Você está na página 1de 3

ESTADO DE GUERRA

Situação em que uma nação, com ou sem declaração de guerra, inicia hostilidades contra
outra suspendendo internamente todas as garantias constitucionais consideradas direta ou
indiretamente prejudiciais à segurança nacional. Prevista em todas as constituições brasileiras, em
1935 essa situação foi equiparada, através da Emenda Constitucional nº 1, à “comoção intestina
grave, com finalidades subversivas das instituições políticas e sociais”. Com essas características foi
decretado o estado de guerra no país nos anos 1936-1937. Instaurado pelo Decreto nº 702, de 21
de março de 1936, com vigência inicial de 90 dias, prorrogado entretanto até meados de junho de
1937, o estado de guerra voltou a ser implantado em 2 de outubro de 1937, pelo Decreto nº 2.005,
vigorando até 10 de novembro do mesmo ano, quando foi decretado o Estado Novo.

 
Antecedentes

A Revolta Comunista deflagrada em fins de novembro de 1935 provocou uma violenta


repressão do governo federal aos opositores do regime. No dia 26 do mesmo mês, o Decreto nº
457 declarou o estado de sítio em todo o território nacional por 30 dias. Segundo o decreto,
poderiam ser “detidas ou conservadas em custódia todas as pessoas que [houvessem] co-
participado na insurreição extremista ou a respeito das quais [tivessem] as autoridades fundados
motivos para crer que [viessem] a participar nela, em qualquer ponto do território nacional”.

No dia 18 de dezembro, a Emenda nº 1 à Constituição federal estabeleceu que a Câmara


dos Deputados, com a colaboração do Senado, poderia autorizar o presidente da República “a
declarar a comoção intestina grave, com finalidades subversivas das instituições políticas e sociais,
equiparada ao estado de guerra em qualquer parte do território nacional”. O Decreto nº 532, de 24
de dezembro de 1935, além de prorrogar o estado de sítio por 90 dias, corroborou a possibilidade
de ser decretado o estado de guerra, com base na Emenda nº 1.

Nos primeiros meses de 1936, foram implantadas várias medidas enérgicas de prevenção e
repressão às atividades subversivas. No mês de janeiro, foi criada a Comissão Nacional de
Repressão ao Comunismo, com o objetivo de coordenar o combate ao comunismo e tentar
reprimir a atuação dos participantes ou simpatizantes da Revolta Comunista.

No dia 21 de março, finalmente, o Decreto nº 702 instaurou o estado de guerra pelo prazo
de 90 dias.
 
De março de 1936 a junho de 1937

Com a escalada da ação repressiva, alguns jornais foram fechados e muitos opositores do
regime presos. Entre eles estavam os membros mais importantes da Aliança Nacional Libertadora
— fechada em julho do ano anterior —, como Luís Carlos Prestes e Jules Vallée, e ainda alguns
membros da Minoria Parlamentar, como o senador Abel Chermont e os deputados Abguar Bastos,
Domingos Velasco, João Mangabeira e Otávio da Silveira, todos acusados de terem participado da
Revolta Comunista. Foram também detidos o coronel Filipe Moreira Lima e o prefeito do Distrito
Federal, Pedro Ernesto Batista.

O estado de guerra foi sucessivamente prorrogado, sempre pelo prazo de 90 dias, nos
meses de junho, setembro e dezembro de 1936. Ainda nesse ano no mês de setembro, foi criado o
Tribunal de Segurança Nacional, com o objetivo de processar e julgar militares e civis acusados de
crimes contra a segurança do país.

Em fins de março de 1937, o estado de guerra foi mais uma vez prorrogado, vigorando até
18 de junho, quando foi finalmente suspenso. Essa suspensão era defendida por vários senadores e
deputados, bem como por Armando de Sales Oliveira, candidato da oposição às eleições
presidenciais marcadas para janeiro de 1938.

Cessado o estado de exceção, vários presos políticos sem processo formado foram soltos,
aumentando a pressão para que os demais fossem libertados. No mês de julho, foram realizadas
grandes manifestações populares em favor de Pedro Ernesto, solto finalmente em 14 de setembro.

Por outro lado, a campanha anticomunista desencadeada pelos partidários de Getúlio


Vargas se acirrou em fins de setembro com a “descoberta” do Plano Cohen, documento forjado
que revelava um plano de derrubada do governo pelos comunistas. Esse episódio acabou sendo
mais um pretexto para que o Executivo tomasse fortes medidas repressivas.

Imediatamente, o ministro da Justiça, José Carlos de Macedo Soares, enviou ao Congresso


Nacional um pedido de autorização do Executivo para decretar mais uma vez o estado de guerra
pelo prazo de 90 dias. A bancada de São Paulo liderou a oposição ao pedido do governo, consciente
de que se articulavam todos os elementos para um golpe de Estado. Apesar das precauções
tomadas pelos paulistas — entre as quais um pedido de provas de que estaria sendo de fato
preparada uma nova conspiração comunista —, o estado de guerra foi aprovado e entrou em vigor
no dia 2 de outubro de 1937. Segundo defensores da política varguista, no entanto, a decretação
do estado de guerra não comprometeria a realização das eleições presidenciais.
Com a função de superintender nacionalmente o estado de exceção, foi imediatamente
criada a Comissão Executora do Estado de Guerra, cabendo aos próprios governadores dos estados
— salvo do Rio Grande do Sul e de São Paulo — o cargo de executores do estado de guerra.
Defensores da candidatura de Armando Sales, esses dois estados passaram a ter sua autonomia
bastante cerceada. José Antônio Flores da Cunha, governador gaúcho, sentindo-se pressionado
pelo governo federal, renunciou no dia 19 de outubro. Seu lugar foi ocupado pelo general Manuel
de Cerqueira Daltro Filho, executor do estado de guerra no Rio Grande do Sul. Também no Distrito
Federal a execução do estado de guerra foi entregue ao chefe de polícia Filinto Müller, em lugar do
prefeito.

Nos últimos dias de outubro e primeiros dias de novembro, a possibilidade de Vargas


desferir um golpe de Estado foi discutida pelo deputado Francisco Negrão de Lima, em missão
secreta, com os governadores dos estados do Norte e do Nordeste. Com exceção dos governos de
Pernambuco e da Bahia, todos os demais apoiaram a idéia do golpe. A Comissão Executora do
Estado de Guerra foi então reforçada nesses dois estados, enfraquecendo o poder das lideranças
políticas locais. Ao mesmo tempo, em São Paulo, o governador José Joaquim Cardoso de Melo Neto
se afastou dos armandistas, aproximando-se do governo central.

Criadas todas as condições para a deflagração de um golpe, o Estado Novo foi finalmente
instaurado em 10 de novembro de 1937.

Mônica Kornis

FONTES: CARONE, E. República Nova; SKIDMORE, T. Brasil.

Você também pode gostar