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(…)
O primeiro projecto, o restaurante Boa Nova, foi resultado de um concurso aberto pela
Câmara Municipal de Matosinhos em 1956. Aquele local foi escolhido porque se
caracteriza por um promontório rochoso que se eleva e avança pelo mar dentro. Um
local predestinado que, na memória dos habitantes, está ligado à vida de um poeta
romântico local, António Nobre. Esta extraordinária beleza incutia temor no arquitecto
que na actividade dava os seus primeiros passos, porque, como mostram sobretudo
algumas experiências recentes, muitas vezes construir num local muito belo equivale a
destruí-lo.
Chegava-se, então, a uma pequena ponte e depois à praia, epílogo do percurso que
encontrava, na ideia de profundidade e no controlo de luminosidade, os elementos
essenciais de definição.
Foi precisamente a escassa profundidade da área de intervenção que fez com que as
várias galerias em paralelo dessem uma extensão longitudinal ao projecto, que assim
se tornou o prolongamento ideal do trabalho da Boa Nova, não obstante a distância de
um quilómetro e meio.
(…)
Esta primeira e estimulante experiência de trabalho, com a natureza e as pré-
existências, permitiu-me sentir a indivisibilidade entre ambiente e organização do
espaço, não obstante a presença de fortes pressões que, geradas por interesses
económicos, se empenhavam em intervenções desconexas, destruindo a continuidade
do território.
Muito tempo depois fui convidado a construir um outro restaurante, que conclui o
projecto da piscina. Colocado no lado norte, de onde o vento sopra, o restaurante
constituirá a coroação dos rochedos que, naturalmente inclinados a quarenta e cinco
graus, já protegem o litoral.
Estes projectos ao longo da marginal de Leça da Palmeira não são, como já expliquei,
consequência de encomendas directas, antes dependendo da consciência da
imprescindibilidade da colaboração e da interdisciplinaridade.
A Boa Nova é um projecto de uma equipa de cinco arquitectos1, que naquele período
trabalhavam no escritório de Fernando Távora e do associado Francisco Figueiredo.
Uma vez que nem um nem o outro, por razões diversas, podiam participar no
concurso, decidimos, nós colaboradores, tomar a cargo o projecto. Távora tê-lo-ia
sempre assinado, uma vez que nenhum de nós era ainda licenciado. Todavia, antes de
partir para uma viagem com a duração de um ano, graças a uma bolsa de estudo da
Fundação Gulbenkian, Fernando Távora acompanhou-nos numa visita ao local e disse:
“O edifício deve ficar aqui”. Escolheu aquele local dificílimo, mas, realmente,
fantástico: vencemos depois o concurso sobretudo graças àquela colocação, que
nenhum outro tinha proposto. A solução surge hoje como óbvia e inevitável, embora
na realidade, ver primeiro seja intuição difícil, só possível com a ajuda de uma grande
experiência.
1
Alberto Neves, António Meneres, Joaquim Sampaio, Luís Botelho Dias e eu.