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Georges Duby
Média sente-se de mãos vazias. Sentir-se-á menos, quando chega ao século XII.
estreitas as suas relações com aquilo que foi foi efectivamente vivido. É um
facto, de qualquer modo, que estes escritos falam cada vez mais das
mulheres.
Será que elas contam mais? É o que parece decorrer das representações
femininas que não são apenas a alegoria a alegoria dos vícios. Santa Madalena
conquista então devotos em vastas províncias. Por sua vez, no grande teatro
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as seitas, espalhadas por todo o lado, mas rotuladas como sendo heresias pelo
século XII que parece ser, na evolução do casamento no seio da nossa cultura,
proclamam como sendo o mais eminente de todos, pois foi instituído pelo próprio
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Submetida e abandonada
todos os cavaleiros de uma dada província são de facto primos muito mais
naturalmente, devolve a esposa - sob condição de devolver o dote aos pais dela e
ele encontra melhor partido. E claro que estas práticas ferem a moral da Igreja.
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saiba que gerou trinta e três bastardos, pelo menos; orgulha-se disso e também
de lhes ter dado uma excelente educação e ainda de ter conseguido casar todas
as suas filhas ilegítimas - apenas pretende que se diga que todos eles foram
antepassados.
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Este perigo conta, sem dúvida, no meio de todas as razões que podem
natureza feminina - é o que se repete por todo o lado - é perversa. Por meio da
voltam para a sua esposa. O sexo feminino é tido por sôfrego e impetuoso,
mãe.
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primeiro lugar, a esposa, logo a mãe. Há amas no quarto dos filhos ainda
«domina», pelo menos, os seus filhos mais novos. Por vezes, sobrevivendo às
casamento dos filhos varões têm por consequência directa a desigualdade das
encontrando facilmente, filho que casam, uma esposa mais rica - a fortuna,
particular dos laços que unem um sobrinho ao respectivo tio materno - que,
sendo frade ou padre, vela pela sua educação ou lhe dá a apoio no ingresso no
seio da Igreja, ou que, sendo cavaleiro, o ajuda a seguir a carreira das armas, a
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mundo. Todavia, existe uma área em que alguns espíritos aventureiros começam
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relação aos deveres que o casamento impõe, a Igreja proclama a igualdade entre
o homem e a mulher. Ouçamos Abelardo: ele afirma que a mulher foi criada
mulher detêm igual poder sobre o corpo do outro. Quanto aos poetas lentamente -
Rose -, progridem rumo à ideia de que a união dos corpos só é perfeita se forem
pg. 235 - 23
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Os trovadores e o amor-paixão
Jacques Solé
mulher, inovação decisiva, tanto no campo literário como no social. Ficou a dever-
chamamos Midi da França, nos séculos XII e XIII, no seio de uma aristocracia
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próspera.
outras civilizações, como podemos ser levados a pensar ao ler a obra célebre de
neolatina dos goliardos, dos clérigos vagantes (clerici vagi) do século X, está bem
rapazes e raparigas iam aos bosques cortar ramos verdes para ornamentar a
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Da Occitânia (Occitanie, em francês): conjunto das regiões francesas em que, na Idade Média, se
falava a língua de oc (em vernáculo: linguadoque; em francês, langue d'oc). (N.T.)
que, no século XI, ainda está às portas do Languedoque ou, pelos menos, da
um segredo que, mesmo que todos os outros fossem divulgados, fcaria para
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Que te baste saber que, se encheres o meu peito com o que os outros
obedecerei!»
«gaulês». Num poema cheio de humor, explica aos seus amigos que tem «duas
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longe, para além de Confolens. Mas continuei com os meus direitos sobre ela»
devida à mulher amada, à boa maneira dos Árabes. Mas esta idealização do
«serviço» efectivado pelo amante junto da sua dama. Este amor torna-se o
dos campónios, quase sempre onírico, o amor cortês não deixa de cantar
mulheres reais, assim como não separa o amor da sua base carnal.
que aconteceu no final do século XII. A erótica dos trovadores anexou então o
isso graças à pressão das damas que aceitavam apesar de tudo, amar
cavaleiros de um nível social inferior ao seu. Todos tinham a sua conta. Ficavam
satisfeitos tanto o orgulho como a dignidade das grandes damas. O PURO AMOR
MESMO TEMPO UMA COLORAÇÃO CARNAL E, POR ISSO MESMO, AGRADAVA À ALTA NOBREZA . A
mais modestos.
Na intimidade amorosa, como na sociedade, o amante perfeito não era mais que
lhe, em amá-la e não amar mais nenhuma, em exaltá-la, ser discrcto. Em troca,
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aplica-se com o significado de ensaio), onde quase tudo era permitido, excepto o
esta cerimónia em que, no seu leito, tomando nos braços nus o seu cavaleiro, ela
lhe fazia do seu peito uma almofada, ao mesmo tempo que o beijava cheia de
amor. Feliz por assim o abraçar em vez do seu marido, sabia que o seu amante
trovadores à sua tradução carnal, Denis de Rougemont não teve razão, sem
era certamente anticristã, mas nem por isso ousava atacar a origem de todas
as virtudes.
XII. Não foi certamente suficiente para fazer do Ocidente o criador do amor
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uma moda
impossível, na prática, uma erótica que já não era mais do que uma
reivindicação moral.
da dos cátaros. Foi a este propósito que, em 1277, o bispo de Paris condenou o
teses sobre a teologia. Não seria normal que a idealização amorosa própria dos
endurecida? Por fim, valorizando o casamento amor, a Igreja achou por bem
inspiração erótica que acabou por morrer, no início do século XIV, na Catalunha.
Viva a paixão !
4 Foi originalmente escrito em latim, com o título de Tractatus Amoris, por volta de 1186. (N.T)
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trouxe ao antigo casamento uma fantasia menos temível, embora não o pareça, já
que o que está por detrás, quer das separações quer dos divórcios, é a
ensinamento mais certo e profundo erótica dos trovadores, segundo o qual o pior
dos crimes é fazer amor sem amor, por ser contra o próprio amor.
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