Seminários Clínicos
Professora Dr. Gabriela Almeida
Na anamnese é referido pela mãe, que era um bebé complicado no que concerne a alimentação e
o sono, teve dificuldades na integração ao infantário, permanecendo em casa com a mãe até aos
4 anos. O Daniel apresenta um comportamento desafiante e opositor, incapacidade de tolerar a
frustração (birras frequentes e recusa em falar, exceto com a mãe), marcada ansiedade de
separação, dificuldades na adaptação e interação em situações sociais, particularmente com
adultos. A mãe apresenta um quadro depressivo e super-protetor, por outro o lado o pai
demonstra distancia e pouco investimento.
Para realizarmos a avaliação psicomotora devemos ter em conta três dimensões: motora e
práxica; preceptivo-cognitiva e psicoafectiva-social, tendo o seu foco nas competências neuro-
motoras, sensoriomotoras, na representação do corpo, na organização espácio-temporal, levando
em consideração as características psicoafectivas do sujeito, através da atitude da relação e da
expressão daquilo que é vivenciado no plano corporal, emocional e relacional (Fonseca, 2010;
Piteri, 2004). Relembrando a influência da corrente psicodinâmica (Martins, 2001), uma vez
que, nesta abordagem o mediador é o corpo psíquico articulado com o corpo somático (Liotard,
2000). Ou seja, o psicomotricista interessa-se pela avaliação do estado de maturação das
habilidades psicomotoras, da integração das diversas funções sensoriais e motoras, e da
expressão motora. A abordagem psicodinâmica da avaliação psicomotora pelo psicomotricista,
ligada à compreensão da organização cerebral em curso, permite compreender a (possível)
origem e a natureza das dificuldades observadas/avaliadas (Vaivre-Douret, 2006).
Uma proposta de avaliação para este caso seria, iniciar com uma entrevista às figuras parentais,
de forma a compreender as principais preocupações e observar a interação entre os pais e a
criança, seguida de uma anamnese para recolher todos os dados adicionais necessários,
posteriormente fazer uso de uma grelha de observação para preencher com os dados da
avaliação psicomotora informal recorrendo a uma descrição qualitativa da observação das
competências psicomotoras e do jogo, na criança. Na avaliação psicomotora a observação é um
ponto importante, uma vez que esta se centra numa interação e reciprocidade entre o observador
e o observando (a criança) (Fonseca, 2007). A observação psicomotora procura definir a
personalidade psicomotora da criança, relacionando o produto motor observado com os aspetos
objetivos e subjetivos inerentes (Costa 2008), pretendendo verificar: (1)a adaptação da criança
às situações, (2)se o nível de execução apresenta dificuldades, (3)se a velocidade de execução
altera a adaptação emotiva posta em jogo, (4)se a fadiga altera a execução, (5)o ajustamento às
situações propostas (e.g. ritmo, memorização), (6)se a inibição impede o desenrolar da ação,
(7)se há alteração profunda da atividade espontânea, (8)se existe hesitação na lateralização e (9)
se existem estereotipias e tiques, entre outros. Com base nestes dados é possível traçar um perfil
de dificuldades, reorganizar e adaptar a intervenção psicomotora à criança (Fonseca, 1995).
Uma vez que o Daniel se recusa a colaborar na avaliação formal, podem ser utilizadas
avaliações complementares, de forma a esclarecer questões psicoafetivas e sociais, que podem
ser compreendidas através de questionários aos pais e professores, tais como o Questionário de
Capacidades e Dificuldades (SDQ-Por) (Fleitlich, B., Loureiro, M., Fonseca, A., & Gaspar, M.
F. 2005), ou através do Behaviour Assessment Scale for Children, Reynolds e Kamphaus,
BASC (1992). Após a avaliação, os técnicos envolvidos no processo de avaliação da criança
reúnem-se para analisar os resultados e elaborarem o relatório. A entrega do relatório, a
discussão do diagnóstico, a explicação das provas realizadas e dos resultados, bem como as
estratégias e recursos que serão fundamentais para dar resposta às necessidades da criança, é
feita numa reunião agendada com os pais. Neste caso os pais do Daniel, beneficiariam se eles
próprios fossem acompanhados em consultas de terapia familiar ou psicologia, devido à
condição depressiva e super-protetora demonstrada pela mãe. Em relação ao espaço da
avaliação, esta decorre no gabinete da técnica responsável pela mesma, estando os pais
presentes na maioria dos casos, para proporcionar uma maior segurança à criança. No entanto,
existem casos em que os pais referem que a criança colabora menos ou se sente mais agitada
com a sua presença, sendo assim benéfico que a criança seja avaliada sozinha.
Referências
Albaret, J. (2009). Place de l´examen psychomoteur dans l ´évaluation neuropsychologique de
l’enfant. Evolutions Psychomotrices – Dossier Evaluation, 21 (83), 32-40
Costa, J. (2008). Um olhar para a criança: psicomotricidade relacional. Lisboa: Trilhos Editora.
Fleitlich, B., Loureiro, M., Fonseca, A., & Gaspar, M. F. (2005). Questionário de Capacidades e
de Dificuldades (SDQ-Por) [Strengths and DifficultiesQuestionnaire—Portuguese version].
https://portefolio-mpap.webnode.pt/escala-sdq/
Fonseca, V. (2006). Terapia psicomotora: estudo de casos (5ª Ed.). Lisboa: Âncora Editora.
Henderson, S., Sugden, D., & Barnett, A. (2007). Movement Assessment Battery for Children -
2. London: Pearson.