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A CULTURA DA CONVERGÊNCIA DE HENRY JENKINS E OS MEIOS

AUTOCOMPOSITIVOS DE GESTÃO DE CONFLITOS

BIANCA SABRINA DE SOUZA


Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)
REBECA EVELYN PEREIRA DE ARAUJO
Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)

Até meados dos anos 2000, antes da utilização massiva de redes sociais no
Brasil, apenas um determinado grupo de supercelebridades, jornalistas e críticos era
formador de opinião e tinha a competência de ditar tendências de moda, comportamento
e estilo, hoje, no entanto, qualquer um com um celular na mão e conexão à rede mundial
de computadores é um potencial produtor de informação e gerador de opinião
(CAMARGO, ESTEVANIM, SILVEIRA, 2017, p. 104)

Num contexto de pós-modernidade e interação aberta no mundo digital,


assistimos ao desenvolvimento de uma dinâmica nova de comunicação, não mais um
monopólio emissor para uma grande massa, mas a produção simultânea e conectada por
uma variedade imensa de usuários, por meio de diversos canais e comunidades.

Henry Jenkins, um dos mais importantes pesquisadores de mídia da atualidade,


ao observar as mudanças comportamentais e de consumo em relação às mídias
tradicionais, eminentemente passivas, e o surgimento de mídias participativas e
integrativas, desenvolveu um conceito de convergência que se refere ao fluxo de
conteúdo através dessas múltiplas plataformas, a cooperação de múltiplos mercados e o
“comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação que vão a quase
qualquer parte” (JENKINS, 2009, p. 30).

Dessa maneira, a transformação estaria ocorrendo com base em três pilares: a


convergência de meios de comunicação, a cultura participativa e a inteligência coletiva
(JENKINS, 2009, p. 30). Isso significa em linhas gerais que, primeiro, os meios de
comunicação conversam entre si, somos levados de uma rede à outra através de links,
QR codes e recomendações; segundo, que estamos cada vez mais integrados às mídias,
os consumidores e usuários exigem ter um papel ativo, em sentido contrário ao papel
passivo de um passado próximo, e vão além, pois não basta ter voz, querem ser ouvidos
de fato e ter suas opiniões levadas em conta; e terceiro, baseado nos estudos de Pierre
Lévy (2003, p. 28), que o consumo (de produtos, serviços e informações) é sobretudo
um processo coletivo, pois cada indivíduo tem suas limitações de conhecimento e
percepções, mas no trabalho coletivo é possibilitada a soma de conhecimentos,
habilidades, opiniões, saberes e perspectivas, já que esse conceito traz o máximo de
características horizontais e democráticas.

Entretanto, para Jenkins, a cultura da convergência não diz respeito apenas a um


processo tecnológico, mas também antropológico, ele encara como uma transformação
cultural que se desenvolve “dos cérebros dos consumidores individuais e suas interações
sociais com os outros” (JENKINS, 2009, p. 31) e do incentivo ao uso ativo, da busca
direta e dinâmica de informações e a consequente formulação de conexões. Nas suas
palavras “define mudanças tecnológicas, industriais, culturais e sociais” (JENKINS,
2009, p. 385).

A evolução das mídias é eminentemente participativa, as marcas se preocupam


hoje não apenas com a entrega e o resultado, mas, sobretudo, com a experiência do
usuário. Quanto mais sente que pertence e faz parte de cada fase de criação e produção,
maior é a tendência de compra. Até o sistema jurídico tem aprendido bastante com as
mídias, os órgãos oficiais já têm páginas próprias nas redes sociais e se comunicam
através delas de maneira específica para cada atingir o público de cada uma de maneira
adequada.

Ademais, um caminho de evolução participativa não se trata de utopia, pelo


contrário, fez parte do passado da existência humana. Carlos Eduardo
(VASCONCELOS, 2018, p.25) traz que as lideranças costumavam ser comunitárias, os
conflitos mediados pela comunidade e as sanções não vinham como imposição de uma
autoridade social, mas fruto de uma ordem sagrada comum, na qual prevalecia um
direito pré-convencional e se valiam de relações humanas fortemente horizontalizadas.
No mesmo sentido são as evidências arqueológicas trazidas por Riane Eisler (2007, p.
10-14) que nos revelam um rumo original de evolução cultural que apontava para a
parceria, para sociedades cooperativas, prósperas e pacíficas por um longo períodos,
sem esquemas hierárquicos e sem violência.

De maneira semelhante, essas são as bases dos meios autocompostivos de gestão


de conflitos: participação, cooperação, conexão e horizontalidade. A professora e
mediadora Karina Vasconcelos (2016) fala que os meios de produção de consenso
facilitam o diálogo, dando espaço para troca entre as partes, proporcionando espaço para
que elas mesmas se escutem, tornando-as preparadas para seguir no caminho de um
processo que almeja atingir convergência e, consequentemente, o deslinde do
famigerado conflito. Sob o mesmo ponto de vista, uma cultura fundada na paz e nos
direitos humanos abre portas para a persuasão, a negociação, a mediação, a igualdade e
a autonomia, enquanto em uma cultura de dominação prevalecem a desigualdade, a
verticalidade, o decisionismo, a coatividade e a discriminação (VASCONCELOS, 2018,
p.32).

Nessa toada, este ensaio tem o condão de avaliar similaridades entre a


convergência digital e os processos consensuais, buscando debater se aqueles podem ser
apontados como contribuição para uma mudança de cultura no que diz respeito aos
meios selecionados para a gestão de conflitos.

A necessidade de ter voz, de ter espaço para exprimir de forma autêntica as suas
opiniões e sentimentos diante dos fatos da vida é comum ao ser humano, como
preconiza Abraham Maslow (1962), mas mostra-se cada vez mais forte principalmente
no meio digital. Por certo, assistimos ao desenvolvimento de uma sociedade
empoderada para o ato de falar e de se manifestar. Diante da complexidade da pós-
modernidade precisamos de cada vez mais seres únicos e específicos em si, falando e
deixando claro nossa multiplicidade apesar da unicidade, adicionando experiências e
circunstâncias existenciais personalíssimas para a construção dessa inteligência coletiva
para além das redes e permitindo a conexão com o outro através de variados pontos de
intersecção.

Portanto, esta pesquisa será pautada no viés metodológico de revisão


bibliográfica, buscando na comunicação, na sociologia, na filosofia e no direito
compreender se pode ser importante a contribuição da conexão de redes para o
desabrochar de um novo momento na gestão consensual de conflitos e na “cultura da
sentença”.

De modo preliminar, observa-se que de maneira orgânica, a ebulição da vida


digital nos compete e desenvolve habilidades importantes para posicionamento, reflexão
e participação, bem como, para contribuição com foco no coletivo. Afirma Morineau
(apud VASCONCELOS, 2016), “o conflito está no coração da experiência humana”,
logo, quanto mais expostos à socialização, que praticamente não tem limites nas redes,
mais conflitos temos a chance de ter, logo, se é dentro de um contexto social que se
misturam as unicidades e pluralidades e, por consequência, manifestam-se os conflitos,
essa mesma sociedade pode ser organizar para resolver os conflitos gerados por ela
mesma. Assim, resta-nos investigar se a cultura da convergência tem seu lugar no
mundo offline e eminentemente humano.

Palvras-chave: cultura da convergência, mídia, consenso, participação, conexão.

Referências Bibliográficas

CAMARGO, Isabela; ESTAVENIM, Mayanna; SILVEIRA, Stefanie C. Cultura


participativa e convergente: o cenário que favorece o nascimento dos
influenciadores digitais. Revista Communicare, São Paulo, vol. 17, ed. 2, 2º sem.2017.
Disponível em: https://casperlibero.edu.br/wp-content/uploads/2017/09/Artigo-5-
Communicare-17-Edi%C3%A7%C3%A3o-Especial.pdf. Acesso em: 28 nov. 2021.

EISLER, Riane. O cálice e a espada: nosso passado, nosso futuro. Tradução de:
Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2007.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. 2.ed. – São Paulo: Aleph, 2009.

LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. 4ª ed.


São Paulo: Loyola, 2003.

MASLOW, Abraham. Introdução à psicologia do ser. Rio de Janeiro: Eldorado, 1962.

VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de Conflitos e Práticas


Restaurativas. 6ª ed. São Paulo: Forense, 2018.

VASCONCELOS, Karina Nogueira. Mediação Humanista: A Mediação como


Caminho e o Caminho da Mediação. Revista Internacional Consinter de Direito. ANO
II – NÚMERO II. 1ª SEM. 2016.

É importante constatar que Jenkins não analisa a noção de convergência por um


ponto de vista tecnológico, mas sob uma perspectiva antropológica. Convergência é uma
transformação cultural e "ocorre dos cérebros de consumidores individuais e suas
interações sociais com os outros".

 “palavra que define mudanças tecnológicas, industriais, culturais e


sociais no modo como as mídias circulam em nossa cultura”.

Autores como Jenkins (2009) sinalizam que vivemos a cultura da convergência. Para o
autor, convergência não é somente um processo tecnológico que une múltiplas funções
dentro de um mesmo aparelho. Representa uma transformação cultural, à medida que
consumidores são incentivados a procurar informações e fazer conexões em meio a
conteúdos de mídia dispersos. Convergência implica, portanto, transformações
tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais.
Observamos, portanto, que existe uma profunda mudança na forma de construção,
difusão e armazenamento de informações, o que corresponderia, nas palavras de Di Felice
(2008, p.18), a uma “passagem de uma lógica e uma prática de participação de massa
receptiva para uma lógica e uma prática de participação individual e ativa”.

O conceito cunhado por Pierre Lévy é utilizado dentro da cultura da


convergência por meio da percepção de que, sozinho, ninguém sabe todas as
coisas. No entanto, quando um grupo se reúne para discutir sobre
determinado assunto, acontece a junção de conhecimentos e,
consequentemente, o aumento da capacidade intelectual. Isso se torna
bastante perceptível em fóruns de discussão.

Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas,

mercadológicas, culturais e sociais, dependendo de quem está falando e do que

imaginam estar falando. (Neste livro misturo e equiparo termos de diversos

planos de referência. Acrescentei um glossário ao final do livro para ajudar a

guiar os leitores.)

A circulação de conteúdos – por meio de diferentes sistemas de mídia,

sistemas administrativos de mídias concorrentes e fronteiras nacionais – depende

fortemente da participação ativa dos consumidores. Meu argumento aqui será

contra a ideia de que a convergência deve ser compreendida principalmente


como um processo tecnológico que une múltiplas funções dentro dos mesmos

aparelhos. Em vez disso, a convergência representa uma transformação cultural,

à medida que consumidores são incentivados a procurar novas informações e

fazer conexões

A convergência não ocorre por meio de aparelhos, por mais sofisticados que

venham a ser. A convergência ocorre dentro dos cérebros de consumidores

individuais e em suas interações sociais com outros.

Nenhum de nós pode saber tudo; cada um de nós sabe alguma

coisa; e podemos juntar as peças, se associarmos nossos recursos e unirmos

nossas habilidades.

Neste momento, estamos

usando esse poder coletivo principalmente para fins recreativos, mas em breve

estaremos aplicando essas habilidades a propósitos mais “sérios”. Neste livro,

exploro como a produção coletiva de significados, na cultura popular, está

começando a mudar o funcionamento das religiões, da educação, do direito, da

política, da publicidade e mesmo do setor militar.

Neste conceito apoia-se em Pierre Lévy (Inteligência Coletiva - IC) para discorrer que
o consumo se tornou um processo coletivo, isto é, como indivíduo pouco sabe, porém,
o trabalho coletivo, tende à soma das contribuições dos conhecimentos e habilidades
individuais podem trazer resultados à cultura da convergência. Neste aspecto,
descreve Pierre Lévy (1998) que a IC é, basicamente, a partilha de funções cognitivas,
como a memória, a percepção e o aprendizado, que podem ser mais bem
compartilhadas, quando aumentadas e transformadas por sistemas técnicos e
externos ao organismo humano.

Em “A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberespaço”, para Pierre Lévy


(2004), a inteligência coletiva tem estimulado os modos como se acessa, distribui e
desenvolve o processo de construção do conhecimento, envolvendo aspecto social,
político e econômico. É uma inteligência distribuída por toda parte, na qual todo o
saber está na humanidade, já que ninguém sabe tudo, porém todos sabem alguma
coisa. 

O conceito de inteligência coletiva pretende ser o máximo horizontal e democrático

Communicare – Volume 17, Edição 2 – 2º semestre de 2017 · Communicare – Volume


17 – Edição especial de 70 anos da Faculdade Cásper Líbero.
MASLOW, A. Introdução à psicologia do ser. Rio de Janeiro: Eldorado, 1962.

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