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D.JOÃO
E S C R I T O P O R F E R N Ã O L O P E S
Contexto Histórico
Quanto à sua obra, são da sua autoria as
crónicas referentes aos reinados de D.
Pedro, D. Fernando e D. João I. A
Crónica de D. João I é considerada a
crónica medieval portuguesa mais
importante, quer pelos acontecimentos
que relata, quer pela qualidade literária
da sua prosa. Foi publicada pela ATORES INDIVIDUAIS
primeira vez em 1644, e encontra-se E COLETIVOS
dividida em duas partes: • Mestre de Avis – um homem que se mostra
• a primeira ocupa-se do espaço de receoso, no seguimento do assassinato do
tempo desde a morte de D. Fernando conde Andeiro; um homem acarinhado e
até à eleição de D. João I; apoiado pelo povo de Lisboa; um líder
• a segunda relata o reinado deste resoluto, mas também solidário com a
monarca até à paz com Castela, em 1411 população, aquando do cerco à cidade;
Escrita durante o reinado de D. Duarte, • Álvaro Pais – o burguês que espalha pelas
a Crónica de D. João I é, na realidade, ruas de Lisboa que estão a matar o Mestre,
uma legitimação da nova dinastia, a influenciando o povo a correr em seu auxílio;
dinastia de Avis, iniciada após o • D. Leonor Teles – a mulher que gera ódios na
período conturbado de interregno na população e que é apelidada de “aleivosa”
monarquia portuguesa que vai de 1383 (traidora) (capítulo 11).
a 1385. Importa referir que essa
Todas estas figuras são apresentadas pelo
legitimação adveio da força do povo,
cronista na sua densidade psicológica, nos
habilmente “conduzido”, é certo, por
dramas, nas angústias e nos anseios e, por isso,
Álvaro Pais. Na verdade, o povo, a
ainda que muito diferentes (em termos de
chamada “arraia-miúda”, foi a força
motivações, comportamentos, atitudes),
motriz da revolução aproximamse pelo seu lado humano. Mesmo
quando o cronista foca a sua atenção nestes
atores individuais, fá-lo, porém, apenas no
sentido de os integrar num todo, na sociedade
à qual pertencem.
1º Parte
Antes da análise da 1.ª parte da Crónica
de D. João I, convém ainda salientar
uma outra preocupação de Fernão
Lopes, expressa logo no Prólogo: a
verdade objetiva. É com essa noção em RESUMO
mente que o cronista não só recolhe e
compila os registos anteriores (as
CAPITULO 11
crónicas), como inclusive pesquisa,
• O pajem do Mestre de Avis brada pelas ruas, a
confronta e recorre a documentos caminho da casa de Álvaro Pais, que matam o
originais da Torre do Tombo, de Mestre nos paços da rainha, o que leva as gentes,
cartórios, de igrejas e a diplomas para em agitação, a saírem para a rua e a pegarem
em armas.
corroborar os factos que relata. Fernão
• Álvaro Pais, que já estava preparado, dirige-se
Lopes chega mesmo a reproduzir esses
com o pajem e outros aliados para os paços,
documentos e a reconhecer a existência apelando à população para que se junte e corra
de várias versões, algumas até em auxílio do Mestre.
contraditórias. • Chegada às portas do paço, que estavam
fechadas, a multidão mostra-se ansiosa e
agitada, querendo entrar para confirmar que o
Mestre está vivo.
• Aconselhado pelos que estavam consigo e
atendendo ao alvoroço das pessoas, o Mestre
aparece à janela para apaziguar os ânimos.
Perante esta visão, a população manifesta um
“gram prazer”.
• Sentindo-se seguro, o Mestre deixa os paços e
cavalga pelas ruas em direção aos paços do
Almirante, onde se encontrava o conde D. João
Afonso, irmão da rainha.
LIGUAGEM E • Pelo caminho, o Mestre contacta com a
quando soube que o Mestre corria perigo e os Estas falas servem também para denegrir a imagem
de Leonor Teles e para fazer a apologia do futuro
seus sentimentos relativamente ao futuro
monarca (veja-se como sai ilibado de ter matado o
monarca.
conde – “Oo que mall fez! pois que matou o treedor
• A população é a protagonista deste episódio.
do Comde, que nom matou logo a alleivosa com
Assemelhando-se a um repórter que assistiu ao
elle!”).
desenrolar dos acontecimentos, Fernão Lopes • Entre a multidão (ator coletivo) destacam-se,
transmite-nos as movimentações (d’ “as porém, alguns atores individuais, nomeadamente:
gemtes”) através de sensações auditivas › pajem do Mestre – já preparado (“segumdo já era
(“dizemdo altas vozes, braadamdo pella rrua”, “e percebido”), desencadeia toda a movimentação
começamdo de fallar huũs com os outros”, posterior;
“Soarom as vozes do arroido pella çidade › Álvaro Pais – avisado pelo pajem, e também ele
ouvimdo todos braadar que matavom o pronto (“que estava prestes e armado cõ huũa
coiffa”), pegou no seu cavalo e, com os seus aliados,
Meestre”, “Alli eram ouvidos braados de
foi até ao paço, espalhando igualmente o alvoroço e
desvairadas maneiras”), mas também visuais (“se
influenciando o povo a correr em auxílio do Mestre;
moverom todos com maão armada, corremdo a
› Mestre de Avis – atua segundo o conselho dos que
pressa”, “A gemte começou de sse jumtar a elle,
o rodeiam; de início, parece ter receio da multidão;
e era tanta que era estranha cousa de veer. Nõ depois, mostra-se à janela e, sentindo-se seguro,
cabiam pellas ruas primçipaaes, e atrevessavom abandona o palácio e percorre as ruas da cidade a
logares escusos”). cavalo até aos paços do Almirante.
• Verifica-se uma concentração espacial (rua- • Quanto ao narrador, detetamos a sua subjetividade
paço-janela) que coincide com uma gradação e (“era estranha cousa de veer”, “era maravilha de
um ritmo crescentes das ações (ao apelo do veer”), a sua simpatia pelo povo e a sua defesa do
› a preparação da defesa da cidade pelo as moças sem nehuũ medo, apanhamdo pedra
Mestre de Avis, juntamente com a população pellas herdades, camtavom altas vozes”).
(“per que modo poinha em ssi guarda o • A cantiga transcrita ilustra bem o espírito de
Meestre, e as gemtes que dẽtro eram, por nom solidariedade, de entreajuda, de patriotismo e
› o esforço, a valentia, a determinação que a cidade. Aliás, a atitude dessas gentes é várias
gente de Lisboa mostrava (“e fouteza que vezes elogiada pelo narrador (“todos rrijamente
comtra elles mostravom”). corriam pera ella”, “logo os muros eram cheos,
(“Omde sabee que”), o cronista passa a relatar rrevees dos que aviam de vellar, nem tall a que
o que foi feito relativamente aos mantimentos esqueeçesse cousa do que lhe fosse
(2.º parágrafo), focando depois (a partir do 3.º emcomemdado; mas todos muito prestes a
parágrafo) a sua atenção numa outra fazer o que lhe mamdavom, de guisa que a todo
informação apresentada é bastante detalhada: coletiva, uma consciência pela defesa da cidade
chegando-se por fim às portas da cidade e ao • Mas não são só as gentes da cidade que têm
por exemplo, referências ao número de torres, o Mestre de Avis – ator individual – merece
estacas), bem como os termos técnicos sua diligência e determinação, bem como todo
associados ao campo semântico da guerra (ver o apoio que deu à população (“E hordenou o
• Porém, à medida que o cronista vai rrepartida a guarda dos muros”, “ho Meestre
descrevendo o que foi feito para proteger a que sobre todos tiinha espeçiall cuidado da
cidade, vai também mostrando os grupos guarda e governamça da çidade, damdo seu
sociais – os atores coletivos – que corpo a mui breve sono”, “boom rregimemto