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Psicologia jurídica: A criança, o adolescente e o caminho do cuidado na justiça
Psicologia jurídica: A criança, o adolescente e o caminho do cuidado na justiça
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Psicologia jurídica: A criança, o adolescente e o caminho do cuidado na justiça

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Sobre a obra Psicologia Jurídica: A Criança, o Adolescente e o Caminho do Cuidado na Justiça - 2ª Ed - 2023


O livro nasceu da minha inquietude com algumas questões: da invisibilidade com que é tratada a criança e adolescente nos litígios conjugais em varas de família, apesar de o discurso ser o de proteção; do lugar de protagonistas da criança e do adolescente nos processos, e a forma como os operadores entendem isso; do equívoco que é feito sobre escuta de crianças, quando se confunde o direito a ter uma oportunidade de ser escutada com o direito de decidir; do excesso de preocupação com a prova da verdade, acabando por gerar excesso de procedimentos, morosidade e violência contra criança, pois o tempo da infância passa rápido e o tempo da Justiça não percebe isso; da falta de instrumentos inibidores do atuar dos pais disfuncionais nos processos de disputa de guarda, que oprimem os filhos e os obriga a escolher um dos lados; dos abusos psicológicos e morais contra os filhos, que ficam à mercê dos pais que demandam à Justiça, que por sua vez entende que não é papel dela decidir algumas questões, e dá aos pais autoridade para decidirem, sendo que eles não estão aptos a decidir, porque estão raivosos, tristes, inseridos na lógica adversarial. Resultado: filhos partidos ao meio e invisibilizados.

O formato do livro surgiu da ideia de que existe um caminho percorrido na Justiça, tanto por parte dos profissionais, como por parte do jurisdicionado. Esse foi o ponto de partida para que cada capítulo tivesse um tema e o seguinte formato: divagação sobre o tema, caminho percorrido enquanto profissional, diálogo entre minhas ideias e a teoria e caso clínico, que ilustra a experiência da criança ou do adolescente envolvido em processo judicial sobre temas diversos.

A leitura é uma trajetória da criança na Justiça, passando pela escuta, pelas avaliações, vivenciando momentos difíceis em que os pais se tornam vingativos e usam os filhos como objeto de vingança, percorrendo outros caminhos de quando ainda há disputa, mas a disputa não é usando o filho como vingança, mas por querer pertencer à história do filho, como são as ações de paternidade socioafetiva. Tratei também do tema dos falsos abusos, das falsas memórias, pela frequência com que aparecem nos processos judiciais envolvendo crianças e adolescentes, onde vemos diariamente pais e mães órfãos de filhos vivos, porque perderam seus filhos, o tempo do processo os afastou definitivamente. O final do caminho é o resgate: é a tentativa de o Poder Judiciário retomar o vínculo afetivo entre pais e filhos, que foi perdido ao longo do processo judicial. E foi esse o primeiro artigo que escrevi, em 2010, quando tratei da Reconstrução de Vínculos Afetivos pelo Poder Judiciário, porque desde sempre acreditei que o caminho da Justiça é o da reconstrução de laços, é o da cura.

A autora.
LanguagePortuguês
PublisherEditora Foco
Release dateMay 5, 2023
ISBN9786555157703
Psicologia jurídica: A criança, o adolescente e o caminho do cuidado na justiça

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    Psicologia jurídica - Glicia Barbosa de Mattos Brazil

    Psicologia jurídica a criança, o adolescente e o caminho do cuidado na justiça trajetória nas avaliações psicológicas nas Varas de Família e Criminal. Autor Glicia Barbosa de Mattos. Editora Foco.

    Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD

    B827p Brazil, Glicia Barbosa de Mattos

    Psicologia jurídica: a criança, o adolescente e o caminho do cuidado na justiça [recurso eletrônico]: a trajetória nas avaliações psicológicas nas Varas de Família e Criminal / Glicia Barbosa de Mattos Brazil. - 2. ed. - Indaiatuba, SP : Editora Foco, 2023.

    264 p. ; ePUB.

    Inclui bibliografia e índice.

    ISBN: 978-65-5515-770-3 (Ebook)

    1. Direito. 2. Psicologia jurídica. 3. Criança. 4. Adolescente. I. Título.

    2023-890

    CDD 347

    CDU 347

    Elaborado por Vagner Rodolfo da Silva - CRB-8/9410

    Índices para Catálogo Sistemático:

    1. Direito civil 347

    2. Direito civil 347

    Psicologia jurídica a criança, o adolescente e o caminho do cuidado na justiça trajetória nas avaliações psicológicas nas Varas de Família e Criminal. Autor Glicia Barbosa de Mattos. Editora Foco.

    2023 © Editora Foco

    Autora: Glicia Barbosa de Mattos Brazil

    Diretor Acadêmico: Leonardo Pereira

    Editor: Roberta Densa

    Assistente Editorial: Paula Morishita

    Revisora Sênior: Georgia Renata Dias

    Revisora: Simone Dias

    Capa Criação: Cláudio Ventura

    Diagramação: Ladislau Lima e Aparecida Lima

    Produção ePub: Booknando

    DIREITOS AUTORAIS: É proibida a reprodução parcial ou total desta publicação, por qualquer forma ou meio, sem a prévia autorização da Editora FOCO, com exceção do teor das questões de concursos públicos que, por serem atos oficiais, não são protegidas como Direitos Autorais, na forma do Artigo 8º, IV, da Lei 9.610/1998. Referida vedação se estende às características gráficas da obra e sua editoração. A punição para a violação dos Direitos Autorais é crime previsto no Artigo 184 do Código Penal e as sanções civis às violações dos Direitos Autorais estão previstas nos Artigos 101 a 110 da Lei 9.610/1998. Os comentários das questões são de responsabilidade dos autores.

    NOTAS DA EDITORA:

    Atualizações e erratas: A presente obra é vendida como está, atualizada até a data do seu fechamento, informação que consta na página II do livro. Havendo a publicação de legislação de suma relevância, a editora, de forma discricionária, se empenhará em disponibilizar atualização futura.

    Erratas: A Editora se compromete a disponibilizar no site www.editorafoco.com.br, na seção Atualizações, eventuais erratas por razões de erros técnicos ou de conteúdo. Solicitamos, outrossim, que o leitor faça a gentileza de colaborar com a perfeição da obra, comunicando eventual erro encontrado por meio de mensagem para contato@editorafoco.com.br. O acesso será disponibilizado durante a vigência da edição da obra.

    Data de Fechamento (04.2023)

    2023

    Todos os direitos reservados à

    Editora Foco Jurídico Ltda.

    Avenida Itororó, 348 – Sala 05 – Cidade Nova

    CEP 13334-050 – Indaiatuba – SP

    E-mail: contato@editorafoco.com.br

    www.editorafoco.com.br

    Sumário

    Capa

    Ficha catalográfica

    Folha de rosto

    Créditos

    AGRADECIMENTOS

    DEDICATÓRIA

    NOTA DA AUTORA À 2ª EDIÇÃO

    CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL DO PSICÓLOGO – RESOLUÇÃO 010/2005

    APRESENTAÇÃO

    PREFÁCIO

    PARTE I

    O LUGAR DA CRIANÇA NO TRIBUNAL

    CAPÍTULO 1 – ESCUTA DE CRIANÇA E PROVA DA VERDADE JUDICIAL

    Caminho percorrido

    Escuta de criança e adolescente e prova da verdade judicial1

    Caso clínico

    CAPÍTULO 2 – GUARDA E AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA

    Caminho percorrido

    Avaliação psicológica nas ações de guarda1

    Caso clínico

    CAPÍTULO 3 – GUARDA COMPARTILHADA QUANDO OS PAIS NÃO SE FALAM

    Caminho percorrido

    Guarda compartilhada quando os pais não se falam

    Caso clínico

    CAPÍTULO 4 – DEPOIMENTO ESPECIAL E RISCOS: QUANDO E COMO OUVIR?

    Caminho percorrido

    Por que não à alienação parental no depoimento especial?

    Caso clinico

    PARTE II

    ENQUANTO O AMOR VIVE

    CAPÍTULO 1– EFEITO PSICOLÓGICO DE DUAS RESIDÊNCIAS

    Caminho percorrido

    Quais os efeitos psicológicos, para as crianças, na fixação de duas casas?

    Caso clínico

    CAPÍTULO 2 – CONVÍVIO VIRTUAL

    Caminho percorrido

    Efeitos do convívio virtual para o vínculo de afeto dos vulneráveis

    Caso clinico

    CAPÍTULO 3 – PATERNIDADE SOCIOAFETIVA

    Caminho percorrido

    O genitor proibido

    Caso clínico

    PARTE III

    QUANDO O AMOR MORRE

    PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A NOVA LEI DA ALIENAÇÃO PARENTAL

    CAPÍTULO 1 – SINAIS E SINTOMAS DA ALIENAÇÃO PARENTAL

    Caminho percorrido

    Sinais e sintomas da alienação parental

    Caso clínico

    CAPÍTULO 2 – QUANDO A ALIENAÇÃO VINGA OU NÃO VINGA

    Caminho percorrido

    Quando a alienação parental vinga ou não vinga

    Caso clínico

    CAPÍTULO 3 – QUANDO A ALIENAÇÃO PARENTAL GERA AUTOALIENAÇÃO

    Caminho percorrido

    Filhos desmentidos e invisíveis: quando a alienação parental como defesa gera autoalienação parental

    Caso clínico

    CAPÍTULO 4 – FALSAS MEMÓRIAS E ALIENAÇÃO PARENTAL

    Caminho percorrido

    Alienação parental e falsas memórias

    Caso clínico

    CAPÍTULO 5 – O CRIME COMPENSA

    Caminho percorrido

    Denúncias de falso abuso sexual intrafamiliar: esse crime compensa?

    Caso clínico

    PARTE IV

    QUANDO O TRIBUNAL PRECISA AGIR PARA GARANTIR

    À CRIANÇA UM LUGAR DE CRIANÇA

    CAPÍTULO 1 – PAIS TÓXICOS

    Caminho percorrido

    Pais tóxicos e necessidade de afastamento judicial para proteção dos filhos: primeiras notas sobre efeitos terapêuticos do não convívio

    Caso clínico

    CAPÍTULO 2 – INVERSÃO DA GUARDA

    Caminho percorrido

    Efetivação da decisão de inversão de guarda com fundamento na alienação parental

    Caso clínico

    CAPÍTULO 3 – MANDA QUEM NÃO PODE E OBEDECE QUEM TEM JUÍZO

    CAPÍTULO 4 – A RECONSTRUÇÃO DOS VÍNCULOS PELO PODER JUDICIÁRIO

    Caminho percorrido

    A reconstrução dos vínculos afetivos pelo judiciário

    Caso clínico

    ANEXOS

    REFERÊNCIAS

    Pontos de referência

    Capa

    Sumário

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço à Lelê, Letícia Costa parceira de todas as horas, pela ajuda em concretizar o sonho do livro e pelo incentivo diário na etapa final.

    Às famílias atendidas por mim, que me ensinaram a ter empatia e compaixão pela dor do conflito.

    Às crianças e adolescentes que sofrem pelo litígio dos pais e têm que ir à Justiça fazer a prova da verdade.

    Aos magistrados com os quais trabalho, que acreditam na importância do auxílio técnico.

    Aos advogados que percebem que o cliente é a criança que sofre.

    Aos meus colegas psicólogos, porque estar só no caminho, sem adoecer, é difícil.

    À Família Glicia, grupo de estudos que nasceu na pandemia de Covid-19 e que me estimula diariamente a permanecer no caminho.

    Às minhas irmãs, Glaucia e Gleyce, por serem presença em todas as etapas da caminhada.

    Aos meus sobrinhos Rodrigo, Bela, Dado, Enzo, Daniel, Pedro e Maria, por representarem a possibilidade de um mundo novo, diferente e melhor.

    A Deus, pela oportunidade de estar nesse lugar e ser instrumento de cura.

    DEDICATÓRIA

    Aos meus pais, Alberto e Marina, pela vida, pelo amor que recebi e por me mostrarem que o conflito faz parte do crescimento. Quando meus pais se separaram, vivi um luto por muitos anos. Hoje, sem essa dor eu não poderia escutar as famílias sem a mesma capacidade de compreendê-las.

    Aos meus sogros Carlos Brazil e Pilar, pelo acolhimento de filha e por me mostrarem que as famílias não são perfeitas. Quando iniciei o convívio com meus sogros, eles pareciam ser um casal perfeito e me acolheram como filha. Com o convívio, fui percebendo que projetei neles a minha necessidade de família perfeita, justamente pelos meus pais terem se separado. Com o tempo vi, que mesmo juntos, uma família tem dificuldades e sou grata a eles por terem permitido meu crescimento pessoal e profissional.

    Ao meu marido, Carlos Eduardo, por caminhar de mãos dadas em todos os meus projetos profissionais, por me incentivar e por me tornar mãe do Eduardo e da Luiza.

    Aos meus filhos, Eduardo e Luiza, pelo amor incondicional e por serem filhos tão parceiros e incentivadores da mãe.

    NOTA DA AUTORA À 2ª EDIÇÃO

    Este livro foi escrito em momento de intensa dor, quando durante o isolamento gerado pela pandemia de COVID-19 a minha mãe faleceu vítima da doença e eu tive depressão. Acordava sem vontade de sair da cama e precisava de uma razão para continuar vivendo os dias sombrios e sem nenhuma perspectiva.

    Pedi ajuda para uma ex estagiária do Tribunal de Justiça, a Lelê, hoje psicóloga formada e mestranda na PUC/RJ, para que ela criasse links de reunião diariamente e me convidasse a falar algumas palavras. Eu falava e ela digitava e ao final, nós revíamos o texto. Criei esse método porque sou muito autocrítica e não queria que a minha mente me criticasse antes de concluir, porque tendo a achar que nunca o que eu escrevia estava bom o suficiente.

    O livro foi um sucesso e superou todas as minhas expectativas, principalmente, no feedback que recebo diariamente de pais e mães e familiares, pessoas leigas, mas que estão passando por uma fase de conflitos. Isso é a maior gratificação para um psicólogo: ser instrumento de intervenção, gerar para outras pessoas questionamentos que possam levar ao crescimento humano. Missão cumprida.

    Passados dois anos, chegou o momento de atualizar: alguns detalhes técnicos, grafias e acrescentar dois artigos que considero importantes: comentários à nova lei de alienação parental, que foi modificada em 18 de maio de 2022 e um outro artigo que publiquei em obra sobre Justiça Social, mas que dialoga muito com a importância de um Poder Judiciário capaz de auxiliar as famílias a se organizar, tema que abordo no último capítulo.

    Espero que o trabalho continue sendo útil e tendo a receptividade que tem, pois foi pensado com muito cuidado e carinho. Quero registrar que hoje amadureci sobre o texto nunca estar pronto: o texto é um início de um diálogo e por certo, nunca estará pronto e isso não mais me incomoda, mas ao contrário, me instiga a continuar escrevendo.

    Por fim, quero registrar o apoio da minha família, meu marido e meus filhos. Sem eles eu não teria chegado até aqui. São horas de abdicação na escrita e eles são os maiores incentivadores. Com muito amor e gratidão no coração.

    A autora.

    CÓDIGO DE ÉTICA PROFISSIONAL

    DO PSICÓLOGO – RESOLUÇÃO 010/2005

    Dos princípios fundamentais:

    I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

    II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

    III. (...)

    Eu jurei em 1992 e em 2021 novamente juro.

    Glicia Barbosa de Mattos Brazil

    APRESENTAÇÃO

    Comecei a escrever quando era criança. Tive diário, fazia redações que ganhavam prêmios na escola. Atribuo esse apreço pelas palavras à minha mãe, que era professora de redação e foi quem me ensinou a ler e a escrever e minha grande incentivadora para escrever.

    Minha mãe faleceu há poucos meses, vítima de Covid-19. A morte dela fez nascer em mim uma vontade de viver cada dia como se fosse o último. A vontade de escrever um livro era antiga, mas nunca tinha tempo para compilar os artigos, alguns que já tinham sido publicados em outros livros e revistas. Mas o desejo de deixar eternizadas as palavras foi mais forte: passei a dedicar horas das minhas manhãs para o livro. Tive dificuldade de encontrar o formato, porque tive medo. O medo era de não ser aceita, era de publicar ideias que pudessem apontar falhas na saga da criança e adolescente que vão à Justiça, e essa não é a ideia principal do livro. A ideia principal do livro é deixar um legado de aprendizado de 22 anos como Psicóloga do Poder Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: de como atender crianças e adolescentes de modo digno dentro do Tribunal de Justiça e também fora dele, onde houver processo envolvendo essa clientela. No ingresso no cargo, não tínhamos nem sala de atendimento, fazíamos os atendimentos das crianças no corredor do fórum, dentro dos gabinetes, e aos poucos fomos construindo um lugar institucional de importância e respeitabilidade e escrevendo a própria história da Psicologia Jurídica no Brasil, ciência nova e fértil para estudos e pesquisas.

    O livro nasceu da minha inquietude com algumas questões: da invisibilidade com que é tratada a criança e adolescente nos litígios conjugais em varas de família, apesar de o discurso ser o de proteção; do lugar de protagonistas da criança e do adolescente nos processos, e a forma como os operadores entendem isso; do equívoco que é feito sobre escuta de crianças, quando se confunde o direito a ter uma oportunidade de ser escutada com o direito de decidir; do excesso de preocupação com a prova da verdade, acabando por gerar excesso de procedimentos, morosidade e violência contra criança, pois o tempo da infância passa rápido e o tempo da Justiça não percebe isso; da falta de instrumentos inibidores do atuar dos pais disfuncionais nos processos de disputa de guarda, que oprimem os filhos e os obriga a escolher um dos lados; dos abusos psicológicos e morais contra os filhos, que ficam à mercê dos pais que demandam à Justiça, que por sua vez entende que não é papel dela decidir algumas questões, e dá aos pais autoridade para decidirem, sendo que eles não estão aptos a decidir, porque estão raivosos, tristes, inseridos na lógica adversarial. Resultado: filhos partidos ao meio e invisibilizados.

    O formato do livro surgiu da ideia de que existe um caminho percorrido na Justiça, tanto por parte dos profissionais, como por parte do jurisdicionado. Esse foi o ponto de partida para que cada capítulo tivesse um tema e o seguinte formato: divagação sobre o tema, caminho percorrido enquanto profissional, diálogo entre minhas ideias e a teoria e caso clínico, que ilustra a experiência da criança ou do adolescente envolvido em processo judicial sobre temas diversos.

    A leitura é uma trajetória da criança na Justiça, passando pela escuta, pelas avaliações, vivenciando momentos difíceis em que os pais se tornam vingativos e usam os filhos como objeto de vingança, percorrendo outros caminhos de quando ainda há disputa, mas a disputa não é usando o filho como vingança, mas por querer pertencer à história do filho, como são as ações de paternidade socioafetiva. Tratei também do tema dos falsos abusos, das falsas memórias, pela frequência com que aparecem nos processos judiciais envolvendo crianças e adolescentes, onde vemos diariamente pais e mães órfãos de filhos vivos, porque perderam seus filhos, o tempo do processo os afastou definitivamente. O final do caminho é o resgate: é a tentativa de o Poder Judiciário retomar o vínculo afetivo entre pais e filhos, que foi perdido ao longo do processo judicial. E foi esse o primeiro artigo que escrevi, em 2010, quando tratei da Reconstrução de Vínculos Afetivos pelo Poder Judiciário, porque desde sempre acreditei que o caminho da Justiça é o da reconstrução de laços, é o da cura.

    Quando penso no lugar do Psicólogo, penso no lugar de cura, de transformação. Se o Poder Judiciário tem um Psicólogo, é porque no Poder Judiciário também se pratica cura, sem pretensão do termo, mas na acepção de que curar é transformar, é dar lugar a outro sentimento que não o sofrimento.

    Então, o caminho do cuidado é o que nós, psicólogos, percorremos junto com a criança e adolescente na Justiça, dando suporte ao sofrimento que eles apresentam em meio aos processos, elaborando documentos que auxiliam os magistrados a decidir, orientando os pais que também estão em sofrimento e perdidos.

    A morte é a transformação da vida. E é isso que acabamos por fazer: ajudamos os pais no luto do divórcio e com isso, nascem os filhos aos olhos dos pais litigantes. Dar lugar é dar voz à criança e ao adolescente, é permitir que eles deixem de ser objeto dos pais e possam ser, de fato, sujeitos da sua história. E que a sua história seja para além da história dos pais, porque o processo judicial faz parte do caminho, mas não é o único jeito de caminhar.

    Vamos caminhando. O caminho na Justiça não é tranquilo, é demorado, muitas vezes, pesado. Mas vamos juntos, cuidando, prestando atenção em cada processo e em cada criança, sendo instrumentos de acolhimento da dor dessas crianças, que no fundo só têm um desejo: que os pais parem de brigar.

    Niterói, Inverno de 2021.

    PREFÁCIO

    Eu nunca imaginei que fosse passar por isso...

    Essa é uma das frases mais verbalizadas por aqueles que precisam do sistema de Justiça, principalmente no campo de ações litigiosas. Afinal, como pode um sentimento tão verdadeiro, único, e o anseio de uma construção de vida se transformarem em um agir tóxico, inflexível e destrutivo?

    Talvez, adentrando em mares sobre os quais não disponho de conhecimento teórico, o desejo de dilacerar o outro, custe o que custar, tenha como motor tão somente a vontade de apagar aquilo que ainda se sente. Rasgar as fotos impressas, jogar fora os presentes recebidos e deletar as marcas virtuais do outro não são eficazes para atender ao desejo de resolução instantânea do desgosto do fim do amor

    No âmbito do processo civil, designamos, há muito, os participantes do processo como partes. Em nenhuma outra área do Direito essa terminologia faz tanto sentido porque, afinal, quem está em parte não está inteiro.

    Essas partes, na trajetória do luto afetivo, infelizmente, a luta pode parecer a melhor alternativa. Na batalha dos sentimentos, a culpabilização do outro que, invariavelmente, pode denotar apenas a falta de autorresponsabilização, passa a ocupar também o espaço da parentalidade.

    Nessa doentia disputa, desviando-se daquilo que se espera em relação à pessoa a quem se ama, os filhos são usados como telefones sem fio, cobradores de dívidas, e, muitas vezes, são forçados a escolher um lado em um conflito de lealdade cujas marcas perdurarão.

    A prática da alienação parental, impulsionada pelo âmago destrutivo que independe de gêneros, acaba sendo uma patologia do amor, pois mantém um discurso aparentemente protetivo e apenas mascara um ascendente com sede: a de vingança.

    Nesse verdadeiro campo minado que se materializa em processo nas Varas de Família é que o saber interdisciplinar se faz imperioso, fornecendo às famílias em litígio uma oportunidade única a quem a Constituição Federal destina proteção especial.

    Dessa forma, revelam-se a pertinência e o preciosismo da presente obra, A criança e o adolescente e o caminho do cuidado na Justiça, escrita pela sabedoria de quem desfruta de dois saberes, a Psicologia e o Direito. Há mais de vinte anos, a autora contribui, de forma efetiva, à infância – não apenas em sua brilhante trajetória no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, mas também junto às famílias de todo Brasil, a partir de seu reconhecimento como um dos maiores nomes da atualidade na área.

    Feliz em testemunhar, nesse caminho do cuidado proposto por Glicia Brazil, um olhar com o objetivo de afastar a lógica adultocêntrica, sendo a Psicologia, ao lado do Serviço Social e da Psiquiatria, os timoneiros de um barco cujo destino é o melhor interesse do filho.

    Porto Alegre, em uma noite fria de inverno e com o coração quente de participar deste momento.

    Conrado Paulino da Rosa

    Pós-Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Serviço Social – PUCRS. Mestre em Direito pela UNISC, com a defesa realizada perante a Università Degli Studi di Napoli Federico II, na Itália. Professor da Graduação e do Mestrado em Direito da Faculdade do Ministério Público – FMP, em Porto Alegre, onde coordena os cursos de Pós-graduação presencial e EAD em Direito de Família e Sucessões. Presidente da Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões da OAB/RS. Membro da Diretoria Executiva do IBDFAM-RS. Professor do Meu Curso, em São Paulo. Autor de obras sobre direito de família e sucessões. Advogado.

    www.conradopaulinoadv.com.br

    contato@conradopaulinoadv.com.br

    conrado_paulino

    PARTE I

    O LUGAR DA CRIANÇA NO TRIBUNAL

    Capítulo 1

    ESCUTA DE CRIANÇA

    E PROVA DA VERDADE JUDICIAL

    Pede para os meus pais pararem de brigar.

    Fala de uma menina de seis anos de idade ao final de um atendimento, em sede de Perícia Psicológica.

    Caminho percorrido

    Escuta de criança e adolescente

    e prova da verdade judicial

    ¹

    A criança precisa, principalmente, de um interlocutor que não a leve tão a sério e que compreenda o clima afetivo do qual emanam suas afirmações e sua ação. O que a criança diz nem sempre deve ser tomado à primeira vista. Cabe decodificar o desejo por detrás dos seus ditos².

    Françoise Dolto

    1. INTRODUÇÃO

    O presente trabalho pretende discutir questões pertinentes à escuta de crianças e adolescentes pelo Poder Judiciário, questionando os equívocos a que chegou o sistema de justiça ao colocar a criança e adolescente numa posição de protagonista do Sistema de Garantia de Direitos, onde a palavra da criança é tida como ‘a verdade judicial’ e em nome de respeito à dignidade da criança e adolescente enquanto uma pessoa de direitos, decisões judiciais são tomadas equivocadamente quando a palavra da criança passa a ter o poder de decisão de um processo judicial.

    Critica-se o uso que se faz desse direito da criança e do adolescente pelos operadores de direito, que muitas vezes confundem direito da oportunidade de ser ouvido e de expressar opiniões com o direito/dever de decidir. Quando a criança e/ou os operadores passam a entender que é a criança quem decide o processo, tomando-se em conta a declaração literal presumidamente ausente de vício de manifestação, se está diante de um sistema que deveria ser garantidor e protetor da criança, resguardando-a das pressões e da responsabilidade das decisões, para um sistema que passou a não mais cumprir o seu papel de resguardar e perverteu a lógica da proteção.

    2. BREVE CENÁRIO HISTÓRICO

    Evoluiu-se, desde as civilizações antigas, de um cenário onde a criança era objeto do pai, que detinha o controle da família, sem que houvesse na família preocupação com os laços afetivos, para um momento do Brasil-Colônia em que a criança passou a ser objeto dos jesuítas, que encontraram dificuldades para educar os índios e passaram a educar os filhos para que esses educassem seus pais à nova ordem moral. O início do período republicano foi marcado pelo nascimento da política de atendimento, mas numa ótica de extirpar os males sociais em medidas de caridade ou higienistas³, que pretendiam extirpar os males sociais, tendo sido criadas entidades assistenciais de caridade ainda aqui com a visão de segregar os órfãos e delinquentes – o pensamento social oscilava entre assegurar direitos ou se defender dos menores. Nesse contexto, nasceu em 1926 o Código de Menores no Brasil, onde a família era responsável por suprir as necessidades básicas das crianças e ao Estado-Juiz incumbia uma autoridade centralizadora, controladora e protecionista sobre a infância pobre. O conceito estigmatizante Menor acompanhou toda o período menorista, marcado com internações com quebra de vínculos familiares, com o objetivo de recuperar o menor.

    A Constituição Federal de 1988 trouxe importante mudança de paradigma, foi fruto de movimentos sociais nacionais e internacionais de resgate de infância e juventude como fases do desenvolvimento que deveriam ser tratadas com especificidades, tendo-se em vista as peculiaridades de cada fase, numa ótica não mais segregatória – evoluiu-se para um modelo garantidor da dignidade da pessoa humana e da criança e adolescente com tratamento diferenciado e priorizado. Diz o artigo 227 da Constituição da República Federativa do Brasil:

    Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

    Nessa esteira de evolução, nasceu o Estatuto da Criança e do Adolescente, não apenas uma lei, mas um microssistema que cuida de efetivar os direitos e implantar o sistema de garantias da área da infância e juventude, rompendo com o sistema anterior da Doutrina da Situação Irregular, de caráter filantrópico e assistencial e implantando-se em seu lugar, a Doutrina da Proteção Integral. Segundo nos ensina o professor Paulo Lepore

    O artigo 1º do Estatuto adota expressamente a doutrina da proteção integral. Essa opção do legislador fundou-se na interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais que elevaram ao nível máximo de validade e eficácia as normas referentes às crianças e aos adolescentes e que, por sua vez, foram inspirados nas normas internacionais de direitos humanos, tais como a Declaração Universal de Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos da Criança e a Convenção sobre os Direitos da Criança. [...] O princípio da proteção integral consubstancia o modelo de tratamento da matéria relacionada à infância e juventude. Contrapõe-se ao modelo da situação irregular, antes vigente, e que tinha como fonte formal o Código de Menores de 1979. Porém, como se demonstrou, a proteção integral vai muito além de ser mera adaptação legislativa, para ser, em essência, um critério assecuratório entre o discurso protetivo presente dos valores humanos e as atitudes atuais dos construtores sociais. Não implica a proteção mera proteção ao todo custo, mas sim, na consideração se serem a criança e ao adolescente sujeitos de direitos, devendo as políticas públicas contemplar essa situação, proporcionando o reequilíbrio existente pela condição se serem pessoas em desenvolvimento, o que deverá ser levado em consideração na interpretação do Estatuto.

    Destaca-se que a Convenção dos Direitos da Criança, Decreto 99.710 promulgado em 21 de novembro de 1990, trouxe expressamente o direito de escuta da criança, nas decisões que lhe dissessem respeito:

    Artigo 12

    1. Os Estados-partes assegurarão à criança, que for capaz de formar seus próprios pontos de vista, o direito de exprimir suas opiniões livremente sobre todas as matérias atinentes à criança, levando devidamente em conta essas opiniões em função da idade e maturidade da criança. (grifado)

    2. Para esse fim, à criança será, em particular, dada a oportunidade de ser ouvida em qualquer procedimento judicial ou administrativo que lhe diga respeito, diretamente ou através de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais do direito nacional. (grifado)

    É nesse panorama de evolução histórica que a criança e adolescente hoje assumem o lugar de protagonistas das questões relacionadas à infância e juventude, com direito a se expressarem livremente.

    3. MECANISMOS DE ESCUTA DE CRIANÇAS PELOS TRIBUNAIS

    Basicamente, o Poder Judiciário dispõe hoje de quatro modos de ouvir a criança:

    a) em sala de audiência presidida pelo Juiz, perguntas encaminhadas pelas partes e feitas pelo Juiz, presentes todos os operadores (prevalece em todo o país);

    b) em sala de audiências presidida pelo Juiz com o auxílio de um especialista, especificamente nas hipóteses de alienação parental ou abuso sexual (art. 699 CPC);

    c) através do psicólogo, na sala do psicólogo do juízo, em avaliação psicológica, procedimento que abrange a escuta da criança e dos membros da família, sendo elaborado laudo ao final das entrevistas. Aqui vigora o princípio da autonomia técnica do psicólogo, onde ele escolhe o método de perícia, e elabora laudo de acordo com as regras da profissão, sendo obrigado a constar do laudo quais instrumentos utilizados e a razão – Resolução 07/2003 do Conselho Federal de Psicologia e outras, disponíveis em site oficial;

    d) em sala adequada, presentes a criança e o técnico facilitador, habilitado em técnica de depoimento regulada pela Lei 13.431/2017, artigo 8º, denominada Depoimento Especial – Art. 8º Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária. A prática é projeto estratégico do Conselho Nacional de Justiça desde a Recomendação 33/2010, e fundamenta-se na necessidade de uma escuta acolhedora e diferenciada da escuta do adulto. Em sala reservada, conectada na sala de audiências por vídeo e áudio, o técnico capacitado (dispensa-se qualificação profissional, apenas que seja capacitado) conversa com a criança ou adolescente vítima, nas hipóteses de crime ou violência reguladas pela Lei 12.341 – física, psicológica (bullying, alienação parental, exposição a crime), sexual (abuso sexual e exploração sexual), institucional. O procedimento viabiliza o contraditório em tempo real, onde as perguntas são encaminhadas pelo juiz por ponto eletrônico utilizado pelo técnico capacitado, sendo que o Juiz está na sala de audiências com os demais operadores. Idealmente, perguntas somente após a entrevista do técnico com a criança. O procedimento foi regulado recentemente, mas já era prática adotada por alguns tribunais do país, denominado de Depoimento Sem Dano. A adoção desse formato de entrevista de crianças sempre foi polêmica, tendo em vista opiniões no sentido de que se trata de método inquisitorial, incompatível com a prática da escuta psicológica:

    Há consenso entre os que repudiam e os que defendem a criação de

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