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O FRUTO
DO ESPÍRITO
Pensamentos inspiradores que
transformarão sua vida

A Chave da Personalidade Cristã

C h a r le s R . H e m b rc e
r

O FRUTO DO ESPÍRITO contém capítulos


que são verdadeiras jóias da literatura evan­
gélica. Neles o leitor encontrará a chave da
personalidade cristã.
O autor, Charles R. Hembree, tem exercido os
cargos de pastor, capelão, assistente social, e
ministro de evangelização. Atualmente faz
parte do pessoal de uma conhecida empresa
especializada na área das comunicações. Den­
tre outros livros do mesmo autor figuram De­
voções de Cinco Minutos e Ilustrações Efica­
zes da Vida Diária.

ISBN 0-8297-0852-9
FRUTO
DO
ESPÍRITO
CHARLES R. HEMBREE

Tradução de Adelina M. de Cerqueira Leite

©
Editora Vida
ISBN 0-8297-0852-9

Categoria: Espírito Santo

Traduzido do original em inglês:


Fruits of the Spirit

Copyright ® 1969 by Baker Book House Company


Copyright ® 1978 by Editora Vida

1; impressão 1978
2; impressão 1986

Todos os direitos reservados na língua portuguesa por


Editora Vida, Miami, Florida 33167 — E.U.A.

Impresso no Brasil
ÍNDICE

1. Iludidos por um milagre............................... 11

2. Uma árvore de adornos (Amor)................ 19

3. A sede da verdade (Alegria)....................... 37

4. Pior que a guerra (Paz)................................ 53

5. Os anos do gafanhoto (Longanimidade). 69

6. O toque suave (Benignidade)..................... 85

7. O tamborileiro diferente (Bondade).......... 103

8. Enquanto a igreja dorme (Fidelidade)..... 121

9. A forma do conteúdo (Mansidão)............ 139

10. Prisioneiro voluntário (Domínio Próprio). 155

11. Fortuna numa garrafa.................................. 171


A Papai, um pai e amigo.
PREFÁCIO

Conta uma fábula antiga de três mercadores que


atravessavam o Deserto da Arábia. Viajando de noite
para evitar o calor intenso, numa noite sem estrelas,
passavam por um leito seco de rio quando uma voz
nas trevas lhes ordenou que parassem. Exigiu que se
abaixassem, apanhassem seixos do leito seco do rio e
os metessem nos bolsos.
Tendo obedecido â estranha ordem, foi-lhes dito
para abandonarem o local e não se acamparem na­
quela vizinhança. Depois a voz misteriosa disse-lhes
que pela manhã eles ficariam tanto alegres como
tristes. Temerosos e confusos, obedecendo ao miste­
rioso intruso, eles viajaram noite a dentro.
Quando amanheceu, os homens examinaram an­
siosos seus bolsos, e, em lugar dos seixos, como era
de esperar, encontraram jóias preciosas. Ficaram
realmente muito alegres e tristes. Alegres por terem
apanhado jóias, porém tristes porque, já que haviam
8 Fruto d o Espírito
tido aquela oportunidade, não as apanharam em
muito maior quantidade.
Essa lenda expressa lindamente o que muitos sen­
tem sobre as riquezas inexauriveis da Palavra de
Deus. Ficamos emocionados por termos absorvido o
que possuímos, porém tristes por não termos absor­
vido muito mais. Especificamente encontro esse es­
tado em dois versículos dinâmicos em Gálatas:
“Mas o fruto do Espírito é: amor, alegria, paz,
longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade,
mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas não
há lei” (5:22,23).
Durante muitos anos li essas palavras, ponderei e
até preguei sobre elas. Então, certo dia, na alvorada
da iluminação espiritual de Deus, examinei-as cuida­
dosamente, em prece, e verifiquei não serem pala­
vras comuns, mas retratos fantásticos da verdade.
Em lugar de meros seixos recheando o intelecto
espiritual, elas eram jóias sem preço. Meu coração
encheu-se de alegria intensa com essa iluminação,
mas entristeceu-se por eu não ter antes apreciado
mais profundamente seu valor.
Muito se tem dito sobre o que constitui um cristão.
Alguns podem enumerar-nos muitos ingredientes
que se agregam para a formaçao de um uma perso­
nalidade cristã. A maioria pode afirmar-nos o que é
não ser cristão. Contudo, nunca li claramente uma
definição tão exata sobre a personalidade global
cristã como nesses versículos aos Gálatas. É como se
todos os princípios do Novo Testamento estivessem
ali contidos. Cristo, convincentemente, condensou a
Prefácio 9
responsabilidade cristã em dois m andamentos:
Amarás a Deus de todo o teu coração e ao próximo
com o a ti mesmo. Semelhantem ente, Paulo de
modo sucinto estabelece a personalidade cristã nes­
ses dois versículos aos Gálatas.
Minha oração é que essas palavras, que há tanto
tempo ouvimos e sobre as quais temos ponderado,
subitamente se tomem vivas pela iluminação do Es­
pírito Santo de Deus em nossos espíritos. As jóias só
são avaliadas como tais quando a luz dança sobre
elas; igualmente, essas verdades inestimáveis só
podem ser apreendidas quando o Espírito Santo de
Deus nos conduz às suas profundezas. O propósito
deste livro é encorajar os crentes a retirarem dos seus
bolsos espirituais essas jóias sem preço e olharem de
novo para elas à luz do Santo Espírito Divinal.

Charles R. Hembree
CAPÍTULO I
ILUDIDOS PO R
UM MILAGRE

Um pouco do inferno recaiu sobre o mundo por


causa de duas pessoas acreditarem num falso pro­
feta. No seu brilhante livro, Nicolau e Alexandra,
Robert K. Massie conta como o Czar e a Imperatriz
da Rússia foram iludidos por um milagre e assim
deixaram seu grande império reduzido a pó.
Depois de muitos anos de ansiosa espera por um
herdeiro ao trono russo, o Czar Nicolau II e sua
esposa alemã, Federovna, foram abençoados com a
vinda de um filho. Contudo, suas esperanças para o
futuro foram cruelmente destroçadas seis semanas
depois, quando os médicos descobriram que a
criança sofria de hemofilia, uma moléstia incurável
do sangue que podia matar a qualquer momento.
Toda a sua curta vida teria de decorrer à sombra do
terror, com a morte acompanhando sorrateira cada
passo. Essa tragédia introduziu na família real um dos
homens mais malvados que já houve.
12 Fruto d o Espírito
Por vezes seguidas o pequeno czaréviche esteve à
beira da morte. Vendo-o a retorcer-se em dores cru-
ciantes, os pais, desesperados, pediam aos médicos
que fizessem alguma coisa, mas eles de nada valiam.
Nessas ocasiões eles voltavam-se para Gregory Ras-
putin, um místico religioso de credenciais duvidosas,
mais tarde conhecido como o monge louco da Rús­
sia. Invariavelmente, ele orava pelo menino e sobre­
vinha uma melhora notável. Até hoje os médicos não
sabem explicar como essas curas ocorriam, porém a
história dá testemunho delas. Rasputin sempre ad­
vertia os pais de que o menino só vivería enquanto
eles o ouvissem.
O poder de Rasputin sobre a família real tomou-se
tal que ele podia, com'uma palavra, obter a nomea­
ção ou demissão de qualquer funcionário do go­
verno. Nomeava ou demitia homens, baseando-se
nas atitudes deles para com ele, antes que nas habili­
dades de tais homens. Conseqüentemente, todo o
governo russo oscilava sob o conselho insensato
desse homem mau. Sem entes de revolta foram
plantadas e regadas por descontentamento. Este ir­
rompeu com o assassínio da família real, guerra civil
e a ascensão do comunismo. Alexandre Kerensky,
figura de proa do governo durante aquele período
desastroso, mais tarde consignou: “Sem Rasputin,
não teria havido nenhum Lenin.”
Os homens têm-se impressionado sempre com
milagres e milagreiros. No caso dos governantes rus­
sos, pode-se facilmente compreender sua posição
angustiante e perdoar-lhes seu trágico engano.
Iludidos por um Milagre 13
Contudo, à luz fria da história, pode-se também ava­
liar a grande tragédia que representou para o mundo
o fato de esses dois olharem para a aparência ex-
tema.
Muito freqüentemente, os homens aprendem bem
pouco com os erros dos outros. Presentemente, al­
guns ainda estão sendo arrastados pelo que é espe­
tacular. Jesus repercute o sentimento desta época
quando diz: “Uma geração má e adúltera pede um
sin al. . . ” (Mateus 12:39). Jesus nos ensinou haver
algo mais significativo do que milagres, e coisas mais
sublimes do que o espetacular. Ele não veio só para
morrer, mas para mostrar-nos como viver, e viver na
perspectiva adequada.
No desenrolar do seu Serm ão da Montanha,
Cristo faz uma digressão para advertir sobre os falsos
profetas que se apresentariam disfarçados em ove­
lhas. Ele nos dá, então, a fórmula perfeita para dis­
cernirmos quem é de Deus e quem é de Satanás:
“Assim, pois, pelos seus frutos os conhecereis”
(Mateus 7:20). É interessante observar que ele não
disse: “Procurai grandes sinais, maravilhas, milagres
ou o espetacular.” Antes, simplesmente disse que os
homens serão julgados pelo que eles são, não pelo
que fazem.
Isso não diminui os milagres de Deus ou os dons
do Espírito. Deus os emprega na sua soberana von­
tade para realizar seus últimos propósitos. Paulo faz
uma lista desses dons, como a palavra da sabedoria,
a do conhecimento, dons de curar, de operações de
milagres, de profecia, de discernimento de espíritos,
14 Fruto d o Espírito
d e variedade de línguas, capacidade para
interpretá-las (1 Coríntios 12:8-10). Contudo, nunca
a Bíblia diz podermos aferir a espiritualidade ou sin­
ceridade de um homem por esses dons.
Os milagres podem ser imitados, bem como os
dons. A história está cheia de casos verdadeiros
disso. Os milagres de Moisés foram até certo ponto
copiados pelos mágicos de Faraó. Durante séculos os
videntes pseudo-religiosos têm curado e o falar em
línguas tem sido imitado muitas vezes em adorações
pagãs. S e o Cristianismo se baseasse nesses fatos
como sua pedra angular, tratar-se-ia meramente de
mais outra religião num mundo sufocado de reli­
giões. Mas Cristo invalidou para sempre essa apre­
ciação ao declarar: “Pelos seus frutos os conhece­
reis.”
O fruto do Espírito nunca pode ser imitado.
Trata-se do que uma pessoa é, não do que faz. Esse
fruto exclui toda a ambição. Os dons são externos,
mas o fruto é interno. Os milagres fenecem, porém o
fruto permanece. O fruto do Espírito excede o orgu­
lho pessoal em qualquer coisa que realizamos ou que
Deus faz através de nós. Nenhum homem da terra
podería ou desejaria imitar o verdadeiro fruto do
Espírito.
Essas verdades não nos devem ser estranhas, já
que Cristo no-las ensinou desde os primeiros m o­
mentos de sua vida terrena. Fica-se perplexo pela
simplicidade chocante com que Cristo veio e pregou.
Ele surgiu do terreno da obscuridade, pobreza e
insignificância. Deus não escolheu um castelo, um
Iludidos por um Milagre 15
rei, uma cidade importante, ou manchetes de jornal
para anunciar a vinda de seu Filho, mas lançou-o no
mundo despercebidamente, exceto para alguns
pastores e suaves místicos. . .
M esmo o R eino que Cristo pregava a sse ­
melhava-se ao sal, à semente, ao fermento, à luz.
Seus similares eram de fato verdadeiros porque o
evangelho permeava, germinava, expandia-se e
iluminava até que todos os outros pensamentos dos
homens foram afastados para abrir caminho ao seu
Reino. Toda a face da história foi modificada por esta
sutil mas sobrenatural vinda do Rei dos reis e Senhor
dos senhores.
Na verdade, Cristo realizou muitos milagres e fez
grandes obras. Contudo, ele censurou alguns que o
seguiam só por causa de seus milagres e a outros
disse francamente: “Não o contes a ninguém.” João
declarou ter Jesus realizado muitas outras obras e
sinais que nem foram registrados. Cristo não estava
interessado em assombrar os homens com o seu
poder, mas em salvá-los pelo seu sangue. Aqueles
que Cristo ressuscitou dentre os mortos estão agora
de novo mortos. Aqueles que ele curou foram há
muito esquecidos na carne e só lembrados pela pala­
vra. Aqueles milagres e sua utilidade imediata estão
agora perdidos, exceto como estímulos para lembrar
que Cristo é o mesmo ontem, hoje e para sempre.
Todavia, o Reino que ele pregou encheu de sua
influência a terra toda, exatamente como ele disse
que sucedería.
As horas mais sombrias na história da igreja têm
16 Fruto d o Espírito
sido quando os homens acentuaram o espetacular
para negligenciarem os frutos do Espírito.
Armaram-se guerras em nome da Cruz. Homens
foram assassinados pela sua discordância. Um líder
negro militante, o falecido Malcolm X, culpou o Cris­
tianismo pelo ódio arraigado entre raças e chamou-o
religião de homens brancos. Inda que estranho, ele
admira a Cristo, porém acha que o Cristianismo
deixou de seguir a Jesus, dando excessiva importân­
cia ao que é externo negligenciando a verdade
intrínseca do Mestre. Talvez ele esteja com a razão.
Pode ser que há tanto tempo procuramos aparentar
retidão quanto ao que é externo que nos esquece­
mos de que Cristo é Senhor do coração, não do
teatro.
Nestes dias históricos é da maior importância re­
tomarmos às verdades que Cristo ensinou e viveu.
Ataques têm sido e serão feitos contra a Igreja. Líde­
res indignados voltam um dedo acusador contra o
Cristianismo e alegam sua inaplicabilidade. Jesus
disse que viríam esses tempos. Mas nessa circunstân­
cia é vital termos perspectivas apropriadas.
Um dos ataques mais recentes culpa o Cristia­
nismo pelo LSD. Um erudito da língua hebraica,
John Marco Allegro, adverte: “A Igreja vai ser açoi­
tada como nunca antes porque. . . As raízes do
Cristianismo jazem num culto de ingestão de drogas
e o Novo Testamento é o artigo de fundo que o
descreve.” Ele prosseguiu dizendo que os profetas
do Antigo Testamento estavam sob o efeito de uma
droga semelhante ao LSD quando tinham suas vi­
Iludidos por um Milagre 17
sões. A carga se acentua: “Aí está o falar em línguas.
Seus sacerdotes e profetas eram traficantes de nar­
cóticos. 0 Novo Testamento foi um documento aco-
bertador no intuito de circular entre grupos diversos
naquele tempo, que estavam sob o ataque da orga­
nização romana.”
Aqueles que conhecem Cristo e a palavra de Deus
não ficarão quebrantados por tais ataques. A ver­
dade é que a mensagem do Novo Testamento tem
pouco a ver com milagres ou sinais. A mensagem
crucial de Cristo e as admoestações dos apóstolos
diziam respeito ao homem interior e ao seu desen­
volvimento. 0 poder de Cristo não reside nos seus
milagres, mas na sua mensagem.
Vivemos agora em dias de falsos profetas. Hoje,
“os inimigos do homem são os de sua própria casa”.
A igreja está sendo atacada pelos seus próprios líde­
res descrentes, que têm as vestes de ovelhas da
atividade intelectual. São tempos de provação em
que devemos saber a que nos ater. Não o sabemos
por milagres, mas pelo fruto. As portas do inferno
não prevalecerão, mas é tempo de nos apoiarmos
para o ataque e ficarmos firmes em nossa convicção
de que Deus deseja a verdade no íntimo. É impor­
tante lembrar: . . . “surgirão falsos cristos e falsos
profetas operando grandes sinais e prodígios para
enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mateus
24:24). Então, para nossas próprias vidas, a ad-
moestação de Pedro às mulheres piedosas devia ser
o princípio orientador: “Não seja o adomo das espo­
sas o que é exterior. . . seja porém o homem interior
18 Fruto d o Espírito
do coração, unido ao incorruptível de um espírito
manso e tranqüilo, que é de grande valor diante de
Deus” (1 Pedro 3:3-4).
2

UMA
Ar v o r e
CHEIA DE FITAS

Warden Kenyon J. Scudder conta de um amigo


em viagem num trem, ao lado de um jovem clara­
mente perturbado e ansioso. Afinal, o moço contou
que era um presidiário de volta da prisão. Seu crime
tinha envergonhado sua família, pobre mas briosa, e
ninguém jamais o visitou ou lhe escreveu durante os
anos da sua ausência. Ele esperava que eles não
tivessem escrito por falta de cultura. Contudo, não
estava certo de ter sido perdoado.
O moço prosseguiu, explicando que queria facili­
tar a situação para eles. Por isso, lhes escrevera pe­
dindo que pusessem um sinal quando o trem pas­
sasse pelo sítio nas imediações da cidade. Se eles lhe
tivessem perdoado e desejassem sua volta ao lar,
teriam de amarrar uma fita branca na grande ma­
cieira perto da estrada. Se não o quisessem de volta,
não fariam nada e ele ficaria no trem, iria para o
oeste, e desaparecería para sempre.
20 Fruto d o Espírito
À aproximação de sua cidade natal, o estado de
tensão e desconforto do jovem aumentou ao ponto
de não poder olhar. Seu amigo ofereceu-se para ficar
de vigia e eles trocaram de lugar. Alguns minutos
mais tarde ele colocou a mão no ombro do jovem
presidiário e murmurou-lhe com a voz entrecortada:
—Tudo bem. . . A árvore toda está cheia de fitas
brancas.
Mais tarde, esse amigo disse a Warden Scudder:
“Senti como se tivesse testemunhado um milagre.”
E tinha, mesmo. Há sempre algo milagroso acerca do
amor profundo e perm anente que transcende
obstáculos e anula tendências naturais de orgulho e
dor. Deve ter sido esse o momento quando o escritor
de um cântico sentiu o mais profundo amor conhe­
cido dos mortais, ao registrar:

Maravilhosa graça do amor que não se mede,


ó graça que aos pecados e à culpa nossa ex­
cede,
que do Calvário a encosta, em jactos rubros
corre,
é do Cordeiro o sangue, na cruz em que Ele
morre.

Então o poeta faz repercutir o belo refrão que


ainda aguilhoa as almas mais insensíveis.

Graça, graça, graça


do divinal amor,
graça do perdão
Uma árvore cheia de fitas 21
que alimpa o interior;
graça, graça, graça,
que advém de Deus,
graça que é maior
do que os pecados meus.
O homem redimido pondera sobre o favor imere­
cido, o perdão e misericórdia de um Deus que nos
salvou a despeito de fraquezas e maldades. Um mi­
nistro idoso estava no leito de morte quando seu fiel
diácono disse:
— Ah, pastor, o senhor está para receber sua re­
compensa.
— Ah, não — replicou o pregador respirando com
esforço — . Recompensa, não! Misericórdia!
Davi conheceu essa graça ilimitada quando ex­
clamou: “Compadece-te de mim, ó Deus, segundo a
tua benignidade; e, segundo a multidão das tuas
misericórdias, apaga as minhas transgressões”
(Salmo 51:1). Deus tem a sua árvore inteira ador­
nada de fitas brancas, a indicarem seu profundo
desejo de perdoar e redimir o homem decaído e
desobediente.
Um amor tão admirável e divino traz em si uma
tremenda responsabilidade porque é bidimensional.
O amor não tem só uma dimensão vertical (o amor
de Deus por nós e nosso a ele); tem também um
aspecto horizontal (nosso amor pelos que nos cer­
cam). O perdão, diz Jesus, depende de nossa capa­
cidade de perdoar. Você será medido com a mesma
medida que usa. Tão livremente como recebemos
devemos dar. Assim, o fruto do Espírito é amor.
22 Fruto d o Espírito
O escritor de cada epístola da Bíblia dã ênfase à
importância do amor horizontal. Paulo afirma: “O
maior deles é o amor.” E, de novo: “O amor é o
cumprimento da lei.” Pedro acrescenta: “Acima de
tudo, porém, tende amor intenso uns para com os
outros.” Jo ão declara: “Deus é amor” — e acres­
centa — “Nós sabemos que já passamos da morte
para a vida, porque amamos os irmãos: aquele que
não ama permanece na morte.”
O amor, contudo, é uma palavra ampla. Para uns
é aquela afeição adocicada e agoísta que sentimos na
adolescência. Para outros é aquele amor simplório e
frouxo de São Nicolau, que não pede disciplina al­
guma ou repressão. Outros o sentem como uma
disciplina intransigente que não admite equívocos e
muito menos sentimento humano. Contudo, é ne­
cessário definir a qualidade de amor que é o fruto do
Espírito.
Paulo esclarece de maneira convincente o con­
ceito do amor na sua carta aos Coríntios. Os ingre­
dientes do amor estão dentro de um invólucro e não
numa lista da qual selecionamos alguns que nos
agradam. Aquele que ama realmente está cheio de
todas essas qualidades e as expressa para todos os
que o cercam. O amor, diz Paulo, é paciente, é
benigno, é generoso, humilde, cortês, altruísta, bem
humorado, sem astúcia e sincero.
O amor definido é o primeiro passo. O amor apli­
cado é o seguinte. Devemos ser cautelosos em não
afirmarmos gratuitamente que amamos. Ao invés
disso, precisamos analisar cuidadosamente tudo da
Uma árvore cheia de fitas 23
vida, aplicando cada ideal de Paulo para verificarmos
se realmente amamos. Geralmente, traz-nos poucos
problemas amar nossos amigos e irmãos em Cristo.
Todavia, há dois aspectos da vida sobre os quais
freqüentemente passamos por alto ao considerar­
mos o amor ideal semelhante ao de Cristo: amor no
lar e amor no mundo. Usando a medida de Paulo
para o amor cristão, seria sábio medirmos nossas
vidas nessas áreas para ver primeiro se amamos de
fato.

Os não divorciados — Amor no lar


Durante uma batalha no Vietnã, dois jovens esta­
vam em meio a uma batalha, com balas espoucando
em toda parte; estilhaços estourando sobre sua ca­
beças e, de vez em quando, uma granada explo­
dindo por perto. Um dos moços, aterrorizado com a
situação, disse, ofegante:
— Isto não é pavoroso?
O outro replicou:
— Ora, nem tanto. S ó me faz lembrar de casa.
Um renomado psiquiatra observou recentemente
que enquanto um em cada três casamentos termina
em divórcio, outro desses três pertence a um estado
não matrimonial, mas simplesmente “não divor­
ciado”. O amor e a comunicação desapareceram,
mas o casal continua junto por causa de pressões
sociais, filhos, finanças ou alguma outra razão. Tragi­
camente, o lar degenera num campo de combate de
direitos individuais, por vezes tumultuado, outras,
silencioso, mas sempre tenso. O lar transforma-se
24 Fruto d o Espírito
meramente numa casa a que um agrupamento hu­
mano só comparece para comer e dormir junto.
Dessa situação provêm os delinqüentes juvenis,
neuróticos ou indivíduos piores. A infelicidade gera a
infelicidade e os filhos de tais casamentos são fre-
qüentemente tão caóticos como seus pais.
Na qualidade de pastor tenho visto em lares cir­
cunstâncias semelhantes, onde ambos os cônjuges
são membros da igreja e cada um acredita estar
seguindo a Cristo. Invariavelmente, há profundos
problemas espirituais, e é sem dúvida evidente que
falta nessas vidas o fruto do Espírito. Um indica o
outro, acusando-o de imaturidade espiritual, quando
realmente ambos são culpados. É verdade que as
maturidades individuais são de diferentes graus, mas
apesar do desenvolvimento espiritual de um, isso
não deveria determinar a reação de outro. Booker T.
Washington disse: “Não permitirei que homem
algum rebaixe minha alma até ao ódio.” A despeito
da ação alheia, nossa reação deve refletir o fruto do
Espírito. Contudo, seria prudente perguntar-nos,
sem considerar a personalidade, defeitos ou fraque­
zas de nosso parceiro: “Será que eu expresso o fruto
do Espírito no meu casamento? Sou paciente, ge­
neroso, humilde, cortês, altruísta, de bom gênio,
sincero, apesar da ação ou reação de meu parceiro?’’
A maioria de nós teria de dar uma resposta nega­
tiva a essas questões. Sim, um tal amor é o fruto do
Espírito. A menos que desesperemos, há um modo
de cultivar o amor no lar. Deus tem oferecido alguns
excelentes espedientes para empregarmos, até que o
Uma árvore cheia de fitas 25
ideal do amor paire no lar como uma suave névoa.
Eles são ativos e podem ser postos em prática. Pedro
os anota na sua primeira epístola (1 Pedro 3).
Após considerar a condição de mulher dizendo
que deviam ser compassivas e submissas; os maridos
honrados e amorosos, Pedro enumera algumas su­
gestões práticas para fazer surgir o amor vivificante.
Elas parecem tão simples ainda que sejam muito
profundas.
“. . .Sede todos d e igual ânimo. . . ” O problema
mais comum do casamento é a falta de comunica­
ção. A comunicação surge quando temos um propó­
sito e um prazer. Conseqüentemente devemos ter
ânimo idêntico. Os que estão unidos em Cristo são
justamente assim: seu propósito e prazer são agradar
a Cristo, preparar-se para a sua eternidade. Para
estes, o casamento não é um fim em si mesmo, mas
uma associação temporária que acarreta grande paz e
alegria a um coração humano. Suas posses são real­
mente de Cristo e eles simplesmente as usam por
certo tempo. Assim, a maioria dos problemas matri­
moniais dos outros são eliminados, não pela recusa
em manobrá-los, mas porque os relega à sua própria
importância. Problemas financeiros, de educação de
crianças, de sexo e de parentes são tratados com
eficiência já que o propósito comum e alegria de
ambos os parceiros são mantidos na mente. Essas
I>essoas aprendem a amar profundamente porque os
valores eternos têm a primazia.
. .compadecidos. . .” A compaixão é definida
como a compreensão consciente da infelicidade
26 Fruto d o Espírito
alheia, unida ao desejo de mitigá-la. Freqüente-
m ente, os casais no ardor da discussão,
concentram-se nas faltas de um para com o outro
antes que no problema. Por essa razão, o problema
original raramente se resolve, mas é juntado a outros,
insolúveis, no inconsciente. Isso não leva a alívio,
porém à frustração. É bom lembrar que a verdadeira
definição de compaixão não é só compreender a
desgraça dos outros, mas também desejar alijá-la.
Cada um deveria empenhar-se por ser o primeiro a
dar um sinal amistoso; o primeiro a anuir, o primeiro
a sorrir, o primeiro a falar, o primeiro a perdoar. A
força verdadeira é a habilidade e desejo de abater a
muralha invisível entre um casal, erguida por mal-
-entendidos.
. .fratemalmente amigos . . . ” Como essas pala­
vras nos parecem estranhas! Contudo, quando se
compreende que a parte nevrálgica da mensagem de
Pedro é o apelo ao respeito de um para com o outro
na relação matrimonial, essa expressão se esclarece.
Maridos e mulheres têm a mesma afeição mútua
como irmãos no Senhor? Como isso funciona? Não
falamos desreipeitosamente com nosso irmão no
Senhor, a fim de que não se ofenda. Cuidamos de
não nos aproveitarmos dele, e estamos prontos a ir
em seu auxílio quando estiver em dificuldade.
Esforçamo-nos para que ele passe alegremente o
tempo em nossa companhia e para lhe darmos uma
impressão favorável. Tomamos cuidado para não
nos exaltarmos em sua presença.
Pedro encoraja os casais a terem o mesmo respeito
Uma árvore cheia de fitas 27
mútuo que mostram para com os irmãos e irmãs no
Senhor. É fácil ver quão mais profundo, rico e total
seria nosso amor conjugal se o praticássemos como
amor fraterno. É lindo ver marido e mulher não só
unidos pelo casamento como pelos laços da mais
estreita amizade.
“. . .misericordiosos. . .” A Nova Bíblia Inglesa
traduz isto por “sede bondosos”. Deus não criou
macho e fêmea psicologicamente idênticos porque
cada um é o complemento do outro. Os homens
sentem e pensam diversamente das mulheres e por
vezes é difícil transpor essa brecha com delicadeza.
Por muito que façamos nunca vamos mudar os pen­
samentos e ações do outro como são os nossos.
Quando o tentamos, o resultado é uma profunda
frustração e conflito interior. É quando chega a vez
da bondade. Ser bondoso é aceitar a outra pessoa tal
como é a amá-la assim. Alguém disse: “Gostamos de
alguém porque; amamos alguém ainda que. ”
Muito freqüentemente tenho visto pessoas que
procuraram mudar toda a sua estrutura psicológica
para agradar a seu parceiro, com o único resultado
de ser rejeitado porque o outro não queria realmente
o que ele pensava. A questão é que deveriamos
empenhar-nos por ser melhores, mas nunca dife­
rentes. Defrontam o-nos com graves problemas
quando procuramos transformar-nos naquilo que
não somos. Seria de bom aviso lembrar: “Foi o
Senhor quem nos fez, não nós.” É sábio o parceiro
que compreende ser o seu companheiro um indiví­
duo que Deus criou não para ser forçado a curvar-se
28 Fruto d o Espírito
a um padrão desnaturado para satisfazer os desejos
sórdidos do outro. Sen d o bondosos podem os
aprender a apreciar e amar aquela criatura humana,
diferente, que Deus nos deu. “O amor,” disse um
homem, “é o desejo apaixonado que há da parte de
duas ou mais pessoas por produzirem juntas as con­
dições sob as quais cada qual possa ser, e expressar
espontaneamente, seu verdadeiro eu; por produzi­
rem juntas um terreno intelectual e um clima em o­
cional nos quais cada um possa florescer, muito m e­
lhor do que o faria sozinho.”
“. . .humildes, não pagando mal por mal, ou injú­
ria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo... ”
Eis aqui uma das chaves mais importantes para um
casamento feliz. O matrimônio não é só escolher o
parceiro certo, mas também tomar-se o par certo.
Algumas esposas queixam-se de que seus maridos
são corteses e atenciosos em público, porém gros­
seiros e egoístas em casa. Da mesma forma, os mari­
dos dizem que as esposas são graciosas e vivas na
sociedade, mas mal-humoradas e descuidadas em
casa. Pedro declara que a simples cortesia extensiva
àqueles que nos cercam deveria manifestar-se sem ­
pre no lar.
Muitas vezes, se somos magoados pelo nosso par­
ceiro, queremos magoar como réplica. Quando ele
nos fala asperamente, é grande a tentação de res­
ponder no mesmo tom. Contudo, Pedro fala de óleo
sobre águas tumultuadas quando encoraja a prática
do bem pelo mal e da brandura pela dureza. No
casamento, mais do que em qualquer outra situação
Uma árvore cheia d e fitas 29
na vida, deve haver o desejo de percorrer a segunda
milha, oferecer a outra face. Temos de ser termosta­
tos, não termômetros, afetando o ambiente, e não
somente o refletindo.
“. . .Para que não se interrompam as vossas ora­
ções. . .” Aqui vai uma palavra de advertência. A
pequena guerra na Coréia tragou tantas vidas
quanto Hiroshima. Semelhantemente, as guerrilhas
em nossos lares matam nossas famílias e destroçam
nossas sociedades. Também as desavenças no lar
impedem nosso acesso a Deus. Nossas preces
podem ficar bloqueadas por falta de amor. Portanto,
é imperativo, não só conveniente, que o fruto do
Espírito, o amor, reine em nossos corações e lares,
pelo temor de não podermos orar, obter perdão e
por isso não possuirmos a vida eterna. O fruto do
Espírito é o amor no lar.

A corrida da morte — amor no mundo


Vinte o oito carros roncavam pela curva, quando
sobreveio um incidente. O carro do jovem David
McDonald perdeu o controle quando ele se esfor­
çava por contomá-la; o corredor Eddie Sachs colidiu
com outro, lateral, a duzentos e quarenta quilôme­
tros por hora. Uma explosão destroçou aço, borra­
cha e o fogo lavrou no ar a quinze metros. Um dos
corredores morreu no local do desastre e o outro,
duas horas depois, num hospital.
Três mil pessoas presenciaram em tétrico silêncio
e chocadas por tristeza quando a morte desceu sua
mortalha sobre as atividades festivas. A corrida do
30 Fruto d o Espírito
Memorial Day de 1964 sofreu um atraso de cerca de
uma hora e quarenta e cinco minutos, enquanto os
mecânicos limpavam os destroços. Depois, a corrida
prosseguiu.
Muitos dos que viram mais tarde na televisão o
desastre ou ouviram sua descrição notaram que a
coisa mais significativa para eles foi o fato de a corrida
continuar. Isso é um comentário sobre os nossos dias
e nos faz ver a trágica verdade de que vivemos num
mundo impessoal. A maioria de nós só cuida do que
lhe diz respeito. A tristeza só permanece por um
momento e retomamos à atividade da vida. William
Cullen Bryant tão eloqüentemente escreveu:
Os alegres vão rir
quando tiveres partido,
a solene ninhada de cuidados
caminhará, e cada um,
como antes, irá em busca
de seu fantasma predileto.
Embora estejamos cônscios de que a vida deve
continuar e não pode parar com a perda de um ente
amado, no entanto, somos feitos para compreender
cada dia que como humanos parece que nos afasta­
mos mais um do outro. O supermercado substituiu o
armazém da esquina. A tradicional farmácia onde o
pessoal se encontrava é agora um centro comercial
cheio de funcionários que não reconhecemos ou não
queremos conhecer. Tomam o-nos números, esta­
tísticas, percentagens e brilhantes cartões de crédito.
Uma razão da vida se ter tomado tão impossível é
a alarmante explosão demográfica. Os peritos acre­
Uma árvore cheia de fitas 31
ditam que durante a permanência de Cristo o globo
terrestre era habitado por cerca de duzentos e cin-
qüenta milhões de pessoas. Lã por 1.600 A. D. esse
número tinha dobrado. Em 1.900 tinha triplicado
para um bilhão e meio. Então, em 1962 esse havia
dobrado para quase três bilhões. Eles calculam que
dentro dos próximos trinta anos a população terá
dobrado novamente. A importância do indivíduo
está decrescendo e continuará assim devido à explo­
são da população e da automatização.
Aumentam com idêntica rapidez — ou mesmo
mais depressa — os esgotamentos emocionais e
mentais. Desde 1903 a proporção de doentes m en­
tais em casas de saúde dobrou. Interrogados para
darem uma resposta, os psicólogos dizem que é por­
que o indivíduo está perdendo sua identidade, sua
importância. O mundo tomou-se tão impessoal que
ele mesmo é levado à loucura. Os vizinhos inexistem.
Os homens se encerram nas suas próprias ilhazinhas
apertadas e não sabem como se haver com proble­
mas de uma sociedade impessoal.
Recentemente, a imprensa relatou a história lanci­
nante de um jovem pai que se suicidou na cabina
telefônica de uma tavema. Jam es Lee havia telefo­
nado para um jornal de Chicago e contado a um
repórter que tinha mandado o relato de sua história
num envelope de papel manilha. O repórter
procurou desesperadamente descobrir de onde
vinha o cham ado, mas tarde demais. Quando
a polícia chegou, o jovem estava caído na cabina,
com um tiro na cabeça.
32 Fruto d o Espírito
Nos seus bolsos encontraram um desenho colo­
rido de criança, muito amassado e estragado. Nele
estava escrito: “Por favor, deixe no bolso do meu
paletó. Quero que seja enterrado comigo.” O dese­
nho fora assinado em letras infantis por sua filha
loura, Shirley Lee, que havia morrido num incêndio,
cinco meses antes. Lee ficou de tal forma abalado de
tristeza que pedira a pessoas inteiramente estranhas
que cuidassem do enterro da filha, para que ela
pudesse ter um belo serviço fúnebre. Ele disse que
não havia ninguém da família para estar presente, já
que a mãe de Shirley morrera quando a criança tinha
dois anos.

Falando ao repórter antes de morrer, o pai de


coração partido disse que perdera tudo o que pos­
suía na vida e se sentia muito só. Ele doou sua
modesta fortuna para a igreja que Shirley freqüen-
tava e disse: “Talvez dentro de dez ou vinte anos,
alguém verá uma das placas e pensará em quem
seria Shirley Ellen Lee e dirá: “Alguém deverá tê-la
amado muito, muito.” O pai desesperado não su­
portou a solidão ou essa perda, e assim pôs fim à
própria vida. Achou melhor morrer do que viver num
mundo impessoal.

Imediatamente, nossos corações se comovem


com tal incidente e respondemos prontamente: “Eu
teria demonstrado amor e ternura para com este
homem.” Contudo, a verdade trágica é que essas
criaturas solitárias não trazem marcas que as identifi­
quem. Dissimulam-se atrás de rostos inexpressivos,
Uma árvore cheia de fitas 33
barbas cerradas respingadas de cachaça e máscaras
felizes tão falsas como as de um palhaço de circo.
Estão fechadas na sua solidão porque não sabem
como escapar daquela prisão. A única fuga que co­
nhecem está no fundo de uma garrafa, na ponta de
uma rombuda agulha manchada de drogas, ou
dentro de um revestimento reluzente de barbitúrico.
Passamos por eles diariamente e na verdade não os
vemos. Ou temos receio deles ou nos apavoramos
com a sua aparência. Deixamos de ver a alma so­
litária interior. Poucos de nós sabemos como amar as
multidões.
Jesus podia contemplar uma multidão e sentir-se
movido de compaixão por ela. Ele podia escalar à
noite a encosta solitária, vendo a cidade adormecida
e chorando por ela. O milagre do seu amor é que ele
amava as multidões e os milhares ainda por nascer
ao ponto de querer morrer por eles. Seu amor não se
restringia ã dimensão do pequeno país judaico, mas
transcendia todos os limites e idades. Conseqüente-
mente, ele preenchia suas horas de andanças, tor­
nando as pessoas felizes e aliviando-as de suas pro­
fundas depressões. Mais tarde ele diria através de seu
apóstolo que o fruto do espírito é o amor.
O amor que é do Espírito deve relacionar-se com
as nossas vidas. Se temos esse fruto, ele significa os
nove elementos que Paulo menciona no seu capítulo
sobre o amor. O amor, como Cristo tinha, não dis­
crimina raças ou rostos. Talvez pudéssemos orar
para que Deus alargasse nossa visão ou grupo de
pessoas pelas suas mais baixas expressões. Contudo,
34 Fruto d o Espírito
o amor real os avalia pelos seus mais altos ideais. O
verdadeiro cristão não pode expressar nenhuma es­
pécie de intolerância, religiosa ou racial, quer seja
silenciosa, sutil ou vocal. O amor verdadeiro, fruto do
Espírito, é aquele que Cristo demonstrou para com a
humanidade.
Seguramente, é difícil ler acerca daqueles tão dis­
tantes e sentir afeição por eles. S ó Deus pode
ajudar-nos a desenvolver essa atitude. Contudo, en ­
quanto aguardamos esse ideal podemos fazer algu­
mas coisas muito práticas onde quer que vivamos
para pagar nossa dívida de amor à humanidade.
Podemos zelar pelos corações partidos, ficar interes­
sados nos corações sofredores de outros, em lugar de
nos ocultarmos em nossas vidas pequenas. Este é o
primeiro passo. Assim, fatos despercebidos de cari­
dade e bondade são expressões naturais de amor.
Você pode dar sem amar, mas não pode amar sem
dar. Através do envolvimento pessoal no programa
missionário de nossa igreja, de organizações de cari­
dade e missões evangelísticas, estendemos esse
amor que Deus dá. Dedicar nossas vidas a atos de
amor — foi isso que Jesus fez. E ao fazê-lo, cuidai de
vos lembrardes deste pequeno poema:

Ontem eu fiz um favor,


pequeno ato de amor. . .
O mundo inteiro chamei,
que viu e fui elogiado.
Foram-se todos, e em poeira
vi meu ato transformado.
Uma árvore cheia d e fitas 35

Bem pequena cortesia


hoje ocorreu-me fazer,
depressa, sem ninguém ver,
e depois disso fugi. . .
Mas Alguém testemunhou,
pois declaro que ao voltar
àquele mesmo lugar
floriam rosas ali.

O fruto do Espírito é amor e ele abre as vias para


todos os outros frutos vindouros. Como podemos
ter alegria, paz, resignação ou os demais, sem pri­
meiro nos saturarmos desse mesmo amor que Cristo
teve? Quando aprendemos a tê-lo e expressá-lo, há
uma beleza que desce à vida como antes nunca a
experimentamos. No belo poema “Sella” o poeta
Bryant expressa este pensamento:

Desde então seus dias eram feitos


de calmas tarefas do bem
no grande mundo.
E em obediência os homens acolhiam
suas palavras tão sábias,
e viam de beleza a lei do amor
envolver cuidados e aflições
do dia a dia.
3
SEDE DA
VERDADE

O terror avassalou de flamas ardentes aquela


manhã de abril de 1906, quando a crosta terrestre
em São Francisco afundou destruindo a cidade. En­
quanto milhares de refugiados movidos pelo pânico
esforçavam-se por abandonar a cidade em chamas,
um homem de cabelos emaranhados, olhos arden­
tes, e de nariz de águia penetrava na cidade no único
trem que chegou lá naquele dia. Ele era o famoso
psicólogo William Jam es, então com 6 4 anos e com o
coração em mau estado.
Durante as próximas doze horas Jam es meteu-se
entre as volutas de chamas, edifícios destroçados e
montes de cascalhos, com um caderno em punho, a
perguntar ansiosamente aos habitantes em fuga:
“Como você se sentiu quando o terremoto com e­
çou?” “Que pensamentos lhe acudiram à mente?”
indagava. “Seu coração bateu mais apressado?”
Esta era a paixão compulsiva que tomou William
38 Fruto d o Espírito
James, um dos mais avançados cientistas de sua
geração. Sua sede pela verdade levava-o a explorar,
experimentar, mudar e crescer. Ele tinha uma curio­
sidade insaciável por aprender o que se relacionava
com cada faceta da personalidade humana e com
tudo sobre os grandes segredos da vida.
Tragicamente, a diferença entre cientistas como
William Jam es e alguns religiosos é que o cientista
admite abertamente não possuir toda a verdade e
apaixonadamente a busca, ao passo que os segun­
dos ficam sentados presumidamente reivindicando
ter a resposta a todos os problemas da vida. Por
causa dessa atitude, alguns intelectuais têm consi­
derado a religião como ignorância arrogante que
pouco lhes pode oferecer. Não é preciso ser um
gênio para saber que há muitos problemas da vida
sem resposta e mesmo Paulo admite “Porque agora
vemos como em espelho, obscuramente.”
Talvez seja tempo de compreendermos que o ver­
dadeiro religioso não é aquele que, sentado numa
torre alta, derrama sabedoria como missangas de um
colar rebentado, mas assemelha-se ao cientista, em
busca apaixonada por novas visões interiores, ver- i
dades e revelação. A única diferença é que o homem
que conhece a Deus descobriu o caminho verda­
deiro a percorrer na sua busca. Mas é só o caminho e
para aprender a verdade esse homem deve andar e
pesquisar. Deus só nos coloca na direção certa, como
se a um homem perdido se desse uma bússola no
fundo da selva. Nela está o sentido certo da direção,
mas ele deve abrir seu caminho de per si.
Sede da verdade 39
A premissa é particularmente importante quando
se chega a entender alegria como fruto do Espírito.
Devemos ser realistas e reconhecer que há alguns
cristãos sinceros que têm pouca alegria nas suas
almas. E há aqueles que não são cristãos e contudo
demostram verdadeiras explosões de alegria. Nossa
sede pela verdade pode levamos a buscar a resposta
a esse paradoxo. As observações que se seguem são
meras sugestões que, espero, nos aproximem da
declaração de Paulo: “O fruto do Espírito é alegria.”
Elas não pretendem ser respostas exatas ou uma
fórmula mágica.
A alegria é semelhante a um poço de água potável.
Não é suficiente saber que a água está ali ou mesmo
perfurar o poço. S e o poço é para ser utilizado a água
tem de vir à superfície. Os que conhecem Cristo
encontraram a fonte da alegria, mas alguns não fize­
ram uso do poço e, portanto, sua alegria permanece
encerrada. Por conseguinte, aqueles que não têm
comunhão com Deus, freqüentemente sentem ex­
plosões de alegria, uma fusão com o universo, uma
verdadeira inter-relação com a natureza, uma exul-
tação do espírito. O psicólogo Abraão Maslow ob­
servou esses fatos em seus clientes e fez uma avalia­
ção, relatando “momentos de grande pavor; m o­
mentos da mais intensa felicidade ou mesmo arre-
batamento, êxtase ou bem-aventurança” . Ele con­
cluiu que aquilo não era necessariamente uma expe­
riência religiosa, mas simplesmente uma expressão
de boa saúde. Contudo, talvez esses momentos são
aqueles em que Deus tenta passar através da arma­
40 Fruto d o Espírito
ção do homem, expondo-o a uma vida mais ampla e
rica.

Há um rio
A alegria costuma apresentar-se como algo ilusó­
rio que passa além do alcance do homem. A alegria é
muito mais do que felicidade. É “exultação do espí­
rito” , segundo o dicionário, “satisfação; delícia, um
estado de felicidade.” Como diz Ardis Whitman,
“temor reverente e um sentimento de mistério são
parte dela; assim são os sentimentos de humildade e
gratidão. Subitamente damo-nos conta com acui­
dade de cada coisa vivente — cada folha, cada flor,
cada nuvem, da flor de maio debruçada sobre o
tanque, do corvo grasnando no topo das árvores” . O
Professor Maslow disse: “Você não pode buscar ex­
pressamente tais momentos. Você deve ser sur­
preendido pela alegria.” Contudo, pode-se furar o
reservatório e encontrar alegria contínua. Paulo diz:
“O fruto do Espírito é alegria.”
Nos primórdios da história do homem o salmista
disse: “Há um rio, cujas correntes alegram a cidade
de Deus.” Ele não só diz haver uma fonte, mas
prossegue: “Tu me farás ver os caminhos da vida; na
tua presença há plenitude de alegria, na tua destra
delícias perpetuamente” (Salmo 16:11). Assim,
aprendemos que a fonte da plenitude da alegria é a
presença de Deus. É, pois, fácil ver por que o crente
cheio do Espírito terá grande alegria. Deus está com
ele e nele habita, de forma que há completa, contí­
nua e permanente alegria.
S ede da verdade 41
Depois da Escritura identificar a verdadeira fonte
de alegria, ela reafirma essa verdade muitas vezes.
Uma característica peculiar à adoração judaica era a
grande alegria. De fato, a reputação de alegria tinha
se alastrado de tal forma que quando os babilônios
capturaram Israel, eles os escarneciam dizendo:
“Entoai-nos algum dos cânticos de Sião.” O livro de
Atos fala-nos de pessoas cheias de alegria e do Espí­
rito Santo. Os redimidos criavam melodia em seus
corações. Depois que a cidade samaritana recebeu a
salvação, “Houve grande alegria naquela cidade” .
Paulo fala sem fazer apologia: “Porque o reino de
Deus não é comida nem bebida, mas justiça e paz, e
alegria no Espírito Santo” (Romanos 14:17).
Recentes descobertas arqueológicas encontraram
cartas escritas por mártires durante aqueles primeiros
três séculos de tentativa de seguir a Cristo. Na imi­
nência da morte um santo escreveu: “Num buraco
escuro encontrei alegria; num lugar de amargura e
morte encontrei repouso. Ao passo que outros cho­
ravam encontrei riso, onde outros temiam encontrei
força. Quem acreditaria que num estado de miséria
tenho tido grande prazer? que num canto solitário
tenho tido gloriosa companhia e nas mais duras
amarras perfeito repouso? Todas estas coisas Jesus
me assegurou. Ele está comigo, conforta-me e me
enche de alegria. Ele afasta de mim a amargura e me
enche de força e consolação.”
Eu estive na prisão em que Paulo ficou confinado
justamente antes do seu martírio. Os muros eram
frios, de pedras grosseiras, a masmorra tão úmida
42 Fruto d o Espírito
que provocava tremores no meio do dia. Só por um
orifício pequeno entrava luz e ar. Não há aqueci­
mento e o teto é tão baixo que não pude ficar com o
corpo erguido. Paulo ficou ali ao menos por dois
anos e foi dali que escreveu sua última grande epís­
tola, 2 Timóteo. Ainda que agora fosse iluminada
eletricamente, a pequena cela parecia apertar-me.
Naquela noite li de novo a última carta ao jovem
Timóteo. Não notei uma palavra de melancolia;
antes, é um brado de triunfante regozijo. Paulo con­
clui: “Combatí o bom combate, completei a carreira,
guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está
guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará na­
quele dia” (4:7-8). Há uma alegria que transcende a
preocupação, transpondo amuradas de circunstân­
cias, e repoucando através da morte. Paulo não fala
de “arroubos de alegria” ou de “momentos em que
ela perpassa por nós” , mas antes de uma constante,
sempre presente, permanente exultação do espírito.
“O fruto do Espírito é alegria.” Em Jo ão 7:38-39
encontramos a promessa de Jesus: “Quem crer em
mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios
de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito
que haviam de receber os que nele cressem; pois o
Espírito até esse momento não fora dado, porque
Jesus não havia sido glorificado.

O doce aqui e agora


A descrição precedente parece idealística; con­
tudo sabemos que há aqueles que atingiram essa
permanente presença da alegria. S e é assim, por que
Sede da verdade 43
vivemos tão abaixo do nível dessa alegria perma­
nente? Talvez seja porque freqüentemente nos pro­
gramamos para viver no doce porvir antes que no
agora. Sir William Osler admoestava seus pacientes a
viver em compartimentos centrados no dia, em luta
com as frustrações e alegrias do agora. Longfellow
adverte:

No futuro não esperes.


Deixa que o passado enterre seus mortos.
Age, age no presente,
teu coração dentro e Deus sobre a cabeça.

É muito fácil emprestar do amanhã a luz do sol e


desprezar as pequenas alegrias do presente, anteci­
pando outras mais intensas do amanhã. Pelo fato de
nãò saborearmos as pequenas alegrias, os pequenos
prazeres, as delícias do momento, perdemos muito
da vida e de Deus. Jesus pede que sejamos fiéis nas
coisas pequenas e Deus nos confiará muitas outras.
Os cânticos infantis freqüentemente conseguem
penetrar pela couraça da pretensão humana, ex­
pondo nossa fraqueza tal como é. O gato de Dick
Whittington que foi a Londres ver a rainha é um
exemplo típico.

Bichano, bichano, que fizeste ali?


Embaixo de sua cadeira um camundongo as­
sustei.

Uma porção de pessoas são como aquele gato. No


44 Fruto d o Espírito
esplendor do palácio, na majestade da realeza, na
beleza da pompa, o pobre gato só podia ver um
camundongo. Nossas vidas se passam entre os es­
plendores da criação, ainda que muitas vezes nos
enredamos na vida, erguendo vagamente nossos
olhos para as glórias que nos cercam. Alguns encon­
traram a alegria de viver, mas um grande número se
acomodou com a monotomia da existência. Com
razão disse Robert Louis Stevenson: “Perder a ale­
gria é tudo perder.”
Parece sempre haver razões legítimas para dei­
xarmos escapar as pequenas alegrias que nos cer­
cam. Certa noite eu acalentava minha filhinha para
fazê-la dormir. Para minha frustração, ela estava in­
teressada em prosear. Eu queria que ela calasse e
dormisse, porque precisava fazer muitas coisas.
Tinha de preparar sermões, de escrever artigos, dar
telefonadas e responder cartas urgentes. Intima-
mente, ressenti-me dessa intrusão no meu tempo.
Nesse instante ela ergueu os olhos e disse simples­
mente: “Papai, eu gosto de você.”
Aquilo me feriu duramente. Quão insensível eu
estava sendo! Ali estava uma das experiências mais
preciosas e alegres da vida e eu desejava afastá-la,
para poder “fazer coisas”. Murmurei uma prece,
pedindo perdão a Deus, apertei minha filhinha junto
a mim e desejei que aquele momento durasse para
sempre.
Um gigante relógio floral em São Luís tinha a
inscrição: “As horas e as flores depressa fenecem .”
Como era verdadeiro! O tempo é um inimigo que
S ede da verdade 45
nos rouba os momentos fugazes porém sublimes de
alegria que enchem os canais de nossas mentes,
levando-nos para mais perto de Deus. Como Cristo
curou o cego mendigo, freqüentemente precisamos
dele para remover escamas de nossos olhos de forma
a podermos reconhecer as pequenas alegrias e os
momentos significativos que Deus traz para o nosso
caminho cada dia.
Helen Keller disse sabiamente: “Use seus olhos
como se amanhã você fosse ferido de cegueira”. Ela,
cega por tantos anos, disse que se tivesse só três dias
de visão, no primeiro gostaria de ver as pessoas cuja
bondade e camaradagem tinham tomado sua vida
valiosa. Ela convocaria todos os seus amigos e fitaria
longamente suas faces. Ela também fitaria o rosto de
um nenê. Gostaria de ver os muitos livros que ha­
viam sido lidos por ela, e olhar os olhos dos seus cães
fiéis e leais. Gostaria de fazer um longo passeio pela
mata.
No segundo dia, Helen Keller disse que se levan­
taria cedo para ver o amanhecer. Visitaria museus
para aprender o progresso do homem. Também
visitaria um museu de arte para verificar a alma do
homem, estudando suas pinturas e esculturas.
Então, à noite, iria ao teatro para ver a graça da
grande bailarina Pavlova.
No último dia voltaria a assistir ao amanhecer, para
descobrir novas revelações de sua beleza. Então ela
visitaria as cavernas dos homens, onde eles trabalha­
vam. Ficaria nos cantos das ruas movimentadas,
procurando entender algo da vida diária das pessoas,
46 Fruto d o Espírito
fitando-as nas faces e lendo o que estava nelas es­
crito. Gostaria também de ver o sofrimento para
sentir compaixão. Gostaria de dar um giro por Nova
Iorque, vendo as favelas, as fábricas, os parques e
crianças brincando.
Na última noite ela gostaria de assistir a uma peça
cômica para apreciar os reflexos da comédia no es­
pírito humano. A coisa interessante a notar é o seu
desejo de ver as coisas comuns que nos cercam e
desta grande mulher podemos aprender a usar nos­
sos olhos e ver o mundo em redor. S e pudéssemos
aprender a ver o mundo de Deus, talvez pudéssemos
aprender a ver a Deus, que na verdade é a fonte de
toda a alegria.
Oh, que Deus possa permear as nossas vidas até
que nos conscientizemos plenamente dos flocos m a­
cios de neve, do tamborilar persistente da chuva, do
sopro do vento. Precisamos lembrar-nos de que
Deus não só nos promete encontrar-nos no seu
santuário, mas que ele manifesta sua obra em toda a
parte do mundo. “Porque os atributos invisíveis de
Deus, assim o seu eterno poder como também a sua
própria divindade, claram ente se reconhecem ,
desde o princípio do mundo, sendo percebidos por
meio das coisas que foram criadas” (Romanos 1 :20).
Mas talvez você seja um dos que não apreciam
particularmente os campos nevados e a água da
chuva enchendo em redemoinho os canais. Talvez
não fique emocionado com um passeio na floresta. A
questão não é transformá-lo em amante da natureza,
mas só levá-lo a abrir os olhos às maravilhas que
Sede da verdade 47
Deus coloca em tom o de nós. Robert Frost podia
admirar uma floresta e ficar inspirado a escrever
grandes poesias. Semelhantemente, Carl Sandburg
podia ver uma sombria e agitada Chicago e notar
uma pura e rara beleza. Cada qual via a beleza em
duas coisas diferentes, mas ambos ficavam inspira­
dos. Pablo Picasso pôde ver seu quadro de arte
clássica, “A Cabeça do Touro”, numa bicicleta que­
brada. Michelangelo podia sentir Moisés querendo
sair furioso de uma lasca de pedra. O importante não
é nos emocionarmos com os que os outros fazem,
mas com o que vemos.
Os prisioneiros de guerra muitas vezes voltam re­
latando experiências terríveis durante seu cativeiro.
Inevitavelmente, eles dizem que nunca aprenderam
deveras a apreciar o alimento até se verem privados
dele. Sempre me recordo de um prisioneiro que
recebia por dia só um pedaço de queijo velho e pão.
No seu diário ele anotou os sabores exóticos e os
prazeres daquele alimento simples. Muitos de nós
não sentimos alegria por que nunca aprendemos
realmente a viver, a ver, a agir, a sentir o presente.
Jesus nos pede que não nos preocupemos com o
amanhã, mas só consideremos o hoje. Edna St. Vin-
cent Millay exclamou: “ó mundo, eu não posso
unir-me mais a ti.”S e na verdade vemos, sentimos,
amamos, apreciamos deveras o que Deus nos deu,
brotará em nós essa grande alegria.
Um passeio com destino
Contudo, a apreciação plena das delícias de hoje
não é a resposta inteira. S e assim fosse, o humanista
48 Fruto d o Espírito
levaria sobre nós grande vantagem. Hã dias em que
dores físicas nos impedem de apreciar melhor os
prazeres que nos cercam. A tragédia imiscui-se em
nossas vidas despercebidamente, arrebatando-nos
alguém muito querido. As circunstâncias pesam
sobre nós até que nossos olhos se cerram à espe­
rança. Deve haver alguma coisa mais profunda e
significativa se a alegria tem de permanecer durante
tempos aflitivos. Há, sim quando nos compenetra­
mos de que somos entidades para a eternidade.
Cada um de nós tem seu caminho individual com o
destino.
Prisão, desastre e derrota não puderam vencer o
inglês valoroso que nos últimos anos seria conhecido
como “o homem do século”. Durante a guerra dos
Boers, Winston Churchill ficou preso em Pretória, na
África do Su l, de on de mais tarde escap ou .
Passaram-se anos e como chefe supremo do Almi-
rantado, ele foi pessoalmente incriminado pelo cus­
toso desastre nos Dardanelos e forçado a demitir-se.
Mesmo depois de dirigir com êxito sua nação durante
outra guerra, seus concidadãos o derrotaram nas
eleições. Contudo, ele perm aneceu intrépido e
ergueu-se de novo para ser o primeiro-ministro.
Morreu como o homem mais estimado de sua gera­
ção.
Para compreender o espírito indomável de Chur­
chill que o levou a erguer-se mais de uma vez das
cinzas da adversidade, é necessário ler seus escritos.
Falando da hora em que as circunstâncias da guerra
o impeliram à liderança do mundo, ele disse: “Eu
Sede da verdade 49
estava consciente de um profundo senso de alívio.
Afinal, tinha a autoridade de dar ordens em todas as
paragens. Sentia com o se caminhasse com o Destino
e que toda minha vida passada não tinha sido senão
um preparo para essa hora de provação.” Essas não
são palavras ociosas de um líder egocêntrico, mas a
convicção profunda de um homem que sentiu ter
sido escolhido por Deus para salvar a Inglaterra. A
história registra os resultados dessa convicção.
Há homens que apreendem o fato de que andam
com o destino. São os Churchills, Abraão Lincolns e
Ben Gurions. O que esses homens sentem no ter­
reno temporal é só uma sombra do etemal. Todos os
que estão em Cristo andam diariamente com o des­
tino. Aos dezoito anos Jeremias tremeu quando o
dedo de Deus escreveu na sua alma: “Antes que eu
te formasse no ventre materno, eu te conheci, e antes
que saísses da madre, te consagrei e te constituí
profeta às nações” (Jeremias 1:5).
Os homens do destino sofrem os mesmos, e por
vezes mais, reveses e frustrações que flagelam todos
os homens. A diferença é que eles sabem que há um
supremo esquema das coisas e um plano soberano.
Portanto, as dores e problemas do presente não lhes
parecem tão importantes. Eles mantêm seu espírito
“Invicto” , em plena face da derrota.
C om o hum anos freqüentem ente interpre­
tamos mal o significado do destino. Para nós a vida
toma-se um fim em si mesma e os sucessos ou
fracassos de agora são considerados com o fins
contidos neles mesmos.
50 Fruto d o Espírito
Nossos problemas centralizam-se no fato de que
perdemos nossa perspectiva. Quando a tragédia se
abate, vem a morte, ou a derrota destrói nossas
ambições, há a tentação de perder de vista o eterno.
Contudo, foi essa visão do eterno a chave da grande
alegria dos apóstolos. De acordo com a tradição,
onze deles morreram mártires, só João tendo cer­
rado os olhos por morte natural. Paulo, falando por
todos os apóstolos podia dizer: “Porque a nossa leve
e momentânea tribulação produz para nós eterno
peso de glória, acima de toda comparação, não
atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que
se não vêem; porque as que se vêem são temporais,
e as que se não vêem são eternas (2 Coríntios
4:17-18). Sabem os que não vivemos para os mes­
quinhos setenta anos de vida terrena, porém somos
criaturas da eternidade.

Antes, nessa carta aos Coríntios, Paulo afirma que


porque seus olhos estão no eterno, os problemas
imediatos podem ser relegados aos seus próprios
lugares. “Em tudo somos atribulados”, diz Paulo,
“porém, não angustiados; perplexos, porém não
destruídos (2 Coríntios 4 :8 e 9). Mas, para que m e­
ramente não tenhamos por meta aquela vida eterna
e “soframos” nesta, ele acrescenta: “Pois, na ver­
dade, os que estamos neste tabemáculo gememos
angustiados, não por querermos ser despidos, mas
revestidos, para que o mortal seja absorvido pela
vida... É por isso que também nos esforçamos, quer
presentes, quer ausentes, para lhe ser agradáveis”
Sede da verdade 51
( 5 :4 ,9 ). Paulo n ão era um santo sofredor,
atordoando-se com a vida até que Deus o libertasse.
Em lugar disso, era um filho de Deus, cheio de ale­
gria, de exuberância e vida, que não se deixava
abater pelos reis, sacerdotes, cadeias ou açoites. Ele
era um homem possuído pela alegria da presença de
Deus.
É de vital importância que o homem acredite no
propósito fundamental da criação. Com o um prega­
dor famoso certa vez observou: “S e a irreligiosidade
fosse só d escren ça na religião, p od eriam os
enfrentá-la; mas em toda a irreligiosidade — redu­
zindo o universo em prótons e eléctrons, que leva à
cegueira; sem Deus algum ou um propósito espiritual
nele — não se trata só de descrença em religião, mas
em descrença fundamental na própria vida.” Ele
observou ainda que o resultado lógico de tal ceti­
cismo levava o povo a pensar: “De que vede afinal?”
E o resultado psicológico seria o cinismo pessoal.
Carl Yung, o notável psicólogo suíço, ouviu certa vez
de um paciente: “S e ao menos eu soubesse que
minha vida tinha algum significado e propósito,
então, não haveria nenhuma estória tola sobre meus
nervos.” A personalidade humana não pode flores­
cer sobre nenhuma idéia tão fútil acerca da vida.
Assim, a semente da alegria é espalhada pelo Es­
pírito e quando reconhecemos a fonte da alegria,
conservamos nosso espírito receptivo às suas, por
vezes, muito suaves vozes nas coisas que nos cercam
e mantemos nossa perspectiva recordando-nos de
que somos criaturas do destino. A alegria aumentará
52 Fruto d o Espírito
em nossas vidas até conhecermos a emoção não
somente de momentos fragmentários de alegria, mas
o rio que flui continuamente, esparzindo-se sobre as
nossas vidas. Este é o fruto do Espírito de Paulo, a
alegria. Finalmente, um lembrete:

Nada há que eu possa dar-te que já não


tenhas,
Mas há muito em mim que, embora não
possa dar-te, podes tomar.
A tristeza do mundo é apenas sombra;
Atrás dela, ao teu alcance, está a alegria:
Toma-a, pois!
4
PIOR
DO QUE
A GUERRA

Uma chuva de tiros espalhou na tarde ensolarada


o sangue de um berlinense quando ele tentou atra­
vessar o muro infame. Durante quarenta e cinco
minutos de agonia ele suplicou à polícia de Berlim
Oriental que o retirasse do muro e lhe desse o so­
corro de um médico. Estoicamente eles permane­
ceram com as armas engatilhadas, enquanto o san­
gue do outro se esvaia. Essa é a paz de Berlim.
Há muitas espécies de paz no mundo. Andando
junto àquele muro de Berlim podia-se sentir os olhos
dos guardas perfurarem suas costas. Há ali uma ten­
são terrível, uma questão política em muitos sentidos
pior do que a guerra. Contudo, dir-se-ia haver au­
sência de guerra declarada e isso é um certo tipo de
paz.
Há também a paz de Auschwitz, a paz da morte.
Hitler procurou fazer a paz com os jud eus,
exterminando-os nas suas pavorosas câmaras de
54 Fruto d o Espírito
gás — sua “solução final”. Também, há a paz da es­
cravidão e sujeição como os romanos forçaram seus
súditos. A revista Decision recentemente disse que
essa podia ser chamada a paz do Tibete: ‘ ‘A nação do
Tibete foi completamente destituída de sua persona­
lidade em nossa geração pela China comunista sem
que fosse feito um único protesto em frente a uma
única embaixada. Há paz no Tibete, mas o tibetanos
acabariam com ela se pudessem.”
Há ainda a paz dos tranqüilizantes, do uísque, a
paz dos viciados em narcóticos e bebidas alcoólicas.
Há a paz dos encarcerados em instituições mentais e
a dos prisioneiros que sofrem lavagem cerebral. A
paz dos “hippies” com uma “viagem” através do
LSD é outra espécie de paz. Mas como Winston
Churchill disse com tanta propriedade: “Há muitas
coisas piores do que a guerra. A escravidão é pior do
que a guerra. A desonra é pior do que a guerra.” E a
maioria da paz conhecida hoje no mundo é pior do
que a guerra. Ou, na melhor das hipóteses, é indu­
zida artificial e temporariamente. Longfellow fez eco
à nossa consternação há um século atrás:

E em desespero a cabeça baixei:


“Não há paz na terra” , assim declarei,
“Por que o ódio é forte
e zomba do canto de paz
que à terra a boa vontade traz!”

Parece termos razão de desesperar quando consi­


deramos que oitenta e cinco por cento de toda a
Pior do que a guerra 55
história tratam de guerra. Na breve história dos Esta­
dos Unidos temos estado continuamente envolvidos
em algum tipo de conflito. Mesmo a doação feita por
John D. Rockfeller, de oito e meio milhões de dóla­
res, para promover as Nações Unidas parecem des­
perdiçados porque tensões ainda apertam a garganta
do mundo.

A contradição de Cristo
Isaías com clara antecipação diz “.. .e o seu nome
será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da
Eternidade, Príncipe da Paz” (Isaías 9:6). Todos os
eruditos cristãos concordam em que esse verso se
refere a Cristo, o Menino nascido e o Filho dado. Os
anjos refletem esse pensamento, ao anunciarem aos
pastores: “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz
na terra entre os homens” (Luc. 2:14). Os discípulos
de Cristo esperavam o cumprimento dessas profe­
cias e eis que um dia ele os deixa abalados com uma
idéia constemadora, contrária a tudo que eles tinham
lido ou ouvido. Jesus disse: “Não penseis que vim
trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.
Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai;
entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra.
Assim os inimigos do homem serão os da sua própria
casa” (Mateus 10:34-36).
Uma compreensão superficial da paz levaria al­
guém a julgar que há contradição entre o que foi
profetizado acerca de Jesus e o que ele disse. C on­
tudo, pesquisas acuradas procuram desvendar o
mistério e lançar verdades profundas nos corações
56 Fruto d o Espírito
inquiridores. Deus disse a Jeremias: “Olha que hoje
te constituo sobre as nações, e sobre os reinos, para
arrancares e derribares, para destruíres e amainares,
e também para edificares e para plantares (Jeremias
1:10). Aqui está a fórmula. Antes que a graça pura
possa penetrar numa vida, deve haver a escavação, a
limpeza, a destruição, pondo abaixo falsos ideais,
deuses, atitudes e processos mentais. E essa mano­
bra, como Jesus predisse, causará tumulto e tensão.
Jesus mais tarde esçlarece o tema, dizendo que
uma roupa nova não é remendada com um pedaço
de pano velho ou o vinho novo colocado em odres
velhos. Portanto, antes que a paz possa vir deve
haver a revolução do caráter que Jesus classificou
como “novo nascimento” . A Escritura nos avisa e
adverte que não podemos servir a dois senhores.
Uma fonte não pode dar tanto água amarga como
doce, e uma árvore só pod^1produzir um tipo de.
fruto. Paulo, com agudez, pergunta “. . .que socie­
dade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? ou
que comunhão da luz com as trevas? Que harmonia
entre Cristo e o Maligno?. . . (2 Coríntios 6:14,15).
Cristo ataca o problema, repara os danos nas
mentes conturbadas, e as reconstrói e planta atitudes
e ideais próprios. S ó depois disso o homem de fato
conhecerá a paz verdadeira. Paz não é só ausência
de conflito, retirada, uma forçada tranquilidade psí­
quica, porém uma profunda “retidão” interior que se
reflete exteriormente. O relato de Lucas sobre a
mensagem dos anjos é mais propriamente interpre­
tada “Paz na terra entre os homens de boa vontade.”
Pior do que a guerra 57
Cristo na verdade é o Príncipe da Paz pois os que o
conhecem encontram no íntimo essa retidão e a boa
vontade dela resultante. A história registra alguns
fatos desse tipo de paz em ação: a atitude do Rei
Alfredo para com os dinamarqueses em 878, a sim­
patia do Presidente Lincoln com o Sul, em 1865 e o
tratamento dado aos japoneses pelo General Mac-
Arthur em 1945. Isso é paz numa escala humana
exercida por homens de “boa vontade” que tinham
encontrado paz interior.
Nos últimos tempos, quando vier o Reino de
Cristo, o mundo verá essa paz em plena ação. Até lá
podemos promover a paz adequada em nossas vidas
e ser homens de boa vontade. Tiago nos lembra:
“Ora, é em paz que se semeia o fruto da justiça, para
os que promovem a paz” (Tiago 3:18). Paulo diz: “O
fruto do Espírito é paz. ’ ’ A paz que Cristo dá não é só
nas boas circunstâncias, ou como os estóicos que
subjugavam seus sentimentos, ou como os epicuris-
tas que não admitiam um pensamento doloroso, mas
uma tranqüilidade absoluta presente em todas as
circunstâncias e tensões. Num certo nível de profun­
didade o oceano permanece calmo apesar dos ven­
tos tempestuosos que varrem sua superfície ou fon­
tes que brotam vigorosas do fundo. Da mesma
forma, há uma paz em Cristo que transcende dificul­
dades e ela é fruto do Espírito.
58 Fruto d o Espírito
Fazendo da paz um exercício
Definir a paz de pouco adianta, já que o diagnós­
tico é quase sempre mais fácil do que a cura. C on­
tudo, a Bíblia não só fala da paz que passa desperce­
bida, como também oferece conselho prático acerca
de como exercitar a paz na nossa vida diária. Essas
sugestões são divulgadas desde o princípio da Bíblia
até às visões triunfantes de Jo ã o no apocalipse. Al­
gumas delas são de auxílio valioso.
C onhecer a Deus. Assim com o a fonte da verda­
deira alegria é Deus, também ele é a fonte da paz. O
discurso eloqüente de Elifaz no livro de Jó aconselha:
“Reconcilia-te, pois, com ele, e tem paz” (Jó 22:21).
Paulo mais tarde esclarece o conceito de paz em
Efésios 2 :1 4 : “Porque ele [ Cristo ] é e nossa
paz. . .” Justiça e retidão só podem vir de Deus;
assim, só pode haver paz no coração quando Cristo
tem o pleno controle da vi^a.
Amando a sua lei. O Salmista disse há séculos:
“Grande paz têm os que amam a tua lei; para eles
não há tropeço” (Salmo 119:165). Neste tempo de
ceticismo é fácil desconsiderar, a Palavra de Deus e
considerá-la como inaplicável. Contudo, as verdades
eternas escondidas nelas ajudarão os que estão pre­
sos na trama de algum dilema. Um dia perguntaram
ao Dr. Smiley Blanton, diretor da Fundação Norte-
-Americana de Religião e Psiquiatria, se ele lia a
Bíblia. Ele replicou: “Não somente leio como a es­
tudo. É o maior texto escrito sobre o comportamento
humano jamais apresentado na íntegra. Se o povo
unicamente absorvesse sua mensagem, grande nú­
Pior do que a guerra 59
mero de nós, psiquiatras, fecharíamos nossos con­
sultórios e iríamos pescar.” Ele prossegue com en­
tando quão desassisado é não fazer uso da sabedoria
destilada de 3 .0 0 0 anos.
A Palavra de Deus nos afirma a “retidão” final das
coisas e que tudo na verdade concorre para o bem.
Ela determina princípios básicos para a paz, tais
como: “por baixo de ti estende os braços eternos;
ama a teu próximo como a ti mesmo; não vos in­
quieteis com o dia de amanhã; conhecereis a ver­
dade e a verdade vos libertará.” Paulo diz a Timóteo
que a Escritura é proveitosa “a fim de que o homem
de Deus seja perfeito.. ( 2 Timóteo 3:17). Há paz
em amar e viver a sua Palavra. Uma familiaridade
com a Palavra de Deus pode ajudar-nos a resolver
nossos problemas, pois a Bíblia encerra muitos
exemplos de homens do passado que tiveram pro­
blem as sem elhantes, mas foram vitoriosos em
sobrepujá-los.
Pratique a paz. Paulo escreve aos Colossenses:
“Seja a paz de Cristo o árbitro em vossos cora­
ções. . . (Colossenses 3:15). Para ter paz e retê-la
devemos praticá-la.
O psicólogo William Jam es disse muito a respeito
da verdade da admoestação. Ele foi um dos primei­
ros psicólogos a propor a teoria de que cada sensa­
ção, cada contacto com o mundo exterior deixa um
traço permanente entre os dez bilhões de células
cerebrais. Esses traços são permanentes e constan­
temente cumulativos, e a soma total deles constitui
nossa personalidade e caráter. Ele prossegue acen­
60 Fruto d o Espírito
tuando que qualquer coisa que façamos facilita a sua
repetição. Isso porque as correntes elétricas regis­
tram tudo o que está acontecendo e abrem caminho
entre as células cerebrais. Quanto mais freqüente-
mente uma ação é realizada, tanto mais profundos e
largos ficam esses caminhos. Jam es disse: “O
homem que se acostumou diariamente a hábitos de
atenção concentrada, volição energética e renúncia
própria permanecerá como uma torre quando tudo
se abate sobre ele e quando seus companheiros
mortais mais fracos foram arrojados como palha pelo
vento. Sem eie uma ação e você colherá um hábito;
semeie um hábito e ceifará um caráter; semeie um
caráter e terá um destino.”
Sua teoria foi ainda mais explícita quando ele
disse: “Estamos tecendo nossos próprios fados,
maus ou bons. Cada pequeno golpe de virtude ou
vício deixa sua cicatriz, nem sempre pequenina.
Assim com o nos tom am ostjêbados com tantos goles
que tomamos separadamente, tomamo-nos santos,
autoridades e peritos por muitos atos separados e
horas de trabalho.” Em outras palavras, a paz pode
descer às nossas vidas se deixarmos que ela governe
nossas vidas e agirmos conscientemente sobre a paz
que agora temos. A paz permanente, a de Cristo,
dominará toda a nossa existência. Ficaremos calmos
durante a tensão, imperturbáveis nas aflições, e re­
solutos ante o desastre. Essa foi a paz da mente, do
coração e caráter que Jesus manifestou durante as
horas angustiosas da prova no Calvário.
Pior do que a guerra 61
A feitura do homem
Algumas vezes é difícil conservar a mente e o
coração calmos em tempos de tormenta. Contudo,
se pudéssemos compreender que há um esquema
superior de coisas e que Deus está promovendo algo
muito mais valioso em nossas vidas, sobreviría a
calma de espírito a despeito das circunstâncias. Deus
procura fazer de nós homens.
Nasceu na turbulência e luta do século quinze um
dos maiores gênios que o mundo conheceu. Seu
nome era Michelangelo Buonarroti, e ele foi mestre
não só na pintura, mas na arquitetura, ciência e,
sobretudo, na escultura. Ele sentia-se escolhido por
Deus para arrancar da pedra grandes obras de arte
que pareciam respirar com vida.
Frequentemente Michelangelo dizia que a arte
para ele não era ciência, mas “fazer homens.” Ele
considerava a pedra uma prisão na qual viviam for­
mas vitais e seu desafio era “libertar a figura do
mármore que a aprisiona” . Por causa desse gênio o
mundo tem obras tão famosas como Davi, a Pietá,
Moisés e Baco.
O empenho de Michelangelo por libertar formas
de suas pétreas prisões não é senão uma sombra do
Grande Artista, Deus, e seu desejo de criar homens.
Contudo, Deus faz o que artista algum podería fazer,
pois não somente configura a forma do homem, mas
sopra nele vida, e vida mais abundante. O Grande
Escultor fala de esculpir a alma do homem “para
serem conformes à imagem de seu Filho” (Rom.
8:29). Deus arrebata das pedras de nossa fragilidade
62 Fruto d o Espírito
humana e fragorosa insuficiência uma imagem vi­
brante ali aprisionada. Liberta-a pelo seu poder para
viver para sempre na atmosfera regozijante de sua
presença.
Em vários lugares da Escritura há o retrato de Deus
como Grande Artífice, trabalhando a sua criação,
moldando-a e configurando-a até ficar satisfeito com
o seu trabalho. Este retrato de Jeová devia ser o de
Jó , quando escreveu: “As tuas mãos me plasmaram
e me aperfeiçoaram , porém , agora, qu eres
devorar-me. Lembra-te de que me formaste como
em barro; e queres, agora, reduzir-me a pó?” (Jó
10:8-9).
Para alguns essa imagem de Deus pode parecer
absurda. Deus parece muito grande para trabalhar
um bloco de bano ou se preocupar com a alma
ínfima de um simples homem. Contudo, Paulo rea­
firma: “Estou plenamente certD de que aquele que
começou boa obra em vós há de completá-la até ao
dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1:6). Se o coração
ainda duvida de seu interesse pessoal é só ler o
cântico do salmista que insiste: “O que a mim me
concerne o Senhor levará a bom termo; a tua miseri­
córdia, ó Senhor, dura para sempre; não desampa­
res as obras das tuas mãos” (Salmo 138:8).
Isaías fala muito da grandeza e majestade de Deus.
Fala das nações não sendo mais que uma gota no
oceano comparadas ao poder e providência de Deus.
Isaías viu a santidade de Deus como qualquer coisa
tão sagrada que exclamou: “Ai de mim! Estou per­
dido! porque sou homem de lábios impuros.” Con­
Pior do que a guerra 63
tudo, esse mesmo profeta de língua com o a prata
disse que Deus escreveu na sua alma: “Acaso pode
uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama,
de sorte que não se compadeça do filho do seu
ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele,
eu, todavia, não me esquecerei de ti.” Para melhor
acalmar uma nação frágil e esmorecida, Deus pros­
segue: “Eis que nas palmas das minhas mãos te
gravei; os teus muros estão continuamente perante
mim” (Isaías 49: 15-16). Deus é o Escultor por ex­
celência interessado na beleza de nossas vidas.
Os escultores por vezes fracassam quando suas
prisões de pedra se recusam a apresentar alguma
parte essencial de seus prisioneiros. Michelangelo
sentiu essa frustração quando esculpia São Mateus.
Quando estava em meio, essa obra parecia sugerir a
luta por se libertar. Todavia, Michelangelo não
podia, malgrado seu esforço, libertá-la. Ele depôs
seu instrumento, desanimado. Poder-se-ia pergun­
tar: “A figura não podia ser terminada de alguma
forma? Não havia porventura material suficiente
para isso?” Ele provavelmente podia ter terminado a
estátua, porém não na forma que desejava e, nesse
caso, o fracasso teria sido mais esmagador. Então ele
parou. Michelangelo deixou muitas estátuas inaca­
badas, quatro das mais famosas são os Gigantes
Cativos em Florença. Nesses trabalhos ele fracassou.
É possível que a pedra de nossa vida seja tão
estragada ou rija que Deus desista de nós no seu
processo de esculpir? Jeremias responde a isso na
parábola pungente do oleiro que está ocupado fa­
64 Fruto d o Espírito
zendo vasos. Enquanto ele observava os dedos ágeis
do artista, sobreveio uma crise: “Como o vaso, que o
oleiro fazia de barro, se lhe estragou na mão, tomou
a fazer dele outro vaso, segundo bem lhe pareceu.”
Certo de que Jeremias compreendeu o significado,
Deus disse de Israel: “.. .Não poderei eu fazer de vós
como fez este oleiro? diz o Senhor; eis que como o
barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha
mão” (Jeremias 18:4-6).
Ao passo que alguns artistas fracassam por causa
das deficiências de seu material, Deus não pode
falhar, mas continuará a moldar vasos para o seu
uso. Ele se empenha por vencer. Assim freqüente-
mente provamos quão corrompidos somos. Davi o
evidenciou, e Moisés certamente mostrou cada traço
humano e terestre. Contudo, Deus pacientemente
molda e toma esses vasos à sua semelhança. Davi
podia orar confiantemente: “Compadece-te de mim,
ó Deus, segundo a tua benignidade; e, segundo a
multidão das tuas misericórdias, apaga as minhas
transgressões” (Salmo 51:1). É uma grande fonte de
paz ouvir o salmista cantar: “Leitibra-se de que eles
são carne.”
Se por um lado o pensamento de sermos esculpi­
dos por Deus e termos as nossas arestas aplainadas é
agradável, por outro nos fere. Não somos pedras que
suportam sem dor as pancadas do cinzel. Alguns
golpes que recebemos tómam-nos melhores, mas
nos ferem profundamente. O processo da libertação
é em geral longo e pode manifestar-se como extre­
mamente difícil para nós. Não parecemos com ­
Pior do que a guerra 65
preender por que determinada moléstia é para o
nosso bem, ainda que a Palavra declara: “Ele me faz
repousar.” O desapontamento tragando nossa am­
bição mata nossas esperanças e não sabíamos que
nossos amigos cristãos poderíam ou quereríam
ferir-nos tão duramente. Uma mulher, após perder
seu ente amado exclamou: “Oh, eu queria nunca ter
sido feita.” Sua amiga replicou sabiamente: “Você
não está feita — está sendo feita. Isto é parte do
processo.” Cada sucesso, cada fato e acontecimento
faz parte do processo de escultura de Deus, e “S a ­
bemos que todas as coisas cooperam para o bem
daqueles que amam a Deus” (Romanos 8:28). É
verdade, mas ainda magoa. Em ocasiões como essas
precisamos não só do sopro do Artista como do
toque do Grande Médico.
Um dos mais belos aspectos de Cristo é o de ele
curando os homens enfermos. Note: Ele os tocava.
Colocava suas mãos nos seus olhos, nas suas frontes
febricitantes, nos seus membros claudicantes. E com
esse toque vinha a cura, afastando não só a dor, mas
a lembrança dela. Na última Ceia, ele lavou os pés de
seus discípulos. Quantas vezes eles devem ter pen­
sado naquele momento, quando nos anos seguintes
ansiavam pela sua volta.
Cristo falou sobre o amor de seu Pai na história do
filho pródigo. O pai tinha toda a razão de estar zan­
gado com os desatinos do rapaz. Ele tinha esperdi-
çado sua fortuna e educação. Contudo, não o espe­
rou à porta com uma palavra fria de boas-vindas ou
um aperto de mão relutante. Ao invés disso, obser­
66 Fruto d o Espírito
vando ansiosamente, viu ao longe seu filho, correu,
lançou-se aos seus braços e beijou-o. Esse é o toque
de cura.

Davi fala sobre esse toque no seu famoso salmo do


pastor. “Refrigera-me a alma.” As ovelhas na Pales­
tina têm um instinto extraordinário de rebanho.
Cada manhã elas partem em seu lugar particular na
fila e assim se conservam. Contudo, por vezes du­
rante o calor do dia cada uma se afasta do seu lugar
na fila e trota na direção do pastor para receber um
afago na cabeça, uma fricção atrás da orelha. Satis­
feita porque o pastor a ama, a ovelha volta ao grupo
com a sua alma refrigerada. Davi acrescenta clara­
mente nos versos finais: “Unges-me a cabeça com
óleo.” À noite o pastor senta-se à porta do redil e
examina cada ovelha que entra. S e alguma se feriu
ou está machucada, ele toma do ungüento curativo e
o despeja abundantemente sobre a ferida. Não ad­
mira que Davi exclamasse: “O meu cálice trans­
borda.”

Não é sempre fácil ser feito homem por Deus.


Contudo, aquele a quem ò Filho liberta, está real­
mente livre. Quando tivermos sido libertados da pri­
são da carne que nos encerra em frustração e fra­
casso, tomamo-nos as grandes peças de arte que
Deus deseja de nós. E realmente aprendemos a
viver! O Escultor-Mestre está trabalhando, e nossa
oração deve ecoar como a de Paulo “. . .o qual se
esforça sobremaneira, continuamente, por vós, nas
orações, para que vos conserveis perfeitos e plena-
Pior do que a guerra 67
mente convictos em toda a vontade de Deus” (Co-
lossenses 4:12).
Quando a história final deste século for escrita,
dir-se-á provavelmente que temos procurado mais e
encontrado menos paz do que todas as gerações
anteriores. Por vezes a paz é como acomodar gati-
nhos numa cesta. Você acaba de colocar um dentro e
outro salta fora. Em todo o mundo irrompem pontos
de discórdia como bolhas pútridas expelindo violên­
cia e o pus de atrocidades humanas.
A paz pessoal parece tão justa quanto ilusória. Os
homens buscam a paz através de sua própria explo­
são — na bebedeira, nos excessos sexuais, drogas, e
coisas que tais. Tragicamente, como o poeta persa
Ornar Khayyam, eles saem pela mesma porta pela
qual entraram. Nesta era, a voz da religião verda­
deira, vital, precisa soar com o um chamado de cla­
rim, de forma a que os homens possam ver o Prín­
cipe da Paz. Pode-se ter paz, porém tem de ser a paz
pura e permanente de Cristo.
Só depois de obtermos uma paz assim podemos
assimilar a última estrofe daquele famoso cântico de
Natal de Longfellow:

Então repicaram sinos


mais alto e mais suave:
“Deus não morreu nem dorme.
Declinará o mal,
e prevalacerá o bem
com paz na terra,
entre os homens”
5
OS
ANOS DO
GAFANHOTO

Por mais de vinte anos Robert Frost foi um fra­


casso. Costumava dizer que durante esse tempo ele
era uma das muito poucas pessoas que se reconhe­
ciam como poeta. O mundo deplorou sua morte
recente, e hoje ele é apontado como um dos maiores
poetas norte-americanos. Seus poemas foram publi­
cados em vinte e dois idiomas e só a edição norte-
-americana vendeu cerca de um milhão de exem ­
plares. Por quatro vezes ele foi o vencedor do cobi­
çado Prêmio Pulitzer de poesia e recebeu provavel­
mente mais títulos honoríficos do que qualquer
homem de letras.
Robert Frost tinha trinta e nove anos antes de
vender um volume.de poesia. Tinha estado a escre­
ver durante vinte anos e recebeu rejeição sem fim ao
seu trabalho. Contudo, sua perseverança valeu e o
mundo é mais sábio e rico por causa dela.
O Dr. George Crane, eminente psiquiatra, recen­
70 Fruto d o Espírito
temente registrou vários ingredientes para se atingir a
culminância. Entre eles anotou o que se espera ver
numa tal lista: talento, responsabilidade e devoção à
tarefa. Então, surpreendentemente, ele disse que o
vigor físico também é necessário. Ele argumenta que
muitos homens não alcançam o ápice de suas aspira­
ções senão tarde na vida e que, portanto, a resistên­
cia é necessária. Ele citou Winston Churchill como
exemplo ímpar.
O que é verdade quanto ao físico também é cer­
tamente quanto ao espiritual. S e queremos alcançar
o plano mais alto a que Deus nos quer levar, deve
haver resistência espiritual ou vigor. Paulo chama a
este fruto do Espírito, longanimidade, que é melhor
definida como resistência em todas as situações.
Cristo disse: “Aquele, porém, que perseverar até ao
fim, esse será salvo.” O escritor da epístola aos He-
breus apresentou essa verdade. “Porque nos temos
tomado participantes de Cristo, se de fato guardar­
mos firme até ao fim a confiança (Hebreus 3:14).
Mais tarde ele'observou que Cristo coloca a paz
como resistência: “. . . o qual em troca da alegria que
lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazendo
caso da ignomínia, e está assentado à destra do trono
de Deus” (Hebreus 12:2).
Na última década ergueu-se um tumulto acerca do
“Cristianismo fácil.” Alguns declaravam que os pre­
gadores tinham tomado essa fé muito fácil, ao passo
que outros replicavam que Cristo disse ser leve seu
fardo e seu jugo suave. Ainda que pareçam ser para­
doxais, ambos os argumentos são corretos. É fácil
Os anos do gafanhoto 71
deixar Cristo viver em você, mas há uma luta etema.
Paulo ressalta: “Porque a nossa luta não é contra o
sangue e a carne, e, sim, contra os principados e
potestades, contra os dominadores deste mundo te­
nebroso, contra as forças espirituais do mal nas re­
giões celestes” (Efésios 6:12). Na sua última carta a
Timóteo, Paulo admoesta: “Participa dos meus so­
frimentos, como um bom soldado de Cristo Jesus”
(2 Timóteo 2:3). É fácil servir a Cristo porque
“. . . maior é aquele que está em vós do que aquele
que está no mundo” (1 João 4:4). Mas é difícil por­
que, como Jesus disse a Pedro: “Eis que Satanás vos
reclamou para vos peneirar como trigo” (Lucas
22:31).

Levado ao desespero
Sábio guerreiro, Satanás não se atém a grandes
batalhas, mas investe em nossas pequenas lutas.
Visto como esperamos alguma refrega grande, al­
guns repentinos ataques de seus quartéis, freqüen-
temente desconsideramos a erosão dos contrafortes
de nossas almas pelos seus repetidos ataques a pe­
quenas coisas. Uma mulher atribulada deu-me um
dia um poema, sussurrando-me que ele descrevia o
que lhe sucedera. Não conheço o autor, mas posso
testificar quanto à verdade expressa.

Pensava que se a derrota


sobreviesse,
seria em grande peleja,
rude, definitiva,
72 Fruto d o Espírito
com uma causa e um nome.
E ela veio.

Em escaramuças cotidianas,
de pouca monta, não cogitei;
e assim as costas lhes dei
anos a fio, até que um dia
um milhão de minúcias soltas
contra mim se ergueu e me esmagou.

Coisas pequeninas levam-nos ao desespero. Uma


insolúvel frustração, ainda que pareça sem impor­
tância e tola, cresce até obstruir o caminho ante nós.
Nessas ocasiões agimos e reagimos fora do caráter
do testemunho cristão. Foi o que aconteceu a um
rriinistro texano que estava programado para falar
numa conferência. Ele corria, atrasado, porque seu
despertador não havia funcionado. Na pressa de
ganhar o tempo perdido, cortou-se quando se bar-
beava. Então, verificou que suas calças não estavam
passadas a ferro. Para piorar a situação, ao correr
para seu carro, notou que um pneu se esvaziara.
Aborrecido e, a essa altura de todo desorientado, o
ministro afinal pôs-se a caminho em grande veloci­
dade. Correndo pela cidade, não notou um sinal de
parada e passou à frente. Por obra do destino, havia
por perto um guarda e a seguir ele ouviu o estrídulo
de um apito.
Pulando do seu carro, o agitado ministro disse
asperamente: — Está bem, vamos, dê-me a notifica­
ção da multa. Hoje tudo saiu errado mesmo.
Os anos do gafanhoto 73
O guarda aproximou-se e disse calmamente:
— Senhor, eu costumava ter dias assim antes de
me tomar cristão.
É desnecessário dizer que o embaraçado ministro
ficou envergonhado com a réplica do desconhecido
e prosseguiu seu caminho pedindo perdão e orando
para ter forças de corrigir sua atitude.
Todos nós temos dias quando as coisas parecem
não correr bem. Mesmo os cristãos não estão livres
de tensões da vida que estraçalham nossos nervos.
Cristo nunca prometeu liberdade da tensão, mas
resistência na tensão. S e Satanás pode minar nossas
forças nesses instantes de lutas, suas grandes bata­
lhas são desnecessárias.
Ao considerarmos o relato do ministro do Texas
nossas mentes se voltam para situações semelhantes
em nossas vidas, quando fomos os perdedores numa
dessas pequenas refregas espirituais com Satanás.
Seria conveniente considerar o que pode ser feito
para impedir uma derrota no futuro e resistir durante
esses momentos tormentosos.
Alguém esqueceu um hífen e isso custou ao go­
verno dos Estados Unidos cerca de 1 8 .0 0 0 ,0 0 0 de
dólares. A revista “Seleções” registrou o incidente e
desse que o hífen foi omitido ao serem transmitidas
instruções a um computador que devia dirigir um
foguete a Vênus.
Um acervo de informações codificadas alimentou
a máquina e guiou o foguete na primeira fase do vôo.
Por um momento o computador e o foguete perde­
ram o contacto. Ainda que o foguete se desviasse
e

74 Fruto d o Espírito
levemente do curso, um hífen — eles o chamam
“barra” — nas instruções devia informar ao foguete
que não se preocupasse. Não houve a barra e o
foguete se alterou. O computador começou a enviar
o rumo das direções que não eram certas, e o foguete
teve de ser destruído.
Comentando o incidente, o repórter disse: “Uma
patética e, de forma acidental, uma história humana.
O foguete foi aparelhado para uma viagem de
1 8 0 .0 0 0 .0 0 0 de milhas e desgovemou-se com o
comprimento de um -.
Eu gosto de pensar na oração como o hífen de
nossas vidas. Ela não leva muito tempo. O tempo de
nossas orações pode ser minutos ao invés de horas;
pode preencher momentos casuais do dia. Contudo,
esse pequeno hífen em nossas vidas é que nos diz
para não nos preocuparmos, e por vezes soçobra-
mos em frustração.
O melhor tempo para orar sobre um assunto é
quando ele o preocupa. S e o ministro tivesse empre­
gado seu tempo, assim que se levantou, para inserir o
hífen da oração no seu dia, ele provavelmente teria
tomado uma atitude bem diversa. Como se passa­
ram as coisas, uma agregou-se à outra até que ele
explodiu. Se pudéssemos aprender o segredo do
acesso instantâneo a Deus, nossa resistência durante
a refrega seria muito maior.
Há duzentos anos um monge que lavava vasilha­
mes e panelas num mosteiro deu-nos uma chave
preciosa de como viver. O irmão Lawrence, que
ficou muito conhecido não por causa de sua teologia
Os anos do gafanhoto 75
brilhante, mas por viver tão plenamente com o
Cristo, escreveu um livrete, A Prática da Presença de
Deus. Ele dizia: “O tempo do trabalho, para mim,
não difere do tempo da oração; e no barulho e
alarido de minha cozinha, enquanto várias pessoas
estão falando ao mesmo tempo de coisas diferentes,
eu me aposso de Deus em tão grande tranqüilidade
como se estivesse ajoelhado num bendito sacra­
mento.”
Então aqui está a chave: o acesso instantâneo.
Precisamos comprender que Cristo está conosco em
cada momento. Na iminência da frustração devemos
volver-nos para ele em busca de sabedoria, força e
graça. O escritor do cântico estava certo.

Quanta paz esperdiçada,


quanta dor sofrida em vão,
só porque nós não levamos
tudo a Deus em oração.

Satanás não precisa ter êxito nas pequenas esca­


ramuças, se entregamos o controle de nossa vida
àquele que venceu pela cruz e deseja tomar-nos
vencedores pela nossa vida.

A questão do por quê


Talvez o maior teste de nossa resistência ocorra
quando o sofrimento com o que nos abate e somos
tentados a propor a questão do “por quê?” Enfren­
tando em cheio a aflição, é difícil ver qualquer sen­
tido nas coisas que nos atingem e queremos questio­
76 Fruto d o Espírito
nar a integridade de um Deus fiel. Contudo, esses1
momentos podem ser os mais significativos em nossa
vida. O velho profeta Joel cita Deus: “Restituir-vos-ei1
os anos que foram consumidos pelo gafanhoto. .
(Joel 2:25).
Há anos na África do Sul em que os gafanhotos
devastam a terra e comem a colheita. Eles vêm em
hordas, obscurecendo o sol. Arrasada a colheita,
segue-se um inverno duro. “Os anos consumidos
pelo gafanhoto” são temidos e causam terror. Mas
nos anos seguintes, a África do Sul obtém as mais
abundantes colheias, porque os corpos dos gafa­
nhotos servem como fertilizante para as novas se­
mentes. E o ano do gafanhoto é recuperado por
grandes colheitas em toda a terra.
Isso serve como parábola para nossa vida. Há
estações de grande angústia e tribulação que por
vezes destróem toda a utilidade de nossa vida. Con­
tudo, a promessa é que Deus restaurará esses anos.
do gafanhoto, se resistirmos. Ceifaremos se não de­
sanimarmos. Ainda que agora desconheçamos todos
os “por quês” , podemos estar certos de que nossos
tempos estão em suas mãos. Penso que há três ra­
zões para Deus permitir que seus santos sejam afligi­
dos e talvez possa ser de proveito considerá-las.
A primeira é disciplina. Há muitos anos um
homem perdeu sua esposa subitamente com um
derrame cerebral. Mais tarde ele adoeceu por um
ano e ficou incapacitado para se mover. Depois, não
podia falar e sofreu outros ataques do coração. Não
eia um homem mau ou descrente; antes, piedoso,
Os anos do gafanhoto 77
tendo dedicado sua vida ao ministério. Não obstante,
Ezequiel sofria. Em meio ao sofrimento de seu cora­
ção ele citou Deus: “Estará firme o teu coração?
Estarão fortes as tuas mãos, nos dias em que eu vier a
tratar contigo? Eu, o Senhor, o disse e o farei” (Eze­
quiel 22 :1 3 , 14). Ezequiel compreendeu bem e co ­
municou a Israel o fato de que as aflições vinham
como disciplina. Sua própria vida era típica de como
Deus podia tratar com uma nação rebelde.
Ainda que Deus perdoou a cumplicidade de Davi
acerca de Bate-Seba, seguiu-se um castigo. Seu filho
ilegítimo morreu e a marca do sangue de guerra não
se afastou de seu lar. O verdadeiro perdão é perdoar
o pecador, porém não o pecado. O castigo deve
seguir-se por causa de terem ferido a Deus, a amigos
e ao próprio pecador. Pais fracos e ineficientes que
criam filhos egoístas e odiosos são testemunhas
trágicas de perdoar tanto o ofensor com o a ofensa.
Infelizmente, muitos não reconhecem a disciplina
quando lhes é aplicada. Falando de Davi a Samuel,
disse Deus: “Eu lhe serei por Pai e ele me será por
filho; se vier a transgredir, castigá-lo-ei com varas de
homens, e com açoites de filhos de homens.” Fre-
qüentemente a disciplina vem em forma de doença,
tristeza, ou algum grande desapontamento.
Sem considerar se a aflição advém de problemas
humanos ou de doenças, seria sábio o perguntar-se
se é justo o castigo de Deus. Antes de nos ressentir­
mos de tal disciplina devíamos aceitá-la de bom
grado e nos aperfeiçoarmos por causa dela. Leiamos
estas palavras de Hebreus 12:5-13: “Filho meu, não
78 Fruto d o Espírito
menosprezes a correção que vem do Senhor, nem
desmaies quando por ele és reprovado; porque o
Senhor corrige a quem ama e açoita a todo o filho a
quem recebe. É para disciplina que perseverais
(Deus vos trata como a filhos); pois, que filho há a
quem o pai não corrige? Mas se estais sem correção,
de que todos se têm tomado participantes, logõ sois
bastardos e não filhos. Além disso, tínhamos os nos­
sos pais segundo a carne, que nos corrigiam e os
respeitávamos; não havemos de estar em muito
maior submissão ao Pai dos espíritos e então vivere­
mos?
Pois eles nos corrigiam por pouco tempo, segundo
melhor lhes parecia; Deus, porém, nos disciplina
para aproveitamento, segundo sua santidade. Toda
disciplina, com efeito, no momento não parece ser
motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entre­
tanto, produz fruto pacífico aos que têm sido por ela
exercitados, fruto de justiça. Por isso, restabelecei as
mãos descaídas e os joelhos trôpegos; e fazei cami­
nhos retos para os vossos pés, para que não se
extravie o que é manco, antes seja curado” .
A segunda razão pela qual Deus permite que
ocorra a aflição é o desenvolvimento.
Não sucedeu muita coisa durante os oito anos de
presidência de Jam es Monroe. As coisas corriam tão
pacificamente que os historiadores apelidaram
aquele período como a “era do bem-sentir” . Con­
tudo, Jam es Monroe não é considerado um dos
grandes presidentes. Os historiadores concordam
em que a marca de um grande presidente consiste na
Os anos do gafanhoto 79
forma como ele reage em crises. Assim, Abraão Lin­
coln, George Washington, Woodrow Wilson e às
vezes F.D. Roosevelt são registrados como grandes
presidentes. É estranho, mas verdade, que a tragé­
dia, a tensão e as provações trazem à tona o que há
de melhor nos homens.
Perguntaram certa vez a Henry Ford o nome de
seu melhor amigo. O grande magnata replicou:
“Meu melhor amigo é aquele que extrai de mim o
melhor.” O cristão sente ser Cristo seu melhor
amigo. Todavia, muitas vezes, não compreendemos
a implicação dessa amizade, seu pedido para tirar­
mos de nós o melhor que temos. Daí que sejamos
afligidos pelo nosso desenvolvimento.
Palavras estranhas aparecem no Salm o 119:
“Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que
aprendesse os teus decretos” (vers. 71). E, de novo:
“Bem sei, ó Senhor, que os teus juízos são justos e
que com fidelidade me afligiste” (vers. 75). Essas
palavras não são rimas de um poeta alienado, mas o
soluço sincero de um homem desejoso de uma apro­
ximação maior com Deus. Ele sabia que as aflições
de Deus levavam os homens ao Criador. Paulo ar-
gtiia: “. . . para o conhecer e o poder da sua ressurrei­
çã o e a com u n h ão d os seu s sofrim entos,
conformando-me com ele na sua morte. . .” (Filip.
3:10).
No reverente e alegórico Cântico de Salomão há
um diálogo que fala muito do desenvolvimento na
aflição. Falando à noiva, o amado diz: “Jardim
fechado és tu, minha irmã, noiva minha; manancial
80 Fruto d o Espírito
recluso, fonte selada” (Cantares 4:12). Ele prosse­
gue dizendo que dentro do seu amor há especiarias
de doce aroma. A noiva replica: “Levanta-te, vento
norte, e vem tu, vento sul; assopra no meu jardim,
para que se derramem os seus aromas” (v. 16). O
cristão é um jardim fechado e muitas vezes a verda­
deira beleza espiritual só pode surgir quando ele se
sujeita aos ventos da aflição.
A oração de Cristo, bem como o pungente modelo
que ele ensinou aos seus discípulos não eram pedi­
dos por piedade ou livramento, mas carregados de
“Tua vontade seja feita” . Por vezes alguns apanham
a idéia de que há líderes espirituais que renegariam
santos de verdadeiro desenvolvimento, insistindo
em que Deus os livraria se tivessem fé e persistência.
Quão diversa é a atitude do que escreve em Provér­
bios 3 0 :8 “.. .dá-me o pão que me for necessário.”
Dietrich Bonhoeffer, um mártir, muitas vezes antes
de morrer disse: “Quando Cristo chama um homem
ele o convida a vir e morrer. ” Muitos caem contritos
aos pés da cruz, mas há outros que parecem na
verdade estender-se na cruz e morrer com Cristo.
Paulo era um desses. “Estou crucificado com Cristo;
logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em
mim. . (Gálatas 2:19-20). Em outro livro ele ex­
plica o sofrimento daqueles santos escolhidos, di­
zendo:
“.. .até agora temos chegado a ser considerados lixo
do mundo, escória de todos” (1 Coríntios 4:13). A
vida desses homens recorda-nos vivamente a beleza
pura de uma vida sofredora. Deus manda de fato
Os anos do gafanhoto 81
aflição para o desenvolvimento do caráter e da alma.
Direção pode também ser considerada como uma
razão pela qual Deus envia aflição.
A alma de um jovem cativo era tomada de pro­
funda tristeza. Sua viagem até ao Egito era somente
parte que o sofredor Jo sé teria de enfrentar durante
seu longo e solitário exílio. Como podería saber da
prisão que o aguardava, da traição por parte dos que
tinha ajudado e da separação dos seus queridos? S e
um homem foi jamais afligido, deve ter sido esse
jovem filho de Jacó.
À luz fria da história, pode-se ver a sabedoria da
aflição. S e José não tivesse sido vendido como es­
cravo, uma nação não teria sido preservada. S e não
tivesse sofrido assim, às mãos de seus irmãos, não
teria conhecido a compaixão pelo sofrimento que
demonstrou. Num retrospecto, desligados emocio­
nalmente, podemos ver bem como Deus usou bem a
aflição para dirigir esta vida humana.
Infelizmente não somos tão filosóficos acerca de
nossa própria situação como ao tratarmos da de
José. Nas paixões do presente, nas tormentas de
nosso tempo, não podemos ver nenhum propósito
sensível na aflição que nos atinge. Contudo, deve­
mos lembrar que atravessamos o vale da vida sem
ver o caminho adiante. Há aquele que fica além
desse vale e sabe o fim desde o princípio. Freqüen-
temente ele nos leva ao encontro da aflição para que
seu bem em vista possa ser realizado. Não admira
que J ó dissesse: ‘‘Mas ele sabe o meu caminho; se ele
me provasse, sairía eu como o ouro” (Jó 23:10).
82 Fruto d o Espírito
A história está cheia daqueles que não têm obser­
vado a direção de Deus na aflição. Saul recusou-se a
receber a aflição como direção e perdeu a unção e o
reino. Mais tarde, Salomão, homem de tão grande
promessa, desviou seus ouvidos dos rumores da afli­
ção e anos depois extraviou-se de Deus. Ele tinha
tudo para o fazer feliz, mas em certo momento per­
deu o contacto com Deus. Deus lidou com ele por
meio da aflição, mas ele fracassou em corresponder a
ela. Deve ser no seu desespero que ele escreveu:
“Melhor é a mágoa do que o riso, porque com a
tristeza do rosto se faz melhor o coração” (Eclesiastes
7:3).
O poeta disse sabiamente: “O caminho da cruz
conduz ao lar.” As cruzes conjuram imagens de sa­
crifício e sofrimento. Deus não promete bancos es­
tofados ou pistas de corrida carpetadas. Sua pro­
messa é para aqueles que vencem. Porque ele ama
os seus escolhidos e deu-se a eles, guia-os muitas
vezes com aflições. Esses caminhos não são sempre
fáceis, porém são ainda assim os mais curtos para o
lar. Após uma longa vida de aflição e aprendendo a
depender diretamente da direção de Deus, Paulo
escreve: “Porque a nossa leve e momentânea tribu­
tação produz para nós eterno peso de glória, acima
de toda a comparação . . .” (2 Coríntios 4:17). O
escritor de um hino diz:

O caminho que eu trilhei


mais perto de Deus levou-me,
Embora me conduzisse
Os anos do gafanhoto 83
pelos portais da tristeza.
Ainda que eu não tivesse
esse caminho escolhido,
em meu caminho eu podia
ter perdido para sempre
a alegria que me aguarda.

Deus trata seu povo em aflições por meio da disci­


plina, do desenvolvimento e da direção. Tiago, que
mais tarde foi levado à morte pelo Cristo que amava,
disse: “Bem-aventurado o homem que suporta com
perseverança a provação; porque, depois de ter sido
aprovado, receberá a coroa da vida, a qual o Senhor
prometeu aos que o amam” (Tiago 1:12). Antes que
chorar quando sobrevêm as aflições em nossos ca­
minhos, ou nos tornarmos paranóicos espirituais
quando somos abatidos por doenças, devemos le m -.
brar que Deus cura as pessoas, não as doenças. As
doenças são muitas vezes só sintomas e Ezequiel
inquire se nossos corações podem ficar firmes
quando Deus lida conosco. Devemos cantar com o
escritor:

Submisso estou à vontade


daquele que me guia
e que é certamente do amor revelação.
Minh’alma se ergue sobre o mundo em que me
movo
e só conquisto onde me rendi.

O homem que voltou


A resistência de Davi havia atingido o limite ex­
tremo. Durante meses ele havia sido caçado através
84 Fruto d o Espírito
de desertos abrasantes por um rei malvado inclinado
ao assassínio. Alquebrado de ossos, ele e seu grupo
de gentalha chegaram ao seu campo e o encontra­
ram queimado e saqueado. Enquanto estavam
afastados, suas famílias tinham sido raptadas e talvez
assassinadas. No seu ódio exasp erad o eles
voltaram-se contra Davi e falaram de o apedrejar. S e
ele não os tivesse conduzido para longe na última
missão, isso não teria sucedido.
Nesse momento de angústia da alma a majestade
do homem Davi surgiu. A Bíblia diz simplesmente:
. .porém Davi se reanimou no Senhor seu Deus”
(1 Samuel 30:6). Levado ao desespero e à beira do
desastre, ele voltou vitorioso, sabendo que Deus que
o conduzira antes não o desampararia agora. O resto
do capítulo relata como, sob a direção de Deus, ele
foi levado a recapturar todos os bens e as famílias.
Não houve perda de vida.
O fruto do Espírito é resistência e isso nem sempre
é fácil. Contudo, em nossos momentos de desespero
seria bom recordar aquela figura solitária que há
muitos anos cobrou ânimo no Senhor. Como Davi
soube que viria a libertação, podemos ficar certos de
que os nossos anos de gafanhotos serão recupera­
dos. Habacuque parece apreender o próprio pulsar
do coração de Deus quando escreve sua mensagem:
‘‘Porque a visão ainda está para cumprir-se no
tempo determinado, mas se apressa para o fim e não
falhará; se tardar, espera-o, porque certamente virá,
não tardará” (Habacuque 2:3).
6
O
TOQUE
SUAVE

O terror apertava a garganta do nativo enquanto


ele agarrava seu filho moribundo e corria os três
quilômetros de poeira esbraseante até ao Hospital
Baragwanath, na África. Instintivamente, ele sabia
que era tarde demais e, ali chegado, teve de voltar
tristemente com seu filhinho frio nos braços. A
criança morrera de gastroenterite e lágrimas eram
derramadas no solo enquanto o pai, aos soluços,
carregava a forma sem vida.
Vusamazulu Mutwa fabricou o caixão tosco e pre­
parou seu filhinho para o enterro. Para um banto, é
de vital importância um enterro adequado. Ser en­
terrado em sepultura desconhecida ou miserável é a
maior desgraça que possa suceder a um banto em
qualquer parte da África. Mas o banto não tem
acesso a nenhum cemitério a menos que pertença a
86 Fruto d o Espírito
uma igreja reconhecida e o funeral seja presidido por
um pastor. Uma conhecida autoridade disse: “A de­
terminação de ter um enterro adequado é uma razão
forte de os nativos se voltarem para o Cristianismo.”
Os pais, desolados, foram ter com seu pastor
“cristão” , cuja igreja tinha sido freqüentada pela es­
posa durante muitos anos; o pai nunca aceitara a fé.
Quando eles pediram o funeral, o pastor negou posi­
tivamente, sem dar razão para tal recusa. Mais tarde
Mutwa escreveu com amargor: “Estranhamente, o
pastor sabia exatamente o que estava fazendo co­
migo quando se recusou a enterrar meu filho, porque
durante anos eu lhe havia explicado todas as leis e
costumes dos bantos. Ele recusou simplesmente
porque eu não era, com o resto de minha família,
membro da sua igreja.
Em razão dessa trágica experiência, Vusamazulu
Mutwa escreveu um panfleto ferino sobre ‘ ‘Por que o
Cristianismo fracassou na África” . Ele foi inserido no
seu livro amargo A África é minha testemunha, em
que acusa: “Delinqüentes são aqueles mesquinhos
ditadores e sádicos que usam colarinhos brancos às
avessas.”
Todos nós, em pequena ou grande escala, temos
sido queimados por uma religião rígida e farisaica
que exige a observância de um código legal sem a
compaixão humana. Jess Moody disse: “Deus nunca
nos chamou para sermos juizes inflexíveis, metidos
em vestes de honestidade. Estamos envolvidos num
trabalho de redenção — não de investigação de
super-retidão.” Ele prossegue dizendo: “Não deve­
O toque suave 87
mos levar terror aos pecadores, mas o céu.”
E a crítica de legalismo rígido não pode recair só
sobre uma igreja ou organização. Mesmo os mais
evangélicos podem tomar-se em sepulcros caiados
que Jesus desmascarou com calor, mas com ira
santa. Paulo estabelece a posição que devemos
tomar ao dizer: “O fruto do Espírito é benignidade.”

A que se assemelha Deus?


Há sempre uma pergunta que eu faço a cada
pessoa que vem ao meu escritório em busca de
soluções para problemas que as afligem. A pergunta
é: “Qual é a qualidade por excelência que mais o
impressiona sobre Cristo?” Sem exceção eles dizem
que é a compreensão, ou ternura, afabilidade ou
bondade. Então eu lhes relembro que Jesus disse por
duas vezes: “Se vós me tivésseis conhecido, conhe­
cerieis também a meu Pai. . .” (João 14:7).
É verdade que o pregador “do inferno e do enxo­
fre” pode lançar sobre nós milhares de versículos da
Escritura, expressando o juízo e castigo divinos. Deus
disse formalmente a Ezequiel: “.. .a alma que pecar,
essa morrerá” (Ezequiel 18:4). Contudo, Deus tam­
bém disse: ‘ ‘Porque o pão de Deus é o que desce do
céu e dá vida ao mundo” (João 6:33). O fato é que
Deus lida com um homem na direção que este vai. O
palrador e pecador impenitente morrerá. O coração
que sinceramente perquire achará e será salvo. Antes
que fôssemos sequer parte do mistério chamado
“tempo” as linhas do combate já estavam traçadas.
A rebelião de Satanás conquistou-lhe o abandono e
88 Fruto d o Espírito
o castigo eternos. Partilharemos dessa eternidade
com qualquer dos senhores que escolhermos. Se
servimos a Satanás sofreremos sua eternidade. Se
servirmos a Cristo participaremos de sua glória
eterna.
Cristo não veio só para nos redimir, mas também
dar-nos um retrato fiel da semelhança de Deus. Em
todo o Antigo Testamento, os profetas falaram
acerca de Deus e surgiram escritos íntimos das penas
daqueles que conheceram à Deus em bases muito
pessoais. Contudo, foi necessário que o Unigênito
esclarecesse para sempre a benignidade de Deus.
Jesus fez isso bem e a benignidade que manifestou
ainda se espalha pelo mundo.
Um dos mais pungentes retratos de Deus foi ofere­
cido por Isaías, setecentos anos antes de Cristo. No
capítulo 4 0 Isaías parece estar numa montanha de
profecia santa, vendo através de séculos o tempo do
Rei que viría. Muito se diz sobre a majestade de Deus,
sua força e poder absoluto. Então, encravado nesse
capítulo sagrado encontram-se palavras que esbo­
çam o retrato de Deus: “Como pastor apascentará o
seu rebanho; entre os seus braços recolherá os cor-
deirinhos, e os levará no seio; as que amamentam,
ele guirá mansamente” (Isaías 40:11).
Davi, que buscava ardentemente o coração de
Deus, deixou impresso no tempo o retrato de um
Deus temo. Numa oração de louvor pela vida boa e
abundante que levava, Davi exclama: “Pois contigo
desbarato exércitos, com o meu Deus salto mura­
lhas” (2 Samuel 22:30). Então ele prossegue para
O toque suave 89
dar a chave de qualquer sucesso na vida que tinha
realizado. “Também me deste o escudo do teu sal­
vamento, e a tua clemência me engrandeceu” (2
Samuel 22:36).
Houve um tempo na vida de Davi em que ele
fracassou terrivelmente e por quaisquer padrões
humanos devia ter sido acusado e ficar para sempre
afastado da presença de Deus. Contudo, naquela
conjuntura Deus lhe perdoou e o restaurou. É ver­
dade que sobreveio o castigo como de rigor, mas
Davi pôde certamente testificar que Deus tinha sido
clemente para com ele naquela tremenda queda
humana. Deve ser nesse espírito que ele escreveu no
seu salmo mais famoso: “. . . a tua vara e o teu cajado
me consolam” (Salmo 23:4). A vara era usada para
afastar os animais selvagens que etacavam o reba­
nho, porém o cajado era para um fim bem diverso.
Na extremidade do longo cajado havia um gancho
bastante grande para ajustar ao peito da ovelha.
Quando uma ovelha, saindo da trilha caía numa vala
funda, o pastor não a deixava lá, mas alcançava-a
com o cajado e a erguia. Davi sentiu-se erguido do
seu pecado, uma volta firme e tema à trilha. Não
admira que tivesse cantado: “Tua clemência me en­
grandeceu.”
Mostre seu sentimento
G.K. Chesterton disse certa vez: “O medo mais
mesquinho é o medo do sentimentalismo.” Tantas
vezes ocultamos nosso sentimento e ternura porque
receamos ser chamados de “moles” ou “fracos” .
Devemos recordar as palavras sábias de Ralph W.
90 Fruto d o Espírito
Sockman: “A benignidade é um traçò divino; nada é
mais forte do que a benignidade, e nada é tão be­
nigno como a verdadeira força.” Esses homens estão
só repetindo o que profetas e pregadores há muito
têm dito. A Palavra de Deus nos admoesta a sermos
benignos.
Algumas palavras que os homens escrevem pare­
cem soar como verdades que eles aprenderam de
uma experiência amarga. Penso sempre em Paulo e
suas últimas palavras a um jovem ao qual amava
profundamente na fé. Paulo desejava que Timóteo
se elevasse mais do que ele e evitasse todas as arma­
dilhas em que ele caíra. Nesse espírito abre seu
coração: “Ora, é necessário que o servo do Senhor
não viva a contender, e, sim, deve ser brando para
com tod os.. .” (2 Timóteo 2:24). E então, a outro
filho na fé escreve: “Lembra-lhes. . . que não difa­
mem a ninguém; nem sejam altercadores, mas cor­
datos, dando provas de toda cortesia para com todos
os homens” (Tito 3:1,2). Não eram palavras fáceis
para Paulo escrever, porque ele por natureza não era
homem cordato. Sua mente, ao registrar essas pala­
vras, estava sem dúvida voltada para um dia que
desejaria poder esquecer.
Paulo e Bam abé tinham trabalhado juntos por
muitos meses. Paulo devia muito a Bam abé porque
fora esse homem fiel quem persuadira os líderes
cristãos a darem a Paulo uma oportunidade. Então,
um incidente infeliz fê-los separar-se para sempre. A
história é familiar: Paulo insistia em que o jovem Jo ão
Marcos não os acompanhasse em virtude de seu
O toque suave 91
primeiro afastamento. O tio Bamabé não concordou
com esse argumento e ficou firme. A Bíblia diz:
“Houve entre eles tal desavença que vieram a
separar-se” (Atos 15:39). Talvez se Paulo fosse mais
brando, mais benigno, nunca teria havido essa re­
frega entre dois homens de Deus. Certamente Paulo
ficou triste, já que mais tarde ele pede a Marcos que
se reúna a ele em Roma, “pois me é útil para o
ministério” (2 Timóteo 4:11). É provável que Paulo
se aborrecesse a vida toda com aquele fato, ao reco­
nhecer com horror ter sido capaz de agir de forma
inteiramente contrária aos princípios cristãos. Desde
então suas epístolas estão cheias de admoestações
para sermos benignos. Paulo deve ter pranteado
muito aqueles momentos de ira na sua vida.
Outras igrejas aceitaram a advertência fervorosa
de Paulo, e Tiago escreve aos novos cristãos: “A
sabedoria, porém, lá do alto, é primeiramente pura;
depois pacífica, indulgente, tratável, plena de miseri-
córida e de bons frutos, imparcial, sem fingimento”
(Tiago 3:17).
É fácil ser duro, estrito e legal. Isso confere uma
aparência de retidão que obscurece a visão dos ho­
mens e de certa forma pensamos ser por eles consi­
derados santos. Estamos só nos iludindo, porque
eles, como o nativo africano, na verdade sentem que
temos o coração duro e não parecemos nada cris­
tãos. Que coisa maravilhosa se pudéssemos dizer
com Paulo: “. . .todavia nos tomamos dóceis entre
vós, qual ama que acaricia os próprios filhos” (1 Tes-
salonicenses 2:7).
92 Fruto d o Espírito
Alguns aceitam as admoestações para que sejam
benignos e tratam os que os cercam com grande
bondade, mas são impiedosamente cruéis para con­
sigo mesmos. Demonstram pouca compreensão no
que concerne às suas próprias faltas. Na verdade
poderiamos, como Paulo, sentir que não somos ab­
solutamente santos, mas não se deve deixar esse
sentimento de indignidade afastar-nos do serviço
efetivo para o Mestre. Alguns nunca se perdoaram de
erros do passado ou de grandes pecados. Suas vidas
são um tormento e abaixo da superfície há uma alma
contorcida de agonia. Tom Anderson era um
homem desse tipo.
Durante anos Tom foi atormentado pela lem­
brança de sua participação numa fuga com outros,
da qual resultou a morte de um de seus amigos.
Perseguido por essa idéia, ele vagou de um emprego
para outro e por fim se separou da esposa. Sua vida
foi um fracasso total e ele dizia: “O pensamento de
minha culpa fazia deter-me no meio de um aperto de
mãos ou de um sorriso. Ele tomou-se uma barreira
entre mim e minha esposa.”
Mais tarde mudaram as notícias sobre Tom Ander­
son. Ele recuperou seu antigo emprego; sua esposa
voltou e, realizado, estava feliz. Explicando o que
sucedera Tom dizia: “Eu recebi a visita da pessoa
que mais receava ver — a mãe do colega morto.”
Ela disse:
— Há anos, pela oração, descobri em meu coração
que eu devia perdoar-lhe. Betty lhe perdoou. O
O toque suave 93
mesmo fizeram seus amigos e empregadores. Deus
lhe perdoou. — E depois de uma pausa, acrescentou:
— Você é a única pessoa que não perdoou Tom
Anderson. Quem você pensa ser para ficar contra o
povo desta cidade e o Senhor Todo-poderoso?
Tom disse a um amigo: “Fixei-a nos olhos e vi
neles uma espécie de permissão para ser a pessoa
que teria sido se seu filho estivesse vivo. Pela pri­
meira vez na minha vida adulta senti-me digno de
amar e ser amado.”
Não é só necessário perdoar e compreender os
outros, mas devemos fazer isso para conosco mes­
mos. O poder destrutivo de um espírito que não se
perdoa é esmagador. Pedro não se rendeu a isso por
ter praguejado; Tomé por ter duvidado; nem Marcos
por ter fugido. Eles foram dóceis para consigo mes­
mos e encontraram o poder criativo da auto-
-aceitação e do autoperdão.

Crescendo em benignidade
Como qualquer outro fruto do Espírito, este tam­
bém deve crescer. Um homem não pode só decidir
ser benigno. Essa é uma obra do Espírito em sua vida
e quanto mais maduros ficarmos, tanto mais benig­
nos seremos. Contudo, há algumas coisas ativas que
podemos fazer para cultivar a benignidade em nosso
caráter.
Reserve tempo para a ternura. Há uma história
trágica sobre Lênin que persiste até aos nossos dias e
revela muito do seu íntimo. Vladimir Ulyanov nasceu
em 1870 em uma família que sofreria muitas tragé­
94 Fruto d o Espírito
dias nos anos subseqüentes. Mais tarde ele usou o
nome de Lênin para promover sua idéias revolu­
cionárias. Ele se envolveu no seu trabalho revolu­
cionário até perder quase toda a capacidade para a
ternura humana. Os que o cercavam diziam que era
um homem muito infeliz.
Ainda que casado, Lênin deu pouco amor à
sua esposa Krupskaya. Certa noite ela ergueu-se,
exausta, de perto da mãe agonizante e pediu a Lênin,
que escrevia sentado a uma mesa, para acordá-la se
sua mãe precisasse dela. Lênin concordou e Krups­
kaya caiu no seu leito profundamente adormecida.
Na manhã seguinte ela acordou e achou sua mãe
morta e Lênin ainda escrevendo. Em desespero ela
teve uma altercação com Lênin, que replicou:
— Você me disse para acordá-la se sua mãe preci­
sasse de você. Ela morreu. Não necessitou de seu
auxílio.
É possível alguém lançar-se a uma causa, traba­
lho, distração ou esporte, ao ponto de não lhe sobrar
tempo para a ternura. E às vezes a causa é deveras
boa. Muitos dos norte-americanos se lembram de
cantar o hino da Guerra Civil “O corpo de John
Brown” . Contudo, poucos se lembram de que
quando John Brown foi impelido pelo seu santo
desejo de libertar os escravos, sua mulher e treze
filhos morreram de fome atrás das montanhas. A
história registra que nove de seus filhos morreram
realmente de má nutrição e dois mais foram mortos
nas suas em boscadas selvagens. Aí estava um
homem dedicado a uma causa nobre, mas que não
O toque suave 95
reservou tempo para demonstrar ternura para com a
própria famíla. Poucos podem admirar homens
desse calibre.
Confronte esses homens com a vida de nosso
Senhor. Homem algum antes ou até então tinha uma
mensagem ou causa tão importante. Contudo,
vemo-lo reservando tempo para ser bondoso para
com as crianças que o rodeavam. Ele fala com uma
mulher ao pé do poço e acende em seu coração uma
chama que arde de alegria. Ele pára em lugar are­
noso, abaixando-se aos olhos dos religiosos, para
ajudar uma mulher decaída a redimir seu conceito
próprio aviltado e restaurar alguma dignidade a uma
alma entristecida. Aquece-nos o coração pensarmos
quanto tempo Jesus gastou sendo temo e benigno
com o povo. O sentimento não pode viver numa
atmosfera controlada por um relógio. Deve haver
tempo para a ternura. Grandes figuras não só tinham
coração para a ternura, como lhe reservaram tempo.
Emie Pyle, o amado correspondente de guerra,
nunca estava tão ocupado ou impressionado com
sua agenda que não acudisse aos gritos de um sol­
dado ou escrevesse cartas aos familiares dos rapazes
feridos.
Elimine as guerras imaginárias. Uma coisa que
destrói nossa benignidade e calma de espírito são as
guerras imaginárias que se travam em nossas men­
tes. Nós cismamos com situações tensas entre vizi­
nhos, amigos, companheiros e replicamos: “Eu vou
mesmo dizer isso a eles.” Cedendo a essa tentação,
nossa beligerância imaginária de repente se toma
96 Fruto d o Espírito
muito real, perdemos toda a esperança de sermos
cordatos e “fazemos aos outros antes que eles te­
nham ocasião de fazer algo a nós” A história clássica
do “m acaco” ilustra melhor essas guerras ima­
ginárias.
Um camarada descia uma estrada campestre uma
noite, quando seu pneu furou. Ao abrir a caixa de
ferramentas ele descobriu ter-se esquecido de reco­
locar o macaco da última vez que o usara. Olhou em
tomo e, vendo à distância uma luz, pôs-se a andar
naquela direção com a idéia de pedir emprestado um
macaco na casa de um sitiante.
Em imaginária conversação ele disse a si mesmo:
— Eu só bato na porta, conto que estou atrapa­
lhado e peço que ele por favor me empreste um
macaco. Estou certo de que vai ajudar-me.
Ao caminhar, sempre pensando naquilo, nosso
homem notou que a luz na casa se apagara. Ele
pensou:
— Agora ele foi para a cama e vai ficar zangado por
eu ter de acordá-lo. Então, é melhor eu lhe oferecer
um dólar.
Prosseguindo sempre, imaginou então:
— Que acontecerá se ele saiu e a mulher estiver
sozinha? Ela vai ficar com medo de abrir a porta. É
melhor eu oferecer cinco dólares.
A essa altura o pobre homem estava tão transtor­
nado que gritou alto:
— Cinco dólares! Está bem, mas nem um centavo
a mais. Por que vocês querem roubar um homem?
Então, junto à casa, ele bateu com força. Quando
O toque suave 97
o pobre sitiante abriu a janela e perguntou: — Quem
é? — o desconhecido, zangado, berrou:
— Você e a sua droga de macaco! Pode guardar
essa porcaria!
Muitas coisas com que nos defrontamos são ima­
ginárias e se aprendemos a fixar nossa mente em
Cristo encontraremos perfeita paz. E dessa paz bro­
tará a benignidade de espírito que é fruto do Espírito.
Jesus admoestou contra a criação de situações ima­
ginárias e a preocupação com o que haveriamos de
dizer, ao declarar: “Quando, pois, vos levarem e vos
entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de
dizer, ao declarar: “Quando, pois, vos levarem e vos
entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de
dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso
falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito
Santo” (Marcos 13:11).
Seja benigno em qualquer circunstância. Algures,
quando menino, eu ouvi a história de um diácono
que resolveu sair do “trem evangélico” o tempo
suficiente para “surrar” um irmão que o ofendera.
Diz a história que quando ele quis embarcar, o trem
havia partido da estação. Nada sei sobre a veraci­
dade dessa história humorística, porém ela nos en-
.coraja a sermos verdadeiros em todas as ocasiões.
Por vezes é difícil ser benigno. Quando os nervos
estão estilhaçados e as tensões nos atacam de forma
dolorosa, é difícil sermos benignos. Contudo, nessas
ocasiões temos de exercer a benignidade. Paulo le­
vava no seu corpo muitas marcas de sofrimento.
Sem dúvida, ele nunca estava livre de dor e mesmo
98 Fruto d o Espírito
assim era benigno. Em tempos de doença, temos de
exercer dupla vigilância sobre nós mesmos, a fim de
que a dor não afaste a benignidade.
Quando alguém galga um posto de autoridade
vem com ele a tentação de se perder a amabilidade.
Nero foi conhecido como bondoso antes de ser o
imperador de Roma, mas depois de assumir esse
posto, a tirania foi seu traço dominante. Nas ruas
romanas ele conduzia seu carro em desatino, esma­
gando os que estavam no seu caminho, e besuntava
de alcatrão os corpos de santos para à noite ilumina­
rem seu jardim. A prova de bondade genuína surge
quando de repente atravessamos um tempo de
poder e força. Penso freqüentemente em Lincoln
que se recusou a dar ouvidos àqueles que instavam
para que ele destruísse os sulistas. Senhor de todo o
poder executivo, ele simplesmente se manteve firme
exigindo que “não houvesse maldade para com nin­
guém e caridade para com todos”.
Na verdade, a estrada do Calvário é mais longa
para uns do que para outros. Alguns parecem ter
nascido com uma natureza tema. Contudo, se alcan­
çarmos a semelhança de Cristo, deve seguir-se a
crucificação do ego e o impulso para a benignidade.
Quão freqüentemente só precisamos considerar-nos
na presença de Deus e meditar intensamente no
nosso Salvador, para que a ternura se derrame em
nossas vidas. O felecido Powell Davies, de Was­
hington, D. G , escreveu: “Som os todos solitários sob
as estrelas, todos estranhos e peregrinos aqui na
terra.” Se pudéssemos compreender a urgente ne­
O toque suaue 99
cessidade da benignidade, então seríamos desafia­
dos a que o Espírito que habitava em Cristo se tome
o guia de nossas vidas.

Experimente o toque da ternura


Na nossa era de mísseis teleguiados e homens
extraviados temos a necessidade desesperada de
aprender como partilhar a benignidade. Parece es­
tranho que numa época em que podemos alcançar a
lua, emitir sinais a planetas longínquos e receber
fotografias de satélites em órbita, temos grande difi­
culdade de comunicar ternura aos que nos rodeiam.
O Dr. Smiley Blanton sugere que principiemos por
aprender de novo o valor do toque de ternura.
Esse médico eminente fala sobre o poder curativo
de simplesmente tocar alguém que você ama. Atra­
vés disso, parece que uma virtude invisível sai do
corpo de um e vai para o outro. O Dr. Blanton sugere
que em passeio um braço seja passado um tomo da
esposa e que se dêem as mãos à mesa, quando se
dão graças.
Há alguns anos aprendi a importância do toque.
Depois de ter sido chamado para pastorear uma
igreja onde pequenas tensões tinham criado divisões
entre algumas pessoas, tentei sanar a dificuldade
fazendo sermões sobre a unidade. Após meses de
experiência, as tensões permaneciam e persistiam as
altercações. Então, certa noite, simplesmente convi­
dei as pessoas a irem à frente. Pedi aos homens que
pusessem seus braços em tomo, uns dos outros, o
mesmo fizessem as mulheres e disse-lhes que eles se
100 Fruto d o Espírito
amavam. Um tanto embaraçados, eles fizeram esse
favor ao seu pastor e certamente alguns não puseram
naquele gesto seu coração. Um velho resmungou,
enquanto obedecia: “Há outros modos não tão tolos
de demonstrar amor.”
Contudo, aquilo funcionou. O simples toque de
um com o outro, comunicando amor, começou a
curar as feridas que havia tanto tempo supuravam.
Anos após comovia-se meu coração ao ver e sentir o
profundo amor entre os membros daquela congre­
gação. Eu não recomendaria esse processo como
panacéa, mas hã algo de curativo no toque de ter­
nura.
Um distinto juiz disse ter visto centenas de jovens
delinqüentes e seus pais ante seu tribunal. Contudo,
nunca em todos aqueles anos vira um pai tocar no
seu filho, ou colocar sua mão nos seus ombros, ou
dar qualquer demonstração física de amor. Confira
isso com o pai do filho pródigo que, abraçado ao
pescoço do filho, o beijou.
Jesus usou o toque como comunicação. Colocava
as mãos sobre os doentes, lavou os pés dos discípu­
los e afagou as criancinhas. Séculos antes, os babilô­
nios tinham usado o toque como parte da arte de
curar. Nas suas memórias, a concertista de piano
Marta Korwin fala de seu trabalho voluntário como
enfermeira durante a Segunda Guerra Mundial.
“Tarde da noite — ela escreveu — andando pelos
arredores, dei com um soldado com a face mergu­
lhada num travesseiro. Ele soluçava e murmurava
algo no travesseiro, de forma a não incomodar nin­
O toque suave 101
guém. Olhei para minhas mãos e senti que podería
ajudá-lo. S e eu podia transmitir harmonia através do
piano, por que não o faria diretamente, sem instru­
mento algum? Quando tomei a cabeça do rapaz nas
minhas mãos, ele agarrou-se a elas com tal força que
pensei que suas unhas iam encravar-se na minha
carne. Orei para que a harmonia do mundo me
ajudasse a aliviar aquela dor. Seus soluços cessaram,
suas mãos abandonaram-se e ele adormeceu.” Este
é o poder do toque de ternura.
Há tanta dureza no mundo que estou convencido
de que a arremetida evangelística de maior alcance
de nosso tempo advirá de um reavivamento da be-
nignidade. Os homens respondem ao amor. Ainda
sèrão necessárias pregações muito vigorosas, mas as
almas de corações partidos, famintas, solitárias, per­
didas, buscam um Salvador e tantos necessitam de
orientação, não de pronunciamento de condenação.
Orientá-los com bondade os ajudaria a encontrar
Cristo, o remédio para todos os problemas. A maio­
ria das pessoas fogem em pânico, quando, se sou­
bessem do amor e cuidado de Deus e que seu povo
as ama e preocupa-se com o que lhes sucede, esque­
ceríam muitos receios infundados e aprederiam a
viver.
Num mundo frustrado em que tantos se dabatem
deve haver alguém que lembre aos homens o que
Jesus disse: “Porque Deus amou ao mundo de tal
maneira que deu o seu F 'h o unigênito, para que
lodo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna” (João 3:16). Sede benignos, porque cada
102 Fruto d o Espírito
um com que vos avistais está travando uma batalha.
A verdadeira nobreza vem de um coração benigno.
7
O TAMBORILEIRO
DIFERENTE

Os desenhos cômicos de George Clark muito fre­


quentemente revelam a natureza humana. Numa
dessas recentes críticas ele mostra duas matronas
gordas falando num chá sobre sua associação a um
grêmio de dieta especial. Uma dizia: “Meu clube de
emagrecimento é extraordinário. No Conjunto per­
demos dezenas de quilos. Contudo, nenhum deles
era de fato meu.”
Nesta agremiação humana fraterna muitas vezes
gostamos de falar de grandes personalidades que se
impõem pela sua bondade. Choramos quando o
mundo perde um Tom Dooley ou Albert Schweitzer.
Ficamos comovidos ao ouvir nomes com o David
Livingstone ou Paul Carlson. Tragicamente, muitas
vezes pouco dessa bondade especial que eles tinham
é nossa.
Há uma certa casta de homens que não buscam
fama ou fortuna e por vezes as evitam, mas em vão.
104 Fruto d o Espírito
Eles conquistam a imaginação e afeição do mundo
porque estão na trilha de ideais diferentes e têm mais
altas convicções. Estão cheios de uma bondade difí­
cil de explicar mas muito evidente. Henry David
Thoreau gastou longas horas pensando nesses ho­
mens.
Thoreau, esse rude individualista da Nova Ingla­
terra do último século, foi certa vez encarcerado por
se ter recusado a pagar um imposto eleitoral a um
Estado que matinha a escravidão. Logo veio visitá-lo
seu amigo íntimo Ralph Waldo Emerson, que espiou
através das grades e perguntou:
— Eh, Henry, que está você fazendo aí dentro?
Thoreau replicou:
— Não, Ralph, a pergunta é: Que está você
fazendo aí fora?
Mediante esta e outras experiências semelhantes,
Thoreau defendeu sua posição e a de outros homens
ao escrever: “Quando um homem não está mar­
chando no mesmo passo com seus companheiros
talvez seja porque ouve um tambor diferente.
Deixemo-lo marchar ao compasso da música que
ouve, ainda que cadenciada ou distante.”
Os críticos diziam de Woodrow Wilson: “Ele fala
como Jesus Cristo.” Nenhuma homenagem maior
podia ser prestada a um homem, mas não foi feita
como cumprimento. Contudo, Wilson ouviu um
tambor diferente e sua grande bondade abafou os
escámios dos céticos.
Há pouco tempo conversei com trinta jovens que
se preparavam para resolver sobre suas profissões.
O Tamborileiro Diferente 105
Primeiro perguntei-lhes o que desejavam fazer na
vida e depois, por quê? Suas respostas refletiram os
sentimentos de nossa época e nenhuma delas estava
isenta de motivos egoísticos. A maioria de suas deci­
sões baseavam-se em quanto dinheiro poderíam ga­
nhar ou quanta atenção receberíam.
Então lhes pedi uma lista de homens que eles
consideravam de fato grandes personalidades da
história. Como era de esperar, escreveram os nomes
de homens conhecidos pelo seu auto-sacrifício e
serviço. Meu coração estava pesado porque ao passo
que esses jovens compreendiam que a verdadeira
grandeza reside na bondade, nenhum estava pronto
a se sacrificar por esse ideal.
Talvez, eu esteja sendo um pouco rude acerca
desses jovens e devia confiar em que antes de eles
fazerem sua decisão final para a vida reconheceríam
a verdade expressa por Jesus que para se ganhar a
vida deve-se perdê-la. Contudo, aquilo demonstra o
fato de que muitos não têm bondade pessoal, e
alguém pergunta por que tantos não possuem a
coragem para a grandeza. A resposta, naturalmente,
é que realizar o bem envolve luta contra disparidades
opressivas e muitos acham que a peleja não vale a
pena.

Combatendo pela bondade


Um jovem escreveu a um eminente clérigo, de­
clarando estar abandonando a religião para viver
simplesmente de acordo com a lei áurea. Sua deci­
são baseava-se no fato de ter ele no colégio tomado
106 Fruto d o Espírito
conhecimento de todo o mal no mundo e conside­
rado como um Deus bom podia permitir tanto sofri­
mento.
O ministro replicou sabiamente:
— Você é jovem e eu já estou na casa dos oitenta
anos. Você escreve sobre uma vida boa como se
pudesse soprar nas suas mãos e fazê-la surgir. Essa
não foi minha experiência. Viver corretamente é um
desafio! Envolve uma luta constante e por vezes
devastadora contra a tentação. Custa autodisciplina,
auto-sacrifício, autocontrole, coragem para recusar o
conformismo e fazer frente às maldades comuns.
Terminando sua resposta notável, o pregador es­
creveu:
— Eu tenho visto muitas recuperações admiráveis
de abismos morais — alcoolismo, vício, criminali­
dade, ou o que quer que seja — mas nunca vi uma
que não envolvesse a recuperação da fé em Deus.
O simples fato é que viver em pura bondade não é
fácil. A bondade verdadeira requer vigor espiritual
que excede mesmo a determinação de ser justo.
George Washington Carver era um homem que
tinha essa bondade especial. Nascido como escravo,
Carver enfrentou enormes dificuldades para se edu­
car. Finalmente, após anos de esforços árduos ele
terminou seu curso superior e o convidaram a aceitar
um cargo na Universidade de Iowa. Era um emprego
cobiçado, e nenhum outro negro havia jamais
ocupado tão alto posto. Afinal ele podia descansar
e fruir o conforto de sua sociedade. Os alunos
na Universidade gostavam dele e prontamente
O Tamborileiro Diferente 107
assistiam às suas aulas.
Então chegou uma carta de Booker T. Washington
pedindo ao jovem cientista que se juntasse a ele num
sonho de educar negros do sul. Deixando sua posi­
ção confortável, foi para os algodoais crestados do
sul a fim de viver e trabalhar entre seu povo faminto.
Seguiram-se anos de sacrifício e injúrias, mas deva­
gar e com segurança essa grande alma salvou seu
povo da morte certa pela fome e conferiu-lhes uma
dignidade que os elevaria para sempre do nível da
escravidão.
Quando questionado sobre sua atuação brilhante,
Carver sempre dizia que o bom Senhor lhe dera
tudo. Ele recusou receber dinheiro para realizar suas
descobertas, preferindo doá-las gratuitamente a
quem as pedisse. Três presidentes reivindicaram sua
amizade. Grandes indústrias disputaram seus servi­
ços e o próprio Thomas Edison ofereceu-lhe um belo
laboratório novo e um ordenado anual de cem mil
dólares. Quando Carver o recusou, os críticos co­
mentaram:
— S e você tivesse todo esse dinheiro, podería aju­
dar o seu povo.
Carver replicou simplesmente:
— S e eu tivesse todo esse dinheiro, podería esque­
cer o meu povo.
O epitáfio na sua sepultura confirma a alma sa­
grada desse grande homem: “Ele podia ter tido fama
e fortuna, mas com elas não se importava. Encontrou
felicidade e honra em servir ao mundo.”
Ese tipo de bondade sempre tem alto preço.
108 Fruto d o Espírito

O coração dividido
Cada homem encontra sua potencialidade para
um grande bem ou um grande mal. A história de
Robert Louis Stevenson do bom Dr. Jeckyll e do
monstrouso Sr. Hyde demonstra brilhantemente
essas duas potencialidades. E, no momento em que
pensamos atingir uma grande bondade, então o mal
mostra seus dentes afiados às nossas almas e
parece-nos que retrocedemos. Contudo, deve-se
lembrar que todos os homens, mesmo os grandes
mencionados antes, tiveram o coração igualmente
dividido. Como quer que Seja, eles aprenderam a
manter à distância o mal e a cultivar o bem. Isso nos
faz retomar à declaração de Paulo: “O fruto do Espí­
rito é bondade.”
A divisão do coração foi reconhecida muito antes
de Stevenson cogitar sobre sue interessante história
ou Freud ter iniciado sua intrusão através da couraça
da personalidade humana. Davi exclama há muitos
anos: “Ensina-me, Senhor, o teu caminho, e andarei
na tua verdade; dispõe-me o coração para só temer o
teu nome” (Salmo 86:11).
Davi ora para que seu coração esteja disposto para
temer a Deus. Infelizmente, um coração pode estar
disposto para desprezar o bem e cometer grandes
males. Vimos isso na Alemanha nazista. Milhões de
palavras têm sido e serão proferidas acerca daqueles
horrores indizíveis, quando se manifestou a maior
realização da tremenda capacidade do homem para
o mal.
O Tamborileiro Diferente 109
Nossos corações ainda se confrangem quando
lemos sobre aqueles milhares de pais que se ajoelha­
vam nus ao pé das sepulturas que haviam cavado,
cobrindo com as mãos os olhos de seus filhos, ao
passo que as pistolas alemãs detonavam sobre as
suas nucas. Repugna-nos pensar nas experiências
científicas dos nazistas injetando germes de tuber­
culose em crianças e vendo-as morrer. O genocídio
foi tão monstruso que até o presente é-nos penoso
ouvir sobre o horror de cinco milhões de mortos.
Tomou-se então patente a extrema e absoluta de-
pravação do homem e sua horrível capacidade para
o mal. Todos nós temos visto homens aparente­
mente dedicados ao mal, com os corações dispostos
a odiar a Deus e à bondade.
Convictos de quão mau o homem pode ser, cla­
mamos a Deus para que nos tome bons. Nesse de­
sejo podemos encontrar a verdadeira bondade. John
Bunyan, falando da viagem do Cristão à Cidade de
Deus, diz que um desejo levará um homem a Deus,
mesmo se 10.000 se oponham a isso; “sem o desejo
tudo não passa de chuva sobre pedras.”
Séculos depois de Davi, o apóstolo Tiago trataria
do coração dividido nos termos mais duros: “De uma
só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos,
não é conveniente que estas coisas sejam assim.
Acaso pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é
doce e o que é amargoso? Acaso, meus irmãos, pode
a figueira produzir azeitonas, ou a videira figos? Tão
pouco fonte de água salgada pode dar água doce”
(Tiago 3:10-13). E ele disse também que a verda­
110 Fruto d o Espírito
deira sabedoria é pureza completa e bondade.
Até aqui falamos sobre a grande bondade e a
grande maldade. Contudo, devemos lembrar que o
mais fundamental em ambas é primeiro serem dis­
seminadas em sementes cotidianas de bondade ou
maldade. Nossos grandes atos não são senão exten­
sões dos pequenos e os hábitos que semeamos na
primavera de nossa vida colhemos no outono.
Aqueles homens não ficaram subitamente cheios de
bondade ou maldade. Ao invés disso, foi na urdidura
e trama de seus caracteres que eles esmagaram uma
e cultivaram a outra. Contudo, é absolutamente ne­
cessário levarmos nossas considerações aos níveis
mais baixos de nossas vidas e tratar com bondade as
coisas mundanas.
É fácil dizer que reagiremos com bondade quando
alguém ousadamente ataca tudo que é sagrado. T o ­
davia, a menos que estejamos interiormente muni­
dos de bondade, não suportaremos a carga de um
ataque intrépido. A bondade nasce do Espírito de
Deus, a fonte por excelência de toda a bondade, e só
tem pleno governo de nossas vidas quando lhe con­
ferimos o controle.
Nos anos recentes entramos na esfera do relati-
vismo. O argumento é tão velho quanto o homem,
mas apresenta-se hoje com novos títulos. Agora os
teólogos estão falando sobre “ética situacional” ou
“circunstancialismo” . Você pode ouvir os termos
“eventualismo”, “contextualismo” ou “atualismo”.
São palavras que descrevem a velha teoria de que
todas as coisas são relativas. Ao invés de observar um
O Tamborileiro Diferente 111
grupo de regras a pessoa deve esperar que a situação
se apresente e então resolver o que é moral ou bom.
Bons argumentos procedem de ambas as partes.
Enquanto a guerra de palavras campeia, nós, leigos,
ainda devemos tomar decisões determinando nosso
destino, com respeito a que coisa é boa ou moral
para ser feita. E merecemos algumas respostas dire­
tas a esse problema. Contudo, apesar do resultado
do presente argumento, há alguns passos simples
que podemos dar para nos assegurarmos de que
estamos aniquilando o mal e cultivando o bem.

Em que vamos confiar?


Paulo observou que a lei foi dada para que sou­
béssemos quando não agimos bem com nós mes­
mos, com a sociedade e com Deus. O fato funda­
mental é que deve haver uma base para o julga­
mento ou cada homem é uma lei para si mesmo. O
problema perigoso com as éticas situacionais foi o
que se apresentou a Israel durante os juizes: “Na­
queles dias não havia rei em Israel: cada qual fazia o
que achava mais reto” (Juizes 17:6). Contudo, antes
foi registrado: “Então fizeram os filhos de Israel o que
era mau perante o Senhor” (Juizes 2 :11). Aqui
vemos expressa a idéia estonteante de que uma coisa
pode ser justa aos nossos próprios olhos e contrária
aos desejos de Deus.
Na arrogância da mocidade, eu entrei para a fa­
culdade pensando saber muito mais do que os mais
velhos. Nunca vou esquecer minha primeira aula de
psicologia, quando o sábio mestre escreveu na lousa
112 Fruto d o Espírito
32 perguntas e pediu que as respondéssemos. Eram
questões simples que o senso comum resolvería.
Havia perguntas como: “Gente de alto grau de inte­
ligência sofre mais de insanidade e entre eles a taxa
de suicídio é superior à da população em geral?”
Ousadamente coloquei um “sim” . Outra questão:
“As crianças têm maior capacidade de aprender do
que os adultos, com isso tomando a infância a ‘idade
de ouro’ para a aprendizagem?” De novo arrogan­
temente escrevi “Certo” e pensei: “Faculdade é
canja.” Contudo, para meu espanto, quando deram
notas à prova vi que não só havia errado nessas duas
respostas como em dezesseis outras. O professor
disse à classe:
— A primeira regra da psicologia é nunca confiar
no seu bom senso.
Mandou que buscássemos nos livros aquelas res­
postas e vimos de pronto quanto tínhamos a apren­
der.
Há milhares de anos Deus advertiu contra a arro­
gância e autoconfiança, ao inspirar o escritor do pro­
vérbio a escrever: “Há caminho que ao homem
parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de
morte” (Provérbios 14:12). As éticas circunstanciais
podem ser muito precárias, porque, como Jeremias
observou: “Enganoso é o coração, mais do que
todas as coisas, e desesperadamente corrupto, quem
o conhecerá?” (Jeremias 17:9). Tudo isso nos leva à
questão nevrálgica: “Em quem ou em que vamos
confiar para obter bases para a verdade?”
A multidão está errada. O argumento dos jovens:
O Tamborileiro Diferente 113
“Todo o mundo está fazendo isto” é tão esfarrapado
quanto soa. Nossa moralidade não pode ser instável
como os modismos das massas. Há alguns séculos a
multidão achava que os tomates envenenavam e
também desaconselhavam os banhos por motivos
de saúde. Disseram a Edison que sua lâmpada jamais
funcionaria; a máquina para descaroçar o algodão foi
ridicularizada nos seus estágios experimentais. As
massas estão freqüentemente erradas e o argumento
é tão elementar que não precisamos explorá-lo mais
a fundo.
Contudo, tomar posição contra a multidão não é
fácil. É uma luta que manifesta nossa força ou fra­
queza. Na África do Sul o ambiente é de racismo e os
negros sofrem humilhações dos habitantes brancos.
Há pouco tempo um banto foi ao teatro comprar
bilhetes para seu patrão branco. Havia só uma fila e
depois de consultas disseram-lhe para entrar na fila
dos brancos, ainda que na África do Sul isso seja
proibido.
D e rep en te um jo v em de ca b e lo s pretos
empurrou-o para fora da fila. A esse gesto insolente
seguiram-se outros idênticos da parte de uma moci­
nha. Então um brutalhão de cabelos aparados rentes
agarrou o nativo e o jogou na rua. O gerente do
teatro disse-lhe que voltasse para a fila, mas ele foi
novamente arremessado para fora.
Então uma voz se fez ouvir clara sobre o tumulto
das queixas. Um homem de cerca de cinqüenta
anos, com as têmporas encanecidas e o colarinho
aberto, vestido como lavrador, exclamou com voz
114 Fruto d o Espírito
assustadora e autoritária: “Deixem esse rapaz na fila.
Que é que há com vocês?” A multidão cedeu e o
humilde nativo foi para o primeiro lugar. O lavrador
sul-africano arriscou sua reputação e a desaprovação
das massas, mas permaneceu firme. Isso é bondade.
E custa caro.
Confronte isso com as mocinhas de Indiana presas
recentemente por furto em loja. Elas admitiram não
necessitarem da mercadoria, mas roubaram porque
muitos faziam o mesmo. Uma investigação revelou
que elas não perceberam estar agindo mal, já que a
multidão havia sancionado aquilo. As massas não
podem determinar a moralidade. Por vezes ficamos a
sós e se exercemos a bondade arriscamos a própria
vida. Mas, para ser líder devemos tomar a van­
guarda. É triste o comentário sobre nossa geração,
como o faz T.S. Elliott: “. . .os homens ocos . . .
homens estofados, inclinando juntos as cabeças em-
palhadas. Triste de ver!”
Siga seus sentimentos. Outro problema com a
ética circunstancial é a advertência para você seguir
seus sentimentos. Os “hippies” começaram nessa
base e na bondade determinada pelo que sentiam
gostar de fazer. Todavia, seguir os sentimentos é tão
enganoso quanto seguir as massas.
O gigantesco avião a jato caiu como um pardal
agonizante. Era tarde demais para o piloto usar o
pára-quedas, e assim a massa de metal esmagou sua
vítima ao mergulhar no campo lavrado.
Soaram sirenes. Mulheres choravam. Homens
trabalhavam inutilmente em tomo dos destroços re­
O Tamborileiro Diferente 115
torcidos. As autoridades começaram a recompor a
história do acidente e diziam aos repórteres ansiosos
ser uma vertigem a causa provável.
Mais tarde, um oficial de Força Aérea explicou em
termos leigos o que significava vertigem. Ele disse
que por vezes as condições atmosféricas levam a
confundir os pilotos. Eles perdem todo o sentido de
direção e perspectiva. Podem mesmo sentir que
estão de cabeça para baixo apesar de os instrumen­
tos indicarem perfeita normalidade. Ele disse que a
maior tentação nessa circunstância é tomar o con­
trole nas próprias mãos e procurar endireitar o apa­
relho. Esse engano é muitas vezes fatal e foi prova­
velmente o que causou o desastre do avião a jato da
força aérea.
Sempre temos visto a tragédia de indivíduos que
tentaram tomar nas mãos o controle de suas vidas e
viver de acordo com seus sentimentos. E uma espé­
cie de vertigem que freqü entem ente induz à
catástrofe. 0 caminho que parece certo termina de­
sastrosamente e o mundo tem testemunhado o fim
lamentável dessa situação em vidas trágicas como as
de Marilyn Monroe, Lorde Byron e Diana Barry-
more.
Procure hom ens mais sábios e palavras mais
sábias. Há quem faça sua moralidade depender dos
intelectuais deste mundo. Os filósofos tomaram-se
guias para nossa sociedade a achamos que os de
mais alta educação e de maior capacidade intelectual
estão mais qualificados do que nós para pautar a
moralidade.
116 Fruto d o Espírito
Muito mais da metade dos componentes do alto
comando de Hitler tinham excelente educação. A
maioria havia recebido graus de mestrado e alguns
os de doutorado. E certamente não podemos dizer
que possuíam a sanidade mental para ajuizar o que
era bom para eles e a sociedade. Por vezes, mesmo
os mais educados são pervertidos. Naquela prova de
psicologia mencionada previamente uma das per­
guntas do tipo falso-verdadeiro era: “Quando al­
guém estuda, sempre aproveita?” Nosso professor
pôs em evidência: “O aprendizado é popularmente
considerado em termos de aproveitamento. Mas
mesmo que aprender realize essas mudanças de­
sejáveis, também pode causar efeitos opostos.” O
estudo da moralidade de alguns dos maiores estu­
diosos atesta esse fato.
Uma das histórias recentes, mais emocionante e
chocante veio do sul. Um montanhês rústico deu seu
coração a Cristo e iniciou a batalha de controlar seu
temperamento impetuoso e linguajar baixo. Ele o
conseguiu muitíssimo bem, mas então procurou seu
pastor para fazer uma confissão.
— Pastor — disse ele — , eu nunca mais tive uma
pequena briga ou amaldiçoei desde que me tomei
cristão. Mas por um triz eu não briguei e, se estiver
errado, quero que o senhor e Deus me perdoem.
Ouça o que aconteceu. Ontem fui ao consultório
médico para fazer um pequeno curativo. Chegada a
minha vez, encaminhava-me para lá, quando trou­
xeram um pretinho que havia sido atropelado por
um carro. Um braço estava muito quebrado, ao
O Tamborileiro Diferente 117
ponto de o osso sair da pele. 0 doutor olhou-o
rapidamente e antão, voltando-se para mim, disse:
— Entre, que eu já faço seu curativo.
— Não — repliquei. Trate primeiro desse menino.
Ele precisa ser socorrido e eu posso esperar.
O médico retrucou:
— Não, ele pode esperar.
Eu volvi:
— Não, eu posso esperar.
Então o médico disse:
—Você pensa que vou deixar um branco espe­
rando, enquanto trato de qualquer negrinho?
— Pastor, prosseguiu o rústico montanhês, pode
ser que minha resposta estivesse errada, mas eu
disse:
— O senhor trata já desse menino ou eu lhe dou
uma tremenda surra.
De certo a linguagem do camponês podería ter
sido melhorada mas a sua atuação certamente não o
podería. A verdade trágica desta história é que a
educação não diminuiu o preconceito do médico, ao
passo que um lavrador sem cultura era mais rico em
bondade e amor. É claro como o cristal que a bon­
dade não aumenta com a educação. Esta pode tor­
nar o homem mais hábil e menos rude, mas o cora­
ção ainda é arrogante e odioso.

Trivial porém verdadeiro

Os pregadores tanto o repetem que a verdade


quase se toma banal. Contudo, o fato perene é que a
118 Fruto d o Espírito
única base da bondade é a Palavra de Deus. Numa
era de relativismo e negação dos costumes passados,
é da maior importância compreender que a estrutura
da bondade não pode ser construída sem uma base.
Portanto, Paulo diz que o fruto do Espírito é bondade
— estabelecendo para sempre seu manancial e sus­
tento. Davi disse guardar a palavra de Deus no seu
coração para não pecar contra ele. Todo o salmo 119
transborda de louvor por esse fundamento que con­
fere ilum inação, vida, orien tação e verdade.
Ignorando-o, mergulhamos no relativismo e suas
falácias que qualquer um pode facilmente observar.
Na década passada, muitas das instituições e tradi­
ções humanas passaram por exame rigoroso. Isto
nem sempre é mau, mas há a tentação de lançá-las
fora sem pesar seu valor e verificar sua necessidade.
Seria bom lembrar que elas sobreviveram por serem
úteis no seu conjunto à subsistência do homem.
Recentemente, o funeral cristão sofreu idêntico ata­
que.
Em m uitos livros in teligentem ente escritos
discutiu-se largam ente sob re a form a n orte-
-americana de morrer. Foram sugeridas reformas e
apressadamente a maioria estava pronta a se des­
cartar por completo de qualquer idéia de funeral.
Contudo, homens mais avisados fizeram pesquisas
intensivas e descobriram o tremendo valor terapêu­
tico do serviço fúnebre como o método mais fácil e
melhor de retirar amor do falecido para reinvesti-lo
noutra pessoa ou causa. Vários livros de pesquisa
têm surgido agora, clamando por uma nova aprecia­
O Tamborileiro Diferente 119
ção dessa instituição honrada pelo tempo. O Dr.
Edgar N. Jackson diz: “Numa época em que prati­
camente toda a pesquisa objetiva e competente se
dirige para uma direção, as recomendações com
respeito a reformas na prática do funeral parecem
não levar em conta ou ignorar essas investigações e
abrirem seu caminho à parte, com uma pesada carga
de emoção e colapso da objetividade.”
O que é verdadeiro para esta instituição é certa­
mente para todas as demais. Hoje, psiquiatras e psi­
cólogos estão ao lado do pregador na tentativa de
mostrar o valor e a praticabilidade da sabedoria da
Escritura dignificada pelo tempo. Não obstante, pa­
recemos dar um mergulho de cabeça, ignorando
essa base da verdade. Mas sem ela vacilamos entre o
certo e o errado até que o relativismo nos arruine.
Ezequiel parecia com preender esta geração
quando falou de uma conspiração dos profetas de
Deus, que andavam ao redor como leões a rugirem,
anrebatando a presa, devorando almas, profanando
o que é sagrado e não vendo diferença entre coisas
santas e profanas. Ele termina seu apaixonado apelo
com: “Busquei entre eles um homem que tapasse o
muro e se colocasse na brecha perante mim a favor
desta terra, para que eu não a destruísse; mas a
ninguém achei” (Ezequiel 22:30).
Qualquer que seja a bondade que vejamos nestes
anos ou em tempos vindouros, só poderá brotar da
fonte de toda a bondade, Deus. A bondade é fruto do
Espírito e ainda que seja alto seu preço é necessária
para nossa sobrevivência. Não podemos viver den­
120 Fruto d o Espírito
tro de outro regime nazista. Com nosso acervo de
métodos de guerra assassina, as sementes do ódio
devem ser esmagadas antes de se espalharem com
fúria total. O mais crucial empenho deste tempo é a
sobrevivência do mundo e só sobreviveremos se
aniqüilarmos o mal em nossas vidas e cultivarmos o
fruto da bondade. Precisamos dizer com Giovanni
Papini: “Jesus só tem um alvo - transformar homens,
de feras em seres humanos por meio do amor, para
nos salvar da animalidade por uma força mais po­
derosa do que a força.”
8
ENQUANTO
A IGREJA
DORME

Quando Orville e Wilbur Wright finalmente conse­


guiram conservar seu aeroplano no ar durante cin-
qüenta e nove segundos, a 17 de dezembro de 1903,
enviaram um telegrama à sua irmã, em Dayton,
Ohio, relatando essa grande realização.
O telegrama rezava: “Primeiro vôo mantido hoje
cinqüenta e nove segundos. Esperamos estar em
casa pelo Natal.” Ao receber a notícia a irmã ficou
tão entusiasmada com o acontecido que correu à
redação do jornal e entregou o telegrama ao redator.
Na manhã seguinte— creia-se ou n ão— a manchete
do jornal dizia em negras letras garrafais: “Populares
comerciantes de bicicletas estarão em casa para as
festas de fim de ano.”
O furo jornalístico do século para os norte-
-americanos foi perdido porque um redator não viu o
ponto essencial. Rimos ao ler esse relato, mas muitas
vezes perdemos pontos essenciais das Escrituras
122 Fruto d o Espírito
porque os temos lido com muito descuido e não
permitimos que seu significado profundo penetre em
nossas almas. Isso é especialmente verdade em se
tratando da fidelidade como fruto do Espírito.
Uma consideração cuidadosa do texto original in­
dica que a palavra “fé” que algumas versões trazem,
devia ser mais corretamente traduzida por “fideli­
dade” . Fé no seu sentido geral indica nossa base de
crença e, assim, é a raiz, não o fruto. Fidelidade
define mais claramente o que Paulo tinha em mente
quando disse que o resultado da vida cheia do Espí­
rito é a fé.
Múltiplos testemunhos na Escritura indicam a vir­
tude da fidelidade. O escritor do provérbio disse: “O
homem fiel será cumulado de bênçãos” (Provérbios
28:20). Paulo escreve aos Coríntios: “. . .o que se
requer dos despenseiros é que cada um deles seja
encontrado fiel” (I Coríntios 4 :2 1 Então Jesus diz por
meio de João: “. . .Sê fiel até à morte e dar-te-ei a
coroa da vida” (Apocalipse 2:10).
Em nossa era de busca de prazeres e interesses
agoístas é imperativo que o homem de Deus seja fiel
ao seu alto chamado para a construção do Reino.
Fomos introduzidos numa época de apatia, quando
a igreja dorme enquanto os homens morrem e esses
moribundos são tão anestesiados por Satanás que
nem sequer compreendem seu perigo. Nestes tem­
pos as sentinelas precisam estar vigilentes e fiéis ao
seu chamado.
Enquanto a Igreja dorm e 123
Era de apatia
Uma ponta gigantesca de um “iceberg” submerso
abriu um rasgo de uns 90 metros no costado do
inafundãvel Titanic, pondo-o a pique no fundo mar.
Naquela noite de horror de 15 de abril de 1912, os
risos transformaram-se em gritos, a alegria em lágri­
mas, enquanto 1.517 almas foram tragadas pelas
negras águas gélidas. A mais trágica verdade é que a
maioria, senão todas, podiam ter sido salvas. O Tita­
nic afundou à vista de outro navio!
Testemunhas subseqüentes revelaram que oficiais
do Califomian viram o Titanic ser engolido pelo mar
gelado. Eles relataram não terem compreendido o
que estava acontecendo, enquanto durante uma
hora foguetes de avisos desesperados subiam aos
ares. Essas testemunhas, ao relatarem a tregédia,
revelaram que o Titanic navegava à vista do Califor-
nian às onze da noite e houve entre eles contacto
pelo rádio. O Califomiam estava em pleno repouso
noturno quando, às 1 1 :3 0 o capitão e o rádio-
-telegrafista foram deitar-se. Dez minutos depois o
Titanic bateu violentamente contra o “iceberg”.
A bordo do Titanic, que afundava, os oficiais pro­
curaram restabelecer contacto pelo rádio. Não o
tendo conseguido, em vista de estarem dormindo o
capitão e o rádio-telegrafista, foguetes de socorro
foram lançados. O oficial do Califomian em serviço,
através do tubo de comunicação, chamou o capitão
adormecido, avisando-o dos sinais. O capitão per­
guntou: “São sinais de nossa companhia” ?Tochas e
velas romanas eram usadas à noite com o sinais de
124 Fruto d o Espírito
passagem de navios da mesma companhia. Fogue­
tes brancos significavam catástrofe. O oficial, um
novato, disse: “Eu não sei.” O capitão tomou a
dormir.
Pouco antes das duas da madrugada o Titanic fez
um último e desesperado esforço, lançando aos céus
oito foguetes gigantes. Dessa vez o jovem oficial foi
pessoalmente levar a mensagem, acordando o capi­
tão do Califomian. Pelo relato das testemunhas ele
perguntou: “Eles eram brancos?” O marinheiro, an­
sioso, respondeu: “Todos brancos.” O capitão tor­
nou: “Que horas são” ? “Duas e cinco” , foi a res­
posta. O capitão não disse nada, acomodou-se e
voltou a dormir.
Quinze minutos depois não havia mais foguetes ou
luzes. O Titanic havia sido tragado na profundeza do
mar, um esquife aguático para 1.5 0 0 almas. A comis­
são investigadora concluiu: — A noite estava clara. O
mar, calmo. Quando o Califomian avistou os fogue­
tes pela primeira vez, podería ter arrancado através
do gelo sem qualquer risco sério e ido em socorro do
Titanic. S e tivesse feito isso, teria salvo muitas, se não
todas as vidas que se perderam.
Se acreditamos na Bíblia temos de reconhecer
estarmos empenhados numa luta violenta pelas
almas dos homens. Isso é mais do que convencer um
homem a ir para nossa igreja. Há um destino eterno
em risco e Jesus disse que a única entrada para a vida
eterna é a crença no plano de salvação de Deus. Mas
parece que alguns na igreja dormem, enquanto
muitos morrem sem ouvir que Cristo pode salvá-los.
Enquanto a Igreja dorme 125
Os apóstolos advertiram sobre ouvidos surdos, cora­
ções duros e olhos cegos. O trágico é que muitas
vezes enquanto a igreja dorme as almas perecem.
Freqüentemente soçobram à nossa vista.
Um dos capítulos mais perturbadores da Bíblia
trata de uma visão de Ezequiel. Relatada no capítulo
9 desse livro esplêndido, o profeta vê seis homens
convocados à presença de Deus, cada um com
armas destruidoras nas mãos. Um dentre eles está
vestido de linho, com um estojo de escrevedor à
cintura. Deus lhe diz: “Passa pelo meio da cidade,
pelo meio de Jerusalém, e marca com um sinal a
testa dos homens que suspiram e gemem por causa
de todas as abominações que se cometem no meio
dela. ” Aos outros Deus diz: “Passai pela cidade após
ele; e sem que os vossos olhos poupem e sem que
vos compadeçais, matai; matai a velhos, a moços e a
virgens, a crianças e a mulheres; mas a todo homem
que tiver o sinal não vos chegueis. . .”
A última nota que Deus acrescenta é terrível: “. . .
começai pelo meu santuário” . A visão é clara e a
aplicação é simples. Deus estava preocupado porque
ninguém parecia importar-se que a corrupção tivesse
tragado a bondade. Em outro trecho o profeta cita
Deus: “Busquei entre eles um homem que tapasse o
muro e se colocasse na brecha perante mim a favor
desta terra, para que eu não a destruísse; mas a
ninguém achei. Por isso eu derramei sobre
eles a minha indignação, com o fogo do meu
furor os consumi; fiz cair-lhes sobre a cabeça o
castigo do seu procedim ento, diz o S en h o r
126 Fruto d o Espírito
D eus” (Ezequiel 22:30-31).
Embora seja maravilhoso falar na grande bondade
de Deus, contudo parte da mensagem do Evangelho
é o julgamento iminente do descrente. O anjo diz aos
apóstolos: “Ide e, apresentando-vos no templo, dizei
ao povo todas as palavras desta Vida (Atos 5:20).
Portanto, palavras de advertência são empregadas e
o crente cheio do Espírito será fiel no desencargo de
sua responsabilidade.
Nem sempre é fácil ou agradável tomar a sério a
tarefa de advertir e testemunhar. Contudo, é impe­
rativo que o façamos. Nem todos atenderão e certa-
mente nem todos crerão. Mais comumente, os ho­
m ens nem m esm o com preendem a cond ição
precária em que se encontram sem Cristo. Idêntica
ignorância evidenciou-se quanto ao Titanic, naquela
noite em 1912.
Testemunho prestado perante a subcomissão da
Comissão de Comércio do Senado dos Estados Un­
idos e perante a Junta Inglesa de Comércio mostrou
que a tripulação do Titanic desprezou aviso após
aviso. Eles continuaram a marcha veloz através da
noite muito embora lhes tivessem dito que havia um
grande campo de gelo à frente. Minutos após desa-
tender a um aviso, o Titanic investiu sobre o “ice­
berg” submerso.
O último aviso recebido foi de um navio na vizi­
nhança que percebeu terem sido ignoradas as ad­
vertências anteriores. O Titanic respondeu com arro­
gância: — Cale-se. Cale-se. Estou em ligação com o
Cabo Race. Vocês estão perturbando os meus sinais.
Enquanto a Igreja dorme 127
Os testemunhos revelaram que o Titanic estava
em ligação com o Cabo Race, o ponto de escala,
sobre assuntos como arrumar os lençóis da cama nas
casas dos milionários, providências para os choferes
virem encontrá-los nas docas, o que preparar para a
primeira refeição no lar e outros problemas domésti­
cos que tais, dos que estavam a bordo daquele
palácio flutuante. Eles estavam ocupados demais
para ouvir advertências.
Jesus falou muitas vezes daqueles que estavam tão
ocupados em ganhar a vida que se esqueciam de
preparar-se para a vida. Contou sobre um rico fa­
zendeiro tão atarefado em construir maiores celeiros
que se esqueceu de construiur para a eternidade.
Tragicamente, essa é com freqüência a situação do
homem moderno na nossa era de apatia. Todavia, a
despeito de sua reação, nossa responsabilidade é
emitir a palavra de advertência. Paulo declara que o
fruto do Espírito é fidelidade.
Cântico para o nosso século
Israel foi escolhido por Deus para propagar sua
mensagem ao mundo e eles ficaram tão envolvidos
com as bênçãos divinas que esqueceram a respon­
sabilidade. Na realidade, quando seu Filho veio para
consumar o plano de redenção, a arrogância deles os
impediu de o aceitarem. Os pecados deles foram
profetizados no cântico que Moisés lhes ensinou
antes de sua partida. Seria bom que nós os membros
do enxerto de Cristo em Israel léssem os e re­
cordássemos para que nós também não percamos
nossa perspectiva.
128 Fruto d o Espírito
Durante quarenta anos Moisés metade conduzira
e metade forçara uma nação nômade para uma nova
terra. Agora sentia-se atraído para o seu “lar so­
nhado” e queria fazer considerações pertinentes aos
dias vindouros. Sob a inspiração do Espírito Santo,
ele escreveu as palavras magníficas de um grande
hino que ainda vibra com tal força que se pode quase
sentir a sombra de Moisés atravessando as páginas
(Deuteronômio 32:1 -4 3 ). Esse velho, ainda que
profundo cântico, é certamente para nosso século.
Moisés começa o salmo dizendo que Deus desig­
nou Israel como sua porção. Ele fortalece no povo o
reconhecimento do significado dessa seleção e en­
carece a proteção de um Pai amoroso. Contudo,
Deus não trata com carinho um povo sem um propó­
sito. Mais tarde Jesus lembraria a Israel: “Daquele a
quem muito se dá muito será requerido.”
Israel prosperou, porém disso advieram proble­
mas. Moisés diz: “Mas, engordando-se o meu amado
deu coices.” Os pregadores dizem freqüentemente
que a maior tentação para se esquecer de Deus não é
nos dias penosos, mas nos de bonança. Isso parece
ter acontecido a Israel, porque quando eles prospe­
raram, esqueceram-se de Deus, a fonte de sua
bênção especial.
Durante séculos a igreja não sofreu luta insana
como aquela com que se defrontou durante os pri­
meiros três séculos após Cristo. Pressões externas
empenhavam-se por esmagar a igreja militante e
falsos mestres dentro dela semeavam a discórdia. Há
Enquanto a Igreja dorme 129
quem sinta na nossa era de liberdade religiosa que a
igreja, avolumando-se, perdeu sua dinâmica. Isso
não é de fato verdadeiro em todos os setores, mas a
porção de Deus— a igreja— no decurso dos últimos
dois mil anos podia ser mais eficiente do que se
apresenta agora. Talvez nos tenhamos engordado.
Moisés declara Israel ter dado cinco desastrosos
passos descendentes. Seria prudente reavaliarmos
nossa posição como “Israel moderno” para verificar
se há a tentação de cometermos os mesmos desati­
nos.
Eles abandonaram a Deus. Moisés acusa: “. . .e
abandonou a Deus, que o fez.” Muitas vezes somos
tentados a pensar que conseguimos o alvo por causa
de nossa dinâmica pessoal, personalidade ou bon­
dade inata. Todavia, o salmista declara: “Sabei que o
Senhor é Deus: foi ele quem nos fez e dele somos”
(Salmo 100:3). Acrescentem-se a isso as palavras:
“Porque não é do Oriente, não é do Ocidente, nem
do deserto que vem o auxílio. Deus é o juiz: a um
abate, a outro exalta” (Salmo 75:6,7).
Nos momentos em que somos tentados ao orgu­
lho espiritual seria prudente lembrarmo-nos de nos­
sas origens e cantar: “A Deus seja toda a glória;
grandes coisas ele tem feito.” Qualquer êxito que
tenhamos obtido com o igreja ou indivíduo, é só
porque ele tem abençoado nossos esforços e dado a
eles o crescimento. Em outras esferas, um homem
pode alçar-se até ao topo. Mas, no serviço do Senhor
é Deus quem nos dá tudo a ele não só é a fonte de
nosso vigor espiritual como de nossa força contínua.
130 Fruto d o Espírito
Jesus o disse sucintamente ao falar da vinha e dos
ramos. Enquanto permanecermos na Videira há
dádiva de vida e fluxo sustentador de seu poder e
presença. Israel esqueceu-se disso, o que resultou
em tragédia.
Eles menosprezaram a Deus. Moisés lamenta:
“.. .e desprezou a Rocha da sua salvação.” A salva­
ção de Israel tinha sido milagrosa. A partir de sua
preservação através de José, Deus presenciou e mais
tarde partiu os vínculos da escravidão mediante pra­
gas lançadas por Moisés. A seguir veio a libertação
dramática em lugares desertos. Moisés relata com
eloqüência: “Achou-o numa terra deserta e num
ermo solitário povoado de uivos; rodeou-o e cuidou
dele, guardou-o como a menina dos seus olhos.”
Depois, Moisés prossegue registrando a proteção
pessoal de Jeová na eloqüente alegoria de águia:
‘ ‘Como a águia desperta a sua ninhada e voeja sobre
os seus filhotes, estende as suas asas, e, tomando-os,
os leva sobre elas, assim só o Senhor o guiou.. . ” O
grande líder prossegue contando os grandes feitos
com que Deus agraciou seu povo: “Ele o fez cavalgar
sobre os altos da terra, comer as messes do campo
“. . . Salvação, proteção e milagres, tudo lhes foi
dado, mas inda assim Israel não apreciou as mãos
paternais de Jeová, e menosprezoú o Doador.
Muito se tem dito acerca da grande graça e amor
de Deus. Freqüentemente sobrevêm a tentação de
menosprezá-lo e pensar: “Ele compreenderá e dirá
‘Está bem ’.” Todavia, Moisés e todos os outros
grandes profetas sentiam tremendo respeito e reve­
Enquanto a Igreja dorme 131
rência para com Deus. Ele é o Eterno Criador e
nunca podemos reduzi-lo a nosso próprio Deus pes­
soal que está a serviço de nossos caprichos e praze­
res. Muitas vezes há pessoas que menosprezam seu
perdão e misericórdia, esquecidas de que mesmo
sendo amoroso, ele é também santo e justo. Paulo
nos admoesta sobre um dia quando prestaremos
contas dos atos feitos na carne.
Eles serviram a deuses estranhos. “Com deuses
estranhos o provocaram a zelos, com abominações o
irritaram.” A passagem do Mar Vermelho, o maná,
os incidentes milagrosos de vestes, nada disso evitou
que Israel confundisse a verdadeira adoração com a
dos povos pagãos. Tomaram para si deuses estra­
nhos e ansiaram pela adoração sensual das nações
pagãs em tomo deles.
Por vezes não pensamos ser essa queda típica em
nosso século. Infelizmente, os homens ainda adoram
deuses estranhos embora não abertamente. Há os
que se curvam a deuses de esportes, posições, di­
nheiro, diversão — inconscientemente eles adoram
essas coisas através de suas ambições e atitudes. Em
nossa época há muitas coisas que nos afastam do
verdadeiro Deus. Deve-se dizer que qualquer coisa
que substitua a Deus com o centro de uma vida está
tomando o lugar dele. Satanás oferece muitas distra­
ções, mas só Deus deve ser adorado. As histórias
trágicas dos adoradores de deuses estranhos apare­
cem regularmente. O suicídio de atrizes que eram
símbolos sexuais e o trágico desaparecimento de
homens que alcançaram êxito em negócios e política
132 Fruto d o Espírito
retratam a vaeuidade em se oferecer a vida e seu vigor
a deuses estranhos que só satisfazem o que é sensual.
Eles ofereceram sacrifícios aos demônios. Moisés
acusa: “Sacrifícios ofereceram aos demônios, não a
Deus.” Isso se refere aos deuses de Canaã, já que o
demonismo é a dinâmica da idolatria. Paulo m en­
ciona de novo esse sacrifício aos demônios em
1 Coríntios, 10. Sacrificar indica dar a eles o que
alguém devia guardar para si mesmo.
Em nossa época há sacrifício abundante aos deu­
ses estranhos já mencionados. Parece que temos
dinheiro para gastar no que é sensual, ao passo que a
igreja de Deus está sobrecarregada de dívidas. Paulo
menciona: “A ninguém fiqueis devendo coisa al­
guma, exceto o amor com que vos ameis uns aos
outros.. . ” (Romanos 13:8). Pode ser que em nossa
sociedade secular estejamos sacrificando a demônios
como fez Israel e roubando de Deus seus dízimos e
nossas ofertas. Ageu fala mais tarde claramente aos
israelitas: “Tendes sem eado muito e recolhido
pouco; comeis, mas não chega para fartar-vos; be-
beis, mas não dá para saciar-vos; vesti-vos, mas nin­
guém se aquece; e o que recebe salário, recebe-o
para pô-lo num saquitel furado” (Ageu 1:6). Expli­
cando porque isso tem acontecido, Ageu diz que a
causa é terem eles construído suas próprias casas,
deixando em ruínas a de Deus. Essa é a tragédia de
valores invertidos. Deus quer que demos e nos sacri­
fiquemos a ele e à sua obra, de tal forma que ele
possa fazer descer sobre nós bênçãos além de nossa
capacidade de abrangê-las.
Enquanto a Igreja dorm e 133
Eles pensavam pou co em Deus. “Olvidaste a
Rocha que te gerou; e te esqueceste do Deus que te
deu o ser.” Sem dúvida Moisés estava pensando no
tempo em que Deus o convocou para registrar os
Dez Mandamentos. Aquele encontro foi subitamente
interrompido quando Deus contou a Moisés que o
povo o traíra, adorando em altar estranho. Percor­
rendo seu caminho monte abaixo, Moisés deparou
com a cena repulsiva de corpos nus em contorções
na adoração pagã de um deus egípcio em forma de
bezerro. Na sua aversão, ele quebra as pedras escri­
tas por Deus na montanha e vai contender com um
povo de vontade fraca.
Freqüentemente esquecemo-nos de Deus quando
não estamos perto da sua casa e do seu povo. Con­
tudo, Deus deseja que nossos pensamentos perma­
neçam de contínuo nele e no seu caminho. O sal-
mista disse: “. . .Antes o seu prazer está na lei do
Senhor e na sua lei medita de dia e de noite.” (Salmo
1:2). Nisso consiste o segredo de uma vida cristã
vitoriosa. Se Deus é o centro de nosso pensamento,
então ele será o diretor de nossas emoções e o piloto
de nossas vidas. Então não precisamos da visão do
santuário ou da presença de um pregador para pre­
servar a nossa santidade. S e aprendermos a deixá-lo
ser o centro de nossos pensamentos, nossas vidas
serão santas e retas.

A fome do coração
Moisés não só faz acusações como também fala
dos trágicos sucessos que advirão de tal negligência:
134 Fruto d o Espírito
“Consumidos serão pela fome, devorados pela febre
e peste violenta.” Não se passaram muitos anos
antes que Israel fosse destroçado por tal fome. As
profecias de Moisés foram mais do que cumpridas no
cativeiro amargo que sofreram.
Um dos outros grandes profetas visualizou a época
de um cativeiro e disse tristemente: “Eis que vêm
dias, diz o Senhor Deus, em que enviarei fome sobre
a terra, não de pão, nem sede de água, mas de ouvir
as palavras do Senhor” (Amós 8:11). Amós prosse­
gue em seu lamento: “Andarão de mar a mar, e do
norte até ao oriente; correrão por toda parte, procu­
rando a palavra do Senhor, e não a acharão.” Essa
busca, essa ardência, essa fome febril pela Palavra de
Deus manifestou-se em Israel quando eles se esque­
ceram de Deus e o renegaram. Durante quatrocentos
anos Deus ficou em silêncio e só rompeu aquela
solidão agônica com a voz retumbante proclamando
a vinda de Cristo.

O Senhor abandonado
Em nossa era de muitos conhecimentos e de al­
garavia científica há uma tendência para substituir o
banco do lamentador pelo sofá do psiquiatra. Muitas
vezes nossos sermões têm o intuito de fazer as pes­
soas “sentirem-se” boas ao invés de “serem” boas.
A decadência do espírito e a morte religiosa resultam
do esquecimento por parte do cristão da fidelidade
que o Espírito traz. Foi o que aconteceu em Laodi-
céia.
Estabelecida por Epafras, a igreja de Laodicéia
Enquanto a Igreja dorme 135
teve um surto imediato. Situada no coração de uma
grande cidade desde os primeiros meses a igreja
cresceu em força e poder na vida comunitária. Lao-
dicéia era uma das cidades mais prósperas da Ásia.
Dela vinham os mais belos e macios tecidos de lã
preta e o linho finíssimo. Uma famosa escola de
medicina estabeleceu-se na cidade da qual proveio
um remédio para os olhos chamado colírio. A cidade
era também um centro bancário.
Contudo, em tal ambiente de prosperidade, a
igreja fraquejou. Cristo, na revelação, adverte-a por
falta de devoção, encorajando-a a buscar o ouro
espiritual, vestiduras e colírio de Deus. Acusa-a de
orgulho espiritual, porém ao mesmo tempo estende
seu grato convite: “Eis que estou à porta e bato; se
alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em
sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Apocalipse
3:20).
Muitas vezes essas palavras são citadas ao des­
crente, representando o Cristo evangelístico pedindo
entrada no coração do pecador. Contudo, deve-se
levar em conta que elas se endereçavam a uma igreja
desviada e indiferente. É deveras triste ver aquele
que deu sua vida pela igreja, do lado de fora dese­
jando entrar.
Salom ão também ilustra essa trágica cena na his­
tória comovente e magnífica da jovem que dormia
no luxuoso palácio do rei. Ela é despertada pela
batida insistente do seu amado Pastor. Da noite fria
chega sua voz: “Abre-me, minha irmã, querida
minha, imaculada minha, porque a minha cabeça
136 Fruto d o Espírito
está cheia de orvalho, os meus cabelos das gotas da
noite” (Cantares 5:2).
Sonolenta, a esposa responde: “J á despi a minha
túnica, hei de vesti-la outra vez? Já lavei os meus pés,
tomarei a sujá-los?” E assim ela fica inteiramente à
vontade e com tanto sono que não quer responder às
contínuas batidas. Afinal, ferida pela consciência, vai
até à porta, mas para seu desalento seu amado já se
retirara. Receosa de tê-lo perdido, ela corre noite
afora, b u scan d o -o, quando é atacad a:
“Encontraram-me os guardas que rondavam pela
cidade: espancaram-me, feriram-me; tiraram-me o
manto os guardas dos muros” (Cantares 5:7). À luz
desses escritos a cena de Cristo batendo à porta é
comovente e atemorizante. O fato é que, se a igreja
adormecida não despertar, Cristo pode retirar-se
dela e o fará. A igreja, buscando o Senhor que a
deixou, sofre grande tribulação. Cristo disse: “Assim,
porque és momo, e nem és quente nem frio, estou a
ponto de vomitar-te de minha boca” (Apocalipse
3:16).
Quão diversa era a igreja de Éfeso! Também eles
tinham recebido uma aguilhoada por terem deixado
seu primeiro amor. Cristo fá-los recordar isso,
arrepender-se e voltar-se às práticas primeiras. Eles
não menosprezam a advertência e se arrependem. A
história registra os resultados de ambas as atitudes. A
igreja de Laodicéia, surda aos avisos, foi rejeitada da
presença de Deus. Invasores islâmicos invadiram a
cidade e a destruíram. A rica igreja dos Laodiceanos
ficou em ruínas e pereceram os santos que dormiam.
Enquanto a Igreja dorme 137
Nesse meio tempo a igreja de Éfeso prosperou
depois de voltar-se para o altar. Na realidade, tão
grande foi seu reavivamento que dez anos após a
morte de João, o Amado, estava mais firme do que
nunca. O imperador Trajano mandou Plínio àquela
cidade para investigar se os cristãos deviam ser per­
seguidos. Plínio escreveu como resposta que o Cris­
tianismo florescera de tal forma que os templos pa­
gãos estavam quase abandonados e uma perseguição
significaria a rebelião de toda a cidade.
O fruto do Espírito é fidelidade à nossa vocação, e
nesta era de santos adormecidos e pecadores mori­
bundos, esse fruto precisa ser cultivado mais do que
qualquer outro.
9
A FORMA
DO CONTEÚDO

O famoso pintor Ben Shahn fala com clareza artís­


tica raramente igualada entre seus colegas. Certa
feita, quis retratar o fogo tão vividamente que nin­
guém pudesse enganar-se quanto ao seu significado.
Não é uma tarefa fácil, visto como o fogo evoca
muitas imagens e significados em nossa mente.
Para alguém extraviado no escuro de uma floresta
a vista de fogo no acampamento representa um alí­
vio extremo. Quando atormentados por fome, o
fogo pode recordar-nos o chiado de um bife ou o
crepitar do torresmo. O fogo também é destrutivo e
pode-se imaginar o horror de uma casa em chamas
com crianças aos gritos. Para outros, vergastados
pelos ventos gélidos do inverno, o fogo é um amigo
agradável que envolve as achas de lenha numa la­
reira aprazível. Contudo, Shahn queria retratar o
fogo em toda sua fúria, como um assassino sem
misericórdia. Para fazer isso, pintou um lobo enfure­
140 Fruto d o Espírito
cido com garras deformadas, revestido de pelo de
cor viva, procurando, esfomeado, uma presa. Nin­
guém pode ver essa obra de arte sem perceber a
mensagem clara e chocante que Shahn queria co­
municar.
As palavras, como o fogo, muitas vezes significam
coisas diferentes a pessoas diversas. Por vezes preci­
samos de uma representação clara e concisa para
configurar o conteúdo das palavras do autor. O pro­
blema complica-se mais pelo fato de as palavras
estarem de contínuo mudando de significado. Em
vista desses problemas, por vezes temos de reexami­
nar algumas idéias preconcebidas sobre o que lemos
e reajustá-las convenientemente. Isso é inconteste
quando lemos: “O fruto do Espírito é mansidão.”

Uma mansidão vertical


Ao se ler a palavra masidão, imediatamente nos
ocorre um personagem de Walter Mitty, que tem
nele menos do que seria desejável. Tragicamente,
isso é uma grave distorção da advertência de Paulo,
visto como mansidão não é fraqueza, mas força.
Talvez uma palavra possa ser esboçada como forma
do conteúdo para avaliarmos a que Paulo se refere
ao falar em mansidão.
Michael Druiy falou recentemente em mansidão,
dizendo: “A humildade muitas vezes se nos apre­
senta vagam ente d esejáv el, mas não de fato
atraente. Ela pode levar alguém ao céu, mas não lhe
conseguirá um aumento de salário. S o a como que
sem espinha, incompatível com o intelecto e com um
A Forma do Conteúdo 141
espírito vigoroso.” Ele prosseguiu admitindo que na
verdade o contrário é verdadeiro. As figuras que
costumamos associar com a humildade — Jesus,
Lincoln, Gandhi, Einstein — não foram homens de
natureza tímida, mas homens que, reconhecendo
sua fraqueza, também consideravam seus destinos e
agiam de acordo com eles. Drury concluiu, dizendo:
“A humildade não é autodepreciação: é uma carac­
terística firme, livre, confiante.” Isto se aproxima
bastante da descrição de Paulo.
O que muitas vezes é mal interpretado acerca da
mansidão é que essa qualidade está relacionada er­
roneamente. Mansidão é nossa atitude para com
Deus, não para com o homem. É vertical, não hori­
zontal. Eis por que realmente homens mansos como
os acima mencionados tinham aquela grandeza e
liberdade de espírito. S e a mansidão fosse relacio­
nada com o homem, então nos estaríamos curvando
a uma vontade pessoal mais forte. Nesse caso o
Cristianismo nunca podería galgar um posto de li­
derança nas comunidades ou sequer viver nelas com
qualquer grau de dignidade. Deve ficar devidamente
esclarecido que quando Paulo fala ser mansidão o
fruto do Espírito, está descrevendo a atitude de al­
guém ante Deus, não ante o homem. Então, se nossa
atitude perante Deus é de mansidão, perante o
homem a pessoa está impregnada do mesmo espí­
rito. A mansidão nesse caso não parte de uma fra­
queza vacilante, mas de uma força que nos compele
a fazer a vontade de Deus em face de qualquer
adversidade. A mansidão não é como Rúben: “im­
142 Fruto d o Espírito
petuoso como a água.” Pelo contrário, semelhante a
José: “o seu arco, porém, permanece firme.”

Moisés dá o significado
Para fazer uma pintura do mundo talvez seja bom
invocarmos Moisés, já que a Bíblia diz: “Era o varão
Moisés mui manso, mais do que todos os homens
que havia sobre a terra.” Ao menos três incicidentes
na sua vida indicam esse traço característico e nos
falam do profundo significado da mansidão.
Resposta ao seu chamado. Após quarenta anos de
exílio, Moisés defronta-se subitamente com um mi­
lagre que não compreende. Deus fala, dizendo a
Moisés que ele foi escolhido para conduzir os israeli­
tas fora do Egito. Como resposta Moisés pergunta
honestamente: “Quem sou eu para ir a Faraó e tirar
do Egito os filhos de Israel?” Ao que Deus responde:
“Eu serei contigo.” De novo Moisés pergunta:
“Quem direi que me enviou?” — ao que Deus re­
plica: “Eu sou o que sou.” Moisés prossegue con­
testando, dizendo que não lhe crerão e que ele é
pesado de língua. Deus repele essas objeções e Moi­
sés é enviado.
O significado de tudo isso jaz no contraste entre
sua resposta e àquela dada pelas suas ações qua­
renta anos atrás. Nesse tempo Moisés encontrara um
egípcio espancando um seu compatriota e imedia­
tamente ergueu-se e matou o opressor. Disso resul­
tou seu exílio e durante aqueles quarenta anos Deus
empenhou-se muito por ensinar a Moisés que há
muitos combates que não se vencem com violência.
A Forma do Conteúdo 143
As batalhas espirituais nunca se ganham pelas mãos
carnais. Paulo toca o clarim, advertindo: . .porque
a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim,
contra os principados e potestades, contra os domi­
nadores deste mundo tenebroso, contra as forças
espirituais do mal, nas regiões celestes. Portanto,
tomai toda a armadura de Deus. . .” (Efésios 6:12,
13a). Moisés aprendera em dura experiência a futili­
dade, a frustração de resolver situações com as pró­
prias mãos e procurar endireitá-las com as mãos da
carne. Agora, ele simplesmente estava ante Deus e
admitia plenamente não ser ninguém. Isso é verda­
deira mansidão.
O escritor do hino disse tão eloqüentemente: “Sou
débil, cheio de fraquezas, aos teus pés me curvo.
Divino ser, espírito etern o, ch eio de poder,
enche-me dele agora.” Assim como nossa vida espi­
ritual se baseia na premissa de permanência na Vi­
deira, nossas vitórias espirituais só serão conquista­
das se humildemente, perante Deus, admitirmos
nossas fraquezas e orarmos pela sua força. Moisés foi
absolutamente honesto na sua aproximação de Deus
e isso é verdadeira mansidão.
Seu problema familiar pessoal M oisés tinha se ca­
sado com uma mulher odiada por sua irmã e seu
irmão e da qual eles desconfiavam. “Falaram Miriã e
Arão contra Moisés, por causa de mulher etíope, que
tomara” (Números 12:1). Os mais argutos pensa­
dores têm considerado o motivo dessa desaprova­
ção. S e era de ordem racial ou pessoal para com
Miriã não importa. O que vale notar é a reação de
144 Fruto d o Espírito
Moisés durante esse período da crise pessoal e crítica
severa. Ele não reagiu violentamente nem gastou
tempo em defender-se. Antes, continuou seu traba­
lho para Deus e deixou Deus solucionar o problema.
Com o decorrer do tempo, subitamente Deus
falou aos três indivíduos para que se pusessem à sua
presença. Quando eles entraram na tenda, Miriã e
Arão são chamados à frente e Deus austeramente os
recrimina: “Boca a boca falo com e le ... como, pois,
não temestes falar contra o meu servo, contra
Moisés?” Miriã ficou atacada de lepra e o castigo pela
sua insurreição foi conhecido em todo o arraial.
Note-se ainda que Moisés então ora por sua irmã e
após sete dias ela fica curada. De novo não vemos
maldade alguma no coração de Moisés, pois fora
atingido na esfera de vida em que a maioria de nós
gritaríamos de dor. A atitude de mansidão de Moisés
diante de Deus era tal que ele não necessitava de se
defender ou de se vingar.
Mansidão é a perfeita compreensão de nosso valor
ante Deus e o conhecimento do seu perdão. Porque
Moisés foi manso perante Deus, tendo acalmado
seus receios pessoais e frustrações, os outros não
podiam afrontá-lo e fazê-lo reagir em desacordo com
o caráter de sua missão. No envoltório desse pe­
queno incidente histórico encontra-se um impor­
tante fato psicológico. Pelo perfeito conhecimento de
nossa situação com o Salvador, o medo, as frustra­
ções e inibições que nos flagelavam antes do
Calvário são erradicados. Nisso consiste o milagre do
novo nascimento. Ainda que nosso ambiente possa
A Forma do Conteúdo 145
ter contribuído para toda espécie de problemas
emocionais e complexos, numa nova retomada em
paz com nosso Criador, tomamo-nos emocional­
mente seguros e estáveis.
Quando compreendemos que foi Deus quem nos
fez e não nós mesmos, que somos ovelhas do seu
pasto, que os passos de um homem bom são co­
mandados pelo Senhor, então não importa o que
outros possam dizer. É então que a verdadeira man­
sidão para com Deus nos dá forças ante nossos ad­
versários. Então não nos curvaremos aos caprichos e
desejos dos que nos cercam. Não reagiremos à sua
frustração, pois sabemos que fomos aceitos pelo
Criador do universo e que nossos passos foram en­
caminhados por ele. Portanto, a crítica não nos afeta
e a vingança é alheia à nossa personalidade.
Seu grande desapontamento. Moisés tinha desa­
gradado a Deus em Meribá, razão pela qual não lhe
foi permitido entrar na Terra Prometida. Este foi um
dos maiores golpes que recebeu. Ele ansiava pelo
momento de conduzir o povo ao seu lar predesti­
nado. Durante quarenta anos, metade ele conduzira
e metade ele forçara uma nação nômade para sua
terra e agora, idoso, quando o sentimento brota
forte, ele não podería entrar nela. É dispensável dizer
o quanto se lhe confrangia o coração com tão pro­
fundo desapontamento.
Contudo, nessa provação Moisés não se rebela
contra Deus, porém aceita seu castigo com o o
grande homem que era. Como Jó, ele não pecou
com seus lábios ou insensatamente acusou a Deus.
146 Fruto d o Espírito
Notem-se as grandes qualidades da mansidão: con­
fiança absoluta e segurança na grande sabedoria e
misericórdia divina. Se Deus não lhe permitia a en­
trada, Moisés não via nisso motivo de se lastimar. Ao
invés disso, aceitou a ordem de Deus e foi avante.
Sua fé não ficou abalada, mas fortalecida.
À beira de um túmulo, diz muitas vezes um pastor
a uma viúva em prantos: “Deus é muito sábio para
jamais errar e muito amante para jamais ser descari-
doso.” Não são palavras vazias ou frases amenas
para serenar um coração dorido. São verdades que
vibram através da história e se pudermos apanhar
todo o seu significado apreenderemos um pouco do
espírito de Moisés. Em lugar de nos rebelarmos
quando não vemos claramente como decorrem seus
planos, quão esplêndido seria, na mansidão de Moi­
sés, contentarmo-nos com a experiência de um
Monte Pisga. Eis a verdadeira mansidão — tal como
a canta o salmista: “Seu caminho é perfeito.”

Sob a aparência
Já que é certo a mansidão estar na relação entre o
homem e Deus antes que junto ao seu próximo,
talvez seria valioso passar em revista as ocasiões em
que chegamos ante seu trono ém adoração. Deus
prometeu: “Os mansos terão regozijo sobre regozijo
no Senhor” (Isaías 2 9:19). Isso é verdade, porque o
hom em que é realm en te m anso ante D eus
aproxima-se do seu trono com absoluta honestidade
e abandono. E nessa liberdade de honestidade há
grande e maravilhosa alegria.
A Forma do Conteúdo 147
Infelizmente, alguns dentre nós construímos um
sistema de adoração que não conduz à mansidão
ante Deus. S e pudermos quebrar essa máscara de
adoração farisaica, sermos absolutamente honestos
em nossa comunhão com Deus, nossa adoração será
mais rica e significativa. Tragicamente, muita adora­
ção é centrada no indivíduo e reflete pouco da man­
sidão que é fruto do Espírito. S e nos lembrarmos de
que a verdadeira adoração é centrada em Deus e não
em nós mesmos, então a mansidão se tomará parte
intrínseca nossa.
Uma mocinha, muito entusiasmada por ter seu
namorado afinal ido à igreja, ergueu-se para dar seu
testemunho. Estava muito alegre por Deus ter ou­
vido fielmente as suas orações e nervosa por desejar
que seu testemunho desse a impressão justa. Ela
exclamou: “Estou tão feliz por ser tão maravilhosa.”
Rimos ao tomar conhecimento desse incidente
que foi muito embaraçante para a jovem. Ela queria
dizer: “Estou tão feliz porque Deus é tão maravi­
lhoso.”
Isso nos faz recordar que muitas vezes a adoração
pode centrar-se numa pessoa e não em Deus. Paulo
adverte o jovem Timóteo: “Sabe, porém isto: nos
últimos dias sobrevirão tempos difíceis; pois os ho­
mens serão egoístas . . . antes que amigos de Deus”
(2 Timóteo 3:1-4).
No Apocalipse um anjo nos dá a verdadeira chave
da adoração. João fora exilado na ilha de Patmos e lá
Deus lhe revelou seu plano para as eras vindouras.
Num caso a revelação veio através de um “anjo
148 Fruto d o Espírito
poderoso” . Em seguida Jo ão prostra-se em adora­
ção ao ser celestial. Ele registra: “Prostrei-me ante os
seus pés para adorá-lo. Ele, porém, me disse: Vê,
não faças isso; sou conservo teu e dos teus irmãos
que mantêm o testemunho de Jesus; adora a
Deus. . .” (Apocalipse 19:10).
Aqui está a chave encontrada na Palavra de Deus,
através de profetas, sacerdotes, pregadores e anjos:
“Adora só a Deus!” Jesus disse: “Ao Senhor teu
Deus adorarás, e só a ele darás culto” (Mateus 4:10).
Os homens de hoje argumentariam que nossa
adoração centraliza-se unicamente em Deus. Talvez
isso se verifique realmente em muitas vidas. C on­
tudo, seria bom avaliar nossa.adoração e ver se Deus
é o centro dela ou nós mesmos.
Os cânticos que cantamos. Uma experiência cu­
riosa é repassar as páginas de um hinário e notar
todos os cânticos com pronomes pessoais nos títulos.
Um estudo mais profundo desses hinos demonstra
ser a maioria deles centralizada em nós e nossos
sentimentos, em lugar de Deus. Repare nestes títu­
los: “Minha possessão eterna” , “Mais perto quero
estar”, “Dá-nos teu favor”, “Deus me chama” , “Eu
quero ser um anjo”, “Meu Fiador”, “Meu Salva­
dor”.
Um eminente ministro observou no cântico “No
jardim” a incidência de vinte e sete referências à
própria pessoa e só algumas a Deus.
Naturalmente, esses hinos são de testemunho e
prestam-se muito bem para algumas adorações. A
questão é que talvez devamos incluir em nossa ado­
A Forma do Conteúdo 149
ração mais hinos que façam referência a Deus, sua
grandeza, amor e preocupação com o homem. A
ênfase em nossa adoração não diz respeito à nossa
retidão, mas à de Deus. Como Moisés, perguntamos:
Quem somos nós? Há grandes cânticos de adoração
como “Saudai o nome de Jesus” ; “Grandioso és
tu”, “Ao Deus de Abraão louvai” , “Mil vezes mil
louvores”. Podería haver um cântico que acentuasse
mais a grandeza de Deus do que:

A Deus demos glória, pois seu grande amor


O Filho bendito por nós todos deu.
E graça concede ao mais vil pecador,
Abrindo-lhe a porta de entrada no céu.

Exultai! Exultai! Vinde todos louvar


A Jesus Salvador, a Jesus Redentor!
A Deus dem os glória, porquanto do céu
Seu Filho bendito por nós todos deu.

A congregação acabara de cantar “Mais terno


cada dia” , quando um homem idoso se ergueu e
disse com toda a ingenuidade:
— Sabe, pessoal, eu sou como esse hino. Fico cada
dia mais terno.
Muitos têm ouvido testemunhos semelhantes que
nos fazem sorrir. Já que o testemunho é parte de
nossa adoração, há algumas normas a serem segui­
das para testemunhar nosso Mestre.
R ecen tem en te um hom em muito sincero
ergueu-se e pôs-se a falar com muitas minúcias sobre
150 Fruto d o Espírito
quantas almas havia ganho para Cristo. Natural­
mente, o efeito não foi o esperado, porque a ênfase
foi colocada sobre ele, ao invés de como Cristo tra­
balhava através dele. Muitas vezes, inconsciente­
mente, creditamos a nós a obra de Deus.
Os testemunhos são muito eficazes para trazerem
almas a Cristo. Não devem servir como demonstra­
ção de nossa espiritualidade ou sabedoria religiosa.
Quando se transformam nisso, a efetividade desa­
parece. Cristo, falando da maneira pela qual morre-
ria, disse: “E eu, quando for levantado da terra,
atrairei todos a mim m esm o.” Talvez devamos
lembrar-nos dessas palavras ao testemunharmos.
Ele tem de ser exaltado. Nossos testemunhos devem
ser os de uma alma emocionada e persuadida, se
confessamos com o escritor do hino: “Senhor, agora
na verdade encontro teu poder e tu somente podes
alimpar as manchas da lepra e derreter um coração
de pedra.”
Jesus condenou o fariseu que evidenciava seu
próprio valor e o mal do pecador. Ele nos admoestou
a orar não para impressionar homens, mas para
comungar com Deus. Portanto, nossas orações
devem sempre ser em honestidade para com Deus
— acerca de nossas próprias deficiências e sua força.
Uma boa pergunta a fazer a si mesmo é: “São
minhas orações inteiramente altruístas?” Procure
atentar para suas orações. Suas orações são sempre
para suas necessidades ou as de sua família? Ou elas
vão de parceria com as necessidades de outros?
Pode o Espírito Santo movê-lo a orar pelos outros,
A Forma do Conteúdo 151
esquecendo-se de si mesmo?
Jesus deu o modelo perfeito da oração quando
seus discípulos lhe pediram que os ensinasse a orar.
Dois terços da oração ensinada são de louvor, com a
mensagem básica centralizada na vontade de Deus
antes que em interesses próprios. A ênfase sempre é
posta em Deus. A oração pode ser uma grande
aventura se pudermos vencer nosso egoísmo e se­
guir livremente seu espírito quando nos guia em
oração. As orações egoístas trazem pequenas mes-
ses, mas as altruístas abundância de frutos.
Embora seja necessário ter “cuidado de ti mesmo”,
precisamos ultrapassar essa limitação na oração para
atingirmos altitudes de completo abandono próprio
em louvor e oração. Possa ser esta a nossa experiên­
cia ao orarmos.

Então ante o trono serei em Cristo aperfei­


çoado;
morreu Jesus por minh’alma, meus lábios re­
petirão.

Alguns cantam com entusiasmo esse hino, espe­


cialmente o último verso tão belo. Cremos realmente
nisso? Tão freqüentemente medimos seu amor pelo
nosso, tão volúvel e cambiante. Comparamo-lo ao
mais puro amor que conhecemos, o de uma mãe ou
pai pelo filho. Contudo, ele está muito além. Os pais
podem ser cruéis e as mães desalmadas. Deus, não!
Quando restringimos seu amor ao nosso, na verdade
estamos dizendo: “Eu amo tanto quanto Deus.” E
152 Fruto d o Espírito
não é isso auto-adoração?
Muitos se sentem frustrados e continuarão a ser,
enquanto limitarem o amor de Deus e a compreen­
são dele a padrões humanos. Não podemos com ­
preender que ele nos ama muito mais do que nós
amamos? Ele ama nossos queridos muito mais do
que nós. Por que havemos de temer? Por que duvi­
daremos? Por que viveremos abaixo de nossos pri­
vilégios como cristãos?
Davi disse: “Para onde me ausentarei do teu Espí­
rito? Para onde fugirei de tua face? Se subo aos céus,
lá estás; se faço a minha cama no mais profundo
abismo, lá estás também; se tomo as asas da alvo­
rada e me detenho nos confins dos mares, ainda lá
me haverá de guiar a tua mão e a tua destra me
susterá” (Salmo 1 3 9 :7 -1 0 ). S e pudéssemos ao
menos aceitar esse amor saberiamos que o amor
excede a compreensão e obteríamos uma tranqüili-
dade que só um tal amor pode dar.
Satanás freqüentemente derrota os cristãos por
eles não compreenderem a misericórida e amor de
Deus e se sentirem indignos do amor que realmente
compreendem. Contudo, quando eles oram estão
sempre pedindo que sejam merecedores de tal amor.
Não pedimos justiça, mas só misericórdia. Deus não
nos ama em vista de nosso valor. Na verdade, jamais
compreenderemos a graça de seu amor. Tudo que
podemos dizer é:

Posso ver na cruz do Cristo


a forma de quem sofreu
A Forma do Conteúdo 153
e por mim ali morreu.
Com pranto no coração
Dois milagres eu confronto:
a glória do seu amor
e o meu próprio desvalor.

Muitas vezes há quem diga ao seu pastor: “Eu não


me sentia em condições de louvar a Deus esta
manhã. Essa a razão de não ter correspondido ao seu
chamado.” Isso não é adorar nossos sentimentos
antes que a Deus? A adoração não se baseia em
sentimentos, mas no fato de Deus desejar os louvo­
res do seu povo. Há um “sacrifício de louvor” . Lem­
bremos que Deus habita no louvor do seu povo.
Paulo menciona o duro combate entre a carne e o
espírito. É uma batalha eterna travada dentro de
cada um de nós. Fadiga, doença ou pressões em o­
cionais podem dificultar a adoração. Contudo, de­
vemos lembrar de o adorarmos sempre, apesar de
nossos sentimentos. Quando sucumbimos às tenta­
ções de deixar os sentimentos que nos acometem em
determinado momento superarem nossa adoração,
esta estará centrada em nós mesmos antes que diri­
gidas por Deus. Talvez devamos sacudir-nos e fazer a
firme determinação:

Não mais dentro do vale ficarei,


mas ao alto da montanha subirei;
morre o mundo sem que alguém
lhe fale de um Salvador
de imcomparável amor.
154 Fruto d o Espírito

Jesus pagou tudo


Sejam nossas orações sempre no sentido de que
nossa adoração seja centrada em Deus. Não adora­
mos para impressionar ou sermos impressionados.
Adoramos porque Jesus pagou tudo. Se nossa ado­
ração tem sido autocentrada, talvez devamos baixar
a cabeça e, ajoelhados ante ele, orar:

De mim nada tenho para merecer


a tua graça.
Minhas vestes lavarei no sangue do Cordeiro.
Jesus tudo pagou — a ele tudo devo:
a mancha do pecado ele alimpou.
Tão alvo como a neve me tornou.

Quando adoramos em absol-uta mansidão e m a­


nifestamos esse fruto em nossa vida, nosso procedi­
mento torna-se naquele que agrada a Deus e serve
de testemunho aos homens. Plutarco perguntou
uma vez como a figueira, cujos ramos, hastes, raízes
e folhas, que são tão amargos , podia dar frutos tão
doces e saborosos. Pode-se também perguntar
como os frutos doces do Espírito crescem no fundo
amargo da natureza humana. Podemos desconhecer
a resposta, mas sabemos o resultado quando ho­
nesta e despretensiosamente chegamo-nos a Deus
na mansidão de Moisés. Então realmente aprende­
mos a viver.
10
PRISIONEIRO
VOLUNTÁRIO

Um prazo recorde de 63 anos de prisão terminou


com a morte, aos 91 anos de idade, de Martin Dal­
ton, outrora residente em Fali River, Massachutts. O
mais estranho foi que ele se impôs os últimos trinta
anos de prisão. O preso, vezes seguidas, recusou o
livramento, dizendo: “O mundo mudou muito.”
Após a reclusão durante trinta e três anos pela
morte de um negociante de Nova Iorque em Rhode
Island, Dalton foi libertado e retiraram-no de sua cela
para ver o mundo fora. Ele ficou perplexo com os
carros que obstruíam as mas, os novos prédios, as
mudanças de hábitos. Ao ser encarcerado, antes do
princípio do século, as carruagens ainda rodavam
pelas mas amplas, puxadas por cavalos, a animação
era moda e a vida decorria a passos mais lentos.
Assim, perdida a família, sem lar, dinheiro, traba­
lho ou amigos, Dalton preferiu ficar preso. Ele traba­
lhou na lavoura da prisão, fora dos muros, até sua
156 Fruto d o Espírito
morte. Era isso o que desejara como seu fim. Era um
prisioneiro voluntário.
Um outro homem, há muitos anos, fez a mesma
decisão, embora em circunstâncias diferentes. O
apóstolo São Paulo escreveu que era prisioneiro de
Jesus Cristo por sua própria escolha. Muitas vezes ele
disse ser um escravo do amor de Cristo. Há quem
indague por que Paulo escolheu sofrer por Cristo e
ser um prisioneiro voluntário. Talvez a questão possa
ser respondida melhor dizendo-se que Paulo tinha
aprendido o segredo da vida. Ele chegou ao conhe­
cimento do que muitos grandes filósofos procuraram
aprender, alguns dos quais o conseguiram após anos
de estudo: só há verdadeira liberdade no cativeiro.
Ainda que tal afirmação pareça contraditória, é uma
verdade etema. É livre e feliz o homem que é prisio­
neiro de leis morais e códigos estabelecidos pelo
Criador. E Paulo diz: “O fruto do Espírito é domínio
próprio.”

Fora da porta de entrada


Durante séculos filósofos têm ponderado sobre a
razão pela qual tantas coisas que parecem agradáveis
são proibidas por Deus e pela sociedade. Ornar
Khayyam articula a dúvida de muitos:

Como! Do nada sem sentido


criar algo consciente, para ressentir o jugo
de prazeres proibidos,
e ficar sob a etema punição
se eles forem transgredidos?
Prisioneiro voluntário 157

Khayyam admite francamente seu dilema, e sua


única solução é comer, beber e divertir-se. Ele sente
que a questão não pode ser respondida e positiva­
mente declara:

Eu mesmo, quando jovem, ansiosamente fre-


qüentei
Doutor e Santo; ouvi grande discussão
acerca disto e daquilo, mas sempre saía
pela mesma porta por onde eu havia entrado.

Entretanto, o testemunho dos que têm buscado


liberdade no excesso, recusando-se a reconhecer
que ela só existe na escravidão, revela a tragédia de
sua filosofia. Lorde Byron disse no seu último ani­
versário: “Foram-se as flores e os frutos da vida; só
são meus agora o verme, o câncer e a tristeza.” Ele
morreu aos 3 6 anos, derrotado e deprimido.
Há uma resposta muito melhor do que nos entre­
garmos meramente ao destino que espreita ou sair
pela porta de entrada. A Bíblia é um manual de
comportamento que oferece razões convincentes
para seguirmos as advertências de Deus. A razão de
surgirem tantas tentações e frustrações se não nos
ajustarmos a elas é porque Deus criou o homem com
o potencial tanto para um grande bem como um
grande mal. Não somos máquinas programadas para
certas respostas, mas, antes, vontades livres para
escolher o bem ou o mal, participando das conse­
quências dessa decisão.
158 Fruto d o Espírito
A grandeza nunca é só força. Hitler tinha força
para atemorizar um mundo e praticamente extermi­
nar uma raça. Contudo, ninguém ousaria qualificá-lo
como grande. A autoridade e força de Nero eram
incontestáveis, porém besuntar cristãos com alca­
trão, por fogo aos seus corpos que ainda respiravam,
para que fossem à noite tochas nos seus jardins,
certamente não é demonstração de grandeza. A
grandeza não é só a manifestação de força, mas
também de repressão. Lincoln foi grande porque
mesmo que pudesse assolar o Sul, pregava e prati­
cava “maldade contra ninguém e caridade para com
todos”. Washington podia ter sido um ditador, mas
preferiu restringir-se, desejando uma democracia
forte. De modo semelhante, a felicidade não é a
busca livre de nossas fantasias, mas também a vo­
luntária restrição delas.
Nossas vidas são como rios, úteis nas suas energias
ou destrutivos na sua força. Pode-se observar a m a­
jestade de uma queda de água canalizada para gerar
eletricidade a uma comunidade necessitada de luz ou
irrigando uma terra crestada e ter um sentimento de
apreciação. Ou pode-se ver um rio sinuoso, indisci­
plinado, espraiando-se fora das ribanceiras, avassa-
lando valiosas terras de sitiantes, fazendo devasta­
ções que anos de trabalho não poderão restaurar, e
sentir frustração. O benefício ou destruição não pro­
vém da água em si mesma, mas do modo como é
canalizada. Igualmente, vidas úteis e significativas só
podem surgir de corações comedidos, cujas paixões
foram canalizadas para o maior bem. Som os montes
Prisioneiro voluntário 159
de paixões, desejos, emoções e sentimentos, e, ine­
rentes a eles todos está o grande bem ou o grande
mal. Paulo diz que a vida cheia do Espírito é canali­
zada e disciplinada para o maior bem.

O âmago da alma
Contudo, o domínio próprio não é o único sinal de
uma vida bem disciplinada. O autodomínio, como
fruto do Espírito, vai ao âmago da alma e é o próprio
caráter do homem. Milhares de ladrões estão fecha­
dos atrás de grades e eliminados da sociedade. To­
davia, eles ainda são ladrões que simplesmente não
têm oportunidade de cometer seus crimes contra
uma sociedade livre. Isso também é verdade com
respeito a outros crimes e ofensas. O milagre de
Cristo é que o caráter do homem muda e não só o
seu ambiente. Homens que encontram Cristo não
são só libertados, mas, limpos, recomeçam a partir
de onde as velhas coisas já se foram. O domínio
próprio, então, é a própria motivação da alma.
Davi, que aprendeu a disciplina através de amarga
experiência, orou: “As palavras dos meus lábios e o
meditar do meu coração sejam agradáveis na tua
presença, Senhor, rocha minha e redentor meu!”
Essa é a verdadeira temperança. Aqui está a disci­
plina exterior, a vigilância sobre as palavras de sua
boca, mas também a do âmago da alma. Davi roga
para que seus próprios pensamentos e motivos
sejam do agrado de Deus.
Quando alguém ora motivado como Davi, per­
manece firme apesar das circunstâncias ambientais.
160 Fruto d o Espírito
Não há fins de semana ou tempo perdido quando,
fora da vista do santuário, ele se permita viver como
de fato quer. O pecado de Davi sobreveio quando
ele deixou de orar e viver essa oração. O verdadeiro
prisioneiro em gozo de grande liberdade, não está
escravizado à sociedade, esposa, família ou amigos,
mas, antes, é um escravo do amor de Deus.
A lealdade a Cristo mediante o Espírito Santo traz
à tona o melhor que temos, ao passo que a obediên­
cia indisciplinada à nossa natureza inferior destrói
como uma torrente de água, desgastando a estabili­
dade emocional e o bem-estar físico, nossos e dos
que nos cercam. Paulo diz que o homem cheio do
Espírito Santo terá domínio próprio.

Obtendo controle
Uma jovem mãe estava tendo dificuldade com um
pequeno de cinco anos, manhoso e exibicionista.
Depois de tê-lo disciplinado rigorosamente e m an­
dado para a cama, ela explicou: “Pode ser que eu
seja ‘quadrada’, mas não posso crer que permitindo
que ele se torne tão indesejável agora vá
transformá-lo numa criatura amável daqui a vinte
anos.” Sua idéia era que a disciplina vai além do
castigo ou recompensa. A disciplina é na verdade
conferir às crianças o autocontrole para que façam
uso de suas melhores qualidades. Trata-se de dar-
-lhes habilidade de tomar decisões e aceitar as con-
seqüências de sua escolha.
Ainda que o domínio próprio seja um fruto muito
desejável do Espírito, o homem honesto cogitará de
Prisioneiro voluntário 161
como tirar proveito dele na sua própria vida. É aqui
que a Bíblia dá algum auxílio muito prático, mos­
trando como podemos obter o autocontrole. Como a
senhora com a criança turbulenta podemos ficar res­
ponsáveis por nós mesmos através das indicações da
Palavra de Deus. É estranho, porém isso coincide
com os conselhos oferecidos por grandes psicólogos,
com referência aos mesmos problemas.
Autodisciplina firme. Jesus falou em quatro espé­
cies de solo em que a boa semente caiu. S ó um deles
era “disciplinado” e produziu fruto. Com essa
parábola ele diz que muito depende de nós nessa
questão de viver a vida vindoura. Paulo acrescenta­
ria mais tarde: “Todo atleta em tudo se domina;
aqueles para alcançar uma coroa corruptível; nós,
porém, a incorruptível. . . Mas esmurro meu corpo e
o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a
outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado”
(1 Coríntios 9:25, 26).
No fim de sua grande vida, Paulo reservaria tempo
naquela lúgubre prisão para registrar seu último de­
sejo e testamento a um jovem pregador em Éfeso.
Em 2 Timóteo 2 :4 Paulo subministra a seu filho na fé
três importantes regras de autodisciplina. A primeira
é: “Nenhum soldado em serviço se envolve em ne­
gócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer
àquele que o arregimentou.” Em outras palavras,
viver para Cristo é serviço de tempo integral. Isso não
significava que Timóteo teria de isolar-se socialmente
ou não participar da sua comunidade. Paulo mesmo
trabalhava como tecelão de tendas para suprir as
162 Fruto d o Espírito
suas necessidades físicas enquanto pregava. O ponto
nevrálgico da questão é que aquele que se alistou
para o serviço de Cristo tenha a vista no alvo su­
premo. Com relação a Deus ou seu trabalho, não há
férias.
O Dr. Smiley Blanton, notável psiquiatra, diz:
‘ ‘Nove em dez casos relacionados com a tentação, as
desvantagens resultantes superam grandemente a
satisfação momentânea.” Ele prossegue mostrando
que as bebidas nunca valem a ressaca, ou a sexuali­
dade ilícita suas conseqüências derradeiras. Paulo
dizia o mesmo a Timóteo. Timóteo é admoestado a
lembrar o seu destino quando a lascívia juvenil ou as
tentações sobreviessem e a prever as conseqüências,
de forma a superá-las. Ele não devia enredar-se com
o mundo.
A seguir, Paulo diz haver certas regras que deviam
ser observadas: “Igualmente o atleta não é coroado
se não lutar segundo as normas.” Alguns pensam
poder prosseguir com seus pecados. Contudo, isso
nunca se dá. Ainda que a voz da consciência seja um
murmúrio, o castigo por desprezá-la é grande, como
qualquer psiquiatra ou médico poderá dizer. O Dr.
Blanton também aduz: “Quer você considere a
consciência como um mecanismo divinamente im­
plantado, um eco apagado de autoridade paterna,
ou os velhos tabus coletivos da raça humana, ela
permanece como um dispositivo da personalidade
humana que dispara uma das emoções mais destru­
tivas: a culpa.”
Realmente, nunca nos furtamos a nós mesmos e à
Prisioneiro voluntário 163
voz que nos fala no silêncio de nossas almas. Os
homens nunca descobrirão nossos pecados, porém
nós estamos constantemente sendo espicaçados
pelas suas pontas agudas e penetrantes. E, como diz
Paulo, jamais poderemos verdadeiramente ficar fir­
mes, fixar os homens nos olhos, dominar qualquer
situação, se não mantivermos as normas. E ’ relati­
vamente sem importância sermos ou não apanha­
dos. A religião se acoberta sob a aparência humana e
é a essência da alma. Enganamo-nos a nós mesmos
quando pensamos poder sair-nos bem lutando des­
lealmente.
A idéia final que Paulo dá é “O lavrador que
trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos”
(v. 6) Algumas pessoas falam sobre religião para
encobrir deficiências terríveis de suas próprias vidas.
O incidente da mulher ao pé do poço é um caso
típico. Quando Cristo se aproximou do seu pro­
blema ela procurou esquivar-se do Mestre com uma
questão religiosa acerca do lugar adequado para
adorar. Jesus respondeu logo e a seguir foi ao cerne
verdadeiro do problema.
A religião pode tomar-se um escudo para os que
se consideram justos, e merecemos parte da crítica
que o mundo nos faz. Paulo reconhece isto em mui­
tas passagens, mas aqui, particularmente, ele fala a
Timóteo acerca de ser participante do que pregava.
Timóteo podia argumentar sobre religião ou ques­
tões teológicas por toda a sua vida e ainda assim estar
perdido. Nem todo o homem que diz “Senhor, S e ­
nhor” , terá entrada. O importante, diz Paulo, é que
164 Fruto d o Espírito
participemos da misericórdia e disciplina de Cristo.
Então seremos senhores de nossas vidas. Teremos
controle de nós mesmos no momento em que vi­
vermos na atitude de que fala Paulo. Assim, o pri­
meiro passo para o autocontrole é o desejo de viver
segundo as normas, e disciplinarmo-nos pelas leis de
Cristo.
Conhece-te a ti mesmo. Ainda que filósofos te­
nham dito isto durante séculos, por vezes não reco­
nhecemos a força dessa verdade. Ela foi a base dos
sermões de Sócrates e muito dos escritos do Novo
Testamento tratam do assunto. Pedro diz: . . asso­
ciai com vossa fé a virtude; com a virtude o conheci­
mento; com o conhecimento o domínio próprio” (2
Pedro 1:5). Diz ele para associarmos à nossa virtude
o conhecimento; ou em outros termos, conhecermos
nossas limitações e a força divina.
Tentações variadas atraem diferentes povos, em
graus diversos de intensidade. O que pode ser uma
pedra de tropeço para você pode não o ser para seu
próximo. Essa é uma das razões de Cristo nos ensinar
a não julgarmos as ações ou reações alheias. Não
podemos avaliar seu dilema por desconhecermos os
problemas que os afligem. Contudo, se arrolarmos
nossas próprias fraquezas e praticarmos um pouco
de auto-honestidade acerca das imperfeições de
nosso caráter, então grande parte de nosso problema
é eliminado. É verdade que as tentações em geral
não ficam à nossa espera, mas realmente há defeitos
de nosso caráter que nos impelem a cair nelas. Por
exemplo, ao conquistador sempre se apresentará
Prisioneiro voluntário 165
uma série de acontecimentos românticos, porque ele
inconscientemente cria essas situações.
S ó há um meio de vencer, quando somos tentados
ou buscamos a tentação: atentar para a admoestação
bíblica de fugir dela. Freqüentemente, a maioria de
nós apenas rastejamos, esperando que ela nos do­
mine. O segredo de viver com autodomínio consiste
em arrolar nossas fraquezas, evitar contactos em
áreas em que somos vulneráveis e então, se estamos
numa delas, fugir. Jo sé achou dessa forma sua salva­
ção da mulher de Potifar. S e você é extremamente
ambicioso, então fuja da tentação de prejudicar os
outros para alcançar o topo. Alguém, extremamente
insatisfeito com sua situação na vida, deve evitar,
como uma calamidade, a tentação de escapismo
mediante bebida, pílulas ou fantasias. Conhecer-se a
si mesmo é o sábio conselho de Pedro em ocasiões
de tentação.
Revesti-vos de Cristo. Paulo escreve: . . revesti-
-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a
carne” (Romanos 13:14). Pode ser banalidade dizer
simplesmente: “Ore acerca disso”, mas o fato é que
ainda funciona. Um psiquiatra explica-o da seguinte
forma: “Após passar uma longa vida observando a
conduta humana, não me resta dúvida de que, in­
teiramente à parte de seu significado religioso, a
oração é um dos métodos mais eficazes de extrair a
sabedoria e poder existentes no grande reservatório
do inconsciente.”
Mas, para não ser mal interpretado, ele acrescen­
tou que não pensava que a mera repetição de uma
166 Fruto d o Espírito
prece fosse suficiente. Disse: “Na oração eficiente
deve haver humildade, renúncia de desejos, reco­
nhecimento da necessidade de auxílio. O psiquiatra
não pode explicar isto profundamente, não mais do
que o teólogo, mas sabe que é assim. A auto-
-submissão é a chave. Quando essa atitude invade o
consciente e mergulha profundamente no incons­
ciente, o resultado é serenidade e clareza de pensa­
mento que tomam as decisões corretas não só possí­
veis mas quase inevitáveis.” Freud também obser­
vou: “A inteligência pode funcionar com segurança
só quando afastada da influência de forte carga em o­
cional.” Mesmo que alguns discordem da aplicação
deste princípio, ainda é verdade que a oração nos
afasta do forte impulso emocional daquela tentação
e nos põe em contacto com a fonte de toda a inteli­
gência. Daí que a sabedoria desça aos nossos cora­
ções. Tiago diz simplesmente: “Se, porém, algum de
vós necessita de sabedoria, peça-a Deus, que a todos
dá liberalmente” (Tiago 1:5).
Grandes praticantes da oração no passado ilus­
traram o poder dessa força. A Bíblia admite viva­
mente que os grandes profetas tinham desejos, pai­
xões e impulsos idênticos aos nossos. Contudo, pelo
poder da prece foram capazes de canalizar esses
impulsos para os desígnios supremos de Deus.
O mundo é muito melhor por terem eles feito isso.
A oração funciona e é praticamente um recurso ines­
gotável para uma vida forte e confiante.
Enchei-vos do Espírito. Paulo nos dá uma daque­
las verdades sensatas com tamanha simplicidade que
Prisioneiro voluntário 167
nos surpreende. Ele diz simplesmente: “E não vos
embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas
enchei-vos do Espírito” (Efésios 5 :18). Como o
vinho intoxicante tem domínio sobre um corpo,
assim o Espírito nos domina quando nos enchemos
dele. Paulo acreditava e pregava que quando al­
guém está assim absorvido pelo Espírito, é domi­
nado por uma força maior do que ele mesmo. Em
outros termos, há um plano superior de vida para
aquele que está impregnado pela presença contínua
de Deus através do seu Espírito que nele hebita. Mais
do que autocontrole, isso se toma controle de Cristo.
Como todos nós temos experimentado, este é o
único meio de nos elevarmos acima de nossas pró­
prias naturezas.

Saindo do fosso
Grande parte de nossa felicidade ou infelicidade
depende de nossa habilidade em manobrar a tenta­
ção, ao invés de sermos manobrados por ela. Robert
Louis Stevenson disse: “Estamos condenados a al­
guma nobreza” , ao passo que a Bíblia diz: “O Salário
do pecado é a morte.” Deus nos criou com a habili­
dade e desejo tendentes à grandeza e nobreza. S e
sufocamos esses impulsos, nossas vidas ficam des­
troçadas e dissipadas. S e cultivamos essa nobreza
passamos do reino da animalidade pará um mais
próximo da divindade.
Jesus certa vez contou a história de um rapaz que
se embebeu dessas duas naturezas. O filho pródigo
caiu do topo ao fundo do fosso e por fim atingiu de
168 Fruto d o Espírito
novo o topo. Há quem chore ao ler sobre o grande
perdão do pai e a profunda vergonha do filho. Em
todo o relato há certa nota de tristeza quando pen­
samos numa vida jovem tão malbaratada e inútil.
Então, Cristo fala do irmão mais velho e de sua
reação errada. Após censurar essa sua atitude, o pai
fala palavras que ressoam vibrantes séculos afora.
Talvez, como ele, tenhamos achado que nunca
realmente podíamos apreciar o perdão de Cristo até
que, como o filho pródigo, comamos as alfarrobas
dos porcos ou quem sabe, sintamos que somos inca­
pazes de apreciar nossa bondade. Como quer que
seja, as palavras repassadas de bondade do pai são
calorosas e sublimes. Ele diz ao mais velho:
— Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é
meu é teu.
O pai percebeu que, embora ele tenha perdoado o
pródigo, ele nunca perdoaria a si próprio. Sempre
haveria períodos de profundo pesar por ter ele desa­
pontado o pai e todos da casa. O pai lembra ao mais
velho: “Tu estás sempre comigo.” Em outras pala­
vras, ele não teria momentos de remorso e pode­
ría manter sempre a cabeça erguida. Era necessária
uma festa para demonstrar ao mais moço que estava
perdoado, mas não para o mais velho. O pai só lhe
disse: “Tudo que é meu é teu.”
Não é necessariamente verdade que o mais deso­
bediente seja o mais agradecido. Por conseguinte,
recusando-nos a levar uma vida indisciplinada evi­
tamos muitas dores e mágoas profundas. A colheita
de pecados ainda ocorre muito depois de Cristo nos
Prisioneiro voluntário 169
perdoar, e por isso é tão importante aprender a viver
sob domínio próprio e sermos fiéis ao Cristo desde a
mocidade. Paulo diz que o fruto do Espírito é domí­
nio próprio.
Nunca houve uma época de necessidade de auto­
domínio como esta em que vivemos. Nossa socie­
dade semeou o vento e está colhendo a tempestade.
Uma pesquisa do Senado norte-americano mostrou
recentemente que cerca de dois e meio milhões de
crianças entre as idades de 10 a 17 anos já têm
passagem registrada na polícia. Acrescente-se a isso
que 85% de todos os nossos criminosos têm menos
de 2 5 anos. Para nossa sociedade há uma resposta.
Se vivermos uma vida temperada e inspirarmos nos­
sos filhos a fazer o mesmo, nosso mundo pode
mudar. O excesso exige mais excesso e só a disci­
plina do espírito pode quebrar o círculo de egoísmo.
O escritor do Eclesiastes experimentou todos os ex­
cessos da vida e mesmo assim nos seus momentos
finais recomenda: “Lembra-te do teu Criador nos
dias da tua mocidade, antes que venham os maus
dias e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho
neles prazer” (Eclesiastes 12:1).
Shakespeare disse: “Há uma maré nos negócios
dos homens, que tomada na cheia, leva à fortuna; se
esquecida, todo o curso de suas vidas está ligado a
trivialidades e misérias: e devemos aproveitar a cor­
rente enquanto serve, ou perder a fortuna.” O que é
verdade para os indivíduos aplica-se também às na­
ções. Estamos aterrorizados com a devassidão que
assola nossas cidades e a violência que destroça
170 Fruto d o Espírito
nossos lares. A maré do autodomínio agora está em
alta e para nossa sobrevivên cia devem os
aproveitá-la. O fruto do Espírito é domínio próprio.
O domínio próprio parece ser o último e mais
elevado fruto do Espírito. Viva no espírito destes
versos grandiosos!

Auto-reverência, autoconhecimento, autocon­


trole,
S ó esses três levam a vida ao poder soberano;
Mas não pela força (a força, por si mesma
Se tomaria indesejada), porém viver pela lei,
Agindo de acordo com a lei pela qual vivemos,
sem temor;
E porque o justo é justo, seguir o justo
Seria sábio, com desdém da conseqüência.
11
A FORTUNA
NUMA GARRAFA

Jack Wurm, com seus 55 anos de idade, atingira as


profundezas do desespero e da depressão. Estava na
praia, literal e figurativamente falando, faz alguns
anos, alquebrado e desencorajado. Fracassado nos
negócios, agora matava o tempo percorrendo as
praias da Califórnia entre uma e outra entrevistas de
emprego.
Errando pela areia, seus olhos depararam com
uma garrafa enterrada, que parecia conter algo. Ele
ergueu-a com um pontapé e en tão se pôs a
examiná-la. Havia um bilhete dentro, de forma que
ele a quebrou e leu:
Para evitar confusão, deixo todos os meus bens à
pessoa feliz que encontrar esta garrafa e ao meu
advogado, Bany Cohen, em partes iguais. Daisy
Alexander. 20 d e junho de 1931.
O nome Daisy Alexander não significava nada
172 Fruto d o Espírito
para Jack Wurm, pelo que ele levou o caso na brin­
cadeira. Contudo, mais tarde soube que Daisy Ale-
xander era herdeira de grande fortuna das Máquinas
de Costura Singer e, se ele pudesse provar a validade
do bilhete, entraria na posse de seis milhões de dó­
lares.
As pesquisas revelaram ser Daisy Singer Alexan-
der uma excêntrica que vivia na Inglaterra. Fre-
qüentemente, lançava garrafas às águas, imagi­
nando onde iriam ter. Ela morreu aos 81 anos, em
1939, sem deixar testamento. Wurm exigiu a fortuna
e o caso tomou seu curso legal através dos complica­
dos trâmites de um tribunal. Um perito em correntes
oceânicas testificou que uma garrafa lançada no rio
Tâmisa podia entrar pelo Canal da Mancha, passar
ao Mar do Norte, atravessar o Estreito de Bering, ir
ter ao norte do Pacífico e afinal chegar à Califórnia ou
México. Ele disse que esse trajeto levaria aproxima­
damente 12 anos. Na realidade levara 11 anos e
nove meses. Jack Wurm encontrara uma fortuna
numa garrafa.
Examinando a Escritura na busca de um sentido
de direção, deparamos com uma fortuna espiritual
dentro de uma garrafa. O fruto do Espírito nas suas
nove penetrantes apresentações descerra-nos as ri­
quezas da personalidade centrada em Cristo. É
grande a emoção da descoberta e a fortuna é eterna.
Agora que examinamos cada uma em separado,
talvez fosse conveniente passar uma revisão no seu
contexto geral.
Paulo põe em contraste aquelas qualidades espi­
A fortuna numa garrafa 173
rituais com os impulsos da carne. Ele adverte que o
fruto da carne é imoralidade sexual, impureza da
mente, sensualidade, idolatria, feitiçaria, ódio, con­
tendas, ciúmes, mau gênio, rivalidade, facções, espí­
rito litigante, inveja, embriaguez e orgias. Ele então
descreve a personalidade do verdadeiro crente. É
necessário repetir de novo que esses frutos não são
características separadas entre as quais podemos es­
colher as que mais nos agradam; todas constituem
uma unidade; um complementa o outro. O fruto da
carne traz morte e destruição, ao passo que o do
Espírito traz vida e paz.
Como em qualquer situação contrastante, há uma
decisão. Josué desafiou Israel a escolher naquele dia
a quem servir; a escolha diária do bem ou do mal é
nossa. O salmista orou: “. . . dispõe-me o coração
para só temer o teu nome” (Salmo 86:11), e esta
prece deve ser nossa, se o fruto do Espírito tiver de
ser cultivado.
Paulo, em outra de suas profundas afirmações,
diz: “Porque de Deus somos cooperadores; . . .
edifício de Deus” (1 Coríntios 3:9). Com nossas
mentes ocidentais é por vezes difícil apanhar o sen­
tido pleno dessas palavras. J.B . Phillips sugeriu a
seguinte tradução: “. . . sois um campo sob o cultivo
de Deus, ou, se quiserdes, uma casa sendo cons­
truída de acordo com seu plano.” Que belo pensa­
mento! Som os campos cultivados por Deus para
belos frutos e plantas produtivas. Como qualquer
campo deve ser arado, semeado, limpado e irrigado,
assim deve Deus cultivar nossas vidas.
174 Fruto d o Espírito
A atitude de Paulo era que, mesmo sendo impeli­
dos para a perfeição e sendo realmente cultivados,
ainda há muito a fazer em nossas personalidades. Ele
disse: “Não que eu o tenha já recebido, ou tenha já
obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar
aquilo para o que também fui conquistado por Cristo
Jesus” (Filipenses 3:12). Então, admitindo sua im­
perfeição, diz: “Irmãos, quanto a mim não julgo
havê-lo alcançado” (v. 13a). Porém ele se volta para
a esperança viva e positiva: “Mas uma coisa faço:
esquecendo-me das coisas.que para trás ficam e
avançando para as que diante de mim estão, pros­
sigo” (v. 1 3 ,1 4 ). Henry Wadsworth Longfellow ex­
pressou o mesmo de outro modo:

Ergamo-nos, pois, e façamos


com o coração qualquer destino.
Realizando e prosseguindo sempre,
no trabalho aprendamos a esperar.

Paulo também disse que somos como edifícios


construídos segundo as especificações de Deus.
Deus tira a madeira de nossas vidas e faz de nós o que
deseja que sejamos. A coisa importante em ambas as
metáforas é que o trabalho prossegue agora. Em
outras palavras, como o fruto cresce até amadurecer,
somos cultivados e edificados por Deus até aquele
tempo de perfeição.
Aqui temos nossa fortuna numa garrafa. O fruto
do Espírito é poderoso e cresce em nós até que
sejamos perfeitos aos olhos divinos. Certa vez um
Afortuna numa garrafa 175
homem perguntou a Rembrandt em que ponto um
quadro se completava. Ao que o famoso artista ho­
landês replicou: “Um quadro está terminado quando
ele expressa a intenção do artista.” O mesmo se dá
com nossas vidas. Elas só ficarão completas quando
expressarmos a intenção total do Mestre. Isso é o que
concerne inteiramente ao fruto do Espírito. Essas
qualidades tão evidentes na vida terrestre de Cristo
expressam a intenção do Grande Artista. Por isso,
ativamente buscamos seu cultivo, sua edificação, sua
poda, até que nossas vidas se ajustem à imagem de
seu único Filho.

Woodrow Wilson disse: “O Cristianismo libertou o


mundo, não como filosofia de altruísmo, mas pela
revelação do poder do amor altruísta. Isto resume o
propósito e conteúdo do fruto do Espírito. Grande
parte do mundo ainda busca libertar-se e a Grande
Comissão não será realizada por um evangelismo
auto-estilizado por um programa muito elevado, mas
pelo preenchimento do Espírito e vibração de vida
rica de fruto do Espírito e transbordante do amor de
Deus. S ó então poderem os sentir o soluçar do
mundo sofredor e a dor da criação que geme. Zaca­
rias diz sucintamente — “ .. .Não por força nem por
poder, mas pelo meu Espírito, diz o Senhor dos
Exércitos” (Zacarias 4:6).

O fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longani-


midade, benignidade, bondade, fidelidade, mansi­
dão, domínio próprio. Cristo viveu tudo- isso com
plena perfeição, e quando pensamos naquela vida
176 Fruto d o Espírito
perfeita e no que ele deseja que sejamos, dizemos
com o poeta:

A face do mundo inteiro mudou para mim


desde o momento em que ouvi
o som dos passos de tua alma.

Impresso nas oficinas da


Editora Betânia S/C
Venda Nova, MG

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