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ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.

2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 13

I. A Oposição fundamental Nominativo X Acusativo

Como em toda empreitada, o ponto de partida pode, em muitos casos,


definir o curso do porvir, por isso, é fundamental lembrar que o latim, a despeito de não
ser mais utilizado como língua de comunicação entre seres históricos, é também uma
língua, o que evoca a oposição saussureana entre língua e fala (langue X parole),
segundo a qual a língua é um sistema de propriedades combinatórias entre elementos,
ao passo que a fala é a atualização dessas propriedades combinatórias ou, simplesmente,
a atualização desse sistema através da produção de discursos.
Para evitar, portanto, a confusão de categorias, como a que evoca
fatos biológicos para apontar o estatuto atual de um dado de cultura, como é a língua
latina, chamando-a de “língua morta” (o que morre, afinal, são os falantes e não a
língua1), pode-se pensar numa distinção como Língua-em-Função (ou em
Atualização) X Língua-em-Suspensão: o primeiro é o termo com que se podem
designar as línguas naturais de comunicação que são atualizadas efetivamente hoje em
dia ou, como talvez dissessem os lingüistas, em nossa sincronia; o segundo designa
também línguas naturais de comunicação que só podem, contudo, como o latim, ser
atualizadas virtualmente.
Tendo isso em mente, considere a seguinte passagem de Virgílio:

torua leaena lupum sequitur, lupus ipse capellam,

florentem cytisum sequitur lasciua capella,

(Virgílio, Églogas, II, 63-4)

cuja tradução poderia ser acomodada em vernáculo, da seguinte forma:

1
A esse propósito, cf.: “O primeiro grande equívoco em que se incidiu no estudo da língua latina foi
aceitar o preconceito de que se lidava com o morto; sob esse princípio, todo o legado da literatura latina,
por exemplo, transformou-se em um imenso ‘terreno sacrossanto’ de onde, vez por outra, se procuravam
(e ainda se procuram) ressuscitar algumas idéias ou pensamentos adormecidos; talvez por isso mesmo,
haja os que confundam humanismo com verdades eternas”, e também “[...] É preciso convencer-se de
que, quando se trabalha com o latim, se está trabalhando com uma fala, com uma língua vivente; ou, para
fugir a um termo que remete a uma categoria dos reinos animal e vegetal, está-se diante de uma língua-
em-função. Não aceitar o princípio da língua-em-função significa recusar um Dicionário de Usos, sob o
argumento de que nele não se registra o uso, mas o usado.” (BRUNO, H. Equívocos nos estudos latinos.
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a selvagem leoa busca o lobo;


o lobo, a cabrita; a cabrita busca
o cítiso2 florido, saltitante.3

Se forem eliminados da frase os adjetivos (marcados com moldura) e


as três orações que a compõem forem reconduzidas a seu estado inicial de frase
independente, ter-se-á o seguinte:

1. Leaena lupum sequitur [A leoa persegue o lobo];


2. Lupus capellam (sequitur) [O lobo (persegue) a cabrita];
3. Cytisum sequitur capella [A cabrita persegue o cítiso].

as quais poderiam ser rearranjadas em qualquer outra disposição possível, SEM


alteração do sentido lingüístico denotado. Assim:

1. Leaena lupum sequitur. 1.1. Lupum leaena sequitur.


|| 1.2. Sequitur leaena lupum.
“A leoa persegue o lobo”= 1.3. Sequitur lupum leaena.
1.4. Leaena sequitur lupum.
1.5. Lupum sequitur leaena.
2. Lupus capellam (sequitur). 2.1. Capellam lupus (sequitur).
|| 2.2. (Sequitur) lupus capellam.
“O lobo (persegue) a cabrita”= 2.3. (Sequitur) capellam lupus.
2.4. Lupus (sequitur) capellam.
2.5. Capellam (sequitur) lupus.
3. Cytisum sequitur capella. 3.1. Capella sequitur cytisum.

In: LIMA, A. D. et al. Latim: da fala à língua. Araraquara: UNESP/FCL/Depto. de Lingüística, 1992.
Série Textos. p. 75 e 82, respect.)
2
Cytisus (-o-), s.f.: cítiso ou codesso, nome de planta: “arbusto de até 6m (Laburnum anagyroides),
nativo da Europa, melífero, com folhas trifolioladas, flores amareladas e vagens achatadas e sinuosas
[...][Encerra citisina, substância venenosa, us. como purgativa e emética, e a madeira foi muito us. em
mobiliário e instrumentos musicais, como sucedânea do ébano]” (INSTITUTO A. HOUAISS.
Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, s.v. codesso, p. 752); no
contexto, é também alimento de cabras.
3
Em latim, não existe a classe de palavras artigo; tal fato implica que a determinação nessa língua se
efetua por meio de expedientes outros, como a adjetivação; em português, entretanto, há artigos e o
estudante deverá usá-los, de acordo com o grau de determinação que um termo adquire por motivação
contextual.
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|| 3.2. Sequitur cytisum capella.


“A cabrita persegue o cítiso”= 3.3. Sequitur capella cytisum.
3.4. Cytisum capella sequitur.
3.5. Capella cytisum sequitur.

Se se tomarem, no entanto, os equivalentes vernáculos de sentido


(genericamente, traduções) dos pares latinos elencados há pouco, por exemplo, em
1.4/1.5, 2.4/2.5 e 3/3.1, e se se praticarem neles os mesmos rearranjos do latim ao
português, de modo a dispor correspondências palavra-a-palavra, ter-se-iam sentidos
diferentes nas frases em português, como se constata a seguir:

Frases latinas Traduções de 1., 2. e 3. rearranjadas


1.4. Leaena sequitur lupum. T.1. A leoa persegue o lobo.
1.5. Lupum sequitur leaena. T.2. O lobo persegue a leoa.
2.4. Lupus (sequitur) capellam. T.3. O lobo persegue a cabrita.
2.5. Capellam (sequitur) lupus. T.4. A cabrita persegue o lobo.
3. Cytisum sequitur capella. T.5. O cítiso persegue a cabrita.
3.1. Capella sequitur cytisum. T.6. A cabrita persegue o cítiso.

Então, o exame cuidadoso dos pares das frases latinas (1, 2 e 3) e de


seus respectivos rearranjos (1.4/1.5, 2.4/2.5, 3/3.1), traduzidos em português de modo a
preservar APENAS a correspondência semântica, palavra por palavra (T.1, T.2 T.3, T.4,
T.5, T.6), permite concluir que:

1. entre cada frase latina (1, 2 e 3) e seus respectivos rearranjos (1.4/1.5, 2.4/2.5,
3/3.1) não há nem:
1.1. um número maior de itens lexicais;
1.2. um número menor de itens lexicais;
1.3. diferentes itens lexicais;
2. tomados um a um e separadamente, os itens das frases latinas (1, 2 e 3) e seus
respectivos rearranjos (1.4/1.5, 2.4/2.5, 3/3.1) possuem o mesmo significado (1
= 1.4/1.5; 2 = 2.4/2.5; 3 = 3/3.1);
3. as frases em português (T.1, T.2 T.3, T.4, T.5, T.6) que representam
correspondências de ordem, palavra por palavra, em relação ao latim, são,
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entretanto, diferentes quanto aos seus respectivos sentidos lingüísticos


denotados, porque os itens lexicais que as compõem, ainda que sejam os
mesmos, estão alocados em posições diferentes;
4. logo, o que produz sentido nas frases em português (T.1, T.2 T.3, T.4, T.5, T.6)
é a posição que seus itens ocupam, ou melhor, é o morfema posicional4;

Para o latim, a inelutável conclusão é, portanto, que os itens lexicais


que realizam as frases latinas, equivalentes em sentido gramatical à T.1, T.3 e T.6,
quando transpostos para equivalerem às mesmas alocações dos itens das frases T.2, T.4
e T.5, NÃO produzem o mesmo sentido gramatical dessas frases em português, mas,
ao contrário, permanecem relatando o sentido das frases T.1, T.3 e T.6, não obstante sua
nova disposição.
Isso ocorre porque, em latim, não é o morfema posicional o
responsável pela produção do sentido lingüístico, e é em virtude disso que são possíveis
ao todo os seis reordenamentos de frases latinas demonstrados há pouco, a fim de
realizar, em nível denotado, as frases T.1, T.3 e T.6 em português. Se se quisesse
exprimir em latim, além das já mencionadas frases T.1, T.3 e T.6, o mesmo sentido
expresso nas frases T.2, T.4 e T.5, ter-se-ia o seguinte:

Traduções de 1., 2. e 3. rearranjadas Frases latinas Equivalentes


T.1. A leoa persegue o lobo. L.1. Leaena sequitur lupum.
T.2. O lobo persegue a leoa. L.2. Lupus sequitur leaenam.
T.3. O lobo persegue a cabrita. L.3. Lupus (sequitur) capellam.
T.4. A cabrita persegue o lobo. L.4. Capella (sequitur) lupum.

4
Será de todo conveniente, deste ponto em diante, se distingam dois conceitos operatórios fundamentais:
as noções de fonema e alofone (fonema é a mínima unidade distintiva de sons de uma língua; alofone é
o termo empregado para distinguir e caracterizar as variantes fonéticas de um fonema dado; é ainda
caracterizado, como de resto todas as noções alo-, pela percepção de uma variação na forma da unidade
lingüística que não afeta a identidade funcional desta na língua. Cf. CRYSTAL, David. Dicionário de
Lingüística e Fonética. Rio de Janeiro, Zahar, 1988, p.112) de um lado, e as de morfema e alomorfe
(morfema é a mínima unidade distintiva da gramática e que se realiza na composição e funcionalidade
de um elemento lexical, realização essa que permite a expressão de uma palavra em relação a um
contexto; alomorfe é o termo empregado para distinguir as variantes morfêmicas de um morfema dado;
é ainda caracterizado, como de resto todas as noções alo-, pela percepção de uma variação na forma da
unidade lingüística que não afeta a identidade funcional desta na língua. Cf. Id., ibid., p 175) de outro.
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T.5. O cítiso persegue a cabrita. L.5. Cytisus sequitur capellam.


T.6. A cabrita persegue o cítiso. L.6. Capella sequitur cytisum.

Comparando-se os itens lexicais das seis frases dos três conjuntos


exibidos no quadro à página 13 e, agora, das frases “L” (L.1, L.2, L.3, L.4, L.5 e L.6),
nota-se que as terminações dos signos latinos contidos nos três conjuntos do quadro da
pág. 13 isoladamente não se alteraram entre si, e que, portanto, todas as seis frases de
cada conjunto se equivalem quanto ao sentido denotado, mas se alteraram na passagem
desse conjunto para as frases “L” acima, a fim de produzir o sentido equivalente ao das
frases “T” dispostas à esquerda. Isso ocorreu porque o que produz sentido gramatical
em latim é o morfema funcional contido nas terminações dos signos.
Comparando-se mais uma vez os signos latinos das frases “L”,
isolando-se suas diferenças morfológicas e atribuindo-lhes os traços de função sintática
dos signos das frases em português a que equivalem, obter-se-ão os seguintes morfemas
funcionais:

Morfemas funcionais (singular) 5

-s
De SUJEITO

De OBJETO DIRETO -m

Há também que se notar o morfema verbal responsável pela noção de


número e pessoa (3a pessoa do singular), que, no caso do verbo das frases transcritas, é
-tur, uma forma que contém mais do que um único morfema responsável pelas
informações de pessoa e número, indicadas comumente apenas por –t, como, p. ex., em:
uorat: “devora”; rapit: “pega”; uocat: “chama”; audit: “ouve”; legit: “colhe” ou “lê”;

5
Os gramáticos latinos chamaram NOMINATIVO aos morfemas relatores de certas funções sintáticas,
dentre as quais a mais recorrente é a de sujeito, assim como chamaram ACUSATIVO àqueles que
relatavam, principalmente, a função de objeto direto. A razão de não renovar-se, aqui, a nomenclatura
latina (chamando-os “morfemas de sujeito, de objeto direto”, etc.) se deve, sobretudo, a que os nomes
dos assim chamados casus (“casos”) latinos, além de tradicionais, designam grupos de morfemas
responsáveis por comunicar sempre mais do que uma única função sintática, motivo pelo qual parece
útil e válida a sua manutenção.
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arat: “ara”; uidet: “vê”; amat: “ama”, etc. A função do morfema –ur, que se está
isolando e retirando agora da forma destacada, será estudada mais tarde.

O morfema funcional – característica dos NOMES e PRONOMES em


latim – atribui, então, a função gramatical (sintática) aos signos latinos e, quando se
instala neles, produz freqüentemente alterações fonéticas em suas terminações,
conhecidas como desinências6 e é nisso, enfim, que consiste a assim chamada
declinação latina: esse termo nada mais faz do que assinalar que o valor sintático de
cada termo da frase é indiciado por meio de flexões (ou desinências, que contêm os
morfemas funcionais) que o relatam.
Desinência é, pois, a forma terminal dos signos, criada a partir da
relação entre um morfema funcional e um tema7, em decorrência do ambiente fonético
em que aquele se instala ou que ambos instauram.
Registre-se que um tal mecanismo flexivo possui certas implicações
no que respeita à forma pela qual é possível registrar os itens lexicais. Uma das
implicações lógicas da declinação (note-se que as gramáticas tradicionais de latim
empregam esse termo sempre no plural para etiquetar grupos de variações formais, o
que gera uma confusão de níveis descritivos, já que a declinação é propriedade da
língua latina, ao passo que as variantes morfêmicas são dados do uso do idioma), por
exemplo, é que os termos do léxico não podem ser evocados por uma única

6
Chamar-se-á, aqui, desinência à porção terminativa da palavra lexical, constituída do morfema
responsável pela determinação de sua função sintática, acrescido de sua vogal temática ou de
epentética, em oposição a morfema funcional (ou flexional ou casual), que designará apenas a parte
da palavra lexical que, por mecanismo de flexão nominal, e correspondente ao elenco de formas
compreendidas na classificação dos casos latinos, é o morfema responsável pela noção da função
sintática contraída pela palavra em relação a outros componentes de uma frase.
7
Tema, no âmbito deste curso, é o termo com que se designará a entidade formal constituída de radical
acrescido de uma vogal que servirá para classificá-lo e que, por essa razão, será chamada de vogal
temática (ex.: leaena-, palavra de tema -a-; lupo-, palavra de tema -o-; e assim por diante); nos casos em
que venha a faltar essa vogal classificadora, o tema será identificado ao radical e, por oposição aos
temas propriamente ditos – todos vocálicos por natureza – será chamado de tema consonântico. Quanto
a sua natureza conceitual, pode-se defini-lo como uma palavra puramente semântica, isto é, uma palavra
teórica, desgramaticalizada, portadora de significado invariável e que não se identifica plenamente com
qualquer realização do léxico (embora esteja virtualmente presente num conjunto de realizações), por
oposição a uma palavra lexical, esta uma unidade concreta, completa e funcional do léxico, em que
estão presentes, virtualmente, palavras semânticas (Cf. CARVALHO, José G. Teoria da Linguagem.
Natureza do Fenômeno Lingüístico e a Análise das Línguas. Coimbra, Atlântida, 1973, tomo II, p. 596).
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configuração formal estática, já que tais configurações assumirão formas variadas de


acordo com o valor expressivo que esse termo tiver em relação ao contexto frasal em
que ocorrer. Em razão disso, haverá a necessidade de elencá-los através de uma unidade
abstrata estrutural, o tema, virtualmente presente em cada realização sua.
Idealmente, um dicionário de latim deveria estar organizado dessa
maneira. Ocorre, no entanto, que, historicamente, foi possível chegar a tal concepção
somente depois do advento da lingüística moderna, portanto, muito tempo depois de
terem sido organizados os primeiros dicionários de latim. Por esse motivo, e também
devido ao fato de já os gramáticos latinos terem fixado uma das formas desinenciais – a
de nominativo singular – para figurar como lema (rótulo) formal dos nomes e
pronomes, os dicionários de uso da língua latina convencionaram descrever tais
entradas por meio da forma de nominativo singular, seguida de uma porção do tema da
palavra, flexionada no caso genitivo (que será estudado oportunamente), a fim de que o
usuário pudesse identificar intuitivamente o tema do signo em questão (ex.: lupus, -i,
s.m., “lobo”, identifica o grupo temático -o-, por oposição, por exemplo, a manus, -us,
s.m., “mão”, que identifica o grupo temático -u-).
Por essa razão e em respeito: a) ao sedimentado hábito de consulta dos
dicionários de uso do latim; b) à forma histórica com que gramáticos latinos pensaram a
lematização dos itens nominais do léxico; e c) ao fato de que, em geral, as formas de
nominativo singular podem apresentar diferença considerável em relação ao tema mais
produtivo de cada termo, neste curso, cada item nominal do léxico será descrito também
por meio da forma de nominativo singular, como o fazem correntemente os dicionários
de latim, porém, de forma diferente da deles, cada entrada no nominativo será seguida
de elemento indicador de seus temas e/ou radicais próprios, da seguinte forma:

1. para os temas vocálicos, nominativo singular seguido de vogal temática. Por


exemplo: ancilla (-a-), s.f.: “criada”; acies (-e-): s.f.: “ponta, gume”; ouis (-i-),
s.f.: “ovelha”; dominus (-o-), s.m.: “patrão”; manus (-u-), s.f.: “mão”, etc.;
2. para os temas consonantais (= radicais), nominativo singular seguido do tema
(radical) propriamente dito. Por exemplo: princeps (princĕp-), s.m.: “príncipe”
(o primeiro à frente do governo); miles (milĕt-), s.m.: soldado; dux (duc-), s.m.,
“general”, e assim por diante.
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Registre-se também que, sobretudo nos temas consonantais, suas


formas rádico-temáticas são as que maior probabilidade terão de ocorrer nos
enunciados, simplesmente porque o número de formas que é possível gerar a partir
delas é muito superior à da ocorrência do nominativo singular, numa razão de,
aproximadamente, 10:2 (dez formas rádico-temáticas para cada duas de nominativo
singular), como se terá oportunidade de estudar mais adiante.
De qualquer forma, cumpre estudar os mecanismos principais que
originaram as transformações históricas dos temas, a fim de identificar e compreender
suas variações formais, principalmente as que ocorrem no nominativo singular. Em
relação às adaptações fonéticas que os temas sofreram, ao longo da história do uso do
idioma latino, é preciso notar que, num signo de tema -o-, como lupo-, por exemplo, o -
o- temático sofreu um fechamento vocálico passando a -u-, quando seguido dos
morfemas funcionais -s , de sujeito, e –m , de objeto direto:

lupo- + -s/-m > lupus/lupum (desinências: -us/-um)

ao passo que num signo de tema -a-, como leaena-, não se observam, no caso presente,
quaisquer fonetismos, o que faz com que os morfemas funcionais -ø de sujeito e -m
de objeto direto, somados à vogal temática -a-, sejam iguais às desinências:

leaena- + -ø/-m > leaena/leaenam (desinências -aø/-am)

Dizendo-se de outro modo, pode-se demonstrar esquematicamente o


que ocorre nos níveis lógico e gramatical, por meio do quadro abaixo:

a b c
(a) leoa persegue lobo
(b) animal ação animal
a' b' c'

vê-se que os itens do léxico português a, b e c que compõem a frase (a), "leoa persegue
lobo", e remetem a um plano semântico (b), "animal ação animal", representados pelos
traços semânticos a', b' e c', se alocados em posições inversas, produzirão alteração no
plano semiótico, isto é, no plano da produção do sentido da frase portuguesa, o que, em
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latim, não ocorre devido à existência dos morfemas funcionais que foram vistos
anteriormente.
No exemplo dado a seguir:

Nível \ Frase Leaena sequitur lupum


semiótico -ø verbo -m

semântico agente ação paciente


sintático sujeito verbo objeto dir.
fórmula A faz B

a alteração de posição dos itens da frase latina não corresponde a qualquer mudança na
fórmula de sentido da frase, A faz B (ou seja, não passa a B faz A).
Resta ainda dizer uma palavra sobre a questão do gênero em latim,
mais especificamente sobre o gênero neutro, já que o português tem, na distinção
gramatical entre o par masculino e feminino, um paralelo latino, ao passo que não em
relação ao terceiro gênero, o neutro, e que, além disso, tal categoria projeta-se (ou faz-se
sentir) sobre as flexões de nominativo X acusativo.
Conforme já se viu, o latim vem do bloco das línguas Indo-Européias
em que, parece, a distinção entre animados versus inanimados era bem marcada através
do gênero, de tal forma que se diria, talvez, que as categorias próprias daquela língua
eram antes as da distinção Animado X Inanimado, que as de gênero. Seja como for, ao
que parece a antiga distinção Animado X Inanimado acabou por projetar-se numa
secundária, que originou a categoria de gênero:

Animados → Masculinos / Femininos


X X
Inanimados → Neutros

Parece não restar dúvida de que a categoria de gênero teve, como


motivação primeira, um paralelo lógico-semântico com o gênero natural ou biológico,
uma vez que só nomes designativos de entidades animadas eram passíveis de serem
masculinos ou femininos (ex: homem, mulher, boi, vaca, árvores, etc.), em relação aos
quais, os inanimados, designativos de entidades inanimadas (ex.: objetos, pedras,
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conceitos, sentimentos, etc.), só poderiam, em decorrência do mecanismo lógico de


oposição, pertencer a uma terceira repartição genérica, a dos neutros.
No latim, essa oposição não é rigorosa como parece ter sido no Indo-
Europeu, isto é, as palavras de gênero neutro designam conceitos que relatam entes
inanimados (ou entes em que a distinção animado X inanimado nem é pertinente, como
por exemplo os designativos de sentimentos e de conceitos abstratos), mas nem todo
designativo de entes inanimados é neutro, uma vez que tais palavras podem ser também
masculinas ou femininas (ex.: porta, enxada, casa, amor, vontade, etc.).
O maior problema do gênero neutro latino, porém, é tanto a ausência
de uma definição positiva (não se diz o que um neutro é, e sim o que ele não é: neutro <
ne + uter = “nenhum dos dois”, ou seja, nem masculino nem feminino) como a de uma
estabilidade semântica. Além disso, no que toca a sua expressão formal, falta-lhe uma
morfologia específica, e ele se caracteriza, de fato, pela neutralização das diferenças
mórficas entre os casos Nominativo X Acusativo.
Para as palavras neutras de tema -o- (as únicas a contarem com um
morfema fonético – -m – para expressar o neutro, já que todos os outros neutros são
designados pelo morfema - ø ), p. ex., ocorre o seguinte: o morfema para designar
objeto direto, empregado para todas as palavras latinas masculinas ou femininas, é -m.
O objeto marcado por -m pode ser um designativo de ente animado ou inanimado. No
caso de o objeto ser animado, o -m serve para aproximá-lo da noção de inanimado, apto
a ser o paciente da frase, uma vez que os inanimados (lembre-se: todos tendiam a ser
neutros no Indo-Europeu) não podem ser logicamente agentes, apenas gramaticalmente,
portanto, o -m é, ao mesmo tempo, uma forma de converter a noção de animado em
inanimado e, assim, atribuir-lhe a função semântica de paciente, que se realiza na frase
como objeto direto. Em suma: os neutros de tema -o- recebem o mesmo morfema –m,
tanto para relatar a função de objeto direto quanto a de sujeito de um enunciado. Ex.:

Immane te [acus.=obj. dir.] habet templum [nom.=suj.] obuallatum ossibus.


“Um templo imenso mantém-te entrincheirado em ossos.”
(L. Ácio, Tragédias. Andrômeda, v. 113)

[Aemilianus] [nom.=suj.] nullum templum [acus.=obj. dir.] frequentauit,


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“[Emiliano] não freqüentou nenhum templo.”


(Apuleio de Madaura, Apologia, 56, 15)

Pode-se concluir, portanto, que o latim herdou do Indo-Europeu a


noção de que um ente inanimado não pode ser agente lógico de uma frase e a manteve
em seu sistema, através do apagamento das distinções morfossintáticas entre um neutro
com função de sujeito e o mesmo neutro com função de objeto direto. Vale dizer, não
há, portanto, diferença mórfica para distinguir uma palavra neutra com função de sujeito
e de objeto direto, e esta é a regra de ouro da morfologia das palavras pertencentes ao
gênero neutro latino, pertençam a que tema for.
Quanto ao número, observe-se que, à exceção de poucos vestígios de
formas duais (ex.: ambo, “ambos”; duo, “dois”, etc.), o latim só manteve operacional a
oposição singular X plural, designada, entretanto, pelos mesmos morfemas que
designam também os casos (nominativo, acusativo, etc.), como se verá adiante.

Exercício I - "Nominativo X Acusativo" Singular

Tomando por referência os enunciados latinos empregados até o


momento, que provieram de falas legítimas de autores latinos, como, por exemplo:

- Leaena lupum sequitur [“A leoa persegue o lobo”];


- Lupus capellam (sequitur) [“O lobo (persegue) a cabrita”];
- Cytisum sequitur capella. [“A cabrita persegue o cítiso”],

pode-se promover, à guisa de exercício, uma atualização dessa matriz ou estrutura


sintagmática8, por meio da troca de elementos lingüísticos do mesmo paradigma de
classe. Assim, a partir de tais estruturas, pede-se ao estudante que atualize a matriz

8
Sintagma opõe-se a paradigma, e ambos evocam dois eixos de relações: o primeiro, o das relações
sintagmáticas ou combinatórias, designa toda sorte de inter-relação na cadeia da fala, realizada por dois
ou mais elementos lingüísticos (morfemas léxicos ou gramaticais), que formam uma unidade (relação
entre partes) em qualquer nível hierárquico (por ex.: combinação de afixos em morfemas lexicais, dos
itens do léxico em frases, etc.); o segundo, o das relações paradigmáticas ou associativas, ou seja,
aquele representado pela possibilidade de substituição de um termo por outro da mesma classe (p. ex.:
nome substantivo por nome substantivo; nome adjetivo por nome adjetivo; verbo por verbo, etc.). (Cf.
DUBOIS, J. et al. Dicionário de Lingüística. 7ª ed. Coord. da tradução Izidoro Blikstein. São Paulo:
Cultrix, 1999, s.v. sintagma, p. 557-8, e paradigma, p. 452-3).
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Nome sujeito + Verbo +/- Nome objeto, valendo-se dos itens lexicais constantes do
vocabulário temático dado a seguir:

Vocabulário temático

agĕre (ag-), v.: tanger (tocar adiante) corўlus (-o-), s.f.: aveleira ludĕre (lud-), v.: tocar,
agnus (-o-), s. m.: cordeiro cupressus (-o-), s.f.: cipreste brincar, jogar
agricŏla (-a-), s. m.: camponês deus (-o-), s.m.: deus lupus (-o-), s. m.: lobo
amāre (ama-), v.: amar docēre (doce-), v.: ensinar malum (-o-), s.n.: mal
amīcus (-o-), s. m.: amigo domĭnus (-o-), s. m.: patrão mordēre (morde-), v.:
ancilla (-a-), s. f.: criada ducĕre (duc-), v.: guiar, conduzir morder
ara (-a-), s.f.: altar equus (-o-), s. m.: cavalo otĭum (-o-), s.n.: ócio
arāre (ara-), v.: arar errāre (erra-), v.: vagar praedicĕre (praedic-), v.:
aruum (-o-), s. n.: terra, campo facĕre (facĭ-), v.: fazer predizer
(arável) formīca (-a-), s. f.: formiga rapĕre (rapĭ-), v.: pegar,
asĭnus (-o-), s. m.: burro gemellus (-o-), s.m.: gêmeo tomar
audīre (audi-), v.: ouvir habēre (habe-), v.: ter relinquĕre (relinqu)-, v.:
caelus (-o-), s.m.: céu imbuĕre (imbu-), v.: manchar (c/ deixar
calămus (-o-), s.m.: flauta sangue) seruus (-o-), s. m.: escravo
campus (-o-), s. m.: campo laudāre (lauda-), v.: louvar silua (-a-), s. f.: floresta
capella (-a-), s.f.: cabrita legĕre (leg-), v.: ler, escolher, timēre (time-), v.: temer
catūlus (-o-), s.m.: cria colher uiburnum (-o-), s.n.: vime
(especialmente de cão) linquĕre (linqu-), v.: deixar, uidēre (uide-), v.: ver
abandonar uocāre (uoca-), v.: chamar
uorāre (uora-), v.: devorar,
comer

Para ampliar a competência do estudante sobre as possibilidades de


atualização da matriz frasal apresentada há pouco, pode-se completar o que já se sabe
sobre os morfemas funcionais de sujeito e de objeto direto, ou, para usar de
nomenclatura tradicional, de NOMINATIVO e de ACUSATIVO, acrescentando ainda
seus equivalentes de plural, bem como o quadro dos morfemas número-pessoais dos
verbos latinos, de modo que se possa conjugá-los no presente:

Morfemas funcionais (plural)


ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 25

Ex.: lupo- + -i > lupoi > lupii > lupi *


Sujeito (Nominativo pl.)
-i
[m. / f.] capella- + -i > capellai > capellae *
Ex.: lupo- + -(n)s > lupo(n)s > lupos
Objeto Direto (Acusativo
-(n)s**
pl.) [m. / f.] capella- + -(n)s > capella(n)s > capellas
Sujeito (Nom.) / Objeto -a Ex.: aruo- + -a > aruoa > arua***
Direto (Acus.) [n.]
*Obs.: note-se que o morfema –i assimila a vogal temática -o-, mas é assimilada
parcialmente pela vogal temática -a-.
**Obs.: os parênteses indicam, neste caso, a síncope histórica do -n-, o que faz o
morfema passar simplesmente a –s.
***Obs.: note-se que o morfema –a assimila totalmente a vogal temática -o- e que a
forma resultante é idêntica seja no nominativo seja no acusativo.

Como em português, os verbos latinos têm também um conjunto de


morfemas número-pessoais, que ocorrem, praticamente sem alteração, em todas as
formas conjugadas do verbo ativo. Ei-los:

Morfemas número-pessoais
pes.\nº sing. pl.
1ª -o\-m* -mus
2ª -s -tis
3ª -t -nt
*Obs.: o morfema de 1ª pessoa será –o OU –m, conforme o tempo verbal e/ou o
paradigma temático em que se estiver conjugando o verbo.

Novamente da mesma forma que o português, existem morfemas


modo-temporais, que se instalam sempre entre os temas verbais e os morfemas nº-
pessoais. Assim, o morfema modo-temporal do PRESENTE DO INDICATIVO é -Ø,
por oposição, por exemplo, ao do PRETÉRITO IMPERFEITO DO INDICATIVO, -ba-
que permitirá conjugar verbos latinos nessas formas (ditas temporais). Por exemplo:

-a- -e- -i- -cons- “misto”(-i-/-cons-)


am(a)-ø-o ama-ba-m uide-ø-o uide-ba-m audi-ø-o audi-ē-ba-m leg-ø-o leg-ē-ba-m facĭ-ø-o facĭ-ē-ba-m
ama-ø-s ama-ba-s uide-ø-s uide-ba-s audi-ø-s audi-ē-ba+s leg-ø-i-s leg-ē-ba-s facĭ-ø-s facĭ-ē-ba-s
ama-ø-t ama-ba-t uide-ø-t uide-ba-t audi-ø-t audi-ē-ba-t leg-ø-i-t leg-ē-ba-t facĭ-ø-t facĭ-ē-ba-t
amā-ø-mus ama-bă-mus uide-ø-mus uide-bă-mus audī-ø-mus audi-ē-bă-mus leg-ø-i-mus leg-ē-bă-mus facĭ-ø-mus faci-ē-bă-mus
amā-ø-tis ama-bă-tis uide-ø-tis uide-bă-tis audī-ø-tis audi-ē-bă-tis leg-ø-itis leg-ē-bă-tis facĭ-ø-tis faci-ē-bă-tis
ama-ø-nt ama-ba-nt uide-ø-nt uide-ba-nt audĭ-ø-u+nt audi-ē-ba-nt leg-ø-u+nt leg-ē-ba-nt facĭ-ø-u-nt faci-ē-ba-nt
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 26

Empregaram-se, para ilustrar cada grupo temático (são eles: -a-; -e-,
-i-, -consonântico- e “misto”, isto é, aqueles que se apresentam ora como verbos de
tema -i-, ora como tema -cons.-), os verbos ama-, “amar”, uide-, “ver”, audi-, “ouvir”,
leg-, “ler, colher, escolher”e facĭ-, “fazer”. Trata-se dos cinco grupos temáticos que as
gramáticas latinas costumam identificar, embora seja preciso reconhecer que, a rigor, há
apenas quatro temas verbais, já que o de tipo “misto” adota ora formas do paradigma -i-
ora do paradigma -consonantal-, não sendo, por isso, de fato, uma outra categoria
temática. No presente do indicativo, por exemplo, ele se apresenta graficamente como
um verbo de tema -i-.

É observável também que algumas adaptações fonéticas ocorrem por


conta do ambiente fonético, instaurado seja pelo arranjo formado de um morfema mais
um tema verbal, seja por analogia com as formas em que isso é realmente necessário
(por exemplo, o surgimento de uma vogal eufônica entre os verbos de tema -cons.- e
seus morfemas: -i-, no presente, e -e- no pretérito imperfeito).

Exercício II - "Nominativo X Acusativo" Sing./Plural + Conj. Verbal

Com mais esses dados, agora já se torna possível provocar uma gama
mais rica de atualizações da matriz frasal apresentada no exercício anterior (p. 22), o
que permite proceder a uma ou ambas das opções a seguir:

a) tomar as frases do exercício anterior (p. 22) e flexioná-las no plural;

b) atualizar a matriz frasal com itens do vocabulário temático fornecido


anteriormente (p. 23), desta vez, porém, recorrendo às flexões nominais de
plural, bem como às flexões verbais de pessoa-número e modo-tempo que se
acabaram de estudar.

Resumindo e completando o quadro

Conforme já se assinalou anteriormente, os morfemas flexionais que


relatam as funções de sujeito e de objeto direto receberam os nomes de casos (> do
latim casus (-u-), s.m., “queda”, para assinalar o desaparecimento de um morfema em
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 27

proveito de outro, que se lhe segue) NOMINATIVO e ACUSATIVO. Tais morfemas


são distribuídos diferentemente, de acordo com cada grupo temático, e o conjunto
completo de morfemas casuais, pertencentes aos casos nominativo e acusativo, tanto no
singular quanto no plural, para todos os temas, pode ser elencado como segue:

Caso NOMINATIVO ACUSATIVO


Gênero Masc./Fem. Neutro Masc./Fem. Neutro
Nº Sg. Pl. Sg. Pl. Sg. Pl. Sg. Pl.
Tema
-a- -Ø
-i
-o- -m -a -m -a
-e-
-u-
-s -m - ¯s
-i- - ¯s
-Ø -a -Ø -a
-cons- - Ø /- s

Observações. A respeito do QUADRO de MORFEMAS (recriado a partir de LIMA, A.


D. Uma estranha língua? Questões de linguagem e de método. São Paulo: EdUNESP,
1995, p. 124.), note-se que:
1. há apenas 3 alomorfes de nominativo singular (-S, -Ø e -M, sendo este
exclusivo dos neutros de tema -o-, que se repete, como acontece sempre com os
neutros, também no acusativo singular); 3 de nominativo plural (-I, -¯S e –A,
sendo este empregado apenas para as palavras de gênero neutro e reaproveitado
também no acusativo plural); 2 de acusativo singular (-M e -Ø, sendo este o
mesmo empregado para neutros no nominativo singular); 2 de acusativo plural (-
¯S e -A, sendo este o mesmo já empregado para os neutros no nom. pl.);
2. o macro ( ¯ ), que antecede os idênticos morfemas plurais de nominativo e

acusativo ( -¯S), indica que um alongamento vocálico também compõem esses


morfemas. Isso se deve ao fato de que antigos morfemas – -ES, no caso do
nominativo plural, e -(N)S9, no caso do acusativo plural – ao evoluírem, do

9
Lembre-se, mais uma vez, de que os parênteses indicam, neste caso, a síncope histórica do -n-.
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 28

período arcaico até o clássico, provocaram assimilações ou foram assimilados,


resultando sempre num alongamento vocálico antes do morfema -S;
3. como já se disse anteriormente, os morfemas (e, portanto, também as
desinências finais) das palavras de gênero neutro são sempre os mesmos na
oposição fundamental nominativo X acusativo, de forma que Nom. SG. = Acus.
SG. e que Nom. PL. = Acus. PL.;
4. para os temas consonantais, nota-se que estão alocados dois morfemas de
nominativo sing.: - Ø /- s. É pertinente observar que os temas consonânticos

terminados em -n-, -s-, -l-, -r- fazem nominativo sing. com o morfema – Ø, ao

passo que todos os demais (-p-, -t-, -c-, -b-, -d-, -g-, -m-), com os morfema - s;
5. as células acinzentadas nos espaços relativos aos neutros de tema -a- e -e-
indicam a inexistência de palavras de gênero neutro pertencentes a tais temas, i.
e., em todo o acervo da literatura latina não se encontraram palavras de gênero
neutro pertencentes aos temas -a- ou -e-.

Estudo dos Fonetismos Latinos mais produtivos

Uma vez apresentados os morfemas e sua distribuição para cada


gênero e grupo temático, resta estudar como tais grandezas lingüísticas relacionam-se
foneticamente, isto é, caberá ver de que adaptações fonéticas são passíveis os fonemas
dos temas e dos morfemas postos em contato direto:

1. Tema -o- ou -i- precedido de -r- (magistro-, s.m.: professor; puero-, s.m.: menino,
uiro-, s.m.: homem; imbri-, s.f.: chuva; e assemelhados):

Em determinada época do latim, as vogais temáticas -i- e -o-, em


sílaba final terminada pelo morfema –s (nom. sg.) e antecedidas de -r-, constituindo,
pois, os grupos -ris e -ros, tendiam a sofrer síncope. Assim, -ris e -ros > *-rs10; após a
síncope, ocorreu assimilação consonântica total (*-rs > *-rr); com a subseqüente
simplificação das geminadas em final absoluto de palavra (*-rr > *-r) e o
desenvolvimento de um -e- epentético (*-r > -er), a imensa maioria das formas

10
Asterisco (*) assinala comumente, em contexto de lingüística histórica, forma hipotética, ou seja, não
atestada em manuscritos e inscrições antigas.
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 29

resultantes passou a apresentar uma desinência –er (à exceção daquelas formas em que
não foi necessária a epêntese – só requerida quando a resultante mantém um encontro
consonantal – e em que a forma do radical não se encerrava em -e-, como é o caso de
uiro-).
Ex.: magistro- + -s > magistros > *magistrs > *magistrr > *magistr > magister.
puero- + -s > pueros > *puers > *puerr > puer
uiro- + -s > uiros > *uirs > *uirr > uir
imbri- + -s > imbris > *imbrs > *imbrr > *imbr > imber

2. Fonetismos em temas consonânticos:

2.1. Vocalismo.

Alguns temas consonânticos poderão apresentar alguma dificuldade


para quem inicia seus estudos em latim; tomem-se, por exemplo, os pares de nominativo
singular/plural dos seguintes nomes:
a) flumen / flumina (flumĕn-, s.n.: rio)
b) homo / homines (homŏn-, s.m.: homem)
c) caput / capita (capŭt-, s.n.: cabeça)
Quando se deparam os temas de onde provêm tais pares de realizações
léxicas do nominativo sg. e pl., uma breve análise desses nomes leva a duas
constatações. A primeira refere-se à constituição da forma do nominativo singular, que
se realiza nesses itens lexicais, com o morfema -Ø; por isso, o próprio tema, o primeiro
elemento de cada um dos pares, tende a ser sua forma do nominativo singular. Cf.:

a) flumen (>: flumĕn-)


b) homo (>: homŏn-)
c) caput (>: capŭ t-)

Se for acrescentado a homo um -n apocopado, pode-se afirmar que


esses são realmente os temas.
Contudo, se da forma de plural, do segundo elemento de cada um dos
pares, forem eliminadas as desinências (a: -a; b: -es; c: -a), surgirão as seguintes
formas:
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 30

a) flumin-
b) homin-
c) capit-
Verifica-se, então, que elas não são exatamente iguais às primeiras e,
portanto, nem aos temas originais (cf.: a: flumen- / flumin-; b: homon- / homin-; c:
caput- / capit-). A essa altura será, de fato, pertinente indagar quais formas representam
os temas, se as primeiras ou as segundas. A verdade é que ambas as formas temáticas
são reais e verdadeiras, já que são formas de um mesmo arquitema ou arquilexia
temática. São, de fato, alotemas (atualizações formais diferenciadas de um mesmo
tema, e surgem devido aos ambientes fonéticos criados ou pela inserção de um morfema
ou pela presença de um morfema -Ø).
A razão para tal transformação histórica de uma forma temática inicial
deve-se a que, no vocalismo latino, entre tantos outros, desenvolveu-se o seguinte
princípio: em sílaba interior aberta (= não terminada por consoante), qualquer vogal
breve fechava-se em -i-, exceto diante das consoantes líquidas -r- e -l- ou após as vogais
-i- ou -e- (como já se viu, as vogais do latim são classificadas em duas séries de
fonemas: as vogais breves e as longas. A brevidade e o alongamento de uma vogal
refere-se à duração no tempo de sua prolação; dessa forma, como na música, se
atribuirmos 1 "tempo" às breves, as longas valerão 2 "tempos").
Assim sendo, as formas temáticas:
a) flumen-
b) homon-
c) caput-
têm como última uma sílaba fechada (= terminada por uma consoante):
a) -men-
b) -mon-
c) -put-
no entanto, com o acréscimo de um morfema – por exemplo, o de nominativo plural –
os nomes ganham mais uma sílaba, transformando tais sílabas finais em mediais, com as
consoantes de fechamento deixando tal posição para constituir sílaba com a desinência
resultante:
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 31

a) flu-men- + -a > flu-me-na


b) ho-mon- + -es > ho-mo-nes
c) ca-put- + -a > ca-pu-ta
Dessa forma, obtém-se a situação requerida para a alternância da
vogal breve para -ĭ-, uma vez que, agora, as vogais breves enocntram-se em sílabas
internas abertas; por essa razão, tais vogais tendem a evoluir, como realmente evoluem,
para -ĭ-.
a) flumina
b) homines
c) capita

2.2. Consonantismos.

Além dos fenômenos fonéticos de vocalismo, podem ocorrer também


alguns de consonantismo. Vejam-se, por exemplo, os seguintes pares de nominativo
singular/plural:

a) dux / duces (duc-, s.m.: comandante)


b) rex / reges (reg-,s.m.: rei)
c) miles / milites (milĕt-, s.m.: soldado)
d) fraus / fraudes (fraud-, s.f.: fraude, trapaça)
e) flos / flores (flos-, s.m.: flor)

Em “a”, “b”, “c” e “d”, o nominativo singular é "sigmático", isto é,


realiza-se com o acréscimo do morfema -s (em grego, sigma – σ/ς ).
Em “a”, aposto ao tema (duc-), o morfema (-s) passará a constituir um
grupo consonântico com o fonema velar /k/, sendo ambos, a velar e o morfema,
representados pelo grafema -x (duc- + -s = dux). Trata-se, neste caso, de mera
representação gráfica, e não de fonetismo propriamente dito.
Em “b”, acrescido ao tema (reg-), o morfema (-s) provocará o
ensurdecimento do fonema velar /g/ (/g/ + /s/ = /ks/, ou, graficamente, -gs > -cs), sendo
ambos representados, uma vez mais, pelo grafema -x (reg- + -s > recs = rex).
Em “c”, aposto ao tema (milĕt-), o morfema (-s) constituirá um grupo
consonântico que sofrerá o fenômeno denominado assimilação consonântica regressiva
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 32

total, isto é, o fonema dental /t/ é assimilado totalmente pelo -s ( -ts > -ss), ocorrendo,
em seguida, a simplificação das consoantes geminadas ( -ss > -s); assim, teremos:
(milĕt- + -s > milets > miless > miles); por essa razão, tem-se a impressão de que, no
nominativo singular, um -s está substituindo o -t- do tema milĕt-.
Em “d”, ao lado do fonema dental /d/, o morfema (-s) provocará o
ensurdecimento dessa dental, fazendo-a passar a /t/ (-ds > -ts), ocorrendo, depois, os
fenômenos da assimilação total (-ts > -ss) e, em seguida, o da simplificação das
consoantes geminadas ( -ss > -s); assim, teremos: (fraud- + -s > frauds > frauts >
frauss > fraus); devido a isso, tem-se igualmente a impressão de que, no nominativo
singular, um -s está substituindo o -d- do tema fraud-.
Em “e”, o nominativo singular é "assigmático", isto é, realiza-se com
a ausência do morfema (-s) ou com a presença do morfema (-Ø), sendo, por isso,
representado pelo próprio tema (flos- + -ø = flos). Cabe imaginar por que, então, em
uma forma (flos) ocorre um -s, enquanto, em outra (flores), ocorre um -r-. O motivo é
um fenômeno fonético denominado rotacismo (oriundo de rô – ρ – nome da letra erre,
em grego): em determinada época do latim, o -s- intervocálico sonorizou-se (-s- > -z-),
evoluindo, depois, para -r- (-s- > -z- > -r-); na forma do nominativo singular, o -s-
manteve-se por estar em final absoluto de palavra; já em flores, tem-se o tema flos- mais
o morfema -es; estando em posição intervocálica, o -s- sofreu o rotacismo, passando a -
r- (flos- + -es > floses > flozes > flores).
Ainda é preciso dizer que existem outros fonetismos latinos que não
foram abordados aqui, por não serem tão produtivos quanto os que foram estudados.
Esses outros fenômenos serão apresentados à medida que forem aparecendo no decorrer
deste Curso.

Relação Tema X Morfema Funcional: acomodações fonéticas

Em relação ao quadro apresentado à página 26, ou seja, aquele em que


se relacionam todos os alomorfes de nominativo e de acusativo, singular e plural,
empregados para palavras masculinas, femininas e neutras de temas vocálicos e
consonânticos, resta ainda estudar como ficam os acomodamentos fonéticos decorrentes
da evolução histórica das palavras latinas, e da sensibilidade que os falantes
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 33

desenvolveram sobre o uso do idioma, em relação a certos ambientes fonéticos criados


pelo contato de temas e morfemas, ou, em outras palavras, resta ver o que acontece
quando se aloca cada morfema em cada um dos temas. Ver-se-á, a seguir, um rol de
palavras pertencentes a cada um dos temas, que serão empregadas para ilustrar os
processos de acomodação fonética que, diga-se, ocorrerá sempre em cada palavra
pertencente ao mesmo tema, ou seja, as palavras que vêm a seguir são apenas exemplos
tomados aleatoriamente, dentre os paradigmas temáticos a que pertencem.

Caso NOMINATIVO ACUSATIVO


Gênero Masc./Fem. Neutro Masc./Fem. Neutro
Te- Número Sg. Pl. Sg. Pl. Sg. Pl. Sg. Pl.
ma Exemplo

-a- herba- (f.) + -ø = + -i = + -m = + -¯s =


herba herbai herbam herbās
>herbae
-o- agno- (m.) + -s = + -i = + -m = + -a = + -m = + -¯s = + -m = + -a =
facto- (n.) agnos agnoi factom factoa agnom agnōs factom factoa
>agnus >agni >factum >facta >agnum >factum >facta
-e- die- (m.) + -s = + - ¯s = + -m = diem + -¯s =
dies diēs diēs
-u- quercu- + -s = + - ¯s = + -ø = +-a= + -m = + -¯s = + -ø = +-a=
(f.) cornu- quercus quercūs cornu cornua quercum quercūs cornu cornua
(n.)
-i- mensi- + -s = + - ¯s = + -ø = mari +-a= + -m = + -¯s = + -ø = +-a=
(m.) mensis mensīs >mare maria mensim mensīs mari maria
mari- (n.) >mensēs >mensem >mensēs >mare
princĕp- + -s = + - ¯s = + -m = + - ¯s =
(m.) princeps princĕpēs> princĕpem princĕpēs
princĭpēs >princĭpem >
princĭpēs
milĕt-(m.) + -s = + - ¯s = + -ø = +-a= + -m = + - ¯s = + -ø = +-a=
capŭt-(n) milĕts milĕtēs caput capŭta milĕtem milĕtēs caput capŭta
>miles >milĭtēs >capĭta >milĭtem >milĭtēs >capĭta
duc-(m.) + -s = + - ¯s = + -ø = +-a= + -m = ducm + - ¯s = + -ø = +-a=
- hallēc-(n.) ducs> ducēs hallec hallēca >ducem ducēs hallec hallēca
cons dux
- pleb-(f.) + -s = + - ¯s = + -m = + - ¯s =
plebs plebīs plebm plebīs
>plebēs >plebem >plebēs
fraud-(f.) + -s = + - ¯s = + -ø = +-a= + -m = + - ¯s = + -ø = +-a=
cord-(n.) frauds fraudēs cor corda fraudm fraudēs cor corda
>fraus >fraudem
reg-(m.) + -s = + - ¯s = + -m = + - ¯s =
regs regēs regm regēs
>rex >regem
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 34

hiem-(f.) + -s = + - ¯s = + -m = + - ¯s =
hiems hiemēs hiemem hiemēs
leōn-(m.) + -ø = + - ¯s = + -ø = +-a= + -m = + -¯s = + -ø = +-a=
flumĕn- leon >leo leōnēs flumen flumĕna leonm leōnēs flumen flumĕna
(n.) >flumĭna >leōnem >flumĭna
flos-(m.) + -ø = + - ¯s = + -ø = +-a= + -m = + - ¯s = + -ø = +-a=
uellŭs-(n.) flos flosēs uellus uellŭsa flosm flosēs uellus uellŭsa
corpŭs- >florēs corpus >uellĕra >florem >florēs corpus >uellĕra
(n.) corpŭsa corpŭsa
- >corpŏra >corpŏra
cons consŭl- + -ø = + - ¯s = + -ø = +-a= + -m = + - ¯s = + -ø = +-a=
- (m.) consul consulēs animal animalia consulm consulēs animal animalia
animal-i- >consulem
(n.)
aratōr- + -ø = + - ¯s = + -ø = +-a= + -m = + - ¯s = + -ø = +-a=
(m.) arator aratōrēs marmor marmŏra aratorm aratōrēs marmor marmŏra
matr-(f.) matr matrēs >aratōrem matrēs
marmŏr- >mater matrm
(n.) >matrem

Observações sobre as acomodações fonéticas mais relevantes:

1) palavras de tema -a- sempre assimilam o morfema -i (-a- + -i > -ai > -ae);
2) palavras de tema -o- apresentam um fechamento do -o- temático em -u-, quando
em presença dos morfemas –s e –m (-os>-us e om>-um), a menos que ele seja
precedido de -r- (v. p. 27), situação em que sofrerá síncope, e o -r- radical
assimilará o -s morfêmico (-ros>-rs>-r, com ou sem -e- epentético: -er). A
síncope do -o- só não acontece quando o -r-: a) for imediatamente precedido de
vogal longa (austērus, “rígido, severo”, matūrus, “maduro”); b) ocorrer em
dissílabos, precedido imediatamente de vogal (clārus, “distinto, claro, evidente”
fĕrus, “selvagem”);
3) palavras de tema -i- têm duas características distintivas principais: a) uma
abertura histórica e regular do -i- temático em -e-, na presença dos morfemas: -¯s
(nom./ac. pl.: mensēs), -m (ac. sg.: mensem) e –ø (nom./ac. sg. neutro: mare), o
que, na prática, resultará em b) identidade desinencial com as palavras de tema
consonântico em quase todas as formas (cf. palavras do quadro), exceto no
nominativo sg. (mensis), nom./ac. pl. neutro (maria) e genitivo plural (mensium;
o genitivo é próximo caso a ser estudado neste curso), formas em que o -i-
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 35

temático é sempre expresso, antecedendo, portanto, os morfemas desses casos11.


Tal aproximação formal com as palavras de tema -cons.- levou a que certas
palavras de tema -i- apresentassem perda da vogal temática também na forma de
nominativo sg. (stirps, nom. sg. de stirp-i-, s.f. “tronco, cepa”; falx, nom sg. de
falc-i-, s.f. “foice”; urbs, nom. sg. de urb-i-, s.f., “cidade”), caso em que serão
descritas, neste curso, destacando-se a vogal temática do radical, por meio de
hífen: praesent-i-, adj., “presente, em pessoa”;
4) nas palavras M./F. de tema consonântico, o fonema epentético – que surge para
desfazer o encontro da raiz consonantal com um morfema também consonantal –
é, por excelência o -e-. Por isso, na prática, suas formas de nom./acus. pl.
consistirão sempre em um -ē- (“e” longo) suportando um –s, e as de acus. sg.,
em um -e-, estribando um –m morfêmico;
5) a manutenção, na escrita, de formas como urbs e plebs é artificial, já que a
presença do fonema sibilante surdo /s/ ensurdece o fonema oclusivo sonoro /b/
da raiz (plebs>pleps) e, de fato, tal forma é atestada em certos autores: Hoc tam
magnae iniuriae exemplo pleps concitata montem Aventinum occupavit
coegitque xviros abdicare se magistratu (Tito Lívio, Periochae Librorum Ab
Vrbe Condita, III), “Com este exemplo de uma tão grande injustiça, a plebe em
fúria tomou o monte Aventino e obrigou os decênviros a abdicarem seus
cargos”;
6) nas palavras de tema consonantal em que o radical termina por duas ou mais
consoantes, se se tratar de um grupo temático que realiza o nominativo sg. com
morfema –ø , em geral, ocorre apócope da consoante final (cord- + –ø > cord >
cor; mell- + –ø > mell- > mel);

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Devido a essa forte tendência (o -i- temático abrir-se em -e- nos casos apontados), certas palavras de
tema -i- passaram a apresentar a abertura também no nominativo sg. (feles, p. ex., é o nominativo de
feli-,“gato”; uulpes, nom. sg. de uulpi-). Por outro lado, ainda no período clássico aparecem palavras de
tema -i-, sem apresentar a abertura em -e- no acusativo sg. e pl.. Ex.: aut Ararim Parthus bibet aut
Germania Tigrim (Virg., Buc. I, 62), “o Parto beberá no rio Árar, a Germânia, no Tigre”; trata-se, aqui,
de acusativos sg. de topônimos de tema -i-: Arări-, s. m. (rio Árar, na Gália, hoje chamado Saône);
Tigri-, s.m. (rio Trigre, na Ásia, que recebe o Eufrates como afluente); nos patriae finis et dulcia
linquimus arua (Virg., Buc. I, 63), “nós deixamos os doces campos e os limites da pátria”, trata-se do
acusativo pl. de fini-, s. m./f. “confim, limite territorial”.
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 36

7) nas palavras de tema consonantal -n-, quando ele for antecedido por -o-, ocorre,
no nominativo sg., síncope sistemática do –n (leon- + –ø > leon > leo);
8) nas palavras de tema consonantal -s-, quando ele for antecedido por –ŭ- (“u”
breve), após o rotacismo – que ocorrerá em todas as flexões da palavra, menos
no nominativo sg., caso em que o morfema é –ø – essa vogal sofre alternância,
ora para -ŏ- ora para -ĕ-, conforme a palavra (uellŭs- + -a > uellŭsa > uellĕra;
corpŭs- + -a > corpŭsa > corpŏra);
9) nas palavras de tema consonantal –r-, em que este vier precedido de consoante,
uma vez que o morfema de nominativo sg. é –ø, a forma resultante – o próprio
tema/radical – desenvolve uma vogal (epêntese) eufônica –e- (matr-, s.f.,
“mãe”+ –ø > *matr > mater; fratr-, s.m., “irmão” + –ø > *fratr > frater).
10) por último e apenas para insistir uma vez mais, sublinhe-se que a regra para
determinar a forma de qualquer palavra de gênero neutro no acusativo é a de que
sua morfologia será sempre a mesma que a do nominativo, isto é, uma vez
submetido um tema de palavra neutra às transformações fonéticas apresentadas
no quadro para o nominativo, ele sempre se repetirá, na mesma forma, no
acusativo, de modo que seu nom. sg. será idêntico a seu acus. sg. e seu nom. pl.,
a seu acus. pl.
ЉТР - LÍNGUA LATINA I – ANOTAÇÕES DE AULA - v. 2.2 A Oposição Fundamental NOMINATIVO X ACUSATIVO 37

Exercício III - "Nominativo X Acusativo" – Todos os Temas

Égloga IV - Normalizações da Oposição Fundamental (Nom. X Ac.)

1. Musam canit poeta. 2. Maiora canit poeta. 3. Non omnes arbustum

iuuant myricaque. 4. Poeta canit siluam. 5. Puer desinit aetatem. 6. Iam

regnat Apollo. 7. Puer uitam accipit. 8. Puer regit orbem. 9. Munusculum

tellus fundit. 10. Miscit colocasium acanthum. 11. Non metuit armentum leonem.

12. Fundit cunabulum florem. 13. Occidunt et serpens et herba. 14. Laudem et

factum legit puer. 15. Puer cognoscit uirtutem. 16. Quercus sudat mel.

17. Ratis temptat Thetem. 18. Cingit murus oppidum. 19. Tellus

infindit sulcum. 20. Tiphys uehit heroem. 21. Vehit Argo heroem. 22. Virum

puerum facit aetas. 23. Pinus mutat mercem. 24. Omnia fert tellus. 25. Non

rastrum patitur humus. 26. Non uinea patitur falcem. 27. Iugum soluit arator.

28. Mentitur lana colorem. 29. Aries iam mutat uellus. 30. Sandyx uestit

agnos. 31. Spiritus dicit factum. 32. Non poetam uincit Orpheus. 33. Pan poetam

certat. 34. Arcadia iudicat certamen. 35. Puer cognoscit matrem. 36.

Matrem decem fastidiunt menses.

Vocabulário Temático

acanthus (-o-), s.m.: acanto humus (-o-),s.f.: solo patĕre (patĭ-) , v. dep.: suportar, sofrer
accipĕre (accipĭ-), v.: receber iam, adv.: já pinus (-o-),s.f.: pinheiro (por metonímia,
aetas (aetāt-),s.f.: era; idade infindĕre (infind-), v.: abrir, rasgar “navio”)
agnus (-o-),s.m.: cordeiro iudĭcāre (iudica-), v.: julgar poēta (-a-),s.m.: poeta
Apollo (Apollōn-),s.m.: Apolo iugum (-o-),s.n.: jugo puĕr (puero-),s.m.: menino
arātor (aratōr-),s.m.: lavrador iuuāre (iuua-), v.: agradar -que / et, conj.: e
arbustum (-o-),s.n.: arvoredo lana (-a-), s.f.: lã quercus (-u-),s.f.: carvalho
Arcadia (-a-),s.f.: Arcádia laus (laŭd-),s.f.: louvor rastrus (-o-),s.m.: enxada
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Argo (-u-),s.f.: Argo (navio de Jasão) leg-, v.: ler, colher, escolher ratis (-i-),s.f.: navio
aries (ariĕt-),s.m.: carneiro leo (leōn-),s.m.: leão regĕre (reg-), v.: reinar; reger
armentum (-o-),s.n.: rebanho maiōra (maiŭs-), adj. subst. n. pl.: regnare (regna-), v.: reinar; governar
canĕre (can-), v.: cantar “coisas” maiores; assuntos sandyx (sandўc-), s.f.: zarcão (planta
certāre (certa-), v.: combater mais sérios vermelha)
certamen (certamĭn-),s.n.: competição mater (matr-),s.m.: mãe serpens (serpenti-),s.f.: serpente; cobra
cingĕre (cing-), v.: envolver mel (mell-),s.n.: mel silua (-a-),s.f.: bosque; floresta
cognoscĕre (cognosc-), v.: conhecer mensis (-i-),s.m.: mês soluĕre (solu-), v.: soltar, desamarrar
colocasium (-o-),s.n.: colocássia mentīre (menti-), v. dep.: mentir, enganar spirĭtus (-u-),s.m.: alento, espírito
color (colōr-),s.m.: cor, tintura merx (merc-),s.f.: mercadoria, negócio sudāre (suda-), v.: transpirar, suar
cunabŭlum (-o-),s.n.: leito metuĕre (metu-), v.: ter medo; temer sulcus (-o-),s.m.: sulco
decem, num.: dez miscĕre (misc-), v.: misturar tellus (tellūr-),s.f.: terra
desinĕre (desin-), v.: encerrar; fazer munuscŭlum (-o-),s.n.: presentinho temptāre (tempta-), v.: arrostar, enfrentar
cessar murus (-o-),s.m.: muralha Thetis (-i-),s.f.: Tétis (ninfa marinha; por
dicĕre (dic-), v.: dizer Musa (-a-),s.f.: Musa metonímia, “o mar”)
et...et, conj. correl.: tanto…quanto mutāre (muta-), v.: mudar, trocar Tiphys (Tiphy-),s.m.: Tífis (piloto na nau
facĕre (facĭ-), v.: fazer myrĭca (-a-),s.f.: tamariz (árvore do “Argo”)
factum (-o-),s.n.: feito tamarindo) uehĕre (veh-), v.: transportar
falx (falc-),s.f.: foice non, adv.: não uellŭs (uellĕr-),s.n.: velo, tosão
fastidīre (fastidi-), v.: enjoar occĭdĕre (occid-), v.: morrer uestīre (uesi-), v.: vestir, cobrir
ferre (fer-), v. irreg.: trazer, levar omnis (-i-),pr. indef. adj.: todo uincĕre (uinc-), v.: vencer
flos (flos-),s.m.: flor oppĭdum (-o-),s.n.: cidade, cidadela uinea (-a-),s.f.: vinha, vinhedo
fundĕre (fund-), v.: esparramar, distribuir orbis (-i-),s.m.: orbe; mundo uir (-o-),s.m.: homem
herba (-a-),s.f.: herba Orpheus (-o-),s.m.: Orfeu uirtus (uirtūt-),s.f.: coragem, bravura
heros (heroi-),s.m.: herói Pan (Pan-),s.m.: Pã (deus dos bosques) uita (-a-),f: vida

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