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Ontem...
— Você está pronto?
Assenti com a cabeça para Solomon e respirei fundo.
Harmony acabara de ser levada para os preparativos do casamento.
Quando Sarai veio buscá-la, tive que usar toda a minha força de
vontade para não sair correndo da minha cela e cortar a garganta da
garota.
Mas o que mais me assombrou foi a tristeza nos olhos de
Harmony quando ela saiu da minha cela. Eu não tinha sido capaz de
confortá-la. Estava muito tenso. Precisava fazer esse plano
funcionar. Eu tinha que ser o único a encontrá-la no altar. Não podia
deixá-la cair nas mãos de Judah – nenhuma causa valia isso.
Solomon saiu da cela e me sentei. E esperei. Não havia
nada dentro de mim que duvidasse que Judah viria. Eu não era
estúpido o suficiente para pensar que era por amor. Ele viria aqui
pelo seu próprio orgulho egoísta.
Viria para comemorar sua vitória e a minha derrota... e
então, eu o derrubaria.
Irmão Stephen apareceu na porta, com um pano na mão.
— Você está pronto? — perguntou e eu assenti.
— Você está com o clorofórmio?
— Sim — ele respondeu e levantou o pano branco. Fiquei
espantado com o que os desertores haviam conseguido
contrabandear de Porto Rico. — Cain... talvez seja melhor se nós...
Apagássemos ele agora... permanentemente.
Sua sugestão na mesma hora me encheu com tanta
emoção que eu mal conseguia respirar. Neguei com veemência.
— Se queremos os Hangmen na jogada, precisamos
mantê-lo vivo. Ele será nossa barganha. Acredite, há mais pessoas
que o querem morto além de nós. — Inspirando fundo, eu disse: —
Mantenha-o sedado. Verifique se ele tem a minha aparência. Vou
convencer os Hangmen a voltar antes que os quatro dias da
purificação celestial terminem. Ninguém deve procurar por ele nesse
meio-tempo. Então posso voltar e libertar as pessoas. Assegurarei
aos guardas e ao povo, que exorcizei o diabo de Harmony em
tempo recorde e que ela está descansando. Eles estarão cegos
demais pelo meu sucesso para duvidar de mim... pelo menos
durante o tempo que precisarmos para que tudo dê certo. —
Suspirei. — Vou ordenar às pessoas para irem para o outro lado da
comuna, onde estarão a salvo. Reunirei os guardas e os anciões em
algum lugar onde os Hangmen possam encontrá-los. — Cerrei a
mandíbula. — E então também entregarei Judah a eles. Os
Hangmen cuidarão dele depois disso.
Irmão Stephen assentiu.
— Você tem certeza de que todos aceitarão fazer isso? —
perguntei. — É arriscado. Tantas coisas podem dar errado. Está
preparado para o castigo que pode cair sobre você se falharmos?
— Estou pronto. Estou pronto para morrer, se for esse o
meu destino. — Ele me deu um sorriso triste. — Falhei com minhas
filhas de incontáveis maneiras. Não vou falhar desta vez.
— E Irmã Ruth? — indaguei.
Algo brilhou nos olhos do Irmão Stephen com a pergunta.
— Ela também tem motivos para lutar. Está pronta para o
que quer as estrelas tenham planejado para nós.
Ouvi o som de algumas pessoas se aproximando do lado
de fora. Irmão Stephen encontrou meu olhar, silenciosamente me
desejando sorte. Ele fechou a porta e eu fui para o canto da cela. E
esperei.
A porta se abriu com tudo e, sem nem ao menos precisar
olhar, pude sentir a presença do meu irmão. Lentamente, levantei a
cabeça. Judah olhou para mim através dos olhos semicerrados, os
braços cruzados sobre o peito. Ele estava vestido com sua túnica
nupcial. Aquilo me deixou aliviado, pois até agora, o plano estava
funcionando.
— Judah — sussurrei, garantindo que a minha voz soasse
rouca e vulnerável. — Obrigado por vir.
Ele não disse nada a princípio. Quando me ajoelhei, meu
irmão recuou. No entanto, mantive a cabeça baixa e lentamente
ergui a mão. Era assim que nosso professor sempre nos dizia para
cumprimentar nosso tio. Isso mostrava sua supremacia sobre todos
nós.
Mostrava a nossa submissão.
Um longo suspiro escapou da boca de Judah. Quase gritei
ao reconhecer aquele som vitorioso. Diversas vezes, ao longo dos
anos, disse a ele que seu orgulho cegava sua visão e governava
suas escolhas.
Era nisso em que me apoiava neste momento.
Ele estendeu a mão e pousou na minha cabeça. Por um
momento, sentindo seu toque, minha confiança diminuiu. Mas fechei
os olhos com força e trouxe à minha mente o semblante corajoso,
porém atemorizado de Harmony.
Eu tinha que fazer isso por ela.
— Você escolheu se arrepender? — ele perguntou.
— Sim — respondi. — Quero me arrepender por duvidar
dos nossos ensinamentos... Eu... Eu pensei e refleti sobre o que fiz
contigo, com nosso povo. E não posso... Não posso... — deixei
minhas palavras desvanecerem em um gemido sufocado.
— Olhe para cima — Judah ordenou.
Levantei a cabeça e observei o rosto de meu gêmeo, seu
cabelo... Observei como estava vestido com a túnica. Absorvi tudo o
que pude.
— Meu irmão — sussurrei, fingindo lágrimas nos meus
olhos. — Meu profeta.
Os olhos de Judah brilharam ante minha reverência, e sua
mão firmou o agarre em meu cabelo. Ele se ajoelhou, colocando o
rosto diretamente em frente ao meu. Sua mão desceu pelo meu
rosto e pousou no meu ombro. Meu peito apertou quando ele me
tocou. Mas tudo em que conseguia pensar era no que a Irmã Ruth
me fez perceber dias atrás.
Ele nunca se importou comigo.
Este ato de carinho era todo pelo poder. Tudo o que ele
fazia era calculado. Com um único objetivo.
Nada era puro em sua alma... não mais.
— Senti sua falta, irmão — ele disse, e um sorriso se
formou em seus lábios. — Quando me disseram que queria se
arrepender, tive que vir até você. Nunca quis lhe machucar, irmão,
mas não tive escolha. Você me obrigou a isso.
— Eu sei disso agora. Eu compreendo.
A cabeça dele inclinou para o lado.
— E você vai aderir às nossas práticas?
A bile subiu pela garganta, mas me forcei a assentir com a
cabeça.
— Sim — repliquei. — Vou andar na linha... Ficarei
orgulhosamente ao seu lado. Sempre foi você quem deveria ter sido
nosso líder. Agora vejo isso.
O olhar de Judah brilhou em triunfo.
— E depois que meu período de retiro com a Amaldiçoada
terminar, você aceitará uma consorte em minha homenagem? —
Assenti com a cabeça. Judah se inclinou para frente. — Você
participará do despertar de uma criança em minha homenagem?
Temos três que foram preparadas para a celebração pós-casamento
na próxima semana.
Minha mandíbula contraiu quando uma raiva repentina e
devastadora rugiu através de mim. Mas reprimi o bastante para
dizer:
— Sim. Eu faria qualquer coisa por você. Qualquer coisa.
Judah abriu a boca para dizer algo mais, quando um
barulho alto veio da entrada da cela e ouvi Solomon e Samson
altearem suas vozes como se estivessem sob ataque. A atenção de
meu irmão se voltou para a porta aberta.
— O quê...? — Ele começou, e eu me levantei e o joguei
no chão.
Os olhos arregalados e chocados de Judah foram a última
coisa que vi quando ergui o punho cerrado e esmurrei seu rosto. Ele
desmaiou na mesma hora. Fui cuidadoso em meu golpe. Não queria
que sangrasse e manchasse a túnica imaculadamente branca.
— Agora! — gritei e vários pés entraram correndo na minha
cela. Irmão Stephen colocou o pano embebido de clorofórmio sobre
a boca de Judah. Solomon e Samson me ajudaram a tirar suas
roupas. Em minutos, estava vestido na túnica nupcial e a Irmã Ruth
havia aplicado a maquiagem na minha pele coberta de hematomas.
Do outro lado, Judah usava agora a minha calça suja e rasgada.
Meu coração batia forte enquanto a adrenalina corria pelas
veias. Irmã Ruth deu um passo para trás, os olhos marejados.
— E então? — perguntei. — Consigo me passar por ele?
Os ferimentos não estão muito aparentes?
Ela encarou meu irmão inconsciente no chão e depois
olhou para mim.
— Os guardas não machucaram muito seu rosto nos
últimos dias, então está tudo bem. — Fez uma pausa e disse: —
Vocês dois são completamente idênticos em todos os aspectos...
quero dizer... é surpreendente.
Soltei um suspiro de alívio, mas a repentina tristeza em seu
semblante tocou algo dentro de mim. Ela não pertencia a um lugar
como este. Sua alma era muito gentil, muito terna. Ela parecia ter só
trinta e poucos anos. Se eu consegiusse fazer isso, ela poderia ter
uma vida lá fora. Uma vida boa e feliz.
Outra razão pela qual não poderia falhar.
— Os Irmãos Luke, Michael e James estavam nos
aposentos do profeta quando o busquei — Solomon disse. — Eles
já reuniram as pessoas para a cerimônia. Judah disse aos
discípulos que voltaria, e depois eles iriam direto para o altar.
Olhei para o meu irmão inconsciente, no chão.
— Nós ficaremos bem — Irmão Stephen disse. Inspirei
profundamente. Quando estava prestes a sair, ele disse: — Proteja-
a, Cain. Leve-a de volta para as irmãs... Apenas faça com que ela
tenha uma vida melhor.
— Eu voltarei para buscar vocês — prometi.
Ele assentiu.
— Eu acredito que você consegue fazer isso.
Olhei novamente para o meu irmão gêmeo ali jogado. Meu
estômago revirou... e eu sabia que quando os Hangmen
chegassem, Judah pagaria. Tinha que ser assim, mas... Eu mal
conseguia suportar a ideia de ficar sem ele. Ele era meu irmão.
Deixei o prédio e saí para o ar fresco. Quando cheguei à
mansão, os Irmãos Luke, Michael e James estavam lá, exatamente
como Solomon me disse que estariam.
Irmão Luke me observou atentamente quando entrei.
— Ele se arrependeu?
Assenti com a cabeça e sorri como Judah faria. Um sorriso
prepotente.
— Claro. Ele nunca ficaria naquele lugar para sempre. E
prometeu lealdade a mim. Além de me aceitar como seu senhor e
profeta.
Irmão James olhou para trás.
— Onde ele está?
Acenei com a mão.
— Ele está imundo e ainda não está pronto para ser visto.
Vou buscá-lo depois que os quatro dias se passarem. — Forcei um
sorriso malicioso nos meus lábios. — Então o reintroduzirei ao povo
na Partilha do Senhor pós-casamento.
— Ele vai participar? — Irmão Luke perguntou desconfiado.
Meu sorriso foi mais amplo.
— Não só isso, como também participará do despertar de
uma criança.
Irmão Luke pegou minha mão e a beijou com reverência.
— Você é verdadeiramente o profeta, meu senhor. Deus
lhe abençoou. Ele nos abençoou com o seu poder.
Coloquei a mão sobre sua cabeça inclinada.
— Venha — eu disse. — Temos almas para salvar.
Voltei para a luz do dia e saí da mansão, rezando para que
tivesse desempenhado meu papel suficientemente bem. Esperei um
ataque ou algo do tipo vir dos homens atrás de mim...
Mas nada veio.
Quando chegamos ao altar, dei um longo suspiro de alívio.
Olhei para a cama no centro da plataforma elevada. Um novo
nervosismo inundou minhas veias quando pensei no que teria que
fazer... o que Harmony deveria fazer comigo para que pudéssemos
ser livres.
Aguardei no altar, esperando minha noiva... o tempo todo
rezando para que Judah não acordasse e frustrasse nosso plano.
E então Harmony apareceu no final do corredor e todos os
pensamentos sobre Judah sumiram da minha mente... Eu tinha
apenas um foco agora. Uma razão para viver... e ela estava
caminhando em minha direção, com flores no cabelo, parecendo um
anjo enviado do céu.
Tão... linda...