, os limites da vida, e que dizem respeito
ao mais íntimo da espécie humana.
16

A Bioética não é, portanto, hoje, simplesmente uma nova versão da tradicional


“ética médica”. O termo engloba, também, uma extensa lista de problemas para
homens e mulheres, referentes aos direitos e obrigações dos profissionais, dos
doentes e da sociedade, e que se relacionam com a saúde.
Com poucos anos de vida, a bioética evoluiu rapidamente; a partir do conceito,
foi-se construindo um original paradigma, entendido esse como um conjunto de
elementos culturais, de conhecimentos e códigos teóricos, técnicos e
metodológicos compartilhados pelos membros de uma comunidade científica·.
A ampliação teórica do paradigma bioético, introduziu a distinção entre o que
se chamou de bioética quotidiana e bioética das situações limite ou de
fronteira. De certa forma, a bioética veio também para reforçar o exercício
humanístico da questão ética.
Em todos os temas inerentes à bioética, existe uma questão que, sem dúvida,
atravessa longitudinalmente todos os problemas e conflitos a serem abordados
e estudados. Trata-se do assunto ao qual o filósofo alemão Hans Jonas 9
dedicou toda sua vida, ou seja, à ética da responsabilidade. Seja relacionando
– se com a bioética das situações persistentes ou das situações emergentes, o
princípio universal da responsabilidade não pode ser deixado de lado.

O que é então a ética?

A Ética trata de dois aspectos. Em primeiro lugar refere-se a padrões bem


estabelecidos do que é certo e errado e que prescrevem aquilo que os seres
humanos devem ser, geralmente em termos de direitos, obrigações, benefícios
para a sociedade, lealdade ou qualidades (virtudes) específicas. Por exemplo,
refere-se àqueles padrões que impõem uma obrigação razoável que nos
impedem de roubar, de matar, de cometer fraudes. Nesta perspectiva a ética
trata, também, dos padrões relacionados com o direito à vida, à liberdade, e o
direito à privacidade. Estes padrões são considerados princípios ético-morais
porque são suportados por razões consistentes e bem fundamentadas.
Podemos dizer que esta é a moral que vem de fora para dentro e que cada um
de nós reconhece nos princípios ou valores morais que lhe são transmitidos na

9
JONAS, Hans (1994). Ética, medicina e técnica. Lisboa: Vega passagens.
17

sua vida de família e no seu ambiente sociocultural e que por vezes chamamos
de a nossa consciência.
Em segundo lugar, a ética refere-se ao estudo e ao desenvolvimento dos
nossos padrões éticos pessoais (que nascem de dentro de nós e se mostram
fora de nós, nas nossas acções quotidianas). Como foi mencionado antes,
sentimentos, leis, normas sociais podem desviar-se daquilo que é ético.
Portanto, é necessário examinar constantemente os nossos próprios padrões
para nos assegurarmos que eles são razoáveis e bem fundamentados. A ética
também significa o esforço contínuo de estudar as nossas crenças morais e as
nossas convicções profundas que baseiam a nossa conduta de forma a
assegurarmos que nós próprios e as instituições que nós integramos vivem de
acordo com elevados padrões que são razoáveis e bem sólidos.
Bergum10 (1997) afirma que existe um reconhecimento cada vez maior de que
novos modelos de interacção no contexto dos cuidados de saúde são
necessários, talvez menos estruturados hierarquicamente ou menos focados
no que se refere ao poder e ao controle.
A mesma autora chama a atenção para os três tipos de conhecimento
necessário para o julgamento ético evoluir11. Os primeiros dois, conhecimentos
da experiência subjectiva (escutar as experiências dos pacientes), e abstracção
objectiva ou deliberada (pensamento tecnológico ou racionalidade) são formas
de conhecimento importantes.
O terceiro tipo de conhecimento fundamental para os cuidados de saúde é o
conhecimento compreensivo, necessário para o julgamento clínico ético, e
desenvolve-se através da participação (partilha) onde os profissionais se
esforçam por compreender o que significa a experiência para o paciente. A
sabedoria prática para a ética nos cuidados de saúde deve ser obtida ao longo
das acções com os doentes. A Enfermeira e o médico devem “mudar-se” do
raciocínio tecnológico e científico do laboratório para a beira da cama do
doente, onde o tacto e compreensão podem criar um necessário conhecimento
novo e enriquecedor.

10
In: BERGUN,Vangie.(1993).Participatory knowledge for ethical care. Bioethics
Boletim(2),Alberta, Canadá.
11
Nota: esta abordagem sobre os tipos de conhecimento é também fundamental para se
abordar a questão do desenvolvimento de competências ético-relacionais.
18

As alarmantes imagens das pessoas reais sendo fragmentadas em partes


abstractas podem ser apagadas através do desenvolvimento de habilidades
para o desenvolvimento de interacções com doentes que colocam o foco na
compreensão da experiência humana.
O tipo de conhecimento (e de modo de conhecer) necessário para um
julgamento ético deve ser partilhado, no qual os profissionais e os pacientes,
juntos, procuram compreender o que significam os factos objectivos que se
desenrolam ao longo das experiências individuais dos doentes. Então, esta
relação profissional - doente não é meramente realizada com o fim de se
interpretar uma informação científica (por exemplo explicar o significado dos
resultados de uma análise ao sangue), ou ainda realizada apenas com o fim de
aplicar um princípio ético (por exemplo, usando o princípio da Autonomia em
vez do princípio da Beneficência para justificar uma decisão), mas fornece
também a ocasião para compreender o que significam os resultados de uma
análise de sangue para aquele doente individual, sendo este aspecto que
fornece o fundamento para um real e verdadeiro cuidar ético.
O conhecimento moral (e os padrões) para o julgamento ético deve ser
entendidos como um processo em vez de algo definitivo. Sendo um processo
deve sempre rejeitar o uso da força, o que inclui o uso do conhecimento que dá
poder (médico, científico, filosófico), as posições que conferem os diferentes
poderes (médico / enfermeira / paciente), ou até a tecnologia que traduz poder
(possibilidade de poder manter a pessoa viva).
As discussões acerca da Ética muitas vezes estão centradas à volta de tópicos
carregados de controvérsia moral, por exemplo os debates sobre eutanásia, o
aborto, a investigação com embriões humanos e atribuições de recursos.
Estes, às vezes, envolvem acaloradas discussões entre grupos ou indivíduos
que aderem afincadamente a perspectivas contrastantes.
Como Enfermeiras, nós encontramos diariamente situações que podem ser
descritas como problemas Éticos. Estes podem incluir um vasto leque de
circunstâncias, abrangendo áreas tão diversas como colaborar ou não num
aborto, como qual a melhor forma de lidar com a angústia de fazer parte de um
grupo que se mostra muito resistente à mudança. Podem ser dadas opiniões
sobre o mérito da Ética, ou, de uma dada situação, mas é difícil de dar um sim
absoluto ou não sobre a valorização moral intrínseca a incidentes particulares.
19

Este é um tema importante para se aprofundar relativamente à Ética, pois pode


fornecer pistas para o pensamento reflectido mas não pode fornecer respostas
universais.
Em enfermagem, nós inevitavelmente encontramos situações com uma
dimensão ética e moral.

2. DIMENSÕES ÉTICAS DA ENFERMAGEM CONTEMPORÂNEA


20

A perspectiva que coloca o doente/utente no centro da atenção da profissão de


enfermagem faz com que a enfermagem seja realizada com uma concepção de
cuidados que se orienta tanto para o cuidar humano como para o cuidar técnico
e científico, que em rigor são uma única entidade central na Ciência e Arte de
Enfermagem.
Os valores e os objectivos tradicionais, que privilegiavam uma enfermagem
centrada no médico e numa atitude de obediência, foram ultrapassados por
uma visão contemporânea que coloca o doente/utente como o alvo da atenção
e que se desenvolve através de atitudes de respeito, de honestidade, de
lealdade, de coragem, de verdadeira consciência e compaixão perante o
doente.
Esta inovadora perspectiva de Enfermagem conduz a uma mudança
significativa nas interacções que acontecem entre as enfermeiras e os doentes
e produzem uma clarificação sobre a responsabilidade primordial que a
enfermeira tem face à pessoa que é alvo dos cuidados de enfermagem. Esta
compreensão acerca da enfermagem contemporânea realça a
responsabilidade ética para que a enfermeira assuma a defesa e protecção dos
direitos dos doentes.
Ao mesmo tempo que evolui a prática com base numa teoria de Enfermagem,
também evoluiu o papel da Enfermeira profissional como defensora do utente.
Explorando os desenvolvimentos em Enfermagem, Winslow (1984, p. 32)12
afirma que a Enfermagem evolui da metáfora de “Enfermagem como um
esforço lutar contra a doença (militar) ” da metáfora que caracteriza a nossa
história passada, “associada a virtudes como a lealdade e normas como a
“obediência aos de maior patente”, e a manutenção de confiança na autoridade
- para a metáfora de defesa associada à “Enfermagem como um defensor dos
direitos dos utentes, uma metáfora basicamente legal … associada a virtudes
como a coragem e a normas como a defesa do doente contra a violação dos
seus direitos”.

12
In: WINSLOW GR(1984) From loyalty to advocacy: A new metaphor for nursing. Hastings
Report 14:32-40.
21

Até certo ponto as enfermeiras agiram sempre como defensoras dos utentes. A
defesa do utente ganhou maior relevância quando entrou em conflito com a
defesa do médico ou a defesa de instituição empregadora.
À medida que a Enfermagem se foi assumindo como uma profissão autónoma
e não um subsistema dependente da medicina, a natureza de defesa foi-se
alterando.
Actualmente, a Enfermagem que tenta agir no papel de defensora do utente,
aceita a obrigação de ter o utente como a prioridade máxima, em qualquer
circunstância.
O desafio para uma Enfermeira que actualmente queira ser uma defensora do
utente, é exactamente ter a capacidade e habilidade de o ser, sem por isso se
tornar adversária de outros profissionais no Sistema de Cuidados de Saúde.
CORCORAN (1988. P. 248) sintetizou as dificuldades associadas à defesa do
utente:
- “ Desempenhar o papel de defensor do utente /cliente é difícil e
por vezes mesmo ameaçador porque promove a
autodeterminação do doente e porque os direitos morais e
obrigações associadas ao profissional podem não ser compatíveis
como as políticas institucionais ou regulamentos legais”13.

De acordo com Leddy e Pepper (1993), a visão tradicional do papel da


Enfermeira deve ser ajustada de forma a dar credibilidade às funções
facilitadora, protectora ou de sentinela e coordenadora, bem como às actuais
funções restauradoras.
São de destacar os conhecimentos e as capacidades necessários para ajudar
os utentes a aumentarem as suas competências, assumindo a
responsabilidade pela sua saúde individual e pela saúde colectiva.
Num sistema assim orientado, e ainda baseando-nos em Leddy e Pepper os
profissionais de enfermagem deveriam centrar o desenvolvimento da sua
prática no seguinte:

13
In: CORCORAN S. (1998). Toward operationalizing an advocacy role. J Prof Nurs 4:242-248,
July/August.
22

- «- Desenvolvimento da compreensão das respostas e


reacções dos utentes a diferentes ameaças à saúde e
desenvolvimento de estratégias que respondam
eficazmente a estas reacções.
- Clarificação e posterior desenvolvimento de promoção
da saúde e das capacidades de prevenção da doença,
bem como de capacidades restauradoras.
- Reconhecimento pessoal da responsabilidade de
colaboração de forma a gerir a eficácia do sistema de
prestação de cuidados de saúde; bem como da
responsabilidade pessoal de avaliação da eficácia das
intervenções de Enfermagem na resposta às
necessidades de saúde dos utentes.
- Implementação de um diálogo interdisciplinar, em que
todos os trabalhadores profissionais partilham as
mesmas responsabilidades e autoridade tendo em vista
a satisfação das necessidades de saúde dos utentes e
garantindo que todos os membros da equipa tenham a
oportunidade de avaliar a eficácia dos cuidados;
evitando assim o estabelecimento de relações
conflituosas.» (Adaptado de Leddy e Pepper, 1993)

Para que estas perspectivas de desenvolvimento profissional se possam ir


concretizando torna-se fundamental que se promova um crescimento
individual de cada profissional, baseada numa atitude reflexiva na e sobre a
acção, que considere aspectos como:

- «1. A interacção com o utente de forma a permitir


explorar as suas reacções pessoais, perante a sua
saúde ou ameaças à saúde; avaliar as circunstâncias
ambientais em que está incluído; identificar as suas
próprias forças e limitações; identificar os recursos que
consideram necessários.
23

- 2. A definição clara das responsabilidades dos utentes e


Enfermeiras, o que assegura que o utente seja
responsável pela sua saúde, assim como assegura que
a Enfermeira seja responsável pelas bases informativas
e interactivas necessárias.
- 3. A implementação de programas de formação e
informação necessários ao utente.
- 4. A actualização das capacidades técnicas à medida
que as novas técnicas e equipamento terapêutico são
postas à disposição do sistema de saúde.
- 5. A troca de opiniões com os colegas de profissão
quanto às capacidades dos utentes; num esforço de
avaliar valores próprios, quando se verificam diferentes
estados de saúde de dependência ou independência.
- 6. A actualização dos planos de cuidados de
Enfermagem como um esforço de avaliar os resultados
dos cuidados de saúde.
- 7. A participação na investigação de Enfermagem como
um utilizador sistemático dos seus resultados e como
auxiliar na realização de estudos conduzidos dentro do
sistema de cuidados de saúde.
- 8. A contribuição para a identificação de todas as
unidades do sistema de prestação de cuidados que
necessitam integrar os cuidados aos utentes, num
esforço para que todos os recursos sejam colocados
efectivamente ao serviço dos cidadãos.
- 9.A contribuição para se avaliar a adequação dos
esforços de todos os trabalhadores envolvidos no
processo de cuidar.
- 10. A resolução dos conflitos que podem surgir
associados aos esforços de defesa do utente
promovendo: o respeito pela posição de todos os
envolvidos; a participação no processo de resolução
24

dos problemas do utente para que tome decisões com


base em dados e não nos conselhos de outros.
- 11. A discussão e avaliação periódica da qualidade das
interacções da equipa de cuidados de saúde, bem como
a avaliação da eficiência de cada um nas relações que
estabelece com o utente e com os membros da equipa
e reconhecendo e mostrando apreço pelas
contribuições dos membros da equipa para o processo
de cuidados.»14

A realização destes tipos de comportamento no trabalho reflecte o empenho da


Enfermeiras na defesa do papel de defensora do utente como um papel
legítimo.
Neste sentido podemos dizer que o papel profissional das enfermeiras, que se
desenrola na possibilidade de um grande partilha de responsabilidades, conduz
a que a enfermeira haja quer como coordenadora, ou gestora de cuidados, ou
como facilitadora da dinâmica interactiva e interdisciplinar, ou ainda como
protectora ou sentinela, isto é alguém que pode acompanhar passo a passo os
aspectos que interferem directa ou indirectamente com o bem-estar do doente.
Quando o utente vê que a Enfermeira agiu para seu bem: para assegurar os
cuidados de saúde adequados, e também quando vê que a Enfermeira
respeitou a sua capacidade de assumir responsabilidades pela sua própria
saúde e de tomar as suas decisões; assim quando estes factos se verificam o
utente sente-se competente e útil e a Enfermeira, por seu lado, ganha respeito
e apego pelos seus serviços profissionais.
As Enfermeiras não deverão usar este poder que legitimamente lhes pertence
para controlar os utentes, mas sim utilizarem-no para partilhar o poder e a
responsabilidade com os utentes; desta forma ganharão cada vez mais
autonomia bem como um melhor controlo da sua prática.

14
Adaptado :de SUSAN LEDDY; J. MAE PEPPER (1993). Conceptual Bases of Professional
Nursing - 3ª ed. Philadelphia: J. B. Lippincott Company.
25

3. O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS ÉTICO – RELACIONAIS

A enfermagem sendo considerada como uma profissão com


pressupostos ético-morais importantes, tem vindo a sofrer mudanças no seu
significado e na sua estrutura, principalmente desde o início do século vinte, ao
acompanhar todo um conjunto de alterações no contexto do desenvolvimento
das ciências médicas e das próprias mudanças sócio-democráficas e
económicas. Estas mudanças que ocorrem na estrutura e nas finalidades da
profissão de enfermagem resultaram em modelos de enfermagem
contemporâneos que realçam o conceito de cuidar, que é o núcleo central da
Enfermagem e que é desenvolvido através do suporte e da protecção da
dignidade do doente/utente.
A emergência de uma ciência da enfermagem tem auxiliado os Profissionais de
Enfermagem no desenvolvimento e utilização de modelos de enfermagem nos
quais a prática se deve basear.
As enfermeiras procuram apresentar com cada vez maior clareza o que os
cuidados de enfermagem são exactamente, bem como os tentam diferenciar
dos cuidados estritamente biomédicos, a efectiva via do autodesenvolvimento
de competências profissionais tanto no domínio colaborativo ou
interdependente como no domínio autónomo ou independente, para que se
progrida de: principiante, a principiante avançado, a competente e depois
proficiente até ao nível de perita (expert), Benner (1984)15.
Esta articulação permite que as enfermeiras vejam com maior clareza o valor
das suas próprias intervenções, ao mesmo tempo que começam também a
redefinir o conceito de “cuidar”. Ao defender-se um caminho de
desenvolvimento profissional coerente e consistente com valores e saberes
próprios está-se cada vez mais concentrado naquilo que é decisivo para que a
Profissão cumpra realmente e com maior rigor a função social que os cidadãos
têm direito e exigem, pois que a verdadeira interdisciplinaridade16 é

15
Benner, Patricia (1984, 2001).From Novice to expert, excellence and power in clinical Nursing practice.
New Jersey. Prentice Hall. (Commemorative edition).
16
Ver: Queirós, Ana A.(2000). A prática em colaboração interdisciplinar implica uma partilha
dinâmica e flexível do estatuto de autoridade. Lisboa: Revista da Ordem dos Enfermeiros, Nº 0.
26

concretizada num quotidiano dos cuidados em que as Equipas profissionais,


partilham a autoridade com os utentes e famílias.
O conhecimento ético e o conhecimento clínico são tradicionalmente separados
nas escolas. No entanto para os profissionais da prática clínica são
inseparáveis.
Os princípios éticos e as noções do que é bom (para nós e para os outros)
fornecem uma orientação essencial para as decisões clínicas. Quando os
estudantes de enfermagem aprendem competências tecnológicas, eles
também aprendem a estar com e a cuidar dos doentes. É aqui que os
princípios éticos relacionados com os direitos do doente, com a autonomia, a
beneficência, precisam ser transferidos para os comportamentos éticos do dia-
a-dia, para que adquira uma real compreensão desses princípios.
Benner et al17 afirmam que é através da conversação das enfermeiras umas
com as outras, e através da partilha de preocupações e dos modos distintos
como cuidam dos seus doentes, que se constrói o conhecimento ético clínico.
As histórias, as narrativas, as experiências partilhadas no seio de uma dada
comunidade de profissionais fornecem o enquadramento de base para a
compreensão sobre os comportamentos éticos e para os julgamentos éticos
formais.
Jaspers (1994),18 utiliza a abordagem de Walker e Avant (1988)19 para a
análise do conceito de perito, a fim de explorar os atributos e de definir as
características do conceito. Jaspers retém que para se ser reconhecido como
perito é preciso:
- Possuir um corpo de conhecimentos e de competências
especializadas.
- Ter uma vasta experiência num campo de prática específica.
- Demonstrar um nível elevado de padrões de reconhecimento.
- Ser reconhecido pelos outros.20

17
Benner, Patricia; Tanner, Christine A.; Chesla, Catherine A. (1996). Expertise in Nursing practise,
Caring, Clinical Judgement and Ethics. New York: Springer Publishing Company. Pág. 232.
18
Jasper, M.A. (1994). Expert: a discussion of the implications of the concept as used in nursing. Journal
of Advanced Nursing. 20, 769-776.
19
Walker, L. & Avant, K. (1988). Strategies for theory construction in nursing. 2nd edn.Norwalk
20
Ib.
27

Actualmente, em Enfermagem a dominante ética que se encontra na prática de


todos os dias é ainda a que provém de uma lógica do dever21, embora se
reconheça que nas escolas e mesmo nas perspectivas de muitos profissionais
se verifique uma mudança que destaca o cuidar, a responsabilidade face ao
outro e a adopção de modos de realizar a profissão dando ênfase à pessoa
que necessita de cuidados, sejam eles de natureza preventiva, de promoção da
saúde, de manutenção ou de recuperação.
Cuidar é entendido como o alívio da vulnerabilidade; a facilitação do conforto, a
promoção da dignidade, a realização mútua e a preservação e extensão das
possibilidades humanas da pessoa, da família e da comunidade, bem como o
proporcionar uma morte serena.
De acordo com Benner22 uma ética do cuidar tem de ser aprendida
experiencialmente, porque está dependente do reconhecimento dos
comportamentos éticos em situações específicas, no contexto de comunidades
específicas, de práticas e de hábitos. Esta experiência é entendida na acepção
de Gadamer23 (1975) “ como aquilo que se faz no dia-a-dia, acrescentando
nuances, introduzindo emendas, mudanças nas noções pré-concebidas ou nas
percepções das situações.”
A enfermeira demonstra perícias éticas quando se preocupa, verdadeiramente,
com o se está a passar com o doente e a família. Isto significa que adquirir uma
perícia ético-relacional significa ter-se o talento de se responder àquelas
situações éticas às quais só os profissionais peritos respondem. Esta resposta
implica que se possui a sensibilidade para se experienciar uma dada satisfação
social ou um dado sentido de arrependimento com o resultado de uma dada
acção.
A mestria ética é apenas umas das dimensões de perícia. Podemos
dizer que, todos nós, somos peritos em diversas actividades, e os nossos
mecanismos para lidar com as situações em que somos peritos, funcionam em
geral de um modo tranquilo e transparente, de tal modo que ficamos livres para

21
Nota: esta é uma opinião pessoal, que provém da experiência no contacto concreto com enfermeiras,
tanto nos locais de trabalho, como em contextos de formação.
22
Ib.Pág233.
23
Citado por: Benner, Patricia (1984, 2001).From Novice to expert, excellence and power in clinical
Nursing practice. New Jersey. Prentice Hall. (Commemorative edition), pág.8.
28

nos apercebermos de outros aspectos da nossa vida em que não somos assim
tão competentes.
Benner et al.24 desenvolvem uma abordagem que procura clarificar que,
no que se refere às práticas de cuidar, em que o reconhecimento e o respeito
pelo outro, a realização mútua, o cuidar natural e a protecção perante a
vulnerabilidade, são centrais, é difícil, se não impossível, ter momentos que
não envolvem tanto a perícia clínica como a perícia ética.
Dreyfus e Dreyfus e Benner25distinguem quatro diferentes contextos, nos
quais as considerações éticas, surgem como particularmente importantes para
uma análise fenomenológica da apreciação de perícias clínicas: o
comportamento, a comunicação, a educação e a justificação,
1- O comportamento refere-se à forma como uma pessoa pode desenvolver
a habilidade de responder apropriadamente às questões éticas. A
experiência de que se produz aprendizagem sem que a pessoa que
aprende necessite de ter uma reflexão consciente, isto é, sem que ele ou
ela se relembre de alguma coisa, desde que emocionalmente envolvida,
serve para modificar o futuro comportamento intuitivo.

2- A comunicação é um processo complexo de formação de uma


comunidade, que em conjunto, partilha experiências e respostas. Esta
comunidade forma-se através de partilha de exemplos cujo foco são as
práticas comuns, tornando-se em evidências realmente partilhadas. Os
exemplos vão buscar histórias passadas do grupo, mostram aquilo com
que o grupo está comprometido e, serve assim, para orientar iniciados e
passar sabedoria para aqueles que têm alguma compreensão do mesmo
domínio.

3- A educação reporta-se à aprendizagem de novas competências que pode


ser facilitada através do assinalar de aspectos protótipos aos profissionais
24
Benner, Patricia; Tanner, Christine A.; Chesla, Catherine A. (1996).Expertise in Nursing practise,
Caring, Clinical Judgement and Ethics. New York, Springer Publishing Company.
25
Dreyfus, Hubert,L.; Dreyfus, Stuart ,E.; Benner, Patricia (1996). Implications of the
phenomenology of expertise for teaching and learning everyday skilful ethical
comportment.pág258-279. In : Benner, Patricia; Tanner, Christine A.; Chesla, Catherine
A.(1996).Expertise in Nursing practise, Caring, Clinical Judgement and Ethics. New York:
Springer Publishing Company.
29

iniciados - avançados e da apresentação de situações paradigmáticas


àqueles que já têm experiência. Então o profissional que se está a formar
pode “agarrar” os aspectos relevantes e ver a situação da mesma forma
que a do grupo a que pertence.

4- A justificação significa que quando uma resposta ética é considerada de


perícia e precisa ser explicada e defendida, não há nada melhor que o
próprio profissional perito contar a sua história e levar os outros peritos a
dar opinião sobre se a situação, tal como foi realizada, é realmente vista
como sendo apropriada. Esta forma de justificação distingue-se da
apreciação feita por não peritos, pois estes podem fazer apelo aos
princípios, o que apenas conduzirá a uma análise de racionalização, o que
não garante que se irá gerar uma resposta de perícia noutras situações.

De acordo com estes pontos de vista considera-se que, os peritos são


aqueles que beneficiam de muitas experiências concretas, para avançarem e
deixarem um menos abrangente nível de competência baseado em princípios
formais.
A importância da fenomenologia da perícia para o ensino e a aprendizagem
dos comportamentos éticos de todos os dias, reside em que a compreensão
fenomenológica do comportamento ético profundo e consistente, pode
contribuir para o estudo da ética aplicada, tanto nas suas dimensões
normativas, como casuísticas, pois que estas têm sempre uma relação com os
significados de referência anteriores, relativos aos hábitos, às capacidades e às
experiências práticas.
30

4. OS VALORES EM ENFERMAGEM

A prática dos profissionais de enfermagem é hoje entendida, por todos, como


necessitando de um suporte teórico científico, técnico e relacional importante.
A “construção” desse saber teórico, numa área como a Enfermagem é
rapidamente acompanhada de uma ligação teórico-prática essencial para a
compreensão de ideias e conceitos, mas sobretudo para a elaboração das
capacidades de acção concretas em todas as situações de “cuidados de
enfermagem”.
É também a dimensão ética de Enfermagem que precisa ser ensinada e
aprendida. Mas para sermos coerentes connosco próprios, quando fazemos
esta afirmação, precisamos de reforçar que entre aprender e ensinar, na nossa
perspectiva não pode ser “prescrito” em nenhum manual de ética, antes é um
saber que verdadeiramente se enquadra num processo de desenvolvimento
pessoal de cada estudante de enfermagem e ao longo da vida de todos os
profissionais de Enfermagem.
De facto a base dessa aprendizagem é o referencial de valores que cada um
de nós possui enquanto pessoas, entendidos estes como define Simon e col
(1978)26 citado por, Kozier et al (1995)27:
“Os valores são um conjunto de crenças pessoais e atitudes sobre
a verdade, a beleza, a importância de qualquer coisa, objecto ou
conduta. Estão orientados para a acção e dão orientação e
significado à própria vida”.
Existem várias formas de transmissão de valores, como a modelação, o deixar-
andar (laissez-faire), a “moralização”, e a escolha responsável (Kozier, et al,
1995 p. 210).
Para que cada pessoa reconheça os seus próprios valores, isto é os clarifique,
numa perspectiva pessoal e profissional é necessário que desenvolva um
pensamento ético, efectivamente reflexivo. É ao longo da socialização na

26
SIMON, S. B., et al .(1978). Valves clarification: a handbook of practical strategies for
teachers and students. Veer. Ed. New York: Hart Publiskingcom.cit.por: KOZIER, B., et al
(1995). Conceitos y temas en la práctica de la enfermería. 2ª ED. Madrid: Interamericana -
Mcgraw-Hill, 1995.
27
KOZIER, B., et al, op cit.
31

profissão (enquanto estudantes e quando profissionais) que esta reflexão se


deve realizar.
A clarificação de valores é um processo pelo qual os indivíduos encontram as
suas próprias respostas às situações, isto é os seus valores.

No esquema seguinte mostra-se uma forma de compreender este processo de


clarificação de valores:

Socialização
Crenças Profissional

INTERPRETAÇÕES
INDIVIDUAIS
Hábitos Valores
Sociais

VALORES
Normas PESSOAIS

Princípios

Segundo Simon e col. (1978, p.19)28, a clarificação de valores é um processo


que pode ser formulado em sete planos:
- analisar as próprias condutas.
- apreciar e querer.
- afirmar publicamente as crenças e condutas quando
seja adequado.

28
Ib.
32

- escolher as próprias crenças e condutas.


- escolher segundo as consequências.
- escolher livremente.
- Agir.
- agir com um padrão, repetição e constância

A clarificação de valores é essencial para o crescimento individual e é um


processo que guia a acção do profissional, pois que fomenta a consciência e
visão interior de cada um, permitindo assim que a pessoa construa o seu
referencial ético fundamental para uma completa competência profissional,
(Andrade, 1992)29.
No contexto do desenvolvimento pessoal e profissional que a Enfermagem
exige, é importante que procuremos clarificar as nossas potencialidades para
um pensamento reflexivo presente ao longo da nossa vida e que nos permita
enquadrar a ou as formações que fazemos numa forma de aprendizagem
reflexiva, que faça parte de”...um processo de análise interior e de exploração
de um tema em estudo, desencadeado por uma experiência que cria e clarifica
a significação para a própria pessoa e que resulta numa mudança de
perspectiva conceptual.”, BOYD e FALES (l983) citado por Lígia Catarino30
(2000). Da obra de Rosalinda Alfaro-Lefevre31 retirámos as seguintes questões,
para fazermos a nós mesmos e para avaliar o nosso potencial para pensar
criticamente.

EU ESTOU ABERTA(O) A NOVAS IDEIAS E APTA(O) A ENTENDER PONTOS
DE VISTA DIFERENTES?
EU ESTOU SEGURA(O) DA MINHA HABILIDADE DE RACIOCINAR?
EU COMUNICO EFECTIVAMENTE COM OS OUTROS?
EU USO EFECTIVAMENTE O MÉTODO DE RESOLVER PROBLEMAS?
EU ESTOU DISPOSTA(O) A “TRABALHAR” O QUE É EXIGIDO PARA PENSAR
CRÍTICAMENTE?

29
ANDRADE, Júlio Vaz (1992). Os valores na formação pessoal e social. Lisboa: texto editora.
30
IN: Queirós, Ana A. ; Catarino, Lígia; Santos, Elvira (2000). Educação em enfermagem.
Coimbra: Quarteto Editora.
31
ALFARO-LEFEVRE, R. (1996). Pensamento crítico em Enfermagem: um enfoque prático.
Porto Alegre: Artes Médicas.
33

EU ESTOU CONSCIENTE DA MINHA FORMA HABITUAL DE PENSAR?


EU SINTO-ME SEGURA(O) QUANDO PEÇO ESCLARECIMENTOS?
EU TENHO EXAMINADO OS MEUS VALORES E CRENÇAS E TENHO
IDENTIFICADO O MODO COMO ELES PODEM AFECTAR O MEU
PENSAMENTO?
EU TENHO EFECTIVA HABILIDADE DE REDACÇÃO?
EU TENHO EFECTIVA HABILIDADE DE LER E APRENDER?
EU ESTOU APTA(O) A IGNORAR OS MEUS DESEJOS E CRENÇAS PESSOAIS A
FAVOR DO PENSAMENTO QUE MAIS INTERESSA ÀS “PESSOAS -CHAVE”?
34

5. O QUE É UM PROBLEMA ÉTICO32

Muitas questões chamadas “éticas” são na realidade questões de relação. O


termo “ética” é actualmente tão utilizado que nos podemos questionar se é
sempre usado com pertinência, e isto também entre os profissionais de saúde;
não se ganha nada com a banalização. Toda a situação que coloca questões,
que interroga as pessoas ou os grupos, que põe em causa os valores, é
facilmente qualificada de “ética”. Ora a metodologia proposta sobre a
expressão de “ processo ético” não é sempre necessária. Não se pode dizer
que haja vários níveis de questões propriamente éticas relevantes no âmbito
dos cuidados de enfermagem? Porque, em certo sentido, “tudo é ético” no
contexto das profissões de cuidar, porque todo o acto se inscreve numa
relação.

Onde começa, então, a ética?

A relação é uma situação em que intervêm diversos factores que acontecem de


diversas maneiras. É assim, por exemplo, que a relação de ajuda se aprende;
trata-se de um trabalho sobre o próprio, para melhor se conhecer, discernir
sobre as suas atitudes espontâneas, como seja aprender a escutar, a
reformular. Ora, algumas questões qualificadas como éticas são na realidade
questões de relação. O que é então ética e mesmo simplesmente a
deontologia, é cada um responder à exigência de se formar, ou de fazer intervir
alguém com formação quando isso é necessário.
Também todas as dificuldades nascidas numa relação, não estabelecida, ou
mal estabelecida (por exemplo no acolhimento ao serviço, por ocasião de
informações mal dadas ou mal recebidas, nas queixas dos doentes que não
são atendidas, ou nas relações entre colegas); não colocam necessariamente
problemas directamente éticos: alguns revelam a necessidade de pôr em

32
BESANCENEY, Jean-Claude (1992). Qu´est-ce qu´un “problème étique” Paris, Soins
(561/562), Junho/Julho, p. 5-6.
35

prática uma deontologia. A ética não existe para corrigir as insuficiências


relacionais ou deontológicas.
Pode-se dizer o mesmo, no âmbito das dificuldades que nascem do encontro
de várias culturas. Como interpretar tal pedido ou tal recusa de um “cuidado”
quando as dificuldades se complicam com o problema das línguas? O que é
então ético, é encontrar o meio de as resolver seja através do conhecimento
pessoal da cultura maioritariamente representada no nosso sector de
actividade, seja através da intervenção de pessoas competentes.
Nestes domínios, que frequentemente não põem em causa senão a
relação enfermeira-doente, os progressos que se conseguiram em alguns
serviços hospitalares derivam do enquadramento de acções de humanização.

Os Dilemas éticos e o processo de tomada de decisão

Um dilema ético é uma situação em que a dificuldade de escolha da opção a


realizar é por diversas razões difícil. Podemos considerar, de acordo com
Alfaro-LeFevre (1996)33, que o dilema ético-moral envolve uma situação em
que existem duas ou mais escolhas disponíveis, mas nenhuma delas parece
satisfatória, sendo necessário escolher a melhor de todas.
A identificação dos dilemas éticos, e a forma de reflectir sobre eles, muitas
vezes em períodos de tempo muito limitado e em situações de
interdisciplinaridade nem sempre correctamente clarificadas, torna necessário
que os profissionais de enfermagem possuam os conhecimentos e a
experiência para contribuírem para a correcta compreensão, análise e tomada
de decisão, à luz de referências bem ponderadas.
Surgem diariamente várias situações em que existem duas ou mais alternativas
razoáveis e é necessário escolher entre elas; ou quando uma opção que se
pensa escolher conduz a uma consequência não desejada, ou ainda numa
situação em que não se sabe o que fazer, isto é, o que é correcto fazer.
Como se procede no quotidiano dos cuidados perante estas situações? A
resposta a esta pergunta podemos encontrá-la com alguma visibilidade quando
se trata das chamadas situações “pesadas”, em que muitas vezes são

33
ALFARO-LEFEVRE; Rosalinda (l996). “Pensamento crítico em enfermagem. Um enfoque
prático.” Porto Alegre: Artes Médicas.
36

chamadas as Comissões de Ética para emitir o seu parecer; mas como se


responde às questões dos dilemas profissionais e dos dilemas ético-morais que
se vivenciam no decurso dos cuidados de “todos os dias”? É aqui que se
coloca a questão do contributo da Dimensão Ética da Enfermagem, e da
necessária qualificação específica da enfermeira para analisar, reflectir e
contribuir para as decisões que estão inerentes a todo o processo de cuidados.
Esta competência requer que os profissionais considerem em cada situação os
seus valores pessoais e profissionais, as crenças e tradições, as perspectivas
multidisciplinares, o enquadramento das várias alternativas para a acção, a
decisão colectiva e as implicações concretas da decisão tomada. Em resumo
podemos dizer que a competência Ética exige que o profissional de
enfermagem confronte os valores humanos universais face aos valores dos
actores em presença.
Este acto ético em que se procura o compromisso do melhor objectivo a atingir
a partir do conjunto dos dados da situação é único e não pode ser transposto
para outra situação.
O processo de decisão ética consiste na aplicação das competências éticas na
análise e síntese referentes à identificação da situação e dos textos legais e/ou
deontológicos que se podem aplicar, bem como os desejos e reacções do
doente e família face à doença e ao tratamento. Consiste, ainda, numa
abordagem reflexiva sistemática em que se procura identificar os Valores
pessoais e profissionais, confrontando-os uns com os outros, as Crenças e
tradições, as perspectivas multidisciplinares, pretendendo-se contribuir para o
estabelecimento das várias alternativas para a acção, que deverão ser
consideradas colectivamente e finalmente visa a aplicação da escolha proposta
e a necessária avaliação de resultados, enquadrando as implicações práticas
da decisão.
O processo de tomada de decisão ética deve ser acompanhado de
vários aspectos como seja:
- Assegurar-se dos aspectos técnicos - científicos.
- Ter como referência os Direitos do Homem.
- Considerar os aspectos jurídicos: a Lei exprime um
consenso social que a ética não pode ignorar.
37

- Pensar nos aspectos deontológicos: as regras


profissionais constituem as normas que definem a
responsabilidade.
- Analisar as cartas, as recomendações e os “avisos”
especializados.
- Ter em conta os dados religiosos e respeitar as
diferenças culturais.
38

6. OS PRINCÍPIOS DE AUTONOMIA, BENEFICÊNCIA, NÃO MALEFICÊNCIA


E JUSTIÇA34

Cada um destes princípios pressupõe a exigência de respeito por determinado


valor: a autonomia ou liberdade das pessoas (pacientes ou sujeitos de
experimentação), o seu bem-estar, a igualdade ou a imparcialidade.
Autonomia é a capacidade de ser o seu próprio legislador, é a capacidade de
se conduzir a si mesmo, é a capacidade de decidir sem se demitir: é a
capacidade de se comprometer na conversação social apesar do que “se dirá”
e até por isso mesmo, é a capacidade de assumir os seus próprios
condicionalismos e de se apoiar neles para se tornar a pessoa que se é.
Definida deste modo a autonomia, é a base que fundamenta a
responsabilidade ética. Traduz-se por uma liberdade exigente, não que protege
mas que expõe a pessoa.
A aprendizagem do processo ético tem este objectivo: modificar o nosso olhar,
ao incitar-nos a procurar uma informação que não será mais exclusivamente
reservada a por em prática um conhecimento prático.
PRINCÍPIO DA AUTONOMIA (PA) OU PRINCÍPIO DA LIBERDADE:
Refere-se à condição de quem é autor da sua própria lei; ausência de
limitações e incapacidades pessoais que impedem ou diminuem a liberdade de
decisão.
Este princípio prescreve o respeito pela legítima autonomia das pessoas, pelas
suas escolhas e decisões que sejam verdadeiramente autónomas e livres.
Entende-se por agir autónomo aquele que implica intencionalidade,
compreensão e ausência de influências que o determinem.
Na prática, o P.A. implica: promover quanto possível comportamentos
autónomos por parte dos pacientes, informado-os convenientemente,
assegurando a correcta compreensão da informação ministrada e livre decisão.
Neste contexto, o consentimento informado (C.I.), é uma autorização autónoma
(livre) dada para uma intervenção médica ou/e pesquisa e condições legais por
ela implicadas.

34
Baseado na abordagem de Roque Cabral, IN: Bioética;op.cit.p.53-58
39

Condição prévia ao consentimento informado é a noção de competência,


isto é a capacidade de decidir livremente, capacidade que pode ser geral ou
específica, para determinados campos. Presume-se que um adulto tem tal
competência, sendo necessária a “prova” de uma negação de tal competência.
Relativamente a informação exigida pelo C.I. é necessário saber
determinar qual deve ser fornecida e qual pode ser legitimamente omitida.
Deve também ter-se em atenção não só à informação dada mas especialmente
à compreensão da mesma, tendo em conta não só a beneficência mas também
a não maleficência).
Importa também não deixar de ter em conta que existem casos de não-
aceitação da informação ou de desistência de ser informado.

PRINCÍPIO DA NÃO MALEFICÊNCIA (PNM):


Este princípio está relacionado com o princípio da beneficência. Refere-se a
males não morais e sobretudo a males corporais: dores, doenças, morte, etc.
O princípio é em si mais vinculativo que o da beneficência.
Está ligado com o chamado princípio de duplo efeito, segundo o qual em
determinadas e bem definidas circunstancias, é legítimo realizar acções das
quais resulta um efeito bom (pretendido) e outro mau (tolerado).

PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA (PB):


O princípio da beneficência, inclui o da não maleficência, ou pelo menos, a
obrigação de, além de promover positivamente o bem, evitar e remover o mal
(o que já é indiscutivelmente um bem para o interessado). Os autores indicam
como pertencendo essencialmente a este princípio a ponderação dos bens e
males (benefícios e danos), o que alguns denominam “princípio de utilidade” ou
de “proporcionalidade”.
Este princípio implica a noção de obrigação.
Esta pode ter a conotação de moral, legal, filantrópica e poder-se-á referir a
obrigações gerais e obrigações específicas.
A doação de órgãos é em geral analisada á luz do princípio da beneficência
confrontando-se este com o respeito pela autonomia.

PRINCÍPIO DA JUSTIÇA (PJ):


40

Refere-se às exigências da justiça distributiva, as quais no campo da bioética,


dão origem a problemas difíceis quer a níveis de macro decisões como de
micro decisões.

PARTICULARIDADES DA UTILIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DE AUTONOMIA, BENEFICÊNCIA,

NÃO MALEFICÊNCIA E JUSTIÇA

Segundo vários autores, o uso destes princípios no contexto da bioética é algo


restrito. Isto é, formalmente eles são úteis, mas cada situação concreta
necessita ser analisada à luz de critérios objectivos de verificação e de busca
de orientações que “ajudem a uma correcta ponderação dos valores em causa”
e não tanto dos princípios que se prendem com as exigências do pessoal
médico ou de investigação. Isto significa que em situações consideradas de
conflito (de valores e não de deveres) os critérios de análise devem basear-se
fundamentalmente numa concepção ética determinada, sem a qual os
princípios não serão senão formalidades não operacionais.
41

7. ROTEIRO PARA O PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO ÉTICA

Nas actividades de cuidados de saúde surgem frequentemente situações de


possíveis dilemas éticos. A Bioética Clínica tem por objectivo a identificação,
análise e resolução de problemas morais que surgem no cuidado individual de
pessoas doentes ou utentes dos serviços de saúde.
O objectivo de se procurar solucionar problemas morais não é identificar um
ideal moral, mas tentar achar a melhor solução disponível nas circunstâncias
reais. Algumas vezes as circunstâncias podem ser alteradas, em outras não.
Relembramos que a Ética é o estudo da moral, é a busca das justificações para
as acções.
Algumas perguntas orientadoras podem ser utilizadas, com o objectivo de
facilitar a abordagem dos diversos aspectos envolvidos na abordagem de um
problema ou de um dilema ético em contexto clínico:
- Quais são os factos, qual é o problema?
- Quais são os seus deveres para com o paciente?
- Quais são os seus deveres para com as outras partes
envolvidas?
- Os seus deveres são convergentes ou estão em
conflito?
- Qual a maior objecção que pode ser feita na
identificação da convergência dos deveres ou nos
argumentos utilizados para chegar a uma dada
conclusão?
- Como o conflito ético, real ou percebido, poderia ter
sido prevenido ou, pelo menos, atenuado?
Segundo Michael McDonald, director do Centro de Ética Aplicada da
Universidade de British Columbia, nos Estados Unidos da América, dever-se-á
seguir um enquadramento para a tomada de decisão ética. Este
enquadramento desenvolve-se nas seguintes etapas:
- 1.identificação do problema
- 1.1.Fique alerta: seja sensitivo para os aspectos morais
das situações. Tenha em conta os requisitos técnicos
das suas funções, para que possa perceber as
42

implicações éticas a elas inerentes. Use os seus


recursos ético-morais para determinar os padrões
morais de maior relevância. Use a sua intuição moral.
- 1.2.Recolha toda a informação e não salte logo para as
conclusões. No entanto pode haver necessidade de
recolher mais informação mas em simultâneo o tempo
necessário para tal pode interferir em alguma opção
moral. Então, pode ser necessário fazer deduções
suplementares porque existe uma insuficiente
informação e não existe tempo para recolher mais
informação.
- 1.3.Enuncie o caso brevemente com tantos factos
relevantes e circunstâncias que possa ter conhecimento
durante o tempo que dispõe para tomar a decisão.
- 1.3.1.Que decisões têm de ser feitas? Pode haver mais
de uma decisão que precisa de ser tomada.
- 1.3.2.Por quem? Lembre-se que pode haver mais de
uma pessoa envolvida na tomada de decisão e que as
interacções entre si podem ser importantes.
- 2. Alternativas específicas possíveis. Enuncie as
possíveis opções em cada etapa do processo de
decisão e para cada uma das pessoas envolvidas no
processo de tomada de decisão. Deve-se lembrar que
precisa de ter em conta as boas e más consequências
não apenas para si próprio, a sua instituição ou os
doentes/utentes, mas para todas as pessoas afectadas.
- 3.Use os seus recursos éticos para os factores morais
relevantes em cada alternativa possível.
- 3.1. Princípios. Estes são princípios que são largamente
aceites, de uma forma ou de outra, nas várias
abordagens ético-morais das diversas comunidades e
organizações.
- 3.1.1. Respeito. Autonomia. Será que eu maltratei os
outros, tratando-os paternalisticamente, ou pelo outro
43

lado afectando-os por não lhes respeitar o direito ao


consentimento informado e a sua liberdade? Será que
foram feitas promessas? Será que existem certas
expectativas legítimas por parte das outras pessoas
porque eu sou um profissional?
- 3.1.2.Não Maleficência. Será que poderei estar a
provocar algum mal a alguém a quem eu tenho uma
obrigação geral ou especifica tanto como profissional
como enquanto ser humano?
- 3.1.3.Beneficência.Estarei eu a prevenir o mal, a
remover o mal, ou até a promover benefícios positivos
aos outros?
- 3.1.4.Ser justo. Justiça.
- 3.2.Modelos morais. Por vezes obtêm-se referências
morais ao modelar o seu comportamento por uma
pessoa com uma grande integridade moral.
- 3.3.Use fontes de informação éticas. Documentos
relativos a aspectos políticos e outros materiais de
informação como normas profissionais ou regulamentos
da instituição, precedentes legais, e recomendações ou
conselhos relacionados com a religião ou tradições
culturais.
- 3.4.Contexto. Aspectos do contexto do caso que
pareçam importantes tais como a história passada das
inter-relações entre as várias partes.
- 3.5.Julgamentos pessoais. As suas apreciações
pessoais, dos colegas, dos amigos de confiança podem
ser de um valor incalculável. Claro que, quando falamos
de se considerar as tomadas de decisão juntamente
com outros tem de se respeitar o doente e a instituição
e a inerente confidencialidade de informação. A
discussão com outros é particularmente quando outras
pessoas estão envolvidas na tomada de decisão, tais
como o empregador, os profissionais da equipa de
44

saúde, os utentes, ou os colegas. A sua organização


profissional pode fornecer algum aconselhamento
confidencial. Colegas ou profissionais mais experientes
podem ser preciosos. As Comissões de Ética podem
ser consultadas. A discussão com um bom amigo ou
conselheiro pode também ajudar ao escutar e ao
oferecer o seu conselho atento.
- 4.Proposta e teste de possíveis resoluções.
- 4.1.realize uma análise cuidadosa. Considere a sua
escolha criticamente: que factores teria de mudar para
ser capaz de alterar a sua decisão?
- 4.2.Impacto nas propostas éticas dos outros? Pense no
modo como cada possível escolha terá efeito nas
responsabilidades das outras partes. Está a tornar as
coisas mais fáceis ou mais difíceis para eles fazerem
aquilo que é certo? Estará dar um bom exemplo?
- 4.3.Será que uma boa pessoa faria isto? Pergunte a si
próprio o que faria um profissional virtuoso, isto é
alguém com integridade e experiência, faria nestas
circunstâncias.
- 4.4. O que aconteceria se alguém nestas circunstâncias
fizesse isto? Formule a sua escolha como se se
tratasse de um lema a seguir em casos idênticos.
- 4.5.Parece-lhe certo? Continua satisfeito com a sua
escolha? Se continua satisfeito, então prossiga com a
sua escolha. Senão, considere os factores que lhe
trouxeram desconforto como forma de perspectivar uma
nova alternativa com que se sinta satisfeito.
- 5.Faça a sua escolha.
- 5.1.Viva com essa escolha.
- 5.2.Aprenda a partir da sua escolha. Isto significa que
aceita a responsabilidade pela sua escolha. Também
significa que aceita a possibilidade de poder estar
errada ou que pode estar a tomar uma decisão que é
45

menos do que óptima. O objectivo é o de fazer uma boa


escolha com a informação que tem disponível, não o de
fazer a escolha perfeita. Aprenda a partir dos seus
falhanços e dos seus sucessos.
No quadro 1 sintetizam-se alguns elementos das competências críticas e
reflexivas necessárias para a apreciação das questões éticas.
Quadro 1

1. Apreender cada situação nas suas particularidades, o que supõe que


sejam conhecidos os aspectos médicos, sócio - familiares, os desejos e
as reacções do doente e da família face à doença e ao tratamento.
2. Analisar em que aspectos certos textos legislativos se aplicam.
3. Clarificar os valores pessoais e profissionais e confrontá-los com os dos
outros elementos da equipa, implicados na decisão e na acção; a decisão
ética é colectiva.
4. Enquadrar as implicações práticas da decisão.

O processo de tomada de decisão ética coloca-se no dia-a-dia dos cuidados de


enfermagem e é muitas algo que surge como intervenção que precisa ser
elaborada mentalmente em períodos muitos pequenos de tempo, requerendo
espirito crítico e reflexivo associado à experiência clínica e ainda ao
pensamento ético fundamentado. Para ilustrar, de algum modo este processo
apresenta-se de forma detalhada uma abordagem relacionada com a
problemática do sigilo profissional e alguns possíveis dilemas éticos a ela
associados.
Sobre o sigilo35 profissional

Para enquadrar o processo de tomada de decisão no contexto de uma questão


ética que se relacione com o sigilo profissional devemos considerar vários
aspectos:

35
Sigilo = Segredo = Reserva, isto é, aquilo que se mantém oculto dos outros.
46

Um dos aspectos que se consideram fundamentais é a clarificação face à


conceptualização dos “Cuidados de enfermagem”, e à noção de que os
cuidados de enfermagem, são sempre situações/interacções que acontecem
num dado contexto e é preciso ter uma sólida preparação para fazer uma
”leitura sistémica” desse contexto.
Um outro aspecto fundamental é que temos a convicção que as questões
ético - deontológicas que se colocam em contextos clínicos devem ser
consideradas interdisciplinarmente, isto é, as decisões não deverão ser
tomadas isoladamente por este ou aquele profissional, embora saibamos, que
muitas vezes, por tradição e pela dinâmica organizacional é o médico que tem
a responsabilidade directa de junto do doente/utente e da sua família, de
desenvolver as medidas de negociação e finalmente de assumir uma decisão
ética que envolve os aspectos clínicos (considerados estes numa perspectiva
que ultrapassa as medidas biomédicas terapêuticas).
Esta problemática remete-nos, muitas vezes, para situações de dilema ético-
profissional e neste sentido para tomar uma decisão devemos considerar as
etapas de um processo de tomada de decisão que passa por procurar analisar
os elementos científicos e técnicos que rodeiam a questão clínica propriamente
dita. Por exemplo se se trata de uma situação em que um doente é portador do
vírus de HIV e se sabe cientificamente que dada a forma de transmissão desta
infecção e o doente recusa informar os seus possíveis parceiros de
relacionamento sexual efectivo, se coloca a possibilidade franca de se tratar de
um risco importante para a saúde de outros, então eu devo considerar este
aspecto técnico-científico.
Depois procuraremos informar-nos o melhor possível dos aspectos legais,
desde os direitos constitucionais a direitos consagrados no ordenamento
jurídico nacional e internacional e ainda documentos subscritos em Tratados ou
Convenções Internacionais, nomeadamente: Declaração de Lisboa da
Associação Médica Mundial, Declaração dos Direitos do Doente.
Neste ponto o apoio de uma Comissão de Ética torna-se muito pertinente.
Em seguida teremos que considerar as recomendações concretas de
organismos competentes que promovem linhas orientadoras de referência
fundamental como é o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e
47

aqui, poderemos referir, o recente parecer 32/ CNECV36 de 2000 e também


considerar o Código de Ética e Deontologia dos Enfermeiros Portugueses
(decreto-lei n.º 104/98) e o Código de Ética do Conselho Internacional de
Enfermagem (ICN).37
Igualmente teremos de fazer uma reflexão pessoal centrada nos valores ético -
morais e nesta perspectiva a na experiência de vida, pessoal e profissional, no
quadro de referência para a ética pessoal (que às vezes chamamos de a nossa
consciência) torna-se muito importante.
O segredo em Enfermagem surge da evolução das normas éticas na relação
enfermeira - doente ao longo da história, sendo indispensável para uma boa
prática da profissão. Entendendo estas normas éticas como respeito pela
intimidade e confidencialidade do doente, que nos obriga a guardar tudo aquilo
que chegou ao nosso conhecimento por meio desta relação aceite de forma
voluntária. A salvaguarda deste segredo beneficia tanto o doente como a
sociedade.
Outros aspectos que enquadram uma reflexão prendem-se com dados relativos
ao próprio segredo, nomeadamente:
Esfera de segredo: (a qual pode não ser pessoal) abrange o chamado círculo
de reserva do sujeito. Inclui: coisas naturalmente secretas como sejam a
história médica, os diários íntimos, códigos ou chaves secretas (de cofres por
exemplo); coisas que são secretas apenas por determinação da pessoa (por
exemplo os inéditos confidenciais).
Os elementos integrantes da esfera do segredo são da esfera da
confidencialidade pela sua própria natureza, sendo inquestionáveis, isto é, não
se pode interrogar a pessoa sobre esses elementos, sendo os segredos
alheios como por exemplo os confiados a um advogado ou médico chamados
de segredos voluntários.
Podem distinguir-se três tipos de segredos, dependendo das formas de
obrigação de o guardar:
- Segredo natural: é a própria natureza do facto, que determina a
obrigação de calar.

36
Disponível na internet em: www.cnecv.gov.pt
37
Disponível na internet em: http://www.icn.ch/
48

- Segredo prometido: é o que nos obriga a calar um compromisso, uma


promessa dada de forma livre e voluntária.
- Segredo confiado, negociado ou autorizado: quando existe uma
condição prévia, de o guardar para ambas as partes, mediante um acordo
tácito ou um pacto. Se está no âmbito do exercício de uma profissão, chama-se
segredo profissional.
Assim, pode dizer-se o segredo profissional tem como objecto tudo o que
chega ao conhecimento, pelas diversas formas, da enfermeira no exercício da
sua actividade. Pode concretizar-se dizendo que os elementos do segredo
profissional são:
- A própria natureza da doença (doenças congénitas, mentais,
hereditárias, etc.)
- As circunstâncias relacionadas com a doença e que ao serem
conhecidas podem lesar o doente e os seus familiares ou pessoas
próximas.

Actualmente devido ao trabalho em equipa, acontece que vários profissionais


conhecem os processos de saúde, de doença e as circunstâncias que rodeiam
o doente. Então pode dizer-se que existe um segredo compartilhado.
Igualmente se pode dizer que estão obrigadas ao segredo todas as pessoas
que, sem serem profissionais de saúde e sem estarem implicadas directamente
na assistência (quadros administrativos, técnicos de informática, etc.), têm
acesso a toda ou a parte das informações relacionadas com o doente. Este tipo
de segredo pode ser chamado de segredo derivado visto que são informações
derivadas da situação da pessoa doente no contexto dos contratos nos
serviços de saúde.
O profissional de Enfermagem pode ver-se obrigado a revelar o segredo
profissional em diversas circunstâncias:
- Quando se trata de pessoas que foram vítimas de um delito. Sendo
neste caso obrigatório a denúncia a uma autoridade competente.
- No caso de doenças de declaração obrigatória.
- No caso de ser requerido como testemunho jurídico/judicial.

Dilemas possíveis
49

-Segredo profissional versus Informação aos familiares

-Segredo profissional versus Direito à informação do doente-direito à verdade

-Segredo profissional versus Hierarquias profissionais, outros elementos da


equipa ou instituição em si mesma

-Segredo profissional versus Investigação científica

-Segredo profissional versus Atribuição de recursos

-Ética médica versus Direito positivo

O segredo médico não é um privilégio do profissional mas sim sua grande


responsabilidade, é um direito e usufruto do doente, na designação da
“Declaração de Lisboa” da Associação Médica Mundial.
Limites do segredo
Face ao segredo geral38, considera-se o silêncio como tendo um carácter não
absoluto, isto é, existindo a possibilidade de cessar a sua obrigatoriedade.
Quando se verifica:
- O consentimento do interessado
- A exigência do bem comum
- A exigência do bem de terceiro
- Se a sua revelação poupar prejuízo grave à pessoa interessada no
segredo
- Se da não revelação do segredo decorrer prejuízo grave para a
pessoa depositária do segredo.
- Justa causa. Estado de necessidade (o maior, o menor mal)

38
Isto é, tudo o que o médico ou enfermeiro pode saber, compreender, adivinhar no exercício
da profissão (doenças, circunstâncias que as rodeiam e ainda factos não relacionados com a
doença mas de que os profissionais tomem conhecimento no exercício da sua profissão, como
por exemplo as confidências que o doente possa fazer).
50

8. TEORIAS ÉTICAS

Certamente que as teorias éticas se apresentam como um dos elementos das


competências necessárias a uma intervenção de enfermagem de grande
qualidade; no entanto é importante que se tenha em conta, que este
conhecimento se deverá acrescentar a uma base sólida de competências
pessoais, sociais e relacionais e também técnico - científicas e metodológicas.
A pessoa do profissional é o elemento central, a sua sensibilidade, a sua
motivação, os seus valores e desenvolvimento morais são decisivos para se
concretizar uma “praxis” perfeitamente identificável, isto é que demonstre o seu
carácter único e específico.
O desenvolvimento de uma teoria ética corresponde a uma visão globalmente
integrada de vários elementos inerentes à filosofia moral, a qual examina as
crenças e assunções sobre a natureza de certos valores humanos. A reflexão
filosófica procura assim explicar os valores e comportamentos relacionando-os
com as “normas “ morais e culturais podendo, portanto afirmar-se que cada
teoria ética apresenta uma certa consistência filosófica.
As principais abordagens teóricas que são consideradas nas abordagens éticas
são o as que se enquadram numa perspectiva teleológica, também conhecidas
por utilitarismo ou consequencialismo e a posição deontológica, que iremos
expor com maior detalhe.
A acrescentar a estas perspectivas teóricas para as abordagens éticas, tendo
em atenção o seu desenvolvimento em enfermagem, surgiram nos últimos
anos algumas teorias, como por exemplo a de Carol Gilligan (1982)39 que
apresenta a chamada teoria da Ética feminina colocando um grande ênfase
nas respostas emotivas, enquadradas por valores e sentimentos perante as
decisões éticas, em contraponto com as tradicionais teorias preocupadas com
os aspectos racionais, lógicos, o pensamento objectivo e a acção.
Igualmente o desenvolvimento teórico de Noddings (1984)40 ao defender a
chamada ética do cuidar que se baseia na análise de toda a dinâmica de cada

39
GILLIGAN, C. (1982) In a different voice: Psychological theory and wowen´s development.
Cambridge: Harvard University Press.
40
NODDINGS, N. (1984) Caring: a feminine approach to ethics and moral education. Berkeley:
University of California Press.
51

situação ou contexto vem contribuir com inovadoras perspectivas teóricas para


a análise de problemas éticos. Presente também na literatura em enfermagem,
a abordagem teórica de Rawls41 que coloca o ênfase na responsabilidade, isto
é, mais do que se pôr a questão sobre o que deve ser feito ou qual é o
objectivo, coloca-se a pergunta: o que está a acontecer? A resposta que cada
um dá será baseada na responsabilidade de cada interveniente na situação.
Verena Tshudin (1993) reflectindo sobre a temática da Ética, a Moral e a
Enfermagem chama a atenção para a importância destas diferentes
perspectivas teóricas, pois que em muitas situações de cuidados, a enfermeira
não encontra respostas de sim ou não, tendo que considerar o processo de
tomada de decisão tanto na perspectiva do que deve ser feito, como na de qual
é o melhor resultado que se pretende obter, quais são os direitos da Pessoa,
qual é a resposta mais criativa, ou ainda qual é a responsabilidade das
pessoas envolvidas. A teoria compreensiva nas abordagens éticas defendida
por alguns autores preconiza que cada situação problemática deve ser
considerada contextualmente e assim ser identificada caso a caso a
perspectiva teórica mais adequada para suportar a análise dos vários factores
em presença.

A virtude e o modelo teleológico do agir

A ética pode envolver abordagens muito diferentes no contexto de análises


morais; estas por vezes, são chamadas, de escolas de pensamento. Uma das
mais famosas é conhecida como a escola utilitarista e é associada com os
filósofos Jeremy Bentham e Jonh Stuart Mill.
Na sua forma mais simples, o utilitarismo recomenda, que as acções devem
promover a felicidade para a maioria das pessoas possível.
Inicialmente, o utilitarismo parece um modo aceitável de lidar com as situações
que têm uma certa dimensão moral. É impossível agradar a todas as pessoas,
ao mesmo tempo. Dada esta posição, o utilitarismo promove um meio para se
conseguir a felicidade - o bem para a maioria; esta perspectiva envolve certos
aspectos ligados à justiça e imparcialidade. Este é um problema que persiste

41
RAWLS,J.(1993).Uma teoria da justiça. Lisboa: Editorial Presença.
52

no pensamento utilitarista. A felicidade da maioria repercute-se na minoria.


Esta abordagem de raciocínio moral pode conduzir a que as pessoas se sintam
subavaliadas e esquecidas.
Uma análise utilitarista preocupar-se-ia com a perspectiva da felicidade (bem-
estar) da maioria possível de pessoas. Isto pode parecer injusto, e de novo
coloca-se a questão, porque é que o bem-estar da maioria deverá ter um valor
moral intrínseco relativamente à minoria?
Os "utilitaristas" não se preocupam com tais aspectos pois que a "bondade" de
uma acção é julgada apenas pelas suas consequências. Um utilitarista verá
uma dada forma como a melhor maneira de proceder, porque promoverá a
"felicidade" do maior número de pessoas.
Existe um outro problema no pensamento utilitarista. Antes de se dizer que se
quer promover a felicidade, tem que se decidir o que é a "felicidade". Todas as
pessoas têm diferentes ideias sobre o que é que lhes agrada; isto torna difícil
decidir que acções irão aumentar o bem-estar.

O dever e o modelo deontológico do agir

Como Enfermeiras, nós temos dificuldade em aceitar que os utentes sejam


usados como meios para atingir fins. Existe uma obrigação profissional de
manter um dever de cuidar de cada indivíduo. Esta é a razão porque o
utilitarismo ao ignorar os direitos da minoria em favor da felicidade da maioria
permite que se faça uma investigação moral. Isto está em sintonia com o que
escreveu Immanuel Kant, um filósofo que acredita que as pessoas têm um
valor intrínseco, não como meios face aos fins mas sim com os seus próprios
direitos.
A maioria das sociedades assenta em regras como forma de indicar e
influenciar o raciocínio moral. Por exemplo, a tradição judaico cristã foi
fortemente influenciada pelos dez mandamentos que são vistos muitas vezes
como princípios morais absolutos.
O problema principal com as "prescrições" das normas de conduta é que a sua
forma "absoluta" não permite que se considerem as consequências. Apesar de
Immanuel Kant ser um cristão convicto, ele acreditava que os princípios morais
absolutos existiam e podiam ser justificados sem se ter de acreditar que eles
53

tinham uma origem divina. Para Kant, a habilidade de reconhecer tais valores
era uma parte essencial da racionalidade do ser humano. O que emerge a
partir deste pensamento foi um número de absolutas normas morais
complexas, conhecidas como os imperativos categóricos (Korner, 1982)42. Os
três pontos-chave na teoria moral de Kant são apresentados no Quadro 2.

Quadro 2

TRÊS Pontos-chave NA TEORIA MORAL DE KANT

Uma acção é apenas moral se ela puder ser aplicada a todas as


pessoa, incluindo a própria pessoa, isto é, devendo ser considerada
uma "Lei Universal"

2. Para uma acção ser moral deve considerar sempre a pessoa como
um fim em si mesmo, com os seus direitos e nunca como um meio

3. Ao pretender ser moral, os indivíduos devem agir como membros


de uma comunidade onde todas as pessoas sejam consideradas com
o seu valor intrínseco (com direitos próprios)

Fonte: KORNER (1982)

O ponto-chave aqui é a importância da reciprocidade na interacção


enfermeira/utente. Kant não põe objecções as que as pessoas sejam usadas
como meios desde que eles também sejam considerados como fins com o seu
direito próprio.
A ideia subjacente ao terceiro princípio de Kant é a de que nós pertencemos a
uma comunidade na qual os indivíduos têm igual valor ao tomarem as suas
decisões morais. Kant afirma isto para indicar que as pessoas deviam conhecer

42
KORNER, S. (1982). Kant. Harmondsworth: Penguin.
54

e respeitar a liberdade dos outros para assumirem as suas próprias


perspectivas morais e para agirem de acordo com elas. Enquanto enfermeiras
nós frequentemente encontramos colegas ou utentes que têm formas de
pensar muito diferentes das nossas. Se bem que é legitimo apresentar atitudes
contraditórias relacionadas com o mesmo tema, o princípio central é que
ambas as partes têm igual permissão para sustentar, expressar e defender as
suas posições respectivas.
A abordagem Kantiana do raciocínio moral pertence a uma escola de
pensamento moral conhecida como deontologia, que se centra no estudo do
dever e nos métodos de questionamento moral baseados em regras. A maioria
das enfermeiras concordará que, como regra geral, é correcto dizer que nós
não devemos mentir aos nossos utentes. Contudo, seria moralmente aceitável
que fizéssemos dessa afirmação algo absoluto de tal modo que as enfermeiras
nunca poderiam mentir? Por vezes, uma mentira pode ter consequências
benéficas e a verdade pode causar mal ao utente. Isto não nos dá a liberdade
de mentir no nosso desempenho profissional, mas leva-nos a considerar a
análise de custo/benefício no nosso raciocínio moral.
As enfermeiras têm um dever de cuidar que advêm do princípio positivo da
beneficência (fazer o bem) que é equilibrado com a máxima da não
maleficência (não fazer mal). As intervenções de enfermagem, como acontece
na administração de uma injecção intramuscular, podem muitas vezes causar
dor ou mal inicial. Contudo, a quantidade de bem que resulta da intervenção
sobrepõe-se ao mal devido ao valor terapêutico da droga injectada.
No caso de se saber quando é que as enfermeiras podem justificar a
mentira, as considerações devem ser feitas no contexto da situação e deve
fazer-se um balanço imediato, entre a beneficência e a não maleficência. Nos
temas absolutos da deontologia, pode decidir-se que nunca é moralmente
aceitável mentir. Igualmente, uma enfermeira que se identifica com as
abordagens utilitaristas, pode justificar a necessidade ocasional de mentir em
função da quantidade de felicidade que essa mentira criará, ou do mal que
reduzirá.

A proposta compreensiva nas abordagens éticas


55

Considerando que os deontologistas se baseiam na moralidade e nos deveres


e que isto é visto não considerando as consequências; mostrando um claro
contraste com o princípio utilitarista que considera o valor moral de uma acção
somente na quantidade de bem/felicidade que ela consequentemente
proporciona e que na realidade, as pessoas dificilmente aderem
inquestionavelmente a uma das filosofias. A maioria das pessoas, tendem a
adoptar uma atitude de raciocínio moral que inclui ambas as perspectivas. Tal
como Kendrik (1992)43 afirma:
"Se se pretende o equilíbrio na análise moral, então os motivos e
as consequências da acção devem ser considerados em conjunto. Se
bem que nós temos o dever de promover a saúde, nós temos também
de considerar as consequências das nossas acções para os
utentes/doentes e temos o dever de respeitar o seu direito de escolher e
aceitar as consequências".
Contudo, Burnard (1992)44 faz uma ou duas chamadas de atenção sobre a
nossa abordagem moral:
"O que nós decidimos tem implicações não apenas para nós mesmos,
mas também para os nossos colegas, amigos e utentes/doentes. Por
vezes, contudo, é aconselhável não os ter tão presentes no nosso
pensamento, pois que nós podemos ficar assustados e receosos de
tomar qualquer decisão que seja!"
Apesar destas incertezas a ética dá-nos as ferramentas para enfrentarmos as
difíceis decisões com adequação e pensamento organizado.

43
KENDRICK, K.D.(1993). Understanding ethics in nursing practice: the British journal of
nursing, 2 (18).
44
BURNARD, P. (1992). Making ethical decisions. J Community Nurs 1 (3). p. 18-19.
56

II PARTE

ÉTICA RELACIONAL NOS CUIDADOS DE SAÚDE AO ADOLESCENTE -


- Uma abordagem sobre o consentimento informado
INTRODUÇÃO

Enquanto profissionais é imprescindível que se procure enfrentar os


complexos desafios que se colocam na actualidade tanto a nível pessoal, como
institucional e social.
A abordagem que se faz neste texto procura reflectir sobre a dimensão
ética da profissão de enfermagem e a sua contribuição para uma cada vez
maior visibilidade da genuína arte e ciência que esta profissão encerra no
contexto da assistência na doença a jovens adolescentes hospitalizados.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera, na maioria dos
documentos, “adolescência” e “juventude” como o período que medeiam entre
os 10 e os 19 anos e entre os 15 e os 24 anos, respectivamente. No presente
trabalho45, entende-se como “período da adolescência” o que corresponde ao
conceito adoptado pela OMS.
A necessidade de os profissionais de enfermagem se
apetrecharem para dar resposta às exigências da alta competência
técnica e da elevada competência no “toque”, no cuidar humano,
colocam o pensamento ético na interface entre algo a que por vezes se
chama a técnica dos cuidados de enfermagem e a componente
relacional dos mesmos cuidados46 (QUEIRÓS, 2000).
Neste capítulo pretende-se contribuir para a compreensão da
interligação de saberes de vários domínios, como a psicologia, a comunicação
e a enfermagem no sentido de que se identifiquem as dimensões dos cuidados
ético relacionais que devem ser proporcionados à criança e em especial ao
adolescente. Procura-se clarificar e sensibilizar para a importância a atribuir às
situações de cuidados que envolvem o consentimento informado, para que
sejam realmente assumidas, para que se assegurem direitos fundamentais do

45
Nota: Utilizaremos os termos “adolescentes “ e “jovens “ como sinónimos, sempre que não estejam em
causa diferenças ligadas à idade. Estamos a usar os critérios da Direcção Geral da Saúde apresentados
no documento de 1998 “ A saúde dos Adolescentes, princípios orientadores”.
46
Queirós, Ana Albuquerque (2000). Actuação centrada na criança e na família. Revista IN VIVO.
57

adolescente ao mesmo tempo que se proporcione uma atenção global à sua


pessoa.
O estudo das teorias éticas, a clarificação da variedade de factores que
precisam de ser analisados quando se enfrentam os dilemas éticos, o processo
de tomada de decisão, são alguns dos elementos que hoje se exige que os
enfermeiros aprofundem de forma a fundamentarem as suas práticas
profissionais e assim aplicarem de forma exigente e criativa os princípios éticos
e deontológicos, tais como estão definidos no recente documento dos Estatutos
da Ordem dos Enfermeiros Portugueses47.
Na sua essência, a enfermagem é uma profissão que envolve situações que
encerram aspectos ético-morais de natureza complexa. A dependência que
cresce face à tecnologia, o resultado que esta produz na forma como o ser
humano experiência o seu ciclo vital, os altos custos económicos inerentes aos
cuidados de saúde, associados ao crescimento e desenvolvimento da
autonomia das diversas profissões cria uma atmosfera que exige que as
reflexões perante as situações concretas se façam segundo enquadramentos
teóricos clarificados.
Num artigo recente, a enfermeira Vangie Bergum48 citava Mira Levine que
afirmava o seguinte: “O comportamento ético não é um instrumento de rectidão
moral em tempos de crise, mas é a expressão quotidiana do compromisso
pessoal para com as outras pessoas e do modo como os seres humanos se
relacionam uns com os outros nas suas interacções diárias.”49
Os profissionais de saúde (médicos, enfermeiros e outros) são seres humanos
que têm, necessariamente, que se envolver nas vidas dos outros, então, têm
de negociar em conjunto quais são os significados comuns, o que se entende
que cada um deve fazer e o que cada um espera que o outro faça.
A ética relacional significa que se procura estabelecer ligações entre as
pessoas baseadas no respeito e na confiança, para que se expresse uma

47
Decreto-lei n.º 104/98 I SÉRIE-A -N.º93 -21/04/1998
48
Bergum, Vangie( 1998). Relational Ethics. What is it? IN TOUCH: Provincial Health Ethics
Network Volume 1, Issue 2.
49
Levine, Myra. (1977). Nursing ethics and the ethical nurse. American Journal of Nursing,
77:5, p. 846.
58

verdadeira compaixão50 ao proporcionar-se os necessários cuidados de saúde.


A ética relacional significa que se inicia e mantém um diálogo, o que implica
que a mesma promove nos profissionais um quotidiano de interacções úteis e
construtivas entre os profissionais entre si e com as pessoas que estão no
centro da sua actuação profissional.
BERGUN 51 enuncia quatro conceitos centrais na ética relacional:
“A ética é o “como” nós nos tratamos uns aos outros enquanto as
preocupações estritamente clínicas se referem ao “o quê, o como fazer?”
de um tratamento especifico;
A acção ética é recíproca (isto quer dizer, que tanto os que providenciam
os cuidados como os que os recebem, estão ao mesmo tempo a dar e
receber);
A autonomia da pessoa é desenvolvida e expressa através das
interacções entre as pessoas, mais do que através de uma afirmação de
direitos individuais;
A ética levanta a questão “o que devo eu fazer agora? ”
A relação ética está na acção, no relacionamento entre profissionais,
doentes ou utentes e familiares, pois são todos protagonistas e
participantes e isto significa que todos estão em relação e não são
meros espectadores, observadores, conselheiros ou só técnicos de
tratamentos.” BERGUN (1998)

A ética relacional baseia-se na premissa que a “experiência humana é, em


princípio, uma experiência partilhada”. Conduz-nos a uma atitude que dá uma
importância especial aos elementos afectivos e aos efectivos elos que nos
tornam verdadeiramente humanos porque somos seres em relação.
Realmente podemos dizer que a ética relacional se concentra em “quem somos
nós?“ em vez de em “o que fazemos?“. Isto significa que privilegiamos o nosso

50
Compaixão é um termo que entendemos ser bastante interessante quando o distinguimos de
algo que diga respeito a “caridade”, mas antes se refere ao genuíno interesse humano e
profissional em ajudar a diminuir o sofrimento do outro.
51
Bergum,Vangie( 1998). Relational Ethics. What is it? IN TOUCH: Provincial Health Ethics
Network Volume 1, Issue 2.
59

modo de ser em vez de, apenas, o modo como decidimos agir52. Quer dizer
que nos preocupamos não só com a técnica de puncionar uma veia, mas
também com o modo como acontece esse momento terapêutico, a forma como
entramos em conversação, a forma como mostramos respeito ou a forma como
estamos uns com os outros.
O conhecimento das teorias éticas e dos princípios éticos é fundamental para
esta concepção de ética, mesmo que saibamos que este conhecimento, em si
mesmo, não é suficiente para uma consistente prática profissional ética. Ao
trabalharmos imbuídos de uma competência ética relacional, não ficaremos
satisfeitos observando uma criança que está a morrer, mesmo após ter sido
alvo dos melhores cuidados; em vez disso será importante que fiquemos com a
criança, com a família e que sejamos capazes de expressar atitudes e
emoções genuínas de consideração e compaixão.
O desenvolvimento de uma ética relacional nos cuidados de saúde em geral, e
nos cuidados de enfermagem em particular, exige que se construa uma
dinâmica interdisciplinar baseada na compreensão dos significados ético-
morais inerentes às complexas situações de cuidados e baseada também num
profícuo entendimento dos mútuos compromissos ético-deontológicos dos
vários intervenientes.
É necessário que se desenvolvam interacções de compromisso úteis e
baseadas em respeito mútuo, em conhecimento científico actualizado, baseado
igualmente em valores que permitam que os profissionais reconheçam as suas
incertezas e admitam a sua vulnerabilidade, a sua liberdade de escolha e a
importância do contexto ambiental, numa perspectiva sistémica profunda.
Neste caminho profissional, nesta perspectiva de ética relacional será
desenvolvida uma sabedoria que se espera encontrar nos enfermeiros com um
nível de proficiência avançado e que serão capazes de demonstrar a
compreensão quase que intuitiva (insights) e uma clarividência ética que
associa tanto o coração como a razão, isto é, em que nem a emoção ou o

52
Podemos aqui relembrar a frase de Francisco Varela que afirma que: “a ética está mais
próxima da sabedoria do que da razão, mais próxima da compreensão de que coisa deve ser
o bem do que da formulação de princípios correctos “ , In: Varela, Francisco, J.(1992).Sobre a
Competência ética. Edições 70, Lisboa. P.13.
60

raciocínio, isoladamente, são adequados.53 Na realidade, temos a convicção


que a ética relacional é já praticada no contexto de cuidados de saúde, sempre
que acolhemos uma criança e uma família, sempre que os confortamos no
sofrimento, sempre que nos permitimos, em primeiro lugar dar a primazia à
nossa humanidade e ao cuidar humano.
No texto que se segue iremos situar-nos no contexto dos cuidados de saúde à
criança e ao jovem adolescente necessitando de assistência no hospital. Esta
situação deve sempre ser considerada tendo a Família como elemento de
referência pois concordamos plenamente com o que é afirmado no documento
A Saúde dos Portugueses54 em que se pode ler:
“O conhecimento da estrutura familiar e de outros dados relacionados
com a família é de fundamental importância, dada a influência da família
no bem-estar e na qualidade de vida, a nível orgânico, psicológico,
moral, social e cultural.
A família é o ecossistema mais importante da vida da criança e o factor
protector onde deveria haver mais investimento. Não é por acaso que a
larga maioria dos profissionais e das crianças apontam prioritariamente a
família como um elemento de "grande" importância na promoção da
saúde e do bem-estar das crianças e jovens.”

1- ASPECTOS TEÓRICOS RELACIONADOS COM A ÉTICA NO CONTEXTO


DE CUIDADOS AO ADOLESCENTE

1.1-A Autonomia e a Tomada de Decisão

A ética contemporânea, na área dos cuidados de saúde, relaciona-se


intrinsecamente com a noção da autonomia da pessoa. Procurando modificar o
tradicional paternalismo existente entre os profissionais da saúde, guiados pelo
princípio da beneficência e da não maleficência, a ética preocupa-se em

53
Devemos referir que as ideias expressas se inspiram em dois livros fundamentais: BENNER, P.,
(1984). From novice to expert, excellence and power in clinical nursing practice. Menlo Park, Addison-
Wesley Publishing Company, e BENNER, Patricia; WRUBEL, Judith. (1989). The primacy of caring, stress
and coping in health and illness. Menlo Park: Addison-Wesley Publishing Company.
54
PORTUGAL - “A Saúde dos Portugueses” documento elaborado pela Direcção-Geral da Saúde
(Lisboa, 1997); disponível em: http://www.dgsaude.pt/Gdd/Saudeport.html
61

garantir o respeito das pessoas autónomas, e em proteger aquelas com


autonomia reduzida.
Autonomia significa autodeterminação, autogoverno; é o poder da pessoa
humana de tomar decisões sobre sua saúde; a sua integridade físico-psíquica,
as suas relações sociais. O termo deriva do grego "auto" (próprio) e "nomos"
(lei, regra, norma). Refere-se à capacidade da pessoa de criar a sua própria lei,
de decidir o que é o "bom", o que considera ser adequado para si.
DAVIS (1982: 218-221) define autonomia como um tipo de liberdade pessoal.
Como tal, é a base para os direitos dos homens. Na nossa cultura aceita-se
que a autonomia representa o direito de cada um tomar as suas próprias
decisões, ser independente e ter autoconfiança. Nas instituições de cuidados
de saúde, estes direitos pessoais dos indivíduos podem ser violados.
Quando doente, a pessoa muitas vezes é forçada a colocar-se numa posição
de dependência, o que muitas vezes é erradamente identificado com falta de
capacidade de tomar decisões.
Segundo a lei, um utente deve ser informado dos seus direitos sempre que é
admitido em qualquer instituição de cuidados de saúde. A mais importante
característica associada aos direitos estabelecidos para todos os utentes, diz
respeito à autonomia. O utente é livre para tomar decisões e fazer escolhas.
Como, por vezes, as doenças interferem com a capacidade do utente de,
activamente, tomar decisões, não se sentindo este tão capacitado e não
controlando tão bem o seu ambiente, a Enfermeira, como sua defensora, pode
ter um papel vital, garantindo os seus direitos de escolha e decisão.
A pessoa autónoma tem liberdade de pensamento, é livre de coacções internas
ou externas para poder escolher. Deve ter capacidade para decidir, de forma
racional, optando entre as alternativas que lhe são apresentadas, de acordo
com seus valores, expectativas, necessidades, prioridades e crenças pessoais.
Deve também compreender as consequências de suas escolhas. A acção
autónoma também pressupõe liberdade de acção, requer que a pessoa seja
capaz de agir conforme as escolhas feitas e as decisões tomadas. Em
consequência da razão e da liberdade, que fundamenta a autonomia, o
indivíduo autónomo é responsável por seus actos.
SAVATER, na sua bela obra “ Ética para um jovem”, afirma “sermos
responsáveis é sabermo-nos autenticamente livres, para o bem e para o mal:
62

assumirmos as consequências do que fizemos, emendar o mal que possamos


emendar e aproveitar o bem ao máximo” (SAVATER, 1991:75). Como veremos
mais adiante, a própria psicologia nos leva a perceber que o adolescente
precisa de percorrer etapas de desenvolvimento sócio - moral que o conduzam
a uma maturidade que lhe permita o domínio da sua autonomia, isto é que seja
capaz de tomar as suas decisões com responsabilidade. Tal como diz este
autor (1991: 77), esta responsabilidade deve ser entendida pelo adolescente
como o saber que cada um dos seus actos o vai construindo, definindo e
inventando. Isto é ao escolher aquilo que quer o adolescente vai-se construindo
pouco a pouco.
A DIRECÇÃO GERAL DE SAÚDE, DGS, (1998:46) refere que “a construção
da intimidade pessoal faz parte da autonomia progressiva da adolescência. A
maioria das vezes, os jovens esperam sigilo por parte dos profissionais a quem
solicitam apoio”.
É assim que podemos dizer que o ser humano não nasce autónomo, torna-se
autónomo, mas também pode perder sua autonomia. E para isso interferem
variáveis estruturais, biológicas, psíquicas, socioculturais e espirituais. Pode-se
compreender que existam pessoas autónomas e pessoas com autonomia
reduzida, como crianças e deficientes mentais. Nas situações de autonomia
reduzida, cabe a terceiros, familiares ou mesmo aos profissionais de saúde,
decidir pelo indivíduo.

Uma pessoa autónoma pode agir não autonomamente em determinadas


circunstâncias. Por isso, a avaliação da sua livre capacidade de decisão é uma
das mais complexas questões éticas impostas aos profissionais da saúde.
Desequilíbrios emocionais ou mentais, e mesmo alterações físicas, podem
reduzir transitoriamente a autonomia, comprometendo a apreciação e a
racionalidade das decisões a serem tomadas.
Autonomia plena é um ideal, pois o homem recebe influências e condicionantes
de seu meio social, bem como de suas estruturas psíquicas. Se o homem não
é um ser totalmente autónomo, isto não significa que seja escravo das paixões
ou dos factores sociais, pois pode-se mover dentro de uma margem própria de
decisão e de acção.
63

1.2- E o adolescente?

Deve ser considerado como pessoa autónoma ou a sua autonomia está ainda
reduzida? Há uma idade acima da qual se pode dizer que uma pessoa é
autónoma? Como decidir quais são as situações e as condições em que os
adolescentes podem tomar decisões por si próprias? Quando o princípio da
beneficência, do "fazer o bem" ao outro, deve sobrepor-se ao princípio do
respeito pela sua autonomia? Respostas a estas questões são essenciais se a
opção ética se traduz pelo respeito pelas decisões tomadas pela pessoa, no
contexto dos seus cuidados de saúde.
Legalmente, por via de regra, os adolescentes são pessoas, ainda em
fase de conquista de sua autonomia, e por isso com essa mesma autonomia
reduzida.
Se, na relação entre os profissionais da saúde e os adolescentes,
vigorar a noção de que a competência decisória individual deva basear-se
somente nos parâmetros legais, dela resultará que a maioria não poderá tomar
decisões sobre questões referentes à sua saúde. A prática corrente nos
cuidados de saúde mostra que, mesmo os profissionais que respeitam as
decisões de consentimento ou recusa de um adulto, entendem os adolescentes
como incapazes de decidir. Optam por condutas de natureza ética paternalista
aceitando que outros devam decidir o que é o "bom" para o jovem (LANTOS e
MILES, 1988; MORENO, 1989).
Todavia, essa tendência, a partir dos anos 60, vem sendo gradualmente
modificada·. Advoga-se que, eticamente, qualquer pessoa, independente da
sua idade, tendo condições intelectuais e psicológicas para apreciar a natureza
e as consequências de um acto ou proposta de assistência à sua saúde, deva
poder tomar decisões sobre tais medidas (AMERICAN BOARD OF
PEDIATRICS, 1987).
Existe fundamentação científica para aceitação dessas considerações
éticas, baseada nos trabalhos de psicologia evolutiva de Kholberg. As
pesquisas deste autor demonstraram que, a partir dos 12 anos de idade, o
indivíduo é capaz de reconhecer as regras e convenções sociais como suas, e
a importância delas para manter o convívio e o bem-estar social. Essa etapa é
64

denominada de nível "convencional" de desenvolvimento moral. Os estádios de


desenvolvimento moral55 segundo Kohlberg, citado por Lourenço, (1992) são
seis, divididos por três níveis. Pode fazer-se um paralelismo com as ideias de
desenvolvimento em fases de, por exemplo, Piaget e Freud: Piaget fala de uma
fase sensório - motora, de uma pré-operacional, de uma operacional, no
desenvolvimento intelectual-psíquico da criança, enquanto Freud explica que
toda criança passa por fases psíquicas como a oral, a anal, a fálica, a de
latência, e a genital. Reproduzimos a seguir a descrição de Kohlberg56 dos
Níveis e Estádios no Desenvolvimento Moral:
NÍVEL I

Base do julgamento moral pré - convencional

O valor moral reside no que é exterior, nos acontecimentos muito concretos,


que se podem pensar como actos maus, ou em necessidades quase - físicas
em vez de em pessoas ou padrões. O valor moral reside em fazer o bem ou em
assumir papéis correctos, em manter a ordem convencional e na expectativa
de os outros fazerem o mesmo.

Estádios do Desenvolvimento

- Estádio 1: Orientação para a obediência e para punição. Deferência


egocêntrica perante o poder ou o prestígio, procura-se evitar problemas.
Responsabilidade objectiva.

- Estádio 2: Orientação egoísta ingénua. Acção correcta é aquela que


satisfaz instrumentalmente as necessidades do eu e ocasionalmente a de
outros. Percepção do relativismo de valores a cada necessidade e perspectiva
do actor. Igualitarismo ingénuo e orientação para a troca e reciprocidade.

NÍVEL II

Base do julgamento moral convencional

55
Lourenço, O. (1992).Psicologia do desenvolvimento moral. Teoria, dados e implicações. Coimbra:
Livraria Almedina.
56
Ver também a explicação dada por Ribeiro, L. Fradique (1995).Cuidar e tratar, formação em
enfermagem e desenvolvimento sócio - moral. Lisboa: Educa, Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.
65

Estádios do Desenvolvimento

- Estádio 3: Orientação Bom-menino. Orientação para o aprovar e o


agradar aos outros. Conformidade com imagens estereotipadas do papel
comportamental natural ou da maioria, e julgamento pelas intenções.

Valor moral reside em conformidade, pelo eu, aos padrões, direitos, e


obrigações compartilhados ou compartilháveis.

- Estádio 4: Orientação para a manutenção da ordem social. Orientação


para "fazer a sua obrigação" ("doing duty") e para mostrar respeito pela
autoridade e manter a ordem social dada por ela própria (for its own sake).
Consideração pelas expectativas dos outros.

NÍVEL III

Base do julgamento moral Pós-convencional

Estádios do Desenvolvimento

- Estádio 5: Orientação para o contracto sócio - legal. Reconhecimento de


um elemento arbitrário ou ponto de partida assente em regras ou expectativas
criadas por acordo. Obrigação definida em termos de contrato, um evitar geral
de violação da vontade ou direitos de outros, e vontade e bem-estar da maioria.

O valor moral reside no acordo entre o eu, os padrões, os direitos, e as


obrigações compartilhados ou compartilháveis.

- Estádio 6: Orientação centrada na consciência e nos princípios.


Orientação não somente baseada em regras sociais bem ordenadas mas
também em princípios de escolha envolvendo apelo à universalidade e
consistência lógicas. Orientação baseada na consciência como um agente
direccionante e no respeito e confiança mútuas.

A partir dos 16 anos, inicia-se esta última etapa do desenvolvimento moral, e


as pessoas conseguem ajuizar as regras e as convenções sociais, acatando-as
ou desobedecendo-lhes de acordo com seus próprios valores.
66

O trabalho de WEITHORN & CAMPBELL (1982) reforça a tese da


capacidade decisória do adolescente. Estudando pessoas de 9, 14, 18 e 21
anos de idade, obtiveram resultados que mostraram que os maiores de 14
anos não diferem dos adultos nas suas decisões sobre saúde, na capacidade
de prover consentimento para situações que envolviam os cuidados de saúde.
Quanto às crianças de 9 anos, estas aparentemente eram menos competentes
no que referia à habilidade de decidir e entender as informações sobre o
tratamento.

Nos Estados Unidos da América, a legislação de diversos estados, nos


anos 80, já havia incorporado o conceito de "menor maduro" para decisões na
área da saúde dos adolescentes com mais de 14 anos de idade. A legislação
permite, estimula e facilita o acesso dos adolescentes a medidas de prevenção,
diagnóstico e tratamento precoce, para determinadas situações patológicas
como as doenças sexualmente transmitidas, DST e a SIDA, o abuso de drogas
incluindo o álcool e nicotina, assim como para o uso de anticoncepcionais e
ainda o aconselhamento e o tratamento ambulatório de perturbações mentais.
Para tanto, existe permissão legal para que os profissionais de saúde atendam
menores desacompanhados, sem que haja necessidade de se requerer a
permissão dos responsáveis (HOLDER, 1987; ENGLISH, 1990).

Na Inglaterra, desde o Family Law Reform Act, de 1969, existe


permissão legal para que um adolescente, maior de 16 anos, possa tomar
decisões para tratamento médico sem a necessidade do consentimento dos
pais. Para os menores de 16 anos, o consentimento pode ser dado em
determinadas circunstâncias, após avaliação de sua capacidade de
compreensão e de sua maturidade para tomar decisões (KENNED e GRUBB,
1989; PURSSEL, 1995).

Na Espanha, a Lei Orgânica sobre a protecção jurídica do menor, de


1996, garante ao adolescente, com capacidade de compreensão e juízo sobre
as circunstâncias concretas do caso, o direito de decidir, aceitando ou
recusando um tratamento proposto por profissionais de saúde (LORDA e
CANTALEJO, 1997).
67

Em Portugal57o enquadramento legal prevê que o jovem possa usufruir


de um espaço de privacidade e de um grau de autonomia na condução da sua
vida pessoal adequados à sua idade e situação e ainda que tenham a garantia
da sua privacidade, isto é a promoção dos direitos e protecção da criança e do
jovem deve ser efectuada no respeito pela intimidade, direito à imagem e
reserva da sua vida privada.

1.3- O Consentimento

O respeito pela autonomia da pessoa humana requer que o seu


consentimento seja obtido, ou que a sua recusa seja aceite, antes de submetê-
la a procedimentos preventivos, diagnósticos ou terapêuticos. O consentimento
é um acto de decisão voluntária, realizado por pessoa competente, esclarecida,
por adequada informação e capaz de deliberar, tendo compreendido a
informação revelada. De acordo com a Direcção Geral da Saúde (1998:46)
considera-se que existe consentimento informado quando o jovem é capaz de
entender o diagnóstico, os riscos e os benefícios de um procedimento ou
tratamento proposto, as alternativas e os riscos associados, bem como as
consequências de não seguir o que lhe é proposto, e é capaz de decidir
voluntariamente se deseja aceitar ou prosseguir a proposta médica.

A realização de cuidados de saúde a adolescentes requer, que se reconheça a


implicação da família. No que se refere ao consentimento e à confidencialidade
isto quer também dizer que se deve ter em atenção o chamado poder paternal.
É ainda a Direcção Geral da Saúde que afirma: “poder paternal” significa hoje
uma relação biunívoca entre pais e filhos, que gere múltiplos interesses
“temperados” pelo afecto. Por outro lado, constitui um poder-dever cuja
verdadeira razão de existir é o superior interesse do filho, critério orientador e
limite desse mesmo poder. (DGS, 1998:47)

1.3.1- A liberdade para consentir

57
Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro
68

O acto de consentir é um processo e não um evento isolado, devendo


ser livre, voluntário, consciente. Não pode ser obtido mediante atitudes de
coacção física, psíquica ou moral, ou por meio de simulação ou práticas
enganadoras ou, ainda, por quaisquer outras formas de manipulação
impeditivas da livre manifestação da vontade pessoal.

A relação entre o profissional da saúde e os adolescentes e jovens que a


ele recorram em virtude de necessidades de saúde é assimétrica. O
profissional detém informações, conhecimentos que, em geral, o doente não
possui. Portanto, para se ter garantia da liberdade de consentir, é preciso que a
prática quotidiana nos cuidados de saúde esteja imbuída da noção do respeito
pelo princípio da autonomia individual. Pois, em virtude do domínio psicológico,
do conhecimento especializado e das habilidades técnicas do profissional, este
pode inviabilizar a real manifestação da vontade da pessoa com quem se
relaciona.

A persuasão é eticamente aceitável, entendida como tentativa de induzir


alguém, por meio de apelos à razão, para que livremente aceite crenças,
atitudes, valores, intenções ou acções da pessoa que persuade. Por sua vez, a
manipulação tem um valor ético contrário, pois tenta fazer com que a pessoa
realize o que o manipulador pretende.

O processo de consentir deve dar oportunidade de reflexão, deve


possibilitar o reforço da compreensão do adolescente e do jovem. O
profissional da saúde deve identificar a existência de genuínos conflitos de
valores com os familiares ou responsáveis para poder atenuá-los.

Além das restrições externas, a liberdade de consentir pode estar


prejudicada por defeitos no controle das decisões porque o jovem pode estar
“dominado” por desejos ou percepções que ele não quer ter, como é no caso
das situações de agudização de algumas perturbações mentais, ou sob o efeito
de intoxicação por substâncias químicas; deste contexto poderão resultar
decisões e escolhas não genuínas (HARRIS, 1985).
69

Também ocorrem circunstâncias em que a ansiedade ou o medo, o


simples desinteresse, a incapacidade de compreender as informações
apresentadas, ou, ainda, a extrema confiança depositada nos profissionais da
saúde, levam a que os jovens pacientes se recusem a ser informados das suas
condições. O sentimento de medo, de insegurança, de vergonha, na relação
com os profissionais da saúde pode resultar em constrangimento para a
manifestação da vontade do adolescente, fazendo com que aceite, sem
questionar, as propostas dos profissionais.

O adolescente deve ser respeitado quando não seguir os padrões de


escolha da maioria das pessoas ou da sua própria faixa etária, pois não
significa que seja uma pessoa incompetente para decidir. Todavia, como
pessoa competente, deve ser capaz de fornecer razões para a opção feita.

Deve ser ressaltado ainda que o consentimento, quando


preliminarmente recolhido para uma dada acção, o foi dentro de determinada
situação. Sendo assim, quando ocorrerem alterações significativas no
panorama do estado de saúde inicial ou no motivo pelo qual o consentimento
foi dado, este deverá ser livremente renovado. O consentimento também não
pressupõe imutabilidade e permanência, podendo ser revogado a qualquer
instante, por decisão voluntária, livre e esclarecida, sem que ao jovem sejam
imputadas sanções de qualquer espécie.

1.3.2- A capacidade para decidir

Certo que a avaliação da capacidade decisória de uma pessoa não se constitui


em tarefa fácil e simples para os profissionais de saúde; aliás, não somente no
caso de adolescentes e jovens, mas também quando os envolvidos são
adultos. O que ocorre frequentemente é que, no caso dos "maiores", a
discussão sobre a capacidade decisória da pessoa somente vem à baila
quando o paciente discorda ou recusa o proposto pelos profissionais.

A capacidade para a tomada de decisão do adolescente deve ser feita


caso-a-caso, avaliando sua habilidade de se comunicar, de compreender
informações recebidas e de deliberar sobre as alternativas dadas, conforme
70

seus valores58. Mesmo entre os defensores da ampliação da autonomia do


adolescente nas decisões sobre assistência à saúde, entende-se que, se a
avaliação da capacidade for incerta, o profissional deve agir no interesse do
adolescente, baseado nos princípios da beneficência e da não maleficência. E,
que, quanto mais sérias as consequências das decisões, mais rigorosos devem
ser os parâmetros utilizados para avaliação da capacidade decisória (LANTOS
e MILES, 1989).

1.3.3- A informação esclarecedora

O consentimento da pessoa autónoma deve ser esclarecido, isto é,


fundamentado em informações adequadas para a tomada de decisão. Para
tanto, não é razoável que as informações sejam apresentadas em linguagem
técnico-científica. Propõe-se que elas sejam simples e compreensíveis, ou
seja, fornecidas dentro de padrões acessíveis à compreensão intelectual e
cultural do adolescente ou do jovem. Pois não basta que uma pessoa seja
informada, ela deve compreender a informação, para que possa tomar
decisões. Decisões baseadas em informações falsas ou incompletas ou em
inadequada compreensão não podem ser consideradas como verdadeiramente
autónomas.

O profissional da saúde deve facilitar e incentivar a que o adolescente e


o jovem o questionem, perguntem sobre os significados dos diagnósticos,
sobre as medidas terapêuticas propostas, a natureza dos procedimentos, e
sobre a existência de alternativas ao proposto, quando houver. Também deve
esclarecer sobre as possibilidades de êxito, os benefícios a serem obtidos,
assim como os riscos e inconvenientes, físicos, psíquicos e sociais, passíveis
de ocorrer. Deve esclarecer, ainda, sobre as probabilidades de alteração das
condições de dor, sofrimento e das condições patológicas.

58
De acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança, Adoptada pela Resolução No. 44/25 da
Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de Novembro de 1989, nomeadamente no Artigo 12 - 1. Os
Estados- partes assegurarão à criança, que for capaz de formar seus próprios pontos de vista, o direito de
exprimir suas opiniões livremente sobre todas as matérias atinentes à criança, levando-se devidamente
em conta essas opiniões em função da idade e maturidade da criança.
71

Quanto aos riscos de ocorrência de danos ou prejuízos, devem ser


compreendidas a natureza, gravidade, probabilidade e iminência de sua
concretização. Consideramos que a informação a ser fornecida deve conter os
riscos normalmente previsíveis em função da experiência habitual e dos dados
estatísticos, não sendo preciso que sejam informados riscos excepcionais ou
raros.

De acordo com BERGUN (1993) o tipo de conhecimento (e de modo de


conhecer)59 necessário para um julgamento ético deve ser partilhado, desta
forma os profissionais e os doentes em conjunto, procuram compreender o que
significam os factos objectivos que se desenrolam ao longo das experiências
individuais. Então, esta relação profissional - doente não é meramente
realizada com o fim de se interpretar uma informação científica (por exemplo
explicar o significado dos resultados de uma análise ao sangue), ou ainda
realizada apenas com o fim de aplicar um princípio ético (por exemplo, usando
o princípio da Autonomia em vez do princípio da Beneficência para justificar
uma decisão), mas fornece também a ocasião para compreender, por exemplo,
o que significam os resultados de uma análise de sangue para aquele doente
individual, sendo este aspecto que fornece o fundamento para um real e
verdadeiro cuidar ético.

O profissional deve tentar descobrir, de forma sensível, baseando-se nos


conhecimentos científicos globais e especificamente nas suas competências de
comunicação, isto é na arte da sua prática, do que realmente cada jovem
gostaria de ser informado e o quanto gostaria de participar das decisões.

Contudo, devemos ressaltar, o jovem tem direito moral de recusar a ser


informado. O respeito pelo princípio da autonomia orienta para que se aceite a
vontade da pessoa autónoma que se recusa a receber informações
desagradáveis. Nesse caso, o jovem deve designar um familiar ou responsável
que seja esclarecido em seu lugar.

59
Bergun, Vangie (1993). Participatory Knowledge for ethical care – Bioethics Boletim 5 (2) Alberta.
Canadá.
72

1.4- A Privacidade e a Confidencialidade nos Serviços de Saúde

Do princípio da autonomia deriva o direito dos indivíduos à privacidade.


Etimologicamente, a palavra privacidade origina-se do adjectivo "privatividade",
ou seja, o "carácter do que é privativo, próprio de alguém, só dele, não público,
reservado, de foro íntimo". Já o termo privacidade significa "vida privada, vida
íntima, intimidade". No contexto da saúde, a privacidade está directamente
vinculada a uma relação interpessoal entre o profissional da saúde e o doente
e deve facilitar o estabelecimento do diálogo e da confiança mútua necessária
ao desenvolvimento do trabalho.

A garantia da privacidade de uma pessoa requer o respeito pela


confidencialidade das informações geradas na relação profissional da saúde -
paciente. Hipócrates (460-377 a.C.) foi o primeiro a considerar a questão do
segredo como fundamento do exercício do profissional de saúde: "E o que quer
que eu veja ou ouça no curso de minha profissão, assim como fora de minha
profissão, nos meus encontros com homens, se for algo que não deve ser
publicado fora, eu jamais divulgarei, considerando essas coisas como segredos
sagrados". Neste sentido, a confidencialidade é a garantia de que as
informações dadas em confiança aos profissionais de saúde não deverão ser
reveladas sem autorização prévia da pessoa.

Além da motivação ética para a manutenção do segredo, há um


componente pragmático na garantia da confidencialidade, pois sem sua
preservação o profissional não teria garantias da veracidade das informações
reveladas pela pessoa com quem se relaciona, o que pode causar graves
prejuízos à relação estabelecida entre os dois.

A confidencialidade não é prerrogativa dos doentes adultos, ela aplica-se


a todas as faixas etárias. Adolescentes e jovens têm o mesmo direito de ver
preservadas as suas informações pessoais, de acordo com sua capacidade
decisória, mesmo em relação aos seus pais ou responsáveis. Deve considerar-
se o adolescente como um indivíduo capaz de exercitar progressivamente a
responsabilidade quanto à sua saúde e exercer sua autonomia.
73

Assim, cabe a ele manter as informações sobre seu estado de saúde


sob controle, decidindo quais informações quer guardar para si, e quais deseja
comunicar a outras pessoas. Nesse sentido, qualquer pessoa, independente da
idade, tendo condições intelectuais e psicológicas para considerar e analisar as
consequências de uma atitude ou proposta de cuidados de saúde, deve ter a
oportunidade de tomar decisões com ela relacionadas.

Sob o manto do segredo residem as informações a que os profissionais


têm acesso no exercício de suas actividades, quando transmitidas pelos
doentes ou responsáveis, fornecidas através da recolha de informação, exame
físico, dos cuidados prestados, ou provenientes das observações de outros
profissionais, assim como dos resultados laboratoriais, radiológicos ou outros.

O sigilo das informações deve ser observado em todas as formas de


comunicação orais ou escritas, com outros profissionais, bem como quando
reveladas a terceiros, nas divulgações feitas à imprensa, nos boletins médicos,
nas discussões de casos e conferências, ou nas apresentações de congressos
científicos com exibição de imagens, fotografias, radiografias ou documentos
em geral. O processo do doente, sendo um arquivo no qual constam todas as
informações a respeito do doente, requer cuidado especial para evitar a
revelação desnecessária de informações sigilosas; as informações devem ser
conhecidas apenas por aqueles que necessitam tê-las, em função da
necessidade do seu trabalho junto do doente.

Cabe lembrar que o compromisso de lealdade dos profissionais de


saúde é para com o adolescente e é este quem deve decidir quais dados que
podem ser revelados ou não. Uma vez estabelecido compromisso de manter
segredo sobre as informações geradas na relação com o jovem, o profissional
deve resistir a todas as pressões de familiares ou de outras pessoas/amigos,
namorado(a), superiores hierárquicos e a imprensa, para manter a
confidencialidade das informações.

1.5- Possibilidades de rompimento do segredo


74

O direito do adolescente e do jovem à privacidade e à confidencialidade


não é considerado como um direito absoluto, mas sim uma obrigação prima
facie, quando um dever maior se sobrepõe a um outro, constituindo-se em um
novo dever.

Aceita-se uma distinção entre quebra de privacidade e quebra de


confidencialidade. A "violação" da privacidade consiste no acesso
desnecessário a informações ou uso de informações sem a devida autorização
do doente. Já a quebra de confidencialidade é a acção de revelar ou deixar de
revelar informações fornecidas em confiança. A violação do segredo pode
ocorrer na relação do profissional da saúde com terceiros, como a família,
empregadores, seguro - saúde, autoridade policial (FRANCISCONI e GOLDIM,
1998).

Há algumas situações específicas nas quais é possível a quebra do


segredo profissional, como o consentimento da pessoa, o dever legal ou
existência de uma "justa causa".

O segredo pode ser rompido quando a falta da revelação da informação


possa prejudicar a colectividade, por exemplo, no caso de propagação de
determinadas doenças que as autoridades consideram como de notificação
obrigatória. O Código Penal Português60 prevê que se previna por exemplo a
propagação de doença infecto-contagiosa sendo esta medida baseada numa
lógica utilitarista, na qual o princípio de preservação do segredo individual é
subjugado em benefício de um maior número de pessoas. O indivíduo parece
não ter benefício pessoal, mas a colectividade, potencialmente, sim.

É também obrigação legal dos profissionais da saúde, estabelecida comunicar


às autoridades competentes os casos confirmados ou suspeitos de abuso ou
"maus tratos".

A excepção à preservação das informações é denominada, legal e


eticamente, de "justa causa". São, portanto, situações em que, existindo
colisão de interesses e de direitos, um deles, como o direito à privacidade e à

60
Art. 283º Propagação de doença, alteração de análise ou de receituário do Código Penal.
75

confidencialidade, deve ser sacrificado em benefício de outro direito, como a


vida ou a saúde de pessoas identificáveis. Portanto, é justificável a quebra do
segredo profissional quando a não revelação da informação pode pôr em risco
a vida de outra (s) pessoa (s) identificável (eis)61.

1.6- A postura deontológica frente à manutenção do segredo do


adolescente

Algumas categorias profissionais no âmbito da saúde, em virtude das


normas inscritas nos seus Códigos de Ética Profissional, podem ocultar dos
pais ou responsáveis legais, informações a respeito de doentes menores de
idade, se julgarem que estes tenham competência para tomada de decisão.

O Código de Ética Médica, subscrito pela Ordem dos Médicos


Portugueses62, no art. 38.º (Dever de Esclarecimento e recusa de tratamento),
afirma que:

“1. O Médico deve procurar esclarecer o Doente, a família ou quem


legalmente o represente, acerca dos métodos de diagnóstico ou de
terapêutica que pretende aplicar.

2. No caso de crianças ou incapazes, o Médico procurará respeitar na


medida do possível, as opções do doente, de acordo com a capacidade
de discernimento que lhes reconheça, actuando sempre em consciência
na defesa dos interesses do doente.

3. Se o doente ou a família, depois de devidamente informados,


recusarem os exames ou tratamentos indicados pelo Médico, pode este
recusar-se a assisti-la, nos termos do artigo antecedente.

61
O recente texto do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida chama também a atenção
para estes aspectos. PARECER SOBRE SIGILO MÉDICO, 32/CNECV/2000.

62
Código Deontológico da Ordem dos Médicos. Documento disponível em:
http://www.ordemdosmedicos.pt/
76

4. Em caso de perigo de vida, a recusa de tratamento imediato que a


situação imponha, quando seja possível, só poda ser feita pelo próprio,
pessoal, expressa e livremente.”

Por vezes os profissionais assumem o princípio da "maioridade em


questões de saúde", a qual se fundamenta no princípio da autonomia,
entendendo que, se existe capacidade do adolescente para tomar decisões,
elas devem ser acatadas, independente da vontade de pais e responsáveis,
garantindo a manutenção da confidencialidade de suas informações. Cabe aos
profissionais da saúde, estar atentos às condições intelectuais e à maturidade
emocional do adolescente para apreciar a natureza e as consequências de um
acto ou proposta de cuidado (s) de saúde. Esta noção de que, apesar da
menoridade legal, das pessoas com menos de 18 anos se deve considerar a
possibilidade de “poderem prestar consentimento eficaz os maiores de 14 anos
se possuírem o discernimento necessário para avaliarem o seu sentido e
alcance, no momento em que o presta”, é também salientada pela ORDEM
DOS ENFERMEIROS PORTUGUESES63.

Em situações consideradas de risco, como risco de vida ou a defesa da


saúde de terceiros, e frente à realização de procedimentos de maior
complexidade, como biópsias e intervenções cirúrgicas, torna-se necessária a
participação e o consentimento dos pais ou responsáveis. Em todas as
situações em que se caracterizar a necessidade da quebra do sigilo, o
adolescente deve ser informado, procurando-se esclarecer e justificar os
motivos para tal procedimento, evitando a perda da relação de confiança do
jovem com o profissional da saúde e/ou com a instituição.

2- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Há um temor de que a absolutização da autonomia individual resulte em


incentivo ao individualismo, que se torne insensível aos outros seres humanos,
dificultando a existência de solidariedade entre as pessoas. Porém, autonomia
não significa individualismo, é um princípio "prima facie" e não deve ser

63
ver o parecer do CJ /07/2000, IN: Ordem dos Enfermeiros, Nº 1, Novembro de 2000, pág.12.
77

convertida em direito absoluto; os seus limites devem ser dados pelo respeito à
dignidade e à liberdade dos outros e da colectividade.

Concordamos com SINGER (1994:18), que diz: "para serem eticamente


defensáveis, é preciso demonstrar que os actos com base no interesse pessoal
são compatíveis com princípios éticos de bases mais amplas, pois a noção de
ética traz consigo a ideia de alguma coisa maior que o individual".

Se a autonomia não é um princípio absoluto, não há motivo para se


continuar a agir de modo a conservar a tradicional postura paternalista, que
usurpa o direito moral da pessoa autónoma de decidir. Paternalismo pode ser
definido como a interferência com a liberdade pessoal de acção, justificada por
razões que se prendem aparentemente com o bem-estar, alegria,
necessidades, interesses ou valores da pessoa que fica sendo coagida.
(JONSEN; SIEGLER; WINSDALE, 1986:48).

O desafio para os profissionais de saúde que trabalham com


adolescentes aponta no sentido de equacionar o direito do adolescente de
receber cuidados com o estímulo e a compreensão da responsabilidade
crescente com sua própria saúde. O facto de um adolescente ou jovem
procurar um serviço de saúde em busca de atendimento pode ser uma
oportunidade ímpar de envolvimento e relacionamento. Se as normas
estabelecidas pela instituição são rígidas, dificultam ou impedem o acesso
dessas pessoas, pode-se perder a ocasião de proporcionar orientação e ajuda
em relação a questões relacionadas com a sua saúde. Os profissionais da
saúde, no contacto com o adolescente, devem estar atentos aos seus pedidos,
considerando-o como um ser único, respeitando a sua individualidade,
mantendo uma postura de acolhimento, evitando posturas estereotipadas ou
preconceituosas.

Os profissionais devem ter atenção que conhecimento compreensivo


necessário para o julgamento clínico ético se desenvolve através da
participação (partilha) onde os profissionais se esforçam por compreender o
que significa a experiência para o paciente. A sabedoria prática para a ética
nos cuidados de saúde deve ser obtida ao longo das acções com os doentes.
78

Cabe, portanto, aos serviços e aos profissionais de saúde no


relacionamento com os adolescentes e jovens, exercer o papel de seus
defensores, pois o respeito pela sua autonomia é a base do processo
pedagógico para o desenvolvimento da capacidade de decisão autónoma.
79

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87

ANEXOS
88

ANEXO I

DIÁRIO DA REPÚBLICA, I SÉRIE-A , N.º93 de 21/04/1998,


Decreto-lei n.º 104/98, MINISTÉRIO DA SAÚDE

ESTATUTO DA ORDEM DOS ENFERMEIROS

Artigo 78.º

Princípios Gerais

1 — As intervenções de enfermagem são realizadas com a


preocupação da defesa da liberdade e da dignidade da pessoa
humana e do enfermeiro.

2 — São valores universais a observar na relação profissional:


a) A igualdade;

b) A liberdade responsável, com a capacidade de


escolha, tendo em atenção o bem comum;

c) A verdade e a justiça;

d) O altruísmo e a solidariedade;

e) A competência e o aperfeiçoamento profissional.

3 — São princípios orientadores da actividade dos


enfermeiros:

a) A responsabilidade inerente ao papel assumido perante


a sociedade;
89

b) O respeito pelos direitos humanos na relação com os


clientes;

c) A excelência do exercício na profissão em geral e na


relação com outros profissionais.

Artigo 79.º

Dos deveres deontológicos em geral

O enfermeiro, ao inscrever-se na Ordem, assume o dever de:

a) Cumprir as normas deontológicas e as leis que regem a


profissão;

b) Responsabilizar-se pelas decisões que toma e pelos


actos que pratica ou delega;

c) Proteger e defender a pessoa humana das práticas que


contrariem a lei, a ética ou o bem comum, sobretudo
quando carecidas de indispensável competência
profissional;

d) Ser solidário com a comunidade, de modo especial em


caso de crise ou catástrofe, actuando sempre de acordo
com a sua área de competência.

Artigo 80.º

Do dever para com a comunidade


90

O enfermeiro, sendo responsável para com a comunidade na


promoção da saúde e na resposta adequada às necessidades em
cuidados de enfermagem, assume o dever de:

a) Conhecer as necessidades da população e da


comunidade em que está inserido;

b) Participar na orientação da comunidade na busca de


soluções para os problemas de saúde detectados;

c) Colaborar com outros profissionais em programas que


respondam às necessidades da comunidade.

Artigo 81.º

Dos valores humanos

O enfermeiro, no seu exercício, observa os valores humanos


pelos quais se regem o indivíduo e os grupos em que este se
integra e assume o dever de:

a) Cuidar da pessoa sem qualquer discriminação


económica, social, política, étnica, ideológica ou
religiosa;

b) Salvaguardar os direitos das crianças, protegendo- as


de qualquer forma de abuso;

c) Salvaguardar os direitos da pessoa idosa, promovendo


a sua independência física, psíquica e social e o
91

autocuidado, com o objectivo de melhorar a sua


qualidade de vida;

d) Salvaguardar os direitos da pessoa com deficiência e


colaborar activamente na sua reinserção social;

e) Abster-se de juízos de valor sobre o comportamento da


pessoa assistida e não lhe impor os seus próprios
critérios e valores no âmbito da consciência e da
filosofia de vida;

f) Respeitar e fazer respeitar as opções políticas,


culturais, morais e religiosas da pessoa e criar
condições para que ela possa exercer, nestas áreas, os
seus direitos.

Artigo 82.º

Dos direitos à vida e à qualidade de vida

O enfermeiro, no respeito do direito da pessoa à vida durante


todo o ciclo vital, assume o dever de:

a) Atribuir à vida de qualquer pessoa igual valor, pelo que


protege e defende a vida humana em todas as
circunstâncias;

b) Respeitar a integridade bio-psicossocial, cultural e


espiritual da pessoa;
92

c) Participar nos esforços profissionais para valorizar a


vida e a qualidade de vida;
d) Recusar a participação em qualquer forma de tortura,
tratamento cruel, desumano ou degradante.

Artigo 83.º

Do direito ao cuidado

O enfermeiro, no respeito do direito ao cuidado na saúde ou


doença, assume o dever de:

a) Co-responsabilizar-se pelo atendimento do indivíduo


em tempo útil, de forma a não haver atrasos no
diagnóstico da doença e respectivo tratamento;

b) Orientar o indivíduo para outro profissional de saúde


mais bem colocado para responder ao problema,
quando o pedido ultrapasse a sua competência;

c) Respeitar e possibilitar ao indivíduo a liberdade de


opção de ser cuidado por outro enfermeiro, quando tal
opção seja viável e não ponha em risco a sua saúde;

d) Assegurar a continuidade dos cuidados, registando


fielmente as observações e intervenções realizadas;

e) Manter-se no seu posto de trabalho enquanto não for


substituído, quando a sua ausência interferir na
continuidade de cuidados.

Artigo 84.º
93

Do dever de informação

No respeito pelo direito à autodeterminação, o enfermeiro assume


o dever de:

a) Informar o indivíduo e a família no que respeita aos


cuidados de enfermagem;
b) Respeitar, defender e promover o direito da pessoa
ao consentimento informado;

b) Atender com responsabilidade e cuidado todo o pedido


de informação ou explicação feito pelo indivíduo em
matéria de cuidados de enfermagem;

c) Informar sobre os recursos a que a pessoa pode ter


acesso, bem como sobre a maneira de os obter.

Artigo 85.º

Do dever de sigilo

O enfermeiro, obrigado a guardar segredo profissional sobre o


que toma conhecimento no exercício da sua profissão, assume o
dever de:
a) Considerar confidencial toda a informação acerca do
destinatário de cuidados e da família, qualquer que seja
a fonte;

b) Partilhar a informação pertinente só com aqueles que


estão implicados no plano terapêutico, usando como
critérios orientadores o bem-estar, a segurança física,
94

emocional e social do indivíduo e família, assim como


os seus direitos;

c) Divulgar informação confidencial acerca do indivíduo e


família só nas situações previstas na lei, devendo, para
tal efeito, recorrer a aconselhamento deontológico e
jurídico;
d) Manter o anonimato da pessoa sempre que o seu caso
for usado em situações de ensino, investigação ou
controlo da qualidade de cuidados.

Artigo 86.º

Do respeito pela intimidade

Atendendo aos sentimentos de pudor e interioridade inerentes à


pessoa, o enfermeiro assume o dever de:

a) Respeitar a intimidade da pessoa e protegê-la de


ingerência na sua vida privada e na da sua família;

b) Salvaguardar sempre, no exercício das suas funções e


na supervisão das tarefas que delega, a privacidade e a
intimidade da pessoa.

Artigo 87.º

Do respeito pelo doente terminal


95

O enfermeiro, ao acompanhar o doente nas diferentes etapas da


fase terminal, assume o dever de:

a) Defender e promover o direito do doente à escolha do


local e das pessoas que deseja o acompanhem na fase
terminal da vida;

b) Respeitar e fazer respeitar as manifestações de perda


expressas pelo doente em fase terminal, pela família ou
pessoas que lhe sejam próximas;

c) Respeitar e fazer respeitar o corpo após a morte.

Artigo 88.º

Da excelência do exercício

O enfermeiro procura, em todo o acto profissional, a excelência


do exercício, assumindo o dever de:

a) Analisar regularmente o trabalho efectuado e


reconhecer eventuais falhas que mereçam mudança de
atitude;

b) Procurar adequar as normas de qualidade dos cuidados


às necessidades concretas da pessoa;

c) Manter a actualização contínua dos seus


conhecimentos e utilizar de forma competente as
tecnologias, sem esquecer a formação permanente e
aprofundada nas ciências humanas;
96

d) Assegurar, por todos os meios ao seu alcance, as


condições de trabalho que permitam exercer a
profissão com dignidade e autonomia, comunicando,
através das vias competentes, as deficiências que
prejudiquem a qualidade de cuidados;

e) Garantir a qualidade e assegurar a continuidade dos


cuidados das actividades que delegar, assumindo a
responsabilidade pelos mesmos;

f) Abster-se de exercer funções sob influência de


substâncias susceptíveis de produzir perturbação das
faculdades físicas ou mentais.

Artigo 89.º

Da humanização dos cuidados

O enfermeiro, sendo responsável pela humanização dos cuidados


de enfermagem, assume o dever de:

a) Dar, quando presta cuidados, atenção à pessoa como


uma totalidade única, inserida numa família e numa
comunidade;

b) Contribuir para criar o ambiente propício ao


desenvolvimento das potencialidades da pessoa.

Artigo 90.º

Dos deveres para com a profissão


97

Consciente de que a sua acção se repercute em toda a profissão,


o enfermeiro assume o dever de:

a) Manter no desempenho das suas actividades, em todas


as circunstâncias, um padrão de conduta pessoal que
dignifique a profissão;

b) Ser solidário com os outros membros da profissão em


ordem à elevação do nível profissional;

c) Proceder com correcção e urbanidade, abstendo- se de


qualquer crítica pessoal ou alusão depreciativa a colegas
ou a outros profissionais;

d) Abster-se de receber benefícios ou gratificações além


das remunerações a que tenha direito;

e) Recusar a participação em actividades publicitárias de


produtos farmacêuticos e equipamentos técnico-sanitários.

Artigo 91.º

Dos deveres para com outras profissões

Como membro da equipa de saúde, o enfermeiro assume o dever


de:

a) Actuar responsavelmente na sua área de competência


e reconhecer a especificidade das outras profissões de
saúde, respeitando os limites impostos pela área de
competência de cada uma;
98

b) Trabalhar em articulação e complementaridade com os


restantes profissionais de saúde;

c) c) Integrar a equipa de saúde, em qualquer serviço em


que trabalhe, colaborando, com a responsabilidade que
lhe é própria, nas decisões sobre a promoção da
saúde, a prevenção da doença, o tratamento e
recuperação, promovendo a qualidade dos serviços.

Artigo 92.º

Da objecção de consciência

1 — O enfermeiro, no exercício do seu direito de objector de


consciência, assume o dever de:

a) Proceder segundo os regulamentos internos da Ordem


que regem os comportamentos do objector, de modo a
não prejudicar os direitos das pessoas;

b) Declarar, atempadamente, a sua qualidade de objector


de consciência, para que sejam assegurados, no
mínimo indispensável, os cuidados a prestar;

c) Respeitar as convicções pessoais, filosóficas,


ideológicas ou religiosas da pessoa e dos outros
membros da equipa de saúde.

2 — O enfermeiro não poderá sofrer qualquer prejuízo


pessoal ou profissional pelo exercício do seu direito à objecção de
consciência.
99

ANEXO II

LINHAS ORIENTADORAS PARA AGIR PERANTE COMPORTAMENTOS


E/OU PRÁTICAS PROFISSIONAIS INCORRECTAS
Baseado em: REGISTRED NURSES ASSOCIATION OF BRITISH COLUMBIA
- Guidelines for resolving professional pratice problems and taking action on
unacceptable behavior

O que é uma situação/problema de prática profissional incorrecta?

É uma situação que tem lugar no sector de trabalho do Enfermeiro(a) e


que:
Þ Interfere com a habilidade de Enfermeiro(a) para
desenvolver intervenções de enfermagem de acordo com os
padrões profissionais definidos pelas organizações
profissionais ou pelos empregadores.
Þ Tem ou pode ter um efeito perigoso para os pacientes.
Þ Ultrapassa a habilidade de um(a) Enfermeiro(a)
individualmente resolver a situação.

Porque se deve agir perante problemas profissionais identificados?

Ao agir perante um problema profissional, uma Enfermeira pode ser


capaz de proteger os doentes de algum dano e evitar um conflito. Além disso,
as Enfermeiras são responsáveis e devem prestar contas para assegurarem
que se mantêm os padrões de intervenção profissionais.

Uma enfermeira deve responder perante:

* Os doentes, por qualquer acção realizada ou omitida.


* O público, através de uma organização profissional, para se
manterem padrões aceitáveis da prática profissional.
* O empregador, para trabalhar de acordo com uma norma
aceite e para informar o empregador, usando os canais de
100

comunicação estabelecidos, quando é incapaz de atingir os


padrões previstos. (Apenas, depois de ser informado, é que
um empregador pode examinar a situação e agir face a ela).

Uma Enfermeira não pode ser considerada incompetente se os padrões


aceites não podem ser mantidos, porque se passa algo no local de trabalho
que ultrapassa o controle da Enfermeira. É uma responsabilidade do
empregador assegurar que:
* Existe um número suficiente de Enfermeiras competentes
* Existem recursos adequados e sistemas de apoio ao
serviço para corresponder às exigências dos cuidados.

Que acções podem ser realizadas?

Em seguida apresenta-se um plano com três passos:


1º - Validação
2º - Comunicação
3º - Resolução

1º PASSO - VALIDAÇÃO

1 - Certificação de que existe um problema:

1.1 - a) Determine que padrões não estão a ser cumpridos e quais os que
estariam mais adequados na situação?

Þ Os padrões estão escritos?


Þ Aonde é que estão escritos?
Þ Fazem parte de documentos oficiais?
Þ Estão contidos em protocolos do serviço?
Þ Estão inscritos nos códigos de ética?

b) Questione a forma como os padrões estão a ser seguidos na situação


concreta e compare com outras experiências.
101

c) Clarifique se os padrões não estão escritos, clarifique se eles são


considerados a nível local (na própria instituição), a nível regional ou
nacional.

1.2 - Identifique o modo como os doentes são ou podem vir a ser


afectados.

a) Quais são os efeitos actuais ou potenciais nos cuidados ao doente?

b) Estarão os doentes a correr algum risco se a situação não for


corrigida?

c) Com que frequência e em que circunstâncias ocorre a situação?

d) Será que outras Enfermeiras têm experiências idênticas?

2º PASSO - COMUNICAÇÃO

2 - Comunicar a existência do problema usando os "canais" adequados


na instituição:

2.1 - Comunicação do problema:

a) Use os canais previstos na sua instituição na maioria dos casos. Em


primeiro lugar, na maioria das vezes, deve contactar oralmente a
pessoa a quem vai dirigir o relatório. Explique quais os padrões/normas
que não estão a ser seguidos, e o efeito que está a ter este facto nos
doentes. Seja específico e factual. Mantenha a confidencialidade,
certifique-se que toda a informação relevante é fornecida.

b) Em seguida faça o relatório escrito. Registe toda a informação que


transmitiu verbalmente.

2.2 - Como registar e transmitir a informação:

a) Considere toda a informação confidencial


102

b) Use as formas de transmissão da informação, que estão definidas na


instituição. Se não existir uma forma pré-definida, utilize uma carta
escrita ou um memorando.

c) Comece com a data. Indique o nome e o título profissional da pessoa a


quem vai enviar o relatório.

d) Escreva uma frase introdutória, por exemplo: "Eu pretendo relatar o


seguinte problema profissional (...)"

e) Descreva o problema. Certifique-se que inclui o seguinte:


* Data(s) hora(s) e local (locais) dos acontecimentos
* Quem esteve envolvido (equipa e pacientes). Use apenas iniciais
para identificar os pacientes
* O que aconteceu ou poderá ter acontecido. Indique quais as
normas/padrões que não estão a ser seguidas e os efeitos actuais
ou potenciais no doente.
* Qualquer coisa, que fez perante a situação

f) Indique que gostaria de obter uma resposta à sua carta (ou


memorando) especificando a data (aponte um prazo possível, tendo
em conta a urgência com que a sua preocupação de depara).

g) Assine com o seu nome. Guarde uma cópia nos seus arquivos.

h) Se não receber uma resposta atempada, pergunte sobre a evolução da


situação. Se o problema não está a ser analisado procure:
* Mandar uma segunda cópia para a mesma pessoa
* Envie mais cópias para os outros níveis hierárquicos na
administração, assinalando que esta comunicação está a ser feita
também a outras pessoas. (por exemplo: escreva na última
página do seu relatório: "conferir com (C.C.) Alice Vieira).
103

* O segundo relatório deve reiterar o problema ou incluir uma cópia


do primeiro relatório, e pedir uma certificação de que o problema
irá ser considerado.
* Guarde uma cópia para os seus arquivos.
104

3º PASSO - RESOLUÇÃO

3.1 - Participar na resolução do problema

As respostas apropriadas ao relatório podem ser escritas ou verbais, ou


através de uma reunião, tenha em atenção os seguintes pontos:

a) Tenha um espírito aberto. O principal objectivo é a protecção do doente


de qualquer dano.

b) Esteja preparado para trabalhar em conjunto com os outros com vista à


resolução do problema. Considere que poderão ser necessários alguns
compromissos desde que os pacientes não corram qualquer riscos.

c) Confie em si mesmo, na sua habilidade para descrever a situação.

d) Se as suas preocupações não estão a ser consideradas, de uma


maneira satisfatória, diga-o. Esteja preparada para continuar a expor as
suas preocupações, indicando o motivo porque pensa que outras
acções se devem desenvolver.

e) Seja assertivo. Procure evitar uma situação de conflito ou fazer


acusações.

3.2 - Se o problema não está resolvido, faça uma exposição solicitando o


envolvimento da associação profissional ou administração.

Deverá manifestar uma real preocupação em assegurar que o doente


beneficie de cuidados competentes (seguros). Considere que o seu
envolvimento neste problema irá contribuir para que o nível profissional seja
garantido e os indivíduos/comunidade sejam alvo dos cuidados a que têm
direito.
105

a) Marque uma reunião com a administração e proponha medidas que


contribuam para a resolução do problema.

b) Envie cópias de toda a documentação que se refere à


situação/problema e envie uma carta confidencial à Direcção máxima
da instituição. (Guarde cópia de toda a correspondência enviada).

3.3 - Aguarde ser contactada pelos sectores da Administração ou


Direcção, (ou Associação Profissional) que contactou.
106

ANEXO III
Parecer sobre aspectos éticos dos cuidados de saúde relacionados com
o final da vida - 11/CNECV/95
I - RELATÓRIO
A. Preâmbulo
1. A história natural de muitas doenças, a agressividade da vida moderna, em
especial a do tráfego motorizado, sobre as pessoas, e o envelhecimento
aproximam os seres humanos do período final da sua vida biológica. Também
se refere, para tal, nas sociedades modernas, alguma perda ou desvalorização
do sentido da vida quando esta não é agradável para a pessoa.
Neste período os médicos são chamados a desenvolver um aspecto muito
delicado da sua actividade profissional, que não é a prática da medicina
curativa, mas da medicina de acompanhamento (à qual se chama também
medicina "paliativa").
Esta nova vertente da actividade médica tem já, hoje, as suas "leges artis", tão
bem estabelecidas quanto as da medicina preventiva e curativa 1.
A primeira regra é que, enquanto há uma esperança razoável de obter cura ou
melhoria do estado mórbido, com qualidade de vida aceite pela pessoa doente,
são as regras da medicina curativa, científicas e éticas, que devem ser
seguidas pelo médico; com ênfase no consentimento informado e nos
princípios da beneficência e da não-maleficência, no plano ético, e na rigorosa
avaliação clínica da situação, no plano científico.
Quando não há esperança razoável de cura e as melhorias presumidas
dependem de pesados sacrifícios físicos, impostos à pessoa doente pelos
tratamentos a efectuar, são as regras da medicina de acompanhamento que
devem prevalecer. doente, em fase de incurabilidade, o maior conforto e bem
estar, tanto físico como psíquico e afectivo.
Os tratamentos a efectuar destinam-se a actuar sobre os sintomas que traduzem
sofrimento e sobre situações agudas, curáveis por intervenções, médicas ou
cirúrgicas, imediatas (pneumonia, apendicite aguda).
As decisões médicas tomadas no âmbito da medicina de acompanhamento
têm um suporte científico, mas têm, principalmente, uma muito significativa
estrutura ética. Não é apenas o técnico que decide sobre o que fazer com um
corpo cuja vida biológica está a extinguir-se; é o médico, enquanto pessoa
107

humana, com uma longa tradição de respeito pelo doente, codificada desde
Hipócrates, o médico como membro de uma certa sociedade e, ainda, como
portador de uma determinada cultura, historicamente construída, quem
enfrenta a situação de acompanhar o seu semelhante num tempo, mais ou
menos breve, que o levará à morte.
A prestação de cuidados de saúde no período final da vida reveste-se, em
consequência, de um exemplar carácter ético.

2. É este carácter ético das decisões médicas que o presente relatório vai
analisar, como fundamento de um parecer, fazendo-o à luz da doutrina já
exposta no Relatório-Parecer sobre Procriação Medicamente Assistida deste
Conselho, aqui se reproduz no essencial:

"Este Conselho pretende desenvolver uma reflexão ética que, por um lado, seja
partilhada por todos os cidadãos da nossa sociedade pluralista, mas que, por
outro, não se limite a um pragmaticismo ético, a uma deontologia sem
fundamentação crítica, ou à aceitação passiva de práticas ou posições
comumente defendidas no nosso ou noutros países.
Nesta perspectiva, o Conselho pensa que a fundamentação ética deve apoiar-
se num conceito de natureza humana, sem limitar esta à vertente puramente
biológica, nem a alargar indevidamente, a ponto de a não distinguir da natureza
não humana. Pertencem à natureza do ser humano as dimensões de
racionalidade, de temporalidade, de historicidade, de finalidade em si e de
liberdade, que fazem dele um ente em permanente desenvolvimento, na
procura da realização de si próprio, com a possibilidade de recorrer às ajudas
externas, bem como às intervenções médicas que não contrariem
essencialmente a sua natureza, assim entendida.
Nesse sentido, é ético o comportamento que visa, promove ou respeita a
realização de si próprio, na relação constitutiva com e para os outros, no
quadro de instituições justas.
Essa necessidade ética de auto-realização pessoal e social (que se revela na
consciência do direito e da responsabilidade de cada pessoa na construção da
vida, própria e dos outros) exige a liberdade necessária para o seu pleno
exercício. Essa liberdade obriga a que nenhuma pessoa seja usada como meio
108

ou instrumento, para o que quer que seja. Cada pessoa humana deve ser
tratada como um fim em si mesma (...).
O reconhecimento deste valor não instrumental de cada pessoa é uma
importante conquista da nossa civilização e tem sido proclamado numa
variedade de formas: a abolição de todo o tipo de escravatura (incluindo a de
crianças); a declaração universal dos direitos humanos e das liberdades
fundamentais; o reconhecimento do direito à objecção de consciência e à
liberdade religiosa, etc.
Liberdade ética não significa escolha arbitrária, permissividade ou relativismo
moral. Significa, sim, a possibilidade de realização de todas as potencialidades
da pessoa humana. Nesse sentido, a liberdade ética não se refere somente à
ausência de coacção externa, mas exige também a libertação de pressões
interiores, desde as que provêm de interesses científicos, económicos ou
políticos até às que se baseiam em preconceitos culturais ou positivismos
religiosos não livremente integrados. Exige igualmente a libertação interior de
bens menores, vícios ou egoísmos autodestrutivos, assim como de
absolutismos económicos ou hedonistas.

B. Análise Tipológica

1. Doente terminal tratado com compreensão afectiva e respeito, sem


terapêuticas fúteis, no domicílio, em ambiente familiar, tudo conduzindo a uma
morte digna, socializada, reconhecida e aceite:
É a situação comum com as pessoas de idade muito avançada, com apoio
familiar ou de um equipamento social de boa qualidade, que não têm nenhuma
doença tratável, mas apenas senilidade ou sequelas irreversíveis de acidentes
vasculares cerebrais ou cardíacos.
A decisão médica de praticar medicina de acompanhamento, satisfaz aos
princípios éticos citados.

2. Doente grave, hospitalizado, que entra em fase terminal:

A equipa de saúde, dedicada e competente, decide interromper tratamentos


que se tornaram claramente ineficazes segundo o melhor juízo clínico,
109

recusando a obstinação terapêutica por ser má prática médica, mas utilizando


todos os meios necessários para assegurar o conforto e bem-estar do doente,
de modo a que o processo de morte decorra com respeito pela dignidade da
pessoa humana.

Para que esta decisão médica seja eticamente correcta é necessário que:

- o atendimento da pessoa em período final seja personalizado e


constante, por parte da equipa de saúde;

- seja permitida a presença de familiares durante 24 horas, bem como de


outras pessoas que o doente terminal deseje ver, incluindo ministros
religiosos;
- seja facilitada a "alta", na fase final, se o doente ou a família o desejar.
Cumpridos estes requisitos, a morte em ambiente hospitalar (ou já fora dele)
pode ocorrer com respeito pela dignidade humana e as decisões médicas
serão eticamente correctas e de boa prática médica.
É eticamente inaceitável, à luz dos princípios já citados, que o doente terminal
hospitalizado seja isolado e abandonado até que ocorra a morte na mais
completa solidão.

3. Doente que se considera terminal ou incurável, ou humilhado pela sua


doença ou que perdeu a vontade de viver, que pede ao seu médico ou a outro
membro da equipa de saúde ou a outra pessoa, familiar ou não, que lhe
forneça uma substância que ele possa aplicar a si próprio e seja seguramente
mortal:
A decisão, neste caso, seria a de ajuda ao suicídio.*
Eticamente não temos que avaliar agora a decisão da pessoa que pede para
ser morta, pois ela radica no seu foro íntimo e pessoal.
A decisão de aceder ao pedido da pessoa, fornecendo-lhe os meios para ela se
matar, não tem justificação ética. Quem recebe o pedido, não deve, pois,
aceitar que a pessoa deva matar-se, nem contribuir para que ela satisfaça uma
vontade a que o solicitado é alheio e que tem, como consequência, a
destruição de uma vida humana.
110

4. Doente que não deseja viver, porque considera intolerável, para si, a
qualidade de vida de que pode dispor, está psiquicamente competente para
exercer a sua autonomia pessoal e pede, insistentemente, ao médico (ou a
outra pessoa) que o mate com meios farmacológicos, ou outros:
Se o médico (ou outra pessoa) aceder a este pedido e matar o doente por
causa do pedido pratica eutanásia voluntária activa.

Tal como no caso anterior, não devemos formar juízos éticos sobre a decisão
da pessoa que exerce, com liberdade, a sua autonomia pessoal, ao formular o
pedido.
Já merece cuidadosa reflexão ética a forma como se constitui, na consciência
profissional e moral do médico, a vontade de aceder ou não ao pedido
insistente do doente.**
Para muitos médicos, em Portugal, o facto de ser um homicídio, punido pela lei
penal, e de o Código Deontológico vedar aos médicos, expressamente, a
prática da eutanásia (sem qualificativos) é razão suficiente para não considerar
atendível o pedido do doente.
Outros, porém, nas situações em que o estar vivo é, para a pessoa, causa de
profundo sofrimento, que eles, médicos, não podem (ou não sabem) tornar
tolerável para essa pessoa, questionam-se se, nestas situações-limite, aceder
à vontade do doente não deve ser considerado o melhor procedimento e,
portanto, eticamente justificado pelo princípio da beneficência.
Com todo o respeito pelos casos particulares, que merecem ser analisados
com sensibilidade e lucidez para lhes descobrir as motivações profundas e a
natureza pontual e evitável, deve a reflexão ética exercer-se, contudo, sobre o
enquadramento geral da situação. Caso contrário, estaríamos a usar uma
"ética pragmaticista ou meramente casuística", formalmente rejeitada na
fundamentação atrás transcrita.
E o enquadramento geral é o de existir manipulação da vontade do médico (ou
outra pessoa) por parte do doente que pede, quase exige, ser morto, por uma
acção positiva praticada pelo próprio médico (ou por outra pessoa. Tenha-se
presente que, a nível legal, é na circunstância de se tratar de uma vontade
dominada por impulso relacionado com o estado do "doente" que reside a
principal característica do crime.
111

O juízo ético sobre esta decisão (médica), resultante de manipulação, deve ser
de desaprovação.
5. Doente em situação terminal, inconsciente e, portanto, incapaz de exprimir a
sua vontade. O médico (ou outra pessoa), dominado, psicologicamente, pelo
que ele considera ser a situação intolerável do doente, para a qual não tem
nenhum tratamento, decide matá-lo por meios farmacológicos ou outros.
Esta decisão (médica) configura o acto de eutanásia activa, involuntária
(porque o doente não manifestou a sua vontade).
Objectivamente, é uma decisão médica inaceitável porque o médico, por
compaixão real ou suposta, arroga-se o direito de dispor da vida de uma
pessoa humana; e não tem este direito na perspectiva ética em que se
fundamenta esta analise.

Idêntico juízo ético negativo se formula na situação em que o doente terminal


está consciente, não manifesta a vontade de ser morto e o médico decide
matá-lo.
A possibilidade de o médico poder tomar esta decisão cria as condições para a
manipulação e instrumentalização da sua vontade por parte de terceiros, com
interesse pessoal nessa decisão, e por parte do poder político de que há
exemplos históricos bem conhecidos, alguns neste século.

Para além deste risco real e comprovado, semelhante decisão médica ofende
os princípios éticos e deontológicos geralmente aceites na prática médica (com
excepção da Holanda 2).
6. Doente que, em circunstâncias normais e em perfeita consciência, elaborou
instruções proibindo a aplicação de certos tratamentos quando em situações
em que não possa exprimir a sua vontade, foi chamado (Testamento de vida),
mesmo que estas situações ameacem gravemente a sua vida:
Quando uma destas situações se apresenta, o médico tem de decidir se
obedece ou não à vontade livremente expressa por pessoa autónoma, em
tempo anterior.
A análise ética é difícil 3. Deve obedecer?
112

A luz do princípio da autonomia parecia que sim; mas pode ter-se a certeza de
que a decisão tomada pela pessoa, quando estava de saúde, é a sua vontade
genuína, agora que está gravemente doente? Se ela pudesse ser informada da
situação real actual não daria o consentimento para um tratamento que, no
passado e sem esta informação, recusou ?

A maior parte dos eticistas opina que, na dúvida e não se tratando de


tratamentos fúteis, ou tratamentos "heróicos" mas com pouca probabilidade de
sucesso, ou causadores de grande sofrimento, desproporcionado aos
benefícios esperados, - nos quais, na prática, a vontade do doente coincide
com a decisão médica de não tratar - o médico não está eticamente obrigado a
seguir essas instruções prévias; "maxime" se existe uma probabilidade
razoável de que a vida do doente seja salva com o uso das medidas
terapêuticas proporcionadas, mas que o doente, por antecipação, tinha
recusado. Toma em conta, designadamente, que a vontade formulada não é
nem "actual" nem "esclarecida".
No caso de o médico decidir acatar a vontade do doente, não iniciando, ou
suspendendo, medidas terapêuticas cujo único efeito é alongar o processo de
morte, que o doente expressamente recusou por documento anterior ou
recusou antes de ficar inconsciente (em coma irreversível, por exemplo), esta
decisão é eticamente sustentável se for acompanhada de todas as medidas
necessárias a assegurar o conforto e bem estar da pessoa em processo de
morte e mesmo que estas medidas possam, presumivelmente, e não havendo
alternativa, reduzir a duração do processo de morte.
É ilegítimo alcunhar esta decisão de eutanásia passiva porque se trata apenas
de boa prática médica.
7. 0 mesmo juízo ético favorável merece a decisão médica de não iniciar
medidas extraordinárias de suporte ventilatório ou cardíaco, quando elas são
medicamente inúteis, bem como a decisão médica de as suspender logo que
foi verificada a morte do tronco cerebral.
8. Como síntese final desta análise tipológica direi que é necessário, na
perspectiva ética, traçar uma linha clara de distinção entre decisões médicas
que constituem formas activas de produzir a morte dos doentes a "morte
113

médica", como lhe chama Siegler - e as decisões de manter ou suspender


meios artificiais de manutenção da vida, quando esteja medicamente indicado,
bem como a decisão de aplicar todas as técnicas que atenuem as dores e
produzam conforto e bem estar nos doentes moribundos 3.
A avaliação ética destas decisões leva a propor que os médicos recusem as
primeiras - nenhum médico jamais matará o seu doente - e se empenhem
activamente nas segundas - nenhum médico será indiferente ao sofrimento de
uma pessoa doente, até ao último instante de vida, para que a morte humana,
inevitável, possa ser dignamente vivida por cada um.
O Relator, Daniel Serrão

Notas

* Punida no CP, Art° 133°, como homicídio privilegiado, com pena de 1 a 5


anos de prisão. Registe-se a dificuldade de o julgador entrar na intimidade da
consciência moral do médico e ver até que ponto a situação do doente o
"dominou" levando-o a cometer homicídio
**Juridicamente, em Portugal, trata-se de homicídio a pedido da vítima (Art°
134° do CP). É punido com pena de prisão de 6 meses a 3 anos, o médico que
o praticar.
Referências

1.Oxford Textbook of Palliative Medicine.


ed. by D. Dogle, G.W.C. Hanks and N. MacDonald Oxford University Press, 845
pp, 1994
2. Euthanasia and Other Medical Decisions Concerning the End of Life P.J. Van
der Mass, J.J.M. van Delden and L. Pijnenborg Elsevier, 1992
3. The Physician-Assisted Suicide and Euthanasia Debate: An Annotated
Bibliography or Representative Articles J.J. Fimes and M,D, Bacchetta The
Journal of Clinical Ethics, 5(4):329-340, 1994
114

II - PARECER

€ Considerando que a questão da Eutanásia, referida a variado tipo de


comportamentos, quer surgidos no decurso da actividade médica quer não, tem
sido objecto de discussão pública, tanto nos meios de comunicação social,
como nas interrogações com que as pessoas se defrontam e em que por vezes
são solicitadas a pronunciar-se;
€ considerando que contribui para a frequência com que a questão é referida, e
até entendida, o desenvolvimento de uma cultura em que se nega o sofrimento
e a dor e em que se rejeita encarar a morte e a transcendência;
€ considerando que esta atitude cultural e a transmissão acrítica de
informações neste domínio são geradoras de uma tendência para a aceitação
da "ideia" da Eutanásia, de que é exemplo a iniciativa legislativa holandesa e a
informação dada sobre ela;
€ considerando que - diferentemente duma correcta qualificação da
"eutanásia", como se faz nos n°s. 4 e 5 do Relatório precedente - é frequente
ver-se usar a mesma expressão para situações que nada têm a ver com
"eutanásia" e que merecem uma análise muito diferente;
€ considerando que só é possível analisar a "Eutanásia", como as outras
questões que se prendem com o valor cimeiro da vida, através do seu
enquadramento humanista, axiológico e ético;
€ considerando que, apesar de a questão da "Eutanásia" não constituir
problema agudo no nosso país, se afigurou oportuno ao Conselho reflectir
desde já sobre ela e contribuir para a sua discussão serena e para o seu
esclarecimento, precavendo o maior risco de criação de apriorismos e
preconceitos;
O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, tomando por base no
essencial o Relatório que precede, é de Parecer:
€ que não há nenhum argumento ético, social, moral, jurídico ou da deontologia
das profissões de saúde que justifique em tese vir a tornar possível por lei a
morte intencional de doente (mesmo que não declarado ou assumido como tal)
por qualquer pessoa designadamente por decisão médica, ainda que a título de
"a pedido" e/ou de "compaixão";
115

€ que, por isso, não há nenhum argumento que justifique, pelo respeito devido
à pessoa humana e à vida, os actos de eutanásia;
€ que é ética a interrupção de tratamentos desproporcionados e ineficazes,
mais ainda quando causam incómodo e sofrimento ao doente, pelo que essa
interrupção, ainda que vá encurtar o tempo de vida, não pode ser considerada
eutanásia;
€ que é ética a aplicação de medicamentos destinados a aliviar a dor do
paciente, ainda que possa ter, como efeito secundário, redução de tempo
previsível de vida, atitude essa que não pode também ser considerada
eutanásia;
€ que a aceitação da eutanásia pela sociedade civil, e pela lei, levaria à quebra
da confiança que o doente tem no médico e nas equipas de saúde e poderia
levar a uma liberalização incontrolável de "licença para matar" e à barbárie;
€ que, contudo, a rejeição dos actos de eutanásia, como pretensos direitos
individuais atendíveis de médicos (ou outros) e doentes (ou outros), cria
também obrigações individuais e sociais que não podem ser minimizadas ou
esquecidas, nomeadamente e muito especialmente:
· a responsabilidade privada e pública de cuidar adequadamente dos
doentes terminais e dos deficientes e dependentes de qualquer tipo;
· a prática de cuidados continuados às pessoas dependentes com
absoluto respeito pela sua dignidade e integridade como seres
humanos;
· a criação e manutenção das condições para praticar medicina de
acompanhamento (cuidados paliativos) a todos os que dela necessitem;
· o apoio às investigações sobre tratamento da dor e à criação de grupos
especializados nesta área dos cuidados médicos;
· o desenvolvimento, na formação médica e de enfermagem, pré e pós-
graduada, de um alto nível de preparação, para que os profissionais de
saúde saibam e possam assumir, conscientemente, as suas
responsabilidades éticas face aos doentes entregues aos seus cuidados,
em especial os que atingirem a fase terminal e devem morrer com
dignidade.

Lisboa, 7 de Junho de 1995


116

O Relator, Daniel Serrão

O Presidente, Augusto Lopes Cardoso)


117

ANEXO IV

Declaração de Helsínquia
Introdução
Cabe ao médico salvaguardar a saúde das pessoas. O seu conhecimento e
consciência são dedicados ao cumprimento desta missão.

A Declaração de Genebra da Associação Médica Mundial compromete-o a


isso, afirmando que "A saúde do meu doente será a minha preocupação
primordial", e o Código Internacional de Ética Médica declara que "Qualquer
acto ou conselho que possa enfraquecer a resistência física ou mental do ser
humano só pode ser usado no seu próprio interesse".

O objectivo da investigação biomédica que envolve seres humanos deve ser o


de melhorar o diagnóstico, os métodos terapêuticos e profiláticos e o
conhecimento da etiologia e patogénese da doença.

Na prática médica corrente, a maioria dos métodos de diagnóstico, terapêuticos


e profiláticos acarretam riscos. Isto também se aplica 'a fortiori' à investigação
biomédica.
O progresso médico baseia-se na investigação que, em última análise, tem de
se apoiar em parte na experimentação com seres humanos.

Na área da investigação biomédica, deve ser reconhecida a distinção


fundamental entre a investigação médica cujo objectivo é essencialmente o de
diagnóstico ou terapêutica para o doente, e a investigação médica cujo
objectivo é puramente científico e sem valor de diagnóstico ou terapêutico
directo para a pessoa sujeita à investigação.

Devem ter-se cuidados especiais na condução de experiências que possam


afectar o ambiente, e deve ser respeitado o bem-estar dos animais usados na
investigação.
Visto que é essencial que os resultados de experiências de laboratório sejam
aplicados a seres humanos para o desenvolvimento do conhecimento científico
118

e ajuda à humanidade sofredora, a Associação Médica Mundial preparou as


seguintes recomendações para servirem de guia a todos os médicos que se
dedicam à investigação com seres humanos, e que deverão ser sujeitas a
revisões no futuro. Deve salientar-se que as disposições enunciadas são
apenas um guia para os médicos de todo o mundo e que os médicos não
deixam, por tal, de estar sujeitos às responsabilidades criminais, civis e éticas
que constam das leis dos seus próprios países.
I. Principios Básicos
1. A investigação biomédica com seres humanos deve estar sujeita aos
princípios científicos geralmente aceites e deve basear-se na
experimentação laboratorial e com animais devidamente conduzida, e
num conhecimento minucioso da literatura científica.

2. A concepção e condução de cada experiência com seres humanos


devem ser claramente formuladas num protocolo experimental, que deve
ser transmitido a uma comissão independente, para tal designada, de modo
a serem analisadas, comentadas e orientadas.

3. A investigação biomédica com seres humanos deve ser realizada apenas


por pessoas com qualificações científicas e sob a supervisão de um médico
clinicamente competente. A responsabilidade não deve recair sobre o
sujeito da experiência, mas sempre sobre alguém com qualificação médica,
mesmo que aquele tenha dada a sua autorização.

4. Não podem ser legitimamente realizadas experiências biomédicas com


seres humanos, a não ser que a importância do objectivo seja proporcional
ao risco inerente para o sujeito.

5. Todas as experiências biomédicas com seres humanos devem ser


precedidas de uma avaliação cuidadosa dos riscos previsíveis em relação
aos benefícios esperados para o sujeito e outras pessoas. Os interesses do
sujeito devem sempre prevalecer sobre os da ciência ou os da sociedade.

6. Deve ser sempre respeitado o direito do sujeito da experiência, de


119

salvaguardar a sua integridade. Devem tomar-se as precauções


necessárias para que se respeite a privacidade do sujeito e se minimize o
impacto da investigação sobre a integridade física e mental e a
personalidade do sujeito.

7. O médico deve eximir-se de realizar experiências que envolvam seres


humanos, a não ser que tenha garantias de que os riscos delas decorrentes
sejam considerados previsíveis. O médico deve interromper qualquer
investigação se verificar que os riscos são maiores que os benefícios
potenciais.

8. Aquando da publicação dos resultados da experiência, o médico é


obrigado a garantir a exactidão dos resultados. Os relatórios de
experiências que não estejam de acordo com os princípios estabelecidos
nesta Declaração não devem ser aceites para publicação.

9. Em qualquer experiência com seres humanos, os sujeitos potenciais


devem ser devidamente informados dos objectivos, métodos e benefícios
esperados, e dos riscos potenciais da experiência, e ainda do incómodo que
dela poderá advir. Devem ser informados que podem livremente recusar-se
a participar na investigação e que a qualquer momento podem retirar o seu
consentimento à participação. O médico deve, portanto, obter o
consentimento do sujeito, dado de forma livre e informada, de preferência
por escrito.

10. Ao obter o consentimento para o projecto de investigação, o médico


deve ter em especial consideração a hipótese de o sujeito estar numa
relação de dependência em relação a ele, ou de dar o seu consentimento
sob coacção. Neste caso, o consentimento deve ser obtido por um médico
que não faça parte da investigação e que seja completamente independente
desta relação oficial.

11. Em casos de incapacidade legal, o consentimento deve ser dado pelo


responsável legal, de acordo com a legislação do país. Quando a
120

incapacidade física ou mental do sujeito o impossibilita de dar o seu


consentimento, ou quando o sujeito for menor, a autorização do parente
responsável substitui a do sujeito, de acordo com a legislação do país.

12. O protocolo da investigação deve sempre incluir as condições éticas a


respeitar, as quais deverão estar de acordo com os princípios enunciados
na presente Declaração
II. Investigação médica combinada com atendimento profissional
(investigação clínica)
1. No tratamento do doente, o médico deve ter a liberdade de usar novos
meios de diagnóstico e terapêutica se, na sua opinião, estes oferecerem
esperança de salvar a vida, restituir a saúde ou aliviar o sofrimento.

2. Os benefícios, riscos ou incómodos potenciais do novo método devem


ser ponderados, tendo em conta as vantagens dos melhores métodos
correntes de diagnóstico e terapêutica.

3. Em qualquer investigação médica, todos os doentes - incluindo os do


grupo de controlo, se os houver - devem ter garantias do uso dos melhores
métodos reconhecidos de diagnóstico e terapêutica.

4. A recusa por parte do doente a participar na investigação não deve nunca


interferir na relação médico - doente.

5. Se o médico considerar que não é essencial obter o consentimento do


doente, as razões particulares para esta proposta devem ser referidas no
protocolo da experiência e transmitidas à comissão independente.

6. O médico pode combinar investigação médica com atendimento


profissional, sendo o seu objectivo a aquisição de novos conhecimentos
médicos, só se a investigação médica for justificada pelo seu potencial valor
diagnóstico ou terapêutico para o doente.
III. Investigação biomédica não-terapêutica com seres humanos
(investigação biomédica não-clínica)
121

1. Na aplicação puramente científica da investigação médica realizada em


seres humanos, é dever do médico proteger a vida e saúde da pessoa
em causa na experiência.

2. Os sujeitos da experiência devem ser voluntários - ou pessoas


saudáveis, ou doentes cuja doença não esteja relacionada com o projecto
da experiência.

3. O investigador, ou equipa investigadora, deve interromper a experiência


se, na sua opinião, o seu prosseguimento for prejudicial para o indivíduo.

4. Na investigação com seres humanos, o interesse da ciência e da


sociedade não deve nunca ter primazia sobre o bem-estar do sujeito.

RELATÓRIO E PARECER 34/CNECV/2001 sobre a DECLARAÇÃO DE HELSÍNQUIA


modificada em Edimburgo (Out.º 2000)

A Declaração de Helsínquia, adoptada em 1964 pela Associação Médica


Mundial e sucessivamente alterada em Tóquio (1975), Veneza (1983), Hong-
Kong (1989) e Sommerset West (1996), é um documento oficial da organização
internacional representativa dos médicos e constitui, desde a sua adopção, a
magna carta da experimentação levada a cabo em seres humanos. Embora
não tenha estatuto legal, é tratada e reconhecida como código de conduta à
escala global da investigação médica, tendo sido nomeadamente aceite pela
CIOMS (organização de pesquisa médica estreitamente ligada à OMS) e sendo
referida praticamente em todos os protocolos de pesquisa ou de ensaios
clínicos apresentados a comissões de ética institucionais.

Recentemente, a Associação Médica Mundial, na sua assembleia geral,


realizada em Outubro de 2000 em Edimburgo, procedeu à revisão da
Declaração e introduziu-lhe substanciais modificações, algumas causadoras de
polémica, mas todas tendentes a garantir e aumentar a protecção dos seres
humanos, sujeitos de investigação. Esta quinta emenda resultou da análise
122

realizada durante o últimos anos, de estudos conduzidos dentro e fora da


Associação e da consulta a peritos, associações profissionais, cientistas,
associações de doentes e participantes em reuniões científicas.

O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que desta


importantíssima matéria se ocupou várias vezes (pareceres 4/CNECV/93,
9/CNECV/94 e 13/CNECV/95, comentário ao decreto-lei 97/94 (1994), não
podia ficar indiferente a esta inovadora redacção da Declaração de Helsínquia.
Regista com satisfação o cuidado posto na clarificação de objectivos da
investigação, a reafirmação da superioridade do bem estar do sujeito em
relação aos interesses da ciência e da sociedade, a imposição de
transparência no que concerne aos incentivos económicos dos projectos de
investigação e a exigência de que, uma vez terminada a investigação, os
sujeitos nela participantes não sejam privados do tratamento (ou dos meios de
profilaxia ou diagnóstico) que o estudo tenha identificado como sendo os
melhores.

São do maior alcance as medidas recomendadas: na prática vêm limitar o uso


de placebos apenas às situações em que não existam meios eficazes e exigem
a continuação do uso ("compassivo") do tratamento que se tenha revelado
mais eficaz e mais seguro em todos os sujeitos do ensaio. Na sua forma actual,
a Declaração propõe a publicação de todos os resultados de uma investigação
ou ensaio (ou pelo menos que sejam postos à disposição do público),
independentemente da sua natureza "positiva" ou "negativa".

Embora se reconheça de algumas destas disposições levantarão problemas


consideráveis e trarão adicionais dificuldades à execução de investigações em
seres humanos, nomeadamente quando revestem a forma de ensaios clínicos,
parece justo realçar os indiscutíveis benefícios que resultarão da adopção dos
princípios enunciados, sobretudo para a preservação da dignidade, saúde e
bem-estar dos sujeitos da investigação, mas também para a qualidade e
123

significado dos resultados obtidos pelos investigadores.

O Relator,
Prof. Doutor Walter Osswald

PARECER

Tendo em conta o relatório anexo, os seus anteriores pareceres sobre ensaios


clínicos e sua avaliação (4/CNECV/93, 9/CNECV/94, 13/CNECV/95) e os
princípios orientadores das disposições normativas introduzidas na Declaração
de Helsínquia pela Associação Médica Mundial, o Conselho Nacional de Ética
para as Ciências da Vida:

- regozija-se com a recente revisão da Declaração de Helsínquia (Edimburgo


2000), por ver nela consignados e reforçados o respeito pela dignidade e pelos
direitos do ser humano sujeito de investigação, com o consequente aumento da
protecção que lhe é garantida;

- recomenda às comissões de ética em saúde que tenham presentes as


recomendações desta versão revista da Declaração de Helsínquia, ao
procederem à avaliação dos protocolos de investigação que lhes sejam
apresentados;
- recomenda que os estabelecimentos de saúde tenham na devida conta, nos
seus programas curriculares, esta revisão da Declaração de Helsínquia;
- espera que a presente versão da Declaração de Helsínquia seja tomada em
consideração, aquando da revisão dos decretos-lei 97/94 e 97/95, que se
espera seja brevemente efectuada.

Lisboa 13 de Fevereiro de 2001

Prof. Doutor Luís Archer, Presidente do Conselho Nacional de Ética para as


Ciências da Vida

ANEXO V
124

Carta dos direitos e deveres dos doentes


Disponível em : http://www.dgsaude.pt/carta.html
introdução
O direito à protecção da saúde está consagrado na Constituição da República
Portuguesa, e assenta num conjunto de valores fundamentais como a
dignidade humana, a equidade, a ética e a solidariedade.
No quadro legislativo da Saúde são estabelecidos direitos mais específicos,
nomeadamente na Lei de Bases da Saúde (Lei 48/90, de 24 de Agosto) e no
Estatuto Hospitalar (decreto-lei n.º 48 357, de 27 de Abril de 1968).
São estes os princípios orientadores que servem de base à Carta dos Direitos
e Deveres dos Doentes.
O conhecimento dos direitos e deveres dos doentes, também extensivos a
todos os utilizadores do sistema de saúde, potência a sua capacidade de
intervenção activa na melhoria progressiva dos cuidados e serviços.
Evolui-se no sentido de o doente ser ouvido em todo o processo de reforma,
em matéria de conteúdo dos cuidados de saúde, qualidade dos serviços e
encaminhamento das queixas.
A Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes representa, assim, mais um
passo no caminho da dignificação dos doentes, do pleno respeito pela sua
particular condição e da humanização dos cuidados de saúde, caminho que os
doentes, os profissionais e a comunidade devem percorrer lado a lado.
Assume-se, portanto, como um instrumento de parceria na saúde, e não de
confronto, contribuindo para os seguintes objectivos:

Consagrar o primado do cidadão, considerando-o como figura


central de todo do Sistema de Saúde;
Reafirmar os direitos humanos fundamentais na prestação dos
cuidados de saúde e, especialmente, proteger a dignidade e
integridade humanas, bem como o direito à autodeterminação;
Promover a humanização no atendimento a todos os doentes,
principalmente aos grupos vulneráveis;
Desenvolver um bom relacionamento entre os doentes e os
prestadores de cuidados de saúde e, sobretudo, estimular uma
participação mais activa por parte do doente;
125

Proporcionar e reforçar novas oportunidades de diálogo entre


organizações de doentes, prestadores de cuidados de saúde e
administrações das instituições de saúde.
Com a versão que agora se apresenta aos doentes e suas
organizações, aos profissionais e entidades com
responsabilidades na gestão da saúde e ao cidadão em geral,
procura-se fomentar a prática dos direitos e deveres dos doentes.
Visa-se, por outro lado, recolher opiniões e sugestões para um
gradual ajustamento das disposições legais aos princípios que
vierem a ser considerados necessários para garantir o
cumprimento responsável e cívico destes direitos e deveres.Com
vista ao seu aperfeiçoamento, não deixe de enviar os comentários
e as sugestões de alteração que julgue convenientes para :
Direcção Geral da Saúde
Alameda D. Afonso Henriques, 45
1056 Lisboa Codex
direitos dos doentes

1. O doente tem direito a ser tratado no respeito pela dignidade humana.


É um direito humano fundamental, que adquire particular importância em
situação de doença. Deve ser respeitado por todos os profissionais de saúde
envolvidos no processo de prestação de cuidados, no que se refere quer aos
aspectos técnicos, quer ais actos de acolhimento, orientação, encaminhamento
dos doentes.
É também indispensável que o doente seja informado sobre a identidade e a
profissão de todo o pessoal que participa no seu tratamento.
Este direito abrange ainda as condições das instalações e equipamentos, que
têm de proporcionar o conforto e o bem-estar exigidos pela situação de
vulnerabilidade em que o doente se encontra.

2. O doente tem direito ao respeito pelas suas convicções culturais,


filosóficas e religiosas.
126

Cada doente é uma pessoa com as suas convicções culturais e religiosas. As


instituições e os prestadores de cuidados de saúde têm, assim, de respeitar
esses valores e providenciar a sua satisfação.
O apoio de familiares e amigos deve ser facilitado e incentivado.
Do mesmo modo, deve ser proporcionado o apoio espiritual requerido pelo
doente ou, se necessário, por quem legitimamente o represente, de acordo
com as suas convicções.

3. O doente tem direito a receber os cuidados apropriados ao seu estado


de saúde, no âmbito dos cuidados preventivos, curativos, de reabilitação
e terminais.
Os serviços de saúde devem estar acessíveis a todos os cidadãos, por forma a
prestar, em tempo útil, os cuidados técnicos e científicos que assegurem a
melhoria da condição do doente e seu restabelecimento, assim como o
acompanhamento digno e humano em situações terminais.
Em nenhuma circunstância os doentes podem ser objecto de discriminação.
Os recursos existentes são integralmente postos ao serviço do doente e da
comunidade, até ao limite das disponibilidades.

4. O doente tem direito à prestação de cuidados continuados.


Em situação de doença, todos os cidadãos têm o direito de obter dos diversos
níveis de prestação de cuidados (hospitais e centros de saúde) uma resposta
pronta e eficiente, que lhes proporcione o necessário acompanhamento até ao
seu completo restabelecimento.
Para isso, hospitais e centros de saúde têm de coordenar-se, de forma a não
haver quaisquer quebras na prestação de cuidados que possam ocasionar
danos ao doente.
O doente e seus familiares têm direito a ser informados das razões da
transferência de um nível de cuidados para outro e a ser esclarecidos de que a
continuidade da sua prestação fica garantida.
Ao doente e sua família são proporcionados os conhecimentos e as
informações que se mostrem essenciais aos cuidados que o doente deve
127

continuar a receber no seu domicílio. Quando necessário, deverão ser postos à


sua disposição cuidados domiciliários ou comunitários.

5. O doente tem direito a ser informado acerca dos serviços de saúde


existentes, suas competências e níveis de cuidados.
Ao cidadão tem que ser fornecida informação acerca dos serviços de saúde
locais, regionais e nacionais existentes, suas competências e níveis de
cuidados, regras de organização e funcionamento, de modo a optimizar e a
tornar mais cómoda a sua utilização.
Os serviços prestadores dos diversos níveis de cuidados devem providenciar
no sentido de o doente ser sempre acompanhado dos elementos de
diagnóstico e terapêutica considerados importantes para a continuação do
tratamento. Assim, evitam-se novos exames e tratamentos, penosos para o
doente e dispendiosos para a comunidade.

6. O doente tem direito a ser informado sobre a sua situação de saúde.


Esta informação deve ser prestada de forma clara, devendo ter sempre em
conta a personalidade, o grau de instrução e as condições clínicas e psíquicas
do doente.
Especificamente, a informação deve conter elementos relativos ao diagnóstico
(tipo de doença), ao prognóstico (evolução da doença), tratamentos a efectuar,
possíveis riscos e eventuais tratamentos alternativos.
O doente pode desejar não ser informado do seu estado de saúde, devendo
indicar, caso o entenda, quem deve receber a informação em seu lugar.

7. O doente tem o direito de obter uma segunda opinião sobre a sua


situação de saúde.
Este direito, que se traduz na obtenção de parecer de um outro médico,
permite ao doente complementar a informação sobre o seu estado de saúde,
dando-lhe a possibilidade de decidir, de forma mais esclarecida, acerca do
tratamento a prosseguir.

8. O doente tem direito a dar ou recusar o seu consentimento, antes de


qualquer acto médico ou participação em investigação ou ensino clínico.
128

O consentimento do doente é imprescindível para a realização de qualquer


acto médico, após ter sido correctamente informado.
O doente pode, exceptuando alguns casos particulares, decidir, de forma livre e
esclarecida, se aceita ou recusa um tratamento ou uma intervenção, bem como
alterar a sua decisão.
Pretende-se assim assegurar e estimular o direito à autodeterminação, ou seja,
a capacidade e a autonomia que os doentes têm de decidir sobre si próprios.
O consentimento pode ser presumido em situações de emergência e, em caso
de incapacidade, deve este direito ser exercido pelo representante legal do
doente.

9. O doente tem direito à confidencialidade de toda a informação clínica e


elementos identificativos que lhe respeitam.
Todas as informações referentes ao estado de saúde do doente – situação
clínica, diagnóstico, prognóstico, tratamento e dados de carácter pessoal – são
confidenciais. Contudo, se o doente der o seu consentimento e não houver
prejuízos para terceiros, ou se a lei o determinar, podem estas informações ser
utilizadas.
Este direito implica a obrigatoriedade do segredo profissional, a respeitar por
todo o pessoal que desenvolve a sua actividade nos serviços de saúde.

10. O doente tem direito de acesso aos dados registados no seu processo
clínico.
A informação clínica e os elementos identificativos de um doente estão
contidos no seu processo clínico.
O doente tem o direito de tomar conhecimento dos dados registados no seu
processo, devendo essa informação ser fornecida de forma precisa e
esclarecedora.
A omissão de alguns desses dados apenas é justificável se a sua revelação for
considerada prejudicial para o doente ou se contiverem informação sobre
terceiras pessoas.

11. O doente tem direito à privacidade na prestação de todo e qualquer


acto médico.
129

A prestação de cuidados de saúde efectua-se no respeito rigoroso do direito do


doente à privacidade, o que significa que qualquer acto de diagnóstico ou
terapêutica só pode ser efectuado na presença dos profissionais
indispensáveis à sua execução, salvo se o doente consentir ou pedir a
presença de outros elementos.
A vida privada ou familiar do doente não pode ser objecto de intromissão, a não
ser que se mostre necessária para o diagnóstico ou tratamento e o doente
expresse o seu consentimento.

12. O doente tem direito por si, ou por quem o represente, a apresentar
sugestões e reclamações.
O doente, por si, por quem legitimamente o substitua ou por organizações
representativas, pode avaliar a qualidade dos cuidados prestados e apresentar
sugestões ou reclamações.
Para esse efeito, existem, nos serviços de saúde, o gabinete do utente e o livro
de reclamações.
O doente terá sempre de receber resposta ou informação acerca do
seguimento dado às suas sugestões e queixas, em tempo útil.

deveres dos doentes


1
O doente tem o dever de zelar pelo seu estado de saúde. Isto significa que
deve procurar garantir o mais completo restabelecimento e também participar
na promoção da própria saúde e da comunidade em que vive.
2
O doente tem o dever de fornecer aos profissionais de saúde todas as
informações necessárias para obtenção de um correcto diagnóstico e
adequado tratamento.
3
O doente tem o dever de respeitar os direitos dos outros doentes.
4
O doente tem o dever de colaborar com os profissionais de saúde, respeitando
as indicações que lhe são recomendadas e, por si, livremente aceites.
130

5
O doente tem o dever de respeitar as regras de funcionamento dos serviços de
saúde.
6
O doente tem o dever de utilizar os serviços de saúde de forma apropriada e de
colaborar activamente na redução de gastos desnecessários.
131

ANEXO VI
Convenção de Oviedo

Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser


Humano Relativa às Aplicações da Biologia e da Medicina: Convenção dos
Direitos do Homem e da Biomedicina (Adoptada pelo Comité de Ministros em
19 de Novembro de 1996 e assinada em Oviedo a 4 de Abril de 1997)

Preâmbulo

Os Estados membros do Conselho de Europa, os outros Estados e a


Comunidade Europeia signatários da presente Convenção,

Tendo presente a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela


Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948;

Tendo presente a Convenção para a Protecção dos Direitos Humanos e das


Liberdades Fundamentais, de 4 de Novembro de 1950;

Tendo presente a Carta Social Europeia, de 18 de Outubro de 1961;

Tendo presente o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o


Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 16 de
Dezembro de 1996;
Tendo presente a Convenção para a Protecção do Indivíduo face ao
Tratamento Automático de Dados Pessoais, de 28 de janeiro de 1981;

Tendo, também, presente a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 20 de


Novembro de 1989;
132

Considerando que o objectivo do Conselho de Europa é a realização de uma


união maior entre os seus membros, e que um dos métodos para atingir esse
objectivo é a salvaguarda e o desenvolvimento dos direitos humanos e das
liberdades fundamentais;
Conscientes dos rápidos desenvolvimentos na biologia e na medicina;

Convencidos da necessidade de respeitar o ser humano tanto como indivíduo


como um membro da espécie humana, e reconhecendo a importância de
garantir a dignidade do ser humano;
Conscientes que a utilização imprópria da biologia e da medicina podem
conduzir a actos que podem pôr em perigo a dignidade humana;

Afirmando que os progressos da biologia e da medicina devem ser utilizados


para o benefício das gerações presentes e futuras;

Sublinhando a necessidade de uma cooperação internacional para que toda a


Humanidade possa beneficiar dos contributos da biologia e da medicina; .

Reconhecendo a importância de promover um debate público sobre as


questões que as aplicações da biologia e a medicina colocam e sobre as
respostas que a elas foram dadas;

Desejando lembrar a todos os membros da sociedade os seus direitos e


responsabilidades;
Tomando em consideração os trabalhos da Assembleia Parlamentar neste
domínio, incluindo a Recomendação 1160 (1991) sobre a preparação de uma
Convenção de bioética;

Resolvendo tomar essas medidas como sendo necessárias para garantir a


dignidade humana e os direitos e liberdades fundamentais do indivíduo face às
aplicações da biologia e da medicina;
133

Concordaram com o seguinte:

CAPÍTULO I - Disposições gerais

Artigo 1.º (Objectivo e finalidade)

As Partes na presente Convenção protegerão a dignidade e a identidade de


todos os seres humanos e garantem a todas as pessoas, sem discriminação, o
respeito pela sua integridade e pelos outros direitos e liberdades fundamentais
face às aplicações da biologia e da medicina.

Cada Parte deverá tomar, no seu direito interno, as medidas necessárias para
tornar efectivas as disposições desta Convenção.

Artigo 2.º (Primado do ser humano)

Os interesses e o bem estar do ser humano deverão prevalecer sobre o


interesse exclusivo da sociedade ou da ciência.

Artigo 3.º (Igualdade de acesso aos cuidados de saúde)

As Partes, tendo em consideração as necessidades de saúde e os recursos


disponível, deverão tomar as medidas apropriadas com vista a providenciar,
dentro da sua jurisdição, igualdade de acesso aos cuidados de saúde de
qualidade satisfatória.

Artigo 4.º (Deveres profissionais e regras de conduta)

Qualquer intervenção no domínio da saúde, incluindo a investigação, deve ser


efectuada com respeito pelas normas e deveres profissionais, bem como pelas
regras de conduta aplicáveis ao caso.
134

CAPÍTULO II – Consentimento

Artigo 5.º (Regra geral)

Qualquer intervenção no domínio da saúde apenas pode ser efectuada depois


da pessoa em causa dar o seu consentimento, de forma livre e esclarecida.

A esta pessoa deverá ser dada previamente uma informação adequada quanto
ao objectivo e à natureza da intervenção, bem como quanto às suas
consequências e riscos.

A pessoa em causa poderá, a qualquer momento, revogar livremente o seu


consentimento.

Artigo 6.º (Protecção das pessoas que não tenham capacidade para consentir)

1. Sob reserva dos artigos 17.º e 20.º, uma intervenção apenas pode ser
efectuada numa pessoa que não tenha capacidade para consentir, para seu
beneficio directo.

2. Quando, de acordo com a lei, um menor não tem a capacidade para


consentir numa intervenção, a intervenção apenas pode ser efectuada com a
autorização do seu representante, de uma autoridade ou de uma pessoa ou
entidade designada pela lei.

A opinião do menor deverá ser tomada em consideração como um factor cada


vez mais determinante, em função da sua idade e do seu grau de maturidade.

3. Quando, de acordo com a lei, um adulto não tem a capacidade mental para
consentir numa intervenção devido a uma incapacidade mental, uma doença
ou por razões similares, a intervenção apenas pode ser efectuada com a
135

autorização do seu representante ou de uma autoridade ou de uma pessoa ou


entidade designada pela lei.

A pessoa em causa deverá, na medida do possível, tomar parte no processo


de autorização.

4. Ao representante, à autoridade, à pessoa ou à entidade mencionados nos


parágrafos 2 e 3 deverá ser dada, sob as mesmas condições, a informação
referida no artigo 5.º.

5. A autorização referida nos parágrafos 2 e 3 pode, a qualquer momento, ser


revogada no interesse da pessoa em causa.

Artigo 7.º (Protecção das pessoas que sofrem de doença mental)

A pessoa que sofra de doença mental grave não pode ser submetida, sem o
seu consentimento, a uma intervenção que tenha por objecto o tratamento
dessa doença, a não ser que a ausência desse tratamento corra o risco de ser
gravemente prejudicial à sua saúde, e sob reserva das condições de protecção
previstas pela lei, abrangendo os procedimentos de vigilância, de controlo e de
recurso.

Artigo 8.º (Situações de urgência)

Quando, devido a uma situação de urgência, o consentimento apropriado não


possa ser conseguido, qualquer intervenção medicamente indispensável pode
ser imediatamente efectuada para benefício da saúde da pessoa em causa.

Artigo 9.º ( Desejos previamente expressos)

Os desejos previamente expressos, relativamente a uma intervenção médica,


por um paciente que não esteja, no momento da intervenção, em condições de
exprimir a sua vontade, deverão ser tidos em consideração.
136

CAPÍTULO III - Vida privada e direito à informação

Artigo 10.º (Vida privada e direito à informação)

1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito pela sua vida privada relativamente
a informações sobre a sua saúde.

2. Qualquer pessoa tem direito de conhecer toda a informação recolhida sobre


a sua saúde. Contudo, a vontade da pessoa em não ser informada deverá ser
respeitada.

3. A título excepcional, a lei pode prever, no interesse do paciente, restrições


ao exercício dos direitos estabelecidos no parágrafo 2.

CAPÍTULO IV - Genoma humano

Artigo 11.º (Não-discriminação)

Qualquer forma de discriminação contra uma pessoa em razão do seu


património genético é proibida.

Artigo 12.º (Testes genéticos preditivos)

Os testes que sejam preditivos de doenças genéticas ou que sir-vam quer para
identificar a pessoa corno portadora de um gene responsável por uma doença,
quer para detectar uma predisposição ou uma susceptibilidade genética a uma
doença, podem ser efectuados apenas para fins médicos, e sob reserva de
aconselhamento genético adequado.
137

Artigo 13.º (Intervenções no genoma humano)

Uma intervenção que tenha por objecto modificar o genoma humano apenas
pode ser empreendida por razões preventivas, de diagnóstico ou terapêuticas,
e apenas se o seu objecto não for a introdução de modificações no genoma de
qualquer descendente.

Artigo 14.º (Não selecção do sexo)

A utilização de técnicas de assistência médica à procriação não deverá ser


permitida para fins de escolha do sexo de uma criança a nascer, salvo quando
se pretenda evitar uma doença hereditária grave relacionada com o sexo.

CAPÍTULO V - Investigação científica

Artigo 15.º (Regra geral)

A investigação científica no domínio da biologia e da medicina deverá ser


efectuada livremente, sob reserva das disposições desta Convenção e de
outras disposições legais que assegurem a protecção do ser humano.

Artigo 16.º (Protecção das pessoas submetidas a uma investigação científica)


A investigação sobre uma pessoa apenas pode ser empreendida se todas as
seguintes condições estiverem reunidas:

i) não haja nenhuma alternativa à investigação sobre seres humanos, de


eficácia comparável,

ii) o risco que a pessoa possa correr não seja desproporcional aos potenciais
benefícios da investigação,
138

iii) o projecto de investigação tenha sido aprovado pela entidade competente


depois de ser efectuado um exame independente ao seu mérito científico,
incluindo uma avaliação da importância do objectivo da investigação, bem
como um exame pluridisciplinar da sua aceitabilidade
ética,
iv) a pessoa submetida a uma investigação tenha sido informada dos seus
direitos e das garantias previstas pela lei para sua protecção,

v) o necessário consentimento, como previsto no artigo 5.º, tenha sido dado


expressa e especificamente, e esteja consignado por escrito. Tal
consentimento pode ser revogado livremente em qualquer altura.

Artigo 17.º (Protecção das pessoas que não tenham capacidade para consentir
numa investigação)

1. Uma investigação sobre uma pessoa que não tenha capacidade para
consentir, conforme estipulado no artigo 5.º, pode ser empreendida apenas se
todas as seguintes condições estiverem reunidas:

i. as condições enunciadas no artigo 16.º, alíneas (i) a (iv) estejam


preenchidas;
ii. os resultados da investigação admitam um benefício real é directo para a sua
saúde;
iii. investigação de eficácia comparável não possa ser efectuada sobre pessoas
capazes de darem consentimento;

iv. a necessária autorização, prevista no artigo 6.º, tenha sido dada


especificamente e por escrito; e

v. a pessoa em causa não se oponha.

2. Excepcionalmente e ao abrigo das condições de protecção prescritas na lei,


quando uma investigação nos seus resultados esperados não admita
139

benefícios directos para a saúde da pessoa em causa, essa investigação pode


ser autorizada se as condições enunciadas nas alíneas (i), (iii), (iv) e (v) do
parágrafo 1 supra, e as seguintes condições adicionais estiverem reunidas:

i. a investigação tenha por objecto contribuir, através de um melhoramento


significativo no conhecimento científico da condição da pessoa, da sua doença
ou do seu problema, para o conhecimento definitivo de resultados capazes de
permitir um benefício à pessoa em causa ou a outras pessoas na mesma
categoria etária ou que sofram da mesma doença ou problema ou que estejam
nas mesmas condições.

ii. a investigação implique apenas um risco mínimo e um incómodo mínimo


para a pessoa em causa.

Artigo 18.º (Investigação em embriões in vitro)

1. Quando a investigação em embriões in vitro for admitida pela lei, deverá


assegurar uma protecção adequada do embrião.

2. A criação de embriões humanos para fins de investigação está proibida.

CAPÍTULO VI - Colheita de órgãos e de tecidos de dadores vivos para fins de


transplante

Artigo 19.º (Regra geral)

1. A colheita de órgãos e de tecidos de uma pessoa viva para fins de


transplante só poderá ser efectuada exclusivamente para o benefício
terapêutico do beneficiário e quando não exista nenhum órgão ou tecido
apropriado disponível, de uma pessoa falecida, e não exista nenhum outro
método terapêutico alternativo de eficácia comparável.
140

2. O consentimento a que alude o artigo 5.º, deve ter sido dado expressa e
especificamente quer por escrito, quer perante uma entidade oficial.

Artigo 20.º (Protecção das pessoas incapazes de consentir na recolha do


órgão)

1. Nenhuma colheita de órgão ou tecido poderá ser efectuada numa pessoa


que não tenha a capacidade para consentir, de acordo com o artigo 5.º.

2. Excepcionalmente e ao abrigo das condições de protecção previstas pela lei,


a colheita de tecidos regeneráveis de uma pessoa que tenha a capacidade
para consentir poderá ser autorizada desde que as seguintes condições
estejam reunidas:

i. não haja nenhum dador compatível disponível que tenha capacidade para
consentir,

ii. o beneficiário seja irmão ou irmã do dador,

iii. a doação deve ter o potencial de salvar a vida do beneficiário,

iv. a autorização prevista nos parágrafos 2 e 3 do artigo 6.º, tenha sido dada
especificamente e por escrito, de acordo com a lei e com a aprovação da
entidade competente,

v. o dador potencial não se oponha.

CAPÍTULO VII - Interdição de lucro e utilização de uma parte do corpo humano

Artigo 21.º (Interdição de lucro)


141

O corpo humano e as suas partes não devem ser, enquanto tais, fonte de lucro.
Artigo 22.º (Utilização de uma parte do corpo humano removida)

Quando no decorrer de urna intervenção qualquer parte do corpo humano for


removida, não poderá ser conservada ou utilizada para uma finalidade que não
seja aquela para a qual ela foi removida em conformidade com os
procedimentos de informação e de consentimento apropriados.

CAPÍTULO VIII - Violação das disposições da Convenção

Artigo 23.º (Violação dos direitos ou princípios)

As partes deverão assegurar a protecção jurisdicional apropriada a fim de


prevenir ou fazer cessar, a curto prazo, uma violação ilícita dos direitos e
princípios estabelecidos nesta Convenção.

Artigo 24.º (Reparação de um prejuízo indevido)

A pessoa que tenha sofrido um prejuízo indevido resultante de uma intervenção


tem direito a uma reparação equitativa de acordo com as condições e
procedimentos previstos pela lei.

Artigo 25.º (Sanções)

As partes deverão prever as sanções apropriadas a serem aplicadas no caso


de violação das disposições desta Convenção.

CAPÍTULO IX - Relação entre esta Convenção e outras disposições


142

Artigo 26.º (Restrições ao exercício dos direitos)

1. O exercício dos direitos e as disposições de protecção contidas na presente


Convenção, não podem ser objecto de outras restrições que não aquelas que,
previstas pela lei, constituem as medidas necessárias, numa sociedade
democrática, à segurança pública, à prevenção de infracções penais, à
protecção da saúde pública ou à protecção dos direitos e liberdades dos
outros.

2. As restrições contempladas no parágrafo anterior não podem ser aplicadas


aos artigos 11.º, 13.º, 14.º, 16.º, 17.º, 19.º, 20.º e 21.º.

Artigo 27.º (Protecção mais ampla)

Nenhuma das disposições da presente Convenção deverá ser interpretada


como limitadora ou, de outro modo, afectando a faculdade de uma Parte
conceder medidas mais amplas de protecção relativamente às aplicações da
biologia e da medicina, do que aquelas estipuladas na presente Convenção.

CAPÍTULO X - Debate público

Artigo 28.º (Debate público)

As partes na presente Convenção farão com que as questões fundamentais


suscitadas pelo desenvolvimento da biologia e da medicina sejam objecto de
um debate público apropriado à luz, em particular, das implicações médicas,
sociais, económicas, éticas e jurídicas pertinentes, e que as suas possíveis
aplicações sejam objecto de consulta apropriada.

CAPÍTULO XII - Interpretação e aplicação da Convenção


143

Artigo 29.º (Interpretação da Convenção)

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem poderá dar, sem referência directa
a quaisquer procedimentos pendentes num tribunal, pareceres sobre questões
jurídicas relacionadas com a interpretação da presente Convenção a pedido:

- do Governo de uma Parte, depois de ter informado as outras partes,

- do Comité instituído pelo artigo 32.º, na sua composição restringida aos


Representantes
das Partes na presente Convenção, por uma decisão tomada por maioria de
dois terços dos votos dados.

Artigo 30.º (Informação sobre a aplicação da Convenção)

Ao receber um pedido do Secretário-Geral do Conselho de Europa qualquer


Parte deverá apresentar uma explicação sobre o modo pelo qual a sua lei
interna assegura a aplicação efectiva de todas as disposições desta
Convenção.

CAPÍTULO XII – Protocolos

Artigo 31.º (Protocolos)

Podem ser elaborados Protocolos conforme as disposições do artigo 32.º,


tendo em vista desenvolver, em domínios específicos, os princípios contidos na
presente Convenção.

Os Protocolos são abertos à assinatura dos Signatários da Convenção. Serão


submetidos à ratificação, aceitação ou aprovação. Um Signatário não pode
144

ratificar, aceitar ou aprovar os Protocolos sem ter anteriormente ou


simultaneamente ratificado, aceite ou aprovado a Convenção.

CAPÍTULO XIII - Correcções à Convenção

Artigo 32.º (Correcções à Convenção)

1 . As tarefas confiadas ao «Comité» no presente artigo e no artigo 29.º, são


efectuadas pelo Comité de Direcção para a Bioética (CDBI), ou por todos os
outros comités designados para este fim pelo Comité de Ministros.

2. Sem prejuízo das disposições específicas do artigo 29.º, cada Estado


membro do Conselho de Europa, assim como cada Parte na presente
Convenção que não seja membro do Conselho de Europa, poderá ser
representado e ter um voto no Comité quando este efectuar as tarefas que lhe
foram confiadas pela presente Convenção.

3. Qualquer Estado referido no artigo 33º ou convidado a aderir à Convenção,


de acordo com as disposições do artigo 34.o, que não seja Parte nesta
Convenção, poderá ser representado no Comité por um observador. Se a
Comunidade Europeia não for Parte, poderá ser representada no Comité por
um observador.

4. Afim de tomar em consideração as evoluções científicas, a presente


Convenção deverá ser objecto de um exame no seio do Comité num prazo
máximo de cinco anos desde a sua entrada em vigor, e daí para a frente nos
intervalos que o Comité possa determinar.

5. Qualquer proposta de correcção da presente Convenção, e qualquer


proposta para um protocolo ou para uma correcção a um protocolo,
apresentada por uma Parte, pelo Comité ou pelo Comité de Ministros, deverá
ser comunicada ao Secretário-Geral do Conselho de Europa e transmitida ao
145

seu cuidado aos Estados membros do Conselho de Europa, à Comunidade


Europeia, a todos os Signatários, a todas as Partes, a todos os estados
convidados para assinar a presente Convenção de acordo com as disposições
do artigo 33.º, e a todos os Estados convidados a aderir, conforme o disposto
no artigo 34.º.

6. O Comité deverá examinar a proposta nunca antes de dois meses depois de


ter sido transmitida pelo Secretário-Geral, de acordo com o parágrafo 5. O
Comité deverá submeter o texto adoptado por uma maioria de dois terços dos
votos dados, à aprovação do Comité de Ministros. Depois da sua aprovação,
este texto será comunicado às Partes para o ratificarem, aceitarem ou aprovarem.

7. Qualquer correcção deverá entrar em vigor, relativa-mente às Partes que a


tiverem aceitado, no primeiro dia do mês a seguir à expiração do período de
um mês depois da data na qual cinco Partes, incluindo pelo menos quatro Estados
membros do Conselho de Europa, tenham informado o Secretário-Geral que elas a

aceitaram.

Para qualquer Parte que a tenha aceite posteriormente, a correcção deverá


entrar em vigor no primeiro dia do mês a seguir à expiração do período de um
mês depois da data na foi qual essa Parte tenha informado o Secretário-Geral
da sua aceitação.

CAPÍTULO XIV - Cláusulas finais

Artigo 33.º (Assinatura, ratificação e entrada em vigor)

1 . A presente Convenção deverá ser aberta à assinatura dos Estados


membros do Conselho de Europa, dos Estados não-membros que tenham
participado na sua elaboração e da Comunidade Europeia.
146

2. A presente Convenção será submetida a ratificação, aceitação ou


aprovação. Os instrumentos de ratificação, aceitação ou aprovação deverão
ser depositados no Secretário-Geral do Conselho de Europa.

3. A presente Convenção deverá entrar em vigor no primeiro dia do mês a


seguir à expiração de um período de três meses depois da data na qual cinco
Estados, incluindo pelo menos quatro Estados membros do Conselho de
Europa, tenham expressado o seu consentimento em se vincularem à
Convenção, de acordo com as disposições do parágrafo anterior.

4.Relativamente a qualquer Signatário que expresse ulteriormente e seu


consentimento em se vincular à Convenção, esta deverá entrar em vigor no
primeiro dia do mês a seguir à expiração do período de três meses depois da
data do depósito dos seus instrumentos de ratificação, aceitação ou
homologação. lho de Gerência passo a

Artigo 34.º (Estados não-membros)

1. Depois da entrada em vigor da presente Convenção, o Comité de Ministros


do Conselho de Europa poderá, depois de consultar as Partes, convidar
qualquer Estado não-membro do Conselho de Europa a aderir à presente
Convenção por uma decisão tomada pela maioria prevista no artigo 20.º,
subparágrafo d do Estatuto do Conselho de Europa, e por voto unânime dos
representantes dos Estados contratantes com direito a tomar parte no Comité
de Ministros.

2. Para todos os Estados aderentes, a Convenção deverá entrar em vigor no


primeiro dia do mês a seguir à expiração de um período de três meses depois
da data do depósito do instrumento de adesão no Secretário-Geral do
Conselho de Europa.

Artigo 35.º (Aplicação territorial)


147

1. Qualquer Signatário poderá, no momento da assinatura ou quando depositar


o seu instrumento de ratificação, aceitação a aprovação, especificar o território
ou territórios aos quais se deverá aplicar a presente Convenção. Qualquer
outro Estado poderá formular a mesma declaração quando depositar o seu
instrumento de adesão.

2. Qualquer Parte poderá, a qualquer momento, por declaração dirigida ao


Secretário-Geral do Conselho de Europa, estender a aplicação da presente
Convenção a qualquer outro território especificado na declaração e àquelas
relações internacionais de que é responsável ou em representação de quem
está autorizado a comprometer-se. Relativamente a esse território a
Convenção deverá entrar em vigor no primeiro dia do mês a seguir à expiração
de um período de três meses depois da data da recepção de tal declaração
pelo Secretário-Geral.

3. Qualquer declaração feita ao abrigo dos dois parágrafos anteriores poderá,


no que diz respeito a qualquer território especificado nessa declaração, ser
revogada por notificação dirigida ao Secretário-Geral. A revogação tornar-se-á
efectiva no primeiro dia do mês a seguir à expiração de um período de três
meses depois da data da recepção dessa notificação pelo Secretário-Geral.

Artigo 36.º (Reservas)

1. Qualquer Estado e a Comunidade Europeia poderá, no momento da


assinatura da presente Convenção ou depois de depositar o instrumento de
ratificação, fazer uma reserva relati-vamente a qualquer disposição particular
da Convenção, na medida em que qualquer lei em vigor no seu território não
esteja em conformidade com essa disposição. As reservas de carácter geral
não deverão ser permitidas ao abrigo deste artigo.

2. Qualquer reserva feita ao abrigo deste artigo deverá conter uma breve
exposição da lei pertinente.
148

3. Qualquer Parte que estenda a aplicação da presente Convenção a um


território designado na declaração prevista no artigo 35.º, parágrafo 2, poderá,
relativamente ao território em causa, fazer uma reserva de acordo com as
disposições dos parágrafos anteriores.

4. Qualquer Parte que tenha feito a reserva mencionada neste artigo poderá
revogá-la através de uma declaração dirigida ao Secretário-Geral do Conselho
de Europa. A revoga-ção tornar-se-á efectiva no primeiro dia do mês a seguir à
expiração de um período de um mês depois da data da sua recepção pelo
Secretário-Geral.

Artigo 37.º (Denúncia)

1. Qualquer Parte poderá, a qualquer momento, denunciar a presente


Convenção através de uma notificação dirigida ao Secretário-Geral do
Conselho de Europa.

2. A denúncia tomar-se-á efectiva no primeiro dia do mês a seguir à expiração


de um período de três meses depois da data da recepção da notificação pelo
Secretário-Geral.

Artigo 38.º (Notificações)

O Secretário-Geral do Conselho de Europa deverá notificar aos Estados


membros do Conselho, à Comunidade Europeia, a qualquer Signatário, a
qualquer Parte e a qualquer outro Estado que tenha sido convidado a aderir à
presente Convenção:

a. todas as assinaturas;

b. o depósito de qualquer instrumento de ratificação, aceitação, homologação


ou adesão;
149

c. todas as datas de entrada em vigor da presente Convenção de acordo com


os artigos 33.º e 34.º;

d. todas as correcções ou protocolos adoptados de acordo com o artigo 32.º, e


a data na qual essa correcção ou protocolo entra em vigor;

e. todas as declarações feitas ao abrigo das disposições do artigo 35.º;

f. todas as reservas e revogações de reservas feitas conforme as disposições


do artigo 36.º;

g. qualquer outro acto, notificação ou comunicação relacionada com a presente


Convenção.

Em testemunho do que ficou estabelecido, os abaixo-assinado, devidamente


autorizados para o efeito, assinaram a presente Convenção.

Feita em …………, no dia …………. (*) em Inglês e em Francês, ambos os


textos são igualmente autênticos, num único exemplar que deverá ser
depositado nos arquivos do Conselho de Europa. O Secretário-Geral do
Conselho de Europa deverá transmitir cópias certificadas a cada Estado
membro do Conselho de Europa, à Comunidade Europeia, aos Estados não-
membros que tenham participado na elaboração da presente Convenção, e a
qualquer Estado convidado a aderir à presente Convenção.

A data de abertura à assinatura desta Convenção será fixada posteriormente


pelo Comité de Ministros.[Sendo este texto a tradução da versão oficial tal
como foi aprovada pelo Comité de Ministros em 19 de Novembro de 1996
ainda nela não figurava a data da assinatura de 4 de Abril de 1997, que veio a
ser posteriormente estabelecida pelo Comité de Ministros. (P. M. S.)]
Fonte: Convenção dos Direitos do Homem e da Biomedicina . Anotada por
150

Paula Martinho da Silva – Edições Cosmos – nº 20 da Colecção Direito –


Lisboa, 1ª edição – Junho 1997

ANEXO VII
Declaração Universal dos Direitos do Homem
Adaptada e proclamada pela Assembleia Geral
na sua Resolução 217 A (III) de 10 de Dezembro de 1948
Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os
membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;
Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem
conduziram a actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e
que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e
de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta
aspiração do homem;
Considerando que é essencial a protecção dos direitos do homem através de
um regime de direito, para que o homem não seja compelido, em supremo
recurso, à revolta contra a tirania e a opressão;
Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações
amistosas entre as nações;
Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de
novo, a sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da
pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se
declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores
condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla;
151

Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em


cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e
efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais;
Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da
mais alta importância para dar plena satisfação a tal compromisso:
A Assembleia Geral
Proclama a presente Declaração Universal dos Direitos do Homem como ideal
comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os
indivíduos e todos os orgãos da sociedade, tendo-a constantemente no
espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito
desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de
ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação
universais e efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados
membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.
Artigo 1.°
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.
Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em
espírito de fraternidade.

Artigo 2.°
Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades
proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente
de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de
origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra
situação.
Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político,
jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja
esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma
limitação de soberania.
Artigo 3.°

Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

Artigo 4.°
152

Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato


dos escravos, sob todas as formas, são proibidos.

Artigo 5.°

Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis,


desumanos ou degradantes.

Artigo 6.°
Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento, em todos os lugares, da
sua personalidade jurídica.
Artigo 7.°
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção
da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que
viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 8.°
Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais
competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos
pela Constituição ou pela lei.
Artigo 9.°
Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo 10.°
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja
equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que
decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em
matéria penal que contra ela seja deduzida.
Artigo 11.°
1 - Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que
a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo
público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam
asseguradas.
2 - Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua
prática, não constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional.
153

Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável
no momento em que o acto delituoso foi cometido.
Artigo 12.°
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no
seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e
reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a
protecção da lei.
Artigo 13.°
1 - Toda a pessoa tem o direito de circular livremente e escolher a sua
residência no interior de um Estado.
2 - Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra,
incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.
Artigo 14.°
1 - Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de
beneficiar de asilo em outros países.
2 - Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente
existente por crime de direito comum ou por actividades contrárias aos fins e
aos princípios das Nações Unidas.
Artigo 15.°
1 - Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.
2 - Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do
direito de mudar de nacionalidade.
Artigo 16.°
1 - A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de
constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião.
Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.
2 - O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento
dos futuros esposos.
3 - A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à
protecção desta e do Estado.
Artigo 17.°
1 - Toda a pessoa, individual ou colectivamente, tem direito à propriedade.
2 - Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade.
Artigo 18.°
154

Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de


religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção,
assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em
comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto
e pelos ritos.
Artigo 19.°
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que
implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar,
receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por
qualquer meio de expressão.
Artigo 20.°
1 - Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas.
2 - Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo 21.°
1 - Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios
públicos do seu país, quer directamente, quer por intermédio de representantes
livremente escolhidos.
2 - Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às
funções públicas do seu país.
3 - A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos; e
deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por
sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente
que salvaguarde a liberdade de voto.
Artigo 22.°
Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e
pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e
culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação
internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.
Artigo 23.°
1 - Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a
condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o
desemprego.
2 - Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho
igual.
155

3 - Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que


lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana,
e completada, se possível, por todos os outros meios de protecção social.
4 - Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de
se filiar em sindicatos para a defesa dos seus interesses.
Artigo 24.°
Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma
limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas.
Artigo 25.°
1 - Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e
à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao
vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços
sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na
invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de
subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
2 - A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais.
Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimónio, gozam da mesma
protecção social.
Artigo 26.°
1 - Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo
menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino
elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado;
o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena
igualdade, em função do seu mérito.
2 - A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao
reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer
a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os
grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das
Nações Unidas para a manutenção da paz.
3 - Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação
a dar aos filhos.

Artigo 27.°
156

1 - Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da


comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos
benefícios que deste resultam.
2 - Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a
qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria
Artigo 28.°
Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional,
uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades
enunciados na presente Declaração.

Artigo 29.°
1 - O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é
possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.
2 - No exercício destes direitos e no gozo destas liberdades, ninguém está
sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a
promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e
a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-
estar numa sociedade democrática.
3 - Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos
contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas.
Artigo 30.°
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira
a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se
entregar a alguma actividade ou de praticar algum acto destinado a destruir os
direitos e liberdades aqui enunciados

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