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O FRUTO
DO ESPÍRITO
Pensamentos inspiradores que
transformarão sua vida
C h a r le s R . H e m b rc e
r
ISBN 0-8297-0852-9
FRUTO
DO
ESPÍRITO
CHARLES R. HEMBREE
©
Editora Vida
ISBN 0-8297-0852-9
1; impressão 1978
2; impressão 1986
Impresso no Brasil
ÍNDICE
Charles R. Hembree
CAPÍTULO I
ILUDIDOS PO R
UM MILAGRE
UMA
Ar v o r e
CHEIA DE FITAS
Há um rio
A alegria costuma apresentar-se como algo ilusó
rio que passa além do alcance do homem. A alegria é
muito mais do que felicidade. É “exultação do espí
rito” , segundo o dicionário, “satisfação; delícia, um
estado de felicidade.” Como diz Ardis Whitman,
“temor reverente e um sentimento de mistério são
parte dela; assim são os sentimentos de humildade e
gratidão. Subitamente damo-nos conta com acui
dade de cada coisa vivente — cada folha, cada flor,
cada nuvem, da flor de maio debruçada sobre o
tanque, do corvo grasnando no topo das árvores” . O
Professor Maslow disse: “Você não pode buscar ex
pressamente tais momentos. Você deve ser sur
preendido pela alegria.” Contudo, pode-se furar o
reservatório e encontrar alegria contínua. Paulo diz:
“O fruto do Espírito é alegria.”
Nos primórdios da história do homem o salmista
disse: “Há um rio, cujas correntes alegram a cidade
de Deus.” Ele não só diz haver uma fonte, mas
prossegue: “Tu me farás ver os caminhos da vida; na
tua presença há plenitude de alegria, na tua destra
delícias perpetuamente” (Salmo 16:11). Assim,
aprendemos que a fonte da plenitude da alegria é a
presença de Deus. É, pois, fácil ver por que o crente
cheio do Espírito terá grande alegria. Deus está com
ele e nele habita, de forma que há completa, contí
nua e permanente alegria.
S ede da verdade 41
Depois da Escritura identificar a verdadeira fonte
de alegria, ela reafirma essa verdade muitas vezes.
Uma característica peculiar à adoração judaica era a
grande alegria. De fato, a reputação de alegria tinha
se alastrado de tal forma que quando os babilônios
capturaram Israel, eles os escarneciam dizendo:
“Entoai-nos algum dos cânticos de Sião.” O livro de
Atos fala-nos de pessoas cheias de alegria e do Espí
rito Santo. Os redimidos criavam melodia em seus
corações. Depois que a cidade samaritana recebeu a
salvação, “Houve grande alegria naquela cidade” .
Paulo fala sem fazer apologia: “Porque o reino de
Deus não é comida nem bebida, mas justiça e paz, e
alegria no Espírito Santo” (Romanos 14:17).
Recentes descobertas arqueológicas encontraram
cartas escritas por mártires durante aqueles primeiros
três séculos de tentativa de seguir a Cristo. Na imi
nência da morte um santo escreveu: “Num buraco
escuro encontrei alegria; num lugar de amargura e
morte encontrei repouso. Ao passo que outros cho
ravam encontrei riso, onde outros temiam encontrei
força. Quem acreditaria que num estado de miséria
tenho tido grande prazer? que num canto solitário
tenho tido gloriosa companhia e nas mais duras
amarras perfeito repouso? Todas estas coisas Jesus
me assegurou. Ele está comigo, conforta-me e me
enche de alegria. Ele afasta de mim a amargura e me
enche de força e consolação.”
Eu estive na prisão em que Paulo ficou confinado
justamente antes do seu martírio. Os muros eram
frios, de pedras grosseiras, a masmorra tão úmida
42 Fruto d o Espírito
que provocava tremores no meio do dia. Só por um
orifício pequeno entrava luz e ar. Não há aqueci
mento e o teto é tão baixo que não pude ficar com o
corpo erguido. Paulo ficou ali ao menos por dois
anos e foi dali que escreveu sua última grande epís
tola, 2 Timóteo. Ainda que agora fosse iluminada
eletricamente, a pequena cela parecia apertar-me.
Naquela noite li de novo a última carta ao jovem
Timóteo. Não notei uma palavra de melancolia;
antes, é um brado de triunfante regozijo. Paulo con
clui: “Combatí o bom combate, completei a carreira,
guardei a fé. Já agora a coroa da justiça me está
guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará na
quele dia” (4:7-8). Há uma alegria que transcende a
preocupação, transpondo amuradas de circunstân
cias, e repoucando através da morte. Paulo não fala
de “arroubos de alegria” ou de “momentos em que
ela perpassa por nós” , mas antes de uma constante,
sempre presente, permanente exultação do espírito.
“O fruto do Espírito é alegria.” Em Jo ão 7:38-39
encontramos a promessa de Jesus: “Quem crer em
mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios
de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito
que haviam de receber os que nele cressem; pois o
Espírito até esse momento não fora dado, porque
Jesus não havia sido glorificado.
A contradição de Cristo
Isaías com clara antecipação diz “.. .e o seu nome
será: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da
Eternidade, Príncipe da Paz” (Isaías 9:6). Todos os
eruditos cristãos concordam em que esse verso se
refere a Cristo, o Menino nascido e o Filho dado. Os
anjos refletem esse pensamento, ao anunciarem aos
pastores: “Glória a Deus nas maiores alturas, e paz
na terra entre os homens” (Luc. 2:14). Os discípulos
de Cristo esperavam o cumprimento dessas profe
cias e eis que um dia ele os deixa abalados com uma
idéia constemadora, contrária a tudo que eles tinham
lido ou ouvido. Jesus disse: “Não penseis que vim
trazer paz à terra; não vim trazer paz, mas espada.
Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai;
entre a filha e sua mãe e entre a nora e sua sogra.
Assim os inimigos do homem serão os da sua própria
casa” (Mateus 10:34-36).
Uma compreensão superficial da paz levaria al
guém a julgar que há contradição entre o que foi
profetizado acerca de Jesus e o que ele disse. C on
tudo, pesquisas acuradas procuram desvendar o
mistério e lançar verdades profundas nos corações
56 Fruto d o Espírito
inquiridores. Deus disse a Jeremias: “Olha que hoje
te constituo sobre as nações, e sobre os reinos, para
arrancares e derribares, para destruíres e amainares,
e também para edificares e para plantares (Jeremias
1:10). Aqui está a fórmula. Antes que a graça pura
possa penetrar numa vida, deve haver a escavação, a
limpeza, a destruição, pondo abaixo falsos ideais,
deuses, atitudes e processos mentais. E essa mano
bra, como Jesus predisse, causará tumulto e tensão.
Jesus mais tarde esçlarece o tema, dizendo que
uma roupa nova não é remendada com um pedaço
de pano velho ou o vinho novo colocado em odres
velhos. Portanto, antes que a paz possa vir deve
haver a revolução do caráter que Jesus classificou
como “novo nascimento” . A Escritura nos avisa e
adverte que não podemos servir a dois senhores.
Uma fonte não pode dar tanto água amarga como
doce, e uma árvore só pod^1produzir um tipo de.
fruto. Paulo, com agudez, pergunta “. . .que socie
dade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? ou
que comunhão da luz com as trevas? Que harmonia
entre Cristo e o Maligno?. . . (2 Coríntios 6:14,15).
Cristo ataca o problema, repara os danos nas
mentes conturbadas, e as reconstrói e planta atitudes
e ideais próprios. S ó depois disso o homem de fato
conhecerá a paz verdadeira. Paz não é só ausência
de conflito, retirada, uma forçada tranquilidade psí
quica, porém uma profunda “retidão” interior que se
reflete exteriormente. O relato de Lucas sobre a
mensagem dos anjos é mais propriamente interpre
tada “Paz na terra entre os homens de boa vontade.”
Pior do que a guerra 57
Cristo na verdade é o Príncipe da Paz pois os que o
conhecem encontram no íntimo essa retidão e a boa
vontade dela resultante. A história registra alguns
fatos desse tipo de paz em ação: a atitude do Rei
Alfredo para com os dinamarqueses em 878, a sim
patia do Presidente Lincoln com o Sul, em 1865 e o
tratamento dado aos japoneses pelo General Mac-
Arthur em 1945. Isso é paz numa escala humana
exercida por homens de “boa vontade” que tinham
encontrado paz interior.
Nos últimos tempos, quando vier o Reino de
Cristo, o mundo verá essa paz em plena ação. Até lá
podemos promover a paz adequada em nossas vidas
e ser homens de boa vontade. Tiago nos lembra:
“Ora, é em paz que se semeia o fruto da justiça, para
os que promovem a paz” (Tiago 3:18). Paulo diz: “O
fruto do Espírito é paz. ’ ’ A paz que Cristo dá não é só
nas boas circunstâncias, ou como os estóicos que
subjugavam seus sentimentos, ou como os epicuris-
tas que não admitiam um pensamento doloroso, mas
uma tranqüilidade absoluta presente em todas as
circunstâncias e tensões. Num certo nível de profun
didade o oceano permanece calmo apesar dos ven
tos tempestuosos que varrem sua superfície ou fon
tes que brotam vigorosas do fundo. Da mesma
forma, há uma paz em Cristo que transcende dificul
dades e ela é fruto do Espírito.
58 Fruto d o Espírito
Fazendo da paz um exercício
Definir a paz de pouco adianta, já que o diagnós
tico é quase sempre mais fácil do que a cura. C on
tudo, a Bíblia não só fala da paz que passa desperce
bida, como também oferece conselho prático acerca
de como exercitar a paz na nossa vida diária. Essas
sugestões são divulgadas desde o princípio da Bíblia
até às visões triunfantes de Jo ã o no apocalipse. Al
gumas delas são de auxílio valioso.
C onhecer a Deus. Assim com o a fonte da verda
deira alegria é Deus, também ele é a fonte da paz. O
discurso eloqüente de Elifaz no livro de Jó aconselha:
“Reconcilia-te, pois, com ele, e tem paz” (Jó 22:21).
Paulo mais tarde esclarece o conceito de paz em
Efésios 2 :1 4 : “Porque ele [ Cristo ] é e nossa
paz. . .” Justiça e retidão só podem vir de Deus;
assim, só pode haver paz no coração quando Cristo
tem o pleno controle da vi^a.
Amando a sua lei. O Salmista disse há séculos:
“Grande paz têm os que amam a tua lei; para eles
não há tropeço” (Salmo 119:165). Neste tempo de
ceticismo é fácil desconsiderar, a Palavra de Deus e
considerá-la como inaplicável. Contudo, as verdades
eternas escondidas nelas ajudarão os que estão pre
sos na trama de algum dilema. Um dia perguntaram
ao Dr. Smiley Blanton, diretor da Fundação Norte-
-Americana de Religião e Psiquiatria, se ele lia a
Bíblia. Ele replicou: “Não somente leio como a es
tudo. É o maior texto escrito sobre o comportamento
humano jamais apresentado na íntegra. Se o povo
unicamente absorvesse sua mensagem, grande nú
Pior do que a guerra 59
mero de nós, psiquiatras, fecharíamos nossos con
sultórios e iríamos pescar.” Ele prossegue com en
tando quão desassisado é não fazer uso da sabedoria
destilada de 3 .0 0 0 anos.
A Palavra de Deus nos afirma a “retidão” final das
coisas e que tudo na verdade concorre para o bem.
Ela determina princípios básicos para a paz, tais
como: “por baixo de ti estende os braços eternos;
ama a teu próximo como a ti mesmo; não vos in
quieteis com o dia de amanhã; conhecereis a ver
dade e a verdade vos libertará.” Paulo diz a Timóteo
que a Escritura é proveitosa “a fim de que o homem
de Deus seja perfeito.. ( 2 Timóteo 3:17). Há paz
em amar e viver a sua Palavra. Uma familiaridade
com a Palavra de Deus pode ajudar-nos a resolver
nossos problemas, pois a Bíblia encerra muitos
exemplos de homens do passado que tiveram pro
blem as sem elhantes, mas foram vitoriosos em
sobrepujá-los.
Pratique a paz. Paulo escreve aos Colossenses:
“Seja a paz de Cristo o árbitro em vossos cora
ções. . . (Colossenses 3:15). Para ter paz e retê-la
devemos praticá-la.
O psicólogo William Jam es disse muito a respeito
da verdade da admoestação. Ele foi um dos primei
ros psicólogos a propor a teoria de que cada sensa
ção, cada contacto com o mundo exterior deixa um
traço permanente entre os dez bilhões de células
cerebrais. Esses traços são permanentes e constan
temente cumulativos, e a soma total deles constitui
nossa personalidade e caráter. Ele prossegue acen
60 Fruto d o Espírito
tuando que qualquer coisa que façamos facilita a sua
repetição. Isso porque as correntes elétricas regis
tram tudo o que está acontecendo e abrem caminho
entre as células cerebrais. Quanto mais freqüente-
mente uma ação é realizada, tanto mais profundos e
largos ficam esses caminhos. Jam es disse: “O
homem que se acostumou diariamente a hábitos de
atenção concentrada, volição energética e renúncia
própria permanecerá como uma torre quando tudo
se abate sobre ele e quando seus companheiros
mortais mais fracos foram arrojados como palha pelo
vento. Sem eie uma ação e você colherá um hábito;
semeie um hábito e ceifará um caráter; semeie um
caráter e terá um destino.”
Sua teoria foi ainda mais explícita quando ele
disse: “Estamos tecendo nossos próprios fados,
maus ou bons. Cada pequeno golpe de virtude ou
vício deixa sua cicatriz, nem sempre pequenina.
Assim com o nos tom am ostjêbados com tantos goles
que tomamos separadamente, tomamo-nos santos,
autoridades e peritos por muitos atos separados e
horas de trabalho.” Em outras palavras, a paz pode
descer às nossas vidas se deixarmos que ela governe
nossas vidas e agirmos conscientemente sobre a paz
que agora temos. A paz permanente, a de Cristo,
dominará toda a nossa existência. Ficaremos calmos
durante a tensão, imperturbáveis nas aflições, e re
solutos ante o desastre. Essa foi a paz da mente, do
coração e caráter que Jesus manifestou durante as
horas angustiosas da prova no Calvário.
Pior do que a guerra 61
A feitura do homem
Algumas vezes é difícil conservar a mente e o
coração calmos em tempos de tormenta. Contudo,
se pudéssemos compreender que há um esquema
superior de coisas e que Deus está promovendo algo
muito mais valioso em nossas vidas, sobreviría a
calma de espírito a despeito das circunstâncias. Deus
procura fazer de nós homens.
Nasceu na turbulência e luta do século quinze um
dos maiores gênios que o mundo conheceu. Seu
nome era Michelangelo Buonarroti, e ele foi mestre
não só na pintura, mas na arquitetura, ciência e,
sobretudo, na escultura. Ele sentia-se escolhido por
Deus para arrancar da pedra grandes obras de arte
que pareciam respirar com vida.
Frequentemente Michelangelo dizia que a arte
para ele não era ciência, mas “fazer homens.” Ele
considerava a pedra uma prisão na qual viviam for
mas vitais e seu desafio era “libertar a figura do
mármore que a aprisiona” . Por causa desse gênio o
mundo tem obras tão famosas como Davi, a Pietá,
Moisés e Baco.
O empenho de Michelangelo por libertar formas
de suas pétreas prisões não é senão uma sombra do
Grande Artista, Deus, e seu desejo de criar homens.
Contudo, Deus faz o que artista algum podería fazer,
pois não somente configura a forma do homem, mas
sopra nele vida, e vida mais abundante. O Grande
Escultor fala de esculpir a alma do homem “para
serem conformes à imagem de seu Filho” (Rom.
8:29). Deus arrebata das pedras de nossa fragilidade
62 Fruto d o Espírito
humana e fragorosa insuficiência uma imagem vi
brante ali aprisionada. Liberta-a pelo seu poder para
viver para sempre na atmosfera regozijante de sua
presença.
Em vários lugares da Escritura há o retrato de Deus
como Grande Artífice, trabalhando a sua criação,
moldando-a e configurando-a até ficar satisfeito com
o seu trabalho. Este retrato de Jeová devia ser o de
Jó , quando escreveu: “As tuas mãos me plasmaram
e me aperfeiçoaram , porém , agora, qu eres
devorar-me. Lembra-te de que me formaste como
em barro; e queres, agora, reduzir-me a pó?” (Jó
10:8-9).
Para alguns essa imagem de Deus pode parecer
absurda. Deus parece muito grande para trabalhar
um bloco de bano ou se preocupar com a alma
ínfima de um simples homem. Contudo, Paulo rea
firma: “Estou plenamente certD de que aquele que
começou boa obra em vós há de completá-la até ao
dia de Cristo Jesus” (Filipenses 1:6). Se o coração
ainda duvida de seu interesse pessoal é só ler o
cântico do salmista que insiste: “O que a mim me
concerne o Senhor levará a bom termo; a tua miseri
córdia, ó Senhor, dura para sempre; não desampa
res as obras das tuas mãos” (Salmo 138:8).
Isaías fala muito da grandeza e majestade de Deus.
Fala das nações não sendo mais que uma gota no
oceano comparadas ao poder e providência de Deus.
Isaías viu a santidade de Deus como qualquer coisa
tão sagrada que exclamou: “Ai de mim! Estou per
dido! porque sou homem de lábios impuros.” Con
Pior do que a guerra 63
tudo, esse mesmo profeta de língua com o a prata
disse que Deus escreveu na sua alma: “Acaso pode
uma mulher esquecer-se do filho que ainda mama,
de sorte que não se compadeça do filho do seu
ventre? Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele,
eu, todavia, não me esquecerei de ti.” Para melhor
acalmar uma nação frágil e esmorecida, Deus pros
segue: “Eis que nas palmas das minhas mãos te
gravei; os teus muros estão continuamente perante
mim” (Isaías 49: 15-16). Deus é o Escultor por ex
celência interessado na beleza de nossas vidas.
Os escultores por vezes fracassam quando suas
prisões de pedra se recusam a apresentar alguma
parte essencial de seus prisioneiros. Michelangelo
sentiu essa frustração quando esculpia São Mateus.
Quando estava em meio, essa obra parecia sugerir a
luta por se libertar. Todavia, Michelangelo não
podia, malgrado seu esforço, libertá-la. Ele depôs
seu instrumento, desanimado. Poder-se-ia pergun
tar: “A figura não podia ser terminada de alguma
forma? Não havia porventura material suficiente
para isso?” Ele provavelmente podia ter terminado a
estátua, porém não na forma que desejava e, nesse
caso, o fracasso teria sido mais esmagador. Então ele
parou. Michelangelo deixou muitas estátuas inaca
badas, quatro das mais famosas são os Gigantes
Cativos em Florença. Nesses trabalhos ele fracassou.
É possível que a pedra de nossa vida seja tão
estragada ou rija que Deus desista de nós no seu
processo de esculpir? Jeremias responde a isso na
parábola pungente do oleiro que está ocupado fa
64 Fruto d o Espírito
zendo vasos. Enquanto ele observava os dedos ágeis
do artista, sobreveio uma crise: “Como o vaso, que o
oleiro fazia de barro, se lhe estragou na mão, tomou
a fazer dele outro vaso, segundo bem lhe pareceu.”
Certo de que Jeremias compreendeu o significado,
Deus disse de Israel: “.. .Não poderei eu fazer de vós
como fez este oleiro? diz o Senhor; eis que como o
barro na mão do oleiro, assim sois vós na minha
mão” (Jeremias 18:4-6).
Ao passo que alguns artistas fracassam por causa
das deficiências de seu material, Deus não pode
falhar, mas continuará a moldar vasos para o seu
uso. Ele se empenha por vencer. Assim freqüente-
mente provamos quão corrompidos somos. Davi o
evidenciou, e Moisés certamente mostrou cada traço
humano e terestre. Contudo, Deus pacientemente
molda e toma esses vasos à sua semelhança. Davi
podia orar confiantemente: “Compadece-te de mim,
ó Deus, segundo a tua benignidade; e, segundo a
multidão das tuas misericórdias, apaga as minhas
transgressões” (Salmo 51:1). É uma grande fonte de
paz ouvir o salmista cantar: “Leitibra-se de que eles
são carne.”
Se por um lado o pensamento de sermos esculpi
dos por Deus e termos as nossas arestas aplainadas é
agradável, por outro nos fere. Não somos pedras que
suportam sem dor as pancadas do cinzel. Alguns
golpes que recebemos tómam-nos melhores, mas
nos ferem profundamente. O processo da libertação
é em geral longo e pode manifestar-se como extre
mamente difícil para nós. Não parecemos com
Pior do que a guerra 65
preender por que determinada moléstia é para o
nosso bem, ainda que a Palavra declara: “Ele me faz
repousar.” O desapontamento tragando nossa am
bição mata nossas esperanças e não sabíamos que
nossos amigos cristãos poderíam ou quereríam
ferir-nos tão duramente. Uma mulher, após perder
seu ente amado exclamou: “Oh, eu queria nunca ter
sido feita.” Sua amiga replicou sabiamente: “Você
não está feita — está sendo feita. Isto é parte do
processo.” Cada sucesso, cada fato e acontecimento
faz parte do processo de escultura de Deus, e “S a
bemos que todas as coisas cooperam para o bem
daqueles que amam a Deus” (Romanos 8:28). É
verdade, mas ainda magoa. Em ocasiões como essas
precisamos não só do sopro do Artista como do
toque do Grande Médico.
Um dos mais belos aspectos de Cristo é o de ele
curando os homens enfermos. Note: Ele os tocava.
Colocava suas mãos nos seus olhos, nas suas frontes
febricitantes, nos seus membros claudicantes. E com
esse toque vinha a cura, afastando não só a dor, mas
a lembrança dela. Na última Ceia, ele lavou os pés de
seus discípulos. Quantas vezes eles devem ter pen
sado naquele momento, quando nos anos seguintes
ansiavam pela sua volta.
Cristo falou sobre o amor de seu Pai na história do
filho pródigo. O pai tinha toda a razão de estar zan
gado com os desatinos do rapaz. Ele tinha esperdi-
çado sua fortuna e educação. Contudo, não o espe
rou à porta com uma palavra fria de boas-vindas ou
um aperto de mão relutante. Ao invés disso, obser
66 Fruto d o Espírito
vando ansiosamente, viu ao longe seu filho, correu,
lançou-se aos seus braços e beijou-o. Esse é o toque
de cura.
Levado ao desespero
Sábio guerreiro, Satanás não se atém a grandes
batalhas, mas investe em nossas pequenas lutas.
Visto como esperamos alguma refrega grande, al
guns repentinos ataques de seus quartéis, freqüen-
temente desconsideramos a erosão dos contrafortes
de nossas almas pelos seus repetidos ataques a pe
quenas coisas. Uma mulher atribulada deu-me um
dia um poema, sussurrando-me que ele descrevia o
que lhe sucedera. Não conheço o autor, mas posso
testificar quanto à verdade expressa.
Em escaramuças cotidianas,
de pouca monta, não cogitei;
e assim as costas lhes dei
anos a fio, até que um dia
um milhão de minúcias soltas
contra mim se ergueu e me esmagou.
74 Fruto d o Espírito
levemente do curso, um hífen — eles o chamam
“barra” — nas instruções devia informar ao foguete
que não se preocupasse. Não houve a barra e o
foguete se alterou. O computador começou a enviar
o rumo das direções que não eram certas, e o foguete
teve de ser destruído.
Comentando o incidente, o repórter disse: “Uma
patética e, de forma acidental, uma história humana.
O foguete foi aparelhado para uma viagem de
1 8 0 .0 0 0 .0 0 0 de milhas e desgovemou-se com o
comprimento de um -.
Eu gosto de pensar na oração como o hífen de
nossas vidas. Ela não leva muito tempo. O tempo de
nossas orações pode ser minutos ao invés de horas;
pode preencher momentos casuais do dia. Contudo,
esse pequeno hífen em nossas vidas é que nos diz
para não nos preocuparmos, e por vezes soçobra-
mos em frustração.
O melhor tempo para orar sobre um assunto é
quando ele o preocupa. S e o ministro tivesse empre
gado seu tempo, assim que se levantou, para inserir o
hífen da oração no seu dia, ele provavelmente teria
tomado uma atitude bem diversa. Como se passa
ram as coisas, uma agregou-se à outra até que ele
explodiu. Se pudéssemos aprender o segredo do
acesso instantâneo a Deus, nossa resistência durante
a refrega seria muito maior.
Há duzentos anos um monge que lavava vasilha
mes e panelas num mosteiro deu-nos uma chave
preciosa de como viver. O irmão Lawrence, que
ficou muito conhecido não por causa de sua teologia
Os anos do gafanhoto 75
brilhante, mas por viver tão plenamente com o
Cristo, escreveu um livrete, A Prática da Presença de
Deus. Ele dizia: “O tempo do trabalho, para mim,
não difere do tempo da oração; e no barulho e
alarido de minha cozinha, enquanto várias pessoas
estão falando ao mesmo tempo de coisas diferentes,
eu me aposso de Deus em tão grande tranqüilidade
como se estivesse ajoelhado num bendito sacra
mento.”
Então aqui está a chave: o acesso instantâneo.
Precisamos comprender que Cristo está conosco em
cada momento. Na iminência da frustração devemos
volver-nos para ele em busca de sabedoria, força e
graça. O escritor do cântico estava certo.
Crescendo em benignidade
Como qualquer outro fruto do Espírito, este tam
bém deve crescer. Um homem não pode só decidir
ser benigno. Essa é uma obra do Espírito em sua vida
e quanto mais maduros ficarmos, tanto mais benig
nos seremos. Contudo, há algumas coisas ativas que
podemos fazer para cultivar a benignidade em nosso
caráter.
Reserve tempo para a ternura. Há uma história
trágica sobre Lênin que persiste até aos nossos dias e
revela muito do seu íntimo. Vladimir Ulyanov nasceu
em 1870 em uma família que sofreria muitas tragé
94 Fruto d o Espírito
dias nos anos subseqüentes. Mais tarde ele usou o
nome de Lênin para promover sua idéias revolu
cionárias. Ele se envolveu no seu trabalho revolu
cionário até perder quase toda a capacidade para a
ternura humana. Os que o cercavam diziam que era
um homem muito infeliz.
Ainda que casado, Lênin deu pouco amor à
sua esposa Krupskaya. Certa noite ela ergueu-se,
exausta, de perto da mãe agonizante e pediu a Lênin,
que escrevia sentado a uma mesa, para acordá-la se
sua mãe precisasse dela. Lênin concordou e Krups
kaya caiu no seu leito profundamente adormecida.
Na manhã seguinte ela acordou e achou sua mãe
morta e Lênin ainda escrevendo. Em desespero ela
teve uma altercação com Lênin, que replicou:
— Você me disse para acordá-la se sua mãe preci
sasse de você. Ela morreu. Não necessitou de seu
auxílio.
É possível alguém lançar-se a uma causa, traba
lho, distração ou esporte, ao ponto de não lhe sobrar
tempo para a ternura. E às vezes a causa é deveras
boa. Muitos dos norte-americanos se lembram de
cantar o hino da Guerra Civil “O corpo de John
Brown” . Contudo, poucos se lembram de que
quando John Brown foi impelido pelo seu santo
desejo de libertar os escravos, sua mulher e treze
filhos morreram de fome atrás das montanhas. A
história registra que nove de seus filhos morreram
realmente de má nutrição e dois mais foram mortos
nas suas em boscadas selvagens. Aí estava um
homem dedicado a uma causa nobre, mas que não
O toque suave 95
reservou tempo para demonstrar ternura para com a
própria famíla. Poucos podem admirar homens
desse calibre.
Confronte esses homens com a vida de nosso
Senhor. Homem algum antes ou até então tinha uma
mensagem ou causa tão importante. Contudo,
vemo-lo reservando tempo para ser bondoso para
com as crianças que o rodeavam. Ele fala com uma
mulher ao pé do poço e acende em seu coração uma
chama que arde de alegria. Ele pára em lugar are
noso, abaixando-se aos olhos dos religiosos, para
ajudar uma mulher decaída a redimir seu conceito
próprio aviltado e restaurar alguma dignidade a uma
alma entristecida. Aquece-nos o coração pensarmos
quanto tempo Jesus gastou sendo temo e benigno
com o povo. O sentimento não pode viver numa
atmosfera controlada por um relógio. Deve haver
tempo para a ternura. Grandes figuras não só tinham
coração para a ternura, como lhe reservaram tempo.
Emie Pyle, o amado correspondente de guerra,
nunca estava tão ocupado ou impressionado com
sua agenda que não acudisse aos gritos de um sol
dado ou escrevesse cartas aos familiares dos rapazes
feridos.
Elimine as guerras imaginárias. Uma coisa que
destrói nossa benignidade e calma de espírito são as
guerras imaginárias que se travam em nossas men
tes. Nós cismamos com situações tensas entre vizi
nhos, amigos, companheiros e replicamos: “Eu vou
mesmo dizer isso a eles.” Cedendo a essa tentação,
nossa beligerância imaginária de repente se toma
96 Fruto d o Espírito
muito real, perdemos toda a esperança de sermos
cordatos e “fazemos aos outros antes que eles te
nham ocasião de fazer algo a nós” A história clássica
do “m acaco” ilustra melhor essas guerras ima
ginárias.
Um camarada descia uma estrada campestre uma
noite, quando seu pneu furou. Ao abrir a caixa de
ferramentas ele descobriu ter-se esquecido de reco
locar o macaco da última vez que o usara. Olhou em
tomo e, vendo à distância uma luz, pôs-se a andar
naquela direção com a idéia de pedir emprestado um
macaco na casa de um sitiante.
Em imaginária conversação ele disse a si mesmo:
— Eu só bato na porta, conto que estou atrapa
lhado e peço que ele por favor me empreste um
macaco. Estou certo de que vai ajudar-me.
Ao caminhar, sempre pensando naquilo, nosso
homem notou que a luz na casa se apagara. Ele
pensou:
— Agora ele foi para a cama e vai ficar zangado por
eu ter de acordá-lo. Então, é melhor eu lhe oferecer
um dólar.
Prosseguindo sempre, imaginou então:
— Que acontecerá se ele saiu e a mulher estiver
sozinha? Ela vai ficar com medo de abrir a porta. É
melhor eu oferecer cinco dólares.
A essa altura o pobre homem estava tão transtor
nado que gritou alto:
— Cinco dólares! Está bem, mas nem um centavo
a mais. Por que vocês querem roubar um homem?
Então, junto à casa, ele bateu com força. Quando
O toque suave 97
o pobre sitiante abriu a janela e perguntou: — Quem
é? — o desconhecido, zangado, berrou:
— Você e a sua droga de macaco! Pode guardar
essa porcaria!
Muitas coisas com que nos defrontamos são ima
ginárias e se aprendemos a fixar nossa mente em
Cristo encontraremos perfeita paz. E dessa paz bro
tará a benignidade de espírito que é fruto do Espírito.
Jesus admoestou contra a criação de situações ima
ginárias e a preocupação com o que haveriamos de
dizer, ao declarar: “Quando, pois, vos levarem e vos
entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de
dizer, ao declarar: “Quando, pois, vos levarem e vos
entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de
dizer, mas o que vos for concedido naquela hora, isso
falai; porque não sois vós os que falais, mas o Espírito
Santo” (Marcos 13:11).
Seja benigno em qualquer circunstância. Algures,
quando menino, eu ouvi a história de um diácono
que resolveu sair do “trem evangélico” o tempo
suficiente para “surrar” um irmão que o ofendera.
Diz a história que quando ele quis embarcar, o trem
havia partido da estação. Nada sei sobre a veraci
dade dessa história humorística, porém ela nos en-
.coraja a sermos verdadeiros em todas as ocasiões.
Por vezes é difícil ser benigno. Quando os nervos
estão estilhaçados e as tensões nos atacam de forma
dolorosa, é difícil sermos benignos. Contudo, nessas
ocasiões temos de exercer a benignidade. Paulo le
vava no seu corpo muitas marcas de sofrimento.
Sem dúvida, ele nunca estava livre de dor e mesmo
98 Fruto d o Espírito
assim era benigno. Em tempos de doença, temos de
exercer dupla vigilância sobre nós mesmos, a fim de
que a dor não afaste a benignidade.
Quando alguém galga um posto de autoridade
vem com ele a tentação de se perder a amabilidade.
Nero foi conhecido como bondoso antes de ser o
imperador de Roma, mas depois de assumir esse
posto, a tirania foi seu traço dominante. Nas ruas
romanas ele conduzia seu carro em desatino, esma
gando os que estavam no seu caminho, e besuntava
de alcatrão os corpos de santos para à noite ilumina
rem seu jardim. A prova de bondade genuína surge
quando de repente atravessamos um tempo de
poder e força. Penso freqüentemente em Lincoln
que se recusou a dar ouvidos àqueles que instavam
para que ele destruísse os sulistas. Senhor de todo o
poder executivo, ele simplesmente se manteve firme
exigindo que “não houvesse maldade para com nin
guém e caridade para com todos”.
Na verdade, a estrada do Calvário é mais longa
para uns do que para outros. Alguns parecem ter
nascido com uma natureza tema. Contudo, se alcan
çarmos a semelhança de Cristo, deve seguir-se a
crucificação do ego e o impulso para a benignidade.
Quão freqüentemente só precisamos considerar-nos
na presença de Deus e meditar intensamente no
nosso Salvador, para que a ternura se derrame em
nossas vidas. O felecido Powell Davies, de Was
hington, D. G , escreveu: “Som os todos solitários sob
as estrelas, todos estranhos e peregrinos aqui na
terra.” Se pudéssemos compreender a urgente ne
O toque suaue 99
cessidade da benignidade, então seríamos desafia
dos a que o Espírito que habitava em Cristo se tome
o guia de nossas vidas.
O coração dividido
Cada homem encontra sua potencialidade para
um grande bem ou um grande mal. A história de
Robert Louis Stevenson do bom Dr. Jeckyll e do
monstrouso Sr. Hyde demonstra brilhantemente
essas duas potencialidades. E, no momento em que
pensamos atingir uma grande bondade, então o mal
mostra seus dentes afiados às nossas almas e
parece-nos que retrocedemos. Contudo, deve-se
lembrar que todos os homens, mesmo os grandes
mencionados antes, tiveram o coração igualmente
dividido. Como quer que Seja, eles aprenderam a
manter à distância o mal e a cultivar o bem. Isso nos
faz retomar à declaração de Paulo: “O fruto do Espí
rito é bondade.”
A divisão do coração foi reconhecida muito antes
de Stevenson cogitar sobre sue interessante história
ou Freud ter iniciado sua intrusão através da couraça
da personalidade humana. Davi exclama há muitos
anos: “Ensina-me, Senhor, o teu caminho, e andarei
na tua verdade; dispõe-me o coração para só temer o
teu nome” (Salmo 86:11).
Davi ora para que seu coração esteja disposto para
temer a Deus. Infelizmente, um coração pode estar
disposto para desprezar o bem e cometer grandes
males. Vimos isso na Alemanha nazista. Milhões de
palavras têm sido e serão proferidas acerca daqueles
horrores indizíveis, quando se manifestou a maior
realização da tremenda capacidade do homem para
o mal.
O Tamborileiro Diferente 109
Nossos corações ainda se confrangem quando
lemos sobre aqueles milhares de pais que se ajoelha
vam nus ao pé das sepulturas que haviam cavado,
cobrindo com as mãos os olhos de seus filhos, ao
passo que as pistolas alemãs detonavam sobre as
suas nucas. Repugna-nos pensar nas experiências
científicas dos nazistas injetando germes de tuber
culose em crianças e vendo-as morrer. O genocídio
foi tão monstruso que até o presente é-nos penoso
ouvir sobre o horror de cinco milhões de mortos.
Tomou-se então patente a extrema e absoluta de-
pravação do homem e sua horrível capacidade para
o mal. Todos nós temos visto homens aparente
mente dedicados ao mal, com os corações dispostos
a odiar a Deus e à bondade.
Convictos de quão mau o homem pode ser, cla
mamos a Deus para que nos tome bons. Nesse de
sejo podemos encontrar a verdadeira bondade. John
Bunyan, falando da viagem do Cristão à Cidade de
Deus, diz que um desejo levará um homem a Deus,
mesmo se 10.000 se oponham a isso; “sem o desejo
tudo não passa de chuva sobre pedras.”
Séculos depois de Davi, o apóstolo Tiago trataria
do coração dividido nos termos mais duros: “De uma
só boca procede bênção e maldição. Meus irmãos,
não é conveniente que estas coisas sejam assim.
Acaso pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é
doce e o que é amargoso? Acaso, meus irmãos, pode
a figueira produzir azeitonas, ou a videira figos? Tão
pouco fonte de água salgada pode dar água doce”
(Tiago 3:10-13). E ele disse também que a verda
110 Fruto d o Espírito
deira sabedoria é pureza completa e bondade.
Até aqui falamos sobre a grande bondade e a
grande maldade. Contudo, devemos lembrar que o
mais fundamental em ambas é primeiro serem dis
seminadas em sementes cotidianas de bondade ou
maldade. Nossos grandes atos não são senão exten
sões dos pequenos e os hábitos que semeamos na
primavera de nossa vida colhemos no outono.
Aqueles homens não ficaram subitamente cheios de
bondade ou maldade. Ao invés disso, foi na urdidura
e trama de seus caracteres que eles esmagaram uma
e cultivaram a outra. Contudo, é absolutamente ne
cessário levarmos nossas considerações aos níveis
mais baixos de nossas vidas e tratar com bondade as
coisas mundanas.
É fácil dizer que reagiremos com bondade quando
alguém ousadamente ataca tudo que é sagrado. T o
davia, a menos que estejamos interiormente muni
dos de bondade, não suportaremos a carga de um
ataque intrépido. A bondade nasce do Espírito de
Deus, a fonte por excelência de toda a bondade, e só
tem pleno governo de nossas vidas quando lhe con
ferimos o controle.
Nos anos recentes entramos na esfera do relati-
vismo. O argumento é tão velho quanto o homem,
mas apresenta-se hoje com novos títulos. Agora os
teólogos estão falando sobre “ética situacional” ou
“circunstancialismo” . Você pode ouvir os termos
“eventualismo”, “contextualismo” ou “atualismo”.
São palavras que descrevem a velha teoria de que
todas as coisas são relativas. Ao invés de observar um
O Tamborileiro Diferente 111
grupo de regras a pessoa deve esperar que a situação
se apresente e então resolver o que é moral ou bom.
Bons argumentos procedem de ambas as partes.
Enquanto a guerra de palavras campeia, nós, leigos,
ainda devemos tomar decisões determinando nosso
destino, com respeito a que coisa é boa ou moral
para ser feita. E merecemos algumas respostas dire
tas a esse problema. Contudo, apesar do resultado
do presente argumento, há alguns passos simples
que podemos dar para nos assegurarmos de que
estamos aniquilando o mal e cultivando o bem.
A fome do coração
Moisés não só faz acusações como também fala
dos trágicos sucessos que advirão de tal negligência:
134 Fruto d o Espírito
“Consumidos serão pela fome, devorados pela febre
e peste violenta.” Não se passaram muitos anos
antes que Israel fosse destroçado por tal fome. As
profecias de Moisés foram mais do que cumpridas no
cativeiro amargo que sofreram.
Um dos outros grandes profetas visualizou a época
de um cativeiro e disse tristemente: “Eis que vêm
dias, diz o Senhor Deus, em que enviarei fome sobre
a terra, não de pão, nem sede de água, mas de ouvir
as palavras do Senhor” (Amós 8:11). Amós prosse
gue em seu lamento: “Andarão de mar a mar, e do
norte até ao oriente; correrão por toda parte, procu
rando a palavra do Senhor, e não a acharão.” Essa
busca, essa ardência, essa fome febril pela Palavra de
Deus manifestou-se em Israel quando eles se esque
ceram de Deus e o renegaram. Durante quatrocentos
anos Deus ficou em silêncio e só rompeu aquela
solidão agônica com a voz retumbante proclamando
a vinda de Cristo.
O Senhor abandonado
Em nossa era de muitos conhecimentos e de al
garavia científica há uma tendência para substituir o
banco do lamentador pelo sofá do psiquiatra. Muitas
vezes nossos sermões têm o intuito de fazer as pes
soas “sentirem-se” boas ao invés de “serem” boas.
A decadência do espírito e a morte religiosa resultam
do esquecimento por parte do cristão da fidelidade
que o Espírito traz. Foi o que aconteceu em Laodi-
céia.
Estabelecida por Epafras, a igreja de Laodicéia
Enquanto a Igreja dorme 135
teve um surto imediato. Situada no coração de uma
grande cidade desde os primeiros meses a igreja
cresceu em força e poder na vida comunitária. Lao-
dicéia era uma das cidades mais prósperas da Ásia.
Dela vinham os mais belos e macios tecidos de lã
preta e o linho finíssimo. Uma famosa escola de
medicina estabeleceu-se na cidade da qual proveio
um remédio para os olhos chamado colírio. A cidade
era também um centro bancário.
Contudo, em tal ambiente de prosperidade, a
igreja fraquejou. Cristo, na revelação, adverte-a por
falta de devoção, encorajando-a a buscar o ouro
espiritual, vestiduras e colírio de Deus. Acusa-a de
orgulho espiritual, porém ao mesmo tempo estende
seu grato convite: “Eis que estou à porta e bato; se
alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em
sua casa e cearei com ele e ele comigo” (Apocalipse
3:20).
Muitas vezes essas palavras são citadas ao des
crente, representando o Cristo evangelístico pedindo
entrada no coração do pecador. Contudo, deve-se
levar em conta que elas se endereçavam a uma igreja
desviada e indiferente. É deveras triste ver aquele
que deu sua vida pela igreja, do lado de fora dese
jando entrar.
Salom ão também ilustra essa trágica cena na his
tória comovente e magnífica da jovem que dormia
no luxuoso palácio do rei. Ela é despertada pela
batida insistente do seu amado Pastor. Da noite fria
chega sua voz: “Abre-me, minha irmã, querida
minha, imaculada minha, porque a minha cabeça
136 Fruto d o Espírito
está cheia de orvalho, os meus cabelos das gotas da
noite” (Cantares 5:2).
Sonolenta, a esposa responde: “J á despi a minha
túnica, hei de vesti-la outra vez? Já lavei os meus pés,
tomarei a sujá-los?” E assim ela fica inteiramente à
vontade e com tanto sono que não quer responder às
contínuas batidas. Afinal, ferida pela consciência, vai
até à porta, mas para seu desalento seu amado já se
retirara. Receosa de tê-lo perdido, ela corre noite
afora, b u scan d o -o, quando é atacad a:
“Encontraram-me os guardas que rondavam pela
cidade: espancaram-me, feriram-me; tiraram-me o
manto os guardas dos muros” (Cantares 5:7). À luz
desses escritos a cena de Cristo batendo à porta é
comovente e atemorizante. O fato é que, se a igreja
adormecida não despertar, Cristo pode retirar-se
dela e o fará. A igreja, buscando o Senhor que a
deixou, sofre grande tribulação. Cristo disse: “Assim,
porque és momo, e nem és quente nem frio, estou a
ponto de vomitar-te de minha boca” (Apocalipse
3:16).
Quão diversa era a igreja de Éfeso! Também eles
tinham recebido uma aguilhoada por terem deixado
seu primeiro amor. Cristo fá-los recordar isso,
arrepender-se e voltar-se às práticas primeiras. Eles
não menosprezam a advertência e se arrependem. A
história registra os resultados de ambas as atitudes. A
igreja de Laodicéia, surda aos avisos, foi rejeitada da
presença de Deus. Invasores islâmicos invadiram a
cidade e a destruíram. A rica igreja dos Laodiceanos
ficou em ruínas e pereceram os santos que dormiam.
Enquanto a Igreja dorme 137
Nesse meio tempo a igreja de Éfeso prosperou
depois de voltar-se para o altar. Na realidade, tão
grande foi seu reavivamento que dez anos após a
morte de João, o Amado, estava mais firme do que
nunca. O imperador Trajano mandou Plínio àquela
cidade para investigar se os cristãos deviam ser per
seguidos. Plínio escreveu como resposta que o Cris
tianismo florescera de tal forma que os templos pa
gãos estavam quase abandonados e uma perseguição
significaria a rebelião de toda a cidade.
O fruto do Espírito é fidelidade à nossa vocação, e
nesta era de santos adormecidos e pecadores mori
bundos, esse fruto precisa ser cultivado mais do que
qualquer outro.
9
A FORMA
DO CONTEÚDO
Moisés dá o significado
Para fazer uma pintura do mundo talvez seja bom
invocarmos Moisés, já que a Bíblia diz: “Era o varão
Moisés mui manso, mais do que todos os homens
que havia sobre a terra.” Ao menos três incicidentes
na sua vida indicam esse traço característico e nos
falam do profundo significado da mansidão.
Resposta ao seu chamado. Após quarenta anos de
exílio, Moisés defronta-se subitamente com um mi
lagre que não compreende. Deus fala, dizendo a
Moisés que ele foi escolhido para conduzir os israeli
tas fora do Egito. Como resposta Moisés pergunta
honestamente: “Quem sou eu para ir a Faraó e tirar
do Egito os filhos de Israel?” Ao que Deus responde:
“Eu serei contigo.” De novo Moisés pergunta:
“Quem direi que me enviou?” — ao que Deus re
plica: “Eu sou o que sou.” Moisés prossegue con
testando, dizendo que não lhe crerão e que ele é
pesado de língua. Deus repele essas objeções e Moi
sés é enviado.
O significado de tudo isso jaz no contraste entre
sua resposta e àquela dada pelas suas ações qua
renta anos atrás. Nesse tempo Moisés encontrara um
egípcio espancando um seu compatriota e imedia
tamente ergueu-se e matou o opressor. Disso resul
tou seu exílio e durante aqueles quarenta anos Deus
empenhou-se muito por ensinar a Moisés que há
muitos combates que não se vencem com violência.
A Forma do Conteúdo 143
As batalhas espirituais nunca se ganham pelas mãos
carnais. Paulo toca o clarim, advertindo: . .porque
a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim,
contra os principados e potestades, contra os domi
nadores deste mundo tenebroso, contra as forças
espirituais do mal, nas regiões celestes. Portanto,
tomai toda a armadura de Deus. . .” (Efésios 6:12,
13a). Moisés aprendera em dura experiência a futili
dade, a frustração de resolver situações com as pró
prias mãos e procurar endireitá-las com as mãos da
carne. Agora, ele simplesmente estava ante Deus e
admitia plenamente não ser ninguém. Isso é verda
deira mansidão.
O escritor do hino disse tão eloqüentemente: “Sou
débil, cheio de fraquezas, aos teus pés me curvo.
Divino ser, espírito etern o, ch eio de poder,
enche-me dele agora.” Assim como nossa vida espi
ritual se baseia na premissa de permanência na Vi
deira, nossas vitórias espirituais só serão conquista
das se humildemente, perante Deus, admitirmos
nossas fraquezas e orarmos pela sua força. Moisés foi
absolutamente honesto na sua aproximação de Deus
e isso é verdadeira mansidão.
Seu problema familiar pessoal M oisés tinha se ca
sado com uma mulher odiada por sua irmã e seu
irmão e da qual eles desconfiavam. “Falaram Miriã e
Arão contra Moisés, por causa de mulher etíope, que
tomara” (Números 12:1). Os mais argutos pensa
dores têm considerado o motivo dessa desaprova
ção. S e era de ordem racial ou pessoal para com
Miriã não importa. O que vale notar é a reação de
144 Fruto d o Espírito
Moisés durante esse período da crise pessoal e crítica
severa. Ele não reagiu violentamente nem gastou
tempo em defender-se. Antes, continuou seu traba
lho para Deus e deixou Deus solucionar o problema.
Com o decorrer do tempo, subitamente Deus
falou aos três indivíduos para que se pusessem à sua
presença. Quando eles entraram na tenda, Miriã e
Arão são chamados à frente e Deus austeramente os
recrimina: “Boca a boca falo com e le ... como, pois,
não temestes falar contra o meu servo, contra
Moisés?” Miriã ficou atacada de lepra e o castigo pela
sua insurreição foi conhecido em todo o arraial.
Note-se ainda que Moisés então ora por sua irmã e
após sete dias ela fica curada. De novo não vemos
maldade alguma no coração de Moisés, pois fora
atingido na esfera de vida em que a maioria de nós
gritaríamos de dor. A atitude de mansidão de Moisés
diante de Deus era tal que ele não necessitava de se
defender ou de se vingar.
Mansidão é a perfeita compreensão de nosso valor
ante Deus e o conhecimento do seu perdão. Porque
Moisés foi manso perante Deus, tendo acalmado
seus receios pessoais e frustrações, os outros não
podiam afrontá-lo e fazê-lo reagir em desacordo com
o caráter de sua missão. No envoltório desse pe
queno incidente histórico encontra-se um impor
tante fato psicológico. Pelo perfeito conhecimento de
nossa situação com o Salvador, o medo, as frustra
ções e inibições que nos flagelavam antes do
Calvário são erradicados. Nisso consiste o milagre do
novo nascimento. Ainda que nosso ambiente possa
A Forma do Conteúdo 145
ter contribuído para toda espécie de problemas
emocionais e complexos, numa nova retomada em
paz com nosso Criador, tomamo-nos emocional
mente seguros e estáveis.
Quando compreendemos que foi Deus quem nos
fez e não nós mesmos, que somos ovelhas do seu
pasto, que os passos de um homem bom são co
mandados pelo Senhor, então não importa o que
outros possam dizer. É então que a verdadeira man
sidão para com Deus nos dá forças ante nossos ad
versários. Então não nos curvaremos aos caprichos e
desejos dos que nos cercam. Não reagiremos à sua
frustração, pois sabemos que fomos aceitos pelo
Criador do universo e que nossos passos foram en
caminhados por ele. Portanto, a crítica não nos afeta
e a vingança é alheia à nossa personalidade.
Seu grande desapontamento. Moisés tinha desa
gradado a Deus em Meribá, razão pela qual não lhe
foi permitido entrar na Terra Prometida. Este foi um
dos maiores golpes que recebeu. Ele ansiava pelo
momento de conduzir o povo ao seu lar predesti
nado. Durante quarenta anos, metade ele conduzira
e metade ele forçara uma nação nômade para sua
terra e agora, idoso, quando o sentimento brota
forte, ele não podería entrar nela. É dispensável dizer
o quanto se lhe confrangia o coração com tão pro
fundo desapontamento.
Contudo, nessa provação Moisés não se rebela
contra Deus, porém aceita seu castigo com o o
grande homem que era. Como Jó, ele não pecou
com seus lábios ou insensatamente acusou a Deus.
146 Fruto d o Espírito
Notem-se as grandes qualidades da mansidão: con
fiança absoluta e segurança na grande sabedoria e
misericórdia divina. Se Deus não lhe permitia a en
trada, Moisés não via nisso motivo de se lastimar. Ao
invés disso, aceitou a ordem de Deus e foi avante.
Sua fé não ficou abalada, mas fortalecida.
À beira de um túmulo, diz muitas vezes um pastor
a uma viúva em prantos: “Deus é muito sábio para
jamais errar e muito amante para jamais ser descari-
doso.” Não são palavras vazias ou frases amenas
para serenar um coração dorido. São verdades que
vibram através da história e se pudermos apanhar
todo o seu significado apreenderemos um pouco do
espírito de Moisés. Em lugar de nos rebelarmos
quando não vemos claramente como decorrem seus
planos, quão esplêndido seria, na mansidão de Moi
sés, contentarmo-nos com a experiência de um
Monte Pisga. Eis a verdadeira mansidão — tal como
a canta o salmista: “Seu caminho é perfeito.”
Sob a aparência
Já que é certo a mansidão estar na relação entre o
homem e Deus antes que junto ao seu próximo,
talvez seria valioso passar em revista as ocasiões em
que chegamos ante seu trono ém adoração. Deus
prometeu: “Os mansos terão regozijo sobre regozijo
no Senhor” (Isaías 2 9:19). Isso é verdade, porque o
hom em que é realm en te m anso ante D eus
aproxima-se do seu trono com absoluta honestidade
e abandono. E nessa liberdade de honestidade há
grande e maravilhosa alegria.
A Forma do Conteúdo 147
Infelizmente, alguns dentre nós construímos um
sistema de adoração que não conduz à mansidão
ante Deus. S e pudermos quebrar essa máscara de
adoração farisaica, sermos absolutamente honestos
em nossa comunhão com Deus, nossa adoração será
mais rica e significativa. Tragicamente, muita adora
ção é centrada no indivíduo e reflete pouco da man
sidão que é fruto do Espírito. S e nos lembrarmos de
que a verdadeira adoração é centrada em Deus e não
em nós mesmos, então a mansidão se tomará parte
intrínseca nossa.
Uma mocinha, muito entusiasmada por ter seu
namorado afinal ido à igreja, ergueu-se para dar seu
testemunho. Estava muito alegre por Deus ter ou
vido fielmente as suas orações e nervosa por desejar
que seu testemunho desse a impressão justa. Ela
exclamou: “Estou tão feliz por ser tão maravilhosa.”
Rimos ao tomar conhecimento desse incidente
que foi muito embaraçante para a jovem. Ela queria
dizer: “Estou tão feliz porque Deus é tão maravi
lhoso.”
Isso nos faz recordar que muitas vezes a adoração
pode centrar-se numa pessoa e não em Deus. Paulo
adverte o jovem Timóteo: “Sabe, porém isto: nos
últimos dias sobrevirão tempos difíceis; pois os ho
mens serão egoístas . . . antes que amigos de Deus”
(2 Timóteo 3:1-4).
No Apocalipse um anjo nos dá a verdadeira chave
da adoração. João fora exilado na ilha de Patmos e lá
Deus lhe revelou seu plano para as eras vindouras.
Num caso a revelação veio através de um “anjo
148 Fruto d o Espírito
poderoso” . Em seguida Jo ão prostra-se em adora
ção ao ser celestial. Ele registra: “Prostrei-me ante os
seus pés para adorá-lo. Ele, porém, me disse: Vê,
não faças isso; sou conservo teu e dos teus irmãos
que mantêm o testemunho de Jesus; adora a
Deus. . .” (Apocalipse 19:10).
Aqui está a chave encontrada na Palavra de Deus,
através de profetas, sacerdotes, pregadores e anjos:
“Adora só a Deus!” Jesus disse: “Ao Senhor teu
Deus adorarás, e só a ele darás culto” (Mateus 4:10).
Os homens de hoje argumentariam que nossa
adoração centraliza-se unicamente em Deus. Talvez
isso se verifique realmente em muitas vidas. C on
tudo, seria bom avaliar nossa.adoração e ver se Deus
é o centro dela ou nós mesmos.
Os cânticos que cantamos. Uma experiência cu
riosa é repassar as páginas de um hinário e notar
todos os cânticos com pronomes pessoais nos títulos.
Um estudo mais profundo desses hinos demonstra
ser a maioria deles centralizada em nós e nossos
sentimentos, em lugar de Deus. Repare nestes títu
los: “Minha possessão eterna” , “Mais perto quero
estar”, “Dá-nos teu favor”, “Deus me chama” , “Eu
quero ser um anjo”, “Meu Fiador”, “Meu Salva
dor”.
Um eminente ministro observou no cântico “No
jardim” a incidência de vinte e sete referências à
própria pessoa e só algumas a Deus.
Naturalmente, esses hinos são de testemunho e
prestam-se muito bem para algumas adorações. A
questão é que talvez devamos incluir em nossa ado
A Forma do Conteúdo 149
ração mais hinos que façam referência a Deus, sua
grandeza, amor e preocupação com o homem. A
ênfase em nossa adoração não diz respeito à nossa
retidão, mas à de Deus. Como Moisés, perguntamos:
Quem somos nós? Há grandes cânticos de adoração
como “Saudai o nome de Jesus” ; “Grandioso és
tu”, “Ao Deus de Abraão louvai” , “Mil vezes mil
louvores”. Podería haver um cântico que acentuasse
mais a grandeza de Deus do que:
O âmago da alma
Contudo, o domínio próprio não é o único sinal de
uma vida bem disciplinada. O autodomínio, como
fruto do Espírito, vai ao âmago da alma e é o próprio
caráter do homem. Milhares de ladrões estão fecha
dos atrás de grades e eliminados da sociedade. To
davia, eles ainda são ladrões que simplesmente não
têm oportunidade de cometer seus crimes contra
uma sociedade livre. Isso também é verdade com
respeito a outros crimes e ofensas. O milagre de
Cristo é que o caráter do homem muda e não só o
seu ambiente. Homens que encontram Cristo não
são só libertados, mas, limpos, recomeçam a partir
de onde as velhas coisas já se foram. O domínio
próprio, então, é a própria motivação da alma.
Davi, que aprendeu a disciplina através de amarga
experiência, orou: “As palavras dos meus lábios e o
meditar do meu coração sejam agradáveis na tua
presença, Senhor, rocha minha e redentor meu!”
Essa é a verdadeira temperança. Aqui está a disci
plina exterior, a vigilância sobre as palavras de sua
boca, mas também a do âmago da alma. Davi roga
para que seus próprios pensamentos e motivos
sejam do agrado de Deus.
Quando alguém ora motivado como Davi, per
manece firme apesar das circunstâncias ambientais.
160 Fruto d o Espírito
Não há fins de semana ou tempo perdido quando,
fora da vista do santuário, ele se permita viver como
de fato quer. O pecado de Davi sobreveio quando
ele deixou de orar e viver essa oração. O verdadeiro
prisioneiro em gozo de grande liberdade, não está
escravizado à sociedade, esposa, família ou amigos,
mas, antes, é um escravo do amor de Deus.
A lealdade a Cristo mediante o Espírito Santo traz
à tona o melhor que temos, ao passo que a obediên
cia indisciplinada à nossa natureza inferior destrói
como uma torrente de água, desgastando a estabili
dade emocional e o bem-estar físico, nossos e dos
que nos cercam. Paulo diz que o homem cheio do
Espírito Santo terá domínio próprio.
Obtendo controle
Uma jovem mãe estava tendo dificuldade com um
pequeno de cinco anos, manhoso e exibicionista.
Depois de tê-lo disciplinado rigorosamente e m an
dado para a cama, ela explicou: “Pode ser que eu
seja ‘quadrada’, mas não posso crer que permitindo
que ele se torne tão indesejável agora vá
transformá-lo numa criatura amável daqui a vinte
anos.” Sua idéia era que a disciplina vai além do
castigo ou recompensa. A disciplina é na verdade
conferir às crianças o autocontrole para que façam
uso de suas melhores qualidades. Trata-se de dar-
-lhes habilidade de tomar decisões e aceitar as con-
seqüências de sua escolha.
Ainda que o domínio próprio seja um fruto muito
desejável do Espírito, o homem honesto cogitará de
Prisioneiro voluntário 161
como tirar proveito dele na sua própria vida. É aqui
que a Bíblia dá algum auxílio muito prático, mos
trando como podemos obter o autocontrole. Como a
senhora com a criança turbulenta podemos ficar res
ponsáveis por nós mesmos através das indicações da
Palavra de Deus. É estranho, porém isso coincide
com os conselhos oferecidos por grandes psicólogos,
com referência aos mesmos problemas.
Autodisciplina firme. Jesus falou em quatro espé
cies de solo em que a boa semente caiu. S ó um deles
era “disciplinado” e produziu fruto. Com essa
parábola ele diz que muito depende de nós nessa
questão de viver a vida vindoura. Paulo acrescenta
ria mais tarde: “Todo atleta em tudo se domina;
aqueles para alcançar uma coroa corruptível; nós,
porém, a incorruptível. . . Mas esmurro meu corpo e
o reduzo à escravidão, para que, tendo pregado a
outros, não venha eu mesmo a ser desqualificado”
(1 Coríntios 9:25, 26).
No fim de sua grande vida, Paulo reservaria tempo
naquela lúgubre prisão para registrar seu último de
sejo e testamento a um jovem pregador em Éfeso.
Em 2 Timóteo 2 :4 Paulo subministra a seu filho na fé
três importantes regras de autodisciplina. A primeira
é: “Nenhum soldado em serviço se envolve em ne
gócios desta vida, porque o seu objetivo é satisfazer
àquele que o arregimentou.” Em outras palavras,
viver para Cristo é serviço de tempo integral. Isso não
significava que Timóteo teria de isolar-se socialmente
ou não participar da sua comunidade. Paulo mesmo
trabalhava como tecelão de tendas para suprir as
162 Fruto d o Espírito
suas necessidades físicas enquanto pregava. O ponto
nevrálgico da questão é que aquele que se alistou
para o serviço de Cristo tenha a vista no alvo su
premo. Com relação a Deus ou seu trabalho, não há
férias.
O Dr. Smiley Blanton, notável psiquiatra, diz:
‘ ‘Nove em dez casos relacionados com a tentação, as
desvantagens resultantes superam grandemente a
satisfação momentânea.” Ele prossegue mostrando
que as bebidas nunca valem a ressaca, ou a sexuali
dade ilícita suas conseqüências derradeiras. Paulo
dizia o mesmo a Timóteo. Timóteo é admoestado a
lembrar o seu destino quando a lascívia juvenil ou as
tentações sobreviessem e a prever as conseqüências,
de forma a superá-las. Ele não devia enredar-se com
o mundo.
A seguir, Paulo diz haver certas regras que deviam
ser observadas: “Igualmente o atleta não é coroado
se não lutar segundo as normas.” Alguns pensam
poder prosseguir com seus pecados. Contudo, isso
nunca se dá. Ainda que a voz da consciência seja um
murmúrio, o castigo por desprezá-la é grande, como
qualquer psiquiatra ou médico poderá dizer. O Dr.
Blanton também aduz: “Quer você considere a
consciência como um mecanismo divinamente im
plantado, um eco apagado de autoridade paterna,
ou os velhos tabus coletivos da raça humana, ela
permanece como um dispositivo da personalidade
humana que dispara uma das emoções mais destru
tivas: a culpa.”
Realmente, nunca nos furtamos a nós mesmos e à
Prisioneiro voluntário 163
voz que nos fala no silêncio de nossas almas. Os
homens nunca descobrirão nossos pecados, porém
nós estamos constantemente sendo espicaçados
pelas suas pontas agudas e penetrantes. E, como diz
Paulo, jamais poderemos verdadeiramente ficar fir
mes, fixar os homens nos olhos, dominar qualquer
situação, se não mantivermos as normas. E ’ relati
vamente sem importância sermos ou não apanha
dos. A religião se acoberta sob a aparência humana e
é a essência da alma. Enganamo-nos a nós mesmos
quando pensamos poder sair-nos bem lutando des
lealmente.
A idéia final que Paulo dá é “O lavrador que
trabalha deve ser o primeiro a participar dos frutos”
(v. 6) Algumas pessoas falam sobre religião para
encobrir deficiências terríveis de suas próprias vidas.
O incidente da mulher ao pé do poço é um caso
típico. Quando Cristo se aproximou do seu pro
blema ela procurou esquivar-se do Mestre com uma
questão religiosa acerca do lugar adequado para
adorar. Jesus respondeu logo e a seguir foi ao cerne
verdadeiro do problema.
A religião pode tomar-se um escudo para os que
se consideram justos, e merecemos parte da crítica
que o mundo nos faz. Paulo reconhece isto em mui
tas passagens, mas aqui, particularmente, ele fala a
Timóteo acerca de ser participante do que pregava.
Timóteo podia argumentar sobre religião ou ques
tões teológicas por toda a sua vida e ainda assim estar
perdido. Nem todo o homem que diz “Senhor, S e
nhor” , terá entrada. O importante, diz Paulo, é que
164 Fruto d o Espírito
participemos da misericórdia e disciplina de Cristo.
Então seremos senhores de nossas vidas. Teremos
controle de nós mesmos no momento em que vi
vermos na atitude de que fala Paulo. Assim, o pri
meiro passo para o autocontrole é o desejo de viver
segundo as normas, e disciplinarmo-nos pelas leis de
Cristo.
Conhece-te a ti mesmo. Ainda que filósofos te
nham dito isto durante séculos, por vezes não reco
nhecemos a força dessa verdade. Ela foi a base dos
sermões de Sócrates e muito dos escritos do Novo
Testamento tratam do assunto. Pedro diz: . . asso
ciai com vossa fé a virtude; com a virtude o conheci
mento; com o conhecimento o domínio próprio” (2
Pedro 1:5). Diz ele para associarmos à nossa virtude
o conhecimento; ou em outros termos, conhecermos
nossas limitações e a força divina.
Tentações variadas atraem diferentes povos, em
graus diversos de intensidade. O que pode ser uma
pedra de tropeço para você pode não o ser para seu
próximo. Essa é uma das razões de Cristo nos ensinar
a não julgarmos as ações ou reações alheias. Não
podemos avaliar seu dilema por desconhecermos os
problemas que os afligem. Contudo, se arrolarmos
nossas próprias fraquezas e praticarmos um pouco
de auto-honestidade acerca das imperfeições de
nosso caráter, então grande parte de nosso problema
é eliminado. É verdade que as tentações em geral
não ficam à nossa espera, mas realmente há defeitos
de nosso caráter que nos impelem a cair nelas. Por
exemplo, ao conquistador sempre se apresentará
Prisioneiro voluntário 165
uma série de acontecimentos românticos, porque ele
inconscientemente cria essas situações.
S ó há um meio de vencer, quando somos tentados
ou buscamos a tentação: atentar para a admoestação
bíblica de fugir dela. Freqüentemente, a maioria de
nós apenas rastejamos, esperando que ela nos do
mine. O segredo de viver com autodomínio consiste
em arrolar nossas fraquezas, evitar contactos em
áreas em que somos vulneráveis e então, se estamos
numa delas, fugir. Jo sé achou dessa forma sua salva
ção da mulher de Potifar. S e você é extremamente
ambicioso, então fuja da tentação de prejudicar os
outros para alcançar o topo. Alguém, extremamente
insatisfeito com sua situação na vida, deve evitar,
como uma calamidade, a tentação de escapismo
mediante bebida, pílulas ou fantasias. Conhecer-se a
si mesmo é o sábio conselho de Pedro em ocasiões
de tentação.
Revesti-vos de Cristo. Paulo escreve: . . revesti-
-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a
carne” (Romanos 13:14). Pode ser banalidade dizer
simplesmente: “Ore acerca disso”, mas o fato é que
ainda funciona. Um psiquiatra explica-o da seguinte
forma: “Após passar uma longa vida observando a
conduta humana, não me resta dúvida de que, in
teiramente à parte de seu significado religioso, a
oração é um dos métodos mais eficazes de extrair a
sabedoria e poder existentes no grande reservatório
do inconsciente.”
Mas, para não ser mal interpretado, ele acrescen
tou que não pensava que a mera repetição de uma
166 Fruto d o Espírito
prece fosse suficiente. Disse: “Na oração eficiente
deve haver humildade, renúncia de desejos, reco
nhecimento da necessidade de auxílio. O psiquiatra
não pode explicar isto profundamente, não mais do
que o teólogo, mas sabe que é assim. A auto-
-submissão é a chave. Quando essa atitude invade o
consciente e mergulha profundamente no incons
ciente, o resultado é serenidade e clareza de pensa
mento que tomam as decisões corretas não só possí
veis mas quase inevitáveis.” Freud também obser
vou: “A inteligência pode funcionar com segurança
só quando afastada da influência de forte carga em o
cional.” Mesmo que alguns discordem da aplicação
deste princípio, ainda é verdade que a oração nos
afasta do forte impulso emocional daquela tentação
e nos põe em contacto com a fonte de toda a inteli
gência. Daí que a sabedoria desça aos nossos cora
ções. Tiago diz simplesmente: “Se, porém, algum de
vós necessita de sabedoria, peça-a Deus, que a todos
dá liberalmente” (Tiago 1:5).
Grandes praticantes da oração no passado ilus
traram o poder dessa força. A Bíblia admite viva
mente que os grandes profetas tinham desejos, pai
xões e impulsos idênticos aos nossos. Contudo, pelo
poder da prece foram capazes de canalizar esses
impulsos para os desígnios supremos de Deus.
O mundo é muito melhor por terem eles feito isso.
A oração funciona e é praticamente um recurso ines
gotável para uma vida forte e confiante.
Enchei-vos do Espírito. Paulo nos dá uma daque
las verdades sensatas com tamanha simplicidade que
Prisioneiro voluntário 167
nos surpreende. Ele diz simplesmente: “E não vos
embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas
enchei-vos do Espírito” (Efésios 5 :18). Como o
vinho intoxicante tem domínio sobre um corpo,
assim o Espírito nos domina quando nos enchemos
dele. Paulo acreditava e pregava que quando al
guém está assim absorvido pelo Espírito, é domi
nado por uma força maior do que ele mesmo. Em
outros termos, há um plano superior de vida para
aquele que está impregnado pela presença contínua
de Deus através do seu Espírito que nele hebita. Mais
do que autocontrole, isso se toma controle de Cristo.
Como todos nós temos experimentado, este é o
único meio de nos elevarmos acima de nossas pró
prias naturezas.
Saindo do fosso
Grande parte de nossa felicidade ou infelicidade
depende de nossa habilidade em manobrar a tenta
ção, ao invés de sermos manobrados por ela. Robert
Louis Stevenson disse: “Estamos condenados a al
guma nobreza” , ao passo que a Bíblia diz: “O Salário
do pecado é a morte.” Deus nos criou com a habili
dade e desejo tendentes à grandeza e nobreza. S e
sufocamos esses impulsos, nossas vidas ficam des
troçadas e dissipadas. S e cultivamos essa nobreza
passamos do reino da animalidade pará um mais
próximo da divindade.
Jesus certa vez contou a história de um rapaz que
se embebeu dessas duas naturezas. O filho pródigo
caiu do topo ao fundo do fosso e por fim atingiu de
168 Fruto d o Espírito
novo o topo. Há quem chore ao ler sobre o grande
perdão do pai e a profunda vergonha do filho. Em
todo o relato há certa nota de tristeza quando pen
samos numa vida jovem tão malbaratada e inútil.
Então, Cristo fala do irmão mais velho e de sua
reação errada. Após censurar essa sua atitude, o pai
fala palavras que ressoam vibrantes séculos afora.
Talvez, como ele, tenhamos achado que nunca
realmente podíamos apreciar o perdão de Cristo até
que, como o filho pródigo, comamos as alfarrobas
dos porcos ou quem sabe, sintamos que somos inca
pazes de apreciar nossa bondade. Como quer que
seja, as palavras repassadas de bondade do pai são
calorosas e sublimes. Ele diz ao mais velho:
— Meu filho, tu sempre estás comigo; tudo o que é
meu é teu.
O pai percebeu que, embora ele tenha perdoado o
pródigo, ele nunca perdoaria a si próprio. Sempre
haveria períodos de profundo pesar por ter ele desa
pontado o pai e todos da casa. O pai lembra ao mais
velho: “Tu estás sempre comigo.” Em outras pala
vras, ele não teria momentos de remorso e pode
ría manter sempre a cabeça erguida. Era necessária
uma festa para demonstrar ao mais moço que estava
perdoado, mas não para o mais velho. O pai só lhe
disse: “Tudo que é meu é teu.”
Não é necessariamente verdade que o mais deso
bediente seja o mais agradecido. Por conseguinte,
recusando-nos a levar uma vida indisciplinada evi
tamos muitas dores e mágoas profundas. A colheita
de pecados ainda ocorre muito depois de Cristo nos
Prisioneiro voluntário 169
perdoar, e por isso é tão importante aprender a viver
sob domínio próprio e sermos fiéis ao Cristo desde a
mocidade. Paulo diz que o fruto do Espírito é domí
nio próprio.
Nunca houve uma época de necessidade de auto
domínio como esta em que vivemos. Nossa socie
dade semeou o vento e está colhendo a tempestade.
Uma pesquisa do Senado norte-americano mostrou
recentemente que cerca de dois e meio milhões de
crianças entre as idades de 10 a 17 anos já têm
passagem registrada na polícia. Acrescente-se a isso
que 85% de todos os nossos criminosos têm menos
de 2 5 anos. Para nossa sociedade há uma resposta.
Se vivermos uma vida temperada e inspirarmos nos
sos filhos a fazer o mesmo, nosso mundo pode
mudar. O excesso exige mais excesso e só a disci
plina do espírito pode quebrar o círculo de egoísmo.
O escritor do Eclesiastes experimentou todos os ex
cessos da vida e mesmo assim nos seus momentos
finais recomenda: “Lembra-te do teu Criador nos
dias da tua mocidade, antes que venham os maus
dias e cheguem os anos dos quais dirás: Não tenho
neles prazer” (Eclesiastes 12:1).
Shakespeare disse: “Há uma maré nos negócios
dos homens, que tomada na cheia, leva à fortuna; se
esquecida, todo o curso de suas vidas está ligado a
trivialidades e misérias: e devemos aproveitar a cor
rente enquanto serve, ou perder a fortuna.” O que é
verdade para os indivíduos aplica-se também às na
ções. Estamos aterrorizados com a devassidão que
assola nossas cidades e a violência que destroça
170 Fruto d o Espírito
nossos lares. A maré do autodomínio agora está em
alta e para nossa sobrevivên cia devem os
aproveitá-la. O fruto do Espírito é domínio próprio.
O domínio próprio parece ser o último e mais
elevado fruto do Espírito. Viva no espírito destes
versos grandiosos!