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Estudo Guiado 1:

Pensamento de Soren Aben Kierkegaard.

Por que estudar um filósofo dinamarquês do século XIX em pleno curso de Psicologia do século
XXI? E por qual motivo discutem-se temas como fé, religião, cristianismo em um contexto laico como é o
da ciência? Essas perguntas sistematizam muito do que ouvi ao longo de 20 anos ministrando a
disciplina de Psicologia Fenomenológico-Existencial sendo parte de certo estranhamento do estudante
frente a um conteúdo com o qual ele não está habituado.

Para responder adequadamente a esses questionamentos cabe um esclarecimento anterior: O


estudo da Psicologia Existencial foge ao escopo das demais ciências psi dada sua proximidade com a
filosofia, campo de conhecimento que trabalha com um tema fundamental para as demais ciências: a
ontologia. A ontologia é o estudo do Ser, desde os primeiros registros da presença humana na terra
encontram-se evidências de que o humano sempre precisou responder à pergunta fundamental: o que
afinal somos? Por que existe o Mundo? De que são feitas as coisas? Ora, todas as formas de
conhecimento existentes até hoje tentaram responder a essas questões, dos primeiros ritos religiosos
até a mais avançada das tecnologias contemporâneas, fundamentam-se em respostas prévias a essas
questões. Quando Descartes, por exemplo, pressupôs que o Ser é fundamentado pelo nosso ato de
pensar racionalmente: Penso, logo existo e que a matéria res extensa poderia ser dominada e
controlada pelo nosso pensamento: res cogitan, ele possibilitou que os humanos olhassem para a
realidade de forma objetiva, retirando do universo o seu caráter divino mistificado. Apesar de Descartes
ser um filósofo conhecido e o termo “cartesiano” ser amplamente utilizado, nem sempre o cientista de
um laboratório tem consciência que sob o seu trabalho se oculta uma concepção de Ser.

No que concerne à Psicologia podemos dizer que todas as ciências psi, partem de uma
concepção ontológica prévia, nem sempre consciente ao Psicólogo que trabalha em uma determinada
linha ou abordagem. Durante um milênio a humanidade européia respondeu à questão ontológica com
base na religião cristã, sendo dela que se extraia a maior parte do conhecimento sobre o mundo. Um
exemplo: antes de Descartes a dissecação de cadáveres não era feita na Europa, pois a noção que se
tinha de corpo não permitia sua violação após a morte, pois esse era considerado o templo do espírito
santo e deveria ser preservado para o dia do juízo final quando iria ressuscitar. Apesar disso, mesmo a
filosofia cartesiana, traz consigo uma idéia de Deus, sendo esse racional, matemático, instrumental, cuja
inteligência é dada aos humanos através das leis matemáticas. É quase impossível falar de Ontologia
sem falar sobre as concepções teológicas, pois é a resposta mais rápida e fácil aos questionamentos que
fazemos. Por isso também é tão controversa a discussão religiosa, pois as concepções do que seja a
realidade é tão fundamental que às vezes se torna impossível para algumas culturas ou pessoas,
relativizar sua concepção em prol de uma discussão dialógica e racional.

Dito isso, podemos entender melhor como o pensamento de um religioso como Kierkegaard se
relaciona com a Psicologia de forma geral. Foi justamente em relação ao pensamento teológico cristão
vigente na época que esse pensador protestou e inaugurou um novo problema com o qual a filosofia do
século XX teria que lidar algumas décadas depois, o problema do Existir.
Em um universo dominado pelas concepções religiosas essa questão não era
problematizada, já que o problema do Ser já estava, de certa forma, resolvido pela teologia cristã. Com
o advento da ciência moderna e o cartesianismo, esse problema continuou não sendo posto, uma vez
que a concepção do Ser como racional prevaleceu evidenciado pelo avanço na ciência. Entre o plano
teológico e científico, os pensadores do século XIX, principalmente do chamado idealismo alemão se
preocupavam em justificar a existência de Deus utilizando argumentos racionais, o que foi rechaçado
pelo pensador dinamarquês. Ao tentar buscar uma verdade pela qual ele pudesse viver e morrer,
Kierkegaard faz um apelo para além dos argumentos racionais que pudessem justificar o Ser em geral,
essência, mas o que poderia justificar seu ser-no-mundo próprio individual, existência.

Os argumentos racionais sobre a idéia de Deus, em geral, nada dizem sobre o ser próprio,
existencial, e tampouco a moral cristã, baseada nessa mesma ontologia, oferecia um guia seguro para a
questão da verdade sobre a “minha vida”própria. Ao não encontrar uma verdade nem na moral, nem na
política, nas ciências naturais ou na teologia tradicional, Kierkegaard dedicará a sua obra em combater a
moral hipócrita, a teologia da época e mostrar a insuficiência das ciências ao tratar do problema
existencial. Assim ele chega a alguns conceitos fundamentais para a ciência psicológica, entre eles, o
principal, é o conceito de Angústia. A angústia é o sentimento derivado da insuficiência do sentido a
priori que temos para viver e morrer, evidenciando a precariedade dos sentidos prévios que
estabelecemos.

Se a existência não tem um sentido prévio, uma essência a qual todos deveriam se adequar,
cada um de nós é obrigado a criar um sentido próprio baseado em um projeto de existência singular em
porvir, acontece que esse projeto existencial está envolto a circunstancias que não se coadunam com a
inevitabilidade da nossa condição, sendo a mais radical e fundamento de todo o vazio, o fato de sermos
mortais e finitos. Ora, todo o projeto de existir se circunscreve no fato temporal da morte própria, se
morremos não temos o tempo eterno à nossa disposição, uma escolha feita em uma determinada idade
da vida, não pode ser refeita sem que nos livrassem das suas conseqüências, assim, nenhum projeto
existencial é eterno, embora tenda a ser, no nosso imaginário um Deus puro e onipotente garantiria-nos
a eternidade, mas na vida real e necessária as coisas não ocorrem desse modo, o que gera desespero e
angústia, temas caros ao filósofo Dinamarquês.

O humano vive assim em uma realidade paradoxal, se de um lado tende ao infinito do outro é
um reles mortal, se de um lado é capaz de sonhar mundos sublimes e eternos, do outro compartilha das
mesmas necessidades animais. Essa condição é desesperante, pois existir implica lidar com essas duas
dimensões para se tornar um Eu real e vital. Essa noção é muito cara à Psicologia de modo geral.

Pois bem, feita essa introdução que espero tenha sido a mais clara possível, convido-os a
responder às questões que se seguem:
Primeira Questão – Consultem as bases de dados e façam uma revisão não extensa sobre os artigos e
livros publicados sobre Kierkegaard e sua relação com a Psicologia, após isso responda através de um
pequeno texto às seguintes questões. Quais autores psicólogos têm trabalhado sobre esse autor nos
últimos anos? Quais temas ou conceitos são trabalhados por esses?

Segunda Questão – O texto de Farago “Compreender Kierkegaard” em seu capítulo 1 – Uma vida
breve e inflamada (1813-1855) trabalha a biografia do filósofo dinamarquês e a relação desta com sua
obra. Sobre esse tema amplo, localizem no texto os seguintes temas.

a-) Relação de Kierkegaard com o seu ambiente familiar regido pela moral cristã.

b-) Relação de Kierkegaard com as ciências Naturais.

c-) Relação de Kierkegaard com a Política

d-) Relação de Kierkegaard com a Ironia.

e-) Relação de Kierkegaard com a Fé e a Religião.

Agora redijam um texto no qual todos esses temas sejam explicitados cujo título deve ser:
Kierkegaard e a Busca de uma Verdade para Viver e Morrer.

Questão 3 – Localizem no texto, Personificações do Desespero os seguintes temas:

a-) A relação do EU, da autoconsciência e da vontade.

b-) O Sentir, a Vontade e a Imaginação.

c-) As formas de Desespero.

d-) A Relação do Humano com Deus.

Tratando os temas levantados no texto, redijam um pequeno texto cujo título seja: A Condição
Humana e o Desespero Humano segundo Kierkegaard.

Questão 4 – Defina estágio estético, ético e religioso. Descreva como pode se dar a passagem de um
estágio a outro e qual o papel da angústia nesse salto.

Questão 5 - Redijam um texto sobre as questões e dúvidas suscitadas pelo conhecimento da obra de
Kierkegaard. Estejam livres para se posicionar com argumentos contra ou a favor das saídas
apresentadas pelo autor, mas estejam atentos aos temas por ele tratados e sua importância para a
Psicologia.
Respostas:

Questão 1 – A partir da busca nas plataformas Scielo, Pepsic e Redalyc em revisão não extensa de artigos
e livros sobre Kierkegaard e sua relação com a Psicologia foi encontrado os seguintes psicólogos
brasileiros que têm trabalhado sobre o autor em questão nos últimos anos: Marcos Ricardo Janzen,
Adriano Futado Holanda, Manuela Bogéa Peres, Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo, Myriam Moreira
Protasio, Débora Gill, Luiz José Veríssimo, Heliana de Barros Conde Rodrigues, Cristine Monteiro Mattar,
entre outros. Dentre os temas e conceitos trabalhados por estes psicólogos estão reflexões para a base
de uma psicologia kierkegaardiana, análise existencial e a possibilidade de uma psicologia de inspiração
kieerkgaardiana, o conceito de angústia e a psicoterapia e reflexões de Kieerkegard e outros autores
como Foucault e Carl Rogers em contribuição para a Psicologia.

Questão 2 –

Questão 3 -

Questão 4 – Sendo, para Kierkegaard, a subjetividade a maneira fundamental do Ser de relacionar


consigo mesmo, na qual a reflexão ao desvelar o irrefletido, pode modifica-lo em sua verdade
progressivamente conquistada. Descobrindo que o Ser é muito anterior que a consciência tomada d’Ele.
Assim, para o autor, todas as concepções de existência se classificam segundo graus de interiorização do
indivíduo, exigindo no processo de ascensão, etapas. Nesse sentido, distinguem-se os três estádios
existenciais, o estádio estético, ético e religioso. Sobre o estádio estético, o esteta não sabe amar a si
mesmo e tampouco os outros, pois encontra-se cortado de si mesmo, isolado de cada momento do
tempo e o fazendo eterno em uma totalidade intensiva. Vive momentos contraditórios, visando o gozo,
em uma vida debruçada nas sensações, em uma fuga de si à frente, visando separar-se de sua sombra,
sem sucesso. O arquétipo do esteta é o Don Juan, o qual vive uma vida estética, carente de reflexão,
fluência e turbulência. Nesse estádio, a esfera da sensualidade indeterminada se dá no inapreensível, na
qual nenhum conceito se fixa.

Assim, se esconde o mal-estar nas aparências em uma fuga incessante em negação. Tudo se sacrifica
pelo prazer imediato, mas se vivencia na dor. É preso pela fugacidade que nega a captura, condenado
por isso a lembrar de si novamente. A lembrança do tempo vivido é contraditória, quer restaurar o
instante vivido no mesmo momento do ato refletido, aprofundando a brecha entre presente e passado:
daí a melancolia, tenho a lembrança em sua frente, perdendo o sentido de vida e encontrando a
eternidade sem gozo. Desse modo, o sentimento insensato se acha ligado a um tempo morto e a um
sentimento de não realização (des-realização) compreendendo o esteta condenado a duas realidades
contraditórias, mas complementares, de um lado da ausência do desejo e de outro a submissão a todos
os desejos, sem realiza-los. Vagando querendo tudo, mas ao mesmo tempo nada quer de fato, seguindo
dessa forma o nada que ele gostaria de esconjurar. O homem no estádio estético, foge do tédio, e come
e bebe, pois, amanhã poderá morrer, mas não encara de frente a morte e a consciência de sua finitude,
não refletindo sobre a vida e indicando seu sentido. A angústia de se deparar com a morte seria o
estado que feriria o homem e faria eclodir o salto, em busca do bom, para o estádio ético.
O estádio ético, por sua vez, é caracterizado pelo espírito da seriedade. Sendo o salto do estádio
estético, há a mudança para o caráter de honra a harmonia e a duração, integrados a uma vida
equilibrada, visando regular a vida através da lei moral, visando a realização do bom. Escolher
eticamente seria optar por si mesmo, sendo necessário amar a si mesmo, cumprindo seu lugar dia após
dia, aprofundando-se no hábito. O homem ético realiza a síntese do homem estético e ético, eliminando
a pura estética da diversidade, dispersão, acaso e inconstância incompatíveis com uma unidade
coerente e verdadeira de um projeto de vida. Entretanto, há uma dificuldade de seguir o caminho, com
o perigo de se reduzir ao dever, diante a angústia do pecado e culpa ontológica, se tornando um
impedimento à ascensão da verdade e vida espiritual. O estádio ético fornce solução para as questões
gerais da vida, mas não para as questões excepcionais e individuais, sendo estes, casos em que a ética é
impotente. Dito isso, Kierkegaard proclama a necessidade de em momentos haver uma “suspensão
teológica da ética”, indo além do bem e do mal, dando o lugar da generalidade à singularidade única e
responsável, na busca de um sentido maior, sendo esta a causa do salto para o próximo estádio.

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