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PROFESSORES REFLEXIVA o oe) al cs oa 0 © questoes da nossa época volume CORTEZ Sepirora ISABEL ARCA encontrar o restaurante no primeiro piso. Culpa Minha sem diivida. O meu constructo de que, normalmente, as recepgoes se encontram no Ese Zero, Cegou-me para a hi potese de que, para ir para o primeiro, em vez de Subir, eta preciso descer. Mas nao tinha picado mal 2 TeCEpCionisty uma informagdo menos exigua, ena por gana expectayey num pais e numa tegido onde os autoctones sao comunigg. tivos por natureza. Nestes momentos iniciais, eu ainda nao tinha Percebj- do que ja nao me encontrava no pais da comunicagao, mag sim num hotel standard, igual a tantos outros por esse mun. do além, enquistado numa cultura que nao acolheu e da qual se alheou. Alheamento que nado me permitiu usufruir dos sabores tipicos, da arte indigena, do calor humano caracteristico das gentes nordestinas. Nem deixou que me tratassem pelo meu nome, que me colocassem logo na mao um mapa da cidade, que me informassem sobre 0 que poderia visitar. Vinda de outros hotéis no mesmo pais, onde eu era ‘a senhora Isabel”, onde, sem que eu tivesse pedido, ou sequer insinuado, © Testaurante abriu mais cedo para que eu pu- desse tomar o café da manha antes de partir para o aero- Porto, onde a espontaneidade do empregado o levava a di- Pie na sua atencao a pessoa do héspede: “pode levar By, : 8 Para comer, pois quando se vai viajar as vezes eee outro, em que, num dia de calor, me entra pel Jarra de een logo apos a chegada, uma grande Wes © um magnifico Prato de frutos tropicais. E tefeicdes cheir, avam € sabiam ao Brasil. Tes ico slo da a ser um numero, descaracterizada, com ferenciado, dentro de um edificio e numa de tudo estava estandardizado, em contraste \de da natureza e a pessoalidade das gentes estive em tantos hotéis deste tipo, por que O que me fez sentir um namero, um no 1tros? as ordens de razdes podem explicar o meu z. Ambas tém a ver com as experiéncias iores. Este episodio tem, pois, um valor qual “me deitei a refletir”, tentando, a ‘o meu conhecimento sobre a vida. vinha de proferir duas palestras do o tema da reflexivi- ISABEL a mo pensando em termos econdmicos — identemente os termos em que os empras Jio sera possivel encontrar for nuino com o tecnologica; sdo esses € devem pensar — t harmonizar 0 socialmente derno? Como sera possivel conciliar a eficiéncia te mot oo gerir grandes hotéis com a atencao pessoalizada a dispey,. ao cliente? oO mentos de férias como o que eu estava a viver, levoy.,, para outras esferas e dei comigo a pensar nos alunos quay, do transitam de uma escola para outra e sobretudo, dc un ciclo de estudos para o subsequente (por exemplo, do ; para 0 2° grau). Foi sobre eles que passei a refletir Como se sentirao esses alunos no primeiro dia de aulay Quebrada a continuidade da familiaridade e dos afetos que os entrelagavam na escola ja familiar, como os recebera a nova escola: como pessoas ou como nimeros? Forn: cer-lhes-é a informagao necessaria € correta para que eles possam se contextualizar? Aparecer-Ihes-a como uma esco. la “com cara” ou terao dela a ideia de uma escola indistinta € estandardizada? Quem se preocupara com 0 que eles sentem? Quem criaré o contexto que os leve a integrarem- se € a viverem a escola em vez de se isolarem e quererem apenas “passar pela escola o mais depressa possivel”? Quis que esta narrativa, de cariz bem pessoal e situa cional, servisse de preficio a um livro composto por quatt capitulos, trés dos quais esto relacionados com as minhas passagens pelo Brasil. Os dois Primeiros e o ultimo resultam de palestras convidadas que tealizei em encontros sobre educagéo. O terceiro teve origem num outro contexto, 0 Portugués, mas a sua tematica relaciona-se com o tem@ samento, que se torna bem mais alado nos mo, "SABE Ares valida e invalida, correta ou incorreta, flua. Acrescente-se-Ihe a competénc pensamento e a ago em fungao da i ou procurada, e teremos, em Principic rada para viver na sociedade da infor} O desenvolvimento destas com; tos formativos que permitirao dese: atitudes dos alunos, dos professores ¢ das escolas como organizacGes vocacionadas para educar. & sobre esta tema. tica que pretendo desenvolver a minha exposicao. Pertinente oy supe i cc ia para organ; informacao, re, Zar Cebida Prep, ‘0, uma pessoa ‘magao. etencias & dos conte, nvolvé-las exigem nov, A sociedade da informacao em que vivemos Vivemos hoje numa sociedade complexa, repleta de sinais contraditorios, inundada por canais ¢€ torrentes de informagao numa oferta de “sirva-se quem precisar e do que precisar" ¢ “faga de mim 0 uso que entender”. cidadao comum dificilmente consegue lidar com a avalanche de novas informagdes que o inundam e que se entrecruzam com novas ideias e problemas, novas Oportunidades, desa- fios e ameagas. Chamaram-lhe a era da informagao. E também da co- munica¢ao. No tempo em que vivemos os midia adquiriram um poder esmagador e a sua influéncia é multifacetada, podendo ser usados Para 0 bem e para o mal. As mensagens que neles passam apresentam uma miriade de valores, uns Ppositivos, outros negativos, de dificil discernimento para aqueles que, por razées varias, nao desenvolveram grande espirito critico, competéncia que inclui o habito de se ques tionar perante 0 que Ihe é oferecido, BABEL ALAncy aque é capaz de transformar a informagao em conhecimen, to pertinente. Pergunta-se entao o que 6, para Mo; in, 9 conhecimento pertinente e encontramos como Tesposta o conhecimento pertinente é 0 conhecimento qu de situar qualquer informagao em seu contexto e, se Poss vel, no conjunto em que esta inscrita (2000: 15). Inere te a esta concep¢do, emerge a relevancia do sentido que se atribui as “coisas”. Assume-se, como fundamental, a com. preensao entendida como a capacidade de percebey os objetos, as pessoas, os acontecimentos e as relacdes que entre todos se estabelecem. E se isto é valido para a educagao que se pratica, 6 igualmente valido para a investigagao que se realiza sobre a educagao. E nessa mesma linha de pensamento que venho advogando a necessidade de, ap6s um periodo de ‘investi- gages mais ou menos isoladas, a investigagao em educacio se esforcar agora por estabelecer conexdes ¢ configuracées no sentido de se atingir uma compreensao estruturante das problematicas e das potencialidades de intervengao (Alar- cdo: 20014). Para intervir, € preciso compreender. A educa- Gao, como muitos outros setores da vida em sociedade, esta em crise. Importa analisar os contornos da crise, perceber os fatores que est&o na sua génese, congregar esforcos ¢ intervir sistematica e coerentemente. Nesta era da informagao e da comunicagao, que se quer também a era do conhecimento, a escola nao detém o mo- nopolio do saber, O professor nao é 0 tinico transmissor do saber e tem de aceitar situar-se nas suas novas circunstan- cias que, por sinal, sao bem mais exigentes. O aluno também Jando € mais o receptaculo.a deixar-se rechear de contetidos. O seu papel impde-lhe exigéncias acrescidas. Ele tem de aprender a gerir e a relacionar informagoes para as trans- que SABE Le A designagao de sociedade do conhecimen aprendizagem traduz 0 reconhecimento das compe; ae que sao exigidas aos cidadaos de hoje. Importa, agg. fletir sobre as novas competéncias. tO e gy As novas competéncias exigidas pela sociedade da informagao e da comunicagao, do conhecimento e da aprendizagem Podemos considerar que 0 mundo atravessa uma Situa. gao de mudanga com paralelismo em outras situacdes his. toricas em que, pelo seu efeito transformador, sobressai revolucao industrial. Porém, 0 valor nao esta hoje na capa. cidade de seguir instrugdes dadas por outros para fazer funcionar as maquinas, mas sim na capacidade de transfor. mar em conhecimento a informagao a que, gracas as ma. quinas, temos um rapido acesso. As novas méaquinas sio hoje apenas uma extens&o do cérébro. O pensamento ea compreensao sao os grandes fatores de desenvolvimento pessoal, social, institucional, nacional, internacional No inicio dos anos 1990 reuniram-se na Europa con- ceituados industriais europeus ¢ reitores das universidades europeias com o objetivo de pensarem o papel da educagao no mundo atual. Para além de salientarem a importancia da educagéo pré-escolar e a necessidade de o sistema de ensino ser articulado através de elos fortes de ligagao entre 0s varios ciclos (pré-escolar, basico, secundario, superior), 0 relat6rio ficou conhecido pelo modo como abordaram 4 no¢ao de competéncia necessaria a uma vivéncia na cot temporaneidade, 20 cao da socie tantos dos problemas que la expectativas demasiado ar como devia lade que, impotente perante a x, sol | a propria criow, col, vadas sem MUuitas valor ‘Temos de reconhecer que 0 exercicio livre « vel da cidadania exige das pe: ¢ a sabedoria para decidir com base numa informa conhecimentos sdlidos. O cidadao é hoje considerado como pessoa responsdvel. O seu dircit, um papel ativo na sociedade é cada vez mais dese Trata-se de uma grande conquista social, nas situac Deve que esse direito ja foi conquistado, o que, infelizmente ,, acontece de uma forma universal. Esta dimensio sox litica tem de ser tida em conta. Nem politicos nem ¢ dores podem ignoré-la, sob pena de se estarem a const castelos na areia. O empowerment pessoal, ou seja, a cc trucao do poder pelo cidadao, nao se resume meramente a obtengao de mais poder e mais direitos, mas traduz-se na capacidade real para exercer esse poder na construcao de uma cidadania participativa. Um dos fatores para que exista este empowerment no mundo em que vivemos tem a ver com a facilidade em aceder a informagao. Esta deve ser fidedigna, relevante ¢ facil de encontrar. A ser assim, cada cidadao deve estat preparado para encontrar a informacao necessaria, pal decidir sobre a sua relevancia e para avaliar da sua fidedie nidade. Sem o saber que lhe permite aceder a informa € ter um pensamento independente e critico, ele pode manipulado e infoexcluido. : Qual de nés nao sente que hoje cada vez € a ntimero das coisas que nao sabe e que gostaria ou neces s0as a Capacidade de... da ver » HELA competéncias a conhecimentos. Outros temem Um regy ao utilitarismo. Outros ainda, veem no discurso das i Sie téncias uma subordinagao da educacao a economia. Pro, que sejamos um pouco mais criticos e que aprofung, conceito de competéncia e a relac&o entre competi conhecimentos. Proponho que integremos esta Tef teoria do agir humano. Proponho também que sejay listas na analise que fazemos da relagao do individ sociedade e do papel da escola nesta relacao, POnhy lemos 9 ENcias ¢ lexao ng MOS req, M10 Com g Um dos autores que mais tem trabalhado a questao das competéncias e que é bem conhecido (eu diria até bem amado e bem des-amado) no Brasil é Philipe Perrenoud, Por essa razao fui rever 0 seu conceito de competéncia BE © que encontrei nos seus escritos? A nogao de que a com. peténcia € a capacidade de utilizar os saberes para agir em situacao, constituindo-se assim como uma mais-valia rela- tivamente aos saberes. Ter competéncia é saber mobilizar os saberes. A competéncia nao existe, portanto, sem os conhecimentos. Como consequéncia logica nao se pode afirmar que as competéncias estao contra os conhecimen- tos, mas sim com os conhecimentos. Elas reorganizam-nos e explicitam a sua dinamica e valor funcional. Vejamos um exemplo. A nascenga, trazemos como inata a capacidade da linguagem. Mas ela s6 desabrocha em competéncia linguistico-comunicativa porque é desenvol- vida pelo conhecimento, de natureza basicamente expe riencial numa primeira fase, e, posteriormente, trabalhado nos contextos de escolarizagao. A nogao de competénc@ linguistico-comunicativa e a relagdo com o conheciment® é ainda mais clara se considerarmos a situacao de aprend zagem em lingua estrangeira em contexto exolingue es°* "SABE, Ntelg Relativamente a questao da subordinagao da fines a economia ino que respeita As competéncias, nig oa que a nogao de competéncia tenha passado do mumdo.. So, presarial para da educacao. Antes pelo contrario, 4 4." de competéncias utilizada anteriormente sob a capa qs outras designagdes como destrezas, saberes-fazer, ou a apropriacao do termo inglés skill, foi utilizada no mundo a educagao antes de ser adotada pelo mundo empresaria|. Ganhou, nesia adogao, algumas coloracdes SPeCificas e alguma operacionalizagao, mas nao é uma nocao origina. da no contexto empresarial. As empresas reconhecem hoje a realidade das competéncias. Mas mesmo no mundo dos negécios nao se trata de competéncias simp! lineares, acabadas ¢ imutaveis, mas de competéncias dinamicas em que a compreensao do mundo e a sabedoria da vivéncia social sao fundamentais. Como diz Perrenoud, os bons em- presarios de hoje nado querem pessoas adaptadas, mas pessoas capazes de se adaptarem (2001: 16). Pessoas ca- pazes. Pessoas. O problema que se poe tem a ver com a formacio de base que deve proporcionar-se as pessoas (a todas as pes- soas) para que sejam capazes de se adaptar a realidade por vontade e convicgao proprias quando e nas circunstancias em que assim o entenderem, mas sem se deixarem manl- pular e fazendo ouvir a sua voz critica sempre que neces: sario. Quem serd capaz de o fazer sem a grande compet?” cia que The vem do pensamento e sem o grande poder que lhe advém da informagao? Parece-me importante, neste contexto, discutir tambo™ a relagao entre o individuo € a sociedade no que respel ainda a formagao por competéncias. Trata-se de uma relaga0 ‘Sau, Aue, atuais paradigmas de formagao e de investigacs CAO. (, OM igualmente se encontram nos paradigmas de d¢ Sen am Per profissional e se estendem, por analogia, aos de abe en, nho das organizagée Sao hoje muitas as competéncias desejadas que as, tam num conjunto de capacidades. Valoriza-se aware intelectual, a capacidade de utilizar e recriar o conh, ise to, de questionar e indagar, de ter um Pensamento Proprig de desenvolver mecanismos de autoaprendizagem Mas também a capacidade de gerir a sua vida individual ¢ em grupo, de se adaptar sem deixar de ter a sua propria iden. tidade, de se sentir responsavel pelo seu desenvolvime nto constante, de lidar com situacdes que fujam a rotina, d decidir e assumir responsabilidades, de resolver problemas de trabalhar em colaboracdo, de aceitar 08 outros. Deseja-se ainda dos cidadaos que tenham horizontes temporais ¢ geograficos alargados nao se limitando a ver 0 seu pequenc mundo, que tenham dos acontecimentos uma compreensic sistémica, que sejam capazes de comunicar e inte ragir, € que desenvolvam a capacidade de autoconhecimento ¢ autoestima A competéncia para lidar com a informacao na sociedade da aprendizagem Entre as competéncias necessarias a vida na sociedade hodierna conta-se, como ja acentuamos, a capacidade de utilizar a informagao de modo rapido e flexivel, o que colo ca problemas ao nivel do acesso, da avaliagao e da gest? existir no seio das familias. $6 isso nao basta Be poe-se uma diferente organizacao do trabalho promovendo 0 trabalho colaborativo entre og ee Sco} ganizando os horérios por forma a que os alin, ne tempo para pesquisas e€ criando verdadeiras ¢ omun ha de aprendizagem. Pelo que, para além dos aluy ite professores, é importante considerar o Papel da esco}a enquadradora da realizagao do trabalho escolar. Coy, pelos alunos. necemg, Os alunos na sociedade da aprendizagem Numa “sociedade que aprende e se desenvolve’ como a caracterizou Tavares (1996), ser aluno é ser aprendente Em constante interagao com as oportunidades que o mun- do Ihe oferece. Mais do que isso: é aprender a ser apren- dente ao longo da vida. O aluno tem de se assumir como um ser (mente num corpo com alma) que observa 0 mun- do e se observa a si, se questiona e procura atribuir sentido aos objetos, aos acontecimentos e as interagées. Tem de se convencer de que tem de ir a procura do saber. Busca ajud nos livros, nas discussées, nas conversas, no pensamento, no professor. Confia no professor a quem a sociedade en trega a missao de o orientar nessa caminhada. Mas ¢ % que tem de descobrir o prazer de ser uma mente ativa° nao meramente receptiva. adacogica de Subjaz a este modelo uma abordagem pedagogi@ © méum hor ° izat 0S carater construtivista, sociocultural. A aprendizage modo de gradualmente se ir compreendendo i mundo em que vivemos e de sabermos melhor ut aprendizagem. E que, por isso mesmo, the go, Confer © tesponsabilizam e autonomizam ¢, dest, 2 nod buem para a téo desejada democratizacay 9 € facil, nem para os professores nem 1 experiéncias mostram que € possivele reconformn nos, de repente pensar ¢ agir desta maneira, p, ers tirme-ei a trés estudos de pesquisa-acao cy ea Carreira, 2000; Gongalves, 2002) que recenteme, iets desenvolvidos em Portugal ao nivel do ensino ¢ — secun¢ dois deles sob a minha orientacao. Os trés estud, 8 de int vencao didatico-curricular tiveram como finalidade desea volver a capacidade de autonomia dos alunos a ravés 4 organizacao de atividades que os incitassem a ser a,,, dentes ativos. Visavam assim uma aproximacio entre escola ¢ a vida, o desenvolvimento da autoaprendizage da autoestima. Numa afirmagao de sintese, direi qu atividades didaticas a realizar pelos alunos implicavam a) uma tomada de consciéncia do que sabiam ou p cisavam de saber para realizar a atividade; b) pesquisa pessoal; ¢) um trabalho colaborativo entre eles; d) uma sistematizacao orientada; ©) uma reflexao individual e partilhada sobre a tarefa realizada e os processos de realizacao e aprendiza gem que the eram inerentes; f) © apoio do professor como uma das fontes de sabe! e de regulagao da aprendizagem. Como resultado das intervenges salientou-se 4 danga de atitudes dos alunos face a aprendizagem, 0 *

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