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Teorias da Arquitetura,

do Urbanismo e
do Paisagismo
Material Teórico
O Tratado de Arquitetura de Vitrúvio

Responsável pelo Conteúdo:


Prof. Me. Franklin Roberto Ferreira de Paula

Revisão Textual:
Prof.ª Dr.ª Luciene Oliveira da Costa Granadeiro
O Tratado de Arquitetura de Vitrúvio

• Introdução;
• O Tratado de Arquitetura de Vitrúvio;
• A Tríade Vitruviana e a Categoria do Belo.

OBJETIVO DE APRENDIZADO
• Compreender a importância de Vitrúvio, considerado o primeiro tratadista em arquitetura.
Orientações de estudo
Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem
aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua
formação acadêmica e atuação profissional, siga
algumas recomendações básicas:
Conserve seu
material e local de
estudos sempre
organizados.
Aproveite as
Procure manter indicações
contato com seus de Material
colegas e tutores Complementar.
para trocar ideias!
Determine um Isso amplia a
horário fixo aprendizagem.
para estudar.

Mantenha o foco!
Evite se distrair com
as redes sociais.

Seja original!
Nunca plagie
trabalhos.

Não se esqueça
de se alimentar
Assim: e de se manter
Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte hidratado.
da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e
horário fixos como seu “momento do estudo”;

Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma


alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo;

No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e
sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você tam-
bém encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão
sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados;

Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus-
são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o
contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e
de aprendizagem.
UNIDADE O Tratado de Arquitetura de Vitrúvio

Introdução
A arquitetura sofre uma série de transformações em sua estrutura ao longo da
história da humanidade. Essas transformações ocorrem em função de uma série de
fatores. Podemos citar alguns desses fatores, como clima, relevo, legislação, eco-
nomia, tecnologia e técnica construtiva, política, cultura e costumes locais, entre
vários outros.

Uma forma de compreender como esses fatores contribuem para a formatação


da arquitetura é a teoria. Enquanto a história da arquitetura se ocupa em estudar
as obras do passado, logo, lança um olhar para aquilo que já aconteceu, a teoria
da arquitetura tem por objetivo discutir possibilidades, e lança, portanto, um olhar
para o futuro. De acordo com Kate Nesbitt (2006, p. 15):
A teoria da arquitetura é um discurso sobre a prática e a produção da disci-
plina, que aponta para seus grandes desafios. Tem pontos em comum tanto
com a história da arquitetura, que estuda obras do passado, como com a
crítica, esta atividade específica de julgamento e interpretação de obras exis-
tentes segundo os critérios assumidos pelo crítico ou pelo arquiteto.

Essa compreensão de Nesbitt acerca das diferenças entre a história e a teoria da


arquitetura sinaliza que, enquanto a história da arquitetura possui um caráter analítico
e reflexivo sobre as obras e os arquitetos do passado, a teoria da arquitetura, que
também pressupõe análise e reflexão, culmina em uma ação propositiva. Logo, a
teoria da arquitetura “oferece soluções alternativas a partir da observação da situação
corrente da disciplina e propõe novos paradigmas de pensamento para o tratamento
de seus problemas” (NESBITT, 2006, p. 15).

Figura 1 – Diagrama que se propõe a sintetizar história e teoria como pertencentes ao campo
crítico-analítico e reflexivo como suporte à prática dentro das compreensões de Nesbitt e Vitrúvio

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Para compreender mais sobre as diferenças da teoria e da história, leia a introdução do livro
Explor

NESBITT, K. Uma nova agenda para a arquitetura – antologia teórica de 1965 – 1995. São
Paulo: Cosac Naify, 2006.

É evidente que a história e a teoria da arquitetura se sobrepõem em diversos mo-


mentos ao longo dos tempos. Porém, se por um lado a história da arquitetura lança
mão do passado para justificar o presente, a teoria da arquitetura opera no campo
de maior abstração e levanta hipóteses em função de sua natureza especulativa
com o objetivo de propor uma revisão crítica da produção corrente da disciplina.
Dessa maneira, o arquiteto-teórico explora soluções tanto conceituais, em que se
nutre da filosofia para enriquecer o seu discurso, como físicas, em que explora a
materialidade da construção.

Logo, se por um lado o objetivo da história da arquitetura é sistematizar uma


série de dados encontrados na análise de obras, sejam estas edificações, textos,
materiais iconográficos, entre outros, por outro lado o objetivo da teoria é “ofere-
cer uma explicação aos aspectos não examinados ou não explicados da disciplina”
(NESBITT, 2006, p. 15).

O próprio arquiteto da Antiguidade, Vitrúvio, objeto de estudo desta unidade,


versa nas primeiras páginas de seu tratado a importância da teoria na formação do
arquiteto ao estabelecer um paralelo com a prática. Ele esclarece que a ciência do
arquiteto é fruto de várias disciplinas e saberes, e que, portanto, a arquitetura nas-
ce da prática e da teoria. Para ele, a profissão do arquiteto deve dispor de fabrica
(habilidades técnicas) e ratiocinatio (concepção teórica).
A prática consiste na preparação contínua e exercitada da experiência,
a qual se consegue manualmente a partir da matéria, qualquer que seja
a obra de estilo cuja execução se pretende. Por sua vez, a teoria é aquilo
que pode demonstrar e explicar as coisas trabalhadas proporcionalmente
ao engenho e à racionalidade. (VITRÚVIO, 2007, p. 61 – A ciência do
arquiteto, cap. 1, livro 1)

No parágrafo seguinte, Vitrúvio ressalta que um arquiteto que possui formação


defasada, portanto, permanece ou no campo teórico ou no campo da prática, é
incapaz de se realizar plenamente. Por outro lado, aqueles que se permitem se nu-
trir de ambos universos têm possibilidade maior de alcançar o êxito daquilo a que
se propuseram a realizar.
Por isso, os arquitetos que exerceram sem uma formação teórica, mas
apenas como base de experiência das suas mãos, não puderam realizar-se
a ponto de lhes reconhecerem a autoridade pelos seus trabalhos; também
aqueles que se basearam somente nas teorias e nas letras foram consi-
derados como perseguindo a sombra e não a realidade. Todavia, os que
se aplicaram numa e noutra coisa, como que protegidos por todas as ar-
mas, atingiram mais depressa, com prestígio, aquilo a que se propuseram.
(VITRÚVIO, 2007, p. 61 – A teoria e a prática, cap. 1, livro 1)

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UNIDADE O Tratado de Arquitetura de Vitrúvio

A disciplina de Teoria da arquitetura, do urbanismo e do paisagismo tem por ob-


jetivo percorrer a história a fim de destacar momentos particulares em que se nota
a revisão dos caminhos percorridos dentro da área da arquitetura. Dessa forma, as
seis unidades lançam luz a aproximadamente dois mil anos de produção arquitetô-
nica, tendo como ponto de partida o pensamento de Vitrúvio acerca do ofício do
arquiteto, discutido nesta primeira unidade. De modo que as unidades subsequentes
abordarão aspectos da teoria da arquitetura no Renascimento, na modernidade, e
na segunda metade do século XX dentro das condições que o pós-2ª guerra mun-
dial estabeleceu.
Vale ressaltar que o objetivo da disciplina é pontuar as reflexões de determinados
personagens que, de alguma forma, apresentaram novos rumos para o exercício
da profissão, não com um caráter dogmático, mas assumindo uma postura crítica
diante de questões propostas pelos próprios autores.

O Tratado de Arquitetura de Vitrúvio


O termo “tratado” possui algumas conotações. Significa um acordo formal en-
tre dois ou mais governantes; algo que foi combinado; um tópico de discussão.
A definição que mais se torna relevante para a discussão da arquitetura é “obra que
demonstra didática e detalhadamente um ou muitos assuntos”.
O primeiro grande tratado de arquitetura que se tem notícia, ou que minima-
mente sobrevive aos tempos até os dias atuais são os Dez livros sobre arquitetura
[De architectura libri decem] de Vitrúvio. Ainda que Vitrúvio não tenha sido o
primeiro que escreveu sobre a disciplina, o seu tratado representa a única docu-
mentação da arquitetura da Antiguidade que não se perdeu.
Antes de abordar o tratado, é importante revelar alguns traços biográficos do
autor. Assume-se que Vitrúvio tenha nascido no ano de 84 a.C. Durante o império
de César, serve ao exército romano e constrói armas de combate como catapultas
e equipamentos de infraestrutura como pontes. Com o falecimento de César em
44 a.C., Vitrúvio participa da construção do aqueduto romano a serviço de Otávio.
Aposenta-se em 33 a.C. obtendo uma indenização financeira por intercessão de
Otávia, irmã do imperador. Nessa época, aposentado aos 51 anos, Vitrúvio come-
ça a se dedicar a seu tratado de teoria da arquitetura. A hipótese é que os livros
tenham sido escritos entre os anos de 33 e 14 a.C., de modo que não se sabe ao
certo a sua ordem.
De acordo com algumas passagens do documento, conclui-se que Vitrúvio não
se destaca tanto enquanto arquiteto. Como mencionado, realiza algumas obras mi-
litares e de infraestrutura sob os impérios de Júlio César (Roma, 100 – 44 a.C.) e
de seu filho e sucessor, Otávio Augusto (Roma, 63 a.C. – Nola, 14 d.C.), sendo que
apenas uma obra de sua autoria é mencionada em seu texto, a basílica da província
de Fano. Sendo assim, a sua obra de maior importância é o seu tratado, dedicado
ao imperador Augusto.

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Os princípios da basílica de Fano são descritos no capítulo 1 do livro 5. Para mais informações
a respeito, leia também o artigo publicado sobre a proposta de Vitrúvio VITRUVIUS’ BASILICA
AT FANO: THE DRAWINGS OF A LOST BUILDING FROM DE ARCHITECTURA LIBRI DECEM (Basílica
de Fano de Vitrúvio: os desenhos de um edifício perdido dos Dez livros da arquitetura) de
Paolo Clini, disponível em: https://goo.gl/1jXT52

Como, pois, eu estivesse obrigado por esse benefício, sem receio da pobre-
za no fim da vida, comecei a escrever estas coisas para ti, porque verifiquei
que edificaste e edificas no momento presente muitos monumentos e no
futuro te preocuparás com os edifícios públicos e privados, para que sejam
entregues à memória dos vindouros como testemunho dos feitos notáveis.
Redigi normas pormenorizadas, de modo que, tendo-as presentes, possas
por ti ter conhecimento perante obras já construídas ou futuras, quaisquer
que sejam. Com efeito, nestes livros expliquei todos os preceitos da arqui-
tetura. (VITRÚVIO, 2007, p. 60 – Dedicatória a Otávio César Augusto,
preâmbulo, livro 1)

Compreende-se que o tratado de arquitetura de Vitrúvio é de grande relevân-


cia histórica “já que os escritos sobre teoria da arquitetura desde o Renascimen-
to remontam a Vitrúvio” (KRUFT, 2016, p. 23). Portanto, pode-se concluir que
o conhecimento de Vitrúvio possibilita a compreensão da arquitetura produzida,
sobretudo entre o Renascimento e a modernidade que se estabelece na primeira
metade do século XX.

Vitrúvio se reconhece como um pesquisador posto que, em determinadas pas-


sagens de seu tratado, assegura ter manuseado alguns escritos de outros autores
ainda que as fontes não sejam devidamente citadas.
Sábia e utilmente procuraram os nossos maiores, através de escritos,
transmitir os seus conhecimentos às gerações futuras, a fim de que não se
perdessem, mas chegassem, no decorrer dos tempos, à máxima sutileza
do entendimento, sendo publicados em livros e progressivamente enrique-
cidos em cada época. A eles devem ser prestados não poucos mas mui-
tíssimos agradecimentos, porque não deixaram passar egoisticamente em
silêncio os seus conhecimentos, em todos os campos, mas procuraram
transmiti-los por escrito. (VITRÚVIO, 2007, p. 30 – Introdução)

Ainda que haja esse reconhecimento, Vitrúvio reivindica para si ter sido “o
primeiro a apresentar sistematicamente a totalidade da disciplina da arquitetura”
(KRUFT, 2016, p. 24).
Seus livros são a primeira teorização desenvolvida que se conhece da arqui-
tetura e o primeiro manual conjunto de urbanismo, construção, decoração
e engenharia. (MACIEL apud VITRÚVIO, 2007, p. 30 – Introdução)

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UNIDADE O Tratado de Arquitetura de Vitrúvio

O tratado é dividido em dez livros precedidos, cada um, por um prefácio que
não necessariamente sugere o conteúdo do respectivo livro; o prefácio recupera, de
maneira bastante breve, o conteúdo do livro precedente. Entende-se, portanto, que
“os prefácios devem ser considerados uma unidade e contêm passagens fundamen-
tais sobre a função do tratado e sobre o entendimento do autor” (KRUFT, 2016,
p. 24). Os assuntos dos prefácios abordam temas variados que podem ser agrupados
em três conjuntos: a) o próprio Vitrúvio, b) a função do Tratado e c) problemas da
arquitetura em geral.

Os livros são organizados da seguinte forma:


LIVRO 1 a formação do arquiteto;
os conceitos fundamentais técnicos e estéticos;
áreas da arquitetura: edifícios, construção de relógios,
de máquinas;
os prédios públicos e privados;
o planejamento de cidades.
LIVRO 2 o surgimento da arquitetura;
a teoria dos materiais para a construção.
LIVROS 3 e 4 a construção de templos;
os tipos de templos;
as ordens arquitetônicas;
a teoria da proporção.
LIVRO 5 as construções municipais, com especial atenção aos teatros.
LIVRO 6 edifícios privados.
LIVRO 7 o emprego de materiais de construção;
a pintura de parede.
LIVRO 8 a água e a construção de aquedutos.
LIVRO 9 visão de mundo gnômica;
a construção de relógios.
LIVRO 10 a construção de máquinas e mecânica

No primeiro prefácio, Vitrúvio se revela como um arquiteto de formação militar


e compreende que a arquitetura faz parte da economia social política e está ligada
ao prestígio de quem constrói. No item três, dedica o texto a Augusto e manifesta
o mecenatismo presente na proteção do próprio imperador e da sua irmã.

Mecenantismo: refere-se ao mecenas, que, de acordo com o dicionário virtual Aulete, sig-
Explor

nifica o indivíduo que protege e apoia, geralmente com dinheiro, as artes e as ciências, e
os profissionais que trabalham nessas áreas. O termo é decorrente de Caio Cílnio Mecenas,
estadista e patrono de letras romano que viveu entre os anos 68 a.C. (Arezzo) e 8 a.C (Roma).
Explor

Biografia Caio Mecenas: https://goo.gl/kXY8sx

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No segundo prefácio, o autor conclui que o arquiteto não possui poder para
conseguir realizar os seus projetos, de modo que esse profissional, bem como o
artista, é apresentado como um instrumento nas mãos do governante com a fi-
nalidade de alcançar os seus objetivos políticos. Ainda assim, sinaliza que o maior
sonho de um arquiteto é a construção de uma cidade.
No terceiro prefácio, Vitrúvio elucida a importância da arte na vida do homem e
contesta o valor que, em muitos casos, é negado ao artista, de modo que “a arte e
seus valores integram-se em um contexto cultural mais vasto, e seu nível entra em
interação com o grau de civilização de uma sociedade” (MACIEL apud VITRÚVIO,
2007, p. 37 – Introdução). De acordo com o autor, o artista se torna conhecido para
a posteridade tanto por meio do exercício da arte, mas, sobretudo, pelo trabalho em
grandes cidades, reis ou nobres cidadãos. Também conclui que nas artes em geral,
bem como na arquitetura, aquilo que é belo e excelente dispensa outros empenhos.
No quarto prefácio, estão registradas leituras sobre os temas dos estilos dórico,
coríntio e toscano, além de o autor versar sobre os templos circulares, portas dóri-
cas, jônicas e áticas, bem como os altares.
O quinto prefácio deixa transparecer que, segundo o próprio autor, o tratado
deve ser constituído de ciência e engenho. O vocabulário adotado para revelar um
caráter de autoridade em seu texto é sintético, prático e objetivo.
No sexto prefácio, Vitrúvio afirma que “o saber e a competência aliados à
honestidade são a verdadeira riqueza do arquiteto, pois são bens imperecíveis”
(MACIEL apud VITRÚVIO, 2007, p. 39 – Introdução).
No sétimo prefácio, o arquiteto enaltece a contribuição de seus “mestres” para
o desenvolvimento de sua percepção artística e de seus fundamentos. Atento ao
papel de pesquisador, reconhece os seus pares e revela os nomes de verdadeiros
historiadores de arte que contribuíram tanto no campo artístico quanto no campo
teórico. Nesse aspecto, Vitrúvio, ao citar os autores que o antecederam, reconstitui
uma trajetória que legitima o seu trabalho enquanto pesquisador.
O oitavo prefácio aborda aquilo que Tales de Mileto considerava a arche de
todas as coisas: a água. O livro aborda a hidráulica e a distribuição da água, toda a
engenharia que possibilitava a organização de uma infraestrutura que possibilitava
o acesso a essa fonte de vida.
No nono prefácio, Vitrúvio revela um descontentamento em relação ao enalte-
cimento aos atletas gregos através de louros e benesses, enquanto os intelectuais,
como os escritores, filósofos, inventores tinham a sua contribuição ao desenvolvi-
mento da sociedade pouco reconhecida.
De fato, os conhecimentos desses homens não só serviram para a cor-
reção dos costumes, como também foram úteis para todos em todos os
tempos, enquanto a celebridade dos atletas envelhece em breve tempo,
como os seus corpos, e nem no ponto máximo da sua carreira, nem na
posteridade, podem ser úteis à vida dos homens como o são os pensa-
mentos dos sábios. (VITRÚVIO, 2007, p. 433 – Utilidade perene dos
conhecimentos dos sábios, preâmbulo, livro 9)

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UNIDADE O Tratado de Arquitetura de Vitrúvio

Por fim, o décimo prefácio que antecede o livro mais longo do tratado assume a
responsabilidade do arquiteto perante os orçamentos que prestavam a fim de evitar
que pessoas sem formação na área, não devidamente aptas, sabedoras e experien-
tes, usurpassem tal ofício.

A Tríade Vitruviana e a Categoria do Belo


Para saber mais sobre a ideia do belo na arquitetura de acordo com importantes filósofos
Explor

da Antiguidade até a Modernidade, veja o livro PULS, M. Arquitetura e filosofia. São Paulo:
Annablume, 2006.

O livro I é compreendido como um exórdio em que Vitrúvio não apenas dedica


o tratado ao seu mecenas, mas também elabora uma imagem completa da profis-
são do arquiteto como visto anteriormente.

Ainda no primeiro livro, porém, no segundo capítulo, Vitrúvio aborda um dos


alicerces do tratado em que são fornecidos os conceitos estéticos fundamentais
da arquitetura e as suas respectivas definições. Esse capítulo torna-se o núcleo do
tratado do ponto de vista da teoria, de modo que esses conceitos irão exercer influ-
ência no discurso arquitetônico até as primeiras décadas do século XX.

A firmeza (firmitas), a finalidade (utilitas) e a beleza (venustas) compõem aquilo


que passou a ser denominado de tríade vitruviana. Essas três categorias dizem respei-
to ao tratamento intelectual da arquitetura, o raciocinatio. De acordo com Vitrúvio:
O princípio da solidez estará presente quando for feita a escavação dos
fundamentos até o chão firme e se escolherem diligentemente e sem ava-
reza as necessárias quantidades de materiais. O da funcionalidade, por sua
vez, será conseguido se for bem realizada e sem qualquer impedimento
a adequação do uso dos solos, assim como uma repartição apropriada e
adaptada ao tipo de exposição solar de cada um dos gêneros. Finalmente,
o princípio da beleza será atingido quando o aspecto da obra for agradável e
elegante e as medidas das partes corresponderem a uma equilibrada lógica
de comensurabilidade. (VITRÚVIO, 2007, p. 82 – Solidez, funcionalidade
e beleza, capítulo 3, livro 1)

Como visto, as categorias abordam a dimensão da edificação desde a sua está-


tica através das fundações e do sistema estrutural que mantêm a construção firme
e inabalável, até aquilo que garante beleza e harmonia em sua composição volu-
métrica e seus aspectos físicos obtidos pelo emprego de determinados materiais.
Outro aspecto importante é a equação dos espaços internos adequados à função a
qual a edificação se destina.

Vitrúvio compreende a categoria da beleza por aspectos objetivos de modo que


elenca seis conceitos fundamentais a fim de evitar qualquer percepção subjetiva.

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1. Ordenação (ordinatio);
2. Disposição (dispositivo);
3. Euritmia (eurythmia);
4. Comensurabilidade (symmetria);
5. Decoro (decor);
6. Distribuição (distributio).
A ordenação refere-se à proporção de uma construção. Estrutura-se a partir de
um módulo básico e a relação que se estabelece entre si e com o todo. Logo, a
repetição desse módulo implica em uma quantidade, quantitas, e a harmonia entre
os elementos.
A disposição implica no posicionamento adequado dos elementos compositivos da
arquitetura, desde a sua concepção até a sua execução, com o intuito de se obter a
harmonia através da qualidade. A disposição está fundamentada em três outros concei-
tos: icnografia (ichnographia), ortografia (orthographia) e cenografia (scaenographia).
A ichnographia consiste no uso conjunto e adequado do compasso e da
régua, e por ela se fazem os desenhos das formas nos terrenos das zonas
a construir. A ortographia, por seu turno, define-se como o alçado do
frontispício e figura pintada à medida e de acordo com a disposição da
obra futura. A scaenographia é o bosquejo do frontispício com as partes
laterais em perspectiva e a correspondência de todas as partes laterais em
relação ao centro do círculo. (VITRÚVIO, 2007, p. 75 – A ordenação e a
disposição, capítulo 2, livro 1)

Em suma, a icnografia refere-se à concepção da edificação no plano horizontal,


planta, a ortografia pode ser compreendida como a representação da fachada e a
cenografia, a imagem perspectivada da edificação. Essas derivações do conceito de
disposição “nascem da reflexão (cogitatio), dedicação plena ao estudo e ao traba-
lho e da invenção (inventio), explicação das questões obscuras e o conhecimento
de uma nova realidade” (VITRÚVIO, 2007, p. 75).
A euritmia diz respeito à forma exterior elegante estabelecida pela relação de
proporção entre a altura, a largura e o comprimento da edificação. Esse conceito se
assemelha à ideia moderna de harmonia.
A euritmia está relacionada à comensurabilidade que estabelece um equilíbrio
conveniente das partes da construção tendo como princípio o modulus. A comen-
surabilidade, ou a relação das partes com o todo, pode ser compreendida como a
simetria, cujos fundamentos se equiparam ao conceito atual de proporção.
O decoro aborda a relação dos aspectos formais à organização dos espaços inter-
nos da edificação. Nesse sentido, o conceito do decoro se estabelece além do orna-
mento, mas na estética atrelada à função do edifício. Vitrúvio explicita que o decoro
cumpre um princípio, theomatismos, segundo um costume, em alguns casos, mas
em outros exemplos pode ser conseguido naturalmente.

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UNIDADE O Tratado de Arquitetura de Vitrúvio

Figura 2 – Templo dórico de Segesta na Sicília, como exemplo de decoro cumprindo um princípio;
nesse sentido, o templo despojado de ornamentos valoriza a verdadeira força dos deuses
Fonte: iStock/Getty Images

Por fim, a distribuição aborda a repartição apropriada dos meios e do solo.


A logística empregada na obra para a execução de uma determinada edificação se
faz necessária com o intuito de gerar um equilíbrio econômico nas despesas. A dis-
tribuição está atrelada fundamentalmente ao investimento necessário para a constru-
ção. Outro ponto é a relação da capacidade financeira do proprietário ou a dignidade
oratória e o tipo de edificação que se pretende construir. De acordo com Vitrúvio, as
disposições dos edifícios deverão ser adequadas a cada tipo de pessoa (VITRÚVIO,
2007, p. 80).

Os seis conceitos fundamentais de Vitrúvio podem ser organizados em três grupos:


1. ordenação, euritmia e comensurabilidade designam os diversos aspectos das
proporções de uma construção. A ordenação designa o princípio, a comen-
surabilidade, o resultado e a euritmia o efeito;
2. disposição diz respeito ao projeto estético para os quais são necessários a
reflexão e a invenção;
3. decoro e distribuição referem-se à adequação no emprego das ordens ar-
quitetônicas e à relação entre a construção e o morador.

Ainda que apareça com frequência nas explanações sobre o conceito de belo,
Vitrúvio compreende que a proporção não é um conceito estético fundamental, de
modo que ela se estabelece como mera relação numérica definida de três maneiras:
1. como relação das partes entre si;
2. como referência de todas as medidas a um modulus que está em sua base;
3. como analogia das proporções do homem.

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Por mais relevante que sejam as percepções de Vitrúvio acerca da teoria e do
ofício da arquitetura, o seu tratado recebeu pouco prestígio na Antiguidade, não
tendo exercido qualquer influência sobre as construções e o pensamento da época.

O resgate ao seu pensamento se dá séculos mais tarde. Um interesse por Vitrúvio


se mostra a partir do período carolíngio, cresce na Alta Idade Média e, durante o
Renascimento, tem as suas ideias amplamente revisitadas e difundidas.

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UNIDADE O Tratado de Arquitetura de Vitrúvio

Material Complementar
Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade:

  Sites
Arquitetura – a historicidade de um conceito um breve estudo sobre a mitologia da fundação da arquitetura
Arquitetura – a historicidade de um conceito um breve estudo sobre a mitologia da
fundação da arquitetura (1), Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima.
https://goo.gl/GSUHDF

 Livros
Arquitetura e Filosofia
PULS, M. Arquitetura e filosofia. São Paulo: Annablume, 2006.
Estética e Filosofia
DUFRENNE, M. Estética e filosofia. São Paulo: Perspectiva, 2015.

 Vídeos
A Beleza e sua importância – Café Filosófico, Prof. Tiago Amorim
https://youtu.be/QqUT31x-v3k

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Referências
KRUFT, H. W. História da teoria da arquitetura. São Paulo: EDUSP, 2016.

NESBITT, K. Uma nova agenda para a arquitetura – antologia teórica 1965-


1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

VITRÚVIO. Tratado de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

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