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Literatura Brasileira

Poética
Material Teórico
A Poesia de Castro Alves e de Jorge de Lima: A Temática Afro-
Brasileira

Responsável pelo Conteúdo:


Profa. Ms. Helba Carvalho

Revisão Textual:
Profa. Ms Malu Rangel
A Poesia de Castro Alves e de Jorge de
Lima: A Temática Afro-Brasileira

• O Romantismo e seu contexto

• A Procura Romântica por uma Literatura Nacional

·· Seja bem-vindo à unidade A poesia de Castro Alves e de


Jorge de Lima da disciplina Literatura Brasileira: Poética.
Nesta unidade, faremos uma reflexão sobre a representação
do escravo negro na poesia romântica de Castro Alves e na
poesia modernista de Jorge de Lima no contexto brasileiro.
Além disso, discutiremos as características principais da
época, envolvendo as questões sociais, ideológicas, históricas
e literárias presentes no século XIX em comparação com a
poesia de Jorge de Lima, do século XX.

Atenção
Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar as
atividades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma.

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Unidade: A Poesia de Castro Alves e de Jorge de Lima: A Temática Afro-Brasileira

Contextualização

Após nossos estudos sobre o negro africano, notem que temos duas visões de poetas de
tempos e épocas diferentes. Castro Alves busca apresentar o negro de forma idealizada. Jorge
de Lima quer contar e denunciar os maus-tratos contra os negros, porém procura enfatizar a
gratidão e respeito pela contribuição afro descendente para a formação de nossa cultura.
Pensando nisso em nossa atualidade, como o Brasil demonstra esta gratidão pelo povo negro,
e de que maneira percebemos que sua cultura realmente foi e está sendo valorizada?

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O Romantismo e seu contexto

Vamos nos deter agora em breves comentários sobre o Arcadismo, período que consistiu na
busca do natural e simples com esquemas rítmicos graciosos, que se ajustam a temas bucólicos
nas quais o homem encontra harmonia e equilíbrio na Natureza. Você pode se perguntar: “por
que essa retomada de ideias do Arcadismo? “”.
Entendam que o período romântico que vamos estudar, na primeira metade do século XIX,
se estabelece a partir de uma organização e formação com base nos princípios europeus, pois
escritores e artistas bebiam nas fontes europeias e por isso adotavam o estilo do outro. Vamos
refletir um pouco sobre o contexto histórico da Europa e do Brasil recém-independente de
Portugal para captarmos a realidade de cada um.
Na Europa, nos séculos XVIII e XIX, encerramos com a derrota de Napoleão Bonaparte,
que buscava criar uma grande Europa sob o domínio francês. Esse período é marcado pela
ascensão da burguesia e a queda do regime absolutista. No restante da Europa, presenciamos
a Revolução Industrial, momento esse das construções de fábricas e a formação de uma nova
classe: a operária. Nessa nova estrutura industrial, surgem duas classes opostas: burgueses
(donos de fábricas) e os operários.
Enquanto no Brasil, a realidade era outra, não de batalhas por conquistas de terras e poder,
mas uma luta pela liberdade. Em 1822, o Brasil conquista sua independência e nasce o desejo
de encontrar uma identidade própria, sem a influência de Portugal e dos modelos europeus.
Já percebemos, em estudos anteriores, que cada fase literária guarda traços inerentes à sua
época: transformação histórica, política, social, econômica, cultural e linguística. Além disso,
algumas ideias transpassam de um período a outro, criando um encadeamento de ideias no
período literário posterior. Logo, o Romantismo também carrega marcas de períodos anteriores
a ele, como já citamos, porém as temáticas abordadas nos poemas são observadas por outra
perspectiva, sentimento e emoção.
Encontramos, aqui, um momento literário no qual os poetas e escritores procuram expressar
a consciência nacional do país, com homens livres que buscam sua identidade e guardam seus
valores e particularidades, até, então, reprimidos pela colônia portuguesa e, agora, conquistados
pela Independência do Brasil.
Segundo Roncari (2005, p.277-78), no Romantismo, escritores, poetas e pintores revelam
uma literatura brasileira sem tantas influências da cultura europeia e buscam uma literatura
nacional “pura”. A missão do Romantismo é trazer essa nacionalidade, a identidade e as
particularidades de cada nação e região, cada qual com sua realidade e, não mais inspirar-se
nos modelos clássicos europeus. Assim, pastores, pastoras, musas, ninfas, deuses e deusas,
personagens idealizadas em um molde europeu, concebem lugar às personagens e aos eu-líricos
inspirados na figura e paisagem da terra natal. No Brasil, a figura do índio, do negro, do escravo
e do mulato no Romantismo são partes integrantes e fixadas em uma paisagem ora rústica,
ora selvagem, ora urbana, mas sempre brasileira. O poeta, agora, deseja revelar ao mundo as
peculiaridades de cada região dessa nação livre e jovem, que se difere das outras na língua e
cultura indígena e na própria mistura de raças.

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Unidade: A Poesia de Castro Alves e de Jorge de Lima: A Temática Afro-Brasileira

Observem que na poesia romântica brasileira ressalta-se a presença de índios (as), negros(as)
e mestiços, que para o poeta são figuras que merecem estar presentes no espaço literário, não mais
como sinônimos de exclusão, inferioridade, preconceito e descaso, mas como parte integrante
da formação da sociedade brasileira e fazem parte da construção desse “novo mundo”.
Para Roncari (2005, p.281), o Romantismo deseja romper com o passado colonial impregnado
com marcas e tradições da Europa. Para cada região, poetas e escritores tentam consolidar as
características e peculiaridades de cada lugar: “Esse envolvimento com os problemas do tempo e
da nação deu à literatura brasileira uma capacidade de descobrir e revelar o país nos seus contrastes,
diferenças sociais e regionais, culturais, religiosas e políticas. (RONCARI, 2005, p.284).”
Dando sequência à reflexão, lembremos que no período do Arcadismo, o poeta apresenta
regiões campestres que remetem a imagens da Grécia antiga, onde pastores e pastoras viviam
em harmonia, paz e equilíbrio. Agora, no Romantismo essa indefinição temporal e abstrata
muda de perspectiva: os personagens, o eu-lírico, o espaço concreto (cidade e campo), tempo
e ambientação se concretizam através dos costumes de cada região. Conforme Roncari (2005,
p.284), o escritor torna-se um grande observador para depois concretizar sua obra. Logo,
romances e poesias representam os sentimentos e realidades de uma nação jovem que começa
a construir uma história.
Nesse período, o escritor busca não só expressar os problemas como também procura
soluções. Alguns eram radicais quanto às soluções dos problemas, fossem eles sociais ou
políticos, conferindo sua crítica e criando, muitas vezes, um desconforto para o público leitor.
Por isso, muito dos escritos literários são como documentos históricos que relatam em detalhes
a vida da população brasileira, desde os povos indígenas até a aristocracia e por intermédio
desses textos podemos reconstruir e pensar a realidade brasileira da época.

“Romantismo (...) seus escritos(...) constituem as primeiras tentativas de


pensar e representar o país como um todo, como um organismo social
e cultural específico, fruto de tradições e lutas.(...)a preocupação com a
organização social e institucional e a disposição para participar de suas
soluções.(RONCARI, 2005, p.285)

A partir dessas exposições, como podemos, então, definir o Romantismo?


Para Roncari (2005, p.285-286), conceituar o Romantismo é algo bastante problemático,
pois esse movimento realiza uma ruptura com a tradição literária, além de introduzir uma
variedade temática: o individualismo, a morte, o sofrimento, a solidão, religião, valorização da
terra natal, nacionalismo e a exaltação do amor. Devido a essa diversidade, a conceituação é
bastante delicada. Percebam que o Romantismo não se resume em sentimentos e emoções,
mas expressa características que marcam o homem da época, suas crenças, seus valores éticos,
sua cultura e costumes, enfim, o romântico procura expressar o ser e o meio na sua totalidade.
Assim, podemos concluir que esse período está ligado a emoções e sentimentos amorosos, a
construção e organização da nacionalidade e identidade até, então, desconhecida, pois como
colônia de Portugal, o Brasil absorveu a cultura do “outro”, os portugueses, e a necessidade de
despertar no povo brasileiro o amor pela terra natal.

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Vejam como o Romantismo é extenso e se concretiza por meio de várias vertentes e
pensamentos. Acrescento que, não podemos nos perder no momento histórico e social da
Europa e Brasil, pois são completamente opostos e com problemáticas diferentes.
Observem que o país sai de um regime colonial, mas convive com o regime escravista.
Devido a isso, escritores e poetas tinham de aproveitar os elementos nacionais e criar uma
“nova poesia” com conteúdo e temática brasileiros e mostrar a importância de construirmos
uma nação independente, valorizar a nossa beleza natural, os índios, negros e mestiços, além
de manifestar as injustiças políticas e, principalmente, as atrocidades cometidas contra negros e
índios. Nasce um forte sentimento de patriotismo, que se concentra em torno da Independência
do Brasil e nos fatores que foram expostos acima.

A Procura Romântica por uma Literatura Nacional


Como foi muito bem anunciado por Antonio Candido no livro Formação da Literatura Brasileira
(1993, p.11-15), os poetas românticos exprimiam em seus escritos temas de celebração à pátria,
ao indianismo, à natureza e tentavam abranger todos os temas que se referiam à nacionalidade e
identidade nacional. Os poetas mostram as tradições de cada região: eles devem manifestar em toda
a poesia nacional as tradições, as instituições do povo, seus costumes e tentar harmonizar a relação
índio e português, dessa forma o poeta conseguirá ser compreendido pelos leitores. Teoricamente, e
conforme o critico literário Antonio Candido, é importante observar que o Romantismo se intitulou
na Europa como o “despertar das nacionalidades”, por isso a grande importância dessa renovação
literária, principalmente em países novos e naqueles que recém conquistaram a independência, o
espírito nacionalista torna-se uma manifestação e exaltação da vida.
Roncari (2005, p.291) compartilha do mesmo pensamento de Antonio Candido, e a ideia de
que cada nação deve receber uma poesia própria é reforçada no período romântico. Ambos os
críticos, em seus estudos, destacam o livro do viajante e intelectual francês Ferdinand Denis que,
em 1826, escreve um Resumo da História Literária do Brasil, no qual relata a beleza das terras
brasileiras e apresenta a ideia de país novo e procura justificar o atraso cultural, social e político
da nação. Ferdinand Denis afirma que, com o amadurecimento, o Brasil será no futuro uma
grande nação. Leia e perceba a emoção e sentimento de Ferdinand em relação ao Brasil:

(...) Nessas belas paragens, tão favorecidas pela natureza, o pensamento


deve alargar-se como o espetáculo que se lhe oferece; majestoso,
graças às obras-primas do passado, tal pensamento deve permanecer
independente, não procurando outro guia que a observação. Enfim, a
América deve ser livre tanto na sua poesia como no seu governo. (...) Se
essa natureza é mais esplendorosa que a da Europa, que terão, portanto,
de inferior aos heróis dos tempos fabulosos da Grécia (...) Se os poetas
dessas regiões fitarem a natureza, se penetrarem da grandeza que ela
oferece, dentro de poucos anos serão iguais a nós, talvez nossos mestres.
(DENIS,1978,p.36-37, apud RONCARI,2005,p.292-293)

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Unidade: A Poesia de Castro Alves e de Jorge de Lima: A Temática Afro-Brasileira

Neste fragmento, vimos que Denis exalta a grandeza do Brasil, ainda jovem demais para ser
comparado a outras nações. Para o viajante, o caminho de inspiração e realização dos poetas se
concentra na natureza deslumbrante, exótica a ser revelada nas artes e como parte desse meio
natural os indígenas e negros.

Nessa mesma linha de raciocínio, o escritor José de Alencar descreve o que seria o fazer
poético brasileiro. Segundo ele, antes de qualquer criação poética, o poeta deve esquecer suas
ideias civilizadas e racionais, para alcançar essa nova poesia, pois para integrar-se, meditar,
refletir num meio natural, o mesmo deve despir-se de tudo que lembre civilização e ideias
racionais, dessa forma florescerá uma poesia que canta o Brasil.

(...)Deus que me fizesse esquecer por um momento as minhas idéias


de homem civilizado.(...)embrenhar-me-ia por essas matas seculares;
contemplaria as maravilhas de Deus, veria o sol (...) seu mar de ouro, a
lua (...) no azul do céu; ouviria o murmúrio das ondas e o eco profundo
e solene das florestas.E se tudo isto não me inspirasse (...)quebraria a
minha pena com desespero, mas não a mancharia numa poesia menos
digna de meu belo e nobre país.(ALENCAR, Cartas sobre a Confederação
dos Tamoios. Apud COUTINHO, A. Caminhos do pensamento crítico. Rio
de Janeiro/Brasília: Pallas/INL, 1980. V.1 p.81).

Em contrapartida, o historiador Francisco Adolfo Varnhagen, representante de um tipo


conservador de Brasil, desenvolve uma crítica e afirma que os poetas não devem deixar-se
levar por essa ideia de pátria relacionada à Natureza e à figura do índio. Para o historiógrafo,
os índios não passavam de bárbaros “caterva de canibais”, inclusive amaldiçoa os poetas que
produzem uma poesia indianista na qual o herói é um índio. Conforme seus princípios e ideais,
o poeta deve promover e exaltar a civilização branca e outras raças devem permanecer em um
nível de inferioridade. Aqui temos um conservador que deseja permanecer na mesma estrutura
social e política consentida nos moldes portugueses:

[...].ostentar patriotismo exaltando as ações de uma caterva de canibais


que vinha assaltar a colônia de nossos antepassados só para os devorar
[...].para o louvarmos, para o magnificarmos pela religião, para promover
a civilização; e para exaltar o ânimo a ações generosas [...].;e serão
amaldiçoadas (os poetas) (...)e infeliz do que dela serve para injuriar
sua raça, seus correligionários, e porventura a memória de seus próprios
avós!(VARNHAGEN, Florilégio da Poesia Brasileira, Rio de Janeiro,
Academia de Letras, 1987, p.44-45, apud RONCARI, 2005, p.296-297).

Conforme Roncari (2005, p.298-299), Machado de Assis pactua da mesma ideia de Álvares
de Azevedo, expressando também que a nacionalidade literária, não necessariamente, deve se
desenvolver no ambiente da terra natal do escritor, e acrescenta que a poesia e prosa se traçam
por vieses que nos transportam a várias nações e lugares, isso é resultado das relações entre os
povos. Nas artes, temos o poder de viajar do particular para o universal e revelar a identidade
de uma nação.
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Lembremos que o poeta romântico Gonçalves Dias mantém uma forte relação com os
poetas árcades, observamos um eu lírico na sua poesia que canta a natureza, no entanto, é um
poeta romântico na medida em que exalta a terra natal com saudades, destacando sua beleza e
idealizando os indígenas brasileiros.

Para Roncari (2005, p.363), a poesia de Gonçalves Dias se afirma como um dos pilares mais
importantes do fazer e pensar poesia.

Como lidar com os problemas sociais, os preconceitos de raças nos quais negros africanos, índios
e mazombos são excluídos do convívio social? Como viver em um país mestiço que nega sua origem
e raça? Qual o papel do negro em uma sociedade que o enxerga como objeto e mercadoria?

Roncari (2005, p.471) reafirma que a sociedade brasileira é miscigenada, porém a cor da
pele classifica a posição do indivíduo em uma sociedade brasileira escravista e preconceituosa.

O Romantismo terá a incumbência de declamar e discursar sobre essas temáticas que geravam
discussões na época. Falemos da temática da escravidão e da barbárie cometida contra os negros.

Para esse estudo e análise, vamos refletir, em um primeiro momento, sobre a poesia romântica
de Castro Alves e do poeta modernista Jorge de Lima. Poetas de período e estilo literário
diferentes que reconhecem a importância do negro na formação da sociedade brasileira.

Para Alfredo Bosi (1994, p.122), o poema é obra humana: enquanto humano está sempre
em função dialógica, vem de um ser-em-situação que fala a outros, ou seja, comunica-se com
outros e empenha-se em um mundo intersubjetivo, pelo menos dual (autor-leitor).

Castro Alves nos revela esse fazer poético, com uma poesia carregada de emoção e sentimento,
com tom de oratória, ritmo, sentidos abertos, imagens da natureza e originalidade. Poeta
abolicionista que escreve as injustiças cometidas pelos homens brancos em relação aos negros
e, ao mesmo tempo, procura difundir o valor, a beleza e força do povo africano na sociedade.

Antonio Candido (2007, p.584) classifica Castro Alves como um poeta humanitário, que
canta o negro escravo. Mostra que a especificidade de sua obra está na identificação do poeta
com o ritmo da vida social da época, determinando a referida projeção dos dramas do eu
sobre o mundo. O poeta é um homem desajustado que expressa na sua poesia seus conflitos
e contradições interiores em relação ao meio. Para ele, a escravidão está ligada à alienação
humana e será uma constante luta entre o bem e o mal.

Vamos, agora, analisar o poema Lucas, de Castro Alves. Nele, o poeta não canta a dor e
sofrimento do negro escravo, mas procura idealizar a beleza e força da raça negra, mesmo na
condição de escravo.

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Unidade: A Poesia de Castro Alves e de Jorge de Lima: A Temática Afro-Brasileira

Lucas
QUEM FOSSE naquela hora,
Sobre algum tronco lascado
Sentar-se no descampado
(...)
Um belo escravo da terra
Cheio de viço e valor...
Era o filho das florestas!
Era o escravo lenhador !
Que bela testa espaçosa,
Que olhar franco e triunfante!
E sob o chapéu de couro
Que cabeleira abundante!
De marchetada jibóia
Pende-lhe a rasto o facão...
E assim... erguendo o machado
Na larga e robusta mão...
Aquele vulto soberbo,
— Vivamente alumiado, —
Atravessa o descampado
Como uma estátua de bronze
Do incêndio ao fulvo clarão.

Desceu a encosta do monte,


Tomou do rio o caminho...
E foi cantando baixinho
Como quem canta pra si.

Era uma dessas cantigas


Que ele um dia improvisara,
Quando junto da coivara
Faz-se o Escravo — trovador.

Era um canto languoroso,


Selvagem, belo, vivace,
Como o caniço que nasce
Sob os raios do Equador.

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Eu gosto dessas cantigas,
Que me vem lembrar a infância,
São minhas velhas amigas,
Por elas morro de amor...
Deixai ouvir a toada
Do — cativo lenhador —

E o sertanejo assim solta a tirana,


Descendo lento pra a servil cabana...

(Disponível em http://www.astormentas.
com/pt/poema/5112/lucas,
Acesso em 18/11/2013)

Observem que Castro Alves, no poema, tece versos carregados de imagens que acondicionam
a força discursiva do poema e evidencia a bravura, a força e a beleza do africano, comparando-o
com uma estátua de bronze. Por isso, podemos considerá-lo um objeto estético elevado que faz
parte da vida cotidiana e que não está somente em condição de inferioridade. Conforme Roncari
(2005, p.467), “essa inversão de valores teve por base o preconceito e uma compreensão muito
restrita da poesia”. Notem que os adjetivos manifestam imagens de um escravo idealizado pelo
poeta. “Um belo escravo da terra /Cheio de viço e valor.../(...)Era o escravo lenhador ! /Que bela
testa espaçosa,/Que olhar franco e triunfante/(...)/ E assim... erguendo o machado/Na larga e
robusta mão...Aquele vulto soberbo (...).”. Tais recursos tentam incorporar o negro à literatura.
Antonio Candido (2007, p.591) reafirma que Castro Alves tenta encaixar os negros nos padrões
da sensibilidade branca. Para isso idealiza o negro por meio de traços físicos e morais fortes e
positivos para apresentá-los ao público leitor e dar-lhe uma dignidade lírica.
O poema também procura representar, na figura do escravo Lucas, a condição do negro não
como um objeto de exploração e trabalho, mas sim, um ser provido de qualidades, sentimentos
e beleza que devem ser consideradas e respeitadas. No poema, esses elementos humanizam-
no em relação à visão do homem branco, que o trata como mercadoria. Percebam que Castro
Alves, além de enaltecê-lo, também o assenta em uma posição de trovador, “Faz-se o Escravo —
trovador. /Era um canto languoroso,/Selvagem, belo, vivace.” Como aprendemos, os trovadores,
na sua maioria, eram homens nobres que compunham poemas para serem cantados em feiras,
festas e castelos no final da Idade Média. Com isso, procura atribuir à Lucas a sensibilidade
burguesa, como ser igual aos demais, mas não o liberta da condição de escravidão.
Entendam que ao tecer essa pintura em versos, constatamos que sem as descrições da
Natureza, do escravo Lucas, os recursos sonoros, imagísticos e verbais não se alcançaria a beleza
poética de Castro Alves. Aqui, o poeta procura apresentar, através de um sentimento romântico,
uma mudança de visão em relação ao negro africano e busca na Natureza uma parceira para
essa nova poesia negra. Mesmo que seja uma construção idealizada do escravo Lucas, vê-lo com
humanidade pode transformar a visão e pensamento de uma sociedade branca e miscigenada
altamente preconceituosa e que nega suas verdadeiras raízes negras.
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Unidade: A Poesia de Castro Alves e de Jorge de Lima: A Temática Afro-Brasileira

Assim como Castro Alves, o poeta modernista Jorge de Lima, do século XX, traz, em sua
criação poética, a temática do negro-africano. Uma poesia com ritmo folclórico marcada por
um forte regionalismo.
Diferente de Castro Alves, Jorge de Lima expressa não a condição inferior de escravo do negro,
mas sobretudo a importância da raça negra no país. Conta os costumes, as superstições, as crenças,
as danças e tudo que o negro africano apresentou para o Brasil e outras nações. Temos um poeta
que deseja cantar a alma do negro e a negritude sem idealismo, mas mostrar um negro de cabelo
carapinha, expressão forte e grossa e não o negro idealizado de Castro Alves.
Para compreender este novo gosto literário de Jorge Lima, vamos ler o poema Olá Negro.
Nele, o poeta nos oferece uma visão panorâmica da assimilação dos costumes negros na
formação das sociedades.

Olá! Negro
Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos
e a quarta e quinta gerações de teu sangue sofredor
tentarão apagar a tua cor!
E as gerações destas gerações quando apagarem
a tua tatuagem execranda,
não apagarão de suas almas, a tua alma, negro!
Pai-João, Mãe-negra, Fulô, Zumbi,
negro-fujão, negro cativo, negro rebelde
negro cabinda, negro congo, negro ioruba,
negro que foste para o algodão de U.S.A.,
para os canaviais do Brasil,
para o tronco, para o colar de ferro, para a canga
de rodos os senhores do mundo;
eu melhor compreendo agora os teus blues
nesta hora triste da raça branca, negro!

Olá, Negro! Olá, Negro!

A raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro!


E és tu que alegras com os teus jazzes,
com os teus songs, com os teus lundus!
Os poetas, os libertadores, os que derramaram
babosas torrentes de falsa piedade
não compreendiam que tu ias rir!
E o teu riso, e a tua virgindade e os teus medos e atua bondade
mudariam a alma branca cansada de todas as
ferocidades!

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Olá, Negro! Olá, Negro!

Pai-João, Mãe-negra, Fulô, Zumbi


Que traíste as Sinhás nas Casas-Grandes,
Que cantaste para o Sinhô dormir,
Que te revoltaste também contra o Sinhô;
Quantos séculos há passado
E quantas passarão sobre a tua noite,
Sobre as tuas mandingas, sobre os teus medos, sobre tuas alegrias!

Olá, Negro! Olá, Negro!

Negro que foste para o algodão de U.S.A.,


ou que vieste para os canaviais do Brasil,
quantas vezes as carapinhas hão de embranquecer
para que os canaviais possam dar mais doçura à
Olá, Negro!
Negro, ó antigo proletário sem perdão,
Proletário bom,
Proletário bom!
Blues,
Jazzes,
Songs

Lundus...
Apanhavam com vontade de cantar,
choravas com vontade de sorrir,
com vontade de fazer mandinga para o branco
ficar bom,
para o chicote doer menos,
para o dia acabar e negro dormir!
Não basta iluminares hoje as noites dos brancos
com teus jazzes,
com tuas danças, com tuas gargalhadas!
Olá, negro! O dia está nascendo!
O dia está nascendo ou será tua gargalhada que
vem vindo?

Olá, Negro! Olá, Negro!

Vejam que neste poema, Jorge de Lima, de maneira bastante realista, trata a questão do negro
inserido na sociedade. Nos primeiros versos, declara que mesmo que a cor negra se misture a
outras dando origem a uma raça miscigenada, com pele mais clara, a alma e os costumes
africanos jamais se apagarão: “E as gerações destas gerações quando apagarem/a tua tatuagem

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execranda,/não apagarão de suas almas, a tua alma, negro!/Pai-João, Mãe-negra, Fulô, Zumbi,
negro-fujão, negro cativo, negro rebelde/ negro cabinda, negro congo, negro ioruba.” Através
de um processo de rapsódia, evoca nomes e raças de negros para dar embalo à vocação. Em
sequência, canta que o negro é alegre e premia a alma branca que o barbarizou com música
e alegria. “A raça que te enforca, enforca-se de tédio, negro!/E és tu que alegras com os teus
jazzes,/não compreendiam que tu ias rir!/E o teu riso, e a tua virgindade e os teus medos e a
tua bondade/mudariam a alma branca/ cansada de todas as ferocidades. Notoriamente, Jorge
de Lima demonstra um sentimento de gratidão ao negro. Observem que o poeta tem simpatia
pela cultura africana e, principalmente, exalta a música negra, com os “Blues, jazzes, songs,
lundus” e acrescenta, que o negro cantava sua dor e alegria. “Apanhavam com vontade de
cantar,/ choravas com vontade de sorrir/com vontade de fazer mandinga para o branco ficar
bom.” Nesse último verso, Jorge de Lima inclui as crenças dos africanos e denuncia as injustiças
cometidas. Nos últimos versos, declara que a noite dos brancos é iluminada com a música
e a dança do negro e compara o nascer do dia com a gargalhada do negro. Para finalizar
o poema, utiliza o refrão “Olá negro!” como uma forma de cumprimentar e agradecer aos
negros-africanos pela colaboração na construção da nação brasileira.
Segundo Bosi, Jorge de Lima é criador de uma poesia regionalista, com uma linguagem
intuitiva, uma leitura desencadeada, que lembra as narrativas populares e conta a história de
um escravo, com repetições e rimas que aparecem em forma de cifrão, dialoga com passado e
presente. Um poema com linguagem simples e objetiva que transmite um forte conhecimento
sobre o que é humano e denuncia a difícil condição do negro no Brasil.
Baseado nos estudos de Alfredo Bosi e Luiz Roncari, é preciso reconhecer que as obras de
Castro Alves e Jorge de Lima criaram a poesia negra no Brasil. O primeiro, Castro Alves, busca
na temática do negro expor a escravidão, os maus-tratos e abusos sofridos. Poeta romântico
que expressa a beleza do homem negro de forma idealizada, mas na condição de escravo.
O segundo, Jorge de Lima, apresenta versos que não incidem apenas sobre a condição do
negro como escravo, mas de um povo que muito nos ofereceu e ressalta a sua importância na
formação da sociedade brasileira. Por isso, seus versos contam os costumes, as crenças, a dança,
a música e a alegria contagiante do negro que encanta a todos.
Para Jorge de Lima, a gratidão a eles não está apenas na produção e formação da economia
brasileira, mas também nos hábitos e costumes transmitidos à sociedade. Acrescenta-se que o
poeta também denuncia a condição de exploração e preconceito contra o negro no Brasil, mas
de forma menos acentuada. No conjunto, os escritos de Jorge de Lima e Castro Alves servem
de documento para a historia dos negros africanos na sociedade brasileira

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Material Complementar

Caso você deseje conhecer mais a respeito do poeta romântico Castro Alves e também a
respeito do poeta modernista Jorge de Lima, além da abordagem da temática negra em nossa
literatura, acesse os sites descritos a seguir. Bons estudos!

»» http://books.scielo.org/id/cs454/pdf/nabuco-9788579820700-10.pdf
»» http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40142004000100017
»» http://www.letras.ufmg.br/literafro/data1/artigos/artigoluiz.pdf

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Referências

ALENCAR, José de. Cartas sobre a Confederação dos Tamoios. Apud COUTINHO, A.
Caminhos do pensamento crítico. Rio de Janeiro/Brasília: Pallas/INL, 1980. V.1 p.81

BOSI, Alfredo Bosi. História Concisa da literatura Brasileira. 42.ed. São Paulo: Cultrix ,1994.

CANDIDO, Antonio. Formação da Literatura Brasileira. 7ªed. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia
Ltda, 1993.

CEIA, Carlos, s.v. “Metalinguagem”. E-Dicionário de Termos Literários, coord. de Carlos


Ceia, ISBN: 989-20-0088-9, disponível em http://www.edtl.com.pt, acesso em 06-02-2012.

RONCARI, Luiz. Literatura Brasileira: Dos Primeiros Cronistas aos últimos


Românticos. 2.ed. São Paulo: EDUSP, 2005.

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Anotações

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