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Projeto Arquitetonico:

Habitação Unifamiliar
Material Teórico
Construção do Repertório – Parte I

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Altimar Cypriano

Revisão Textual:
Prof. Esp. Claudio Pereira do Nascimento
Construção do Repertório – Parte I

• Levantamentos Preliminares;
• Estudos de Projetos Análogos;
• A Pesquisa para Construção de Repertório.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Sistematizar os levantamentos e pesquisas como base para o processo de projeto.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE Construção do Repertório – Parte I

Levantamentos Preliminares
Segundo Francis D. K. Ching (2013), “a arquitetura é geralmente concebida
(projetada) e realizada (construída) em resposta a um conjunto de condições exis-
tentes”. Para o autor, esse conjunto de condições existentes é denominado “o pro-
blema”, enquanto “um novo conjunto de condições será a solução”.
“A fase inicial de qualquer processo de projeto é o reconhecimento de
uma condição problemática e a decisão de se encontrar uma solução para
ela. O projeto é, acima de tudo, um ato deliberado, um esforço com
certo propósito. Um projetista deve primeiramente documentar as con-
dições existentes de um problema, definir seu contexto e levantar dados
importantes para serem assimilados e analisados. Essa é a fase crucial do
processo de projeto, já que a natureza de uma solução está inexoravel-
mente relacionada à maneira como o problema é percebido, definido e
trabalhado”. (CHING, 2013)

Ching (2013) também defende que “a ampliação e o enriquecimento do voca-


bulário da linguagem de projeto” contribuirão significativamente no processo de
projeto, seja tanto por um refinamento da percepção do problema quanto pela for-
mulação da resposta. Nesse contexto, a expansão do arcabouço de conhecimento
poderá se dar por meio do estudo e análise do maior número de projetos.
“A arquitetura é geralmente concebida (projetada) e realizada (construída)
em resposta a um conjunto de condições existentes. Essas condições po-
dem ser de natureza puramente funcional ou refletir, em graus variados, a
atmosfera social, política e econômica. De qualquer maneira, pressupõe-
-se que o conjunto de condições existentes – o problema – seja pouco
satisfatório, e que um novo conjunto de condições – uma solução – seria
desejável. O ato de criar arquitetura, portanto, constitui um processo de
resolução de problemas ou um processo de projeto. ” (CHING, 2013)

Para darmos início ao desenvolvimento de um projeto residencial, teremos que


antes de tudo conhecer as necessidades e anseios do cliente. Para que o Programa
de Necessidades seja contemplado de forma satisfatória, devemos também enten-
der que no processo de projeto deve-se respeitar o orçamento do cliente, assim
seus sonhos e expectativas poderão ser contempladas dentro da realidade. Se o
cliente já possuir um lote ou terreno, deve verificar se está regularizado e qual o
zoneamento e a quais índices urbanísticos está submetido (T.O. - C.A. etc.)

Estudos de Projetos Análogos


De acordo com Unwin (2013), antes da análise da arquitetura, ou seja, antes
do “como?” precisamos examinar brevemente “o quê?” e “por quê?; “o que é
a arquitetura?” e “por que a fazemos?”. O que é arquitetura já foi apresentado

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anteriormente, porém, como dito na unidade I, há diversos conceitos do que seja
arquitetura e, para Unwin (2013), “a arquitetura de uma edificação, um grupo de
edificações, uma cidade, um jardim, etc., será considerada sua organização concei-
tual, sua estrutura intelectual”.

Bruno Zevi (1996) entende que a “joia arquitetônica” é o espaço resultante dos
elementos que o definem, ou seja, as “fachadas de uma casa, de uma igreja ou
de um palácio”. Portanto, embora esses elementos possam ser “belos” e “a caixa
artisticamente trabalhada, ousadamente esculpida”, é o espaço por eles definidos
como o protagonista da arquitetura. Este debate não se encerra com essa expla-
nação de Zevi (1996), pois as investigações formais contemporâneas, segundo
Montaner (2010), ampliam a discussão.
“A arquitetura é geralmente concebida (projetada) e realizada (construída)
em resposta a um conjunto de condições existentes. Essas condições po-
dem ser de natureza puramente funcional ou refletir, em graus variados, a
atmosfera social, política e econômica. De qualquer maneira, pressupõe-se
o conjunto de condições existentes – o problema”. (MONTANER, 2010)

Os métodos de representação da arquitetura tentam transmitir da melhor forma


as concepções espaciais. Para Zevi (1996), esses elementos, a saber: plantas, ele-
vações, cortes, seções e fotografias, “são incapazes de representar completamente
o espaço arquitetônico”, porém, para o autor, as plantas “ainda hoje são um dos
meios fundamentais da representação arquitetônica”. “ A descoberta da perspec-
tiva”, um desenho de representação que contempla as três dimensões: largura,
profundidade e altura, legitimou, de certa forma, uma autonomia para a arte e a
arquitetura, porém os pintores cubistas tentaram explorar uma quarta dimensão na
representação de objetos, sobrepondo imagens a partir de diversos pontos de vista.
Segundo Bruno Zevi (1996), “a conquista cubista da quarta dimensão é de grande
alcance histórico”. Na arquitetura, a quarta dimensão, “o tempo, comum a todas
as artes” (ZEVI, 1996), é indispensável para a própria compreensão da arquitetura.
Porém, o autor explicita que há diferença de significado. Dessa dimensão “tempo”,
na arte e na arquitetura: “em arquitetura, no entanto, o fenômeno é totalmente
diferente e concreto: aqui é o homem que, movendo-se no edifício, estudando-o de
pontos de vista sucessivos, cria, por assim dizer, a quarta dimensão, dá ao espaço a
sua realidade integral” [...] a quarta dimensão é suficiente para definir o volume ar-
quitetônico, isto é, o invólucro mural que encerra o espaço. Mas o espaço em si – a
essência da arquitetura – transcende os limites da quarta dimensão. Então, quantas
dimensões tem este ‘vazio’ arquitetônico, o espaço? Cinco, dez. Talvez infinitas.
Mas, com relação aos nossos objetivos, basta estabelecer que o espaço arquitetôni-
co não pode ser definido nos termos das dimensões da pintura e da escultura. [...]
Dizer, como é hábito, que a arquitetura é a edificação ‘bela’ e a não-arquitetura a
edificação ‘feia’ não tem qualquer sentido esclarecedor, porque o belo e o feio são
relativos e porque, de qualquer maneira, seria necessário dar antes uma definição
analítica da edificação [...] A definição mais precisa... é a que leva em conta o es-
paço interior. A bela arquitetura será a arquitetura que tem um espaço interior que

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UNIDADE Construção do Repertório – Parte I

nos atrai, nos eleva, nos subjuga espiritualmente; a arquitetura feia será aquela que
tem um espaço interior que nos aborrece e nos repele. O importante, porém, é
estabelecer que tudo que não tem espaço interior não é arquitetura” (ZEVI, 1996).

Este debate não se encerra com essa explicação de Zevi (1996), pois as investi-
gações formais contemporâneas, segundo Montaner (2009), ampliam a discussão.
Para Montaner (2009), “não podemos pretender reduzir os mundos criativos exclu-
sivamente às condições econômicas e ideológicas”, nem tampouco reduzir a análise
da arquitetura aos elementos individuais e isolados, mas “de maneira mais abrangen-
te possível em relação ao seu contexto, como sistemas de objetos que têm relação
com as diversas concepções do sujeito e do tempo”. Devemos, portanto, procurar
fazer uma leitura da arquitetura contextualizada, no tempo, na paisagem e entender
o pensamento do arquiteto e suas aspirações e seu engajamento político, social etc.

O estudo de projetos análogos permitirá: conhecer os caminhos (processo de


projeto) e soluções adotados pelo arquiteto, assim, a pesquisa do assunto (tema
do projeto) deve ser iniciada com a seleção de diversos projetos que deverão ser
“desconstruídos” por meio de desenhos e análise gráfica que permita esse enten-
dimento; compreender como o edifício foi implantado no lote a partir das diversas
condicionantes, quais estratégias e diretrizes formais, conceituais, ambientais, ma-
teriais, construtivas etc., foram adotadas; extrair dessas análises como os espaços
se conectam e se separam, como as circulações orientam e organizam os fluxos;
entender como o objeto arquitetônico se relaciona com o entorno e como esse
objeto é visto e inserido na paisagem.

Para se produzir uma boa arquitetura, deve-se estudar boa arquitetura. Para se
projetar boas residências, deve-se estudar boas residências. Estabelecer o que é
uma boa arquitetura não é uma tarefa fácil, mas um bom caminho é procurar estu-
dar os arquitetos mais conceituados (e premiados), independente de se “gostar” ou
não da sua produção arquitetônica, para a partir do entendimento da sua obra e do
seu pensamento conseguir retirar subsídio para definição de possíveis parâmetros
comparativos. A seguir vamos ver como a pesquisa e a análise de projetos residen-
ciais podem contribuir para a construção de um repertório.

A Pesquisa para Construção de Repertório


A ampliação do repertório possibilita a criação de um ambiente propício para
reflexões sobre as soluções encontradas a partir das questões apresentadas, enten-
dendo as condições e o contexto em que foram adotados.

A pesquisa tem um papel fundamental para a construção do repertório, pois


é por meio da investigação de aspectos específicos da arquitetura que se pode
refinar o conhecimento. Os diagramas podem ser boas ferramentas nesse pro-
cesso. Um bom exemplo disso são os diagramas de setorização, que permitem o

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entendimento da organização espacial por meio de uma leitura das circulações,
fluxos e hierarquia dos espaços projetados.

Uma boa prática que contribui substancialmente para um bom entendimento


dos projetos é o redesenho. O arquiteto autodidata Japonês Tadao Ando1 utilizou
desse expediente e por meio de redesenho dos projetos de Le Corbusier pode
compreender os preceitos do Movimento Moderno que Le Corbusier defendia,
lhe conferindo uma condição incomparável ao associar essas experiências ao seu
conhecimento da arquitetura tradicional japonesa.

Tadao Ando – Casa Azuma, Osaka – Japão


Este projeto icônico de Tadao Ando é considerado por ele o seu autorretrato
arquitetônico e é uma espécie de síntese de seus projetos. A casa implantada em
um pequeno lote é dividida em três partes, sendo dois volumes extremos, com dois
pavimentos, separados pelo pátio descoberto. A ligação entre os volumes é feita por
uma passarela que atravessa o pátio. O pátio atua como elemento de separação; no
térreo, de um lado está a sala de estar e do outro a cozinha e o banheiro, no pavi-
mento superior ficam os dois dormitórios, um de cada lado, unidos pela passarela.

Figura 1 – Plantas | Perspectivas – Casa Azuma


Fonte: Wikimedia Commons

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Tadao Ando, nasceu em 1941 em Osaka, Japão. Ganhador de diversos prêmios de arquitetura, entre eles: Medalha
Alvar Aalto da Finnish Association of Architects, Medalha de ouro de arquitetura da Académie d’Architecture de
France e Pritzker Prize, além de diversos títulos honoris causa.

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UNIDADE Construção do Repertório – Parte I

Figura 2 – Imagem renderizada – Casa Azuma


Fonte: Wikimedia Commons

Figura 3 – Fotografia do interior – Casa Azuma


Fonte: vtwctr.org

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Figura 4 –Fotografias do interior – Casa Azuma
Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons
Explor

Fotografia fachada – Casa Azuma, disponível em: https://goo.gl/vYsGiF

Le Corbusier – Ville Savoye, Poissy – França


Neste projeto de 1928, Le Corbusier apresenta de fato os cinco pontos da arqui-
tetura, premissas concebidas anteriormente e já experimentadas em projetos anterio-
res, mas que aqui são integralmente colocados. Os cinco pontos da nova arquitetura
propostos por Le Corbusier são: pilotis – elevando o edifício do solo e permitindo
a utilização deste espaço agora livre; terraço jardim – o arquiteto transfere para a
cobertura o jardim que anteriormente ocupava o térreo e agora está sobre o edifício;
planta livre – a ideia de espaço fluido, sem grandes compartimentações; fachada
livre – grandes planos de vedação sem ornamentos e elementos sem função; e final-
mente a janela em fita – grandes planos de aberturas horizontais.

Figura 5 – Perspectivas | Sistemas – Ville Savoye


Fonte: Adaptado do Acervo do Conteudista

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UNIDADE Construção do Repertório – Parte I

Contexto

Figura 6 – Fotografia da fachada – Ville Saviye


Fonte: Wikimedia Commons
Explor

Fotografia da fachada – Ville Savoye, disponível em: https://goo.gl/UfPsHz

Figura 7 – Jardim interno descoberto – Ville Savoye


Fonte: Wikimedia Commons

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Figura 8 – Fotografia interior – Ville Savoye
Fonte: Wikimedia Commons

Figura 9 – Fotografia interior – Ville Savoye


Fonte: Wikimedia Commons

Figura 10 – Fotografia – terreço jardim – Ville Savoye


Fonte: Wikimedia Commons

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UNIDADE Construção do Repertório – Parte I

Rem Koolhaas – Villa dall’Ava


Rem Koolhaas desenvolve esse projeto fazendo uma referência direta ao proje-
to de Le Corbusier para a Ville Savoye, fazendo uso de uma linguagem corbusiana
para alinhavar um “debate” conceitual a partir dos seus elementos. Os pilotis de
Le Corbusier estão presentes, porém, aqui, Koolhaas subverte a estrutura reticula-
da, as colunas metálicas coloridas são inclinadas rompendo a perpendicularidade
dos pilotis da Ville Savoye. Neste edifício, o arquiteto se apropria dos elementos
corbusianos, mas não se submete a eles, ao contrário, aqui eles são modificados
e ressignificados.

Rafael Moneo (2008) descreve o projeto de Koolhaas:


“Há duas opções para o acesso à casa, uma para o pedestre e outra para
o veículo [...]. Em relação à garagem, ela se organiza como se fosse um
corte no talude natural. No ponto de confluência de ambos os acessos
aparecem uma rampa e uma escada helicoidal que levam à sala de estar
ou à sala de jantar/cozinha, no piso superior. A planta trapezoidal domina
em seu lado mais estreito o acesso, enquanto o mais amplo mantém o
contato com o jardim. Os ocupantes estão agora no âmbito mais público
da casa. Todo o espaço está aberto e nele ‘flutuam’ a chaminé e a curva
da cozinha, que poderiam isolar-se e transformar-se em volumes autôno-
mos [...] Os donos têm acesso ao seu dormitório/escritório a partir de
uma escada privada próxima à sala de estar; os convidados, a partir de
uma escada situada no extremo oposto. Outro lance de escadas externo,
ao qual se tem acesso a partir de um corredor que comunica horizontal-
mente o dormitório dos donos da casa com o dos convidados, conduz
à piscina, onde o jardim corbusiano se transforma em uma plataforma
despojada de onde se avista, ao longo, a cidade: Paris”.

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Figura 11 – Plantas | Cortes – Villa dall’Ava
Fonte: OMA, 1991

Figura 12 – Fotografia fachada – Villa dall’Ava


Fonte: OMA, 1991

Figura 13 – Fotografia fachada – Villa dall’Ava


Fonte: OMA, 1991

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UNIDADE Construção do Repertório – Parte I

Explor
Leia mais sobre uma análise comparativa entre os projetos de Le Corbusier - Villa Savoye e
de Rem Koolhaas – Villa Dall Ava, feita em pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida por
Carolina Gonçalves Cypriano, sob orientação do prof. Me. Franklin Roberto de Paula Ferreira,
disponível em: https://goo.gl/GZd6W7

A residência unifamiliar – Casa Pátio


O pátio é um elemento frequente na arquitetura residencial e as pesquisas apon-
tam que o seu aparecimento remonta a tempos distantes. Antes mesmo da sua
utilização na arquitetura clássica, é possível encontrar vestígios em ruínas pré-his-
tóricas. António Baptista Coelho escreve em seu blog: infohabitar.blogspot.com.
“O homem moderno terá, “apenas”, entre 100.000 e 50.000 anos, o
pensamento artístico terá sido desenvolvido há cerca de 25.000 anos,
antecipando a invenção, primeiro, dos pequenos espaços urbanos cons-
tituídos por orgânicos aglomerados de casas, sem ruas (a circulação seria
feita pelas coberturas e utilizando escadas, recolhidas em caso de perigo),
depois do sistema de casas ligado e separado por ruas e outros espaços
de invenção do sentido cívico, sentido este que terá levado, finalmente,
à racionalização dos traçados, à criação de espaços públicos específicos,
funcionais e representativos, muito provavelmente com pátios públicos e
consequentemente à criação dos espaços domésticos mais privatizados e
frequentemente também estruturados por pátios.”

Nas civilizações antigas ocidentais, como a Grega a Romana, assim como na


cultura oriental e especialmente na arquitetura chinesa, o pátio aparece continu-
amente e, mesmo hoje, é amplamente utilizado em diversas regiões do mundo, a
sua posição central na casa lhe confere um caráter especial, como salienta Baptista
Coelho, citando Schoenauer:
“...o pátio é o coração da casa urbana oriental e não existe em nenhuma
outra língua uma expressão mais poética do que a chinesa para definir o
pátio, «oferenda do céu», fonte que proporciona luz, ar e água da chuva
à habitação… outra característica da casa pátio é que esta introversão
proporciona privacidade visual e acústica... “o conceito de casa pátio foi
redescoberto por alguns arquitetos modernos”, constituindo um “exem-
plo a seguir tanto no uso do solo como na conservação da energia e na
definição hierárquica das ruas, pois proporciona identificação mais íntima
com a comunidade residente”.

É evidente a influência da arquitetura oriental na utilização do pátio na arquitetu-


ra clássica ocidental, especialmente nas casas gregas e romanas e, de acordo com
Luiz Augusto dos Reis-Alves, no seu artigo “O que é o pátio interno? – Parte 1”:
“Para a aceitação no Ocidente da casa pátio oriental urbana pode-se des-
tacar quatro fatores principais: primeiro, um espaço psicológico, onde um
edifício “introvertido” proporciona uma maior privacidade, vigilância e

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segurança para que o homem realize as suas atividades ao ar livre. Segun-
do, por uma  razão econômica, algumas antigas cidades e comunidades
foram construídas de modo a formar um anel único, com o espaço central
descoberto. Isto permitia uma densidade populacional relativa aliada a
um baixo custo de defesa. Como terceiro item destacamos as condições
climáticas, o pátio em lugar da casa isolada com suas quatro faces expos-
tas ao Sol, ao vento etc., fazia com que um edifício protegesse o outro, e
este espaço descoberto poderia ser o local onde seria cultivado as plantas,
as águas da chuva seriam recolhidas para o uso doméstico e na criação
de um microclima menos hostil que o externo. O quarto remete às co-
notações religiosas; este espaço aberto relembra a imagem do homem
no Paraíso terrestre. Acrescentamos aqui, um quinto fator: os  aspectos
culturais; cada povo interpretou e usufruiu deste lugar conforme as parti-
cularidades de suas tradições”.
Explor

Leia o artigo “O que é pátio interno? – Parte 1”. Disponível em: https://goo.gl/m7sqfT

A arquitetura islâmica influenciou enormemente a arquitetura europeia, suas


mesquitas apresentavam constantemente “um grande pátio (zam ou shan) com
chafariz central octogonal (sabil)” (REIS-ALVES, 2010). António Baptista Coelho,
ainda mencionando Schoenauer, salienta as influências orientais das casas pátio
na arquitetura medieval na construção de mosteiros e conventos. Baptista Coelho
afirma que as casas pátio apresentam duas virtudes, sendo a primeira “a de se
agregar com alguma facilidade e interesse volumétrico para fazer cidade contínua,
protetora e estimulante em termos de imagens e sequências urbanas”; a segunda
sendo “a virtude de dar a partes específicas e estratégicas do próprio espaço do-
méstico valência agradavelmente mutantes ou diversificadas”. Essa qualificação dos
espaços públicos e privados são fundamentais para uma boa relação do edifício e o
seu entorno, de maneira a que sua inserção urbana seja natural.

Leia mais sobre o pátio interno, na Tese de Doutorado do arquiteto Luiz Augusto dos Reis-
Explor

-Alves intitulada – O pátio interno escolar como lugar simbólico.


Disponível em: https://goo.gl/ahHi4Z

As casas pátio de Mies Van Der Rohe


Mies Van Der Rohe, grande expoente da arquitetura e do movimento Moderno,
desenvolveu diversos projetos de casas pátio entre os anos de 1931 e 1938. Esses
projetos foram feitos sem que o arquiteto tivesse sido contratado por um cliente.
Como resultado desse processo de investigação, Iñaki Ábalos (2012) indaga: “o
que teria Mies van der Rohe pensado?”, o autor continua indagando: “o que estaria
buscando e a que conclusões teria chegado com essa obsessão que produziu, como
resultado mais elaborado, a Casa com três pátios de 1934?”.

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UNIDADE Construção do Repertório – Parte I

A Casa com três pátios (1934)


O pensar arquitetura é em última análise de pensar na própria existência huma-
na, uma vez que a arquitetura busca responder questões do “habitar”, portanto, há
geralmente no pensamento dos arquitetos uma “contaminação”2 do pensamento
filosófico. Para Ábalos (2012), Mies “operou” com poucas variáveis e não inten-
cionava uma padronização.

Figura 14 – Planta | Casa com três pátios – Mies Van Der Rohe
Fonte: FAU-USP

Numa análise feita na residência de três pátios pela autora do blog3 “trespatios”,
fica mais evidente o enfrentamento do arquiteto e sua busca pelo entendimento e
compreensão sobre a existência humana:
“Analisando agora a casa em sua totalidade, temos primeiramente um grande
pátio, sendo este uma extensão da casa, que é envolvida por grandes muros.
Nesse pátio encontramos a representação da natureza que, não mais no estado
puro, passa-nos a ideia artificial de mundo. Nesse pátio não há uma forma de
se relacionar com a natureza como faria as famílias-tipo, cultivando flores ou
inserindo objetos de lazer. O que temos é apenas uma relação contemplativa
da constante sucessão do mesmo. Veremos o correr do tempo natural que o
jardim e as árvores, juntamente à visão que se tem do céu nos proporcionaria
[...] Ao reorientarmos nossa análise para os materiais da casa, percebemos
que o arquiteto trabalha tanto com materiais tradicionais como o tijolo, a
pedra e o couro quanto com materiais mais avançados como o aço e o vidro.
Um elemento presente nos desenhos da casa com três pátios é a lareira feita
em tijolos. A mesma é disposta na parede de maneira discreta para não per-
mitir a sensação de verticalidade, como se fosse apenas um objeto que reme-
te a uma evocação de passado, um tempo que pode voltar sobre si mesmo.
A pedra utilizada nos muros e no piso faz referência às tradições locais.
É um artifício utilizado por Mies como forma de passar mais subjeti-
vação da modernidade, afirmando a condição temporal da habitação.

2
No sentido de influenciar. Nota do autor.
3
<https://goo.gl/CcZ95E>, a autora do blog se identifica apenas como Carolina.

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Ainda em relação influência de Nietzsche, Rohe acaba eliminando a verticali-
dade na casa para conseguir afirmar o sujeito como o protagonista, como se
a horizontalidade fosse a negação da divindade e a referência a um espírito
mundano. [...] A simetria também vai ser um recurso muito utilizado por ele
para determinar uma nova compreensão do espaço. Existe de certa forma
uma simetria sensorial: o pé direito da casa é próximo de 3,20 metros e isso
faz com que um indivíduo de estatura mediana esteja dividindo com o olhar
os planos do piso e do teto. Poderíamos dizer que esse cuidado tomado
pelo arquiteto faz referência à escala de percepção humana. Todos esses
efeitos darão a sensação de que o indivíduo encontra-se num templo, mas
certo de que nele tem apenas o homem como protagonista. Ao olharmos
o interior da casa com três pátios percebemos que o mobiliário é escasso.
Eles fazem parte de um contexto artístico dentro cada casa. O mobiliário é
reduzido porque o indivíduo não precisa de muitos objetos para viver, mas,
de elementos que vão auxiliar na reflexão sobre sua própria maneira de vi-
ver. Sendo assim, o conforto passa a ser uma espécie de busca a percepção,
como se fosse um conforto espiritual”.

Iñaki Ábalos (2012) nomeia essa casa de Mies como a casa de Zaratustra, afirmando
a grande influência de Nietzsche na produção desse período de Mies van der Rohe:
“Sabemos que aqueles foram anos complicados para Mies van der Rohe:
sua misteriosa renúncia, em 1921, à família que construíra, e o auge do
nacional-socialismo obrigaram-no a questionar a sua vida particular e profis-
sional justamente quando alcançara um grande prestígio, e se vira rodeado
por um círculo de amizades e por referências culturais que lhe possibilita-
vam consolidar sua criatividade (em especial, Alois Riehl, seu cliente que,
além de ser o autor do primeiro livro sobre a figura de Nietzsche – sig-
nificativamente intitulado de Friedrich Nietzsche como artista e pensador
– introduziu-o em um meio de personalidades de grande influência como
Werner Jaeger, historiador da cultura, e Heinrich Wölfflin, historiador da
arte, bem como Hans Richter, Walter Benjamin e Romano Guardini, que
igualmente conheceria no período). Tanto Fritz Neumeyer, como Franz
Schultze e Francesco Dal Co, em seus respectivos textos sobre Mies van der
Rohe, descrevem distintos aspectos desse período em que sua formação in-
telectual é aperfeiçoada e sistematizada, mencionando Nietzsche, o grande
pensador antipositivista, e Romano Guardini, teólogo, como as suas leituras
mais intensas e frutíferas de então. Em 1927, Mies van der Rohe observa:
‘somente através do conhecimento filosófico revelam-se a ordem correta de
nossas tarefas e o valor e a dignidade de nossa existência”, explicando as-
sim o valor que atribui à sua reeducação, um processo que em grande parte
vai significar um distanciamento do positivismo e, portanto, do espírito que
animou todo o projeto moderno”. (ÁBALOS, 2012)

Leia mais sobre as casas de Mies van der Rohe, o artigo da arquiteta Luciana Fornari Colombo,
Explor

A Casa Núcleo de Mies van der Rohe, um Projeto Teórico sobre a Habitação Essencial, dispo-
nível em: https://goo.gl/7NAJgW

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UNIDADE Construção do Repertório – Parte I

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

 Livros
A boa-vida
ÁBALOS, Iñaki. A boa-vida. Barcelona: Gustavo Gili, 2003.
Por uma Arquitetura
CORBUSIER, Le. Por uma Arquitetura. São Paulo: Perspectiva, 1973.
Sistemas arquitetônicos contemporâneos
MONTANER, Josep Maria. Sistemas arquitetônicos contemporâneos. Barcelona:
Gustavo Gili, 2009.
Inquietação teórica e estratégia projetual na obra de oito arquitetos contemporâneos
MONEO, Rafael. Inquietação teórica e estratégia projetual na obra de oito
arquitetos contemporâneos. São Paulo: Cosac Naify, 2008.
A análise da arquitetura
UNWIN, Simon. A análise da arquitetura. Porto Alegre: Bookman, 2013.
Saber ver a arquitetura
ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

 Leitura
Casa Azuma – Tadao Ando
https://goo.gl/bjXJaa
Ville Savoye, Poissy – Le Corbusier
https://goo.gl/n8TdHi
Ville Savoye, Poissy – Le Corbusier
https://goo.gl/RyDstg
Rem Koolhaas – Villa dall’Ava
https://goo.gl/gkDkR1
Rem Koolhaas – Villa dall’Ava
https://goo.gl/hRcc78
Análise Villa Savoye e Villa Dall Ava
https://goo.gl/GZd6W7
O que é o pátio interno? – parte 1
https://goo.gl/m7sqfT
As casas pátio de Mies Van Der Rohe
https://goo.gl/CcZ95E
A Casa Núcleo de Mies van der Rohe, um Projeto Teórico sobre a Habitação Essencial
https://goo.gl/7NAJgW

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Referências
CHING, F. D. K. Introdução à arquitetura. Porto Alegre: Bookman, 2013. Re-
curso online ISBN 9788582601020.

HERTZBERGER, H. Lições de arquitetura. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes,


1999. 272 ISBN 85-336-1034-3

KOWALTOWSKI, D. C.C.K.; MOREIRA, D.C.; PETRECHE, J.R.D; FABRÍCIO


M. M. (Orgs.) O processo de projeto em arquitetura da teoria à tecnologia.
São Paulo: Oficina de textos, 2011. ISBN 978-85-7975-033-5

NEVES, L. P. Adoção do partido na arquitetura. Salvador: EDUFBA, 2012.


231 p. Recurso online ISBN 9788523207632.

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