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Teologia

Sistemática II:
Cristologia,
Antropologia e
Hamartiologia

Prof. Alexandre de Paula Amorim

Indaial – 2021
2a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2021

Elaboração:
Prof. Alexandre de Paula Amorim

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

A524t
Amorim, Alexandre de Paula

Teologia sistemática II: cristologia, antropologia e hamartiologia.


/ Alexandre de Paula Amorim – Indaial: UNIASSELVI, 2021.
180 p.; il.
ISBN 978-65-5663-885-0
ISBN Digital 978-65-5663-886-7
1. Teologia dogmática. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da
Vinci.
CDD 230

Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Olá, acadêmico! Seja bem-vindo ao Livro Didático Teologia Sistemática II:
Cristologia, Antropologia e Hamartiologia. Uma Teologia Sistemática, por definição,
é uma exposição da doutrina cristã, por isso, de forma econômica, apresentaremos
apenas um panorama, ressaltando os temas clássicos mais importantes.

Na Unidade 1, entenderemos os aspectos sobrenaturais do nascimento de


Cristo e identificaremos os apontamentos teológicos sobre a humanidade de Cristo,
sobre a divindade de Cristo, bem como os aspectos das duas naturezas de Cristo,
habitando individualmente uma única pessoa. Também serão abordadas as doutrinas
da impecabilidade e pecabilidade de Cristo, os aspectos dos ofícios de Jesus e de sua
obra redentora. Outros temas que serão discutidos estão relacionados com os aspectos
de sua ressurreição, ascensão e da segunda vinda de Jesus.

Na Unidade 2, veremos que o Deus que criou o ser humano e lhe deu a capacidade
de crer e pensar, pode nos ensinar, pela Sua Palavra, como usar a razão para o nosso
bem, para o progresso da humanidade e para a glória Dele. Veremos também aspectos
da criação da humanidade e poderemos identificar os apontamentos teológicos sobre
a imagem de Deus no ser humano, entendendo os aspectos material e imaterial do
homem, ainda abordaremos os aspectos da essência da natureza humana.

Na Unidade 3, conheceremos o que é o pecado e qual a sua origem, e


compreenderemos a respeito da natureza pecaminosa no homem, verificando como
o ser humano recebeu a herança pecaminosa do casal primitivo (Adão e Eva) e assim
identificar as consequências do pecado, percebendo o poder que o pecado exerce sobre
a raça humana e como o ser humano é justificado por Cristo para que a marca que o
pecado exerce não o condene eternamente.

Bons estudos!

Prof. Alexandre de Paula Amorim


GIO
Você lembra dos UNIs?

Os UNIs eram blocos com informações adicionais – muitas


vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como
um todo. Agora, você conhecerá a GIO, que ajudará você
a entender melhor o que são essas informações adicionais
e o porquê você poderá se beneficiar ao fazer a leitura
dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará
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complementam o assunto estudado em questão.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os


acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir
de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual
– com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a
leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que
você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados
através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo
continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada
com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo
o espaço da página – o que também contribui para diminuir
a extração de árvores para produção de folhas de papel, por
exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto
de ações sobre o meio ambiente, apresenta também este
livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a
possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular,
tablet ou computador.

Junto à chegada da GIO, preparamos também um novo


layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual
adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de
relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os
materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade,
possa continuar os seus estudos com um material atualizado
e de qualidade.

QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a
você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, a UNIASSELVI disponibiliza materiais
que possuem o código QR Code, um código que permite que você acesse um conteúdo
interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta,
acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa
facilidade para aprimorar os seus estudos.
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Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é uma
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!

LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
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Com o objetivo de enriquecer seu conheci-


mento, construímos, além do livro que está em
suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem,
por meio dela você terá contato com o vídeo
da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa-
res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de
auxiliar seu crescimento.

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preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!


SUMÁRIO
UNIDADE 1 - CRISTOLOGIA – DOUTRINA BÍBLICA DE CRISTO............................................ 1

TÓPICO 1 - A HUMANIDADE E A DIVINDADE DE CRISTO: UMA PESSOA, DUAS


NATUREZAS............................................................................................................................3
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3
2 O NASCIMENTO DE CRISTO.................................................................................................4
2.1 O NASCIMENTO VIRGINAL DE CRISTO.............................................................................................. 4
2.1.1 Salvação ......................................................................................................................................... 6
2.1.2 Duas naturezas ............................................................................................................................ 6
2.1.3 Impecabilidade...............................................................................................................................7
3 A UNIDADE DA PESSOA DE CRISTO...................................................................................8
3.1 UNIÃO HIPOSTÁTICA .............................................................................................................................8
3.1.1 Por que era necessário que Cristo fosse plenamente Deus?............................................ 9
3.1.2 Por que era necessário que Cristo fosse plenamente homem?...................................... 9
3.2 IMPECABILIDADE DE CRISTO............................................................................................................ 11
3.2.1 O testemunho acerca da impecabilidade de Cristo........................................................... 11
3.2.2 O debate acerca de impecabilidade e pecabilidade de Cristo .......................................12
3.2.3 O caráter das tentações de Cristo.........................................................................................12
3.2.4 Os problemas inerentes ao conceito da pecabilidade de Cristo................................... 13
3.3 INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE KENOSIS ................................................................................... 14
3.3.1 O significado do conceito da kenosis ................................................................................... 14
3.3.2 Teorias falsas sobre o conceito da kenosis .........................................................................17
RESUMO DO TÓPICO 1.......................................................................................................... 18
AUTOATIVIDADE................................................................................................................... 19

TÓPICO 2 - JESUS, SEUS OFÍCIOS E SUA OBRA................................................................ 21


1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 21
2 O QUE SÃO OS OFÍCIOS DE CRISTO.................................................................................. 21
2.1 PROFETA.................................................................................................................................................23
2.2 SACERDOTE..........................................................................................................................................24
2.3 REI...........................................................................................................................................................24
3 O QUE É A OBRA DE CRISTO............................................................................................. 25
3.1 PROPICIAÇÃO........................................................................................................................................26
3.2 EXPIAÇÃO PURIFICADORA................................................................................................................26
3.3 REDENÇÃO............................................................................................................................................26
3.4 RECONCILIAÇÃO ................................................................................................................................. 27
3.5 VITÓRIA CÓSMICA............................................................................................................................... 27
3.6 A EXTENSÃO DA EXPIAÇÃO.............................................................................................................. 27
3.6.1 Teorias e modelos sobre a expiação......................................................................................28
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................... 29
AUTOATIVIDADE................................................................................................................... 31

TÓPICO 3 - JESUS: RESSURREIÇÃO, ASCENSÃO E SEGUNDA VINDA............................ 33


1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 33
2 A IMPORTÂNCIA DA RESSURREIÇÃO DE JESUS............................................................ 35
2.1 EVIDÊNCIAS DA RESSURREIÇÃO DE JESUS................................................................................. 37
3 A ASCENSÃO DE JESUS: EVIDÊNCIAS E IMPORTÂNCIA............................................... 40
4 COMO SERÁ A SEGUNDA VINDA DE CRISTO.................................................................... 41
4.1 O PROPÓSITO E OS RESULTADOS DECORRENTES DA SEGUNDA VINDA DE JESUS..........43
4.1.1 O futuro da igreja ........................................................................................................................43
4.1.2 O futuro de Israel........................................................................................................................43
4.1.3 O futuro das nações..................................................................................................................44
4.1.4 O futuro da Terra.........................................................................................................................44
4.2 DOIS ASPECTOS DA SEGUNDA VINDA DE JESUS......................................................................44
4.2.1 A vinda de Cristo para a Igreja................................................................................................46
4.2.2 A vinda de Cristo com a Igreja...............................................................................................46
LEITURA COMPLEMENTAR..................................................................................................47
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................... 56
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 58
REFERÊNCIAS....................................................................................................................... 61

UNIDADE 2 — ANTROPOLOGIA – DOUTRINA BÍBLICA DO HOMEM................................... 65

TÓPICO 1 — A CRIAÇÃO DO HOMEM E SEU OBJETIVO E A “IMAGO DEI” REVELADA NA


HUMANIDADE.......................................................................................................................67
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................67
2 A CRIAÇÃO DO HOMEM..................................................................................................... 68
2.1 OBJETIVO DA CRIAÇÃO DO HOMEM ..............................................................................................68
3 A “IMAGO DEI” REVELADA NA HUMANIDADE..................................................................70
3.1 O SER HUMANO.....................................................................................................................................71
3.2 FEITOS À IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS ............................................................................. 72
3.3 IMAGEM E SEMELHANÇA MANCHADAS........................................................................................ 73
3.4 IMAGEM E SEMELHANÇA RESTAURADAS.................................................................................... 73
3.5 POR QUE DEUS CRIOU O SER HUMANO COMO “MACHO E FÊMEA”?..................................... 75
3.5.1 Relações interpessoais harmoniosas.................................................................................... 76
3.5.2 Igualdade em termos de pessoalidade................................................................................ 76
3.6 A QUESTÃO DA AUTORIDADE E DOS PAPÉIS DIFERENTES PARA HOMENS E MULHERES.....78
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................... 82
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................. 84

TÓPICO 2 - O SER MATERIAL E IMATERIAL.........................................................................87


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................87
2 A ESSÊNCIA DA NATUREZA HUMANA, AS CONCEPÇÕES DICOTÔMICAS E
TRICOTÔMICAS E UMA BREVE DEFESA DA DOUTRINA DA DICOTOMIA ..........................87
3 TEORIAS DA TRANSMISSÃO DA ALMA............................................................................ 92
3.1 PREEXISTÊNCIA DA ALMA (PREEXISTENCIALISMO)...................................................................92
3.2 CRIACIONISMO.....................................................................................................................................94
3.3 TRADUCIONISMO.................................................................................................................................96
3.4 CONCLUSÃO SOBRE AS TEORIAS DA TRANSMISSÃO DA ALMA.............................................98
RESUMO DO TÓPICO 2..........................................................................................................99
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................100

TÓPICO 3 - A CONSCIÊNCIA DO HOMEM...........................................................................103


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................103
2 A VISÃO BÍBLICA DA CONSCIÊNCIA HUMANA.............................................................. 104
LEITURA COMPLEMENTAR.................................................................................................111
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................ 116
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................117
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 119
UNIDADE 3 — HAMARTIOLOGIA – DOUTRINA BÍBLICA DO PECADO...............................123

TÓPICO 1 — A REALIDADE DO PECADO DESDE O COMEÇO.............................................125


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................125
2 O QUE É O PECADO E QUAL A SUA ORIGEM?................................................................. 127
3 NATUREZA PECAMINOSA...............................................................................................132
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................135
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 137

TÓPICO 2 - A QUEDA DO HOMEM.......................................................................................139


1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................139
2 ADÃO, O REPRESENTANTE FEDERAL DA HUMANIDADE............................................. 140
3 O PECADO ORIGINAL ..................................................................................................... 140
4 EFEITOS NOÉTICOS DO PECADO ................................................................................... 147
5 DEPRAVAÇÃO TOTAL.......................................................................................................149
5.1 BASE BÍBLICA PARA O CONCEITO DE DEPRAVAÇÃO TOTAL..................................................150
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................153
AUTOATIVIDADE.................................................................................................................155

TÓPICO 3 - HERANÇA ADÂMICA DO PECADO E A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ.................. 157


1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 157
2 IMPUTABILIDADE DO PECADO.......................................................................................159
3 O PODER DO PECADO E SUAS CONSEQUÊNCIAS......................................................... 161
4 A REMISSÃO DOS PECADOS...........................................................................................163
5 A IMPUTAÇÃO DA JUSTIÇA DE CRISTO.........................................................................164
6 A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ..............................................................................................165
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................169
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................ 175
AUTOATIVIDADE................................................................................................................. 177
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 179
UNIDADE 1 -

CRISTOLOGIA –
DOUTRINA BÍBLICA DE
CRISTO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender sobre os aspectos sobrenaturais do nascimento de Cristo;

• identificar apontamentos teológicos sobre a humanidade de Cristo;

• identificar apontamentos teológicos sobre a divindade de Cristo;

• entender os aspectos das duas naturezas de Cristo, habitando individualmente uma


única pessoa;

• entender as doutrinas da impecabilidade e pecabilidade de Cristo;

• entender os aspectos dos ofícios de Jesus e sua obra redentora;

• entender os aspectos de sua ressurreição, ascensão e segunda vinda.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoati-
vidades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A HUMANIDADE E A DIVINDADE DE CRISTO: UMA PESSOA, DUAS NATUREZAS


TÓPICO 2 – JESUS, SEUS OFÍCIOS E SUA OBRA
TÓPICO 3 – JESUS: RESSURREIÇÃO, ASCENSÃO E SEGUNDA VINDA

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!

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2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 - A
HUMANIDADE E A DIVINDADE DE CRISTO:
UMA PESSOA, DUAS NATUREZAS

1 INTRODUÇÃO
Um dos assuntos mais debatidos, em termos de cristologia, é a questão das
duas naturezas de Cristo, ou seja, sua humanidade completa e complexa, com toda
sua materialidade e imaterialidade, e sua divindade completa e imbuída em todos os
aspectos atributivos.

Este (Jesus) é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a


criação; pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre
a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias,
quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e
para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste. Ele é a
cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre
os mortos, para em todas as coisas ter a primazia, porque aprouve a
Deus que, nele, residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz
pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo
todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus. E a vós outros
também que, outrora, éreis estranhos e inimigos no entendimento
pelas vossas obras malignas, agora, porém, vos reconciliou no corpo
da sua carne, mediante a sua morte, para apresentar-vos perante ele
santos, inculpáveis e irrepreensíveis (BÍBLIA SAGRADA, Cl 1.15-22).

A historiografia cristã contém diversos momentos em que a divindade e


humanidade de Cristo foram questionadas. Existem, ainda hoje, pessoas que negam
categoricamente a visão bíblica cristã da união das duas naturezas em uma única
Pessoa.

Controvérsias acerca da figura de Cristo se estenderam pelos séculos e, à medida


que as controvérsias cresciam e eram vivenciadas pelos cristãos, também aumentava
o interesse pelo estudo teológico para elucidar tais controvérsias. Nesse ambiente
opulento de debates e argumentos, surgem os primeiros concílios e seus credos da fé
cristã, tentando pavimentar, com solidez teológica, as estradas dos cristãos comuns.

Então, em uma busca acadêmica, e sustentados pela sabedoria dada por


Deus, os primeiros teólogos, vezes em períodos mais reversos, vezes em períodos mais
amistosos, administraram uma “dieta” teológica que nutriu, ao longo dos tempos, a fé
dos crentes, ajudando, assim, em uma compreensão mais linear do “esqueleto teológico”
comum que sustenta a fé evangélica.

3
NOTA
Concílio: é uma reunião de autoridades eclesiásticas com o objetivo
de discutir e deliberar sobre questões pastorais, de doutrina, fé e
costumes. Os concílios podem ser ecumênicos, plenários, nacionais,
provinciais ou diocesanos, consoante o âmbito que abarquem.
Credo: conhecido também como confissão, símbolo ou declaração
de fé, é uma asseveração das crenças compartilhadas da comunidade
religiosa ou secular, na forma de uma fórmula fixa que resume os seus
princípios fundamentais.

2 O NASCIMENTO DE CRISTO
O nascimento de Cristo constitui, para os cristãos, o acontecimento mais
importante na história e que mudou, para sempre, a formatação do mundo em termos
cronológicos, sociais, culturais e religiosos. O tempo passou a ser contado em antes e
depois de Cristo. A sociedade obteve um vislumbre maior de unidade e equanimidade. A
cultura se reestabeleceu na beleza e na majestosidade e a religião dirimiu os panteões
e sustentou o monoteísmo.

O natalício de Jesus é um sinônimo de esperança – o foi no passado e ainda


o é – de nova vida, de novos tempos, de eternidade. Esperança de descanso da fatiga
imposta pelo tempo.

2.1 O NASCIMENTO VIRGINAL DE CRISTO


Orr (1915), em seu artigo “The Virgin Brith of Christ” (em português: O nascimento
virginal de Cristo), sentencia que:

É plenamente reconhecido que os últimos [...] anos têm sido


marcados por determinada rejeição a respeito da verdade do
nascimento virginal de Cristo […]. O resultado disso é que em todos os
lugares o nascimento virginal é abertamente tratado como fábula, e
a crença nessa doutrina é ridicularizada como indigna da inteligência
do século XX (ORR, 1915, p. 268).

Isso não se encapsulou, ficando restrito ao século passado, muito pelo


contrário; o apontamento “fabuloso” se intensificou, a ponto de cristãos professos de
denominações tradicionais e de ratificada teologia adentrarem por esse caminho. No
entanto, o grande problema em se rejeitar essa doutrina é o fato de ela ser a base para
outras doutrinas importantes na confecção teológica de cunho salvífico.

4
Berti (2017) afirma que teólogos reconhecem as dificuldades da doutrina do
nascimento virginal, embasados em arcabouços céticos que apontam a improbabilidade
de um nascimento nesses moldes, perguntando-se como uma doutrina tão fundamental
para o cristianismo apresenta tão poucas evidências disso nas Escrituras. Ainda afirmam
que o nascimento virginal de Jesus nada mais é que uma reedição de antigos mitos e
questionam acerca de como os relatos bíblicos se divergem e, em divergindo, como
pode haver neles veracidade.

Os apontamentos céticos citados são pertinentes, mas o que precisamos


lembrar é que, da mesma forma que surgem questões de difíceis resoluções, surgem
também respostas satisfatórias que moldam e amparam a doutrina.

Em termos de exemplificação na crença de um nascimento virginal, atenta-se


que, além dos textos conhecidos do Novo Testamento, que estão no primeiro capítulo
de Mateus e Lucas, há autores cristãos modernos, como Macdowel (1996) que, em seu
livro Evidências que exigem um veredicto, afirma que:

A Igreja Apostólica nunca teve dúvida sobre esta questão. Diz ainda,
que os primeiros líderes da Igreja cristã, conhecidos como Patriarcas
Cristãos ou Pais da Igreja, corroboraram os ensinos apostólicos e cita
exemplos: “Em 110 A.D. Inácio escreve: “Pois nosso Deus Jesus Cristo
[…] foi concebido no ventre de Maria [...] pelo Espírito Santo. Pois a
virgindade de Maria e Aquele que dela nasceu […] são os mistérios mais
comentados em todo o mundo […]”. Este Inácio, é tradicionalmente
aceito, como um dos discípulos e talvez o mais próximo, do apóstolo
João. Aristides, em 125 A.D., fala do nascimento virginal de Jesus:
“Ele é o próprio Filho do Deus excelso que se manifestou pelo
Espírito Santo, desceu dos céus e, nascido de uma virgem hebreia,
se encarnou a partir da virgem […]”. Em 150 A.D. Justino oferece uma
gama de provas a favor da ideia do nascimento miraculoso do Cristo:
“Nosso mestre Jesus Cristo, que é o primogênito de Deus Pai, não
nasceu como resultado de relações sexuais […] O poder de Deus,
descendo sobre a virgem, cobriu-a com sua sombra e fez com que,
embora ainda virgem, concebesse […]”. Tertuliano, um advogado
convertido, talvez o primeiro cristão de maior influência no segundo
século da era cristã, nos informa que, em seus dias (200 A.D.) “existia
não apenas um credo cristão estabelecido, sobre o qual todas as
igrejas concordavam […]” em seus escritos é citado esse credo quatro
vezes, o qual inclui as palavras – ex virgine Maria – que significa “da
Virgem Maria”, claramente aludindo a Cristo como nascido de uma
mulher virgem (MACDOWEL, 1996, p. 116).

Sobre as “sombras” dos mitos, o historiador e erudito Brown (1973 apud


MARTINEZ, 2017, s.p.) comenta que:

Paralelos não judaicos têm sido encontrados nas religiões mundiais (O


nascimento de Buda, de Krishna e do filho de Zoroastro), na mitologia
greco-romana, nos nascimentos dos faraós (com o deus Amon-Rá
agindo através do seu pai) e nos nascimentos sensacionais dos
imperadores e filósofos (Augusto, Platão etc.). Mas esses ‘paralelos’
sempre envolvem um tipo de hieros gamos em que um macho
divino, em forma humana ou outra, insemina uma mulher, seja

5
através do ato sexual normal, seja por meio de uma forma substituta
de penetração. Eles não são realmente semelhantes à concepção
virginal não sexual que está no âmago das narrativas da infância
de Jesus, concepção esta, em que nenhum elemento ou deidade
macho insemina Maria […]. Portanto, nenhuma busca por paralelos
nos tem dado explicação verdadeiramente satisfatória de como os
primitivos cristãos chegaram à ideia de uma concepção virginal – a
menos, é claro, que ela realmente tenha acontecido historicamente.

Entendendo que o nascimento virginal aconteceu e se estabelece, ainda


na atualidade, como ponto fundamental para os desdobramentos doutrinários que
sustentam a fé cristã, teremos como base os escritos de Grudem (1999), apontando a
sua importância em, ao menos, três áreas distintas, como será visto a seguir.

2.1.1 Salvação
O nascimento virginal de Cristo demonstra que a salvação deve vir do Senhor,
exatamente como Deus havia prometido em Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn 3.15), em que
a “semente” da mulher (Jesus) acabaria por destruir a serpente (Diabo). O nascimento
virginal de Cristo inequivocamente lembra que a salvação jamais virá por meio de
esforços humanos, mas por obra do próprio Deus. Desse modo, a salvação se deve
à obra sobrenatural de Deus e isso é evidenciado no início da vida de Jesus, quando,
segundo o apostolo Paulo, em sua epístola ao Gálatas, diz que: “[...] Deus enviou seu
Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da lei, a fim de redimir os que estavam sob a
lei, para que recebêssemos a adoção de filhos” (BÍBLIA SAGRADA, Gl 4.4-5).

2.1.2 Duas naturezas


O nascimento virginal de Cristo trouxe a possibilidade de a união da plena
divindade e da plena humanidade se realizar em uma única pessoa. Essa foi a metodologia
empregada por Deus para enviar ou trazer seu Filho ao mundo como um ser humano
(BÍBLIA SAGRADA, Jo 3.16; Gl 4, 4). Ao pensar em outras formas possíveis de Cristo
ter vindo ao mundo, nenhuma uniria com tamanha perceptibilidade à humanidade e
à divindade em uma única pessoa. Deus poderia criar Jesus como um ser humano
completo e enviá-lo do céu à terra sem a interferência de nenhum progenitor humano?
Sim, poderia, mas, nesse caso, seria dificílimo que Jesus fosse visto como plenamente
humano, assim como são os homens, e ele não descenderia fisicamente da raça humana
iniciada em Adão.

Em contrapartida, provavelmente, seria possível, para Deus, gerar Jesus e fazê-


lo adentrar ao mundo usando genitores humanos e, miraculosamente, unir a natureza
divina a sua natureza humana em certo momento da vida de Cristo. Entretanto, então,
haveria dificuldade para se compreender como Ele seria plenamente Deus, uma vez
que se originou como qualquer um dos homens em termos de concepção. Quando se

6
observam essas possibilidades mais acuradamente, é possível entender melhor como
Deus ordenou uma combinação de extensão humana e divina no nascimento de Cristo,
de modo que sua plena humanidade se evidencia pelo seu nascimento humano e
comum, por meio de uma mulher, e sua plena divindade é evidenciada por uma obra
espiritual, mediada pelo Espírito Santo, em Sua concepção, no ventre de Maria.

2.1.3 Impecabilidade
O nascimento virginal também possibilita a verdadeira humanidade de Cristo
sem a herança pecaminosa adâmica (de Adão). Segundo apontamentos teológicos mais
ortodoxos, os seres humanos, em sua totalidade, herdaram a culpa legal e uma natureza
moral corrompida do primeiro homem, Adão. Para essa situação, por vezes, nomeia-se
de Pecado Herdado ou Pecado Original. Assim, o fato de Jesus não ter apresentado um
pai humano significa que a linha de descendência de Adão é parcialmente interrompida,
ou seja, pode-se dizer que Jesus não descendeu de Adão exatamente como todos os
seres humanos. Diante disso, compreende-se por que a “culpa legal” e a “corrupção
moral”, que pertencem a todos os outros seres humanos, não pertencem a Cristo.

Em face dessas poucas asseverações, tanto a história quanto a Bíblia e também


a teologia moderna ensinam claramente e sem ambiguidades o nascimento virginal de
Cristo. Os apóstolos, os Pais da Igreja e a igreja primitiva aceitaram e ensinaram essa
doutrina, assim como uma infinidade de teólogos modernos aceitam e permanecem
ensinando a doutrina do nascimento virginal de Cristo. Suas instruções ecoam e:

apontam para o Cristo nascido de uma mulher, também para sua


humanidade e sua manifestação como o novo ou segundo Adão. O
fato de Jesus ter nascido sem uma paternidade humana corrobora
sua natureza divina como o Filho de Deus. Em contra perspectiva, a
negação do nascimento virginal geralmente está ligada à negação
dos elementos sobrenaturais ou miraculosos das Escrituras (SPROUL,
2019, p. 48).

NOTA
Hieros gamos: é um termo atribuído ao ritual sexual que representava
um casamento entre um deus e uma deusa, ou entre um(a) deus(a) e
um(a) humano(a), resultando no nascimento de um semideus, tendo
um significado simbólico ou mitológico.
Ortodoxia: interpretação, doutrina ou sistema teológico implantado
como único e verdadeiro pela Igreja.

7
3 A UNIDADE DA PESSOA DE CRISTO
Em paralelo ao nascimento virginal, mostra-se a plenitude da divindade e da
humanidade de Cristo. Em se tratando da doutrina das duas naturezas de Cristo, a
cristologia bíblica dá conta de que, na encarnação, essas naturezas, a divina e a humana,
permanecem distintas e são unidas por completo em uma única pessoa.

Algumas passagens bíblicas da Escritura que evidenciam a glória divina e a


humildade humana de Jesus em conjunto são:

• “Porque um menino nos nasceu, um filho se nos deu; o governo está sobre os seus
ombros; e o seu nome será: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade,
Príncipe da Paz” (BÍBLIA SAGRADA, Is 9.6).
• “é que hoje vos nasceu, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor” (BÍBLIA
SAGRADA, Lc 2.11).
• “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a
sua glória, glória como do unigênito do Pai” (BÍBLIA SAGRADA, Jo 1.14).
• “com respeito a seu Filho, o qual, segundo a carne, veio da descendência de Davi e foi
designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição
dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 1.3-4).
• “sabedoria essa que nenhum dos poderosos deste século conheceu; porque, se a
tivessem conhecido, jamais teriam crucificado o Senhor da glória” (BÍBLIA SAGRADA,
1Co 2.8).
• “vindo, porém, a plenitude do tempo,  Deus enviou seu Filho, nascido de mulher,
nascido sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos
a adoção de filhos” (BÍBLIA SAGRADA, Gl 4.4-5).

Esses versículos apresentam o profundo mistério do eterno e infinito Filho de


Deus adentrando no tempo e no espaço e assumindo a natureza humana. Não existe
pensamento mais grandioso no qual possamos ponderar do que esse. A crença de que
Jesus é uma pessoa com duas naturezas, humana e divina, tem um grande significado
para a possibilidade de pessoas pecadoras entrarem em um relacionamento com Deus.
Cristo deve ser, ao mesmo tempo, Deus e homem, para que possa ser o mediador entre
Deus e o homem, fazer expiação pelo pecado, e ser um Sumo Sacerdote empático
(PIMENTEL, 2012).

3.1 UNIÃO HIPOSTÁTICA


Sobre a doutrina das duas naturezas de Cristo, uma das doutrinas cristãs
que mais produziu debates nos primeiros séculos, Cheung (2003), em sua Teologia
Sistemática, indica que:

8
o cristianismo afirma que Cristo possui duas naturezas, que Ele é
tanto divino quanto humano. Ele existe com Deus o Pai na eternidade
como segunda pessoa da Trindade, mas tomou a natureza humana
na encarnação. O que resulta disso não compromete ou confunde a
natureza divina com a humana, de modo que Cristo é totalmente Deus
e totalmente homem e permanecerá nesta condição eternamente.
Às duas naturezas de Cristo subsistindo em uma única pessoa se dá
o nome de União Hipostática (CHEUNG, 2003, p. 118).

A Confissão de fé de Westminster (1643-1646) corrobora isso, bem como a visão


bíblica da unidade, afirmando que:

as duas naturezas, inteiras, perfeitas e distintas – a divindade e a


humanidade – foram inseparavelmente unidas em uma só Pessoa,
sem conversão, composição ou confusão; essa Pessoa é verdadeiro
Deus e verdadeiro homem, porém, um só Cristo, o único Mediador
entre Deus e o homem (ASSEMBLEIA DE WESTMINSTER, 1943-1946,
p. 8).

Na encarnação, como ensinado em A Confissão de Fé de Westminster, “o eterno


Filho de Deus tomou sobre si uma verdadeira natureza humana. Desde então, Jesus
Cristo é, e sempre será, uma Pessoa (isto é, um Deus-homem), com duas naturezas
autoconscientes: uma divina e uma humana” (CRAMPTON, 2000 apud ARAÚJO NETO,
2005).

3.1.1 Por que era necessário que Cristo fosse plenamente


Deus?
Porque só alguém que fosse Deus infinito poderia arcar com toda a pena de
todos os pecados de todos os que cressem nEle – qualquer criatura finita não seria
capaz de arcar com tal pena; a salvação vem do Senhor (BÍBLIA SAGRADA, Jo 2.9) e
toda a mensagem das Escrituras é moldada para mostrar que nenhum ser humano ou
nenhuma criatura jamais conseguiria salvar o homem – “só Deus mesmo poderia; e só
alguém que fosse verdadeira e plenamente Deus poderia ser o mediador entre Deus
e o homem (BÍBLIA SAGRADA, 1Tm 2.5), tanto para nos levar de volta a Deus como
também para revelar Deus de maneira mais completa a nós (BÍBLIA SAGRADA, Jo 14.9)”
(GRUDEN, 1999, p. 456-457).

3.1.2 Por que era necessário que Cristo fosse plenamente


homem?
Para possibilitar uma obediência representativa, uma vez que Jesus
representou a humanidade e, em obediência, tomou o lugar dela naquilo em que Adão
falha e desobedece. Enxerga-se isso no paralelismo entre a tentação de Jesus (BÍBLIA

9
SAGRADA, Lc 4.1-13) e a prova de Adão e Eva no jardim do Éden (BÍBLIA SAGRADA, Gn
2.15-3.7), o que também é verificado claramente na discussão proposta pelo apóstolo
Paulo, ao apontar os paralelos entre Adão e Cristo, nas questões da desobediência de
Adão e obediência de Cristo (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5.18-19).

Para ser um sacrifício substitutivo, pois, se Jesus não tivesse encarnado e


nascido como um homem, de maneira alguma poderia ter morrido no lugar dos homens,
substituindo-os na cruz e, assim, pagando a penalidade, pela culpa, que aos homens
cabia. Na carta aos Hebreus, vemos que:

Pois ele, evidentemente, não socorre anjos, mas socorre a


descendência de Abraão. Por isso mesmo, convinha que, em todas as
coisas, se tornasse semelhante aos irmãos, para ser misericordioso
e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer
propiciação pelos pecados do povo (paralelos entre Adão e Cristo, nas
questões da desobediência de Adão e obediência de Cristo (BÍBLIA
SAGRADA, Hb 2.14;16-17).

Para ser o único mediador entre Deus e os homens. Os homens estavam


separados de Deus por causa do pecado, havia, então, a necessidade de que alguém
se colocasse entre Deus e os homens e, assim, os direcionasse de volta a Ele. Como
humanos caídos, à igualdade de Adão, os homens precisavam, e precisam, de um
mediador que os representassem, e os representem, diante de Deus e que pudesse
representar a Deus para Eles. Só houve e, permanece havendo, uma pessoa que
preenche esses requisitos representativos: “Porquanto há um só Deus e um só Mediador
entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem” (BÍBLIA SAGRADA, 1Tm 2.5).

Para cumprir a função de administrador sobre as coisas criadas. Jesus


deveria envergar plenamente a humanidade, para cumprir o propósito original de Deus
em relação ao homem, que se constitui em dominador sobre a criação. Deus colocou o
ser humano sobre a terra, segundo apontamentos no livro de Gênesis, para subjugá-la e
dominá-la como seu representante. No entanto, o homem não cumpriu esse propósito
cabalmente, pois cedeu ao pecado. Em Hebreus, vemos que Deus pretendia que tudo
fosse sujeitado ao homem, mas reconhece: “[...] Agora, porém, ainda não vemos todas
as coisas a ele sujeitas” (BÍBLIA SAGRADA, Hb 2.8b). Então, quando Jesus vem como
homem, Ele é capaz de efetuar essa obediência a Deus e, assim, ter o direito de dominar
a criação como o homem deveria ter feito, cumprindo, Jesus, o propósito original de Deus
ao colocar o homem sobre a terra, o que é reconhecido em Hebreus quando diz que agora
“vemos [...] Jesus” em posição de autoridade sobre o universo, “coroado de glória e de
honra” (BÍBLIA SAGRADA, Hb 2.9), o que também pode ser visto no versículo 7.

Para ser exemplo e padrão de vida. O apóstolo João diz: “[...] aquele que diz que
permanece nEle, esse deve também andar assim como ele andou” (BÍBLIA SAGRADA, 1Jo
2.6), e traz à lembrança de todos que, “quando Ele se manifestar, seremos semelhantes
a Ele” e que essa esperança futura de conformidade com o caráter de Cristo confere aos
homens, mesmo agora, pureza moral cada vez maior à vida (BÍBLIA SAGRADA, 1Jo 3.2-

10
3). O apóstolo Paulo indica que os homens continuamente estão sendo “transformados
[...] na sua própria imagem” (2Co 3.18), avançando, assim, ao alvo para o qual Deus salva
os homens: que é ser “conformados à imagem de seu Filho” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 8.29).
O apóstolo Pedro informa que, especialmente no sofrimento, é necessário considerar
o exemplo de Cristo: “pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos
exemplo para seguirdes os seus passos” (BÍBLIA SAGRADA, 1Pe 2.21).

Para ser o padrão da redenção corpórea. O apóstolo Paulo ensina que,


quando Jesus ressuscitou dos mortos, ressuscitou num novo corpo “na incorrupção
[...] ressuscita em glória [...] ressuscita em poder [...] ressuscita em um corpo espiritual”
(BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.42-44). Esse novo corpo ressurreto que Jesus possuía, quando
ressurgiu dos mortos, é o padrão que se dará também para os homens quando forem
ressuscitados dos mortos, porque Cristo representa “as primícias” (BÍBLIA SAGRADA,
1Co 15.23), ou seja, uma alusão ao trabalho agrícola que alude à primeira amostra da
colheita.

Para compadecer-se como sumo sacerdote. O autor de Hebreus instrui que


“naquilo que ele mesmo sofreu, tendo sido tentado, é poderoso para socorrer os que
são tentados” (BÍBLIA SAGRADA, Hb 2.18) – sugerimos conferir também Hebreus (BÍBLIA
SAGRADA, Hb 4.15-16). Se Jesus não existisse na condição de homem, não seria capaz
de conhecer, por experiência, aquilo que os homens sofrem em suas tentações e lutas
nessa vida terrena. Todavia, porque viveu como homem, ele é capaz de se compadecer
mais plenamente dos seres humanos em suas experiências.

3.2 IMPECABILIDADE DE CRISTO


“Impecabilidade significa que Jesus jamais fez qualquer coisa que desagradasse
a Deus, que violasse a lei ou que tenha deixado de demonstrar a glória de Deus em sua
vida (BÍBLIA SAGRADA, Jo 8.29)” (RYRIE, 2004).

 3.2.1 O testemunho acerca da impecabilidade de Cristo


As Escrituras testemunham sobre a vida sem pecado de Jesus, que foi chamado
santo desde seu nascimento (BÍBLIA SAGRADA, Lc 1.35). Em determinado momento,
Jesus desafiou seus inimigos a provarem que Ele tinha pecado (BÍBLIA SAGRADA,
Jo 8.46). Nada nas expressões de fala de Jesus pode lhe acusar justamente (BÍBLIA
SAGRADA, Mt 22.15). Ele guardava os mandamentos (BÍBLIA SAGRADA, Jo 15.10).
Nos momentos antecedentes à crucificação, Ele foi declarado inocente onze vezes
(BÍBLIA SAGRADA, Mt 27.4;19;24;54; Lc 23.14;15;22;41; Jo 18.38; 19.4-6). Paulo atestou a
impecabilidade de Jesus Cristo (BÍBLIA SAGRADA, 2Co 5.21), assim como os apóstolos
Pedro (BÍBLIA SAGRADA, 1Pe 1.19; 2.22), João (BÍBLIA SAGRADA, 1Jo 3.5), bem como o
autor de Hebreus (BÍBLIA SAGRADA, Hb 4.15; 7.26-27).

11
 3.2.2 O debate acerca de impecabilidade e pecabilidade de
Cristo
Há uma série de discussões teológicas, antigas e modernas, sobre a possibilidade
ou não de Jesus cometer pecados em seu ministério terreno. O conceito de que Jesus
não podia pecar se chama “impecabilidade” (non posse peccare – “não poder pecar”)
e o conceito de que ele podia pecar, mas não o fez, é denominado “pecabilidade”
(posse non peccare – “poder não pecar”).

Na rejeição da ideia da pecabilidade e defesa da impecabilidade, estão os


que argumentam que a impecabilidade não anula o ato da tentação, assim como a
impossibilidade de um lutador profissional de MMA pesando 100 quilos ser vencido por
uma criança de oito anos pesando 25 quilos não invalida os golpes do minúsculo infante.
Segundo esse ponto de vista, a impecabilidade não depende da “ausência de tentação”,
mas da “ausência de vontade de pecar”. William Shedd é um dos seus defensores.

Na defesa da pecabilidade e rejeição da impecabilidade de Cristo, estão os


que o fazem baseados na afirmação de que, “se ele foi tentado, é porque poderia pecar”
e, “se isso não fosse possível, não poderia ser dito que a tentação foi real”; entre os
defensores desse ponto de vista está o teólogo Charles Hodge.

NOTA
William Shedd: foi o maior sistematizador, depois de Charles Hodge,
da teologia calvinista americana entre a Guerra Civil e a Primeira
Guerra Mundial.
Charles Hodge: foi professor, exegeta, escritor, pregador e pastor
Presbiteriano norte-americano e um dos maiores expoentes e
defensores do calvinismo histórico nos Estados Unidos durante o
século XIX.

3.2.3 O caráter das tentações de Cristo


A Bíblia afirma que Cristo foi tentado da mesma forma que qualquer ser humano
(BÍBLIA SAGRADA, Hb 4.15). A dificuldade de algumas linhas teológicas aceitarem essa
afirmação se dá pelo fato de Tiago, o líder da igreja em Jerusalém, irmão de Jesus
e escritor bíblico, afirmar que Deus não pode ser tentado (BÍBLIA SAGRADA, Tg 1.13).
Aparentemente, diante disso, seria preciso resolver a questão de que ou Cristo não é
Deus ou não foi tentado.

12
Segundo Tronco (2009, s.p.), “é certo que nenhum teólogo conservador está
disposto a atacar a divindade de Cristo, então a discussão é sobre se Cristo foi ou não
tentado e se ele podia ou não ceder à tentação”.

As tentações, de fato, ocorreram e foram apropriadas ao Deus-homem, visto


que um homem qualquer não é tentado a transformar uma pedra em pão, por exemplo.
Mesmo assim, Jesus foi tentado à semelhança dos homens comuns, então, o que se
discute é a eficácia dessas tentações, visto que, se elas não pudessem influenciar Cristo
a pecar, seriam ineficazes em suas implicações. Contudo, diante das explicações sobre
pecabilidade e impecabilidade, pode-se perceber que a questão da eficácia não se
realiza em “cair” ou “não cair” nas tentações, mas em sentir o peso ou a força dessas
tentações, mesmo que Ele não tivesse vontade de pecar.

Diante disso, é que Jesus se compadece dos homens, pois Ele pode sentir o
peso ou a força das tentações, mesmo não tendo nenhuma possibilidade de pecar, pois,
segundo as Escrituras, Ele é Deus e Deus não tem a possibilidade de pecar, e o pecado
não procede de Deus; o apóstolo João, em sua primeira epístola afirma: “porque tudo
que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba
da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo” (BÍBLIA SAGRADA, 1Jo 2.16).

A seguir, será possível observar as implicações que ocorreriam dada a


possibilidade de pecado em Jesus.

3.2.4 Os problemas inerentes ao conceito da pecabilidade de


Cristo
Variadas implicações indesejáveis se originam da defesa da pecabilidade de
Cristo:

• A imutabilidade  – se Cristo pudesse pecar, sua divindade estaria em risco antes


mesmo do pecado existir, pois Ele não seria “imutável” (BÍBLIA SAGRADA, Is 9.6; Ml
3.6; 2Tm 2.13; Hb 13.8).
• A soberania – se Cristo pudesse pecar, Ele nem seria Deus, pois nEle habitaria o mal,
nem o Pai seria o Deus soberano, pois seria evidenciado que Ele não tem poder para
controlar a história nem para manter seus planos (BÍBLIA SAGRADA, At 4.27-28).
• As profecias  – caso Jesus cometesse algum pecado, ficaria evidenciada a
inexistência da onisciência e da presciência de Deus; assim, todas as profecias sobre
a obra de Cristo e a redenção dos homens seriam ineficazes. No caso, se Cristo
pudesse pecar e não o fez, as profecias sobre sua obra e redenção dos homens não
passariam de mero otimismo (BÍBLIA SAGRADA, Mq 5.2; Is. 53.6-9) e todos os textos
que falam de determinações prévias de Deus sobre os redimidos teriam perdido por
completo seu sentido (BÍBLIA SAGRADA, Mt 25.34; Ef 1.4). Diante disso, sem a plena
convicção de que tais prenúncios realmente aconteceriam, Deus estaria enquadrado
entre os mentirosos (BÍBLIA SAGRADA, Tt 1.2; Hb 6.18).
13
• A confiabilidade da redenção –  se Jesus pudesse pecar, nenhum ser humano
pode ter uma justa confiança na redenção divina e ela esteve em risco de falhar. Isso
se distancia da clara esperança nas promessas de Deus (BÍBLIA SAGRADA, Gn 12.3).

3.3 INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE KENOSIS


A palavra kenosis tem por significância o conceito de “autoesvaziamento”
e está contida em Filipenses (BÍBLIA SAGRADA, Fp 2.7). No origjnal em grego, “ἀλλὰ
ἑαυτὸν ἐκένωσεν μορφὴν δούλου λαβών, ἐν ὁμοιώματι ἀνθρώπων γενόμενος· καὶ σχήματι
εὑρεθεὶς ὡς ἄνθρωπος” (NESTLE et al., 2001), que, em português, significa “Antes, a
si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de
homens; e, reconhecido em figura humana” (BÍBLIA SAGRADA, Fp 2.7) ­– a questão
central aqui é a seguinte: “Ele se esvaziou do quê?”.

O Sínodo de Antioquia (341 A.D.) afirmou que Cristo se esvaziou de “ser igual a
Deus”, mas continuou defendendo, em seu escopo, a divindade absoluta de Cristo. Já
a Reforma Protestante discutiu se Cristo teria se esvaziado de seus atributos, como
onipotência, onipresença e onisciência sem, porém, afetar sua completa divindade
e a Teologia do século XVIII, ou Teologia Liberal, afirma, por meio de alguns de seus
estudiosos, que Cristo se tornou menos ou menor que Deus.

NOTA
Sínodo: assembleia periódica de bispos de todo o mundo que,
presidida pelo papa, se reúne para tratar de assuntos ou problemas
concernentes à Igreja Universal.
Protestantismo: foi um movimento religioso que se voltou contra
ações e regras da Igreja Católica. O principal agente da Reforma foi o
monge alemão Martinho Lutero (1483-1546).
Teologia liberal: é um movimento teológico que surgiu da reação ao
racionalismo iluminista e da valorização da experiência e da essência
pelo romantismo dos séculos XVIII e XIX, principalmente entre igrejas
protestantes europeias e seu correspondente no catolicismo, o
modernismo teológico.

3.3.1 O significado do conceito da kenosis


A passagem central da kenosis é:

14
Tende em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo
Jesus, 6 pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou
como usurpação o ser igual a Deus; 7 antes, a si mesmo se
esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança
de homens; e, reconhecido em figura humana, 8 a si mesmo se
humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. 9 Pelo
que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está
acima de todo nome, 10 para que ao nome de Jesus se dobre todo
joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, 11 e toda língua confesse
que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai (BÍBLIA SAGRADA,
Fp 2.5-11).

A natureza original de Cristo: Filipenses apresenta Cristo antes da encarnação


(BÍBLIA SAGRADA, Fp 6.2), existindo em “forma de Deus”. A palavra usada na sua
forma original grega  μορφή  (morphé) significa “natureza”, “forma visível” (SWANSON,
1997),  “forma” (STRONG, 1996, p. 1519),  “forma pela qual uma pessoa ou uma coisa
atingem a visão”, “a aparência externa” (THAYER, 2000, p. 419), “a natureza ou o caráter
de algo, com ênfase na forma interna e externa” (LOUW; NIDA, 2000, p. 732).  Em
outras palavras, é a “substância de um ser ou de algo” (LOUW; NIDA, 2000, p. 732). A
mesma palavra aparece em  Marcos: “Depois Jesus apareceu noutra forma (μορφή
– morphé) a dois deles, estando eles a caminho do campo” (BÍBLIA SAGRADA, Mc
16.12). Nesse caso, a μορφή (morphé) aponta para uma forma diferente da qual Jesus era
habitualmente reconhecido. Todavia, no fato de Deus não possuir uma forma corpórea,
a palavra  μορφή  (morphé), nesse caso, revela que Jesus é da mesma substância ou
natureza de Deus, concluindo que Jesus não existia na pré-encarnação (antes de seu
nascimento em forma de homem) como um ser que não fosse “exatamente Deus”, ou
seja, natural e substancialmente da mesma forma, μορφή (morphé), de Deus.

O autoesvaziamento de Cristo foi uma situação que o próprio Cristo impôs a


si mesmo; envolve todas as coisas e situações que Ele fez e passou para morrer na
cruz, incluindo assumir a forma de servo. Ao fazer isso, Jesus foi encontrado em figura
humana. A palavra original grega para “figura” é σχήμα  (skema). Isso indica que Ele
tinha, além da aparência de um homem, uma vida como a de um homem, assim, sendo
completamente Deus em toda a sua integridade, Jesus passou a ser em tudo como
um homem, também em sua integridade, com exceção apenas do pecado. Sobre os
conceitos de μορφή e σχήμα, para Lightfoot (1898, p. 132-133):

Sendo assim, que sentido nós devemos associar à “forma de Deus”,


na qual nosso Senhor preexistia? Nas  Homilias de Clemente,
o apóstolo Pedro é representado como insistindo em passagens
antropomórficas nas  Escrituras  e sustentando, assim, que Deus
tem uma “forma” concreta (μορφή  – morphé). Diante da objeção do
seu oponente de que, se Deus tem uma “forma” (μορφή – morphé),
deve ter também uma “figura”, uma aparência (σχήμα  – skema), o
apóstolo é forçado a responder aceitando a inferência: “Deus tem
uma  σχήμα (skema); Tem os olhos e as mãos e os pés como um
homem; não obstante, não tem nenhuma necessidade de usá-los”
(Clemente. Hom. xvii. 3,7,8). Não era essa a concepção do apóstolo
Paulo com respeito a Deus. Ele não poderia falar nesse sentido sobre
a  μορφή (morphé) nem poderia falar nesse sentido sobre a  σχήμα

15
(skema), daquele que é o “Rei dos reis e o Senhor dos senhores,  o
único que possui imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem
homem algum jamais viu, nem é capaz de ver (BÍBLIA SAGRADA, 1Tm
6.15-16)”.
Permanece então que μορφή (morphé) deve aplicar-se aos atributos
da divindade. Ou seja, é usado substancialmente no mesmo sentido
que carrega na filosofia grega. Sugere a mesma ideia que é expressa
de outra maneira em João por ὁ λόγος τoῦ θεοῦ (o (ro) logos tou teou
– “o Verbo de Deus”), em escritores cristãos das épocas seguintes
por υἱός θεοῦ ὢν θεός (uios (ruios) Teou on Teos – “o Filho de Deus
que é Deus”) e no  Credo Niceno  por  θεός  ἐκ  θεοῦ  (teos ek teos –
“Deus de Deus”). Ao aceitar essa conclusão não é necessário supor
que o apóstolo Paulo derivou conscientemente seu uso do termo
de alguma nomenclatura filosófica. Havia especificidade suficiente,
mesmo em seu uso popular, para sugerir esse sentido quando isso
foi transferido dos objetos dos sentidos às concepções da mente.
Ainda que o apóstolo João tenha adotado  λόγος  (logos – “palavra”)
e o próprio apóstolo Paulo tenha adotado εἰκών (eikon – “imagem”)
e πρωτότοκος (protótokos – “primogênito”) da linguagem das escolas
teológicas existentes, parece muito longe do improvável que a
expressão análoga  μορφὴ  θεοῦ  (morphé teou – “forma de Deus”)
tenha sido derivada de uma fonte similar. As especulações dos
judaísmos alexandrino e gnóstico formaram um meio pelo qual os
termos filosóficos da Grécia antiga foram trazidos ao alcance dos
apóstolos de Cristo. Assim na passagem sob a consideração, o μορφή
(morphé)  é contrastado com o  σχῆμα (skema), como aquele que é
intrínseco e essencial com aquele que é acidental e para fora. E as três
cláusulas implicam respectivamente a natureza divina verdadeira
de nosso Senhor (morphé teou – μορφὴ θεοῦ – “forma da Deus”), a
natureza humana verdadeira (morphé doulos – μορφὴ  δούλου  –
“forma de servo”), e  o exterior da natureza humana  (skemati os
antropos – σχήματι ὡς ἄνθρωπος – “figura humana”).

O autoesvaziamento de Cristo é todo o caminho percorrido por Ele, como citado


anteriormente, saindo da glória e majestade celeste e findando a jornada em humilhação
e vergonha na cruz do Calvário, sobre o Gólgota. E, por todo esse processo, está inclusa
a encarnação como o meio de levá-lo à morte substitutiva.

Em nada esse processo afetou a divindade de Jesus nem o uso dos seus
atributos divinos. Na verdade, o autoesvaziamento contempla o verdadeiro Deus que
morreu em humilhação, na condição de um homem real e completo, para salvar homens
completamente perdidos.

“Portanto, na kenosis Cristo se esvaziou e abriu mão de manter sua condição


condizente com a divindade, ou seja, viver na glória celestial, e assumiu a humanidade
para que pudesse morrer” (TRONCO, 2009, s.p.).

16
3.3.2 Teorias falsas sobre o conceito da kenosis
Algumas teorias, tal qual a teoria Kenótica, apontam que Cristo renunciou a
alguns ou todos os seus atributos divinos. Essas ideias não são sustentáveis por várias
razões: primeiro, Jesus, em carne, afirmou ser igual a Deus (BÍBLIA SAGRADA, Jo 10.30);
segundo, se Jesus passou a ser menos divino, houve, então, uma alteração na pessoa
de Deus, conceito que colocaria a própria divindade em xeque, já que “Deus não muda”
(BÍBLIA SAGRADA, Tg 1.17); terceiro, o aspecto substitutivo da morte de Jesus exige
que ele seja perfeito homem, ao mesmo tempo que os aspectos propiciatórios (que
significam satisfazer as exigências de Deus) e redentor (Aquele que resgata por meio de
pagamento) da sua morte exigem que Ele seja perfeito Deus, a fim de sanar um débito
das dimensões do próprio Deus.

Outra teoria, chamada de gnosticismo, diz que Cristo apenas parecia ser
homem, pois disfarçava sua divindade ou apenas a refletia em forma humana. Cristo não
disfarçou ou refletiu sua divindade, Ele apenas assumiu a humanidade. As Escrituras
demonstram que a divindade podia ser reconhecida nEle (BÍBLIA SAGRADA, Jo 1.14;
14.9; Hb 1.3).

NOTA
Teologia Kenótica: surgiu com variados teólogos na Alemanha, entre
1860 e 1880, e na Inglaterra, entre 1890 e 1910, que basicamente
interpretaram Filipenses (BÍBLIA SAGRADA, Fp 2.5-7) ensinando que
Jesus deixou de ser Deus no seu autoesvaziamento.
Gnosticismo: da palavra grega gnose (“conhecimento”) pregava
que o mundo havia sido criado por uma divindade imperfeita e que,
por isso, a vida na terra era apenas uma forma maléfica usada para
aprisionar o espírito humano e que o bem só seria alcançável em
um nível espiritual. Também, por isso, acreditavam que não havia
porque nos culparmos pelos males existentes na terra, uma vez que
tudo isso era propiciado pela prisão material da qual deveríamos nos
libertar e que fora criada pelo deus mal que criara a terra.

17
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O nascimento de Jesus, o Cristo, é de suma importância para o cristianismo, pois foi


um acontecimento que dividiu a cronologia em antes e depois dEle e que também
trouxe uma maior unidade e equanimidade social, além do estabelecimento de beleza
cultural e sustentação do monoteísmo, diante dos panteões politeístas.

• O fato de Cristo ter sido gerado e nascido de forma virginal, ou seja, sem a
interferência de um pai humano, constitui-se em ponto de sustentação teológica
para as doutrinas das duas naturezas de Cristo, a humana e a divina, bem como para
as doutrinas da impecabilidade e salvação, entre outras.

• As duas naturezas de Jesus se constituem em condição pétrea, no sentido em que


possibilita a todo homem, pecador, relacionar-se com Deus por intermédio de Cristo,
como mediador entre o homem pecador e o Deus Santo.

• O conceito da união hipostática ou união das duas naturezas de Cristo, humana e


divina, subsistindo separadas e distintamente em uma única pessoa, demonstra a
importância teológica de Jesus ser o verdadeiro Deus e o verdadeiro homem para as
divinas pretensões salvíficas.

• Existem conceitos e apontamentos que destacam a possibilidade ou a não


possibilidade de pecado por parte de Jesus. Existem teóricos debatendo até os
dias de hoje sobre o assunto.

• A “Kenosis” é uma espécie de “autoesvaziamento”, sendo que existe uma pergunta


que norteia essa questão: “esvaziamento ou esvaziado do que?”.

• Kenosis foi conceituada e que também há formas de responder à questão norteadora


do conceito “kenosis” – o “esvaziamento ou esvaziado do quê?” –, demonstrando,
assim, que Jesus foi esvaziado, em resumo, de sua glória, e não de seus atributos
divinos. Em algumas teorias, no entendimento de uma cristandade mais conservadora,
constituem-se em falácias e falsidades acerca da doutrina do autoesvaziamento.

18
AUTOATIVIDADE
1  Em termos de o nascimento virginal sendo visto como fundamental para os
desdobramentos doutrinários que sustentam a fé cristã, aponte ao menos três áreas
teológicas de suma importância que essa doutrina sustenta e resuma cada uma
delas.

2 O conceito da união hipostática ou união das duas naturezas de Cristo, humana e


divina, subsistindo separadas e distintamente em uma única pessoa, demonstra a
importância teológica de Jesus ser o verdadeiro Deus e o verdadeiro homem para as
divinas pretensões salvíficas. Diante disso, responda: o que é a união hipostática?

3 Alguns teóricos confirmam a possibilidade de pecado por parte de Jesus, enquanto


outros combatem ferrenhamente a contrariedade a essa afirmação. Em termos de
impecabilidade e pecabilidade, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para
as falsas:

( ) Na defesa da impecabilidade teólogos argumentam que a impecabilidade anula a


tentação.
( ) A impecabilidade não depende da “ausência de tentação”, mas da “ausência de
vontade de pecar”.
( ) O argumento acerca da pecabilidade se firma na sentença que se segue: “se ele foi
tentado, é porque poderia pecar”.
( ) Os defensores da impecabilidade de Cristo insistem que se Jesus não pudesse pecar,
não poderia ser dito que a tentação foi real.

a) ( ) V – V – F – V.
b) ( ) F – V – V – F.
c) ( ) F – V – F – V.
d) ( ) V – F – V – F.

4 Kenosis é o autoesvaziamento “provocado” por Jesus quando renuncia a sua glória,


e não a seus atributos divinos. Analise as expressões originais gregas e associe os
itens, utilizando o código a seguir:

( ) μορφὴ θεοῦ (morphé teou).


( ) μορφὴ δούλου (morphé doulos).
( ) σχήματι ὡς ἄνθρωπος (skema os antropos).

I- A natureza divina verdadeira de Jesus.


II- A natureza humana verdadeira de Jesus.
III- O exterior da natureza humana de Jesus.

19
Assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) I – II – III.
b) ( ) II – I – III.
c) ( ) III – II – I.
d) ( ) II – III – I.

5 Durante os primeiros séculos da igreja cristã, muitas teorias surgiram apontando a


pessoa de Cristo apenas como uma figuração do divino, tirando dEle a preeminência
de Deus encarnado. Com base nas supostas falsas teorias Kenótica e Gnóstica,
associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Teoria Kenótica.
II- Teoria Gnóstica.

( ) Cristo, apenas, parecia ser homem.


( ) Cristo abriu mão de todos os seus atributos divinos.
( ) Cristo disfarçava sua divindade.
( ) Cristo abriu mão de alguns atributos divinos.
( ) Refletia a forma humana.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) II – I – II – I – II.
b) ( ) I – II – II –
­ I – II.
c) ( ) II – II – I – II – I.
d) ( ) II – II – I – I – II.

20
UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
JESUS, SEUS OFÍCIOS E SUA OBRA

Embora sendo Filho, aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu


e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se o Autor da salvação eterna
para todos os que lhe obedecem tendo sido nomeado por Deus sumo
sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque (BÍBLIA SAGRADA,
Hb 5.8-10).

1 INTRODUÇÃO
Timothy George (1994) ajuda a entender os aspectos dos ofícios e da obra de
Cristo, através de uma leitura mais acurada da obra de João Calvino, o reformador de
Genebra, e afirma que:

mais importante que conhecer a essência de Cristo é conhecer com


que propósito ele foi enviado pelo Pai. Calvino explicou a obra de Cristo
em conexão com o seu tríplice ofício de Profeta, Rei e Sacerdote,
todos os quais eram ungidos no Antigo Testamento, prefigurando o
Messias.
Como Profeta, ele foi ungido pelo Espírito para ser arauto e
testemunha da graça de Deus, fazendo-o através do seu ministério
de ensino e pregação. Na qualidade de Rei, Cristo atua como o vice
regente do Pai no governo do mundo; um dia sua vitória e senhorio
se manifestarão plenamente. Em seu ofício sacerdotal, ele foi um
Mediador puro e imaculado que aplacou a ira de Deus e fez perfeita
satisfação pelos pecados humanos.
Calvino observa que Deus poderia resgatar os seres humanos de
outra maneira, mas quis fazê-lo através do seu Filho. Ele dá ênfase
não tanto à justiça de Deus, mas à sua ira e amor, ambas ilustradas
na obra de Cristo. Não somente a morte de Cristo tem efeito redentor,
mas toda a sua vida, ensinos, milagres e sua contínua intercessão
nos céus, à destra do Pai. A obra expiatória de Cristo tem também
um aspecto subjetivo, pelo qual somos chamados a uma vida de
obediência (GEORGE, 1994, p. 219).

2 O QUE SÃO OS OFÍCIOS DE CRISTO


O sacrifício de Cristo na cruz e sua ressurreição, em geral, são vistos como sua
obra salvadora. É certo que fossem o foco central da sua missão, mas a obra de Cristo
não se resume somente a estes aspectos. O múnus triplex, ou o tríplice ofício de
Cristo, observa a natureza multifacetada de sua obra salvífica.

21
NOTA
Múnus: a palavra múnus tem origem do latim munus, que significa “dever”,
“ônus”, “função” e “encargo”. É principalmente utilizado dentro do âmbito
jurídico, como um conjunto de obrigações de um indivíduo.

No Israel bíblico, fora por Deus estabelecido três ofícios de cunhos político
e religioso. Eram eles: o Profeta, o sacerdote e o Rei. Esses ofícios eram distintos e
exercidos cada qual por uma pessoa diferente.

Os profetas traziam revelação divina acerca da Palavra de Deus, por meio


do Espírito Santo, mostrando qual a vontade de Deus para o povo. Os sacerdotes
funcionavam como uma espécie de mediadores entre o povo e Deus, ofereciam
sacrifícios para expiar o pecado do povo e intercediam por eles diante de Deus. Os reis
eram legítimos representantes de Deus, legisladores que governavam o povo.

O Antigo Testamento efetua os três ofícios separadamente, mas também previa


que haveria alguém no futuro que uniria em si mesmo os três ofícios principais da vida
teocrática judaica.

NOTA
Teocracia: um termo de origem grega que significa “governo divino”; trata-
se de um governo em que justificativas de natureza religiosa orientam a
formação do poder instituído. Na maioria dos casos, o chefe político é visto
como um representante direto de alguma divindade ou chega a assumir a
condição de divindade encarnada.

Acredita-se que o cumprimento da previsão profética do Antigo Testamento


se dá em Cristo, pois o Antigo Testamento, nas palavras de Moisés, profeta de primazia
inestimável para os judeus, adverte que o Senhor levantaria um profeta igual a ele
(Moisés) e lhe poria na boca as Suas palavras e ele falaria tudo o que Ele, Deus, o
ordenasse que falasse (BÍBLIA SAGRADA, Dt 15.15-18).

O Antigo Testamento também indica o surgimento de um sacerdote diferente de


todos os que o antecederam. O profeta Samuel profetiza as palavras de Deus dizendo:
“Então, suscitarei para mim um sacerdote fiel, que procederá segundo o que tenho

22
no coração e na mente; edificar-lhe-ei uma casa estável, e andará ele diante do meu
ungido para sempre” (BÍBLIA SAGRADA, Sm 2.35).

Além de apontar para expectativa do surgimento de um rei da linhagem do


rei Davi, do rei Salomão e dos seus sucessores. O reinado dEle seria eterno (BÍBLIA
SAGRADA, Sl 89.28-36).

2.1 PROFETA
Jesus, segundo os escritores do Novo Testamento, é Aquele que viria e seria
“o Profeta”. Ele fora assim reconhecido pela mulher da cidade de Samaria (BÍBLIA
SAGRADA, Jo 4,19) e pelo homem que era cego de nascença (BÍBLIA SAGRADA, Jo 9,
1-17). O evangelista Mateus escreve que havia uma impressão muito forte de que Jesus
fosse “algum dos profetas” (BÍBLIA SAGRADA, Mt 16.14). Ao citar o livro de Deuteronômio
(BÍBLIA SAGRADA, Dt 18.15), Pedro o identifica como Aquele profetizado por Moisés
(BÍBLIA SAGRADA, At 3.22-24).

Tal qual os profetas veterotestamentários, Jesus falava ao seu povo acerca das
palavras de Deus: “Ouviste o que foi dito [...] Eu, porém vos digo [...]” (BÍBLIA SAGRADA,
Mt 5 – no sermão do monte ou da montanha) e seguia, assim, estabelecendo-se como
intérprete fundamentado nos escritos do Antigo Testamento e também transmitindo
uma nova revelação através da pregação do Evangelho. E a pregação do Evangelho foi
o foco principal de seu ministério profético (BÍBLIA SAGRADA, Mt 4.17, 23; Mc 1.15-17; Lc
4.43).

Além de apenas transmitir as palavras de Deus, Jesus, como Profeta, revelava


as obras do Criador. Ele diz, conforme escreve João (BÍBLIA SAGRADA, Jo 5.36): “As
obras que o Pai me concedeu realizar, são exatamente as que realizo” (paráfrase do
autor), ou seja, as obras do Filho revelam as obras do Pai.

Jesus como Profeta não só revelou as palavras e as obras de Deus, como


também revelou o próprio Deus. Quando em conversa com um de seus discípulos,
Felipe, Jesus afirma que: “[...] Quem vê a mim, vê o Pai [...]” (BÍBLIA SAGRADA, Jo 14.9).
Assim, de fato, Jesus, o Filho encarnado de Deus, é, segundo Hebreus, “[...] a expressão
exata do Seu (Deus) Ser [...]” (BÍBLIA SAGRADA, Hb 1.3).

Ele é Profeta, então, revelando a Palavra de Deus, manifestando as obras de


Deus, e por ser o próprio Deus, revelando Deus ao Seu povo.

23
2.2 SACERDOTE
Ele é o “Sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque” (BÍBLIA
SAGRADA, Hb 5.6; 6.20; 7.3;17;21). É assim que o Novo Testamento apresenta Jesus,
em termos sacerdotais, aludindo a profética sentença de Salmos (BÍBLIA SAGRADA, Sl
110.4).

Particularmente, Jesus é o Sumo Sacerdote, embora, em significância, Ele se


diferencie dos seus antecessores, por sua impecabilidade, pois os sumos sacerdotes
veterotestamentário eram pecadores e precisavam, além de oferecer sacrifícios pelo
povo, oferecer sacrifícios por si mesmos (BÍBLIA SAGRADA, Hb 7.26-27).

Em segundo lugar, havia outra diferença latente entre os sumos sacerdotes


antigos e Cristo: a natureza de sua oferta. Enquanto aqueles precisavam oferecer
continuamente sacrifícios pelos pecados populares e seus, Cristo definitivamente se
oferece como sacrifício pelos pecados dos homens.

Quando, porém, veio Cristo como sumo sacerdote dos bens já


realizados, mediante o maior e mais perfeito tabernáculo, não feito
por mãos, quer dizer, não desta criação, não por meio de sangue de
bodes e de bezerros, mas pelo seu próprio sangue, entrou no Santo
dos Santos, uma vez por todas, tendo obtido eterna redenção (BÍBLIA
SAGRADA, Hb 10.12-14).

Jesus, em seu ofício sacerdotal, orou por seu povo (BÍBLIA SAGRADA, Jo 17).
Ele ainda continua exercendo o ministério da intercessão (BÍBLIA SAGRADA, Hb 7.24-25;
Rm 8.34). Em sua oração sacerdotal, Jesus abençoa seu povo, em particular, os pobres
de espírito, os humildes, os misericordiosos etc. (BÍBLIA SAGRADA, Mt 5.1-12).

Ele é Sacerdote, então, oferecendo o sacrifício soberano e intercedendo pelo


seu povo.

2.3 REI
O Novo Testamento corrobora a afirmação de Jesus como Rei. Uma das histórias
mais conhecidas dos escritos neotestamentários é aquela em que o rei Herodes manda
matar os recém-nascidos de uma cidade pequena, chamada Belém. Ao fazer isso, o
rei Herodes credita a Jesus, o recém-nascido, a afirmação de que Ele é Rei. Herodes
procurava matá-lo, pois julgava, baseado nas profecias do profeta Miqueias (BÍBLIA
SAGRADA, Mq 5.2; Mt 25.6), que, daquela pequena cidade, viria aquele que guiaria o
povo de Israel como seu líder primaz (BÍBLIA SAGRADA, Mt 2.1-8). Outro significativo
cumprimento profético acerca da realeza de Jesus é Sua entrada triunfal em Jerusalém
(BÍBLIA SAGRADA, Mt 21.1-11; Zc 9.9).

24
Em Sua morte, pesou sobre sua cabeça a acusação: Iesus Nazarenus Rex
Iudaeorum – “Jesus Nazareno Rei dos Judeus” (BÍBLIA SAGRADA, Mt 27.37).

Em termos de linhagem Davídica (de Davi), Jesus era o Rei há muito esperado;
os evangelistas Mateus, João e Lucas apontam Jesus como “Filho de Davi”, o que o
coloca em posição de sucessão real (BÍBLIA SAGRADA, Mt 1.1; 9,27; Jo 7.42; At 13.22a-
23). Também era o “Filho de Deus”, situação que o coloca em reinado eterno (BÍBLIA
SAGRADA, Mc 1.1; Lc 3.38; Mt 16.16). O Novo Testamento ainda faz uma junção dessas
duas identidades: real e divina (BÍBLIA SAGRADA, Lc 1.32;35; At 13.22-23;33; Rm 1.3-4).

A regência governamental de Jesus está intrinsecamente associada à Sua


posição de exaltação celeste. Em liderança cósmica, Cristo reina sobre todas as coisas
criadas, de forma geral, e sobre a igreja, de forma particularizada (BÍBLIA SAGRADA, Ef
1.19-23).

Segundo o livro do Apocalipse ou livro das revelações dos últimos


acontecimentos, quando Cristo retornar, Ele será coroado em glória como “Rei dos reis
e Senhor dos senhores” (BÍBLIA SAGRADA, Ap 17.14).

Assim, Jesus é Rei governando toda a criação e particularmente a igreja.

3 O QUE É A OBRA DE CRISTO


A obra de Cristo é definida pelas realizações em Sua vida, para obter a salvação
dos homens, incluindo Sua morte na cruz e o que essa morte realizou. Essa obra
comumente é chamada de expiação.

Diante da pecaminosidade humana, faz-se indispensável que haja um sacrifício


para evitar a condenação que o pecado impõe e restaurar o relacionamento dos seres
humanos com Deus.

No Antigo Testamento, baseados em uma antiga aliança de Deus com os homens,


eram necessários sacrifícios expiatórios de cunho provisório, os quais abrangiam a morte
de animais. Esses sacrifícios de animais foram totalmente inutilizados, dado o advento
do Cristo e Sua morte na Cruz. Esse evento implicou que os sacrifícios expiatórios
provisórios fossem definitivamente dispensáveis, diante do sacrifício completo e eficaz
que a morte de Jesus trouxe.

Na essência nuclear da morte de Cristo, está a substituição penal, sustentada


em algumas afirmações resumidas, mas contundentes de Allison (2021). A expiação
é firmada na santidade de Deus. Sendo Ele totalmente Santo, é certo que odeia e
pune o pecado, requerendo, assim, a expiação. É uma obra de objetividade, e não de
subjetividade. A expiação é o que Cristo realizou por meio de sua morte, e não o que Ele

25
aplicou. A penalidade pelo pecado deve ser paga. E deve ser paga na integralidade.
Nenhum pecador poderá pagar por seu pecado e ser salvo.

Aqui, a pena aplicada é o contrário da salvação, ou seja, a morte. Somente


Deus pode pagar pela penalidade imputada pelo pecado aos homens e, assim,
resgatá-los do pecado. Diante disso, seria necessário que Ele mesmo participasse
da natureza humana, o que se vê na encarnação de Cristo. O Deus-Homem, Jesus,
o Cristo, pagou pela penalidade imputada aos homens. Tendo Ele nascido de uma
mulher, abrangendo, em uma única pessoa, as duas naturezas – humana e divina –, foi
condicionado a pagar o resgate. E, para encerrar, a expiação deveria ser efetuada da
maneira que foi.

A expiação ainda consiste em cinco aspectos distintos: propiciação, expiação


purificadora, redenção, reconciliação e vitória cósmica.

3.1 PROPICIAÇÃO
A propiciação significa, em termos abrangentes, que a morte de Cristo aplacou
a ira de Deus contra os homens pecadores. No núcleo da propiciação, encontra-se
a justiça retributiva, que consiste em que Deus, sendo justo, tem de punir total e
cabalmente o pecado e isso aconteceu de forma completa e eficaz quando Ele, Deus
o Pai, aplica misericordiosamente essa punição (justiça retributiva) ao derramar sua ira
sobre o seu Filho, Jesus Cristo (BÍBLIA SAGRADA, Lv 16.11-17; 1Jo 2.2; Rm 3.25-26).

3.2 EXPIAÇÃO PURIFICADORA


A expiação purificadora consiste em a morte de Cristo ter removido a
responsabilidade penal de sofrer o castigo eterno por causa do pecado e da culpa,
imputados a toda raça humana pelo primeiro homem, Adão. Assim, a morte de Cristo,
como expiação purificadora, é o ato de purificar pessoas pela remoção e pelo perdão de
pecados (BÍBLIA SAGRADA, Lv 16; Hb 9.6-15; 10.5-18).

3.3 REDENÇÃO
Redenção significa que, nesse aspecto da morte de Cristo, é destacado o pano
de fundo que rivaliza contra a escravidão impetrada pelo pecado imputado a todos os
homens. Todos os homens, inequivocamente, nascem escravos do pecado. Com base
nessa asseveração, é mister dizer que todo homem necessita que haja um pagamento
pelo “resgate” que o alforrie dessa escravidão, pois, sendo o homem o próprio escravo,
está então desprovido de poder, de qualquer sorte, efetuar esse pagamento. Necessita
o homem de alguém que o faça em seu lugar.

26
Segundo a doutrina da expiação, é através da redenção que Cristo Jesus oferece
seu sangue como pagamento pela liberdade do homem. A redenção, como libertação
da escravatura que o pecado impõe, começa nessa vida e se perpetua na ressurreição
do corpo (BÍBLIA SAGRADA, Mc 10.45; 1Pe 1.19; Ef 1.7).

3.4 RECONCILIAÇÃO
Reconciliação é o aspecto da morte de Cristo que se impõe contra a inimizade
gerada pelo pecado entre Deus e o homem.

Por conta do pecado, estabeleceu-se a hostilidade entre Deus e todos aqueles


que prospectam a sua imagem. Assim, faz-se necessário que alguém remova a
incompatibilidade gerada e restaure a paz entre as partes conflitantes.

A reconciliação é o aspecto que elenca Cristo como o mediador, fazendo de


Sua morte na cruz o meio para a retomada da amizade entre Deus e as Suas criaturas
(BÍBLIA SAGRADA, Cl 2.20; 1Tm 2.5).

3.5 VITÓRIA CÓSMICA


Vitória cósmica é o aspecto da morte de Cristo que destaca a Sua vitória sobre o
pecado, a morte, a maldição da lei, Satanás e os demônios (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.26;
Rm 4.15; 5.20; 8.8-11; Hb 2.14-15).

3.6 A EXTENSÃO DA EXPIAÇÃO


Em se tratando de expiação, o debate mais abrangente e de proporções
históricas é o debate acerca das expiações limitada e ilimitada.

Na perspectiva da expiação limitada, Cristo morreu com a intenção real


e certa de salvar somente os eleitos, isto é, aqueles que Deus “predestinou”, ou seja,
destinou previamente, para a salvação. Eles são chamados assim porque essa palavra
denota o conceito de escolher. Já a expiação ilimitada aponta para uma salvação
mais ampla, em que Cristo morreu para salvar todos quantos quisessem ser salvos, isto
é, sua morte é o pagamento pelo pecado de todos os homens; em um conceito mais
simplista, significa que os homens escolhem ser salvos por Deus.

Existe ainda uma tese recente denominada “tese das múltiplas intenções”,
que basicamente afirma que Deus teve múltiplas intensões realizáveis com a morte de
Cristo, como:

27
• assegurar a salvação dos eleitos;
• pagar a penalidade pelo pecado de todos, tornando possível a todos a salvação;
• reconciliar todas as coisas com Ele mesmo (BÍBLIA SAGRADA, Rm 8l.32-33; 2Co 5.14-
15; Jo 10.11; Ef 5.25; 1Jo 2.2; 2Co 5.17-21; 2Pe 3.9).

3.6.1 Teorias e modelos sobre a expiação


Além da substituição penal, a igreja ainda desenvolveu algumas teorias e
modelos sobre o que a morte de Cristo realizou. A seguir, podemos contemplar algumas
dessas teorias e modelos:

• Teoria da Recapitulação: sendo Jesus o segundo Adão, Ele recapitulou ou resumiu


todos os eventos da vida da decaída humanidade. No entanto, em vez de reviver
esses eventos em desobediência a Deus, assim como fez Adão, Cristo os reviveu em
plena obediência, invertendo, então, a direção que conduzia ao pecado.
• Teoria do Resgate pago a Satanás: Satanás se apropriou dos seres humanos que,
genuinamente, pertenciam a Deus, fazendo, assim, com que o resgate, pago com a
morte de Cristo na cruz, fosse a ele, Satanás, que, de forma, mesmo que ilegítima,
detinha a propriedade dos homens em escravidão em suas mãos.
• Teoria da Satisfação: o pecado rouba a honra de Deus, por isso as pessoas devem
uma satisfação a Ele por seus pecados. Assim, elas devem pagar a honra roubada,
porém não podem, pois não têm como nem com o que pagá-la, uma vez que tudo
o que elas têm não podem usar como pagamento nem suas vidas, bens, saúde etc.,
porque essas coisas já são pertencentes a Deus. Somente o Deus-homem pode
satisfazer essa exigência pela honra de Deus. Quando morre, Jesus dá a Deus algo
que não lhe devia, ou seja, a Sua “obrigação de morrer”, recebendo, assim, uma
recompensa. A teoria da satisfação afirma, então, que Jesus deu essa recompensa
que recebera como satisfação pelo pecado das pessoas.
• Teoria da Influência Moral: as pessoas precisam receber estímulos para amarem a
Deus, necessitam ser persuadidas pela exposição desse amor, para, então, amá-lo.
A morte de Cristo foi o que proporcionou essa demonstração persuasiva do amor
divino, estimulando, assim, as pessoas a amarem a Deus.
• Teoria Governamental: Deus é o supremo governador de todo o universo e seu
amor pelos humanos é o seu maior atributo. Por sua misericórdia, Deus relaxou as
exigências da lei.

28
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Os ofícios de Cristo são: Profeta, Sacerdote e Rei, baseados em funções político-


religiosas da liturgia e da legislação judaica do Antigo Testamento, que eram
empregadas, cada qual, por uma pessoa diferente e que, em Cristo, se unem em
uma única pessoa, trazendo sobre Ele as múltiplas responsabilidades e seus
desdobramentos.

• A função profética se estabelece em Cristo, cujos apontamentos acerca das profecias


veterotestamentárias se cumprem nEle. Jesus, como Profeta, traz a revelação da
Palavra de Deus, manifesta as obras de Deus e, por ser o próprio Deus, revela Deus
ao Seu povo.

• A função sacerdotal se estabelece em Cristo, apontando para profecias


veterotestamentárias que se cumprem nEle e que Jesus, como Sacerdote, é quem
oferece o sacrifício soberano e intercede pelo seu povo.

• A função real se estabelece em Cristo, cujos apontamentos acerca das profecias


veterotestamentárias se cumprem nEle. Jesus, como Rei, é quem governa toda a
criação e, particularmente, a Sua igreja.

• A obra de Cristo é definida pelas realizações em Sua vida para obter a salvação dos
homens pecadores, incluindo Sua morte na cruz e o que essa morte realizou, o que,
na teologia, é chamado de expiação. Aos homens, eram necessários sacrifícios
expiatórios de cunho provisório, antes da morte de Cristo na cruz, que envolviam a
imolação de animais, sacrifícios que foram totalmente inutilizados com o advento do
Cristo, que comprovadamente é o sacrifício eficaz, completo e definitivo. Na essência
nuclear da morte de Cristo, encontra-se a substituição penal e que a expiação
consiste em cinco aspectos distintos: propiciação; expiação purificadora; redenção;
reconciliação; e vitória cósmica.

• A propiciação é o aplacamento da ira de Deus contra os homens pecadores, que


são os agentes e portadores do pecado, e que a justiça retributiva elabora em
seus termos que: “sendo Deus Justo pune em sua totalidade o pecado, o que fica
demonstrado de forma completa em que Deus, misericordiosamente aplica em Seu
Filho Jesus essa punição (Justiça Retributiva) ao derramar sua ira sobre Ele”.

29
• A expiação purificadora remove a responsabilidade, por meio da morte de Cristo,
que apenava o homem e lhe impunha um castigo eterno, trazendo, com isso, a
purificação através do perdão dos pecados.

• A redenção rivaliza com a escravidão que o pecado imputa a todos os homens,


tornando-os incapazes de serem livres por seus próprios méritos. Assim, a indicação
redentiva espera que haja um resgatador que possa pagar pela “alforria” daquele que
padece escravo.

• A reconciliação é o ato de extirpar a inimizade criada entre Deus e os homens por


conta do pecado. Logo, Cristo, por meio do Seu sacrifício na cruz, funcionou como
mediador do aspecto conflitoso que se destacava, retomando, assim, a amizade
entre o homem e Deus.

• A vitória cósmica destaca o aspecto da morte de Cristo que vence o pecado, a


morte, a maldição da lei, Satanás e os demônios.

• A extensão da expiação abrange aspectos salvíficos de cunho limitado, quando


Deus salva baseado em predestinação, ou seja, em sua livre escolha prévia e ilimitada,
Deus salva com base na escolha do indivíduo. A “tese das múltiplas intenções”
basicamente afirma que Deus teve múltiplas intensões realizáveis com a morte de
Cristo, incluindo as supracitadas.

• As teorias e modelos sobre a expiação são pretensas teses orquestradas pela igreja no
decorrer dos séculos, em uma tentativa de explicar a aplicabilidade da morte de Cristo
como objeto redentivo, que, em resumo, rivaliza ou corrobora com a substituição
penal.

30
AUTOATIVIDADE
1  Os ofícios de Cristo são baseados em funções político-religiosas da liturgia e
da legislação judaica do Antigo Testamento, cada uma empregada a uma pessoa
diferente, mas, no caso de Cristo, esses ofícios se unem em uma única pessoa,
trazendo sobre Ele as múltiplas responsabilidades e seus desdobramentos. Descreva
quais ofícios e o que cada ofício destaca na pessoa de Cristo.

2 Aos homens no tempo do Antigo Testamento, era necessário apresentar diante de


Deus sacrifícios expiatórios de cunho provisório, mas diante do advento do Cristo, e de
seu sacrifício pelos homens estes sacrifícios se tornaram obsoletos e desnecessários
pois o sacrifício de Cristo tornou-se o sacrifício eficaz, completo e definitivo. Diante
disso, explique o que é a obra de Cristo e quais são os seus aspectos distintos.

3 A ideia da palavra penal, na doutrina da substituição penal, está ligada à ira de Deus.
Diante disso, há muito tempo, essa doutrina tem sido fonte de enormes controvérsias
dentro e fora do escopo eclesiástico. Ela é deveras criticada como exageradamente
legal ou forense, pois a expressão empresta seu uso do arcabouço jurídico. Para
alguns, o uso do termo “substituição penal” alude ao um enebriar do amor de Deus,
pois parece fazer sobrepujar a ira de Deus sobre o amor de Deus. Analise as sentenças
a seguir:

I- A expiação é firmada na santidade de Deus.


II- A penalidade pelo pecado nunca será paga.
III- O Deus-homem, Jesus Cristo, pagou pela penalidade imputada a Ele mesmo e aos
homens.
IV- Nenhum pecador poderá pagar por seu pecado e ser salvo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As sentenças II e III estão corretas.
b) ( ) As sentenças I e IV estão corretas.
c) ( ) As sentenças I, II e IV estão corretas.
d) ( ) As sentenças III e IV estão corretas.

4 A obra de Cristo é definida pelas realizações em Sua vida, para obter a salvação dos
homens, incluindo Sua morte na cruz e o que essa morte realizou. Associe os itens,
utilizando o código a seguir:

I- Propiciação.
II- Expiação purificadora.
III- Redenção.
IV- Reconciliação.

31
V- Vitória cósmica.
VI- Extensão da expiação.
VII- Teorias e modelos sobre a expiação.

( ) Remove a responsabilidade, através da morte de Cristo, que apenava o homem e lhe


impunha um castigo eterno.
( ) São pretensas teses orquestradas pela igreja no decorrer dos séculos, em uma
tentativa de explicar a aplicabilidade da morte de Cristo como objeto redentivo.
( ) É destacado o pano de fundo que rivaliza contra a escravidão impetrada pelo pecado
a todos os homens.
( ) Destaca o aspecto da morte de Cristo, que vence o pecado, a morte, a maldição da
lei, Satanás e os demônios.
( ) Abrange aspectos salvíficos de cunho limitado e ilimitado.
( ) É o ato de extirpar a inimizade criada entre Deus e os homens, por conta do pecado.
( ) É o aplacamento da ira de Deus contra os homens pecadores.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I – IV – VI – V – III – VII – II.
b) ( ) VII – II – III – VI – V – IV – I.
c) ( ) II – VII – III – V – VI – IV – I.
d) ( ) II – VII – III – V – VI – I – IV.
e) ( ) I – VI – IV – III – V – VII – II.

5 Justiça retributiva consiste em que Deus tem de punir total e cabalmente o pecado.
Em termos de justiça retributiva, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Elabora, em seus termos, que, sendo Deus Justo, deveria punir somente em
parcialidade o pecado, o que deveria ter sido demonstrado, de forma completa,
quando Deus, misericordiosamente, deixa de aplicar em Seu Filho, Jesus, essa
punição (justiça retributiva), ao não derramar Sua ira sobre Ele.
b) ( ) Elabora, em seus termos, que, sendo Deus Justo, pune em sua totalidade o
pecado de Cristo, que, encarnando em forma de homem, o experimentou em si
mesmo. Assim, Deus demonstra, de forma completa, quando, misericordiosamente,
aplica em Seu Filho, Jesus, essa punição (justiça retributiva), ao derramar sua ira
sobre Ele.
c) ( ) Elabora, em seus termos, que, sendo Deus Justo, pune em sua totalidade o
pecado, o que é demonstrado, de forma completa, quando Deus, misericordiosamente,
aplica em Seu Filho, Jesus, essa punição (justiça retributiva), ao derramar sua ira
sobre Ele.
d) ( ) Todas as alternativas anteriores estão corretas.

32
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
JESUS: RESSURREIÇÃO, ASCENSÃO E
SEGUNDA VINDA

“E, se não há ressurreição de mortos, então, Cristo não ressuscitou.


E, se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã, a vossa fé”
(BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.13-14).
“E, quando dizia isto, vendo-o eles, foi elevado às alturas, e uma
nuvem o recebeu, ocultando-o a seus olhos” (BÍBLIA SAGRADA, At
1.9).
“Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em
mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fora, eu
vo-lo teria dito. Pois vou preparar-vos lugar. E, quando eu for e vos
preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que,
onde eu estou, estejais vós também” (BÍBLIA SAGRADA, Jo 14.1-3).

1 INTRODUÇÃO
Quando se fala de ressurreição, deve-se ter em mente sempre que o Cristianismo
é uma religião de ressurreição, que é o ponto de convergência da fé cristã; negar a
veracidade histórica da ressurreição de Cristo é o mesmo que tirar toda a razão de ser,
tanto histórica quanto transcendente do Cristianismo.

Sem a ressurreição de Cristo, é vã a fé cristã, assim como a pregação do


Evangelho, ainda, vã é a esperança e a vida dos homens. A ressurreição de Cristo dá
sentido à vida e à morte de cada um que confia em Cristo como salvador e que mantém
nEle sua fé e esperança.

Santo Agostinho assevera que:

A fé dos cristãos não é louvável porque eles creem no Cristo que


morreu, mas no Cristo que ressuscitou. Pois também o pagão acredita
que ele morreu e te acusa como de um crime teres acreditado
num morto. Que tens, portanto, de louvável? Teres acreditado que
Cristo ressuscitou e esperar que hás de ressuscitar por Cristo. Nisto
consiste uma fé louvável. “Se confessares com tua boca que Jesus
é Senhor e creres em teu coração que Deus o ressuscitou dentre
os mortos, serás salvo” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 10.9). Esta é a fé dos
cristãos (SANTO AGOSTINHO, 1998, p. 32-33).

O argumento de Paulo (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.12-16, 32) é o seguinte, segundo


Habermas e Licona (2004, p. 195): “Se Jesus não ressuscitou, os crentes não têm a
esperança da ressurreição e podem apelar para as filosofias hedonistas da vida”.

33
Sobre a ascensão, deve-se observar que, no Credo dos apóstolos, uma das
antigas confissões de fé do cristianismo, afirma-se que Jesus “subiu aos céus e está
sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso”. Esse acontecimento em que Jesus “subiu
para os céus” é denominado, nos meios teológicos, de “a ascensão de Jesus”, evento
que se deu diante dos discípulos 40 dias depois de Sua ressurreição. O apóstolo Paulo,
na carta que escreve aos Efésios, afirma que, em consequência de ter sido assunto
aos céus, Cristo reina soberano sobre todos os governos celestes, autoridades terrenas,
forças e poderes, tanto terrenos quanto nas esferas espirituais (BÍBLIA SAGRADA, Ef
1.21).

Seu nome traz, em Si, uma autoridade que está acima de todos os títulos
autoritativos que existiram no passado, existem no presente e existirão no mundo que
haverá de vir.

A ascensão de Jesus revela que Ele está vivo entre os homens, de uma forma
diferente e nova. Não se encontra mais em um lugar específico no Oriente Médio ou
em nenhum lugar específico neste mundo, como acontecia antes de Sua ascensão.
Segundo a Bíblia, Ele agora se encontra ao lado do Pai – depois de ir para o céu, está
à destra de Deus (BÍBLIA SAGRADA, 1Pe 3.22), presente em todo espaço de tempo e
próximo a cada homem que vive neste planeta.

Na vida terrena, enquanto alma vivente, o homem nunca se encontrará sozinho.


Os homens, segundo a Bíblia, têm ao lado de Deus um advogado, que defende e espera
pelo homem redimido – temos advogado junto ao Pai, Jesus Cristo, o Justo (BÍBLIA
SAGRADA, 1Jo 2.1). O Senhor Jesus em glória é um guia dos homens.

A ascensão de Jesus dá ao homem um vislumbre antecipado da sua própria


glorificação. O homem, principalmente o redimido por Cristo, vive ainda nesta terra, mas
com os olhos e o desejo no céu, a pátria definitiva e verdadeira de todo aquele que se
rendeu aos pés do Salvador Jesus Cristo.

Sobre a segunda vinda de Cristo, deve-se observar que acontecerá e se deve


esperar pelo acontecimento, porque, algum dia, não se sabe quando, mas é certo que
se aproxima, esse Jesus voltará do mesmo modo como foi elevado ao céu: “[...] Esse
Jesus que dentre vós foi assunto ao céu virá do modo como o vistes subir” (BÍBLIA
SAGRADA, At 1.11); para os que o esperam, esse será o dia mais magnífico e especial
de suas existências, pois todos estarão com Ele em sua glória, na presença do Pai para
sempre.

A segunda vinda de Cristo à terra será maravilhosa, será cheia de alegria e


deleite para o povo redimido por Deus, mas, infelizmente, também será um dia de terror
àqueles que impiedosamente viveram, e não reconheceram o Cristo como Salvador dos
homens. A segunda vinda de Cristo será o cumprimento de todas as esperanças dos
homens redimidos.

34
2 A IMPORTÂNCIA DA RESSURREIÇÃO DE JESUS
A ressurreição de Jesus se mostra importante por uma gama de motivos.
Trata-se de um testemunho do poder de Deus. Se alguém crê na ressurreição, é fato
que também crê em Deus, pois, Deus realmente existindo, sendo Ele criador de todo o
universo e que age poderosamente para sustentar este universo, é certo que se acredita,
logicamente, que Ele tem poder de trazer à vida os mortos. E se Ele não tivesse este
poder, Ele não seria Deus, e não sendo Deus, não seria digno de nossa devoção e louvor.

Somente Deus, que é o autor da vida, pode trazê-la de volta após a morte;
somente Deus pode reverter o horrível terror que a morte imprime no homem, e somente
Deus pode extrair o poder do aguilhão que é a morte e tirar das mãos da morte a vitória
do jazigo. “Ao ressuscitar Cristo dos mortos, Deus nos faz lembrar de Sua absoluta
soberania sobre a morte e vida” (HABERMAS; LICONA, 2004, p. 197).

A ressurreição de Jesus é importante, pois é um testemunho vivo e eficaz de


que os homens também ressuscitarão; ainda, a ressurreição de Jesus é uma doutrina
basilar da fé cristã.

Em termos práticos, pode-se dizer que qualquer um pode morrer por outro,
mas qual entre os homens pode ressuscitar da morte? O Cristianismo, ao contrário de
outras religiões, possui seus fundamentos sobre a pessoa divina de Cristo Jesus, o
qual, transcendendo a morte, promete aos que creem em Seu nome que acontecerá o
mesmo com eles, ou seja, ressurgirão dos mortos: “Pois, se cremos que Jesus morreu
e ressuscitou, assim também Deus, mediante Jesus, trará, em sua companhia, os que
dormem” (BÍBLIA SAGRADA, 1Ts 4.14).

Todas as religiões, que não o cristianismo, são fundamentadas sobre homens


e mulheres comuns, talvez profetas e profetisas que, em seus fins, foram o túmulo e
nada além do túmulo. Para os cristãos, o conforto vem do fato de que o próprio Deus se
torna homem, morre pela culpa do estado de pecado em que os homens se encontram
e ressuscita ao terceiro dia, após o evento mortis. O túmulo não teve poder para o deter.
Ele está vivo e sentado à direita do Pai nos Céus. “A igreja viva tem um Cabeça vivo!”
(HENRY, 2006, p. 984).

O apóstolo Paulo explica detalhadamente a importância da ressurreição do Cristo


(BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15). Algumas pessoas do corpo dos crentes da igreja de Corinto
não criam na ressurreição dos mortos, por isso, Paulo lista algumas consequências
catastróficas que podem advir do negacionismo acerca da ressurreição de Cristo:

• pregar sobre Jesus como o Cristo enviado por Deus para a salvação dos perdidos
seria fantasioso (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.14);
• ter fé em Jesus seria em vão (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.14);

35
• todos os testemunhos acerca da ressurreição seriam mentirosos (BÍBLIA SAGRADA,
1Co 15.15);
• todas as pregações acerca da ressurreição seriam mentirosas (BÍBLIA SAGRADA, 1Co
15.15);
• a remissão do pecado não alcançaria nenhuma pessoa (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.17);
• todos os cristãos que morreram teriam desaparecido (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.18);
• os cristãos seriam os mais infelizes dos homens (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.19).

Todavia, sabemos pelo testemunho das Escrituras que Cristo ressuscitou dos
mortos e é Ele “as primícias dos que dormem” (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.20), assegurando
àqueles a quem Ele mesmo redimiu de que irão segui-lo na ressurreição.

A bíblia garante a ressurreição dos que creem em Cristo na sua segunda vinda
para buscar a igreja durante o arrebatamento: “[...] e os mortos em Cristo ressuscitarão
primeiro; depois, nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com
eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares” (BÍBLIA SAGRADA, 1Ts 4.16-
17). Essa expectativa e segurança ilustram uma canção de esperança de autoria do
apóstolo Paulo (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.55), na qual diz: “Onde está, ó morte, a tua
vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?” – mas que relação há desses versos com a
importância da ressurreição? O próprio apóstolo responde: “o vosso trabalho não é vão”
(BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.58).

Ele lembra aos cristãos que, por terem convicção de sua ressurreição e por
causa dessa nova perspectiva em uma nova vida, serão perseguidos, ainda sofrerão
toda a sorte de perigo pela causa de Cristo (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.29-31). Foi assim
que Jesus agiu e foi assim que milhares de mártires cristãos agiram por toda a história,
ou seja, de bom grado, abandonaram suas vidas neste mundo, na esperança da
ressurreição para uma vida eterna.

A ressurreição é o triunfo glorioso para todo aquele que crê em Jesus Cristo,
pois Ele morreu, foi sepultado, ao terceiro dia ressuscitou e um dia voltará, conforme
as Escrituras relatam; desse modo, os que morreram confiando em Cristo serão
ressuscitados e aqueles que permanecerem vivos até a sua volta serão transformados
e receberão novos corpos, corpos glorificados (BÍBLIA SAGRADA, 1Ts 4.13-18).

A ressurreição de Cristo é deveras importante, pois demonstra que Deus


aceitou e continua aceitando o sacrifício de Jesus a favor de todos que reconhecem
sua condição de pecador e a necessidade de um salvador. A ressurreição demonstra
que Deus tem o poder de ressuscitar os mortos. A ressurreição é a garantia de que
aqueles que creem em Cristo Jesus não permanecerão mortos, mas ressuscitarão para
vida eterna. Essa é a abençoada esperança dos cristãos.

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2.1 EVIDÊNCIAS DA RESSURREIÇÃO DE JESUS
Sobre a importância da ressurreição, foi demonstrado que, sem ela, a fé cristã
seria apenas mais uma religião, cujas bases se firmariam em alguém comum e em suas
palavras vazias. Para a fé cristã, a ressurreição é o ponto transcendente e incomum
que alicerça a fé dos homens crentes em Jesus em uma esperança de vida eterna. No
entanto, para algumas pessoas, a ressurreição não passa de apenas uma invenção de
homens fanáticos, que, de alguma forma, intentaram revolucionar a fé antiga de um
povo antigo.

Assim, veremos que existem algumas evidências de que a ressurreição realmente


aconteceu. Destaca-se o fato de o  túmulo ter sido encontrado vazio. A historicidade
da ressurreição, dentro do círculo cristão, não teria durabilidade alguma se o corpo de
Jesus fosse encontrado na tumba, onde fora depositado. Assim, se existe um corpo
inerte e sem vida, significa que não houve nenhuma ressurreição. No entanto, existem
evidências contundentes que comprovam que o túmulo de Jesus, após o terceiro dia de
seu sepultamento, estava vazio.

Em uma primeira evidência, destaca-se a credibilidade da história do


sepultamento de Jesus. O Novo Testamento é enfático quando fala do sepultamento
de Cristo. O apóstolo Paulo escreve o seguinte: “Antes de tudo, vos entreguei o que
também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que
foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. E apareceu a Cefas
(Pedro) e, depois, aos doze” (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.3-5).

Nesse período em que o texto paulino fora escrito, várias testemunhas do fato
da ressurreição que habitavam em Jerusalém ainda viviam e, certamente, poderiam
desmentir a afirmação do apóstolo sobre um “suposto” sepultamento de Jesus que
nunca havia acontecido. Contudo, ninguém nunca contrariou esses escritos; pelo
contrário, o que se vê é uma gama de apontamentos corroborativos. Além de que não
haveria tempo suficiente para a disseminação de uma lenda aludindo a um “suposto”
sepultamento de Cristo nem para fazer com que todos cressem e aceitassem tal
situação. O próprio apóstolo Paulo passou duas semanas na cidade santa de Jerusalém
(BÍBLIA SAGRADA, Gl 1.18) e pôde confirmar com as testemunhas que, de fato, Jesus
havia sido sepultado.

Podemos ainda demonstrar que, por meio do próprio Novo Testamento, houve
um enterro e que testemunhas factuais e conhecidas participaram do evento:

Depois disso, José de Arimateia, que era discípulo de Jesus, ainda


que ocultamente pelo receio que tinha dos judeus, rogou a Pilatos
lhe permitisse tirar o corpo de Jesus. Pilatos lho permitiu. Então, foi
José de Arimateia e retirou o corpo de Jesus. E também Nicodemos,
aquele que anteriormente viera ter com Jesus à noite, foi levando
cerca de cem libras de um composto de mirra e aloés. Tomaram, pois,
o corpo de Jesus e o envolveram em lençóis com os aromas, como

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é de uso entre os judeus na preparação para o sepulcro. No lugar
onde Jesus fora crucificado, havia um jardim, e neste, um sepulcro
novo, no qual ninguém tinha sido ainda posto. Ali, pois, por causa
da preparação dos judeus e por estar perto o túmulo, depositaram o
corpo de Jesus (BÍBLIA SAGRADA, Jo 19.38-42).
Outro ponto importante é considerar a figura de José de Arimateia
e Nicodemus. Nenhum acadêmico de nosso tempo afirma que José
é uma invenção dos primeiros cristãos, sobretudo por se afirmar
que ele era um membro do Sinédrio, fato que poderia ser facilmente
desmentido, assim como Nicodemos, que era um fariseu, doutor
da Lei e príncipe dos Judeus. Além disso, até mesmo detalhes
incidentais que os evangelhos fornecem, principalmente sobre José,
corroboram sua existência histórica. As narrativas afirmam que ele
era rico (o que justifica o tipo de túmulo) e que ele era de Arimateia
(um lugar sem nenhuma importância e simbolismo na Bíblia) (CRAIG,
1995, p. 141).

Em segundo lugar, destaca-se o fato de que foram as mulheres a descobrir o


túmulo vazio, pois, relativamente, elas não gozavam de um status elevado na cultura
judaica do primeiro século; as mulheres judias não ocupavam uma categoria crível
na sociedade judaica e eram desqualificadas como testemunhas sem nenhum peso
testemunhal legal.

É surpreendente o fato de que foram mulheres que descobriram


o túmulo vazio. Se, de fato, não fossem mulheres que tivessem
descoberto o túmulo vazio, por que a igreja afirmaria isso e humilharia
seus líderes afirmando que esses permaneceram escondidos em
Jerusalém como covardes? Além disso, os nomes das mulheres
citadas eram conhecidos por toda a igreja primitiva e seria muito fácil
desmenti-las caso elas não tivessem visto o túmulo vazio primeiro
(WILKINS; MORELAND, 1995, p. 176).

Um terceiro ponto a se destacar é que a averiguação in loquo, feita por Pedro e


João, do túmulo vazio pode ser historicamente provável, pois esses discípulos estavam
na cidade de Jerusalém, o que facilitava a sua ida à tumba vazia para verificar que
realmente Jesus não estava lá.

Uma quarta situação é que seria impossível para os discípulos de Jesus


anunciarem a ressurreição na cidade de Jerusalém se verdadeiramente aquele
túmulo não estivesse vazio. “O túmulo vazio é a condição sine qua non do anúncio da
ressurreição de Cristo. A pregação dos discípulos não duraria um minuto se o corpo de
Jesus estivesse sepultado” (CRAIG, 1995, p. 141).

Em quinto lugar, destaca-se o fato de que os opositores da pregação de Cristo,


bem como do cristianismo que surge após Ele, não negaram o fato do túmulo vazio. Os
judeus que se opunham à fé cristã em momento algum negaram que o túmulo estivesse
vazio, ao contrário, acusavam insistentemente os discípulos de Cristo de terem removido
sorrateiramente o corpo de Jesus à noite, roubando-o do túmulo. Acusação que passou
a ser o ponto basilar de suas estratégias de desacreditar a ressurreição, pois chegaram a

38
pagar os soldados destacados para cuidar do túmulo para sustentarem essa acusação,
conforme explicita a Bíblia:

E, indo elas, eis que alguns da guarda foram à cidade e contaram


aos principais sacerdotes tudo o que sucedera. Reunindo-se eles
em conselho com os anciãos, deram grande soma de dinheiro aos
soldados, recomendando-lhes que dissessem: Vieram de noite os
discípulos dele e o roubaram enquanto dormíamos. Caso isto chegue
ao conhecimento do governador, nós o persuadiremos e vos poremos
em segurança. Eles, recebendo o dinheiro, fizeram como estavam
instruídos. Esta versão divulgou-se entre os judeus até ao dia de hoje
(BÍBLIA SAGRADA, Mt 28.11-15).

Essa é uma evidência bem persuasiva para mostrar que o túmulo estava vazio.

Um sexto ponto é o fato de que o túmulo de Jesus não foi venerado, indicando,
assim, que ele estava e permanece vazio.

Segundo a tradição judaica, os túmulos dos profetas e homens santos eram


preservados e venerados e essa veneração era um aspecto dos mais importante da
religião judaica. No entanto, não existe vestígios, por menores ou mais ínfimos que
sejam, de que isso aconteceu com o túmulo de Jesus. A razão para isso é que ele estava
vazio e assim permanece até os dias de hoje.

Adicionadas umas às outras, as evidências apresentadas se constituem em um


forte argumento para comprovar a historicidade de que o túmulo de Jesus estava e
permanece completamente vazio.

Em uma segunda evidência, destacam-se as aparições de Jesus ressurreto.


Evidências de comprovação histórica são apresentadas dentro dos próprios escritos
neotestamentários, como uma que diz que Jesus foi visto depois de morto por várias
pessoas. O apóstolo Paulo afirma que Jesus apareceu a Pedro e aos demais discípulos,
como já visto, mas ele prossegue dizendo (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.3-5): “Depois disso
apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a maioria dos quais ainda vive,
embora alguns já tenham adormecido. Depois apareceu a Tiago e, então, a todos os
apóstolos; depois destes, apareceu também a mim, como a um que nasceu fora de
tempo” (BÍBLIA SAGRADA, 1 Co 15.6-8).

Essas informações do apóstolo foram registradas bem próximo aos eventos, o


que dificulta o seu tratamento como folclore. A maioria daquelas 500 pessoas que viram
Jesus ressurreto poderia ser interrogada para comprovar a veracidade história.

Em uma terceira evidência, destaca-se a origem da crença dos discípulos na


ressurreição de Jesus. Por que esses homens e mulheres acreditariam na ressurreição
de Jesus se ele não tivesse ressuscitado de fato? Que explicação se poderia dar e
que fosse irresistivelmente satisfatória para essa pergunta a não ser admitir que
inegavelmente Jesus realmente ressuscitou de entre os mortos?

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É importante salientar que boa parte dos judeus cria na ressurreição, como
comprovam os textos de Isaías (BÍBLIA SAGRADA, Is 26.19): “Os vossos mortos e também
o meu cadáver viverão e ressuscitarão; despertai e exultai, os que habitais no pó, porque
o teu orvalho, ó Deus, será como o orvalho de vida, e a terra dará à luz os seus mortos”,
de Ezequiel (BÍBLIA SAGRADA, Ez 37.10): “Profetizei como ele me ordenara, e o espírito
entrou neles, e viveram e se puseram em pé, um exército sobremodo numeroso” e de
Daniel (BÍBLIA SAGRADA, Dn 12.2): “Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão,
uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno”. Contudo, os judeus
acreditavam que a ressurreição dos mortos apenas se daria no fim dos tempos, e não
em meados da história, e também criam que a ressurreição seria para todos e não para
um indivíduo isoladamente.

Portanto, isso indica que os discípulos de Jesus só poderiam crer na Sua


ressurreição e morrer afirmando que o viram vivo e ressuscitado se isso verdadeiramente
tivesse acontecido. “É um contrassenso afirmar que alguém morre por algo que sabe ser
uma mentira” (WILKINS; MORELAND, 1995, p. 176).

3 A ASCENSÃO DE JESUS: EVIDÊNCIAS E IMPORTÂNCIA


Depois que Jesus ressuscitou dos mortos, Ele “se apresentou vivo” (BÍBLIA
SAGRADA, At 1.3) para as mulheres que estiveram no túmulo (BÍBLIA SAGRADA, Mt
28.9-10), ainda, aos seus discípulos (BÍBLIA SAGRADA, Lc 24.36-43) e para mais de 500
outras pessoas (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.6). Dias após a ressurreição, Jesus ensinou os
seus discípulos sobre o reino de Deus (BÍBLIA SAGRADA, At 1.3).

Quarenta dias depois da ressurreição, Cristo e seus discípulos subiram ao


Monte das Oliveiras, perto de Jerusalém, e Jesus fez a promessa aos que o seguiam
de que eles, em breve, receberiam, da parte de Deus, o Espírito Santo e os instruiu para
que permanecessem na cidade de Jerusalém até que a promessa do recebimento do
Espírito Santo se cumprisse. Então, segundo as Escrituras, enquanto abençoava seus
discípulos, “Ele começou a subir ao céu”. O relato da ascensão de Jesus se encontra
registrado no evangelho de Lucas (BÍBLIA SAGRADA, Lc 24.50-51) e no livro dos Atos
dos Apóstolos (BÍBLIA SAGRADA, At 1.9-11).

A Bíblia esclarece que a ascensão de Jesus fora um retorno literal e corpóreo


ao céu. Ele subiu da terra de forma gradual e manifestamente visível, sendo observado
por inúmeros espectadores extremamente atônitos e atentos. Parafraseando Lucas:
“Enquanto os discípulos se esforçavam para terem um último vislumbre de Jesus, uma
nuvem o encobriu da sua vista e dois anjos apareceram e prometeram a volta de Cristo,
segundo Atos: ‘da mesma forma como o viram subir’” (BÍBLIA SAGRADA, At 1.11).

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A ascensão de Jesus é expressamente carregada de significância por inúmeras
razões, sendo importante elencarmos algumas delas que se possa entender a
importância visceral desse evento:

• A ascensão indica a finalização do seu ministério na terra: “Deus Pai tinha


amorosamente enviado o seu Filho ao mundo em Belém, e agora o Filho estava
retornando ao pai. O Seu período de limitação humana estava no fim” (WELLUM;
FEINBERG, 2016, p. 147).
• A ascensão significa que Jesus obteve sucesso em sua obra terrena. Jesus trouxe a
realização completa tudo àquilo que Ele tinha vindo à terra para realizar.
• A ascensão marcou o retorno a sua glória célica. A glória de Jesus foi velada durante o
seu período na terra, apenas com uma abreviada exceção no evento da transfiguração
(BÍBLIA SAGRADA, Mt 17.1-9).
• A ascensão representava como um símbolo perene a sua exaltação pelo Pai (BÍBLIA
SAGRADA, Ef 1.20-23). Jesus é aquele com quem o Pai se regozija (BÍBLIA SAGRADA,
Mt 17.5). Ele fora recebido com toda honra e lhe fora dado um nome que está acima
de todo nome, no céu e na terra (BÍBLIA SAGRADA, Fp 2.9).
• A ascensão permitiu que Jesus organizasse ou preparasse um lugar para os homens
salvos (BÍBLIA SAGRADA, Jo 14.2).
• A ascensão corrobora sua função de Sumo Sacerdote (BÍBLIA SAGRADA, Hb 4.14-16)
e Mediador da Nova Aliança (BÍBLIA SAGRADA, Hb 9.15).
• A ascensão estabeleceu o modelo para o seu retorno: “Quando Jesus retornar para
estabelecer o Reino, Ele voltará assim como foi, ou seja, de forma literal, corpórea e
visível nas nuvens (BÍBLIA SAGRADA, At 1.11; Dn 7.13-14; Mt 24.30; Ap 1.7)” (WELLUM;
FEINBERG, 2016, p. 147).

No presente momento, Jesus, o Cristo se encontra nos céus. As Escrituras


afirmam contundentemente que Ele se assenta à direita de Deus, o Pai, e garante uma
posição de honra e de suprema autoridade (BÍBLIA SAGRADA, Sl 110.1; Ef 1.20; Hb 8.1).

O apóstolo Paulo, em carta aos Colossenses (BÍBLIA SAGRADA, Cl 1.18), diz


que Ele, Jesus, é a cabeça da Igreja. Jesus é também o doador dos dons, segundo
Efésios (BÍBLIA SAGRADA, Ef 4.3-7), entre inúmeros outros títulos e atributos, além de
atribuições que poderiam ser elencadas.

A ascensão de Jesus Cristo, teologicamente, é o evento que cambiou Jesus de


seu ministério terreno para o seu ministério celeste.

4 COMO SERÁ A SEGUNDA VINDA DE CRISTO


O Credo dos apóstolos, do século II, diz, em sua forma original, que: “Ao terceiro
dia, Cristo ressurgiu dos mortos; subiu ao Céu e está assentado à mão direita de Deus
Pai, Todo-Poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos”. Baseado nesse
credo, a igreja primitiva firmava sua fé na esperança da segunda vinda de Cristo.
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Esses crentes em Jesus acreditavam que Ele viria novamente buscar Seus
redimidos:

• Pessoalmente: os Escritos neotestamentários ensinam que, em Sua segunda vinda,


Jesus virá em pessoa. Embora as Escrituras se refiram a alguns acontecimentos na
história do indivíduo, como a morte, e da Igreja, como a descida do Espírito Santo,
como sendo manifestações de Cristo, ela declara, de forma inconfundível, que Jesus
retornará de forma final e em triunfo, e esse acontecimento se elevará poderosamente
acima de qualquer outra manifestação parcial e simbólica. “O próprio Senhor descerá
dos céus” (BÍBLIA SAGRADA, 1Ts 4.16).
• De forma visível: o Novo Testamento ensina de forma clara, que Jesus voltará
visivelmente. Em Sua primeira vinda, pode-se afirmar que Ele veio de forma literal
e visível, assim também se afirma com base nos Escritos bíblicos que a segunda
vinda será, de igual modo, autêntica, literal e visível. Segundo o livro de Atos (BÍBLIA
SAGRADA, At 1.11), “Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no céu, há de vir
assim como para o céu o vistes ir”. A segunda vinda de Jesus será tão visível quanto
foi a sua ascensão. O evangelista e apóstolo Mateus escreve as palavras de Jesus:

Então aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e todas as tribos


da terra se lamentarão, e verão o Filho do homem, vindo sobre as
nuvens do céu, com poder e grande glória. E Ele enviará os seus
anjos com grande clangor de trombeta, os quais reunirão os seus
escolhidos dos quatro ventos, de uma à outra extremidade dos céus
(BÍBLIA SAGRADA, Mt 24.30-31).

• De forma inesperada: quando se pondera acerca da palavra apocalipse, usualmente


vista no Novo Testamento em relação à segunda vinda, o que vem à mente de quem
a lê é que “a própria ideia de um fato repentino e inesperado parece se associar
intimamente a essa palavra” (VOS, 2020, p. 365). É como se uma negra escotilha
fosse aberta, precipitadamente, e Jesus o grande e poderoso Deus de toda a glória,
surgisse. Sua segunda vinda será “[...] como ladrão de noite. Quando andarem dizendo:
Paz e segurança, eis que lhes sobrevirá repentina destruição, como vêm as dores de
parto à que está para dar à luz; e de nenhum modo escaparão” (BÍBLIA SAGRADA, 1Ts
5.2-3). Jesus mesmo disse que sua segunda vinda seria “como o relâmpago” (BÍBLIA
SAGRADA, Mt 24.27), do mesmo modo repentino e inteiramente visível. Não haverá
como prever e todos os olhos verão.
• De forma gloriosa e triunfante: com frequência, o Novo Testamento apresenta o
constante contraste entre os dois aparecimentos de Jesus, o seu nascimento e sua
segunda vinda gloriosa. Ele não virá novamente em um corpo de humilhação, ou
seja, em carne, mas no corpo da sua glória, ou seja, em um corpo glorificado (BÍBLIA
SAGRADA, Hb 9.28). Ele virá com as nuvens (BÍBLIA SAGRADA, Ap 1.7); os anjos, o
acompanharão (BÍBLIA SAGRADA, 2Ts 1.7); o arcanjo, o anunciará (BÍBLIA SAGRADA,
1Ts 4.16); os santos estarão junto a Ele (BÍBLIA SAGRADA, 1Ts 3.13). Ele voltará como
o Rei dos reis e o Senhor dos Senhores, triunfando sobre as forças do mal (BÍBLIA
SAGRADA, Ap 19.11-16).

42
4.1 O PROPÓSITO E OS RESULTADOS DECORRENTES DA
SEGUNDA VINDA DE JESUS
A segunda vinda de Jesus Cristo abalizará o começo de Seu novo ministério
terreno. Jesus como “O Rei dos reis” se assentará sobre Seu trono glorioso. Ele
estabelecerá Seu Reino e governará a terra de Jerusalém que será a capital desse
reino. O resultado de Seu domínio será a transformação da terra. Ele removerá da terra
a presença e as implicações do pecado. Nesse reino futuro, a terra estará plena da
glória de Jesus e Deus será visto em Seu verdadeiro caráter de santidade, de amor e de
verdade.

O retorno de Cristo à terra trará como resultado o cumprimento das profecias a


respeito do futuro da Igreja, de Israel, e de todas as nações e da terra.

4.1.1 O futuro da igreja


A segunda vinda de Jesus Cristo à terra resultará na redenção física dos
homens redimidos e salvos por Jesus (BÍBLIA SAGRADA, Rm 8.23). Os homens salvos
por Jesus, que estiverem mortos no momento do evento, serão ressuscitados para a
imortalidade, para vida eterna (BÍBLIA SAGRADA, 1Ts 4.16; 1Co 15.52). Os que estiverem
vivos serão todos transformados de forma instantânea e passarão da mortalidade para
a imortalidade (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.51-53; Fp 3.21). Então, os homens salvos por
Jesus, tanto vivos quanto os ressuscitados, serão arrebatados para se encontrarem
com Senhor nos ares (BÍBLIA SAGRADA, 1Ts 4.17; 2Ts 2.1). Os salvos por Jesus serão
glorificados com Cristo (BÍBLIA SAGRADA, Cl 3.4) e serão coerdeiros com Ele de todas as
coisas (BÍBLIA SAGRADA, Rm 8.17). A Igreja (ou seja, todos os santos, homens e mulheres,
salvos por Jesus), glorificada, estará com Jesus, o Cristo, quando Ele estabelecer o
seu governo sobre a nação política de Israel e as demais nações. Os elementos dessa
Igreja completa e aperfeiçoada de Jesus Cristo serão, segundo as Escrituras, os reis e
sacerdotes que reinarão sobre a terra (BÍBLIA SAGRADA, Ap 1.6; 5.10; 20.6; 2Tm 2.12).

4.1.2 O futuro de Israel


Israel, “a nação do concerto de Deus”, está espalhada entre as nações e, por
muito tempo durante a “Era da Igreja”, foi perseguida. Acontecerá que, no fim desta “Era
da Igreja”, e aproximando-se o tempo da segunda vinda de Jesus, os judeus retornarão
à Palestina, que, segundo as Escrituras, é a terra prometida dos judeus. Israel, então,
herdará as promessas de Deus feitas ao patriarca da nação, Abraão, e eles habitarão a
sua terra natalícia. E isso se dará durante o futuro Reino de Jesus Cristo.

43
Israel será limpo de seus pecados e a nação será convertida a Cristo, o Messias
(BÍBLIA SAGRADA, Ez 36.24-29; Zc 12.10; 13.1); Israel será exaltado sobre todas as outras
nações (BÍBLIA SAGRADA, Zc 8.20-23; Is 49.22-23; 60.3-16); e Israel executará sua obra
sacerdotal e trará as outras nações a Deus (BÍBLIA SAGRADA, Is 61.6; 66.19; Zc 8.23).

4.1.3 O futuro das nações


O Reino de Jesus Cristo posicionará corretamente todos os governos da terra
(BÍBLIA SAGRADA, Sl 2.6-9; Dn 2.44-45; 7.14, 27; Ap 11.15; 19.15-16).

A segunda vinda de Jesus trará um absoluto juízo de morte para a besta, para o
falso profeta e para suas hostes (BÍBLIA SAGRADA, Ap 1.13-14; 19.19-21; 2Ts 2.8; Ap 16.13-
16; Jo 3.9-16; 2Ts 1.7-10). Todos os indivíduos, os quais tiverem recebido permissão para
viverem no reino milenar de Cristo, estarão em submissão à legislação desse reinado
e habitarão juntos em paz (BÍBLIA SAGRADA, Mq 4.3). O domínio de Cristo será em
tudo reconhecido por eles e eles aprenderão de Jesus e de Seus caminhos (BÍBLIA
SAGRADA, Is 2.2-3; Zc 14.9, 16; Sl 72.8-11).

Segundo o livro de Apocalipse, haverá ainda um julgamento adicional às nações


que estão sob o reino de Cristo e isso se dará depois que Satanás for, por um pouco,
libertado de sua prisão no fim do milênio (BÍBLIA SAGRADA, Ap 20.7-9).

4.1.4 O futuro da Terra


O futuro reino de Cristo na Terra assinalará para sempre o final da maldição
adâmica sobre a terra (BÍBLIA SAGRADA, Gn 3.17-18); “na esperança de que a própria
criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos
de Deus” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 8.21). O planeta Terra será reconduzido ao seu estado
original, puro e perfeito (BÍBLIA SAGRADA, Is 11.6-9; 32.15; 35.1-7; 55.13; At 3.19-21; Ap
22.3).

4.2 DOIS ASPECTOS DA SEGUNDA VINDA DE JESUS


A segunda vinda de Jesus Cristo conterá dois aspectos primazes. Um deles se
refere à “vinda de Cristo nos ares para a Igreja”, já o outro à “vinda de Cristo para
a terra com a Igreja”.

O primeiro aspecto diz respeito aos salvos por Jesus, os crentes ou os cristãos.
O segundo aspecto faz referência à nação de Israel e às demais nações.

44
O primeiro aspecto faz menção ao senhorio de Cristo e alude a Ele como o Noivo
da Igreja. No segundo aspecto, Jesus é revelado como Messias e Rei (que se assentará
no trono político de Davi). O primeiro aspecto alude à bem-aventurada esperança dos
homens, crentes, salvos por Jesus, o segundo aspecto alude à purificação e à exaltação
da nação de Israel.

Alguns teólogos têm descrito esse primeiro aspecto da segunda vinda de Jesus
como sendo o “rapto” e o segundo aspecto aponta para “revelação”.

NOTA
Rapto: nesse caso, é uma transliteração do original grego raptzo, que
significa ser “retirado”. É uma referência ao arrebatamento da Igreja.

A vinda de Cristo  para a Igreja acontecerá antes da sua vinda  com  a Igreja.
Os teólogos defensores da teoria do rapto pós-tribulacional afirmam que o segundo
aspecto da vinda de Jesus se seguirá imediatamente ao primeiro aspecto. Com isso,
querem ensinar que Jesus virá para a Igreja e, então, prontamente e de forma mais que
imediata também virá com a Igreja para a Terra. Os teólogos que defendem o rapto pré-
tribulacional ou o rapto meso-tribulacional querem dizer que haverá um período entre
os dois aspectos da vinda de Cristo. Eles ensinam que “o casamento do Cordeiro, a
recompensa dos crentes e toda ou a segunda parte da grande tribulação ocorrerá entre
os dois aspectos da vinda de Cristo” (WHITCOMB, 2016, p. 240).

NOTA
• Pós-Tribulacionismo: defende que o arrebatamento da igreja e a segunda vinda de
Cristo são um único evento, que ocorrerá após o período de grande tribulação.
• Pré-Tribulacionismo: essa visão defende que a volta de Cristo se divide em duas etapas:
primeiro para buscar a igreja antes da tribulação. A igreja passará por sete anos na
presença de Cristo. Os pré-tribulacionistas acreditam que, nesse período, os santos
estarão em uma espécie de tribunal de Cristo, onde ele distribuirá
os galardões. Em segundo lugar, defendem que Ele volta em glória,
sendo visível a todos após o período de grande tribulação, agora
para inaugurar o milênio literal e reinar com os santos devidamente
galardoados.
• Meso-Tribulacionismo: defende que a igreja será arrebatada no meio
da grande tribulação.
• Grande tribulação: é um termo bíblico que descreve o período que
antecede a volta de jesus cristo e por consequência julgamento final
de Deus. Segundo a tradição cristã, ocorrerá na metade final de um
período de sete anos e será o período mais aflitivo de toda a história.

45
4.2.1 A vinda de Cristo para a Igreja
Esse primeiro aspecto da vinda de Cristo se refere a que os salvos por Jesus,
que estarão mortos no dia dessa segunda vinda para igreja, serão ressuscitados para
a imortalidade, e os salvos por Jesus que forem achados ainda vivos serão todos
transformados da mortalidade para a imortalidade e terão seus corpos glorificados. Os
salvos por Jesus imortalizados serão, então, arrebatados, ou seja, levados da terra, para
se encontrarem com Jesus Cristo nos ares e se tornarão, então, coerdeiros com Ele de
todas as coisas (BÍBLIA SAGRADA, 1Ts 4.16-17; 1Co 15.51-53; 1Ts 5.9-10; 2Ts 2.1; Mt 24.37-
42; Lc 17.34-36; Jo 14.3; Fp 3.20-21; 1Jo 3.2; Rm 8.23).

4.2.2 A vinda de Cristo com a Igreja


Esse segundo aspecto da segunda vinda de Cristo se refere a sua volta,
acompanhado pela igreja santa e glorificada. Jesus se revelará a si mesmo como “O Rei
dos reis” em toda sua majestade, glória, poder e domínio. Ele será como a pedra que
esmiúça a estátua (BÍBLIA SAGRADA, Dn 2.34-35) e dominará sobre todos os governos
e sobre todas as nações da Terra. Ele se assentará sobre no trono de Davi que é o seu
trono de glória na cidade de Jerusalém e governará com cetro de ferro sobre a terra
(BÍBLIA SAGRADA, 1Ts 3.13; Cl 3.4; Ap 1.7; Mt 24.27-30; Jd 14.15; Ap 17.14; 19.11-21; 2Ts 1.7-
10; 2Ts 2.8; Dn 2.34-35;44-45; Zc 14.3-5; Mt 25.31-32; 2Tm 4.1; At 3.20-21).

46
LEITURA
COMPLEMENTAR
JESUS COMO SENTIDO ÚLTIMO DA HISTÓRIA HUMANA. ELEMENTOS DA
CRISTOLOGIA DE W. PANNENBERG

Romildo Henriques Pinas

Como um acontecimento particular, situado em um determinado espaço e


tempo, pode atingir a totalidade da história? A resposta para a problemática só é possível
quando o ser humano tem presente o dado da fé. Para aceitar a universalidade da
salvação, é necessário crer que o acontecimento da história humana esteja vinculado
ao Deus criador. Para tal compreensão, não se pode perder de vista que a história é
o lugar por excelência onde Deus vai se revelando. No seu ato revelador, Ele chega à
plenitude com a encarnação histórica do Logos na pessoa de Jesus. Em Jesus Cristo
surge uma nova imagem do ser humano.

Além do tema da encarnação que será tratado neste artigo, há outros elementos
da cristologia de Pannenberg que são fundamentais para responder à pergunta do
valor universal do evento Jesus Cristo. O nosso estudo terá a preocupação com a
fundamentação histórico-cristológica para o sentido último que envolve o ser humano.
A temática antropológica, de certo modo, aparece na nossa abordagem, sobretudo
quando falamos da encarnação do Filho de Deus. Deus se faz homem e vem morar entre
nós. A encarnação histórica de Jesus representa a salvação para toda humanidade. Esse
princípio se torna indispensável para a fé cristã e se concretizou na entrada do Filho no
mundo e na sua obediência filial ao Pai. Jesus se encontra numa relação contrária com
o ato de Adão, uma vez que não sucumbiu à tentação de ser igual a Deus, como foi o
caso do primeiro homem, mas se fez obediente até a morte.

O tema do Reino também se faz relevante, mas o trataremos numa perspectiva


de universalidade cristológica. Pannenberg evidencia que a espera escatológica
do Messias, como portador do Reino de Deus, faz-se realidade em Jesus, e isso
tem consequências universal. Entretanto o ponto mais essencial para conferir a
universalidade da história de Jesus é o fato da sua ressurreição realizada pelo Pai. Esse
acontecimento faz com que, de forma proléptica, toda pessoa já tenha experimentado
em Jesus tal realidade. Nele, cada pessoa já participa da ressurreição dos mortos. O que
já foi realizado em Jesus se revela realidade em cada pessoa. A espera de um salvador,
desde o antigo Israel, torna-se acontecimento em Jesus Cristo. “O que em Jesus uma
vez já aconteceu, irradiou para todos e em comunhão com ele na fé, tal realidade já nos

47
aguarda”. Na pessoa de Jesus a humanidade vive a sua liberdade plena. Todos os pontos
indicados acima deverão levar em consideração o tema da história, uma vez que para
nosso teólogo, somente na história é possível compreender a pessoa de Jesus Cristo.

1 O VERBO SE ENCARNA E O SER HUMANO SE RECONCILIA COM DEUS NA PESSOA


DE JESUS CRISTO

A afirmação joanina “o Verbo é a verdadeira luz que ilumina todos os homens”


(Jo 1,9) sinaliza para a encarnação do Filho como um fato que muda a história da
humanidade. Jesus participa da comunidade humana e a sua missão é reconciliar a
humanidade com Deus, libertando-a de todas as amarras e pecados. Em Jesus, o ser
humano é portador da Graça e do amor de Deus. O Verbo de Deus se faz pessoa para
elevar o ser humano à Graça de Deus, reconciliando-o definitivamente com seu criador.

Conforme a tradição judaico-cristã, o ser humano é criado à imagem e


semelhança de Deus, mas, devido à queda no pecado da desobediência, há um
rompimento da relação pessoa-Deus. O Filho se encarna na história humana e assume
a missão de reconciliar a humanidade com Deus, na encarnação, bem como no
cumprimento de sua missão Ele é para os cristãos o novo Adão. Jesus é o mediador
definitivo na relação do ser humano com Deus.

No momento em que Jesus assume a história humana, ela ultrapassa os


próprios limites e eleva-se à condição de história divina. O ser humano, na sua história,
vê-se reconciliado com Deus e espera a plenitude da história como plenitude da própria
realização.

Com a encarnação, a esperança de Israel é modificada profundamente e adquire


um caráter universal. Agora, Jesus é o homem novo e escatológico, a figura definitiva
de ser humano, aquele que responde às intenções de Deus, intenções que já se faziam
presentes desde a origem do ser humano, na criação. Como já foi afirmado antes, Jesus
é o homem novo enquanto se mostra obediente a Deus na sua paixão e morte (Rm
5,19). Pela ressurreição de entre os mortos, Ele é o modelo definitivo de ser humano
transfigurado e plenificado pelo Espírito.

A filiação divina de Jesus, estendida aos cristãos, como está apresentada em


Paulo (Rm 8,16; Gl 4,5s), não representa uma novidade absoluta, já que estava presente
na fé do povo de Israel. A novidade é que ela vem do dom do Espírito e da comunhão
com Jesus Cristo, o Filho de Deus. O Espírito da filiação de Jesus se dá ao ser humano
como revelação na encarnação do Filho numa figura humana; a missão de Jesus
assume um itinerário histórico. Pannenberg trabalha com a ideia de que é impossível
dissociar a pessoa de seu caminho histórico, pois somente na história da pessoa é
que se desenvolve a identidade como personalidade, é a totalidade da existência que
definirá os indivíduos dos quais se reconta a história.

48
A autodistinção de Jesus do Pai, ao assumir a sua condição de criatura, afirma
o fundamento da própria possibilidade e realidade de cada existência criada. A pessoa
pode, por Jesus Cristo, superar através da própria autonomia as dificuldades e limites,
realizando a sua vocação, elevando-se além das fragilidades presentes na vida que
constituem uma situação de escravidão e alcançar a verdadeira libertação.

O Filho, ao assumir a condição humana com a encarnação, se torna uma


referência absoluta de perfeição para todos os seres humanos. Pannenberg cita o quarto
evangelho para lembrar que: Deus enviou seu Filho ao mundo para salvá-lo (Jo 3,17;
6,38s). Desse modo, a missão de Jesus tem seu fim: a humanidade, libertá-la do pecado
e da morte e reconciliá-la com Deus. As expectativas sobre Jesus junto do seu povo
não foram realizadas conforme o esperado, pois Ele não foi o libertador político desejado
por eles. A libertação que ele propõe propicia ao ser humano a verdadeira comunhão
com Deus. Jesus, no seu confronto com a lei judaica, mostra que ela deve se libertar do
partidarismo, abrindo-se a todos os seres humanos. Pela sua morte e ressurreição, Ele
deixa de ser o Messias só dos hebreus, tornando-se de toda humanidade. A sua missão
é unir os seres humanos a Deus, segundo a imagem do ser humano novo e escatológico.

Por fim, Jesus já revela no presente o que a humanidade será no futuro. Ele,
ressuscitado dos mortos, representa o futuro escatológico do ser humano, revelando-
se como o “já” teológico, como a esperança realizada para o ser humano que “ainda
não” experimenta em plenitude a própria salvação. Jesus já é o protótipo da realização
humana, antecedendo-nos como mediador e reconciliando-nos com Deus. Nesse
sentido, pode-se afirmar que a nossa salvação se fundamenta n’Ele. Jesus nos liberta
e nos dá novamente a qualidade de filhos de Deus. A ação de Deus na história, pela
encarnação, abre à humanidade um horizonte de esperança e de futuro. É uma esperança
futura que marca o caminho da pessoa como fim definitivo, e, tal fim acontece no tempo
escatológico, momento de plena realização do ser humano em Deus.

2 A COMPREENSÃO TEOLÓGICA DA PESSOA DE JESUS ENQUANTO ENCARNAÇÃO


NA HISTÓRIA

Pannenberg expõe a impossibilidade de se falar qualquer coisa sobre Deus


caso não se leve em consideração o processo revelatório como um suceder de
acontecimentos na história. O mesmo argumento vale para a história de Jesus Cristo.
A cristologia de nosso autor é elaborada a partir dos dados cristológicos manifestados
na história. Partindo desse princípio, pode-se justificar o seu longo itinerário no tema
da revelação como história. Para ele, a pessoa humana depara com o mistério de Deus
e da salvação nos fatos históricos, revelados por Ele. Mesmo que Deus tenha sempre
no decorrer da vida humana se dado a conhecer, a plenitude do seu revelar somente
acontece em Jesus Cristo. A vida e a história de Jesus de Nazaré é o fato singular, único
e de valor universal.

49
O teólogo da história desenvolve a problemática, mostrando que na igreja antiga
toda história da cristologia, em grandes linhas, apresentava a encarnação como o
movimento de Deus até o ser humano. Somente depois, essa ideia foi reformulada com
o pensamento de Irineu. O bispo de Lyon demonstrou na encarnação a realização do
destino da perfeição humana. Jesus é, de forma proléptica, o que acontecerá com todo
ser humano. Pannenberg expõe que não é fácil falar da encarnação da segunda pessoa
da Trindade como algo isolado, pois a vida de Jesus se encontra situada dentro do todo
do acontecer da história da salvação. O método teológico usado por ele mostra que
a encarnação acontece dentro do processar da historicidade humana. Ela caracteriza
apenas um momento no todo da história e da vida de Jesus Cristo. Com isso, não se
pode negar que, se o Filho não tivesse se encarnado (fato histórico), seria impossível
para a teologia formular uma compreensão sobre ele e sobre sua história. Também seria
ininteligível falar de redenção como participação no Logos divino, o que já havia intuído
Atanásio em sua teologia.

A reflexão de Pannenberg sobre a encarnação perfaz o caminho da igreja


primitiva e da patrística. Ele deixa claro que o envio do Filho não está desvinculado
de sua preexistência, de seu ser na eternidade de Deus em correspondência com
a eternidade do Pai12. Conforme a tradição bíblica, a encarnação do Filho já fora
prenunciada pela compreensão da noção de filho na história de Israel. Isso pode ser
observado na designação do rei judaico como filho de Deus, na promessa de Natã a
David (2Sm 7,14; Sl 89,27s). Quando se estabelece tal relação, compreende-se que a
salvação não sofre uma ruptura com o nascimento de Jesus, ao contrário, ela chega
ao seu auge, à sua plenitude. É relevante a afirmação de Paulo, apresentando Jesus
como segundo Adão, pois isso remete obrigatoriamente à origem da história humana,
indicando uma continuidade na história salvífica. O texto de (Gl 4,4) expressa o envio e
o nascimento humano de Jesus, afirmando que Ele não rompe com a tradição mosaica,
mas se submete a ela. Jesus participa como ser integral de todas as condições e
circunstâncias da vida (diz o apostolo dos gentios: exceto no pecado). A mesma
compreensão, já presente nos primórdios do cristianismo, constitui o fundamento da
filiação divina de Jesus e de sua união com o Pai. A afirmação anterior já exprime a ideia
de que a natureza de Jesus não é puramente humana. Questão que posteriormente foi
definida pelo concílio de Calcedônia e que se faz vigente na dogmática cristã até os dias
atuais: em Jesus estão presentes duas naturezas: a humana e a divina.

O ponto de partida para uma avaliação teológica da singularidade histórico-


humana de Jesus de Nazaré, como meio da revelação do Logos divino, tal como pode
ser reconhecida, deveria ter sido desenvolvido a partir da tipologia adâmica de Paulo; a
mesma foi bloqueada na história da cristologia da Igreja antiga, quando essa identificou
a encarnação do Logos com o nascimento de Jesus.

A cristologia da Igreja antiga não conseguiu descrever adequadamente


sua relação com a peculiaridade histórico-humana da atuação pública
de Jesus, tal como resulta das tradições evangélicas. Ela coloca
todo caminho de Jesus, de antemão, sob o sinal da encarnação
do Logos divino em seu nascimento, desse modo, a interpretação

50
da tipologia adâmica de Paulo não conseguiu fazer jus ao fato de
que o aparecimento do novo Adão, Jesus Cristo (1Cor 15,45ss), foi
associado com a nova vida do Ressuscitado em (Rm 5,13s), com a
obediência filial de Jesus Cristo em seu caminho para a cruz, mas em
nenhuma das duas passagens seu aparecimento foi associado a seu
nascimento.

Outro aspecto considerado é que a cristologia da Idade Média e do protestantismo


antigo não tiveram como formular de modo franco a pergunta sobre a singularidade
humana de Jesus em sua atuação e em seu destino, pois elas, do mesmo modo, viram
como óbvia a geração e o nascimento de Jesus Cristo com a encarnação do Logos. O
que fica evidente é que a interpretação das Escrituras feita pela escola de Antioquia foi
a que talvez mais tenha procurado abrir espaço à humanidade histórica de Jesus.

Cabe dizer que Pannenberg empenha-se para achar uma solução para a
problemática cristológica aqui abordada. Ele se esforça pelo caminho da história em
formular uma cristologia que integre a vida de Jesus numa perfeita unidade histórica. O
seu empenho pela via histórica e da antropologia acrescenta contribuições para melhor
entender a pessoa de Jesus. Harmonizar a encarnação com a ressurreição, ou seja, o
pré-pascal e o pós-pascal, continua sendo uma busca incessante da Igreja cristã. É na
busca de tal compreensão que se dará possibilidade ao cristianismo de apresentar Jesus
como o salvador de toda humanidade. Pannenberg se empenha para fundamentar a
validade de seu argumento cristológico na missão de Jesus, na sua obediência ao Pai
e na ressurreição. É considerando as características mencionadas que ele consegue
adentrar um pouco mais na vida e na história de Jesus de Nazaré, mostrando que
nela se realiza a plenitude da vida de todo ser humano. Pela história de Jesus se pode
compreender o projeto revelador do Pai e a oferta da salvação para todos.

3 JESUS CRISTO COMO PROTÓTIPO DE PESSOA NA ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA


CRISTÃ

O ser humano, por natureza, é portador da dimensão religiosa. O religioso


constitui elemento essencial da pessoa na sua realidade como ser. Tal dimensão eleva
a pessoa até o seu destino mais autêntico e original, o de ser imagem e semelhança
de Deus. O aprofundamento antropológico que o ser humano faz na busca intensa de
si como totalidade, faz com que ele não seja um ser fechado em si mesmo, mas ao
contrário, que se abra numa atitude de amor e gratuidade ao mundo, ao outro e a Deus
– cumprindo, assim, seu destino mais essencial.

Faz-se necessário mostrar que para o teólogo luterano o modelo perfeito de


ser humano é Jesus Cristo; Jesus é também aquele que representa a superação dos
limites e das fragilidades humanas. É n’Ele que o ser humano se eleva ao seu destino
final e alcança a sua plenitude, destino já presente na criação pelo traço divino deixado
na pessoa pela imago Dei.

Pannenberg apresenta Jesus Cristo como modelo para o ser humano, afirmando

51
assim a sua posição antropológica: a salvação da pessoa está em Jesus Cristo. Não se
trata de uma salvação fora da história e alienada do mundo, ao contrário, ela se dá na
história do ser humano situado no mundo. Também não se pode esquecer de afirmar
que o Filho se faz ser humano, encarna-se para elevar toda humanidade à condição
divina. A antropologia adquire um caráter cristológico e a cristologia se fundamenta no
ser humano revelado em Cristo Jesus.

Nos longos estudos e debates cristológicos, sempre esteve presente a essa


temática qual o caminho a ser seguido na cristologia. Ao definir o caminho, definia-se
também o tipo de abordagem cristológica, bem como as implicações na antropologia
cristã. Pannenberg traz uma reflexão que apresenta Jesus Cristo como Filho de
Deus, relacionando a filiação com a sua missão no mundo (Gl 4,4; Rm 8,3). Assim, a
fé cristológica nasce da proclamação de que Jesus é o Cristo de Deus. Desse modo,
é no homem Jesus que se auto revela o Filho preexistente de Deus. Ele é revelado
pela mediação humana no concreto da história. Ao afirmar Jesus Cristo como modelo
de pessoa, Pannenberg pontua a dimensão escatológica dessa afirmação e o homem
novo vem contrapor ao Adão, primeiro homem. Mais que tal contraposição, os cristãos
começaram a ver no homem novo o ser humano escatológico, revelado em Jesus Cristo
como destino de perfeição do ser humano, como pensava o apóstolo Paulo.

Na encarnação do Filho, cumpre-se a ordem de salvação (economia) prevista


para o ser humano desde a origem e que encontra seu aperfeiçoamento em Jesus
Cristo. Se a pessoa, como ser finito, não conseguiu a perfeição do início ao fim, sendo
incapaz de entrar imediatamente na perfeita comunhão com Deus, então Deus enviou
o Logos para que libertasse o ser humano do domínio da morte e de suas debilidades,
permitindo-lhe conseguir tal perfeição e conduzindo-o à perfeita comunhão com Deus.
Em Jesus Cristo, o ser humano é transformado na verdadeira e plena imagem do homem
novo, o celeste.

O teólogo alemão traz à evidência, em conformidade com o apóstolo Paulo, a


ideia de uma humanidade que se renova na obediência, morte e ressurreição de Jesus.
A cristologia paulina apresenta Jesus como novo Adão, isso influirá de maneira profunda
também na teologia patrística. Para Paulo, os seres humanos igualmente marcados pelo
pecado e pela morte superam tais realidades pelo batismo e pela fé. Conforme os textos
paulinos, se pela culpa de um só homem todos foram condenados ao pecado, agora no
novo homem, por uma única pessoa, todos foram libertados do pecado e da morte.

A presença do homem novo, como portador da salvação para o ser humano


decaído, é revelada na pessoa de Jesus Cristo que entra na natureza humana para
libertá-la de suas fraquezas. Ele aparece como salvador. Nesse sentido, a teologia do
Novo Testamento revela Jesus obediente até a morte para a salvação de todos.

A cristologia antiga, embora tentasse individuar a divindade de Jesus na sua

52
característica específica de homem celeste, conheceu e evidenciou também uma outra
singularidade que conota a natureza humana de Jesus enquanto tal, no seu diferenciar-
se do Logos e de todos os outros seres humanos, devido a sua impecabilidade. Na
mesma direção foi a afirmação cristológica do concílio de Calcedônia: O Filho de Deus,
encarnando-se, é em tudo igual a nós, menos no pecado. A Igreja antiga buscou esse
fundamento na perfeição moral de Jesus e na firmeza de sua união com Deus. A única
qualidade que caracteriza o ser humano de Jesus na sua especificidade derivaria assim,
de seu ser-por-si individual, ideia que influirá em certas interpretações modernas da
santidade de Jesus.

Pannenberg, ao elaborar a sua reflexão cristológica na ideia soteriológica do


novo Adão, tem presente o princípio da nova humanidade, humanidade da qual Jesus
se faz autor pela perfeita unidade com o Pai e pelo sim à sua missão de implantar
o reino de Deus no mundo. Jesus se mostra obediente a Deus e solidário com toda
humanidade (2Cor 5,21). Por sua morte e ressurreição, ele se transforma em protótipo
de uma nova humanidade. Todos os seres humanos deverão se renovar à sua imagem
– que é a imagem de Deus (2Cor 3,18), renovação que implica na participação em sua
vida. Conforme se lê, a carta aos Hebreus afirma a humanidade de Jesus semelhante
aos demais seres humanos em tudo, exceto no pecado (Hb 4,15).

A constatação de (Hb 4,15) tornou-se uma constante na teologia a partir de Irineu


de Lyon e Tertuliano. Irineu afirmava o não cometimento de pecado por parte de Jesus,
sem com isso afirmar que Jesus tenha tido uma natureza distinta da nossa. Tertuliano
também atestava que Jesus assumira a carne pecadora, sem cometer pecado. Ele é um
homem sem pecado devido à sua comunhão com Deus. Com tais afirmações, Irineu e
Tertuliano vão ao encontro do pensamento paulino, quando Paulo expõe que Cristo se
fez um de nós, assumindo a carne de pecado, permanecendo, contudo, sem pecado,
libertando-nos do seu jugo (Rm 8,3).

A peculiaridade do Redentor residia na consciência que Ele tinha da presença


de Deus em sua pessoa, presença que é motivo da ausência de pecado. Tal consciência
é aqui colocada como substitutivo da divindade; Jesus é visto como o Redentor;
fundador de uma comunidade de redimidos e os indivíduos, ao serem incorporados
a tal comunhão, libertam-se do pecado e participam de uma nova sociedade que é
denominada de Reino de Deus. A comunidade do reino de Deus é considerada uma nova
etapa da evolução da humanidade. Essa nova realidade, trazida por Cristo, no âmbito da
vida humana, é vista como uma nova criação, nova existência humana, mais perfeita,
levando a criação humana à sua consumação e à sua plenitude.

Em Jesus, tal consumação acontece no cumprimento livre de sua missão.


Diante das tentações que Jesus enfrenta, como se pode ler nos sinóticos, há uma
inclinação de confirmar a missão que lhe foi confiada por seu Pai com as expectativas
de Israel, esquivando-se da proposta de Deus. O peso da tentação como abandono do
caminho disposto por Deus ou o desespero diante dele ficam evidentes em sua oração

53
no Horto das Oliveiras (Mc 14,35s; Mt 26,39; Lc 22,40-44) e também na cruz com sua
súplica ao Pai. O contexto da tentação mostra que a fidelidade de Jesus à sua missão
pressupõe sua liberdade. Ela acontece quando Ele não recusa uma resposta positiva à
sua missão, mantendo-se fiel a tal missão. Pode-se dizer que o drama vivido por Jesus
não é solucionado em nenhuma instância humana, é somente no conteúdo de sua
mensagem salvífica, assumido na sua missão, missão que provém de Deus e constitui
a sua liberdade. É pela autoridade de Deus à qual Jesus recorria em sua mensagem
e atuação que seu drama será solucionado. A solução se dá diante da ressurreição e
passa a não ser uma experiência pessoal de Jesus, mas acontecimento que atinge
a todos os seres humanos. Jesus é o representante de toda a humanidade diante de
Deus, e tal fato demonstra que Ele realizou em sua vida a determinação específica do ser
humano como tal. Na ressurreição, Ele garante aos demais seres humanos a comunhão
com Deus. A cristologia moderna compreende que Jesus é o homem autêntico em sua
abertura para Deus, na sua total confiança no futuro, na sua responsabilidade filial em
relação ao mundo e à solidariedade com os outros.

De início, é importante levantar algumas perguntas, mesmo que sejam para


romper a rotina metodológica adotada nesse estudo. A primeira questão que pode ser
significativa é: por que existe a preocupação em buscar convergência entre a vida de um
homem que viveu há mais de dois mil anos e a do ser humano que se encontra no século
XXI? Teria aquele homem algo a acrescentar à humanidade atual? Em que a história
de Jesus supera a de nossos dias? E ainda, em que a vida de Jesus se assemelha e
distingue-se da de outros seres humanos? Mesmo que não haja condições de responder
a todas essas perguntas, elas funcionam como setas, indicando ao caminhante o norte
da reflexão por onde deve seguir.

Já foi abordado o tema que o envio do Filho ao mundo é o culminar da ação


reveladora de Deus. Ele vem participar da história do ser humano, e revela o verdadeiro
rumo para a pessoa humana. Na sua pessoa a história humana se eleva até Deus. Ela
se torna para Deus o campo ou o lugar da revelação de sua sabedoria. Conforme se lê
nos textos sagrados, Cristo também pode ser compreendido como a sabedoria que se
encarna na história, isso se confirma quando associado aos livros sapienciais do antigo
Israel. Está explícito na teologia de Pannenberg que com a encarnação, a história de
Deus não se dá à parte, mas ela interage com a da humanidade. A revelação de Cristo
não é descontínua com a história humana, mas participa dela e a assume, revelando a
essência do ser humano. Na pessoa de Jesus Cristo, todo ser humano precedente foi
substituído por uma forma radicalmente nova de ser pessoa.

Jesus, como já dito, é o Adão renovado, não apenas ser vivente, mas espírito
vivificante como se lê em (1Cor 15,45s). Em vários textos do teólogo luterano, ele identifica
em Jesus o modelo para a pessoa humana, mas com isso não se quer dizer que já tenha
se realizado em cada pessoa tudo o que já sucedeu n’Ele. Jesus é o protótipo para
toda humanidade, e ela deve continuar o seu percurso de vida rumo a sua realização
plena que será no fim da história, com a escatologia. Na sua obediência ao Pai, bem

54
como no testemunho do reino vivenciado por Jesus, ele se revela como Filho de Deus.
Ao chamar Deus de Pai, Jesus está em perfeita sintonia com Ele. Sua filiação implica
também a sua forma de se relacionar com Deus, bem como a sua ação. Tal exigência,
implícita necessariamente em sua missão, foi o centro da controvérsia que o envolveu,
levando-o à condenação e morte na cruz. É evidente que a compreensão de Jesus
como salvador da humanidade não é um dado isolado, antes de tudo, ela é um ato
de fé; porém é somente mediante o conhecimento dessa ação salvífica que se torna
possível crer nessa verdade. O evento Jesus Cristo não é um fato deslocado na história
da salvação, ele faz parte do todo da ação reveladora de Deus.

Por fim, somente é possível compreender a vida de Jesus quando considerada


em sua totalidade. Entretanto, há alguns traços que adquirem maior relevância quando
queremos aproximar-nos de sua história. O tema da obediência filial que, de certo
modo já foi tratado acima é um desses traços. Outro aspecto a ser visto é o reino como
constitutivo fundamental da história de Jesus. É no reino que se realiza a concretização
do amor de Deus ao ser humano como abordaremos no item seguinte.

FONTE: Adaptado de PINAS, R. H. Jesus como sentido último da história humana. Elementos da Cristologia
de W. Pannenberg. Atualidade Teológica. Ano XVI, nº 42, 2012. Disponível em: https://web.archive.org/
web/20180507012919id_/https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/22304/22304.PDF. Acesso em: 7 out.
2021.

55
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A ressurreição de Jesus é um testemunho do poder de Deus e que foi deveras


importante, pois também é um testemunho vivo e eficaz de que os homens
ressuscitarão, ainda que a ressurreição de Jesus seja uma doutrina basilar da fé
Cristã, além do que ainda mostra a soberania de Deus. Também aprendeu que a
ressurreição é o triunfo glorioso para todo aquele que crê em Jesus Cristo, pois ela
garante que Cristo está vivo e que um dia voltará para buscar a sua igreja.

• As Escrituras demonstram inúmeras evidências de que a ressurreição realmente


aconteceu, como o túmulo vazio, que aponta para o testemunho das mulheres, a
averiguação in loco dos discípulos, a impossibilidade do anúncio de uma ressurreição
se o túmulo não estivesse vazio, a não negação dos inimigos da fé sobre o túmulo
estar vazio, a não veneração ao lugar de sepultamento de Jesus, além da evidência
das aparições de Jesus, para os discípulos e centenas de pessoas e da crença dos
discípulos na ressurreição de Jesus, a ponto de muitos deles perderem suas vidas
por isso.

• A ascensão de Jesus se deu em um retorno literal e corpóreo ao céu. Jesus subiu


aos céus de forma gradual e visível, que fora observado por inúmeros espectadores
atônitos e atentos. A ascensão indica a finalização do seu ministério na Terra e
marcou o retorno a sua glória celeste, bem como representa um símbolo perene a
sua exaltação pelo Pai, permitindo que Jesus organizasse ou preparasse um lugar
para os homens salvos e corroborando sua função de Sumo Sacerdote e Mediador da
Nova Aliança; ainda a ascensão estabeleceu o modelo para o seu retorno e mostrou
que, no presente momento em que se vive, Jesus, o Cristo, se encontra nos céus
e que Ele se assenta à direita de Deus, o Pai, e garante uma posição de honra e de
suprema autoridade.

• O Cristo voltará à Terra novamente de maneira pessoal, de forma visível, de forma


inesperada, de forma gloriosa e triunfante.

• A segunda vinda de Jesus é balizador do princípio do novo ministério de Cristo na


Terra e como será o futuro da Igreja, de Israel como nação, das outras nações da terra
e o futuro da própria Terra e os resultados que a segunda vinda impõe.

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• A segunda vinda de Jesus tem dois propósitos primazes, que são: “vinda de Cristo
nos ares  para  a Igreja” e a “vinda de Cristo para a terra  com  a Igreja”. O primeiro
aspecto da vinda de Cristo se refere a que os salvos por Jesus, que estão mortos,
no dia dessa segunda vinda para igreja, serão ressuscitados para a imortalidade, e
os salvos que forem achados ainda vivos serão todos transformados da mortalidade
para a imortalidade; já o segundo aspecto da segunda vinda de Cristo se refere a sua
volta acompanhado pela igreja santa e glorificada e que Jesus se revelará a si mesmo
como “O Rei dos reis” em toda sua majestade, glória, poder e domínio.

57
AUTOATIVIDADE
1 No mundo antigo, professar a fé em um único Deus causava estranheza. Todos os
povos nutriam fé em um panteão de deuses. O povo judeu, diferentemente desses
povos, cria somente em um único Deus, poderoso e criador de tudo e de todos. E é no
meio desses judeus monoteístas que surgem os cristãos, também monoteístas, mas
crendo que esse Deus, no qual devotavam sua fé, havia encarnado e habitado entre
eles. Diante disso, responda: no que se baseia a fé cristã?

2 O apóstolo Paulo explica detalhadamente a importância da ressurreição de Cristo


(BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15) e também descreve algumas consequências catastróficas
que podem advir do negacionismo acerca da ressurreição de Cristo. Liste essas
consequências e cite os versículos.

3 Para a fé cristã, a ressurreição é o ponto transcendente e incomum que alicerça a fé


dos homens crentes em Jesus em uma esperança de vida eterna. Com relação às
principais evidências da ressurreição de Jesus, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Evidência do testemunho das mulheres, dos soldados mentirosos e da


transfiguração.
b) ( ) Evidência do túmulo vazio, da não negação dos inimigos da fé de que o túmulo
estava realmente vazio e de José de Arimateia e Nicodemus.
c) ( ) Evidência do túmulo vazio, das aparições de Jesus e da crença dos discípulos
na ressurreição de Jesus.
d) ( ) Evidência dos anjos falando com as mulheres, da crença dos discípulos na
ressurreição de Jesus e dos cinco discípulos.

4 No Credo dos apóstolos, uma das antigas confissões de fé do cristianismo, afirma-


se que Jesus “subiu aos céus e está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso”.
Sobre as evidências e a importância da ascensão de Jesus, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A ascensão significa que Jesus não obteve sucesso em sua obra terrena.
( ) A ascensão marcou o retorno a sua glória terrena.
( ) Depois que Jesus ressuscitou dos mortos, Ele “se apresentou vivo”.
( ) A ascensão indica a finalização do seu ministério na terra.
( ) A bíblia esclarece que a ascensão de Jesus fora um retorno literal e corpóreo ao céu.
( ) Jesus é aquele com quem o Pai se rivaliza nos céus depois de sua ascensão.
( ) A ascensão de Jesus Cristo, teologicamente falando, é o evento que trouxe condições
a Ele de desenvolver seu ministério terreno e o seu ministério celeste ao mesmo
tempo.

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a) ( ) F – F – F – V – V – F – F.
b) ( ) F – F – V – V – V – F – F.
c) ( ) V – V – F – F – F – V – V.
d) ( ) V – F – V – F – V – F – V.
e) ( ) F – V – F – V – F – V – F.

5 A segunda vinda de Cristo será o cumprimento de todas as esperanças dos homens


redimidos. Sobre como será a segunda vinda de Cristo, assinale a alternativa
CORRETA:

a) ( ) Cristo voltará à Terra novamente de maneira impessoal, de forma invisível, de


forma esperada e de forma apagada.
b) ( ) Cristo voltará à Terra novamente de maneira impessoal, de forma invisível, de
forma desesperada, de forma gloriosa e triunfante.
c) ( ) Cristo nunca voltará à Terra novamente de maneira pessoal, de forma visível, de
forma inesperada, de forma gloriosa e triunfante. Ele voltará, mas não será visto nem
sabido por ninguém.
d) ( ) Cristo voltará à Terra novamente de maneira pessoal, de forma visível, de forma
inesperada, de forma gloriosa e triunfante.

6 A igreja primitiva firmava sua fé na esperança da segunda vinda de Cristo. Leia o texto
a seguir e preencha as lacunas:

O propósito e os resultados decorrentes da segunda vinda de Jesus são: balizar o


princípio do ________ de Cristo na terra. E os seus resultados serão regular o _____
da igreja, de Israel _________, das outras ________ e o futuro da própria terra.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) Novo Império; futuro; como nação; nações da Terra.
b) ( ) Novo Ministério; futuro; como nação; nações da Terra.
c) ( ) Novo Ministério; futuro; como religião; nações do planeta.
d) ( ) Novo Ministério; função; como nação; nações da Terra.
e) ( ) Novo Ministério; presente; como nação; nações da Terra.

7 A segunda vinda de Jesus Cristo conterá dois aspectos primazes. Sobre os dois
aspectos da segunda vinda de Jesus, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) O primeiro aspecto diz respeito aos salvos por Jesus, os crentes ou cristãos.
b) ( ) O segundo aspecto faz referência à nação de Israel e às demais nações.
c) ( ) Alguns teólogos têm descrito esse primeiro aspecto da segunda vinda de Jesus
como o “rapto”.
d) ( ) A vinda de Cristo para a Igreja acontecerá única e exclusivamente antes de sua
vinda com a Igreja.
e) ( ) Os teólogos que defendem o rapto pré-Tribulacional ou o rapto meso-Tribulacional
querem dizer que haverá um período entre os dois aspectos da vinda de Cristo.

59
60
REFERÊNCIAS
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WILKINS, M. J.; MORELAND, J. P. Jesus under fire. Michigan: Zodervan, 1995.

63
64
UNIDADE 2 —

ANTROPOLOGIA –
DOUTRINA BÍBLICA DO
HOMEM
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender sobre os aspectos da criação da humanidade;

• identificar apontamentos teológicos sobre a imagem de Deus;

• entender os aspectos material e imaterial do homem;

• entender os aspectos da essência da natureza humana.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoati-
vidades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A CRIAÇÃO DO HOMEM E A “IMAGO DEI” REVELADA NA HUMANIDADE


TÓPICO 2 – O SER MATERIAL E IMATERIAL
TÓPICO 3 – A CONSCIÊNCIA DO HOMEM

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

65
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!

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66
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
A CRIAÇÃO DO HOMEM E SEU OBJETIVO
E A “IMAGO DEI” REVELADA NA
HUMANIDADE

“Que é o homem, que dele te lembres? E o filho do homem, que o


visites? Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus e
de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras
da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste: ovelhas e bois, todos,
e também os animais do campo; as aves do céu, e os peixes do mar,
e tudo o que percorre as sendas dos mares” (BÍBLIA SAGRADA, Sl
8.4-8).
“Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme
a nossa semelhança; tenha ele domínio sobre os peixes do mar, sobre
as aves dos céus, sobre os animais domésticos, sobre toda a terra e
sobre todos os répteis que rastejam pela terra” (BÍBLIA SAGRADA, Gn
1.26).

1 INTRODUÇÃO
Certamente, não existe pergunta mais intrigante e de acirrada discussão do
que: “qual a origem do ser humano?”. Sua origem é divina, segundo os relatos bíblicos.
Por certo, segundo a crença judaico cristã, mesmo se tratando de narrativas mitológicas
para algumas pessoas, essa é a mais correta entre as outras possibilidades de respostas.

Mesmo que haja discordâncias e versões a respeito da criação do ser humano, a


principal característica da visão criacional bíblica é que ela se fundamenta unicamente
nos escritos bíblicos. De outro modo, não significa afirmar que todas as afirmações
científicas devem ser desacreditadas ou descartadas, mas apenas ilustrar que a ciência,
por ela mesma, não controla ou modifica a interpretação natural das fontes e dos relatos
bíblicos.

Algumas objeções, obviamente, se apresentam contra a posição dos escritos


bíblicos em relação às origens da criação do ser humano – posição que nunca foi
considerada irrestritamente como ciência, mas, talvez, apenas como artigo da fé.

Diante desse fato, existem partidários das mais diversas correntes, opiniões
e matizes ideológicas e teológicas, que se opõem às teses dos escritos bíblicos e as
questionam na tentativa de desacreditar o relato bíblico da criação do ser humano,
como sendo um axioma.

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Algumas questões como “Qual a veracidade ou cientificidade dos relatos
bíblicos? Se Deus é tão poderoso para criar o ser humano, por que o fez tão imperfeito? Se
existe um Deus, por que Ele deixou pistas na natureza que parecem contradizer o relato
bíblico?” (RYRIE, 2004, p. 196) expõem, segundo os articulistas contrários à doutrina da
criação bíblica do ser humano, a fragilidade que alicerça a doutrina criacionista bíblica.

2 A CRIAÇÃO DO HOMEM
Pode-se descrever, em poucas palavras sobre a criação do homem, que Deus
criou o primeiro humano a partir do pó da terra e, com seu sopro de vida, o fez alma
vivente (BÍBLIA SAGRADA, Gn 1.27; 2.7).

E o ser humano, em sua composição ontológica, é constituído de


corpo e de alma, sendo uma unidade dual e uma dualidade una de
ambas as dimensões. Ele é uma magnitude psicofísica e corpóreo-
anímica. [...] Essa magnitude ontológica não é algo, mas alguém, uma
pessoa humana (OLIVEIRA, 2016, p. 558).

Segundo Ryrie (2004, p. 196), “nunca existiu uma criatura ‘preexistente’, ou


sub-humana, muito menos um processo que fizesse com que a criação de Deus fosse
aperfeiçoada”. Os seres humanos são seres criados e isso significa que eles não têm
existência independente ou que são autoexistentes. Eles estão vivos e respirando
devido à interferência direta de Deus, que quis que eles existissem e agiu e age para
mantê-los vivendo e também para preservá-los. “A sua existência não é necessária.
Eles podem ser declarados independentes e agirem como se o fossem, mas isso não
altera o fato de que a sua própria vida e cada respiração que efetuam, continuamente
dependem da vontade de Deus” (ERICKSON, 1997, p. 301).

Ainda segundo Erickson (1997, p. 302), “a humanidade existe como um resultado


da intenção consciente e planejada de um ser inteligente e nossa identidade está em
cumprir, ao menos parcialmente, os planos divinos para nós”. Somos uma criação de
Deus, não uma emanação de Deus, sendo assim, fomos criados para servi-lo, honrá-lo
e com o fim principal de glorificá-lo.

2.1 OBJETIVO DA CRIAÇÃO DO HOMEM


No Breve Catecismo de Westminster (1968), a principal pergunta é: “qual é o fim
principal do homem?”, cuja resposta é encontrada na Bíblia: “O fim principal do homem
é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 11.36; 1Co 10.31; Sl
7.25-26).

68
NOTA
O Breve Catecismo de Westminster foi um Sínodo que reuniu teólogos
calvinistas ingleses e escoceses, em 1643, na Abadia de Westminster, na
Inglaterra, durante cinco anos. Foi considerada a mais notável assembleia
dos puritanos calvinista. Durante o Sínodo, foram produzidos, A Confissão
de Fé, os Catecismos Maior e o Catecismo Breve, o Diretório de Culto Público a
Deus, a Forma de Governo da Igreja, a Ordenação e o Saltério. O documento é
composto por 107 questões e suas respectivas respostas.

Teologicamente, Deus não precisava criar o homem, mas o fez para a sua própria
glória. Deus não precisa do homem nem do restante da criação para nada, porém, ambos
o glorificam e lhe trazem contentamento. Segundo a teologia da triunidade divina,
por toda a eternidade, sempre houve perfeito amor e comunhão entre os membros
da Trindade (BÍBLIA SAGRADA, Jo 17.5; 24). Deus não criou o homem porque andava
solitário ou em busca de comunhão com outras pessoas, Deus não precisava de nós
por motivo nenhum. No entanto, Deus nos criou para a sua própria glória. Deus se refere
aos homens, seus filhos e filhas das extremidades da terra, como aqueles “que criei para
minha glória” (BÍBLIA SAGRADA, Is 43.7; conferir também Ef 1.11-12). Assim, devemos
fazer “tudo para a glória de Deus” (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 10.31).

Alguém pode contestar ser errado que Deus tenha criado o homem buscando
glória para si mesmo, mas não estaria em Deus o erro. O erro na verdade estaria em
os homens buscarem glória para si mesmos. Não é isso que as Escrituras mostram
no dramático exemplo da morte de Herodes Agripa I? Não foi o caso em que Herodes,
depois de embebido em orgulho, aceita o clamor da multidão? “É voz de um deus, e
não de homem!” (BÍBLIA SAGRADA, At 12.22) e, “no mesmo instante, um anjo do Senhor
o feriu, por ele não haver dado glória a Deus; e, comido de vermes, expirou” (BÍBLIA
SAGRADA, At 12.23).

Herodes morreu, pois se apropriou da glória merecida unicamente por Deus,


mas, quando Deus se apropria da glória, de quem estaria usurpando essa glória? Será
que existe alguém merecedor da glória mais do que Ele o é? A clara resposta é não. Ele é
o Criador, todas as coisas foram feitas por Ele e para Ele, e, por isso, merece toda a glória.

Uma questão intrigante é: Porque Deus deseja ser louvado, exaltado,


adorado? Porque “É no processo de adoração que Deus comunica a
sua presença aos homens. Até mesmo no judaísmo, a essência do
sacrifício não era realmente o fato de os homens darem bois e bodes
a Deus, mas o fato de que, ao fazerem-no, Deus Se dava a Si mesmo
aos homens [...]” (LEWIS, 1958, p. 92-93).

69
3 A “IMAGO DEI” REVELADA NA HUMANIDADE
No livro de Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn 1.26-27), afirma-se que o ser humano
foi criado à imagem e semelhança divina. As principais tradições judaicas interpretam
a declaração sobre a criação humana ser imagem e semelhança como uma analogia à
capacidade criativa. Essa interpretação é corroborada pelo contexto imediato seguinte
(BÍBLIA SAGRADA, Gn 1.28), informando que o ser humano participa, de algum modo, da
atividade criadora, ocupando o topo da pirâmide da criação.

Há correlatos, na mitologia de outros povos, sobre essa relação de identificação


e derivação entre Deus e seres humanos. No antigo Egito, tal comparação entre a
divindade e os seres humanos era reservada apenas ao faraó; os demais seres humanos
não possuíam dignidade suficiente para serem relacionados à divindade (CROATTO,
2013; MARQUES, 2015).

Então Deus disse: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança.


Que ele reine sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre
os animais domésticos e sobre toda a terra, e sobre todos os répteis
que se arrastem sobre a terra”. Deus criou o homem a sua imagem;
criou-o à imagem de Deus, criou o homem e a mulher. Deus os
abençoou: “Frutificai, disse ele, e multiplicai-vos, enchei a terra
e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos
céus e sobre todos os animais que se arrastam sobre a terra” (BÍBLIA
SAGRADA, Gn 1.26-28).

Talvez, esse seja um dos assuntos mais importantes da antropologia bíblica.


O conceito de imagem de Deus é a alma da antropologia cristã. O uso metafórico da
expressão “imagem e semelhança” também denota a natureza da relação estabelecida
entre criatura e criador – imagem esta que foi corrompida no advento da queda
transcendental do ser humano.

O relato de Gênesis sobre a criação emprega a palavra imagem em sentido


teológico “criou Deus, pois, o homem a sua imagem” (BÍBLIA SAGRADA, Gn 1.27; 9.6).
Nessas poucas palavras, o escritor define tanto a natureza do homem como a relação
entre o homem e Deus; por outro lado, há a distinção fundamental entre o homem e os
animais, mas o homem não tem a mesma posição que Deus – antes, depende dele e
só existe por causa de Sua vontade. “Por causa do pecado de Adão, essa imagem ficou
desfocalizada, pelo que não é claramente percebida em seus filhos (BÍBLIA SAGRADA,
Gn 5.3)” (JONES, 2006, p. 611-612).

O homem é único em sua constituição, é somente sobre ele que Deus diz refletir
sua imagem e semelhança, e, por isso, o homem distingue-se das demais criaturas.
A expressão “imagem e semelhança de Deus” descreve o homem na soma de sua
existência, em sua totalidade. O homem é um ser que reflete e espelha Deus em seus
atributos compartilháveis, caráter e moral (BÍBLIA SAGRADA, Gn 1.26-28).

70
Segundo Pinto (2005, s.p.), a definição de Imago Dei é: “Personalidade teomórfica
dependente, manifesta em estrutura, relacionamento e domínio”. Diante dessa breve
definição, faz-se necessário compreender sua profundidade. Para isso, apresentaremos
uma breve definição de cada aspecto que compõe a definição apresentada.

Personalidade é tudo o que torna possível um ser autoconsciente,


incluindo os aspectos materiais e imateriais do homem. Teomórfica
é o Indicador de que o arquétipo do homem é o Deus trino e que
nossos atributos refletem, ainda que imperfeitamente, o caráter de
Deus. Dependente indica que o homem não é um ser autônomo,
derivando sua própria existência dAquele que o criou. Estrutura
quer-se dizer não estrutura física, mas emocional, intelectual e
volitiva. O aspecto físico do homem reflete o plano original de Deus
de encarnar-se para a redenção da humanidade. Relacionamento
indica que o perfeito amor existente entre a Trindade estaria refletido
na interação entre os seres humanos. Domínio sugere o exercício de
uma autoridade construtiva no seio da criação, onde o homem é o
regente de Deus (PINTO, 2005, s.p.).

3.1 O SER HUMANO


Os apontamentos bíblicos acerca do ser humano demonstram que Nele há
uma grandeza ontológica, que se fundamenta em Deus. O ser da pessoa humana está
construído sobre o ser da pessoa de Deus. Originalmente, o conceito de “pessoa” nasce
no terreno da constituição teológica cristã, no contexto das discussões de âmbito
cristológico, quando a teologia tratava de assuntos ligados à questão da triunidade
(Trindade) em meados do século IV d.C.

O assunto ganha um viés teológico filosófico em sua trajetória histórica no


Ocidente, nas oscilações entre substancialismo sem relação e relacionalismo sem
substancialidade.

NOTA
Substancialismo: qualquer doutrina que aceita a existência de uma
ou múltiplas realidades permanentes e essenciais, as substâncias, que
consistem no que há de eterno e fundamental no devir e na contingência
dos seres naturais.
Racionalismo: é a corrente filosófica que iniciou com a definição do
raciocínio como uma operação mental, discursiva e lógica, que usa uma
ou mais proposições para extrair conclusões, ou seja, se uma ou outra
proposição é verdadeira, falsa ou provável. O racionalismo é uma teoria que
se baseia na afirmação de que a razão é a fonte do conhecimento humano.

71
A dimensão teológica da pessoa está em sua condição de imagem de Deus e de
criatura de Deus chamada à existência pelo próprio Deus, segundo a tradição judaico-
cristã. Como criatura que recebe a sua existência como um dom, a pessoa está orientada
para Deus. Entre Deus e a pessoa, há uma relação interpessoal, um frente a frente. Em
virtude de seu fundamento transcendente, está a pessoa numa condição ontoaxiológica
(valores morais intrínsecos) superior às demais criaturas. O ser humano, em termos de
sua pessoalidade, é detentor de um valor absoluto e não pode ser instrumentalizado em
função do estado, do mercado nem da religião.

O ser humano, em sua pessoalidade, é uma magnitude eterna e misteriosa,


assim como foi Deus que o criou. O ser humano, em sua pessoalidade, é um reflexo do
mistério de Deus. Conforme Oliveira (2016, p. 602), “todo amor e respeito prestados a
Deus, também devem ser devotados a pessoa humana criada a imagem e semelhança
de Deus”.

Para Clément (1972, p. 48-49), o ser humano “se faz pessoa plenamente quando
supera sua própria natureza dando a sua vida não só por seus amigos, mas também por
seus inimigos”.

3.2 FEITOS À IMAGEM E SEMELHANÇA DE DEUS


O que significa dizer que o homem é feito à imagem e semelhança de Deus? E
o que se pode entender por imagem e semelhança? Ambos os termos referem que o
homem foi criado para refletir, espelhar, espalhar e representar Deus. Nossos primeiros
pais, Adão e Eva, foram criados para refletir as qualidades de Deus atribuídas a eles na
criação, em perfeição de obediência à vontade de Deus e sem pecado. “Agostinho diz
que o homem foi criado capaz de não pecar” (HOEKEMA, 1999, p. 46), ou seja, no homem,
havia poder para agir perfeita e obedientemente em adoração e a serviço de Deus, no
domínio e no cuidado com a criação, e no amor e no companheirismo uns com os outros.

Berkhof (1990, p. 206) diz que:

Na concepção reformada, a Imagem de Deus consiste na integridade


original da natureza do homem, integridade esta, expressa:
No Conhecimento Verdadeiro – “E vos revestistes do novo homem,
que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele
que o criou” (BÍBLIA SAGRADA, Colossenses 3.10).
Na Justiça – “E vos revestais do novo homem, criado segundo Deus,
em justiça e retidão procedentes da verdade” (BÍBLIA SAGRADA, Ef
4.24).
Na Santidade/Retidão – “E vos revestais do novo homem, criado
segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade (BÍBLIA
SAGRADA, Ef 4.24).

72
FIGURA 1 – DETALHE DA CAPELA SISTINA – MICHELANGELO

FONTE: <https://www.todamateria.com.br/a-criacao-de-adao-michelangelo/>. Acesso em: 10 ago. 2021.

3.3 IMAGEM E SEMELHANÇA MANCHADAS


A queda desfigurou a imagem de Deus nos homens, pois, como sabemos, o
estado de integridade do “posso não pecar” não fora sustentado até o fim pelos nossos
primeiros pais, Adão e Eva. Com a desobediência e, consequentemente, a queda
ou a cessão ao pecado, nossos primeiros pais, os quais foram criados para refletir e
representar Deus na terra, não passaram no teste. Diante da prova, caíram e deformaram,
mancharam, desfiguraram a imagem de Deus neles.

Então, a questão que se elenca é: quando houve a queda do homem no pecado,


ele perdeu totalmente a Imago Dei? Em seu aspecto estrutural ou ontológico (o homem
na integridade do seu ser), a imago Dei não foi eliminada com a queda, permanecendo
o homem criado à imagem e semelhança de Deus. Após a queda, aspectos funcionais
ou características ativas da Imago Dei, como dons, talentos e habilidades, passaram a
ser usados para insultar a Deus.

João Calvino, em As Institutas da Religião Cristã (2002, p. I, XV, 3), corrobora


dizendo que “a imagem de Deus não foi totalmente aniquilada com a queda, mas foi
terrivelmente deformada. Ele descreveu esta imagem depois da queda como ‘uma
imagem deformada, doentia e desfigurada’’’.

3.4 IMAGEM E SEMELHANÇA RESTAURADAS


O homem, antes criado para refletir Deus, depois da queda, precisa ter restaurada
sua condição de criatura imagética e semelhante a Deus. Essa restauração é contínua
e se estenderá por todo o processo redentivo.

73
A renovação da imagem de Deus no homem implica que o homem é capaz de
retornar para Deus, para o próximo e para a criação para governá-la.

Essa restauração da imagem de Deus no homem se torna possível somente


através de Jesus, porque Jesus é a imagem de Deus em toda sua perfeita plenitude; o
homem pecador necessita se parecer mais com Jesus e deve se esforçar para tal. Na
epístola aos colossenses (BÍBLIA SAGRADA, Cl 1.15), diz-se que “Ele é a imagem do Deus
invisível” e, na epístola aos Romanos (BÍBLIA SAGRADA, Rm 8.29), que Deus predestinou
homens para serem “conforme a imagem de Seu Filho”.

O homem só começa a se parecer mais com Jesus e, consequentemente,


restaurar a imagem e semelhança de Deus imaculada, a partir do momento que entende
que é fruto da queda, ou seja, é um pecador e necessita de alguém que o resgate dessa
condição. É o que o apóstolo Paulo assevera em Romanos (BÍBLIA SAGRADA, Rm 3.23-
24), “pois todos pecaram e carecem da glória de Deus, sendo justificados gratuitamente,
por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus”.

A restauração perfeita e completa da imagem de Deus nos homens, redimidos


e rendidos a Cristo, se dará na participação da glorificação final de Cristo Jesus. Não
somos apenas herdeiros de Deus, mas também coerdeiros com Cristo, “ora, se somos
filhos, somos também herdeiros, herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo; se com ele
sofremos, também com ele seremos glorificados (BÍBLIA SAGRADA, Rm 8.17).

Não podemos pensar em Cristo separado daqueles que Ele mesmo redimiu, seu
povo, nem podemos pensar em seu povo separados dEle, pois assim se dará na vida
futura, em que a glorificação dos cristãos acontecerá junto com a glorificação de Jesus,
o Cristo. É exatamente isto que Paulo ensina em Colossenses (BÍBLIA SAGRADA, Cl 3.4):
“quando Cristo que é a nossa vida, se manifestar, então vós também sereis manifestados
com ele, em glória”. O que é a glorificação se não voltar à perfeição criacional dos homens
efetuada por Deus e refletindo a Sua imagem completamente restaurada?

Em termos de redenção, esse é o propósito derradeiro redentivo para o homem


de alcançar a perfeição da imagem de Deus nos homens será o auge da consumação
desse plano redentivo para eles, o que só se possibilita em Cristo. Em Cristo, o homem
redimido não apenas volta ao que Adão representava antes do pecado, mas vai além.
Hoekema (1999, p. 108) diz que:

Devemos ver o homem à luz de seu destino final [...] Adão ainda
podia perder a impecabilidade e bem-aventurança, mas aos santos
glorificados isso não poderá mais ocorrer. Adão era capaz de posse
non peccare et mori – “posso não pecar e morrer”, os santos na glória,
porém non posse peccare et mori - “não serão capazes de pecar e
morrer”. Esta perfeição, que não se poderá perder, é aquilo para o
qual o homem foi destinado e nada menos do que isto.

74
3.5 POR QUE DEUS CRIOU O SER HUMANO COMO “MACHO E
FÊMEA”?
Um dos aspectos da criação do ser humano referentes a imagem de Deus foi
sua constituição como homem e mulher. A bíblia diz: “Criou Deus, pois, o homem à sua
imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou” (BÍBLIA SAGRADA, Gn
1.27). A narrativa do Gênesis ainda mostra o mesmo elo entre criação à imagem de Deus
e criação como homem e mulher (BÍBLIA SAGRADA, Gn 5.1-2): “No dia em que Deus
criou o homem, à semelhança de Deus o fez; homem e mulher os criou, e os abençoou,
e os chamou pelo nome de homem, no dia em que foram criados”.

A criação do ser humano como macho (homem) e fêmea (mulher) não é o


único aspecto da nossa criação à imagem de Deus, mas é esse aspecto de tamanha
significância que as Escrituras o mencionam logo no mesmo verso bíblico em que
descreve a criação do homem por Deus.

Em resumo, podemos apontar pelo menos dois aspectos, segundo os quais se


denota a importância de Deus ter criados os seres humanos como “macho e fêmea”: A
criação dessa forma implica: “a) relações interpessoais harmoniosas, b) igualdade em
termos de pessoalidade” (GRUDEM, 2002, p. 373).

Baseando-se nos apontamentos de Grudem (2012, p. 373-387), resumidamente,


se falará sobre cada implicação da criação do ser humano como “macho e fêmea”.

FIGURA 2 – ADÃO E EVA, DE TICIANO VECELLIO

FONTE: <https://virusdaarte.net/ticiano-adao-e-eva/>. Acesso em: 10 ago. 2021.

75
3.5.1 Relações interpessoais harmoniosas
A criação divina não nos constituiu seres humanos como pessoas isoladas,
vivendo de forma avulsa, mas criou-nos, segundo sua imagem, para podermos alcançar
unidade interpessoal, e de variados e em todos os modos sociais humanos. A unidade
interpessoal é de extrema profundidade no âmbito familiar consanguíneo, como também
o é na igreja, a família espiritual.

Entre um homem e uma mulher, a unidade interpessoal chega a sua expressão


plena no casamento, onde marido e mulher se tornam, duas pessoas em uma, conforme
citado em Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn 2.24): “Por isso, deixa o homem pai e mãe e
se une à sua mulher, tornando-se os dois uma só carne”. A união do casamento não
corresponde somente a aspectos físicos, mas também o é uma unidade espiritual e
emocional de profunda dimensões. Marido e mulher no casamento, são duas pessoas
que “Deus ajuntou” (BÍBLIA SAGRADA, Mt 19.6). Os maridos “devem amar a sua mulher
como ao próprio corpo” (BÍBLIA SAGRADA, Ef 5.28). Esta união, do casamento, não é
temporária, mas vitalícia (BÍBLIA SAGRADA, Ml 2.14-16; Rm 7.2), e não é uma instituição
banal, mas um relacionamento criado por Deus com raízes profundas, a fim de trazer a
memória à essência da relação entre Cristo e sua igreja, que também é chamada de sua
noiva (BÍBLIA SAGRADA, Ef 5.23-32).

A criação de duas pessoas distintas, homem e mulher, e não só do homem,


em conjunto com as alusões relacionais e o fato de o homem ser a imagem de Deus,
pode concluir que todos esses aspectos juntos refletem, em certo grau, a pluralidade
de pessoas e de relação dentro da Trindade. Interrelação é o primeiro aspecto da
importância de Deus ter criado o homem como “macho e fêmea”.

3.5.2 Igualdade em termos de pessoalidade


A igualdade, em termos de pessoalidade, mostra que, assim como na Trindade
em que Pai, Filho e Espírito Santo são iguais em importância e também na plenitude da
sua existência como indivíduos pessoais e distintos, também os homens e as mulheres
foram criados por Deus plena e essencialmente iguais em importância e pessoalidade.

Em Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn 1.27; 5.1-2), o homem e a mulher são


mostrados como feitos de forma igual à imagem de Deus, e ambos refletem o caráter
divino – isso significa enxergar os aspectos do caráter divino uns nos outros. Se todo
ser humano é igualmente à imagem de Deus, é certo que homens e mulheres são
igualmente importantes e de igual valor para Deus.

O fato de a Bíblia dizer que homens e mulheres são “à imagem de Deus” deveria,
por si só, excluir toda a superioridade ou toda a inferioridade, e qualquer ideia sexista
de “melhor” ou “pior” do que o outro. Se Deus considera os seres humanos iguais e tem,

76
em seus termos, o real valor de cada qual, então isso deveria resolver a questão, pois a
avaliação divina é o verdadeiro parâmetro do valor pessoal por toda a eternidade.

É recorrente a afirmação de que a mulher recebia tratamento inferior e, até


mesmo, desprezível durante o período patriarcal tribal entre os hebreus, porém, isso não
encontra respaldo nos escritos da Torá. Uma leitura atenta e criteriosa permite perceber
que há, sim, um tratamento igualitário e simétrico, que, posteriormente, se modifica
nos períodos seguintes, na medida em que modificações estruturais na cultura e na
sociedade israelita ocorrem (AMORIM, 2021, no prelo).

Sobre a controvérsia da assimetria entre homens e mulheres, dois fatores são


fundamentais para entender o lugar e o papel da mulher no Israel patriarcal: o primeiro
é que não há, na lei mosaica, com exceção dos problemas de tradução, interpretação
e anacronismo, uma clara evidência de orientações, prescrições e formalizações que
indique que se devia tratar a mulher com menor dignidade que o homem (AMORIM,
2021, no prelo).

O segundo fator é que deve ser compreendido o que a lei mosaica prescreve e
ordena como o modo de ser e o comportamento ideal para manutenção das relações
saudáveis entre os indivíduos. Na prática, sabe-se que nem tudo o que está escrito na
lei era obedecido pelos hebreus. Desse modo, não só a mulher, mas todos os membros
de Israel, homens, servos, escravos, concubinas e, até mesmo, o próprio Yahweh, em
algum grau, não recebiam o tratamento devido, prescrito pela lei.

De acordo com as elaborações de Ribeiro (2020), a narrativa bíblica dá lugar de


destaque para a figura da mulher em diversos momentos essenciais: na narrativa da
criação, na formação do povo, na conquista da terra prometida, no período dos juízes,
no estabelecimento da monarquia e no exílio. Em todos os momentos importantes
da vida de Israel, há relatos da participação de mulheres. Ademais, as mulheres eram
uma presença importante na vida social e religiosa de Israel. Caso assim não fosse, o
hagiógrafo não teria a preocupação de fazer o registro dos termos específicos, mulher
(Ishah) e filha (bat):

Então, ao lugar que o Senhor, vosso Deus, escolheu para estabelecer


nele o seu nome, ali levareis todas as coisas que vos ordeno: vossos
holocaustos, vossos sacrifícios, vossos dízimos, vossas primícias
e todas as ofertas escolhidas que tiverdes prometido por voto ao
Senhor. Alegrar-vos-eis em presença do Senhor, vosso Deus, vós,
vossos filhos e vossas filhas, vossos servos e vossas servas, assim
como o levita que se encontrar dentro de vossos muros, porque ele
não tem parte nem herança em Israel (BÍBLIA SAGRADA, Dt 12.11-12,
grifo nosso).
Vós estais hoje todos em presença do Senhor, vosso Deus, vossos
chefes, vossas tribos, vossos anciãos, vossos oficiais, todos os
homens de Israel, vossos filhos e vossas mulheres, o estrangeiro que
mora no acampamento, desde o cortador de lenha até o carregador
de água (BÍBLIA SAGRADA, Dt 29.10-11, grifo nosso).

77
Quando o autor do escrito original e os copistas não fazem nenhuma referência
de destaque na atuação e na liderança de mulheres, em termos escriturísticos, isto é,
uma evidência de que não se trata de um fato excepcional, o que, de fato, estava prescrito
conforme a lei é que as mulheres eram excluídas apenas do sacerdócio. Contudo, é
necessário dizer que se trata da ocupação de maior exigência em Israel, o que também
excluía a maioria dos homens. Além dos sacerdotes serem escolhidos especificamente
de uma tribo, teriam que cumprir rigorosas exigências, que, dificilmente, uma mulher
conseguiria cumprir, dada a sua função precípua dentro da organização social (RIBEIRO,
2020).

Ainda que, em Coríntios (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 11.7), o apóstolo Paulo, por
exemplo, afirme que “O homem não deve cobrir a cabeça, por ser ele imagem e glória de
Deus, mas a mulher é glória do homem”, não se deve interpretar que ele está negando,
minimizando ou inferiorizando a mulher, visto que esta foi criada à imagem de Deus; ele
simplesmente sustenta que há diferenciações permanentes entre homens e mulheres,
que se refletem no modo de vestir e agir na congregação dos crentes em Jesus.

Uma dessas diferenças latentes é que o homem, em relação à mulher, tem


o papel específico de representar a Deus, ou de mostrar como Deus é, e a mulher,
nessa relação, mostra a excelência do homem, a partir do qual foi criada. Igualdade de
pessoalidade é o segundo aspecto da importância de Deus ter criado o homem como
“macho e fêmea”.

3.6 A QUESTÃO DA AUTORIDADE E DOS PAPÉIS DIFERENTES


PARA HOMENS E MULHERES
Em essência, Deus criou o ser humano, homem e mulher, “macho e fêmea”,
ou seja, o homem e a mulher foram criados por Deus iguais em dignidade, valor e
natureza humana, mas também distintos em seus papéis, num relacionamento de
complementaridade, no qual a mulher age em submissão à liderança e à autoridade do
homem. No decorrer do processo relacional entre os humanos, que surge a partir do
progresso geracional em que a raça se prolifera e começa a habitar toda a superfície da
terra, essa diferenciação dos papéis entre homens e mulheres se mostra mais evidente.

Deus estabeleceu papéis distintos para o homem e a mulher, visto


que ambos são peculiarmente diferentes. A diferença entre eles é
complementar. Ou seja, o homem e a mulher, com suas características
e funções distintas, se completam. A diferença de funções não
implica em diferença de valor ou em inferioridade de um em relação
ao outro, bem como as conseqüentes diferenças sócio-culturais
nem sempre refletem a visão bíblica da funcionalidade distinta de
cada um. O homem foi feito como cabeça da mulher esse princípio
implica em diferente papel funcional do homem, que é o de liderar.
Não implica que ele é superior à mulher, em qualquer sentido. Assim,
se mantém que diferença de papéis e igualdade ontológica (do ser)
são duas verdades perfeitamente compatíveis e bíblicas (LOPES,
1997, p. 1).
78
Na própria narrativa da criação, Deus outorga ao homem, “o macho”, a saber,
Adão, a responsabilidade pelo cultivo e pelo domínio sobre a criação. A Eva, Deus atribuiu
o papel de “auxiliadora idônea”. A sugestão de Adão como provedor parece figurar na
intenção de Deus quando da designação autoritativa ao homem, e não à mulher. Em
termos hierárquicos, Adão é criado primeiro e dele a mulher é retirada (criada a partir
de um pedaço dele) (BÍBLIA SAGRADA, Gn 2.22). É evidente que o fato de Eva ter sido
criada depois de Adão não a torna menos “imagem e semelhança de Deus” nem menos
importante que Adão, mas parece sugerir uma ingerência secundária nas atribuições
autoritativas.

Em progressiva revelação bíblica acerca da natureza dos papéis distintos entre


homens e mulheres, encontram-se apenas dois versículos, de forma clara, no Antigo
Testamento, que mencionam maridos como líderes ou governantes de suas próprias
mulheres.

FIGURA 3 – O PECADO ORIGINAL E EXPULSÃO DO PARAÍSO, POR MICHELANGELO

FONTE: <http://2.bp.blogspot.com/_dxuaCDxnsfM/TAkpJOraiCI/AAAAAAAAAHo/8IJkDXqvTKg/s1600/
o+pecadooo.png>. Acesso em: 10 ago. 2021.

O primeiro está em Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn 3.16), quando Deus faz uma
declaração sobre as consequências ou os castigos por causa da queda do homem no
pecado e diz a Eva: “o teu desejo (ou devoção) será para o teu marido, e ele te governará”.

O outro versículo do Antigo Testamento que menciona esse governo dos maridos
sobre suas mulheres pode ser encontrado no livro de Ester. Em recusa, a rainha Vasti
não atende ao pedido de seu esposo, o rei Xerxes, para desfilar sua beleza diante de um
grupo de homens alcoolizados. O rei Xerxes, extremamente ofendido, faz um decreto,
o qual manda que seja enviado para todas as províncias de seu reino, no qual declara
que: “cada homem fosse senhor (governasse) em sua casa” (BÍBLIA SAGRADA, Et 1.22).

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Mesmo sendo diminuto o número de textos, diante da vastidão escriturária
veterotestamentária, isso não significa que os escritos judaicos não corroboram a
questão autoritativa do homem como governante em seu lar, o que, em certos aspectos,
não gerava intensos debates, dada a empiricidade do assunto.

Nos tempos do Novo Testamento, a vigência em questão de autoridade e papéis


entre homem e mulher parece permanecer a mesma. Há quem diga que a insurgência
do Evangelho de Jesus quebrou os paradigmas autoritativos e funcionais entre homens
e mulheres, colocando-os em pé de igualdade irrestrita, já que o Evangelho não fazia
distinção de pessoas – isso é certo, o Evangelho não faz distinção de pessoas, mas
não o faz em relação à essência e a questões culturais. Em termos de autoridade
masculina e papéis diferenciados entre homens e mulheres, a questão não é cultural
nem essencialista. Essa questão hierárquica e funcional parece se destacar em termos
teológicos absolutos.

No texto de Efésios (BÍBLIA SAGRADA, Ef 5: 22-24), Paulo diz que:

As mulheres sejam submissas ao seu próprio marido, como ao


Senhor; porque o marido é o cabeça da mulher, como também Cristo
é o cabeça da igreja, sendo este mesmo o salvador do corpo. Como,
porém, a igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres
sejam em tudo submissas ao seu marido.

O apóstolo ainda completa que: “[...] maridos, amai vossa mulher, como também
Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela [...]” (BÍBLIA SAGRADA, Ef 5.25).

Grosso modo, quando observamos os versículos 22 e 24, parece que o apóstolo


está apenas projetando a cultura vigente no judaísmo e aplicando às relações familiares
no âmbito da nova igreja que surge, mas o verso 25 quebra o paradigma cultural quando
diz ao marido que o amor dele pela esposa deve ser no mesmo nível do amor de Cristo
pela igreja, ou seja, o marido deveria devotar tão grande afeto a sua esposa a ponto de
entregar sua própria vida por ela. Esse texto derruba qualquer falácia de que a submissão
autoritativa e a diferenciação funcional entre homens e mulheres é sexista e inferioriza
as mulheres, tirando delas a igualdade em relação às funções regulares unissex.

Teologicamente, nunca esteve na mente dos escritores do Novo Testamento.


As instruções paulinas, principalmente, são de cunho funcional, no que tange ao
papel masculino como autoridade, exercendo sua liderança, e como provedor, dando
subsídios para que sua família esteja protegida e suprida em todos os âmbitos. Em
aspectos teológicos, diz-se que, ao homem, há a obrigação de prover, e a mulher auxilia
na provisão, se quiser, pois a ela não lhe foi outorgada a mesma obrigação.

Às mulheres, o apóstolo não se dirige tentando submetê-las a um jugo de


abusos por parte dos homens, mas designando-lhe o papel de auxiliadora idônea, que é
tratada não como a parte mais frágil, no sentido de não poder ou não saber fazer nada,
mas como aquela que deve ser amada, protegida, suprida e ouvida.

80
Desse modo, a Bíblia atribui aos homens e às mulheres papéis distintos, porém,
importantes nas constituições sociais cristãs, em que homem e mulher são iguais em
essência, como seres humanos criados à imagem de Deus e que não ignoram suas
funcionalidades como corpo de Cristo, entendendo que cada qual exerce seu papel
dentro de um espectro autoritativo, que não envolve abusos de poder masculino ou
inferioridade feminina.

81
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A criação divina, segundo a tradição judaico cristã, é a resposta mais acertada,


diante da pergunta “de onde surgiu o homem?”. A visão criacional tem suas raízes
fundamentadas apenas nas Escrituras, ainda que não se preocupe em provar,
cientificamente, a constituição do homem, mesmo respeitando os pontos de vista
diferentes e reconhecendo as divergências, bem como não houvesse uma criatura
preexistente, que pudesse dar origem ao homem como o conhecemos, também a
existência humana não se fazia necessária e que a humanidade existe como resultado
da intenção consciente de um ser inteligente e nossa identidade deve cumprir os
planos divinos.

• O objetivo da criação do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre. Deus


também não precisava criar o homem, mas o fez para a sua própria glória. Segundo
a teologia da triunidade divina, sempre houve perfeito amor e comunhão entre os
membros da Trindade por toda a eternidade; não fomos criados para suprir uma
carência afetiva de Deus, mas Deus buscar ser glorificado não é errado, visto que Ele
é o Criador e Senhor de todas as coisas e que errado seria se o homem buscasse algo
assim. Deus busca o louvor pelo fato de que, no contexto da adoração, há a interação
do criador com suas criaturas.

• Os apontamentos bíblicos acerca do ser humano demonstram que nele há uma


grandeza ontológica, que se fundamenta em Deus. Ainda que a discussão original
sobre o conceito de “pessoa” nasça nos debates teológico-cristãos, no contexto das
discussões acerca da cristologia, o assunto ganha um viés teológico filosófico em sua
trajetória histórica no Ocidente. Também o ser humano, em sua pessoalidade, é uma
magnitude eterna e misteriosa, assim como o Deus que o criou.

• O homem foi criado para refletir, espelhar, espalhar e representar Deus. Havia
capacidade no homem de não pecar e na concepção reformada, a Imagem de Deus
consiste na integridade original da natureza do homem, integridade que se expressa
no conhecimento, na justiça e na santidade/retidão.

• A queda no pecado desfigurou a imagem de Deus nos homens. Mesmo com a queda,
o homem não perdeu o seu estado ontológico de imagem de Deus.

• O homem, que havia sido criado para refletir Deus, em decorrência da queda, passou
a precisar ter restaurada a sua condição de criatura feita à imagem e semelhança de
Deus – restauração que é contínua e se estenderá por todo o processo redentivo, o
que só será possível através do reconhecimento do sacrifício de Cristo pelos homens.
A restauração perfeita e completa da imagem de Deus nos homens, redimidos e

82
rendidos a Cristo, se dará na participação da final glorificação de Cristo Jesus, que é
a volta à perfeição criacional dos homens, efetuada por Deus, a qual reflete a imagem
de Deus completamente restaurada e que, em termos de redenção, é o propósito
final redentivo para o homem. Alcançar a perfeição da imagem de Deus nos homens
será o auge da consumação desse plano redentivo para eles, o que só se possibilita
em Cristo.

• Deus é responsável pela criação direta do ser humano, tendo os criado indistintamente
como macho e fêmea, o que significou que a intenção de Deus, ao fazer isso, foi
demonstrar a importância das relações interpessoais harmoniosas e a igualdade em
termos de pessoalidade – essas relações se aprofundam no casamento, em que dois
iguais se distinguem em suas naturalidades, e mostram, em certo grau, a relação
demonstrada na Trindade divina.

• O homem e a mulher foram criados por Deus iguais em dignidade, valor e


natureza humana, mas também distintos em seus papéis, num relacionamento de
complementaridade, no qual a mulher age em submissão à liderança e à autoridade
do homem. Segundo a narrativa da criação, a outorga de administrar a criação foi
dada ao homem (macho) e à mulher (fêmea), o papel de auxiliadora, cabendo ao
homem o papel de prover o seu lar. Já o papel de submissão não é subjugo, e o
marido deve honrar, respeitar e amar a mulher com a mesma intensidade que Cristo
ama a igreja, ao ponto de ter morrido por ela.

83
AUTOATIVIDADE
1  Segundo a crença judaico-cristã, a doutrina da criação divina se fundamenta apenas
na Bíblia. O que essa afirmação busca enfatizar?

2 Em termos de imagem e semelhança de Deus, aponte o que aconteceu para que a


imagem e semelhança de Deus nos homens fosse “manchada” e como essa imagem
e semelhança pode ser “restaurada”.

3 O homem e a mulher foram criados por Deus em igualdade, no que diz respeito
à dignidade, porém, distintos em suas funções e num relacionamento de
complementaridade. Sobre a criação do homem, classifique V para as sentenças
verdadeiras e F para as falsas:

( ) Segundo o relato de Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn 1.27; 2.7), Deus criou o primeiro
humano a partir do pó da terra.
( ) Sempre houve uma criatura “preexistente” de caráter sub-humano, a qual deu origem
ao homem.
( ) Os seres humanos são seres criados e isso significa que eles têm existência
independente ou são autoexistentes.
( ) A humanidade existe como o resultado da intenção inconsciente e planejada a partir
de um impulso de um ser inteligente.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – V – V.
b) ( ) F – V – V – V.
c) ( ) V – F – F – F.
d) ( ) V – F – V – F.

4 Com base no objetivo da criação do homem, a primeira pergunta do Breve Catecismo


de Westminster é “qual é o fim principal do homem?”. Considerando os versículos
bíblicos correspondentes, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) “O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre” (BÍBLIA


SAGRADA, At 11: 36; 1Co 10.31; Sl 7.25-26).
b) ( ) “O fim futuro do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre” (BÍBLIA
SAGRADA, Rm 11.36; 1Co 10.31; Sl 7.25-26).
c) ( ) “O fim principal do homem é orar a Deus, e gozá-lo para sempre” (BÍBLIA
SAGRADA, At 11.36; 1Co 10.31; Sl 7.25-26).
d) ( ) “O fim principal do homem é glorificar a Deus, e gozá-lo para sempre” (BÍBLIA
SAGRADA, Rm 11.36; 1Co 10.31; Sl 7.25-26).
e) ( ) “O fim principal do homem é orar a Deus, e gozá-lo para sempre” (BÍBLIA
SAGRADA, Rm 11.36; 1Co 10.31; Pv 7.25-26).
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5 As principais tradições judaicas interpretam a afirmação do Gênesis sobre a criação
humana à imagem e semelhança divina, como sendo uma analogia à criatividade e
a sua capacidade relacional. Sobre porque Deus criou o ser humano como macho e
fêmea, associe os itens, utilizando o código a seguir:

I- Relações interpessoais harmoniosas (RIH).


II- Igualdade em termos de pessoalidade (ITP).

( ) O homem e a mulher são mostrados como feitos de forma igual à imagem de Deus.
( ) É de extrema profundidade no âmbito familiar consanguíneo como também o é na
igreja, a família espiritual.
( ) Isso significa enxergar os aspectos do caráter divino uns nos outros.
( ) Refletem em certo grau a pluralidade de pessoas e de relação dentro da Trindade.
( ) A criação divina não nos constituiu seres humanos como pessoas isoladas.
( ) Deveria por si só excluir toda a superioridade ou toda a inferioridade.
( ) Chega a sua expressão plena no casamento.
( ) O que ele simplesmente sustenta é que há diferenciações permanentes entre homens
e mulheres.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) I – I – II – II – I – II – II – I.
b) ( ) II – I – II – I – I – I – II – II.
c) ( ) I – I – I – I – II – II – II – II.
d) ( ) II – I – II – I – I – II – I – II.
e) ( ) II – I – I – I – II – II – II – I.

6 A criação dos seres humanos é fruto da bondade divina, criados para se deleitarem da
relação complementar entre homem e mulher, como também da dimensão relacional
que mantinham com o criador. Com base na autoridade e nos diferentes papéis para
homens e mulheres, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) A sugestão de Adão como provedor não parece figurar na intenção de Deus,


quando da designação autoritativa ao homem, e não a mulher.
b) ( ) É evidente o fato de que Eva ter sido criada depois de Adão não a torna menos
imagem e semelhança de Deus ou menos importante que Adão, mas parece sugerir
uma ingerência secundária nas atribuições autoritativas.
c) ( ) Em essência, Deus criou o ser humano, homem e mulher, “macho e fêmea”, ou
seja, ambos foram criados por Deus iguais em dignidade, valor e natureza humana e
também em seus papéis.
d) ( ) O homem e a mulher, com suas características e funções distintas, se
completam. A diferença de funções não implica diferença de valor ou inferioridade de
um em relação ao outro, bem como as consequentes diferenças socioculturais nem
sempre refletem a visão bíblica da funcionalidade distinta de cada um.

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86
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
O SER MATERIAL E IMATERIAL

“Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que


qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma
e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e
propósitos do coração” (BÍBLIA SAGRADA, Hb 4.12).

1 INTRODUÇÃO
O homem é um ser complexo, porém, completo e unitário, embora seja
particionado. Nesse sentido, em sua integridade, o homem é constituído por duas partes
distintas, chamadas na Teologia de parte material e parte imaterial. Em se tratando de
materialidade do homem, isso é muito bem entendido, devido ao fato de que a ciência,
através da área da biologia, apresentar tudo o que se conhece sobre corpo humano.
Todavia, a imaterialidade humana é constituída de algumas facetas, as quais não se
pode ratificar como sendo completamente conhecidas, pois as ciências que se propõem
a estudá-las, apesar dos avanços nas áreas que as constituem, ainda caminham
bastante pelo caminho da subjetividade.

Teologicamente, a Bíblia apresenta um homem que sofre fisicamente os efeitos


do pecado em seu corpo, quando envelhece e morre, mas também o apresenta sofrendo
as consequências do pecado em sua alma.

Em essência, a alma do homem é o objeto a ser redimido, restaurado e, por


fim, salvo. O corpo físico tem pouco proveito para os aspectos salvíficos, em termos
de eternidade, apesar de que se entende que o corpo físico é o habitat de uma alma
restaurada e, assim, sofre também os benefícios de novos hábitos, oriundos de uma
nova consciência ontológica.

2 A ESSÊNCIA DA NATUREZA HUMANA, AS CONCEPÇÕES


DICOTÔMICAS E TRICOTÔMICAS E UMA BREVE DEFESA
DA DOUTRINA DA DICOTOMIA
Uma questão bastante pertinente na teologia e, de senso comum, na
antropologia de cunho teológico é a constituição natural do homem. A formação da
natureza humana é discutida a partir dos escritos bíblicos, procurando-se estabelecer,
em termos de substância, quais são as categorias de elementos passíveis de serem
identificados no antropos (“ser humano”).

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É provável que a concepção mais difundida, na maior parte da história
do pensamento cristão, é a de que os homens são compostos de
dois elementos: um aspecto material, o corpo; e um componente
imaterial, a alma ou espírito. O dicotomismo foi comum desde os
tempos mais remotos do pensamento cristão. Após o Concílio de
Constantinopla em 381, porém, cresceu em popularidade a ponto
de ser praticamente a crença universal da igreja (ERICKSON, 1997,
p. 507).

Nesse ponto, em termos de tradição cristã, costuma haver uma divisão de


pensamentos. Em um lado estão os que, biblicamente, defendem uma visão dicotômica
do homem (dicotomia: “cortado ou partido em dois”), isto é, a ideia de que o homem é um
ser composto de um elemento material e de um elemento imaterial; em contrapartida,
há os que asseguram existir não uma dicotomia, mas, sim, uma tricotomia (“cortado ou
partido em três”) no homem, uma perspectiva mais adequada à luz da Bíblia.

O conceito do homem tripartido originou-se na filosofia grega, que


entendia a relação mútua entre o corpo e o espírito do homem,
segundo a analogia da mútua relação entre o universo material
de Deus. Pensava-se que, justamente como estes só podiam ter
comunhão um com o outro por meio de uma terceira substância ou
de um ser intermediário, assim aqueles só podiam entrar em relações
mútuas vitais por meio de um terceiro elemento, ou de um elemento
intermediário, a saber, a alma (BERKHOF, 2013, p. 180).

FIGURA 4 – HOMEM VITRUVIANO DE LEONARDO DA VINCI

FONTE: <https://media.metrolatam.com/2019/12/02/davincivitruvelu-08f833946ea-
422525d285f5804479097.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2021.

88
Como se pode esperar, parece existir certa dificuldade em fixar uma concordância
sobre o tema, pelo fato de as Escrituras aplicarem diferentes termos para indicar a parte
imaterial do homem. As Escrituras falam tanto em “alma” quanto em “espírito” e seus
respectivos termos originais, em hebraico e no grego, e a incorrência de variadas palavras
assinalando o aspecto imaterial do homem se torna, então, o cerne do problema.

Em resumo, o argumento tricotomista diz que, uma vez que a Bíblia utiliza
algumas palavras diferentes para se referir ao aspecto imaterial na composição da
natureza humana, isso significa que esse aspecto imaterial deve ser composto, ou seja,
o homem deve ter uma alma, um espírito e um corpo físico – assim, o homem deve ser
um indivíduo tripartido ou tricotômico.

Nesse argumento, pode-se ver que a relação intercambiável das palavras não
tem a significância que os tricotomistas tentam lhes atribuir.

Segundo o pensamento de Berkhof (2013, p. 180-185), apesar de a Bíblia


empregar palavras distintas para se referir ao imaterial na natureza humana, ela o faz
usando os termos “alma” e “espírito”, um pelo outro em troca recíproca. Isso é deveras
evidente nas Escrituras, basta olhar, por exemplo, para Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn
35.18), “E aconteceu que, saindo-se lhe a alma (porque morreu), chamou-lhe Benoni; mas
seu pai chamou-lhe Benjamim”, e para Atos (BÍBLIA SAGRADA, At 7.59), “E apedrejaram
a Estêvão que em invocação dizia: Senhor Jesus, recebe o meu espírito”.

Com base nesses exemplos, o primeiro verso diz que, quando o homem morre,
sua alma sai de seu corpo, e o outro diz que é o espírito que se esvai do corpo humano no
momento da morte – mas qual dos dois elementos realmente sai do corpo no momento
da morte: a alma ou o espírito? Simples, não existem dois elementos, mas somente um.
Esse único elemento imaterial presente na natureza humana é, às vezes, chamado de
“alma” e, às vezes, de “espírito”, na Palavra de Deus. São termos diferentes para designar
exatamente o mesmo elemento e, evidentemente, isso nos é mostrado na totalidade
da Escritura. É possível comparar com os livros de Reis (BÍBLIA SAGRADA, 1Rs 17.21) e
Salmos (BÍBLIA SAGRADA, Sl 31.5), por exemplo, em contraste com Eclesiastes (BÍBLIA
SAGRADA, Ec 12.7) e Coríntios (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 3.5).

As referências que corroboram o uso intercambiável das palavras são em


grande número, não sendo possível apresentar todas, mas as referências supracitadas
parecem sugerir que as Escrituras não distinguem os elementos alma e espírito como
duas substâncias diferentes.

Quando se observa a narrativa bíblica da criação do homem em Gênesis (BÍBLIA


SAGRADA, Gn 1-2), não se pode afirmar categoricamente que ali se encontra uma
discrição exaustiva sobre a constitutividade do ser humano, o antropos. A narrativa
bíblica é econômica ao descrever de forma sintética que Deus ao criar o ser humano
soprando-lhe, nas narinas, o fôlego de vida, de modo que, a partir desta ação de

89
Deus, é que o ser humano passa a ser alma vivente, ou seja, um ser vivo. A partir de tal
narrativa, abre-se a possibilidade da interpretação que há no antropos dois elementos
constitutivos: um de natureza material e o outra de natureza imaterial.

Há autores que advogam e argumentam que a existência de palavras distintas


para designar o aspecto imaterial no ser humano deve ser usado como critério para
estabelecer uma consciência de tricotomia, o mesmo critério deve ser usado em
relação ao corpo humano, já que o corpo humano possui diversos elementos materiais.
As Escrituras também utilizam diversas palavras para se referir ao corpo humano, a
parte material no homem, encontrando-se expressões para se referir à parte material
do ser humano como: “corpo” (BÍBLIA SAGRADA, Mt 6.22), “vaso” (BÍBLIA SAGRADA, 2Co
4.7), “templo” (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 6.19) etc. Diante do argumento de que diferentes
palavras apontam para diferentes substâncias, a pergunta que se faz é a seguinte:
“por que não seguir o ensino de que o ser humano não possui apenas um corpo, mas
também um vaso e um templo?”.

Essa ideia, das diversidades de palavras para a significância dos termos alma
e espírito, como se pode observar, expõe com precisão o argumento hermenêutico
(interpretativo) dos teólogos tricotomistas. No entanto, sabe-se que o ser humano não
se constitui humano por possuir diversos elementos materiais ou, da mesma maneira,
por possuir diversos elementos imateriais.

De acordo com Mondin (2003), a discussão sobre o “homo somaticus”, que,


atualmente, pode soar estranha aos ouvidos modernos, foi um tema importante,
retratado por filósofos platônicos e aristotélicos, pelo apóstolo Paulo e por Fílon de
Alexandria. Nesses e em outros autores daquele período, havia a concordância sobre
identificar dois elementos constitutivos no ser humano: um elemento psíquico e outro
elemento somático. A partir disso, toda a tradição filosófica e teológica tem discutido a
primazia de um elemento em relação ao outro, a substancialidade ou a acidentalidade,
a origem, mas não a existência dos dois elementos como sendo constitutivos do ser
humano.

Retomando a questão sobre a tricotomia, como surge, então, essa doutrina?


Em observação aos apontamentos teológicos, a doutrina da tricotomia parece não ter
respaldo bíblico suficiente para se constituir como doutrina bíblica, não surgindo, assim,
do pensamento teológico do Velho Testamento nem do pensamento teológico do Novo
Testamento. Segundo estudiosos do tema, a doutrina da tricotomia é oriunda da filosofia
grega.

De forma embrionária, a metafísica de Platão (ARISTÓTELES, 2006) incide em


um dualismo rigoroso entre as ideias ou o mundo espiritual e suas projeções físicas
ou o mundo material, sendo a esfera imaterial, uma esfera pura, perfeita, etérea e
incontaminável, com a impureza do material. Desse modo, a metafísica platônica se
resume ao dualismo entre ideias transcendentes e perfeitas e as imperfeições do que
é material.

90
NOTA
Metafísica: surge com Platão para superar as limitações dos primeiros
filósofos, que se mantiveram na busca de um princípio físico da natureza.
Esse princípio, conforme Sócrates, Platão e Aristóteles afirmaram,
seria transcendente e não estaria na realidade sensível ou no mundo físico,
ainda que Aristóteles efetue, posteriormente, uma crítica à metafísica de
seu mestre, a metafísica ainda mantém sua característica transcendental.

Essa teoria filosófica da metafísica platônica foi mais bem elaborada nos anos
subsequentes, gerando o que se chama de neoplatonismo. O neoplatonismo empresta,
sem advertências à metafísica platônica, elaborando uma complexa doutrina, na qual
ratifica que o mundo físico, imbuído de sua materialidade imperfeita, não poderia
ter sido criado de forma direta pelo imaterial, pois, segundo o conceito doutrinário
metafísico, o contato direto entre ambas as esferas incidiria em impureza na perfeição
pura do mundo espiritual, o que acarretaria sua contaminação e, para sanar o problema
metafísico criado pelo neoplatonismo, surge uma série de mediadores que postulam
entre o espiritual perfeito e o material imperfeito.

De maneira inevitável, a ideia elementar, por trás da antropologia tricotômica,


nada mais é do que a doutrina filosófica grega afirmar haver necessariamente um
mediador entre o perfeito, que, segundo a antropologia tricotômica, é o espírito, e o
imperfeito, que, nesse caso, seria o corpo físico. A serventia da alma é ser o elo de
ligação entre os dois elementos.

A doutrina da tricotomia, em suma, não tem suas raízes na Bíblia, mas em uma
filosofia não cristã de aspectos pagãos. Não à toa, grande parte dos que defendem uma
natureza tricotômica no homem garantem também que o espírito é a parte do homem
que se comunica com Deus. Eles querem dizer, com isso, que o espírito é o aspecto mais
elevado do homem, afirmação radicada no platonismo, que diz ser o espírito perfeito e
puro, e, assim, pode se comunicar com Deus, que é o perfeito, o espiritual e o puro – o
espírito, na verdade, é o próprio homem.

Em regra, os tricotomistas, coerentes com sua doutrina, afirmam que o ser


humano sempre se constituiu em um espírito e que ganhou um corpo posteriormente.
As Escrituras nunca oferecem a ideia do ser humano como sendo um espírito que obteve
um corpo físico a posteriori e tendo uma alma como intermediária; ao contrário, revela o
ser humano como um indivíduo completo e que, mesmo dicotômico, é uno.

Para concluir, aponta-se que a doutrina da tricotomia, no âmbito da antropologia


bíblica, é completamente estranha a teologia bíblica da natureza do ser humano. Esta
doutrina quando abraçada, traz implicações calamitosas para a cristologia e, por

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conseguinte, também para a soteriologia (doutrina da salvação), além de alterar a própria
antropologia, segundo apresentada nas Escrituras.

É evidente que, uma vez que se abraça como pressuposto hermenêutico


um sistema filosófico de raízes pagãs, isso possibilita uma leitura bíblica ajustada a
qualquer sistema antecipadamente adotado. Em suma, no que tange à natureza do
homem, a mentalidade judaica tradicional nunca reconheceu três elementos em sua
constituição, mas apenas um material e um imaterial, ambos formando uma unidade
hermeticamente impenetrável, que se torna impossível de ser compartimentada.
Assim, esse argumento corrobora a ideia de que as Escrituras reconhecem apenas dois
elementos na composição natural do ser humano, um elemento material, o corpo físico
e suas designações adjacentes, e um elemento imaterial, a alma ou o espírito e seus
outros designativos, sendo a dicotomia, portanto, a doutrina antropológica que mais se
associa à ideia teológica da composição natural do homem nas Escrituras.

3 TEORIAS DA TRANSMISSÃO DA ALMA


Para entender como foi criada a primeira alma, a teologia alude à criação da
primeira parte imaterial do homem, a ação de Deus em soprar dentro do ser humano o
seu fôlego de vida (BÍBLIA SAGRADA, Gn 2.7). Diante disso, surgiram, na historicidade
teológica, algumas teorias de como essa parte imaterial passou a ser transmitida a toda
a humanidade.

As principais teorias sobre a transmissão da alma são: a preexistência, o


criacionismo e o traducionismo.

3.1 PREEXISTÊNCIA DA ALMA (PREEXISTENCIALISMO)


A teoria da preexistência da alma tenta responder à pergunta “como foi criada
a primeira alma?”, por uma perspectiva teórica. Os defensores do preexistencialismo
afirmam que as almas dos homens preexistiam em um estado anterior não muito bem
definido, afirmando, ainda, que qualquer carência moral que tivessem ou demonstrassem
nesse estado de preexistência traria implicações de magnitudes adversas em uma
futura vida material, a qual a alma viesse a ter.

Essa “doutrina” é a base para o espiritismo filosófico (kardecista) e para o


panteísmo.

92
NOTA
Espiritismo: é uma doutrina de cunho científico-filosófico, estabelecida no
século XIX, por Denizard Hippolyte Leon Rivail, mais conhecido como Allan
Kardec.

Panteísmo: a palavra deriva do grego pan, que tem o sentido de “tudo”, e


de theos, que significa “Deus”. Dessa forma, o termo panteísmo pode ser
traduzido como “tudo é Deus”, doutrina segundo a qual Deus está presente
em todo o  universo, em cada elemento; defende igualmente a existência
de várias divindades ligadas aos mais variados componentes da natureza.

Alguns dos representantes da filosofia grega adotavam esse ponto de vista,


como Platão e Filo, os quais tinham razões diferentes para defendê-la; Platão almejou
explicar que a alma possuía informações e conhecimentos sem derivações sensoriais,
enquanto Filo buscava compreender o “cárcere de sua vida”, o corpo físico.

Orígenes, um dos pais da igreja e teólogo neoplatônico, nascido em 185 e morto


em 253 d.C., teve seus pensamentos influenciados por essa teoria doutrinária, o que o
levou a tentar explicar a diversidade de condições em que nascem os homens.

NOTA
Platão (427-347 a.C.) foi um filósofo grego da Antiguidade, considerado um
dos principais pensadores da história da filosofia. Era discípulo do filósofo
Sócrates. Sua filosofia é baseada na teoria de que o mundo que percebemos
com nossos sentidos é um mundo ilusório, confuso.

Filo foi filósofo grego de Alexandria, nascido provavelmente na Judeia,


considerado o maior representante judaico dos primórdios da filosofia
neoplatônica, entrou para a história por ter tentado a fusão da filosofia
grega e a teologia mosaica, criando a filosofia mosaica.

Nas configurações mais modernas, esse pensamento encontra eco nas figuras
de Kant e Julius Müller. Em suas interpretações filosóficas, a depravação da vontade
ou da deficiência moral no homem só pode ser real a partir de um ato pessoal de
autodeterminação ou de uma expressão volitiva em um estado prévio ao da vida material.
Para eles, em sua totalidade, os homens que vivem materialmente ou se materializaram
têm suas definições últimas determinadas por essa ação pré-temporal.

93
NOTA
Immanuel Kant (1724-1804) foi um filósofo alemão, fundador da “Filosofia
Crítica” – sistema que procurou determinar os limites da razão humana. Sua
obra é considerada a pedra angular da filosofia moderna.

Julius Müller  (1801-1878)  foi  um teólogo protestante alemão. Eram


seus irmãos o filólogo alemão Karl Otfried  Müller  (1797-1840) e
Eduard  Müller  (1804-1875), erudito  e  filólogo clássico alemão. Em 1848,
ajudou a fundar a Igreja Evangélica Alemã.

Em oposições à teoria da preexistência, surgem as seguintes objeções: “Em


primeiro lugar, essa corrente ideológica é vazia de bases bíblicas e filosóficas cristãs.
Esse pensamento tem origem na visão dualista entre matéria e espírito, ensinado pela
filosofia grega pagã” (BERKHOF, 2013, p. 186).

Se a alma é preexistente, e apenas um ato consciente de


autodeterminação poderia explicar as deficiências morais do homem,
como não temos a menor lembrança desse estágio? Se a alma é
preexistente, mas não é consciente de sua existência nem pessoal
para tomar decisões, ela deixa de explicar as deficiências morais do
homem? (STRONG, 2003, p. 59).

A existência anterior não tem qualquer fundamento teológico corroborado pelos


escritos bíblicos e é totalmente conflitante com a perspectiva bíblica sobre punição
eterna, isto é, a ideia de um lugar de sofrimento eterno (BÍBLIA SAGRADA, Ap 20).

3.2 CRIACIONISMO
Segundo os proponentes da teoria criacionista, Deus cria almas diuturnamente
para as conectar com os corpos gerados em concepções humanas.

A tentativa dessa teoria é responder à pergunta “como foi criada a primeira


alma?”, sob uma perspectiva filosófica, que também busca por uma fundamentação
bíblica. Teólogos modernos, como Berkhof e Hodge, além de teólogos antigos, como
Jerônimo e Pelágio, são defensores do criacionismo.

94
NOTA
Louis Berkhof (1873-1957) foi um teólogo sistemático reformado, cujas
obras têm sido muito influentes na teologia calvinista da América do Norte
e da América Latina. Sua Teologia Sistemática tem sido, durante décadas, o
livro-texto utilizado em muitos seminários de teologia protestantes no Brasil.

Jerônimo (420-?) ou Jerónimo, nascido Eusébio Sofrônio Jerônimo e


também conhecido como Jerônimo de Estridão, foi um sacerdote católico
ilírio, destacado como teólogo, historiador e confessor, e considerado santo
e “Doutor da Igreja” pela Igreja Católica.

Pelágio (350/354-425) foi um monge de origem bretã de que pouco se sabe,


mas que deixou um legado doutrinário à Igreja, tendo incendiado ânimos e
causado controvérsias, nunca mais tendo desaparecido do seio dela.

Jerônimo e Pelágio são representantes de uma geração antiga de pensadores


cristãos, que foram influenciados pelos pensamentos de Aristotélicos e concluíram
que Deus criava a alma de cada ser humano e a unia a um corpo físico imediatamente
na concepção, ou seja, no nascimento, ou em algum momento em meio a esses dois
eventos.

Hodge e Berkhof expressam pensamentos equivalentes. Berkhof (2013, p. 183-


185) afirma que “cada alma individualmente deve ser considerada como uma imediata
criação de Deus, devendo sua origem a um ato criador direto, cuja ocasião não se pode
determinar com precisão”.

FIGURA 5 – “A NOITE ESTRELADA”, DE VAN GOGH

FONTE: <https://istoe.com.br/wp-content/uploads/sites/14/2021/04/moma-7-scaled.jpg>. Acesso em: 10


ago. 2021.

95
Alguns argumentos, que corroboram a teoria do criacionismo, dizem que, na
criação, é possível perceber que existem diferenças entre a origem do corpo e a origem
da alma e que, no decorrer das evidências bíblicas, podemos compreender que sempre
existe algum tipo de separação entre esses dois aspectos (BÍBLIA SAGRADA, Is 42.5; Nm
16.22; Hb 12.9). Esse pensamento se esforça em manter una a alma, visto que a alma é
indivisível.

É certo que objeções à teoria criacionista também se fazem presentes.


Como já visto, o criacionismo sintetiza a declaração da criação direta de Deus para
cada alma, então, o que se objeta aqui é “se Deus é o responsável pela criação das
almas, e estas têm disposições corrompidas em suas depravações, isso faz de Deus
diretamente responsável pela autoria do mal moral?” ou, ainda, “se as almas são criadas
categoricamente puras, Deus indiretamente pode ser o culpado pela concepção do mal
moral, pois consente que uma alma pura venha a se corromper em um corpo corrupto?”
e também “a atividade criadora de Deus parece ser interrompida posteriormente à
criação do homem, completado com alma?”.

Outra objeção a essa teoria se dá em a criação de Eva ser bem evidenciada pelo
escritor bíblico e, nessa criação, nada se observa sobre a origem da alma da Eva. Não se
vê Deus soprando nela o fôlego de vida ou dando a ela uma natureza excepcionalmente
diferente da do ser humano; o que se vê é ela sendo criada a partir do ser humano e
compartilhando com ele sua essência e natureza.

3.3 TRADUCIONISMO
O traducionismo responde à pergunta “como foi criada a primeira alma?”, a partir
tanto de uma perspectiva bíblica quanto filosófica cristã. Todavia, as proposições dos
traducionistas encontram mais intensas evidências na literatura bíblica – ao contrário
do criacionismo, que parece inferir mais do que se alicerçar. Contudo, vale demonstrar
que tanto o traducionismo quanto o criacionismo são opções que se encontram na
historicidade da igreja cristã e ambas as partes são defendidas por cristãos.

O criacionismo foi uma teoria grandemente aceita pelo Oriente, enquanto o


traducionismo o foi pelo Ocidente. Segundo Chafer (2002, p. 582), “a questão sempre
foi de opinião pessoal e não tem como base uma separação teológica”. O traducionismo
afirma que:

A raça humana foi criada imediatamente em Adão, e com relação


tanto ao corpo como à alma, propagou-se a partir dele por geração
natural, e todas as almas desde Adão são apenas mediatamente
criadas por Deus, o sustentador das leis de propagação que foram
originariamente estabelecidas por ele (STRONG, 2003, p. 59).

96
Logo, a alma tem origem a partir do momento da concepção, em um processo
natural, e é transmitida de pais para filhos. Alguns dos representantes dessa corrente
são Tertuliano, Lutero, Augustus Hopkins e Charles Ryrie.

NOTA
Tertuliano (160-220) foi um prolífico autor das primeiras fases do Cristianismo, nascido
em Cartago na província romana da África Proconsular. Ele foi o primeiro autor cristão a
produzir uma obra literária (Corpus) em latim.

Martinho  Lutero  (1483-1546)  foi  um sacerdote católico alemão, o


principal personagem da Reforma Protestante, realizada na Europa
no século XVI, que contestava o poderio da Igreja Católica, o comércio
de cargos eclesiásticos e a venda de dispensas, de indulgências e de
relíquias sagradas.

Augustus Hopkins Strong (1836-1921) foi um Batista, ministro e


teólogo que viveu nos Estados Unidos durante o século XIX e início
do século XX. Seu livro mais influente, Teologia Sistemática, provou ser
um dos pilares da batista, reformando educação teológica por várias
gerações.

Charles Caldwell Ryrie (1925-2016) foi um teólogo norte-americano


cristão, que atuou como professor de Teologia Sistemática e reitor de
estudos de doutorado no Dallas Theological Seminary, Estados Unidos.

Muitos argumentos corroboram essa perspectiva e sugerem ser a que mais se


coaduna com a teologia bíblica da criação da alma, pois ela se harmoniza com o relato
da criação, em que Deus sopra uma única vez o fôlego de vida no ser humano, o qual, a
partir dali, se reproduz sozinho (BÍBLIA SAGRADA, Gn 1.28; 2.7).

A criação da alma da primeira mulher, Eva, estava contida ou incluída na alma


de Adão (BÍBLIA SAGRADA, Gn 2.23;  1Co 11.8). As Escrituras afirmam, ainda, que os
descendentes do primeiro casal foram formados da carne de seus pais (BÍBLIA SAGRADA,
Gn 46.26; Hb 7.9-10; Jo 3.6; Rm 1.3; At 17.26) e também esclarecem, de maneira mais
aceitável, a transmissão da depravação moral e espiritual como tema da alma, e não do
corpo físico.

É evidente que, apesar de os apontamentos corroborativos estarem alicerçados


em bases bem sólidas, surgem, mesmo assim, objeções à teoria e variados argumentos
poderiam ser apontados, como: “Se Deus só age mediante relação a sua obra criativa,
após a criação, que será então a regeneração?”.

97
A teoria leva a dificuldades insuperáveis a cristologia. Se em Adão a
natureza pecou globalmente, e esse pecado foi, portanto, o verdadeiro
pecado de cada parte dessa natureza, não se pode fugir à conclusão
de que a natureza humana de Cristo também foi pecadora e culpada,
porque teria pecado de fato em Adão (BERKHOF, 2013, p. 189).

3.4 CONCLUSÃO SOBRE AS TEORIAS DA TRANSMISSÃO DA


ALMA
Como fora demonstrado, entre as variáveis que poderiam responder a respeito
da origem da alma, pode-se afirmar, com certeza, que apenas a “preexistência da alma”
é inteiramente descartável, visto estar carregada de falácias filosóficas e que acaba por
estender suas raízes para sua nutrição no panteísmo oriental. Em sua forma moderna, o
preexistencialismo da alma alicerça o espiritismo científico filosófico, também conhecido
como espiritismo Kardecista.

Já o traducionismo e o criacionismo mostram ser teorias mais aceitáveis e


respeitáveis, embora sejam conflitantes entre si.

É inegável que não se pode respaldar, com suficiência e definitivamente, uma


ou outra teoria – no caso, criacionismo e traducionismo – e que, por questão de lógica,
ambas também podem ser sustentadas com aprovação, mas o mais adequado seria
recorrer a um exame cautelar no estudo desses fatos. Swindoll (2004, s.p.), em seu livro
O mistério da vontade de Deus, afirma que: “o problema dos jovens teólogos é que eles
querem desvendar o inescrutável”, uma vez que não se tem nitidez ou clareza suficiente
nos relatos bíblicos, deve-se apenas ficar com aquilo que Deus deu a conhecer em sua
revelação. Entretanto, deve-se ressaltar que o traducionismo faz jus a um maior apreço,
visto que melhor atende ao testemunho bíblico das Escrituras a respeito do assunto.

As elucidações a favor do traducionismo são superiores às objeções, ainda


que tenham respostas bíblicas, sem que seja necessário um estudo teológico mais
aprofundado para obtê-las.

98
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Há diferenças e semelhanças entre os pontos doutrinários da dicotomia e da tricotomia


e como surgiram e se difundiram. Constata-se o uso intercambiável das palavras
alma e espírito e que existem, no meio teológico moderno, proponentes das duas
visões. Do ponto de vista dicotômico, corrobora a ideia de um ser humano concebido
a partir de duas realidades, que sustenta uma parte material e outra imaterial, além
de alicerçar a ideia em textos bíblicos.

• O assunto da transmissão da alma alude ao texto de Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn


2.7), que mostra Deus soprando o fôlego de vida para dentro do homem.

• A teoria da preexistência da alma ou existencialismo apregoa, de forma teórica, que


as almas dos homens preexistiam em um estado anterior e que qualquer carência
moral que tivessem ou demonstrassem nesse estado preexistente implicaria
adversidades futuras em uma provável vida material, a qual a alma viesse habitar, o
que parece bastante com as bases do espiritismo filosófico kardecista e panteísmo.
Suas raízes basilares não encontram sustentação bíblica, sendo mais provável que
seja arcabouçada na filosofia grega, principalmente na teoria metafísica de Platão.

• A teoria criacionista busca se fundamentar tanto na filosofia quanto na teologia; seus


proponentes mais antigos foram influenciados pelos pensamentos Aristotélicos e
concluíram que Deus criava a alma de cada ser humano e a unia a um corpo físico
imediatamente na concepção, no nascimento ou em algum momento em meio a
esses dois eventos. Apesar de teólogos modernos de grande prestígio seguirem essa
linha, essa teoria se complica quando parece apontar Deus como o criador do mal
moral.

• A teoria do traducionismo tem bases mais firmes na teologia e é a mais aceita entre
os cristãos, segundo a qual a alma tem origem a partir do momento da concepção,
em um processo natural, e é transmitida de pais para filhos, e, assim, todas as
substâncias da alma ao ser humano.

• Somente a teoria do preexistencialismo não encontra nenhum respaldo bíblico.

• As teorias do criacionismo e do traducionismo são mais aceitas entre os cristãos,


sendo o traducionismo a que mais se coaduna com as narrações bíblicas.

99
AUTOATIVIDADE
1  A discussão sobre a constituição do ser humano esteve presente na Igreja desde os
primórdios, tendo recebido atenção exclusiva em pelo menos dois concílios: I Concílio
de Constantinopla, em 869, e IV Concílio de Constantinopla, em 381. Sobre a questão
da constituição humana, disserte sobre o que é concepção dicotômica e tricotômica
do ser humano.

2 Do ponto de vista filosófico, vê-se o predomínio de uma visão dual do ser humano
como composto de corpo e alma. Já do ponto de vista místico, sem o rigor científico
que restringe a definição e o sentido de cada termo utilizado, permitindo uma
abordagem mais poética, pode-se usar a visão tripartida do ser humano como um
motivador em fazê-lo buscar algo além das suas limitações, isto é, a buscar a Deus.
Segundo as visões acerca de dicotomia e tricotomia, explique por que a dicotomia
parece ser uma doutrina bíblica mais aceita do que a tricotomia.

3 “A expressão ‘homo somaticus’, hoje, é tanto quanto rara; no entanto, era uma
expressão comum nos tempos de Filão de Alexandria e do apóstolo São Paulo. Estes
e outros autores desse período identificaram dois elementos na constituição humana:
um psíquico e outro somático” (MONDIN, 2003, p. 28). Sobre preexistencialismo,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) É a base para o espiritismo filosófico (kardecista) e para panteísmo.


( ) Orígenes, um dos pais da igreja e teólogo neoplatônico, combateu essa teoria
doutrinária.
( ) Os defensores do preexistencialismo afirmam que as almas dos homens preexistiam
em um estado anterior não muito bem definido.
( ) Esse pensamento tem origem na visão dualista entre matéria e espírito, ensinado pela
filosofia pagã grega.
( ) Se a alma é preexistente, mas não é consciente de sua existência nem pessoal para
tomar decisões, ela por si só explica as deficiências morais do homem?

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F – V – F.
b) ( ) V – F – V – V – F.
c) ( ) F – V – V – V – V.
d) ( ) V – F – V – F – V.
e) ( ) V – F – F – F – F.

100
4 O fundamento e a finalidade última do ser humano é o sagrado. A religião, então, seria
a substância e a cultura seria a sua forma. Toda a manifestação e produção humanas
têm como finalidade o encontro com o divino. Sobre o criacionismo, assinale a
alternativa CORRETA:

a) ( ) Cada alma individualmente deve ser considerada uma imediata criação de Deus,
devendo sua origem a um ato criador direto, cuja ocasião não se pode determinar
com precisão.
b) ( ) Deus cria, guarda e distribui as almas diuturnamente, conectando-as cada qual
com os corpos gerados em concepções humanas preexistentes.
c) ( ) Alguns argumentos que corroboram a teoria do criacionismo dizem que, na
criação, é possível perceber que existem diferenças entre a origem do corpo e a
origem da alma.
d) ( ) O criacionismo sintetiza a declaração da criação direta de Deus para cada alma.

5 Etimologicamente, o termo alma está sempre relacionado com a respiração, com


a ideia de hálito, entendida como manifestação da vitalidade. Por isso, indica
genericamente o princípio da vida dos seres viventes. Sobre o traducionismo, assinale
a alternativa CORRETA:

a) ( ) As proposições dos traducionistas encontram poucas evidências na literatura


bíblica.
b) ( ) A raça humana foi criada imediatamente de Adão, com relação tanto ao corpo
como à alma, mas não se propagou a partir dele por geração natural.
c) ( ) A alma não se origina a partir do momento da concepção, no processo natural,
mas é transmitida de pais para filhos.
d) ( ) Um contraponto à teoria traducionista diz que esta leva dificuldades insuperáveis
à cristologia. Se, em Adão, a natureza pecou globalmente, e esse pecado foi, portanto,
o verdadeiro pecado de cada parte dessa natureza, não se pode fugir à conclusão
de que a natureza humana de Cristo também foi pecadora e culpada, porque teria
pecado de fato em Adão.

101
102
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
A CONSCIÊNCIA DO HOMEM

“Porque a nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência,


de que, com santidade e sinceridade de Deus, não com sabedoria
humana, mas, na graça divina, temos vivido no mundo e mais
especialmente para convosco” (BÍBLIA SAGRADA, 2Co 1.12).

1 INTRODUÇÃO
“A consciência é uma instância, um poder implantado em nós que avalia
moralmente os nossos atos, nossos pensamentos, nossos planos e opiniões” (BÍBLIA
DE ESTUDOS DE GENEBRA, 2004, s.p.).

Segundo Ryrie (2004, p. 229), “A consciência é aquela voz interior que impele a
pessoa a fazer o que ela considera correto”, enquanto, de acordo com Sanders (2004), “A
consciência, segundo desígnio divino, deve ser o nervo central de nosso ser que reage
ao valor moral intrínseco de nossos atos”.

“A consciência é o bom senso ou o seu juízo do homem, o qual é diretamente


aplicado ao seu próprio procedimento, quer em aprovação as suas boas ações, quer em
reprovação as suas más ações” (LANGSTON, 2019, p. 83).

É vital e importante que os cristãos levem em consideração a questão da


consciência. Em uma visão mais antiga, a consciência é considerada um implante
divino dentro da mente humana, o que alguns cristãos descrevem como “a voz de Deus
dentro de nós” (SPROUL, 2013, p. 14). A ideia presente nessa frase é que Deus criou os
homens com uma ponte, ligando as sensibilidades da mente e da consciência, com
a responsabilidade, inerente em todos os homens, que alude às eternas leis divinas.
Em Romanos (BÍBLIA SAGRADA, Rm 2.15), o apóstolo Paulo enfatiza a sensibilidade de
consciência, em que diz existir uma lei natural escrita em nossos corações, ou seja, ele
afirma que as leis morais de Deus já atuavam no homem muito antes das tábuas do
Sinai.

Immanuel Kant, famoso filósofo, de origem alemã, desfilava ceticismo quanto


à capacidade humana de raciocinar sobre o mundo transcendente de Deus, a partir
do mundo físico. Kant aludia a um argumento baseado em um senso universal de
dever implantado no coração do homem, ao qual denominava “argumento moral para
existência de Deus” (KRASSUSKI, 2005, p. 173). Ainda chamou de “imperativo categórico”
o senso genuíno de saber como agir em determinadas situações, que acreditava estar
dentro de todas as pessoas, bem como “que os céus fascinantes” e “a lei moral”, em
que um ficava no espaço e o outro no âmago do ser do homem, eram as coisas mais

103
admiráveis, reverentes, sempre novas e crescentes que preenchiam a alma humana.
O que anteriormente se citou, constitui-se um exemplo importante, que indica que,
mesmo nos âmbitos seculares de extrema influência humanista, historicamente, se
reconhece a importância da consciência.

2 A VISÃO BÍBLICA DA CONSCIÊNCIA HUMANA


Segundo Sproul (2013, p. 8), “histórica e classicamente, a consciência foi vista
como nossa ligação com a ética transcendente que reside em Deus. Todavia, com a
revolução moral de nossa cultura, surgiu uma abordagem diferente da consciência, e
esta abordagem se chama visão relativista”.

A realidade do presente aponta que se está em uma era relativista, na qual


valores e princípios, antes paradigmáticos, agora apenas externam meras expressões
dos desejos e interesses da especificidade “tribal” das pessoas, em determinados
períodos na história. Ouve-se recorrentemente que os absolutos se desmoronaram
diante do secularismo de hoje.

FIGURA 6 – REPRESENTAÇÃO DA CONSCIÊNCIA HUMANA

FONTE: <https://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2010/03/consci%C3%AAncia_326869622.
jpg>; <https://bahaiteachings.org/wp-content/uploads/2015/11/The-Human-Conscience-Proof-that-God-
-Exists-900x380.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2021.

104
Imaginando a inexistência de absolutos como princípios transcendentes,
como se pode explicar, então, a mecanicidade daquilo que se trata nominalmente de
consciência? Na estruturação relativista, a resposta é que a consciência se vê definida
apenas em termos evolucionários:

As personalidades interiores subjetivas das pessoas estão reagindo


a tabus evolucionários vantajosos, que lhes foram impostos por sua
sociedade ou por seu ambiente. Havendo chegado a um tempo, em
nosso desenvolvimento, em que esses tabus não servem mais para
promover nossa evolução, podem ser descartados sem qualquer
consideração às consequências (SPROUL, 2013, p. 9).

Para fins de exemplificação, podemos usar um caso de aconselhamento


pastoral ficcional, que demonstrará uma certa transicionalidade entre a consciência de
absolutos e de relativização. Em certo tempo, um jovem buscou ajuda pastoral, pois
estava tomado por uma severa culpa por haver se envolvido sexualmente com uma
amiga de sua mãe. Para vencer a culpa que o consumia, foi aconselhado a reconhecer
a fonte primaz dessa culpa, ao que contra-argumentou dizendo que, ao seu ver, nada
de errado havia realmente sido praticado, dado que a culpa que o consumia era fruto de
uma criação “puritana”, alicerce dos paradigmas e constructos sociais que o oprimiam.
Argumentou, ainda, que os tabus sexuais, aos quais fora exposto por toda a vida,
condicionaram-no a se sentir mal e, consequentemente, culpado pelo ato, quando não
deveria se sentir daquele jeito, já que o seu relacionamento sexual fora uma expressão
madura, consciente e responsável de sua maturação psicológica. Apesar dessa
expressão argumentativa, ele ainda se sentia culpado. Fora explicado a esse jovem que
existe a possibilidade de se sentir culpado quanto a uma situação que, necessariamente,
não transgrida a lei de Deus, o que é demonstrado por uma consciência perturbada e
intranquila, mas que, no caso dele, havia um “delito” contra a santidade de Deus e a Sua
lei e que ele deveria se alegrar por se sentir culpado, pois, mesmo que a dor não traga
sensações agradáveis, ela é importante para nossa saúde, uma vez que alerta o corpo
contra situações adversas que podem estar o destruindo fisicamente.

Já no âmbito da espiritualidade, a dor indica que algo não vai bem com a alma.
Assim como a ciência desenvolveu remédios que curam o corpo físico, o corpo espiritual
de Deus, a igreja, através de Jesus, o Cristo, e imbuída do poder outorgado pelo Espírito
Santo, oferece o remédio chamado perdão. Quando há uma consciência de culpa real,
é exigido o perdão real.

Em suma, pode-se aferir que o problema fictício, que atingia o jovem do


exemplo ilustra bem o conflito entre o entendimento ortodoxo, a respeito do pecado
e consciência, e a novidade conceitual relativista, que aponta para um novo espectro,
que vê a consciência como meramente um processo evolucionário condicionante da
sociedade e resultante de imposições de tabus. A pergunta que fica é: “como cristãos
verdadeiros lidam com essas coisas?”. Pode-se dizer que há uma visão bíblica clara
quanto à consciência?

105
O termo hebraico ‫“( הָעָדֹוּת‬toda'ah”) traduzido no Antigo Testamento por
“consciência”, aparece de forma esparsa. Todavia, no Novo Testamento, reconhece-
se, com mais plenitude, a importância da funcionalidade da consciência no âmbito da
vida cristã. Já a palavra grega συνείδηση (“syneídisi”) aparece cerca de 31 vezes no
Novo Testamento, com significância apontando para “consciência”. Segundo alguns
eruditos do grego bíblico da era medieval, a ideia por traz dessa palavra envolve a ideia
de “acusação e justificação”.

Quando o homem peca, é perturbado e acusado por essa consciência, a qual


também é o instrumento usado pelo Espírito Santo para convencer o homem de seus
delitos e trazê-lo ao arrependimento, para que receba o perdão curador que brota do
evangelho de Jesus. Em um segundo sentido, essa voz moral, que habita a mente e o
coração humano, informa ao homem o que é correto. Sendo os cristãos minados por
todos os lados com variadas críticas a sua ética de vida, em que em alguns assuntos
se diferem dos demais com relação a aprovar certa situação ou não, isso acontece
até entre os adeptos de uma mesma comunidade de fé – por exemplo, em algumas
comunidades de fé, uns adeptos ou membros aprovam o futebol e outros não. Como se
sabe quem está certo nessa situação?

O Novo Testamento alude à consciência, explicitando que ela não é a autoridade


máxima final, em termos de ética na condução da vida humana, pois essa consciência
é mutável, enquanto os princípios de Deus são imutáveis e eternos. A consciência é
hesitosa e metamorfa, e traz em seu escopo positividade e negatividade no tocante a
essas mudanças. Pode-se ver os profetas, no Antigo Testamento, anunciando o juízo de
Deus sobre a nação de Israel, que havia se inclinado às práticas do pecado, tal qual a
idolatria. A nação, principalmente sob o reinado de Acabe (BÍBLIA SAGRADA, 1Rs 16.29),
era acusada de sua insensibilidade e costume com o mal. A nação de Israel tolerava toda
a impiedade praticada por seu rei, Acabe. Ao ler a narrativa bíblica sobre todas as obras
praticadas nos tempos de Acabe, é perceptível o calejo e a cauterização da consciência
da nação.

Em paralelo ao texto supracitado, encontramos eco nos escritos de Sproul


(2013, p. 12), que incita uma reflexão:

Pense sobre as ideias que você tinha quando criança. Considere


as pontadas de consciência que devem ter penetrado em sua vida,
quando você experimentou, pela primeira vez, certas coisas que
sabia serem erradas. Você ficou perturbado e abalado. Talvez, até
ficou doente. Mas, o poder do pecado pode corroer a consciência até
ao ponto de ela se tornar uma voz débil nos profundos recessos de
sua alma. Por meio disto, nossa consciência se torna endurecida e
cauterizada, condenando o que é certo e justificando o que é errado.

Ainda, Langston (2019, p. 84) assevera que:

106
A aprovação de si mesmo significa que se fez o que se deveria fazer; e
a condenação indica o contrário. Sempre quando faz o que não deve,
o homem se torna culpado diante da própria consciência, o homem
prova-se falso e traidor de si mesmo, perdendo o respeito próprio.
Segue-se, então, severo juízo da consciência, que, em certos casos,
leva o homem ao remorso, ao desespero e até ao suicídio. Aquele que
fica sem o apoio de si mesmo torna-se desamparado, condenado
pela própria consciência e por Deus. Aquele que não tem o apoio de
si mesmo condena-se a um fracasso completo na vida.

O mais interessante, diante de tudo isso, é que sempre se achará alguém disposto
a oferecer uma defesa muito bem formulada eticamente para legitimar atividades que
Deus julga ofensivas a Sua pessoa. Os seres humanos desenvolveram uma capacidade
acurada para defenderem a si mesmos das acusações e das culpabilidades morais.

FIGURA 7 – HAMLET COM HORÁCIO DE DELACROIX

FONTE: <https://entenderficcao.com.br/wp-content/uploads/2018/09/800px-Eug%C3%A8ne_Ferdinand_
Victor_Delacroix_018-e1538360746432.jpg>. Acesso em: 10 ago. 2021.

O homem habita em uma cultura problemática, a qual se precipita a uma


decadência moral quando passa a enxergar o certo como errado, o mal como bem,
a vítima como algoz e vice-versa. Isso se dá mediante uma distorção da consciência,
quando, em essência, o homem é imbuído de uma autoridade final para a vida e o que
precisa fazer para alcançar esse patamar é simplesmente ajustar a sua consciência, para
que ela se encaixe na ética humana. Assim, vive-se em pacificidade mental, imaginado
que se vive em retidão ética.

A consciência pode ser movida a uma sensibilidade distorcida. A visão


evolucionária e relativista, quanto à consciência, se fundamenta sobre princípios de
reação subjetivas a tabus impostos pela sociedade. Embora não convincente, podemos

107
encontrar uma ranhura de veracidade na visão evolucionária, pois, realmente, as
pessoas podem ter uma consciência altamente sensibilizada quando formatadas a
um conjunto de regras e normas elaboradas por homens em detrimento às leis divinas
estabelecidas por Deus nas Escrituras. Em algumas comunidades evangélicas, aquilo
que atesta a envergadura da fé de alguém é se ele joga futebol ou não. Se a pessoa
cresce em um ambiente em que o jogo é pecado e ela decide jogar o que acontece?
Essa pessoa, geralmente, é debelada por culpa. Que resposta poderia se dar a isso?
Informaria a pessoa que jogar futebol não é pecado e sua consciência foi viciada? Sim,
essa poderia mesmo ser uma boa abordagem, mas poderia também ser um gerador de
inúmeros problemas, já que a consciência pode justificar quando deveria acusar e pode
acusar quando deveria justificar.

Martinho Lutero, quando inquirido na Dieta de Worms, disse que agir contra a
própria consciência não é correto e muito menos seguro. Agir contra a consciência é
pecado. Esse princípio não foi inventado por Lutero para o período de seu inquirimento
diante dos clérigos em Worms, esse é um princípio do Novo Testamento: “[...] Tudo o que
não provém de fé é pecado” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 14.23).

Em um ambiente em que alguém é persuadido a não ler filosofia, por exemplo,


porque, segundo os que lhe persuadem, filosofia é obra do demônio e, consequentemente,
é pecado. Mesmo acreditando nessa teoria, o sujeito lê filosofia, então, nesse caso, ele
está pecando – e peca por que ler filosofia é pecado? Não, mas se torna, porque o sujeito
aplica algo a sua vida que crê ser pecado. Se o homem pratica algo que imagina ser
pecado, mesmo que se entende, dessa forma, por uma má instrução, ainda assim, ele
peca e é culpado pelo pecado, pois age contra a sua própria consciência.

Em contrapartida, ações acordadas com a consciência também podem ser


pecados. Quando há má instrução para com a consciência, procuram-se variadas razões
para isso, mas nenhuma seria de todo satisfatória, haja visto que as instruções acerca
de uma boa consciência são expressas de maneira exaustiva nas Escrituras Sagradas.
Deus revelou e se agradou em revelar suas instruções para que a consciência seja muito
bem instruída.

É possível até praticar algo que se desencontre com as leis divinas e que é
proibido irrestritamente por Deus e achar que não há problema algum nisso, mas, o que
não se pode fazer é, no derradeiro dia diante do Senhor Eterno, dizer que não se sabia
que essa prática desagradaria ao Senhor ou que a própria consciência não acusou e que
se agiu de acordo com ela.

Embora realmente se tenha agido de acordo com a consciência, tratava-


se de uma consciência que ignorava Deus e sua Palavra, a qual estava à disposição
diuturnamente, para diligentemente ser estudada e compreendida, mas que o indivíduo
deliberadamente optou por negligenciar. Em seu íntimo, o homem sabe e reconhece
que deveria, a todo e qualquer tempo, buscar a prática do bem, e de todas as formas

108
possíveis e imagináveis deveria evitar o mal. “Para o cristão, a consciência não é a
autoridade final em sua vida. Somos chamados a ter a mente de Cristo, conhecer o bem
e possuir mente e coração treinados na verdade de Deus, para que, nos momentos de
pressão, sejamos capazes de permanecer firmes com integridade” (SPROUL, 2013, p.
15).

Todas as coisas que são corretas e justas são determinadas única e


exclusivamente pelo caráter santo e irrepreensível de Deus, e nunca pela consciência
humana, a qual, mesmo se colocando, por vezes, como árbitro, não é árbitro e, diante
das lutas travadas no interior do homem, tal consciência não tem o julgamento final. É
Deus, e sempre será Deus, o tribunal que julga em última instância.

Portanto, ao homem, cabe observar que todas as coisas que se assemelham a


Deus são corretas, justas e santas, e que o que se contrapõem a essas coisas seriam
opostas a Sua natureza divina e, então, deveriam ser condenadas e também rejeitadas.

Por suposto, não se deve esquecer que, nas mãos de Deus, está a régua que
mensura cada um dos homens e que todos os homens serão julgados por ele segundo
as suas obras. Deus “[...] retribuirá a cada um segundo o seu procedimento [...]” (BÍBLIA
SAGRADA, Rm 2.6). É o caráter de Deus o determinador do que é justo, santo, reto, moral
e correto; é o Seu caráter que fixa esses elementos na mente humana, trazendo ao
homem o dever de buscar viver baseado nesse caráter.

Jesus Cristo, homem, expressa crivelmente esse fundamento determinante


da fixação do padrão do elevado caráter de Deus no ser humano. Através dEle, Deus
mostrou aos homens sua bondade e justiça. Jesus mostrou através da realidade da Sua
própria vida como deve ser cada pessoa, como cada um dos homens deveria viver e, por
sua morte de cruz e por sua ressurreição gloriosa, capacitou poderosamente o homem
a viver da mesma forma que Ele viveu.

Assim, o homem encontra em Jesus o mais alto ideal e padrão e é, com base
nesse ideal e padrão, que cada homem tem nEle a franca expressão do dever de buscar
ser como Ele foi.

Segundo as Escrituras, cada homem foi criado por Deus segundo a Sua própria
imagem – “Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa
semelhança [...]” (BÍBLIA SAGRADA, Gn 1.26a) – e, devido a isso, naturalmente, encontra-
se nos homens a expressão do dever de se parecer com Ele, com Deus. Essa naturalidade
impele a criatura a se aproximar à similaridade do seu criador, principalmente em seus
aspectos atributivos.

Essa lei da naturalidade está expressa na natureza e demonstra que todo ser,
intuitivamente, busca se parecer com seu imediato superior; desse modo, é mister que
o homem viva de acordo com as expressões características de Deus. O homem deve

109
exigentemente viver para alcançar o padrão de caráter ao qual Deus havia idealizado
quando o constituiu um ser vivente.

É evidente que não há ninguém que em diminuto momento satisfaça em total


condições as exigências do Senhor Deus, em termos de consciência e caráter, além
de toda as outras características santificadoras que as Escrituras apontam. Da mesma
forma que as sequoias gigantes da Califórnia, em alguns momentos, foram pequenas
sementes, tenras mudas e miúdas arvorezinhas, para depois passarem a ser as maiores
árvores de todo o planeta Terra, assim, deve ser o desenvolvimento dos homens ao
encontro desse caráter pleno que só existe em Deus, ou seja, gradual e contínuo.

Como não há justiça em julgar uma sequoia por seu pouco crescimento de um
ano para outro ano, em relação a outra que já está estabelecida como árvore adulta,
também não há justiça em julgar os homens em relação ao seu crescimento na busca
pela estatura de varão perfeito.

Nem mesmo Deus assim nos julga. Ele é justo e só nos condena por
não sermos o que podíamos e devíamos ser na hora do julgamento.
É por isso que a consciência do homem pode servir de aferidor na
vida prática; porém o homem deve reconhecer que está debaixo da
obrigação de ir aproximando-se mais e mais do caráter de Deus, o
aferidor final (LANGSTON, 2019, p. 85).

110
LEITURA
COMPLEMENTAR
A TEOLOGIA TEM ALGO A DIZER SOBRE O SER HUMANO?

Antônio Wardison C. Silva

“O que posso saber?; O que devo fazer?; O que me é permitido


esperar?; O que é o homem?” (Immanuel Kant)

Introdução

Por muitos séculos, a Teologia permaneceu isolada em função de discutir e de


responder às principais questões sobre Deus, o ser humano e o mundo a partir de uma
perspectiva sobretudo eclesiástica. A sua contribuição, apesar desse isolamento, foi
extremamente importante para a geração de uma cultura em prol da vida, da justiça, da
dignidade da pessoa. Nos dias de hoje, ao contrário, a Teologia tornou-se uma ciência
acessível a todos, uma voz respeitável no diálogo com as ciências, com eficaz incidência
no mundo social, político, cultural, econômico e religioso. Não mais confinada nos
espaços eclesiásticos, ela se tornou uma ciência de interesse público, universal.

Por mais que falemos de Teologia, no singular, temos de reconhecer que existem
várias teologias, frutos de sistemas e escolas teológicas. Isso não é negativo; pelo
contrário, enriquece ainda mais o diálogo dentro da própria Igreja e com a sociedade.
As diversas áreas do saber teológico também se abriram à discussão pública e, com o
auxílio das ciências modernas, tornaram-se ainda mais capazes de contribuir com o
saber-fazer teológico e de legitimar sua significatividade no e para o mundo histórico.

Assim acontece com a Antropologia Teológica, uma área da Teologia voltada a


pensar o ser humano à luz da fé e do dado revelado. Nessa tarefa, a Teologia serve-se,
fundamentalmente, da Filosofia para especular a natureza humana na sua totalidade,
mas, sobretudo, a fé: “sob uma luz nova e mais profunda: a luz da relação do homem
com Deus”. No diálogo com as outras ciências, a Antropologia Teológica enriquece e
aprofunda suas considerações sobre a natureza humana, assim como ela também
contribui com tais ciências, ao considerar e transmitir uma compreensão holística do
homem. Tal é a razão de ser desta ciência. Em nenhum momento, porém, a Antropologia
Teológica pretende esgotar a compreensão sobre o ser humano, até porque nenhuma
ciência pode advogar para si tal pretensão, nem as ciências humanas, naturais nem as
exatas.

111
A reflexão que segue tem a finalidade de elucidar a natureza, o objeto, o método
e as principais áreas de especulação da Antropologia Teológica e, com isso, demonstrar
sua importância para a investigação e compreensão do ser humano.

1 A compreensão da Antropologia Teológica

A Teologia é a ciência sobre Deus ou, em outras palavras, o discurso sistemático,


à luz da fé, sobre Deus: Theós + logia = Deus + ciência. Deus é o centro desse estudo
e, consequentemente, tudo o que Ele revela sobre si mesmo e que se encontra de uma
certa forma “registrado” nas Sagradas Escrituras. Podemos ainda dizer que a Teologia é
o modo de tornar acessível a reflexão sobre Deus ao humano, o modo como o humano
concebe e se expressa sobre Deus.

Pode-se afirmar que o fazer teológico baseia-se em dois princípios supremos:


o arquitetônico e o hermenêutico. O primeiro sustenta-se na Revelação, “na
autocomunicação pessoal de Deus à pessoa humana”, isto é, na maneira como Deus
se dá a conhecer, base para a compreensão de todos os mistérios e eventos da história
da salvação; o segundo se fundamenta na interpretação da comunicação que Deus
faz sobre si mesmo para os dias de hoje, isto é, no significado que a Revelação tem
para as mulheres e os homens do nosso tempo. Embora interligados, tais princípios
são distintos e de proveniências também diferentes: o primeiro deriva da Revelação; o
segundo, da Filosofia.

O princípio hermenêutico dá condições para a compreensão, via interpretação,


dos dados revelados; é condição para que a esperança cristã, marcada pelo evento
da salvação, seja significativa na dinamicidade da realidade histórica. Ora, a Teologia
necessita da razão para que a fé seja esclarecida. O papel da razão consiste, portanto,
em compreender a fé e tudo o que ela implica; dar inteligibilidade àquilo que se crê.

Dos três pilares de conhecimento pela razão – o ordinário, o científico e o


filosófico – o primeiro e o terceiro são essenciais para a inteligência da fé: pela vida
ordinária, do cotidiano, é possível compreender a fé, base para todo cristão. Nesse tipo
de conhecimento, não há sistematização ou método claro para o conhecimento das
coisas, mas espaço de profunda experiência; pelo pensar filosófico, é possível investigar
e compreender, de forma sistemática e rigorosa, a fé, exercício tal próprio da Teologia em
âmbito acadêmico. Particularmente, a Antropologia Teológica está em estreita relação
com a Antropologia Filosófica.

O homem é naturalmente filósofo. Assim o cristão é naturalmente


teólogo. “O esforço para compreender a fé e aquilo que precisa crer, o
intellectus fidei, é problema do homem, da sua faculdade de pensar e
de compreender. Este esforço em relação à fé, que é a teologia, não
se desenvolve paralelamente à fé; é uma forma intensiva de realizar o
próprio ato da fé, que não exige somente o fato de crer, mas também
a inteligência da fé, e isso porque a fé abrange o homem todo, inteiro,
empenhando-lhe as faculdades e, portanto, necessariamente, o
espírito, o poder de interrogar e de pensar” (MONDIN, 2003, p. 11).

112
Podemos dizer que a natureza da Antropologia Teológica consiste em investigar
o ser humano e a história humana à luz dos dados revelados da Sagrada Escritura, à luz
da fé; seu objeto é o próprio ser humano, criado por Deus a sua imagem e semelhança;
seu método funda-se no dado revelado e na sua interpretação, vias para a compreensão
do ser humano na sua integralidade.

Em síntese, a Antropologia Teológica procura entender o ser humano em sua


íntima relação com Deus – que é Uno e Trino, revelado em Jesus Cristo – e o sentido
pleno da sua vida, vocação e realização. E para tal recorre ao estudo da revelação cristã.
Uma vez que Deus se revela ao ser humano (Teologia da Revelação), este torna-se
destinatário e objeto desta revelação: destinatário porque é dado a ele as possibilidades
de conhecer a Deus, seu mistério de salvação, e a si mesmo, vocação e fim último;
objeto porque ele é o centro de estudo dessa revelação (criação) e, por isso, procura
conhecer-se. Ao conhecer-se, conhece Aquele que o criou; ao conhecer Aquele que o
criou, conhece a si mesmo.

2 Dimensões fundamentais da Antropologia Teológica

Compreendido o caráter próprio da Antropologia Teológica, sua perspectiva


científica, busca-se, agora, explicitar três dimensões que orientam a compreensão
sobre o ser humano na sua integralidade, na perspectiva da fé cristã, a saber: a relação
entre Deus e o homem; o homem na sua condição de criatura, em liberdade; a fraqueza
humana.

2.1 A relação entre Deus e o homem

A dimensão mais específica da Antropologia Teológica consiste no fato de Deus


estabelecer uma relação de amor e paternidade com o ser humano, convidado, desde
o início da sua existência, a dialogar com Deus. “Pois, se existe, é só porque, criado
por Deus por amor, e por ele, por amor, constantemente conservado; nem pode viver
plenamente segundo a verdade, se não reconhecer livremente esse amor e se entregar
ao seu criador”.

Essa vocação sublime do ser humano, de manter-se unido a Deus – já


anunciada pelos profetas –, foi confirmada, uma vez por todas, em Jesus Cristo, seu
Filho unigênito. Nele, o ser humano tornou-se capaz de conhecer e manter uma
relação filial com Deus. Jesus Cristo, o novo Adão – revelação plena de Deus – revela
os desígnios do ser humano, sua vocação sublime de relacionar-se com Deus e poder
participar da sua comunhão de vida e de amor, que chamamos de vida eterna. Imagem
perfeita de Deus, Cristo restituiu ao ser humano a semelhança divina, deformada desde
o primeiro pecado. “Já que, Nele, a natureza humana foi assumida, e não destruída, por
isso mesmo, também em nós foi ela elevada a sublime dignidade”. Assim, no mistério da
encarnação, Jesus tornou-se semelhante ao ser humano em tudo, exceto no pecado;
e, no mistério da Sua paixão-morte-ressurreição, reconciliou o ser humano com Deus e
arrebatou-o da escravidão e do pecado.

113
Em Jesus Cristo, o ser humano reencontra o caminho definitivo de união com
Deus e, com isso, o resgate da sua dignidade. Os mistérios da criação, encarnação e
ressurreição revelam ao ser humano o verdadeiro sentido da sua existência. Criado à
imagem e semelhança de Deus, é destinado a viver para sempre Nele.

2.2 A condição de criatura, em liberdade

O chamado do ser humano ao diálogo com Deus pressupõe, fundamentalmente,


a liberdade, condição para que ele se realize em plenitude e com sentido. Como criatura
livre, o ser humano é convidado a construir o plano de Deus, porque Ele é a razão última
da sua existência. Ora, Deus livremente se revela e se dá ao ser humano. O ser humano,
na condição de criatura livre, responde positiva ou negativamente ao apelo que Dele
provém para que se realize como pessoa, por meio da escolha do caminho do bem e do
seguimento do seu Filho.

Todavia, isso não significa que o ser humano, na sua condição de criatura, não
tenha consistência própria. Dotado de faculdades naturais, constituidoras do seu ser,
tem o poder de criar e transformar as coisas. No entanto, não é causa de si mesmo,
mas ser causado, ser no Ser e, por isso, somente em Deus poderá encontrar sua plena
consistência, solidificada no ato de ser livre.

A liberdade, nesse sentido, “é um sinal privilegiado da imagem divina no homem.


Pois Deus quis ‘deixar o homem entregue à sua própria decisão’, para que busque por
si mesmo o seu Criador e livremente chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a
Ele”. Para alcançar esse estado pleno da dignidade, deverá o homem proceder segundo
sua própria consciência e por livre decisão. Para isso, é preciso que ele se liberte de
tudo aquilo que o torna escravo e tenda para o seu fim pela livre escolha do bem e,
consequentemente, pelo esforço de evitar o mal.

Contudo, o ser humano pode fazer mau uso da sua liberdade, distanciando-se
de sua inclinação natural para o bem, ferindo a si mesmo e aos outros. A Antropologia
Teológica, nesse sentido, busca compreender a condição do ser humano como ser livre
e as propriedades do bem o do mal implicadas no agir humano. Fundamentalmente,
reflete sobre o sentido da vida, sobre os valores que a orientam e sobre o reto agir para
se realizar como gente.

2.3 A fraqueza humana

Desde a sua criação, o ser humano foi chamado por Deus à santidade.
Entretanto, seduzido pelo mal, afastou-se do seu Criador para buscar, fora Dele, o seu
fim. Ao descobrir-se inclinado para o mal, sujeito a muitos perigos, e ainda mais distante
de Deus e, portanto, dividido em si mesmo, o homem vive a tensão constante entre o
bem e o mal, seja em sua vida particular, seja em sua vida coletiva. Essa é a condição
humana de pecado.

114
A condição de pecador compromete a natureza originária do ser humano,
porque o diminui, impedindo-lhe de alcançar sua plena realização. Não obstante, o
resgate de sua natureza e da sua inclinação ao bem realiza-se no mistério salvador de
Jesus Cristo, que liberta o ser humano do mal, concedendo-lhe a graça de comunhão
com o seu Criador.

O ser humano, embora agraciado pela aliança com Deus, continua sendo
humano e, portanto, limitado, frágil, vulnerável. Essa sua condição o abre à perspectiva
do perdão partilhado, da reconciliação assumida como estilo de vida e da constante (re)
construção.

2.4 A peculiaridade das dimensões

Essas três dimensões, fundamentais na abordagem da Antropologia Teológica,


caracterizam o ser humano na sua relação com Deus, consigo mesmo e com os
outros: na relação com Deus, revela-se o seu caráter social, de diálogo com o Criador,
transformador de si e de sua relação com as pessoas; na liberdade, a consciência de
seus atos e de suas possíveis consequências e, por isso, do respeito consigo mesmo e
com os outros; e, na fraqueza, a sua abertura à solidariedade, devido ao desejo presente
no seu coração de reconciliação e de paz.

Essas três dimensões não se referem a três homens, mas a um só; não
correspondem a etapas sucessivas, cronologicamente presentes na história do ser
humano. Ao contrário, a condição humana de criatura é perene e, por isso, tais dimensões
convivem simultânea e diversamente na vida de cada pessoa e em cada momento da
história.

Conclusão

A investigação sobre o ser humano é a mais incrível especulação que pode ser
feita. As ciências que diretamente se ocupam dessa tarefa reconhecem o quanto o ser
humano é inesgotável e, ao mesmo tempo, fascinante; a cada descoberta, reconhece-
se a sua complexidade e beleza, vulnerabilidade e vigor.

Antropologia Teológica é isso: uma ciência que busca conhecer o ser humano
na sua integralidade. Para isso, parte de Deus e a Ele retorna, porque O considera não
somente causa, mas fim último do ser humano. Todavia, parte também da realidade
concreta do ser humano e, para isso, serve-se da contribuição das várias ciências e
se coloca em atitude de permanente diálogo com elas, a fim de que tanto a riqueza
do mistério de Deus quanto do mistério humano sejam cada vez mais conhecidas e
aprofundadas e se tornem, com isso, fonte de esperança em contextos tão controversos,
marcados por relativismos e fundamentalismos.

FONTE: Adaptado de SILVA, A. W. C. A teologia tem algo a dizer sobre o ser humano? In: SILVA, A. W. C.;
BARBOSA, L. F. S.; ZACHARIAS, R. (orgs.). Antropologia Teológica: pensar o humano na universidade. São
Paulo: Ideias & Letra, 2017. p. 15-25.
115
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• A consciência é uma instância, um poder implantado nos homens, que avalia


moralmente seus atos, pensamentos, planos e opiniões.

• O apóstolo Paulo enfatiza a sensibilidade de consciência, ao dizer que existe uma lei
natural escrita nos corações dos homens, afirmando que as leis morais de Deus já
atuavam no homem muito antes das tabuas do Sinai.

• Nos âmbitos seculares de extrema influência humanista, historicamente, sempre se


reconheceu a importância da consciência.

• Na era atual, vive-se em um relativismo, em que valores e princípios antes


paradigmáticos, foram alocados para externarem as meras expressões dos desejos e
interesses da especificidade “tribal” das pessoas.

• Ouve-se recorrentemente que os absolutos se desmoronaram diante do secularismo.

• No Novo Testamento, é mais reconhecida plenamente a importância da funcionalidade


da consciência no âmbito da vida cristã.

• O Novo Testamento alude à consciência explicitando que ela não é a autoridade


máxima final, em termos de ética, na condução da vida humana, pois ela é mutável.

• O homem habita em uma cultura problemática e moralmente decadente, fruto de


uma consciência destorcida, que enxerga o certo como errado, o mal como bem, a
vítima como algoz e vice-versa.

• Todas as coisas que são corretas e justas são determinadas única e exclusivamente
pelo caráter santo e irrepreensível de Deus e nunca pela consciência humana.

• Segundo as Escrituras, cada homem foi criado por Deus segundo a Sua própria
imagem e, devido a isso, naturalmente se encontra nos homens a expressão do dever
de se parecer com Deus.

• O desenvolvimento dos homens, ao encontro do caráter pleno, só se encontra em


Deus, sendo gradual e contínuo.

116
AUTOATIVIDADE
1  A narrativa da queda humana no Gênesis é importante para a concepção acerca
da natureza humana. Nesta, o narrador deixa em relevo a mudança em relação à
percepção que Adão e Eva tinham de si memos, ao tomaram consciência de sua
nudez. Disserte, apresentando algumas definições de consciência.

2 Em termos psicológicos, a consciência é o estado de vigília, é a função mental que


inclui as sensações, as percepções e a memória; é o estado mental relacionado à
introspecção. Numa perspectiva teológica clássica, qual seria a concepção de
consciência?

3 Histórica e classicamente, a consciência foi vista como a nossa ligação com a ética
transcendente, que reside em Deus. Com base na frase que complementa esse
pensamento, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Todavia, com a revolução social de nossa cultura, surgiu uma abordagem


diferente da consciência, a qual é chamada de visão pluralista.
b) ( ) Todavia, com a revolução moral de nossa cultura, surgiu uma abordagem
diferente da consciência, a qual é denominada visão relativista.
c) ( ) Todavia, com a revolução social, surgiu uma abordagem diferente da consciência,
a qual é denominada visão indutiva.
d) ( ) Todavia, com a revolução moral de nossa sociedade, surgiu uma abordagem
diferente da consciência, cuja abordagem é chamada de visão intimista.

4 Segundo alguns eruditos do grego bíblico da era medieval, qual é a ideia por traz da
palavra grega συνείδηση (“syneídisi”)?

a) ( ) Resiliência e positividade.
b) ( ) Indução e resignação.
c) ( ) Acusação e justificação.
d) ( ) Medo e tristeza.

5 Leia o texto a seguir:

“A consciência pode ser movida a uma sensibilidade distorcida. Se viu aqui neste
tópico que a visão evolucionaria e relativista, quanto a consciência, se fundamenta
sobre princípios de reação subjetivas a tabus impostos pela sociedade. Embora não
convincente, se pode encontrar uma ranhura de veracidade na visão evolucionária”.

Com relação às opções que correspondem ao complemento da frase supracitada,


analise as assertivas a seguir:

117
I- Pois as regras foram criadas para serem quebradas e, em determinados momentos, a
consciência corrobora esse escopo e não condena a ação humana.
II- Pois agir contra a consciência é um desafio mental.
III- Pois a ação temerária, em relação à consciência do pecado, é diminuta.
IV- Pois realmente pessoas podem ter uma consciência altamente sensibilizada, quando
formatada a um conjunto de regras e normas elaboradas por homens em detrimento
das leis divinas estabelecidas por Deus nas Escrituras.
V- Pois errar é humano e, quando se erra sem intenção, a ação é simplesmente um
equívoco.
VI- Pois as pessoas podem agir ignorando as consequências, pelo fato de nunca terem
sido orientadas ao que é realmente certo e errado.
VII- Pois agir contra a consciência é pecado.
VIII- Pois as Escrituras agem de forma a ensinar tudo o que se deve saber sobre a
natureza da consciência humana, e o homem, sabendo das leis de Deus, nunca peca
contra elas.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas as assertivas I e II estão corretas.
b) ( ) Apenas as assertivas I e III estão corretas.
c) ( ) Apenas as assertivas II e VI estão corretas.
d) ( ) Apenas as assertivas IV e VII estão corretas.
e) ( ) Apenas as assertivas II e VI estão corretas.

118
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SWINDOLL, C. O mistério da vontade de Deus. Mundo Cristão, 2004.

121
122
UNIDADE 3 —

HAMARTIOLOGIA –
DOUTRINA BÍBLICA DO
PECADO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• entender o que é o pecado e qual a sua origem;

• compreender a respeito da natureza pecaminosa no homem;

• verificar como o homem recebeu a herança pecaminosa em Adão;

• identificar as consequências do pecado;

• entender como o poder que o pecado exerce sobre a raça humana;

• compreender como o homem é justificado.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará autoati-
vidades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – A REALIDADE DO PECADO DESDE O COMEÇO


TÓPICO 2 – A QUEDA DO HOMEM
TÓPICO 3 – HERANÇA ADÂMICA DO PECADO E A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ

CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.

123
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!

Acesse o
QR Code abaixo:

124
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
A REALIDADE DO PECADO DESDE O
COMEÇO

“Pois todos pecaram e carecem da glória de Deus” (BÍBLIA SAGRADA,


Rm 3.23).

1 INTRODUÇÃO
Os termos encontrados nos escritos bíblicos para se referir à realidade do
pecado são múltiplos e variados. Na língua hebraica, os termos mais comuns são hata´t
(que aparece de diversas formas com a mesma raiz), ´awon, pesha´, ra´, e no grego
hamartia, hamartema, parabasis, paraptoma, poneria, anomia e adikia. Entre estes
termos há distinções expressas que evidenciam os diferentes aspectos mediantes os
quais se pode pensar a complexa realidade que é o pecado. O pecado é fracasso, é erro,
é iniquidade, é falta de lei, é injustiça. É um mal insolúvel, em termos humanos. Do ponto
de vista da tradição cristã, sua característica mais notável é a oposição a Deus.

Na Teologia Cristã, a doutrina do pecado é chamada de Hamartiologia. Isso se


deve ao fato de que o termo que se tornou mais popular entre os primeiros cristãos
de língua grega foi o termo hamartia. Entretanto, como visto, esse termo se ocupa de
apenas uma das dimensões do pecado. A Hamartiologia é uma disciplina e uma reflexão
que se dedica ao estudo da origem, da natureza, da tipologia, das consequências e da
universalidade do pecado, de acordo com o que se expressa nos escritos bíblicos, com
o auxílio da filosofia e das ciências da interpretação.

De acordo com a doutrina da hamartiologia, a imagem de Deus no ser humano


fez dele, originalmente, um filho à sua semelhança. E essa relação resultou nas
características associadas à imagem de Deus no ser humano (imago Dei), conforme
estudado na Unidade 2. No entanto, assim como em um organismo sadio, o vírus
torna-se um fator patológico, de modo semelhante, a entrada do pecado no mundo foi
responsável por desencadear uma reação que modificou drasticamente a história.

Neste sentido, é pertinente concordarmos com Paul Tillich (2011), um dos maiores
teólogos sistemáticos do século XX, ao afirmar que o ser humano é essencialmente
bom, mas existencialmente alienado. Tillich diz mais:

A alienação está implícita na afirmação paulina de que o ser humano


perverteu a imagem de Deus convertendo-a em ídolos, em sua
descrição clássica do “ser humano contra si mesmo”, e em sua
visão da hostilidade que o ser humano sente contra o ser humano
e combinação com seus desejos distorcidos (TILLICH, 2011, p. 257).

125
FIGURA 1 – DETALHE DA CAPELA SISTINA DA CRIAÇÃO DE ADÃO

FONTE: <https://cientistasdescobriramque.files.wordpress.com/2020/04/figura-paulo-simoes-ii.jpg>.
Acesso em: 15 ago. 2021.

De acordo com a Bíblia, o pecado afetou todos os homens em todos os tempos,


desde o início de tudo. O pecado trouxe inimizade entre o Criador e a criatura; destruiu o
estado harmônico entre a criação e as criaturas, trouxe as doenças e, consequentemente,
a morte, tanto física quanto espiritual.

O pecado é evidenciado pelo abandono da pessoa de Deus, mostrado, em


termos, na oposição que o homem faz às leis divinas. O pecado resulta de uma escolha
livre e sem critérios, ou de escolhas más, o que, claramente, se coaduna com as
Escrituras. Podemos destacar algumas passagens bíblicas referentes ao tema:

Mas a serpente, mais sagaz que todos os animais selváticos que o


Senhor Deus tinha feito, disse à mulher: É assim que Deus disse: Não
comereis de toda árvore do jardim?
Respondeu-lhe a mulher: Do fruto das árvores do jardim podemos
comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse
Deus: Dele não comereis, nem tocareis nele, para que não morrais.
Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque
Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos
e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. Vendo a mulher
que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore
desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu
também ao marido, e ele comeu (BÍBLIA SAGRADA, Gn 3.1-6).

“Tu nem as ouviste, nem as conheceste, nem tampouco antecipadamente se te


abriram os ouvidos, porque eu sabia que procederias mui perfidamente e eras chamado
de transgressor desde o ventre materno” (BÍBLIA SAGRADA, Is 48.8).

A ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e perversão


dos homens que detêm a verdade pela injustiça; porquanto o que
de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus
lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu
eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente

126
se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidos
por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso,
indesculpáveis; porquanto, tendo conhecimento de Deus, não o
glorificaram como Deus, nem lhe deram graças; antes, se tornaram
nulos em seus próprios raciocínios, obscurecendo-se-lhes o coração
insensato. Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos e mudaram
a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de homem
corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis. Por isso,
Deus entregou tais homens à imundícia, pelas concupiscências de
seu próprio coração, para desonrarem o seu corpo entre si; pois eles
mudaram a verdade de Deus em mentira, adorando e servindo a
criatura em lugar do Criador, o qual é bendito eternamente. Amém!
Por causa disso, os entregou Deus a paixões infames; porque até
as mulheres mudaram o modo natural de suas relações íntimas por
outro, contrário à natureza; semelhantemente, os homens também,
deixando o contato natural da mulher, se inflamaram mutuamente
em sua sensualidade, cometendo torpeza, homens com homens, e
recebendo, em si mesmos, a merecida punição do seu erro. E, por
haverem desprezado o conhecimento de Deus, o próprio Deus os
entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem coisas
inconvenientes, cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade;
possuídos de inveja, homicídio, contenda, dolo e malignidade;
sendo difamadores, caluniadores, aborrecidos de Deus, insolentes,
soberbos, presunçosos, inventores de males, desobedientes aos pais,
insensatos, pérfidos, sem afeição natural e sem misericórdia. Ora,
conhecendo eles a sentença de Deus, de que são passíveis de morte
os que tais coisas praticam, não somente as fazem, mas também
aprovam os que assim procedem (BÍBLIA SAGRADA, Rm 1.18-32).

“Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é
a transgressão da lei” (BÍBLIA SAGRADA, 1Jo 3.4).

Desse modo, pode-se dizer que: “enquanto o pecado como um estado é


dessemelhança de Deus, como um princípio é oposição a Deus e como um ato
é transgressão da Lei de Deus, sua essência é sempre e em toda a parte egoísmo”
(ROBINSON, 2003 apud, STRONG, 2007, p. 295).

O pecado pode ser descrito como uma árvore de vontade própria,


tendo duas raízes mestras: uma é um “não” para Deus e Seus
mandamentos, a outra é um “sim” para o Eu e interesses do Eu. Esta
árvore é capaz de dar qualquer espécie de fruto no catálogo dos
pecados. O egoísmo está sempre manifesto no pecador na elevação
de algum afeto ou desejo inferiores acima da consideração por Deus
e Sua Lei (SIMMONS, 2015).

2 O QUE É O PECADO E QUAL A SUA ORIGEM?


Pecado é transgredir as leis de Deus em pensamentos, palavras e atos. “Todo
aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão
da lei” (BÍBLIA SAGRADA, 1Jo 3.4). Ou seja, pecado é deixar a conformidade à lei moral
estabelecida por Deus, seja em atos, seja em atitudes, seja em natureza.

127
O pecado define-se, então, em afrontar a Deus e transgredir a Sua lei moral,
e isso abrange não só as ações individuais de cada homem, como furtar, mentir ou
matar, mas também atitudes que contrariam as exigências de Deus ao homem, como
os dez mandamentos, em Êxodo (BÍBLIA SAGRADA, Ex 20), que já nos principiam essas
exigências, as quais não só coíbem ações pecaminosas, mas atitudes errôneas também:
“Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o
seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que
pertença ao teu próximo” (BÍBLIA SAGRADA, Ex 20.17). Deus explicita que o anseio de
roubar ou cometer adultério também se constitui em pecado diante dEle.

FIGURA 2 – COBIÇA

FONTE: <https://www.vittude.com/blog/wp-content/uploads/traicao-infidelidade-o-que-acontece-na-men-
te-das-pessoas-1200x799.jpeg>. Acesso em: 15 ago. 2021.

Nesse sentido, pecado é deixar de se conformar à lei moral de Deus não só


em ato e em atitude, como se vê na definição dada anteriormente, mas é também
em natureza moral, ou seja, nossa própria natureza, o caráter íntimo ou a essência do
que realmente somos, pode, em certos aspectos, ser pecaminosa também. Antes da
remissão do pecado por Cristo, o homem não só cometia atos de pecado, mas também
estava em um estado de pecado que pode ser chamado de natureza de pecado, ou
seja, o homem não é pecador porque peca, mas peca porque é um pecador. Por isso, o
apóstolo Paulo que afirma que Cristo morreu “[...] por nós, sendo nós ainda pecadores”
(BÍBLIA SAGRADA, Rm 5.8), ainda que “éramos, por natureza, filhos da ira, como também
os demais” (BÍBLIA SAGRADA, Ef 2.3).

“O descrente mesmo dormindo, embora não cometa atos pecaminosos nem


nutra ativamente atitudes pecaminosas, é ainda ‘pecador’ aos olhos de Deus; ele ainda
tem uma natureza pecaminosa que não se conforma à lei moral de Deus” (GRUDEM,
1999, p. 404).

128
Desse modo, podem surgir como dúvidas “de onde veio o pecado?” e “como ele
adentrou no mundo?”. Segundo as Escrituras, o homem pecou, e antes dos homens, os
anjos pecaram; nos dois casos, o fizeram por escolha intencional e voluntária. “Mesmo
antes da desobediência de Adão e Eva, o pecado se fez presente no mundo angélico
com a queda de Satanás e dos demônios” (GRUDEM, 1999, p. 405).

Ainda sobre o pecado angélico:

Por trás da opção de desobediência de nossos primeiros pais, há uma


voz sedutora que se opõe a Deus e que, por inveja, os faz cair na morte.
A Escritura e a Tradição da Igreja veem neste ser um anjo destronado,
chamado Satanás ou Diabo. [...] ele tinha sido anteriormente um anjo
bom, criado por Deus. “Diabolus enim et alii daemones a Deo quidem
natura creati sunt boni, sed ipsi per se facti sunt mali” – “Com efeito,
o Diabo e outros demônios foram por Deus criados bons em (sua)
natureza, mas se tornaram maus por sua própria iniciativa”. A Escritura
fala de um pecado desses anjos. Esta “queda” consiste na opção livre
desses espíritos criados, que rejeitaram radical e irrevogavelmente a
Deus e seu Reino. Temos um reflexo desta rebelião nas palavras do
Tentador ditas a nossos primeiros pais: “E vós sereis como deuses”
(BÍBLIA SAGRADA, Gn 3.5). O Diabo é “pecador desde o princípio” (1Jo
3.8), “pai da mentira” (Jo 8.44) (LADARIA, 1993, p. 697-699).

Deus não pecou nem é culpado pelo pecado. As Escrituras afirmam que: “Suas
obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não há
nele injustiça; é justo e reto” (BÍBLIA SAGRADA, Dt 32.4); “não fará justiça o juiz de toda a
terra?” (BÍBLIA SAGRADA, Gn 18.25); “Longe de Deus o praticar Ele a perversidade, e do
Todo-Poderoso o cometer injustiça” (BÍBLIA SAGRADA, Jó 34.10). Deus sequer deseja a
injustiça: “Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta” (BÍBLIA
SAGRADA, Tg 1.13).

Alguns teólogos afirmam que existe um dualismo de poder no universo, um ser


bom, Deus, e um ser mal, Satanás, que detém uma força maligna e contrária de igual
potência em relação ao poder de Deus. Então, por essa força maligna, entra o pecado
no mundo. Quando se analisa as Escrituras, pode-se afirmar que essa asseveração é
quase “boba” diante da infinitude do poder de Deus. Entretanto, sabe-se que, mesmo
com poder limitado e de ínfima potência, essa força maligna, prefigurada em Satanás, a
“antiga serpente”, é o elemento que instiga a mulher à desobediência e depois a mulher,
agora portadora da malignidade gerada pela sua desobediência, instiga o homem, o
representante oficial e primaz de toda a raça humana, e ele também desobedece a
Deus. Outra coisa que se deve pensar é que Deus não fora surpreendido pelo pecado,
não houve surpresa para Ele. Deus não fora desafiado e tampouco sobrepujado em sua
onipotência ou em seu controle soberano do universo, advindo de sua providência.

129
FIGURA 3 – A SERPENTE

FONTE: <https://images.pexels.com/photos/8458997/pexels-photo-8458997.jpeg?auto=compress&cs=-
tinysrgb&dpr=2&h=650&w=940>. Acesso em: 15 ago. 2021.

Quando se pensa na origem do pecado e em como entrou no mundo, mesmo


tendo a compreensão de que ele entra através do homem, não se deve pensar que não
fora Deus o ordenador para que o pecado surgisse. Sabe-se, como já visto, que Deus
não peca nem nunca pecou e que, embora tenha ordenado que o pecado surgisse, Ele
não é o autor moral do pecado, o qual é gerado por intermédio das decisões voluntárias
das criaturas morais. Essa ordenação se dá pois Ele é quem “[...] faz todas as coisas
conforme o conselho da sua vontade” (BÍBLIA SAGRADA, Ef 1.11), Ele é o Deus que,
“segundo a sua vontade, [...] opera com o exército do céu e os moradores da terra; não
há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (BÍBLIA SAGRADA, Dn 4.35).

Talbot e Crampton afirmam que:

Não há disputa de que o pecado é uma parte do plano de Deus na


história. Nenhum cristão nega isto. De fato, de acordo com a Confissão
de Westminster, o pecado ocorreu na história como uma parte do
decreto de Deus. O cristão Reformado mantém que, de acordo com
a Bíblia, Deus pré-ordenou o pecado. Pois se o pecado estivesse fora
do plano de Deus, então teríamos que manter que Deus não controla
todas as coisas, e que algumas coisas acontecem aparte da sua
vontade soberana (TALBOT; CRAMPTON, 1999, p. 103).

Em relação aos homens, como visto, o primeiro pecado foi o de Adão e Eva no
jardim do Éden (BÍBLIA SAGRADA, Gn 3.1-19). O ato de comer aquele fruto se caracterizou
em desobediência a uma clara ordem de Deus. Segundo alguns estudiosos, essa cena
emblema o pecado original.

Segundo J. I. Packer:

130
o pecado original é o pecado derivado de nossa origem, não é
uma expressão bíblica (foi Agostinho quem a cunhou), mas é uma
expressão que traz a uma proveitosa focalização a realidade do pecado
em nosso sistema espiritual. A asserção de pecado não significa que
o pecado pertence à natureza humana como Deus a fez (“Deus fez o
homem reto”, Ec 7.29),nem que o pecado está envolvido no processo
de reprodução e nascimento (a impureza ligada à menstruação,
esperma e parto, em Levítico 12 e 15 era somente típico e cerimonial,
não moral e real), mas sim que (a) a pecabilidade marca todos desde
o nascimento, e está lá na forma de um coração motivacionalmente
torcido, anterior a quaisquer pecados reais; (b) esta pecabilidade
interior é a raiz e fonte de todos os pecados reais; (c) ela nos vem
por derivação de uma forma real, embora misteriosa, desde Adão,
nosso primeiro representante diante de Deus. A afirmação do pecado
original indica intrinsicamente que não somos pecadores porque
pecamos, mas sim que pecamos porque somos pecadores, nascidos
com a natureza escravizada ao pecado (PACKER, 1998, p. 78-79).

Em tudo explicitado anteriormente, pode-se dizer que o pecado original


atingiu a base do conhecimento, pois deu uma resposta diferente à pergunta: “O
que é verdadeiro?”. Deus dissera que Adão e Eva morreriam se comessem da árvore
(BÍBLIA SAGRADA, Gn 2.17), mas a serpente afirmou: “É certo que não morrereis” (BÍBLIA
SAGRADA, Gn 3.4). Eva decidiu duvidar da veracidade da palavra de Deus e, então, fez
uma experiência para ver se Deus falava realmente a verdade. O pecado original atingiu,
também, a base dos parâmetros morais, pois deu uma resposta diferente à pergunta: “O
que é certo?”. Deus dissera que era moralmente certo que Adão e Eva não comessem o
fruto daquela única árvore (BÍBLIA SAGRADA, Gn 2.17), mas a serpente sugeriu que seria
certo comer do fruto e que, ao comê-lo, Adão e Eva se tomariam “como Deus” (BÍBLIA
SAGRADA, Gn 3.5).

Eva confiou na sua própria avaliação do que era certo e do que seria melhor para ela,
negando às palavras de Deus a prerrogativa de definir o certo e o errado. Ela viu “que a árvore
era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento” e,
portanto, “tomou-lhe do fruto e comeu” (BÍBLIA SAGRADA, Gn 3.6). Ainda, o pecado original
deu uma resposta diferente à pergunta: “Quem sou eu?”. A resposta correta era que Adão
e Eva eram criaturas de Deus, dependentes dEle e sempre subordinadas a Ele, seu Criador
e Senhor. Todavia, Eva e, depois, Adão sucumbiram à tentação de ser “como Deus” (BÍBLIA
SAGRADA, Gn 3.5), tentando, assim, colocar-se no lugar de Deus.

É importante insistir na veracidade histórica da narrativa da queda de Adão


e Eva. Assim como o relato da criação de Adão e Eva está vinculado ao restante da
narrativa histórica do livro de Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn 7), também esse relato
da queda do homem, que se segue à história da sua criação, é apresentado como
história objetiva e verídica. Além do mais, os autores do Novo Testamento remontam
a esse relato e afirmam que “por um só homem entrou o pecado no mundo” (BÍBLIA
SAGRADA, Rm 5.12), insistindo em que “o julgamento derivou de uma só ofensa, para a
condenação” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5.16) e em que “a serpente enganou a Eva com a
sua astúcia” (BÍBLIA SAGRADA, 2Co 11.3; conferir também 1Tm 2.14). A serpente era, sem

131
dúvida, uma serpente real e palpável, que falava em virtude da inspiração de Satanás
(BÍBLIA SAGRADA, Gn 3.15; Rm 16.20; Nm 22.28-30; Ap 12.9; 20.2).

Finalmente, importa observar que todo pecado é em última análise


irracional. Na verdade não faz sentido que Satanás se tenha rebelado
contra Deus na esperança de poder exaltar-se acima de Deus. Nem
que Adão e Eva tenham pensado que poderia advir algum benefício da
desobediência às palavras do seu Criador. Foram decisões insensatas.
A persistência de Satanás na rebelião contra Deus, mesmo hoje, é
ainda decisão insensata, como a decisão de qualquer ser humano de
continuar num estado de rebeldia contra Deus. Não é o homem sábio,
mas o “insensato”, que “diz [...] no seu coração: Não há Deus” (Salmo
14.1). E o “insensato” no livro de Provérbios que irresponsavelmente
se entrega a todo tipo de pecado (ver Provérbios 10.23; 12.15; 14.7, 16;
15.5; 18.2). Embora as pessoas, às vezes, se convençam de que têm
bons motivos para pecar, quando examinadas à fria luz da verdade
no último dia, se verá em cada caso que o pecado em última análise
simplesmente não faz sentido (GRUDEM, 1999, p. 406).

3 NATUREZA PECAMINOSA
“Nós podemos definir a natureza pecaminosa do homem como uma forte
disposição da mente para o mal (Cl 1.21; Rm 8.5-7)” (CHEUNG, 2005 apud ARAÚJO NETO,
2005), ou seja, essa natureza pecaminosa é aquele aspecto no homem que o torna um
rebelde contra a pessoa santa de Deus. Quando se fala da natureza pecaminosa, faz-se
referência ao homem ter uma afeição natural pelo pecado; o homem sempre escolhe
fazer sua própria vontade, em vez de escolher fazer a vontade de Deus.

A natureza pecaminosa se ratifica em, ao olhar para a própria criatura, por


exemplo, perguntar-se “quem ensina uma criança a mentir ou agir egoisticamente?”.
Percebe-se que elas agem assim naturalmente, então o caminho didático é inverso; é
preciso ensinar as crianças a dizerem a verdade e serem altruístas. O comportamento
humano é totalmente inclinado ao pecado e o pecado brota naturalmente.

FIGURA 4 – A MALDADE

FONTE: <https://img.r7.com/images/2015/05/29/91lr8vb5lv_4fx7f3zt7t_file>. Acesso em 15 ago. 2021.


132
A humanidade age naturalmente de forma má – onde os seres humanos estão,
estão também os problemas de toda sorte. Lawson (2012, p. 365), citando Charles
Spurgeon: “Como o sal salga cada gotícula do oceano, assim o pecado afeta todos os
átomos da natureza humana. Está tão tristemente lá, tão fartamente lá, que se você
não puder detectá-lo, então você está ludibriado”. Ainda que “O veneno do pecado
se encontra na própria fonte de nosso ser; envenenou nosso coração. Está no tutano
de nossos ossos, e é tão natural para nós quanto qualquer coisa que nos pertence”
(LAWSON, 2012, p. 278).

As Escrituras Sagradas trazem à tona a razão do problema: a humanidade é


pecadora não somente em suas hipóteses ou em suas práticas, mas o é por natureza. O
pecado está atado aos homens como estão todas a fibras musculares em cada homem
que vive sobre a Terra. Em Romanos (BÍBLIA SAGRADA, Rm 8: 3), a bíblia chama o
homem de “carne do pecado” ou “carne pecaminosa”, enquanto Colossenses (BÍBLIA
SAGRADA, Cl 3.5) traz uma lista de pecados e a atrela à “natureza terrena” do homem
e Romanos (BÍBLIA SAGRADA, Rm 6.6) alude ao corpo do pecado. A existência humana
vivida fisicamente é modelada pela natureza pecaminosa e cheia de corrupção que
habita cada ser que nasce.

Todos os homens têm uma natureza pecaminosa, que afeta cada parte do seu
ser. Isso é o que se chama na Teologia Cristã reformada de “depravação total”. Todo
homem se desviou do propósito de Deus, que é espelhar as virtudes de Deus (BÍBLIA
SAGRADA, Is 53.6). O apóstolo Paulo, em Romanos (BÍBLIA SAGRADA, Rm 7.14), diz: “eu,
todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado” e continua: “de mim mesmo, com
a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado” (BÍBLIA
SAGRADA, Rm 7.25). O rei Salomão corrobora que “Não há homem justo sobre a terra que
faça o bem e que não peque” (BÍBLIA SAGRADA, Ec 7.20). O apóstolo João é ainda mais
franco sobre o tema: “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos
enganamos, e a verdade não está em nós” (BÍBLIA SAGRADA, 1Jo 1.8).

Quando dizemos que todos os seres humanos têm uma natureza pecaminosa,
isso abrange até os infantes. É o que o rei Davi diz no Salmo (BÍBLIA SAGRADA, Sl 51.5),
quando mostra que o pecado já fazia parte da sua constituição humana: “Eu nasci na
iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe”. E corrobora a ideia quando afirma:
“Desviam-se os ímpios desde a sua concepção; nascem e já se desencaminham,
proferindo mentiras” (BÍBLIA SAGRADA, Sl 58.3).

Após considerarmos acerca do que é a natureza pecaminosa, é necessário


entendermos, afinal, de onde surge o pecado e por que se perpetua.

A Bíblia diz que Deus criou os homens bons e sem uma natureza pecaminosa:
“Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher
os criou” (BÍBLIA SAGRADA, Gn 1. 27). No entanto, em Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn
3), é registrado que o homem desobedece a Deus e sucumbe diante do pecado e,

133
fundamentado nessa ação, o pecado entra em sua natureza. Instantaneamente, eles
sofreram as consequências dos seus atos e foram imediatamente atingidos por uma
sensação de vergonha e inabilidade, escondendo-se da presença de Deus (BÍBLIA
SAGRADA, Gn 3.8). Quando geraram filhos, juntamente com a transmissão da imagem
de Deus, também transmitiram a natureza pecaminosa, e isso se evidencia quando, logo
na primeira linhagem descendente, o primeiro filho Caim mata seu irmão Abel (BÍBLIA
SAGRADA, Gn 4.8).

Desse modo, geração após geração, a natureza pecaminosa passa de pai para
filho e, consequentemente, a toda raça humana. “Portanto, assim como por um só
homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte
passou a todos os homens, porque todos pecaram” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5.12).

Quando o pecador é regenerado por Cristo, não é apenas uma forte disposição
da mente para o mal que é crucificada, mas, sim, o velho homem é crucificado, uma
natureza em sujeição ao pecado é crucificada e morta, e esta não deverá nunca mais ser
ressurreta. Na conversão a Cristo, na qual o homem é regenerado, ou gerado de novo,
não há apenas a circuncisão de uma disposição mental, mas o desapossar do corpo da
carne, a circuncisão espiritual de Cristo (BÍBLIA SAGRADA, Cl 2.11).

QUADRO 1 – TIPOS DE PECADO

Termos Ideia/definição Referência bíblica


Hebraico awon Iniquidade; perversão Gênesis, 15:16
chattath Errar o alvo Gênesis, 4:7
pesha Revolta contra o padrão, Gênesis, 50:17
transgredir
Tame Ser impuro, imundo Isaías, 6:5

Grego adikia Injustiça; injusto Romanos, 6:13


anomia Sem lei; iniquidade 1 João, 3:4
Impiedade; falta de Romanos, 1:18
reverência
asebeia Malícia; malignidade Romanos, 1:29
kakia Injustiça; injusto Romanos, 6:13
FONTE: O autor

134
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Há múltiplos e diversos termos para se referir ao pecado, e que o termo mais usado
pelos cristãos é o termo hamartia.

• Segundo as Escrituras, o pecado afetou todos os homens em todos os tempos, desde


o início de tudo.

• O pecado trouxe inimizade entre o Criador e a criatura; destruiu o estado harmônico


entre a criação e as criaturas, trouxe as doenças e, consequentemente, a morte,
tanto física quanto espiritual.

• O pecado pode ser descrito como uma árvore de vontade própria, tendo duas raízes
mestras: uma é um “não” para Deus e Seus mandamentos, a outra é um “sim” para o
Eu e interesses do Eu.

• Pecado é deixar de se conformar à lei moral de Deus não só em ato e em atitude, mas
também em natureza moral.

• O pecado é o descumprimento da lei moral de Deus, e se originou na Terra através do


primeiro homem.

• Deus não é autor do pecado, mas o seu ordenador.

• A natureza pecaminosa é o aspecto que torna o homem rebelde contra Deus, bem
como inclina a vontade do homem para o mal, atingindo todos os homens adultos ou
crianças, sendo transmitida pela concepção natural.

• O pecado original é o pecado derivado de nossa origem, não sendo uma expressão
bíblica, mas cunhada por Agostinho de Hipona.

• Não somos pecadores porque pecamos, mas, sim, pecamos porque somos pecadores,
nascidos com a natureza escravizada ao pecado.

• A natureza pecaminosa do homem é uma forte disposição da mente para o mal.


Todos os homens têm uma natureza pecaminosa, que afeta cada parte do seu ser.

• As Escrituras dizem que Deus criou os homens bons e sem natureza pecaminosa.

135
• Em Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn 3) é registrado que o homem desobedece a Deus
e sucumbe diante do pecado e que, fundamentado nessa ação, o pecado entra em
sua natureza.

• Geração após geração, a natureza pecaminosa passa de pai para filho e,


consequentemente, a toda raça humana.

• Quando o pecador é regenerado por Cristo, não é apenas uma forte disposição da
mente para o mal que é crucificada, mas, sim, o velho homem é crucificado, uma
natureza em sujeição ao pecado é crucificada e morta, e esta não deverá nunca mais
ser ressurreta.

136
AUTOATIVIDADE
1 Na perspectiva bíblica, o pecado não é somente o ato de praticar o mal, como também
um estado de alienação em relação a Deus. Como se pode descrever o pecado?

2 O ensino bíblico a respeito do pecado apresenta nitidamente dupla face: a depravação


abissal da humanidade e a sobrepujante glória de Deus. A sombra do pecado está
sob cada aspecto da existência humana. Disserte sobre a definição de natureza
pecaminosa.

3 O pecado é fracasso, é erro, é iniquidade, é falta de lei, é injustiça; é um mal insolúvel,


em termos humanos. Do ponto de vista bíblico, sua característica mais notável é a
oposição a Deus. Sobre o que é pecado e qual a sua origem, classifique V para as
sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) O pecado se define, entre outras coisas, em afrontar a Deus e transgredir a sua lei
moral, e isso abrange não só as ações individuais de cada homem, como furtar, mentir
ou matar, mas também atitudes que contrariam as exigências de Deus ao homem.
( ) O descrente (o homem não redimido), mesmo dormindo, embora não cometa atos
pecaminosos nem nutra ativamente atitudes pecaminosas, é ainda “pecador” aos
olhos de Deus; ele ainda tem uma natureza pecaminosa que não se conforma à lei
moral de Deus.
( ) Mesmo antes da desobediência de Adão e Eva, o pecado se fez presente no mundo
angélico com a queda de Satanás e dos demônios.
( ) O pecado não surpreendeu a Deus, ele não foi pego de surpresa. O pecado não
desafiou ou sobrepujou a sua onipotência ou o seu controle providencial do universo.
( ) “Em relação aos homens, o primeiro pecado foi o de Adão e Eva no jardim do Éden”
(Gn 3.1-19). O ato de comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal é, em
muitos aspectos, típico do pecado em geral.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F – V – F.
b) ( ) V – F – V – V – F.
c) ( ) V – V – V – V – V.
d) ( ) F – V – V – V – V.
e) ( ) V – F – F – F – F.

4 Para os povos de Israel, o pecado é muito mais do que a violação de um tabu ou a


transgressão de um estatuto externo. Significa o rompimento de um relacionamento
pessoal com Deus, a traição da confiança que Ele tem no ser humano. O ser humano
se torna mais consciente da sua pecaminosidade quando está na presença do Deus
santo. Sobre natureza pecaminosa, analise as sentenças a seguir:

137
I- Nós podemos definir a natureza pecaminosa do homem como uma forte disposição
da mente para o bem e para mal.
II- O comportamento humano é totalmente inclinado ao pecado, o qual brota
naturalmente.
III- Como o sal salga cada gotícula do oceano, assim o pecado afeta todos os átomos da
natureza humana. Está tão tristemente lá, tão fartamente lá, que se você não puder
detectá-lo, então você está ludibriado.
IV- A natureza pecaminosa só é destruída após o homem ser crucificado, morto e
sepultado com Cristo.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) Apenas a sentença I está incorreta.
b) ( ) Apenas a sentença II está correta.
c) ( ) As sentenças I e III estão corretas.
d) ( ) Apenas a sentença IV está incorreta.

5 Com relação ao pecado original ter mudado a essência de nossa humanidade como
foi criada originalmente, analise as assertivas a seguir:

I- A maior parte das denominações, apesar de suas diferenças, no que diz respeito ao
grau de decaimento, faz algum tipo de distinção entre o que chamaríamos de imagem
de Deus, segundo a qual fomos criados em sentido mais amplo, e imagem de Deus
em sentido mais estrito.
II- Em nossa humanidade, fomos criados num sentido mais amplo, no qual certos traços
nos fazem seres humanos: nossa habilidade de pensar, o fato de que temos uma
alma etc.
III- Originalmente, tínhamos a capacidade ímpar de refletir o caráter e a santidade de
nosso criador.
IV- Creio que a queda penetrou até o próprio âmago, até o centro de nossa vida espiritual
e moral. Isso afeta todas as nossas partes. Afeta nossas mentes e nossos corpos.

Assinale a alternativa CORRETA:


a) ( ) As assertivas I e III estão corretas.
b) ( ) As assertivas II e IV estão corretas.
c) ( ) As assertivas III e IV estão corretas.
d) ( ) As assertivas II e III estão corretas.
e) ( ) Todas as assertivas estão corretas.

138
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
A QUEDA DO HOMEM

1 INTRODUÇÃO
A queda do homem é o momento registrado nas Escrituras em que Adão e Eva
desobedeceram a Deus. Esse ato terrível do primeiro casal é chamado na Teologia de
pecado original, pois foi, nesse momento, que o pecado contaminou a humanidade,
deslocando-a do seu estado original de criação, causando, assim, a separação entre
Deus e o homem.

O primeiro homem, Adão, fora criado à imagem de Deus, e o homem era bom e
justo, no começo de tudo (BÍBLIA SAGRADA, Ec 7.29).

Então, Deus, o criador, colocou o homem no jardim do Éden, para que ele o
cultivasse, para que trabalhasse a terra, e deu ordens para que o homem não comesse
da árvore do conhecimento do bem e do mal.

FIGURA 5 – A QUEDA

FONTE: <https://dansimoncelos.files.wordpress.com/2018/01/a-velha-e-a-nova-vida.jpg?w=700>. Acesso


em: 15 ago. 2021.

“O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-
lo. E o Senhor Deus ordenou ao homem: “Coma livremente de qualquer árvore do jardim,
mas não coma da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque no dia em que dela
comer, certamente você morrerá” (BÍBLIA SAGRADA, Gn 2.15-17).

139
Todavia, o Diabo, ou Satanás, apareceu à mulher em forma de uma serpente e
a enganou, induzindo a mulher a comer da árvore do conhecimento do bem e do mal.
A mulher, uma vez enganada, também deu daquele fruto, ao qual Deus proibira que
comessem, a Adão seu marido. E assim, ambos pecaram contra o Deus criador (BÍBLIA
SAGRADA, Gn 3.1-13; 1Tm 2.14).

Deus, diante dessa situação, pronuncia uma maldição contra o primeiro casal,
que incluiu dor, trabalho árduo e morte física (BÍBLIA SAGRADA, Gn 3.16-19), e os
expulsou do jardim do Éden (BÍBLIA SAGRADA, Gn 3.23). “Assim o homem caiu do seu
estado original e o pecado produziu efeitos devastadores na humanidade” (CHEUNG,
2003, p. 112).

2 ADÃO, O REPRESENTANTE FEDERAL DA HUMANIDADE


“Adão, como representante federal, é uma referência a ele em seu papel de
representante de toda a humanidade no jardim do Éden” (CHEUNG, 2003, p. 112).

As Escrituras ensinam, sobre o conceito de cabeça federal, que o pecado de


Adão foi uma ação em nome de todos os seus descendentes. Passando, assim, Adão, a
representar todos os homens, enquanto raça, na mente de Deus. Logo, diante da queda
de Adão, toda a humanidade cai com ele: “[...] portanto, assim como por um só homem
entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a
todos os homens, porque todos pecaram [...] pois assim como, por uma só ofensa, veio
o juízo sobre todos os homens para condenação [...]” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5.12,18).

Deus, o criador, de forma soberana determinou que Adão representaria a todos


os homens no jardim do Éden: “Adão representou a raça humana no Éden como um
‘cabeça federal’ e não como um ‘cabeça orgânico’. Toda a humanidade está condenada
por seu pecado, não por causa de relação física com ele, mas porque ele a representava
na mente divina” (CHEUNG, 2003, p. 112). Assim, cada ser humano gerado e nascido na
condição de descendente adâmico estaria condenado pela culpa gerada e herdada pelo
pecado mesmo antes de ter o ser humano qualquer oportunidade de cometer pecados
de cunho pessoal. Quando Adão peca, toda a raça humana peca com ele e, quando ele
ficou sob condenação, toda a raça humana ficou sob condenação (BÍBLIA SAGRADA,
Rm 5.18).

3 O PECADO ORIGINAL
O termo pecado original se refere à culpa que foi herdada de Adão, e não ao
pecado cometido por ele primordialmente.

140
O termo é enganoso. Ele alude a alternativas que incluiriam – culpa
original – e talvez – pecado herdado –, mas entende que culpa
original, por ser compreendida incorretamente como se referindo
ao pecado de Adão, e pecado herdado pode ser compreendido
incorretamente como se referindo à transmissão de culpa baseada
na nossa relação física com ele (GRUDEM, 1994, p. 494-495, grifo
nosso).

Entretanto, como Adão representou a raça humana na mente de Deus, a sua


culpa nos foi imputada também na mente de Deus. Para maior precisão, pode-se pensar
que Adão representou apenas cada um dos membros da raça humana que pertencia
ao grupo de pessoas conferidas a ele na mente de Deus, e que cada indivíduo atribuído
a ele é o todo da raça humana. A única exceção de um indivíduo nascido humano foi
Jesus, o Cristo.

FIGURA 6 – PECCATUM ORIGINALE

FONTE: <http://bibleing.com/images/downloads/tissot-gods_curse-lr.jpg>. Acesso em: 15 ago. 2021.

Cristo descende de Adão de forma atributiva, ou seja, herdou seus atributos


humanos quando foi encarnado, sem, porém, herdar o pecado. Isso significa que
Jesus nasceu sem a culpa imputada ou corrupção herdada, confirmando que os
efeitos do pecado praticado por Adão foram, de forma soberana, imputados aos seus
descendentes, e não transferidos por alguma relação física.

Cristo é achado como o cabeça federal dos eleitos, Ele é o outro Adão, conforme
aponta a Bíblia, “O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente. O último Adão, porém,
é espírito vivificante” (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.45). Ou seja, o primeiro Adão trouxe a
imputação da culpa, já o segundo a imputação da justiça que todo eleito ou, em
termos mais simples, todo salvo por Jesus, através da regeneração nEle mesmo, recebe
única e exclusivamente pela fé na obra redentora de Cristo Jesus.

141
Alguns versos da Bíblia apontam para a culpa imputada que o homem recebeu
de Adão:

Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo,


e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os
homens, porque todos pecaram. Porque até ao regime da lei havia
pecado no mundo, mas o pecado não é levado em conta quando
não há lei. Entretanto, reinou a morte desde Adão até Moisés, mesmo
sobre aqueles que não pecaram à semelhança da transgressão de
Adão, o qual prefigurava aquele que havia de vir. Todavia, não é assim
o dom gratuito como a ofensa; porque, se, pela ofensa de um só,
morreram muitos, muito mais a graça de Deus e o dom pela graça de
um só homem, Jesus Cristo, foram abundantes sobre muitos. O dom,
entretanto, não é como no caso em que somente um pecou; porque
o julgamento derivou de uma só ofensa, para a condenação; mas
a graça transcorre de muitas ofensas, para a justificação. Se, pela
ofensa de um e por meio de um só, reinou a morte, muito mais os
que recebem a abundância da graça e o dom da justiça reinarão em
vida por meio de um só, a saber, Jesus Cristo. Pois assim como, por
uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação,
assim também, por um só ato de justiça, veio a graça sobre todos
os homens para a justificação que dá vida. Porque, como, pela
desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores,
assim também, por meio da obediência de um só, muitos se tornarão
justos (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5.12-19).

“Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (BÍBLIA


SAGRADA, Sl 51.5). “Desviam-se os ímpios desde a sua concepção; nascem e já se
desencaminham, proferindo mentiras” (BÍBLIA SAGRADA, Sl 58.3). “Porque, assim como,
em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo” (BÍBLIA
SAGRADA, 1Co 15.22).

O homem não herdou de Adão somente a culpa pelo pecado, mas também a
natureza pecaminosa, o que significa dizer que o homem não é culpado diante de Deus
somente por seu pecado, mas também por uma disposição para o pecado e rebelião
contra as leis de Deus. Corrupção herdada é o termo que teólogos cunharam para
designar a disposição pecaminosa que o homem recebe da herança adâmica.

Para alguns estudiosos, a doutrina da queda deveria beber nas fontes filosóficas
seculares, que apontam que os homens nascem dispostos a fazer o bem. A Bíblia, porém,
não corrobora com essa ideia, como mostra o livro de Provérbios: “A estultícia está
ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela” (BÍBLIA SAGRADA,
Pv 22.15). O apóstolo Paulo ensina que: “[...] todos nós andamos outrora, segundo as
inclinações da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos,
por natureza, filhos da ira, como também os demais” (BÍBLIA SAGRADA, Ef 2.3).

Existe uma certa resistência acerca do ensino sobre culpa imputada e da


corrupção herdada. Alguns, que se professam cristãos, negam que, em algum momento,
tenham pecado alguma vez. Eles até admitem ter errado, por conta de sua fraqueza

142
humana, e cometido uma série de enganos, mas não entendem como rótulo de pecado
as transgressões por eles praticadas. Há uma diferença abissal entre o que eles pensam
sobre pecado e o que a Bíblia ensina sobre pecado.

A definição que a Bíblia traz sobre pecado é que este nada mais é do que “toda
transgressão contra as leis estabelecidas por Deus”. O apóstolo João escreve, em sua
epístola primeira, que: “Todo aquele que pratica o pecado também transgride a lei,
porque o pecado é a transgressão da lei” (BÍBLIA SAGRADA, 1Jo 3.4).

O homem peca quando não executa as ordens de Deus da forma que deveria
ou quando não leva em conta as proibições de Deus. Deve-se pensar, então, que, se
o pecado viola a lei moral de Deus, toda ação particular que é pecaminosa deve ser
definida a partir da relação com essa lei moral e, diante disso, asseverar se uma violação
aconteceu. Visto que a lei moral de Deus trata de todas as áreas, desde as subjetivas,
como os pensamentos, até as objetivas, como ações, quer a lei tenha mandamentos
explicitados ou inferências apenas, é certo dizer que nem pensamentos nem ações são
neutros moralmente falando: “Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa
qualquer, fazei tudo para a glória de Deus” (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 10.31).

Jesus esclarece, no teor dos evangelhos, que todos os mandamentos morais de


Deus não somente administram as ações do homem, como também seus pensamentos
são governados por essa lei.

Matar uma pessoa, por exemplo, não é somente um ato objetivamente físico,
mas envolve a subjetividade dos pensamentos. Ninguém começa matando fisicamente,
mas, sim, na mente:

Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar
estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que
[sem motivo] se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e
quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do
tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo
(BÍBLIA SAGRADA, Mt 5.21-22).

Outro exemplo que o próprio Jesus dá nos textos de seu Evangelho é sobre o
adultério. Nenhuma imoralidade sexual se dá fora do corpo, toda imoralidade começa
no coração do homem e é explicitada externamente somente mais tarde, seja em ato
sexual com parceria, seja em autossexo, entre outras situações. Jesus diz: “Ouvistes o
que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher
com intenção impura, no coração, já adulterou com ela” (BÍBLIA SAGRADA, Mt 5.27-28).

Jesus, no Evangelho de Marcos, explica que o pecado tem seu nascedouro na


mente do homem: “Porque de dentro, do coração dos homens, é que procedem os maus
desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, as malícias,
o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura” (BÍBLIA SAGRADA, Mc 7.21-
22). Nesse sentido, tudo que transparece ser pecado de cunho físico é, na realidade, de

143
concepção mental. Sabe-se, naturalmente, que nem todo pecado concebido na mente
se externaliza, mas todo pecado fisicamente praticado nasceu no coração do homem.
É certo que muitos homens cometem mais pecados físicos que outros, mas todos os
homens pecam em seus pensamentos, desagradando a Deus recorrentemente.

FIGURA 7 – CORAÇÃO MALIGNO

FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/c3/51/06/c3510644605a386477ebd2c683642b03.jpg>. Acesso


em: 15 ago. 2021.

Ainda pecamos em palavras, que parece ser um meio termo entre o físico e
o abstrato. Segundo Jesus: “Digo-vos que de toda palavra frívola que proferirem os
homens, dela darão conta no Dia do Juízo” (BÍBLIA SAGRADA, Mt 12.36). Todos os
homens, em algum momento, usam de termos frívolos e palavras de cunho duvidoso
para se referir a algo ou alguém. Assim, agem porque todo o homem é pecador por
natureza, de acordo com o apóstolo Paulo, “pois todos pecaram e carecem da glória
de Deus” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 3.23), enquanto João afirma que: “Se dissermos que
não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está
em nós [...]. Se dissermos que não temos cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a
sua palavra não está em nós [...]” (1Jo 1.8,10). Os Salmos (BÍBLIA SAGRADA, Sl 130.3-4)
advertem que a menos que o Senhor Deus traga perdão a alguns dos homens, ninguém
poderá estar justificado em sua presença: “Se observares, Senhor, iniquidades, quem,
Senhor, subsistirá? Contigo, porém, está o perdão, para que te temam”.

Ninguém é inocente diante de Deus. Todo ser humano é culpado desde que
nasceu mediante a imputação do pecado de Adão, mas não somente isso, todo ser
humano também herdou de Adão uma disposição totalmente pecaminosa, que traz
rebeldia e desafia comumente a Deus em ações, pensamentos e palavras por toda a
vida. O resultado disso é a morte, pois todo homem se encaminha para uma condenação
eterna, somente cambiada pela intervenção salvífica de Jesus através do Espírito Santo.

144
“O pecado operou um dano considerável na pessoa humana” (CHEUNG, 2003,
p. 115). Estudiosos apontam argumentos que implicam a descaracterização de Adão
como imagem de Deus, ou seja, Deus criou o homem a sua imagem e semelhança, mas
o pecado alterou essa condição a ponto de os descendentes gerados após a queda
serem apenas imagem do homem, a partir do próprio Adão. Os sustentadores desse
argumento inferem a passagem de Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn 5.1-3):

Este é o livro da genealogia de Adão. No dia em que Deus criou o


homem, à semelhança de Deus o fez; homem e mulher os criou,
e os abençoou, e lhes chamou pelo nome de Adão, no dia em que
foram criados. Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um filho à sua
semelhança, conforme a sua imagem, e lhe chamou Sete.

Apesar disso, essa passagem não traz indicativos de que a imagem de Deus fora
de tal modo distorcida que o que se obteve de Adão, após a queda, foi apenas imagem de
homem. Nesse sentido, o que se lê e se consegue observar claramente é que Adão fora
feito a imagem de Deus e sua descendência à sua própria imagem. Pode-se valer aqui
de uma simples equação: se X = Y e Y = Z, isso resulta em X = Z. A passagem bíblica não
aponta, em hipótese alguma, uma mudança imagética de nenhuma sorte, apenas se
propõe retratar a continuidade da imagem de Deus através do primeiro homem criado,
em vez de deformá-la ou extingui-la. Adão portava a imagem de Deus e a passou a seus
descendentes, e esse deve ser ponto pacífico.

É possível encontrar outros textos que corroboram a permanência imagética de


Deus nos homens. Passadas algumas gerações após Adão, Deus fala com Noé sobre
a punição a quem matar seu semelhante: “Se alguém derramar o sangue do homem,
pelo homem se derramará o seu; porque Deus fez o homem segundo a sua imagem”
(BÍBLIA SAGRADA, Gn 9.6). Da mesma forma, o apóstolo e irmão de Jesus, Tiago, discorre
observando ser errado amaldiçoar outros homens, pois eles foram “[...] com ela [língua],
amaldiçoamos os homens, feitos à semelhança de Deus” (BÍBLIA SAGRADA, Tg 3.9).

Diante desses versos, pode-se argumentar que seria ilegítimo apelar à imagem
de Deus no homem se essa imagem não mais existisse. Entretanto, esses exemplos
bíblicos a respeito da imagem de Deus são, de modo óbvio, autorizados e legítimos. O
primeiro exemplo vem da fala do próprio Deus e o segundo, da pena de um apóstolo.

Outro argumento que se deve considerar é que se, por definição, o homem só
o é pela imagem de Deus nele, então, se essa imagem não mais existisse ou estivesse
sobremodo desfigurada, o homem não seria mais homem. No entanto, sabemos que
a imagem de Deus no homem não permaneceu completamente intacta, ou seja,
o pecado trouxe certas nuances de distorções. A queda do homem alterou a ordem
perfeita das coisas, e aquilo que era “muito bom” deixou de ser assim, como se pode
ver em Gênesis (BÍBLIA SAGRADA, Gn 6.5): “Viu o Senhor que a maldade do homem
se havia multiplicado na terra e que era continuamente mau todo desígnio do seu
coração”, versículo que descreve apropriadamente a natureza humana e sua inclinação
pecaminosa impressa nos “pensamentos” inclinados ao mal.

145
FIGURA 8 – MALDADE HUMANA

FONTE: <https://thumbs.dreamstime.com/z/homem-com-olho-vermelho-39080952.jpg>. Acesso em: 15


ago. 2021.

O apóstolo Paulo diz que satisfazer “as inclinações da nossa carne” (da natureza
humana) é seguir “fazendo a vontade da carne e pensamentos” (seguindo desejos e
pensamentos maus) (BÍBLIA SAGRADA, Ef 2.3). No mesmo enfoque, Jesus diz que:
“Porque do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição,
furtos, falsos testemunhos, blasfêmias” (BÍBLIA SAGRADA, Mt 15.19). Portanto, é assim
que as Escrituras definem a natureza humana pecaminosa, como uma disposição
maligna de sua própria mente ou, ainda, como uma disposição para pensamentos e
ações que contrariam as normas ou os preceitos das Escrituras.

Todos os homens (descendentes adâmicos), com exceção de Jesus, herdaram


a disposição de contrariar os preceitos divinos, segundo dizem as Escrituras:

• “Porque os que se inclinam para a carne cogitam das coisas da carne; mas os que
se inclinam para o Espírito, das coisas do Espírito. Porque o pendor da carne dá para
a morte, mas o do Espírito, para a vida e paz. Por isso, o pendor da carne é inimizade
contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar” (BÍBLIA
SAGRADA, Rm 8.5-7).
• “Nos quais o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes
não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus”
(BÍBLIA SAGRADA, 2Co 4.4).
• “E a vós outros também que, outrora, éreis estranhos e inimigos no entendimento
pelas vossas obras malignas” (BÍBLIA SAGRADA, Cl 1.21).

De acordo com esses versículos, as Escrituras retratam o pecado “como um


lapso na racionalidade” (CHEUNG, 2003, p. 117). Em Eclesiastes (BÍBLIA SAGRADA, Ec
7.25), diz-se que “a perversidade é insensatez e a insensatez, loucura” e, em Provérbios
(BÍBLIA SAGRADA, Pv 6.32), “O que adultera com uma mulher está fora de si [...]”.
Aludindo a recusa de alguns em adorar o Deus Verdadeiro, o apóstolo Paulo escreve
que: “Inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 1.22). A
insurreição contra o Deus Santo definitivamente é sem nenhum sentido. Enquanto

146
alguém apresenta tendência à desobediência às Escrituras, esse permanece deficiente
naquilo que julga e entende. Por conseguinte, “O temor do Senhor é o princípio da
sabedoria; revelam prudência todos os que o praticam [...]” (BÍBLIA SAGRADA, Sl 111.10).

A inferência dos versículos tenta demonstrar que, apesar do aparato intelectual


do descrente permanecer nele e existindo continuamente por toda a sua vida,
a disposição pecaminosa em sua mente elenca críticas à pessoa e à obra de Deus,
partindo de falsas premissas. A mente do descrente ou incrédulo aponta vieses
avessos à verdade de Deus, o que o leva a eleger princípios errados, os quais se tornam
primazes na construção de sua cosmovisão. O resultado disso é uma percepção falsa e
completamente ilusória de uma realidade complexa.

Ainda que um descrente ou incrédulo observe a pessoa de Deus e sua obra,


partindo de premissas verdadeiras, como as prerrogativas bíblicas, ainda assim, por
conta de sua mente pecaminosa, ele errará em sua logicidade de raciocínio, pois sua
mente, por si só, é incapaz de produzir conclusões verossímeis; o que sua mente ainda
produzirá serão falsas conclusões que vêm através de ilações artificiosas. “Todos os não
cristãos são intelectualmente defeituosos” (CHEUNG, 2003, p. 117).

Os descrentes ou incrédulos, aos quais Cheung chamou de “não cristãos”, têm


seus pensamentos sob o controle de preconceitos falaciosos, que são consistentemente
hostis à pessoa de Deus. Deve-se lembrar que a mente racional do homem espelha a
sua semelhança com o seu Criador e, assim, quando o homem foi afetado pelo mal, pelo
pecado, o seu intelecto foi afetado e isso significa que o pecado penetrou na essência
do seu ser.

Desse modo, mostra-se que, conquanto o homem descrente ou incrédulo,


mesmo retendo sua semelhança a Deus, no tocante a possuir racionalidade, esta foi
arruinada demasiadamente a ponto de que esse descrente ou incrédulo nascer com
uma disposição totalmente inclinada para o mal. “Eu nasci na iniquidade, e em pecado
me concebeu minha mãe” (BÍBLIA SAGRADA, Sl 51.5).

4 EFEITOS NOÉTICOS DO PECADO


O pecado produz consequências destrutivas na mente do homem, denominadas
de efeitos noéticos do pecado.

Para uma maior compreensão do plano redentivo de Deus, é necessário retornar


para o ponto em que o homem caiu e compreender que o efeito que o pecado causou
sobre os aspectos espirituais do homem não fora apenas um golpe enfraquecedor, mas
um golpe fatal. Isso significa que os não regenerados (os descrentes ou incrédulos) não
estão apenas adoentados e cegos espiritualmente (BÍBLIA SAGRADA, Lc 5.31; Mt 15.14),
mas também estão espiritualmente mortos, e, por esse motivo, estão completamente
incapacitados quanto às percepções espirituais.
147
FIGURA 9 – INCAPACIDADE NOÉTICA

FONTE: <https://thumbs.dreamstime.com/b/c%C3%A9rebro-d-acorrentado-39494760.jpg>. Acesso em:


15 ago. 2021.

NOTA
Noético: termo que procede no grego noésis (latim: intellectus) e designa
a faculdade intelectual ou racional da mente humana; aquilo que só é
do, ou que pertence ao, intelecto ou à mente, e que se caracteriza pela
atividade intelectual. Por vezes, pode significar o elemento de um ato
intencional, como ver ou planejar.

Em Eclesiastes, lê-se que “[...] também o coração dos homens está cheio
de maldade, nele há desvarios enquanto vivem [...]” (BÍBLIA SAGRADA, Ec 9.3), e o
profeta Jeremias assevera que: “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e
desesperadamente corrupto; quem o conhecerá?” (BÍBLIA SAGRADA, Jr 17.9). De acordo
com Cheung (2003, p. 117), “O homem em sua condição não regenerada é aqui descrito
como mal, louco e incurável”.

Da mesma forma como um cadáver não busca auxílio ou responde a qualquer


estímulo por ajuda, um descrente ou incrédulo não pode alcançar ou se preparar para
alcançar a salvação por seu empenho volitivo ou demasiada diligência. O homem, por si
só, não poderia nem ao menos decidir se arrepender ou aceitar a misericórdia salvadora
de Deus. As Escrituras mostram, em variados versículos, que o descrente ou incrédulo
está totalmente morto em termos espirituais:

• “Replicou-lhe, porém, Jesus: Segue-me, e deixa aos mortos o sepultar os seus


próprios mortos” (BÍBLIA SAGRADA, Mt 8.22).
• “Porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” (BÍBLIA
SAGRADA, Lc 15.24).
• “Entretanto, era preciso que nos regozijássemos e nos alegrássemos, porque esse
teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado” (BÍBLIA SAGRADA, Lc
15.32).

148
• “Pois assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim também o Filho vivifica
aqueles a quem quer” (BÍBLIA SAGRADA, Jo 5.21).
• “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (BÍBLIA SAGRADA,
Ef 2.1).
• “Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos
amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo
[...]” (BÍBLIA SAGRADA, Ef 2.4-5).

5 DEPRAVAÇÃO TOTAL
Conforme lembra o apóstolo João: “nós sabemos que já passamos da morte
para a vida, porque amamos os irmãos; aquele que não ama permanece na morte”
(BÍBLIA SAGRADA, 1Jo 14). As Escrituras ensinam, pelo modo descrito por João, o que
se chama na teologia (reformada) de a depravação total do homem.

Existe um efeito danoso na depravação total, o qual é tão extensivo que matou o
homem em sua espiritualidade, incapacitando-o de qualquer cooperação com Deus para
a sua salvação. Nota-se o que Paulo diz aos Romanos e uma explicação sobre o texto:

Romanos 3:10-12: “Não há nenhum justo, nem um sequer; não há


ninguém que entenda, ninguém que busque a Deus. Todos se
desviaram, tornaram-se juntamente inúteis; não há ninguém que
faça o bem, não há nem um sequer”. Atribuindo o pecado a todas as
áreas da vida humana, razão, emoção e vontade. O que significa dizer
que os homens estão destituídos da glória de Deus, pois pecaram.
Sendo assim, não podem por si mesmos voltarem-se para Deus, se
não pela vontade do pai. Logo, a sua salvação é um ato extremamente
da vontade de Deus, através da sua graça (JUNIOR, 2018).

O termo depravação total está correto, mas pode também ser enganoso; em
si, não pretende dizer que o homem é imbuído de uma malignidade exacerbada, mas
que o efeito danoso no homem é penetrantemente abrangente, de forma que toda a
pessoalidade humana fora afetada pelo mal, pelo pecado.

FIGURA 10 – CAPACIDADE DE ESCOLHA

FONTE: <https://maldadedestilada.files.wordpress.com/2014/02/red_pill_blue_pill-copy3.jpg>. Acesso em:


15 ago. 2021.
149
Depravação total não significa somente carência do bem, é mais do que simples
privação; quando o homem é entregue à própria vontade, ele se aprofunda de forma
íntegra e completa em seu próprio pecado, a graça de Deus o restringe e o faz despertar
para algumas coisas boas. Esses atos são sempre assistidos pela graça de Deus. Strong
(2007) afirma também que a graça se manifesta de forma positiva, quando diz:

cada pecador é: a) totalmente destituído daquele amor a Deus


que constitui a exigência fundamental e toda abrangente da lei;
b) carregado de sentimento inferior ou um desejo que ultrapassa
a consideração por Deus e Sua lei; c) supremamente determinado
em sua preferência do eu em relação a Deus, quer na vida interior,
quer na exterior; d) cheio de aversão para com Deus a qual, apesar
de às vezes latente, torna-se inimizade ativa, tão logo a vontade de
Deus entra em conflito com a do próprio pecador; e) desordenada
e corrompida em cada faculdade, por intermédio dessa substituição
do egoísmo pela afeição suprema para com Deus; f) não credor de
nenhum pensamento, emoção ou ato que a santidade divina pode
aprovar; g) sujeito a uma lei de progresso constante na depravação e
não tem nenhuma energia recuperadora que o capacite a ser bem-
sucedido em resistir (STRONG, 2007, p. 1164).

Em outros termos, significa que, a menos que o homem descrente ou incrédulo


experiencie a ação regeneradora de Cristo sobre si, ou a ressurreição espiritual
impetrada por Cristo a ele, nunca reconhecerá a verdade salvífica contida na mensagem
do Evangelho; dessa maneira, não pode, por si mesmo, aceitar o sacrifício de Cristo
na cruz por ele. Então, visto que os homens não podem realizar nem facilitar uma
autorregeneração espiritual, é evidente que um novo nascimento só será possível pela
ação graciosa e soberana de Deus sobre a vida do homem.

5.1 BASE BÍBLICA PARA O CONCEITO DE DEPRAVAÇÃO TOTAL


• “E o Senhor Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente,
mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em
que dela comeres, certamente morrerás” (BÍBLIA SAGRADA, Gn 2.16-17).
• “Viu o Senhor que a maldade do homem se havia multiplicado na terra e que era
continuamente mau todo desígnio do seu coração” (BÍBLIA SAGRADA, Gn 6.5).
• “E o Senhor aspirou o suave cheiro e disse consigo mesmo: Não tornarei a amaldiçoar
a terra por causa do homem, porque é mau o desígnio íntimo do homem desde a sua
mocidade; nem tornarei a ferir todo vivente, como fiz” (BÍBLIA SAGRADA, Gn 8.21).
• “Quando pecarem contra ti (pois não há homem que não peque), e tu te indignares
contra eles, e os entregares às mãos do inimigo, a fim de que os leves cativos à terra
inimiga, longe ou perto esteja” (BÍBLIA SAGRADA, 1Rs 8.46).
• “Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam abominação;
já não há quem faça o bem. Do céu olha o Senhor para os filhos dos homens, para ver
se há quem entenda, se há quem busque a Deus. Todos se extraviaram e juntamente
se corromperam; não há quem faça o bem, não há nem um sequer” (BÍBLIA SAGRADA,
Sl 14.1-3).
150
• “Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (BÍBLIA SAGRADA, Sl
51.5).
• “Diz o insensato no seu coração: Não há Deus. Corrompem-se e praticam iniquidade;
já não há quem faça o bem. Do céu, olha Deus para os filhos dos homens, para ver se
há quem entenda, se há quem busque a Deus. Todos se extraviaram e juntamente se
corromperam; não há quem faça o bem, não há nem sequer um. Acaso, não entendem
os obreiros da iniquidade? Esses, que devoram o meu povo como quem come pão?
Eles não invocam a Deus. Tomam-se de grande pavor, onde não há a quem temer;
porque Deus dispersa os ossos daquele que te sitia; tu os envergonhas, porque Deus
os rejeita” (BÍBLIA SAGRADA, Sl 53.1-5).
• “Desviam-se os ímpios desde a sua concepção; nascem e já se desencaminham,
proferindo mentiras” (BÍBLIA SAGRADA, Sl 58.3).
• “Não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não há justo nenhum vivente”
(BÍBLIA SAGRADA, Sl 143.2).
• “Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças, como trapo da
imundícia; todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniquidades, como um
vento, nos arrebatam” (BÍBLIA SAGRADA, Is 64.6).
• “Pode, acaso, o etíope mudar a sua pele ou o leopardo, as suas manchas? Então,
poderíeis fazer o bem, estando acostumados a fazer o mal” (BÍBLIA SAGRADA, Jr
13.23).
• “Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto;
quem o conhecerá?” (BÍBLIA SAGRADA, Jr 17.9).
• “O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas
do que a luz; porque as suas obras eram más. Pois todo aquele que pratica o mal
aborrece a luz e não se chega para a luz, a fim de não serem arguidas as suas obras.
Quem pratica a verdade aproxima-se da luz, a fim de que as suas obras sejam
manifestas, porque feitas em Deus” (BÍBLIA SAGRADA, Jo 3.19-21).
• “Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida” (BÍBLIA SAGRADA, Jo 5.40).
• “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida
desde o princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando
ele profere mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira”
(BÍBLIA SAGRADA, Jo 8.44).
• “Que se conclui? Temos nós qualquer vantagem? Não, de forma nenhuma; pois já
temos demonstrado que todos, tanto judeus como gregos, estão debaixo do pecado;
como está escrito: Não há justo, nem um sequer, não há quem entenda, não há quem
busque a Deus; todos se extraviaram, à uma se fizeram inúteis; não há quem faça
o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua,
urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca, eles a têm cheia de
maldição e de amargura; são os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus
caminhos, há destruição e miséria; desconheceram o caminho da paz. Não há temor
de Deus diante de seus olhos. Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem
na lei o diz para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus,
visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela
lei vem o pleno conhecimento do pecado” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 3.9-20).

151
• “Mas Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter Cristo morrido por
nós, sendo nós ainda pecadores. Portanto, assim como por um só homem entrou o
pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos
os homens, porque todos pecaram. Pois assim como, por uma só ofensa, veio o juízo
sobre todos os homens para condenação, assim também, por um só ato de justiça,
veio a graça sobre todos os homens para a justificação que dá vida” (BÍBLIA SAGRADA,
Rm 5.8-12,18).
• “Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à
escravidão do pecado. Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de
agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto. Ora, se faço o que não quero,
consinto com a lei, que é boa. Neste caso, quem faz isto já não sou eu, mas o pecado
que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita
bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque não
faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. Mas, se eu faço o que
não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim. Então, ao
querer fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim. Porque, no tocante ao
homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei
que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que
está nos meus membros. Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo
desta morte? Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor. De maneira que eu, de
mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei
do pecado” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 7.14-25).
• “Ora, o homem natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são
loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (BÍBLIA
SAGRADA, 1Co 2.14).
• “Porque, assim como, em Adão, todos morrem, assim também todos serão vivificados
em Cristo” (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.22).
• “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais
andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade
do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também
todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a
vontade da carne e dos pensamentos; e éramos, por natureza, filhos da ira, como
também os demais” (BÍBLIA SAGRADA, Ef 2.1-3).
• “E a vós outros, que estáveis mortos pelas vossas transgressões e pela incircuncisão
da vossa carne, vos deu vida juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos”
(BÍBLIA SAGRADA, Cl 2.13).
• “Porque todos tropeçamos em muitas coisas. Se alguém não tropeça no falar, é
perfeito varão, capaz de refrear também todo o corpo” (BÍBLIA SAGRADA, Tg 3.2).
• “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a
verdade não está em nós. Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para
nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça. Se dissermos que não temos
cometido pecado, fazemo-lo mentiroso, e a sua palavra não está em nós” (BÍBLIA
SAGRADA, 1Jo 1.8-10).
• “Sabemos que somos de Deus e que o mundo inteiro jaz no Maligno” (BÍBLIA
SAGRADA, 1Jo 5.19).
152
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• O homem caiu do seu estado original e o pecado produziu efeitos devastadores na


humanidade.

• Cabeça federal é uma referência a Adão em seu papel de representante de toda a


humanidade no jardim do Éden.

• A Bíblia ensina que o pecado de Adão foi uma ação em nome de todos os homens,
pois os homens são descendentes de Adão e que toda a humanidade está condenada
por seu pecado, não por causa de relação física somente.

• O termo pecado original refere-se à culpa que foi herdada de Adão, e não ao pecado
cometido por ele primordialmente.

• O primeiro Adão trouxe a imputação da culpa, já Jesus, o segundo Adão, trouxe a


imputação da justiça, segundo a qual todo eleito, ou seja, os salvos por Jesus através
da regeneração nEle mesmo, recebem a justiça única e exclusivamente pela fé na
obra redentora de Cristo Jesus.

• O homem não herdou de Adão somente a culpa pelo pecado, mas herdou também
a natureza pecaminosa. O homem não é culpado diante de Deus somente por seu
pecado, mas por sua disposição para o pecado e para rebelião contra as leis de Deus.

• O pecado tem seu nascedouro na mente do homem (BÍBLIA SAGRADA, Mc 7.21-22).

• Ninguém é inocente diante de Deus, isto é, todo ser humano é culpado desde que
nasceu mediante a imputação do pecado de Adão.

• Todo ser humano herdou de Adão uma disposição totalmente pecaminosa, que traz
rebeldia e desafia comumente a Deus em ações, pensamentos e palavras por toda a
vida.

• O resultado da rebelião e das más ações contra a santidade de Deus é a morte.

• Todo homem se encaminha para uma condenação eterna, somente cambiada pela
intervenção salvífica de Jesus através do Espírito Santo.

• O pecado produz consequências destrutivas na mente do homem, as quais são


denominadas de efeitos noéticos do pecado.

153
• O homem, em sua condição não regenerada, é descrito como mal, louco e incurável.

• O termo depravação total está correto, mas também pode ser enganoso, pois, em si,
não pretende dizer que o homem é imbuído de uma malignidade exacerbada, mas
que o efeito danoso no homem é penetrantemente abrangente, de forma que toda a
pessoalidade humana fora afetada pelo mal, pelo pecado.

• O homem descrente ou incrédulo experiencia a ação regeneradora de Cristo sobre si


ou a ressurreição espiritual impetrada por Cristo a ele.

• O homem nunca reconhece, por si mesmo, a verdade salvífica contida na mensagem


do Evangelho. Os homens não podem, por si mesmos, aceitar o sacrifício de Cristo na
cruz por ele.

154
AUTOATIVIDADE
1 O pecado não se origina em ação ao acaso, mas procede da mente. A depravação
da mente torna-se expressa na transgressão contra a ordem estabelecida. Qual é o
conceito de queda do homem?

2 O teólogo Augustus Strong (1836-2921) abandonou a teologia federal e favoreceu o


que chamava de monismo ético – também conhecido como monismo qualitativo,
monismo metafísico ou idealismo personalista. Disserte apresentando o conceito de
cabeça federal e cite os textos bíblicos que corroboram o conceito.

3 A Lei foi introduzida para que a transgressão fosse ressaltada, mas onde aumentou
o pecado, transbordou a graça, a fim de que, assim como o pecado reinou na morte,
também a graça reine pela justiça para conceder vida eterna, mediante Jesus Cristo,
nosso Senhor (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5:20-21). Considerando o termo pecado original,
segundo Wayne Grudem, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) O termo refere-se à culpa que foi atribuída a Adão, e não ao pecado cometido
por ele primordialmente no jardim.
b) ( ) O termo refere-se à ação de Satanás ao enganar Eva e, consequentemente,
Adão.
c) ( ) O termo refere-se à culpa que foi herdada de Adão, e não ao pecado cometido
por ele primordialmente.
d) ( ) O termo refere-se ao ato sexual entre Adão e Eva.
e) ( ) O termo refere-se à maldição das dores de parto, que a mulher passou a sofrer
ao dar à luz.

4 O pecado produz consequências destrutivas na mente do homem. Com base nessas


consequências, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Efeito teutônico.
b) ( ) Efeito antético.
c) ( ) Efeito tetânico.
d) ( ) Efeito noético.
e) ( ) Efeito nutético.

5 Os escritos bíblicos testemunham que Jesus Cristo viveu como homem e foi
tentado à semelhança dos seres humanos, porém, sem nunca ter cometido pecado.
Considerando o termo depravação total, classifique V para as sentenças verdadeiras
e F para as falsas:

155
( ) Não significa somente carência do bem, mas também carência do mal.
( ) O termo pretende dizer que o efeito danoso no homem é penetrantemente abrangente,
de forma que toda a pessoalidade humana fora afetada pelo mal, pelo pecado.
( ) Não significa que o homem está entregue à própria vontade, de forma íntegra e
completa, mas que, de certa forma, há uma centelha de bondade que o auxilia na
tomada de decisões.
( ) O termo pretende dizer que o homem se tornou inclinado ao mal somente em suas
ações, nunca em suas intenções.
( ) Não significa somente carência do bem, é mais do que simples privação; quando
o homem está entregue à própria vontade, ele se aprofunda de forma íntegra e
completa em seu próprio pecado, e a graça de Deus o restringe e o faz despertar para
algumas coisas boas.
( ) O termo pretende dizer que o homem é totalmente corrompido em seu caráter, mas
não em sua essência, e que sua consciência permanece intacta do efeito do mal.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F – F – V – V.
b) ( ) F – V – F – F – V – F.
c) ( ) V – F – V – V – F – F.
d) ( ) F – V – V – F – V – V.

156
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
HERANÇA ADÂMICA DO PECADO E A
JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ

“Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo,


e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os
homens, porque todos pecaram” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5.12).
“Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de
nosso Senhor Jesus Cristo” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5.1).

1 INTRODUÇÃO
A Bíblia ensina que, mesmo que o homem nunca tivesse pecado, nunca tivesse
feito algo errado, ainda assim, ele seria descrito como pecador perante Deus. Isso é
o pecado original. É a essa doutrina bíblica do pecado original que se aponta como a
herança adâmica do pecado.

Quando se fala em pecado original, a referência é sempre o pecado de Adão e


o fato de Deus considerar os homens responsáveis por esse primeiro pecado de Adão.
Cada homem é tão culpado dessa desobediência primária, assim também todo homem
sofre a mesma punição aplicada ao primeiro homem. O homem é gerado e nasce em
delitos e pecados, e, desse modo, sofre a penalidade que Deus apregoou no princípio
(BÍBLIA SAGRADA, Gn 2.17).

FIGURA 11 – HEREDITARIEDADE

FONTE: <https://sites.google.com/site/transmissaodavida/_/rsrc/1479813692373/transmissao-de-carac-
teristicas-hereditarias/hereditarias.jpg>. Acesso em: 15 ago. 2021.

157
A doutrina do pecado original é realçada em Romanos (BÍBLIA SAGRADA, Rm
5.12): “Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo
pecado, a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos
pecaram”. Esse pequeno verso lembra a todo ser humano que, a partir do pecado de
Adão, a morte passou a fazer parte de toda a raça humana. A morte, segundo o apóstolo
Paulo, não virá quando todos pecarem, mas, por todos terem pecado em Adão, a morte
já veio. Todos pecaram, mesmo antes de nascer, em algum lugar do passado, todos
pecaram, e nascem “mortos nos [...] delitos e pecados” (BÍBLIA SAGRADA, Ef 2.1).

Quando todos pecaram para que nasçam mortos no pecado? Diante da questão,
uma das únicas respostas possíveis é exposta na carta aos Romanos (BÍBLIA SAGRADA,
Rm 12), assim como as que foram apresentadas anteriormente.

Existem duas partes no pecado original. Há, em primeiro lugar, o fato


que todos pecaram em Adão e são considerados culpados de seu
pecado. Isso é geralmente mencionado como “culpa original” e chega
a todo homem porque Adão representava todos os homens diante
de Deus. Em segundo lugar, sendo já culpados, mesmo antes de
nascer, todos os homens também vêm ao mundo sofrendo a punição
do pecado, que é a morte eterna. Eles nascem mortos em delitos e
pecados (Efésios, 2, 1). Essa parte do pecado original – a punição
que vem sobre eles no nascimento – é mencionada como “poluição
original” ou “depravação” (HANKO, 2007, p. 98-99).

O pecado original é uma das doutrinas mais importantes de toda a Bíblia


e pessoalmente deve importar tanto quanto. Ela ensina como todos os homens
estão inteiramente perdidos e quão pecadores são, também mostra que não existe
possibilidade alguma de uma autossalvação, somente Jesus Cristo pode salvar o
homem de sua ruína eterna. O que se pode aprender dessa doutrina é que, mesmo que
o homem nunca cometesse qualquer pecado que fosse, a ira de Deus ainda estaria
sobre ele e todos seriam punidos eternamente. Isso tira do homem a possibilidade de
fuga para qualquer lugar que seja, senão para a cruz de Cristo, onde os homens podem
encontrar socorro e salvação.

O conceito de justificação diz que: “A justificação é um ato judicial de Deus no


qual Ele declara, baseado na justiça de Jesus Cristo, que todas as exigências da lei estão
satisfeitas com respeito ao pecador” (BERKHOF, 1999, p. 510). Portanto, a justificação
pela fé se opõe à condenação. Ela é uma ação única e legal (jurídica) que extrai a culpa
do pecado e impõe a restauração ao homem pecador e a sua condição de “filho de
Deus”, em todos os seus direitos, privilégios e deveres.

A justificação não é um ato interno, ou seja, não ocorre no interior da vida do


pecador; não produz alterações no seu caráter, ela acontece na esfera do Tribunal de
Deus. Justificação é uma afirmação, é um ato santificador, é um ato transformador
externo ou um ato que parte de Deus em direção ao homem pecador sem que o homem
se mova em direção a Ele. Ainda assim, é a partir da justificação que o Espírito Santo
inicia todo o processo de santificação no homem pecador até que esse seja totalmente
glorificado.
158
Existem dois elementos de importância magna que são a “remissão de pecados”
e a “imputação da justiça de Cristo” ao homem.

2 IMPUTABILIDADE DO PECADO
Segundo Granconato (2009), “Imputar significa atribuir, identificar ou entregar
algo a alguém. O aspecto central desse conceito não é a mera influência, mas o
envolvimento”. No caso do pecado, trata-se da “culpa do pecado” (BÍBLIA SAGRADA, Lv
17.4; 1Sm 22.15; Sl 32.2; Tg 2.23; 2Co 5.19).

O conceito está relacionado com três doutrinas teológicas: a do pecado


original, o qual já vimos e que significa que a culpa de Adão é atribuída a todos os seus
descendentes: a doutrina da expiação, em que os pecados dos homens são imputados
a Cristo; e a doutrina da justificação, no que a justiça de Cristo é imputada aos homens,
nesse caso, pode-se dizer que o conceito de imputação está intensamente unido à
reconciliação entre Deus e o ser humano. No entanto, para efeitos de coerência com
o tópico, é importante falar de “imputação de pecado”, tanto da imputação do pecado
original, de Adão a todos os homens, quanto da imputação do pecado de todos os
homens a Cristo.

Considera-se que o pecado original é uma deformidade da natureza humana,


motivada pela queda do homem no pecado, e incide na perda e, por conseguinte, na falta
de integridade original. O pecado original consiste na culpa herdada, que fora imputada
a todos os descendentes do primeiro homem e também na corrupção hereditária, que é
comunicada ao homem através da condição geracional.

Em referência à imputação do pecado original, os teólogos costumam fazer


distinções e recorrentemente discordar quanto à imputação mediata e imediata.

Imputação mediata refere-se à divina atribuição da culpa pelo


pecado por causa da corrupção hereditária de todas as pessoas.
Assim, a imputação mediata é dependente da corrupção individual
dos seres humanos. Por outro lado, a imputação imediata refere-
se à divina atribuição de culpa a todas as pessoas por causa da
Queda, isto é, a culpa pela Queda é atribuída a toda descendência
de Adão e Eva à parte de sua corrupção hereditária. Os luteranos
tendem a reconhecer tanto a imputação mediata quanto a imediata,
os reformados, seguindo a teologia dos pactos e sua visão de Adão
como representante federal, tendem a aceitar a imputação imediata
apenas, excluindo a imputação mediata. A escola de Saumur vai
na direção contrária, ensinando a imputação mediata apenas, o
que é rejeitado pelos calvinistas, pois é prejudicial à imputação da
satisfação de Cristo. Os socianianos e alguns arminianos negam
qualquer tipo de imputação do pecado. Pelágio, acreditava que Deus
criava todas as almas diretamente, por isso cada pessoa nascia
inocente e imaculada. Para Armínio, a culpa pelo pecado de Adão
não era imputada diretamente, mas apenas quando o homem se

159
aliava a esse pecado pelos seus próprios. Embora não considerasse
que o homem nasce com a retidão original, entendia que “Deus
concede a cada indivíduo, desde a primeira aurora da consciência,
luz que é suficiente para anular a influência da depravação herdada
(GONÇALVES, 2011).

O apóstolo Paulo escreve que “por um homem entrou o pecado no mundo,


e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso
que todos pecaram” (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5.12), explicando que, por decorrência da
desobediência de Adão, todos os homens herdaram a pecaminosidade, ou seja, toda a
raça humana sofreu a consequência do pecado gerado por imputação, devido à queda
de Adão no pecado. Por isso, “todos morrem em Adão” (BÍBLIA SAGRADA, 1Co 15.22).

Cada homem herdou, em consequência da queda, o pecado de Adão, mas todos


os homens são culpados por seus próprios pecados. Jesus, devido a sua concepção
virginal, nasce livre da culpa pelo pecado de Adão e, durante toda sua vida, Ele nunca
pecou. Entretanto, quando “Aquele que não conheceu pecado” morre como substituto
dos homens, Deus “O fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de
Deus” (2 Co 5.21). Então, Ele, o Cristo, estava “carregando, ele mesmo em seu corpo,
sobre o madeiro, os nossos pecados, para que nós, mortos para os pecados, vivamos
para a justiça” (BÍBLIA SAGRADA, 1Pe 2.24), pois “o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade
de nós todos” (BÍBLIA SAGRADA, Is 53.6).

É necessário dizer que o termo “imputação” não aparece em nenhum texto


bíblico sobre a transferência dos pecados dos homens a Cristo, e o conceito se tipifica
no código ou sistema sacrifical revelado no Antigo Testamento.

E Arão porá ambas as suas mãos sobre a cabeça do bode vivo, e


sobre ele confessará todas as iniquidades dos filhos de Israel, e todas
as suas transgressões, e todos os seus pecados; e os porá sobre a
cabeça do bode, e enviá-lo-á ao deserto, pela mão de um homem
designado para isso. Assim aquele bode levará sobre si todas as
iniquidades deles à terra solitária; e deixará o bode no deserto (BÍBLIA
SAGRADA, Lv 16.21-22).

Desse modo, contempla-se um exemplo de imputação expiatória. No Novo


Testamento, temos a aplicação disso em Cristo. Como no caso em Hebreus (BÍBLIA
SAGRADA, Hb 2.9), em que se lê que: “aquele Jesus que fora feito um pouco menor do
que os anjos, por causa da paixão da morte, para que, pela graça de Deus, provasse
a morte por todos”. Da mesma forma, é imputado a Jesus o sofrimento da morte, por
causa dos pecados dos homens.

160
3 O PODER DO PECADO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
O pecado domina o coração humano, e se fosse pela sua vontade,
condenaria cada alma. Se não compreendermos nossa própria
perversidade ou não enxergarmos nosso pecado como Deus vê, não
poderemos entendê-lo ou fazer uso do remédio contra ele. Aqueles
que tentam justificá-lo, negligenciam a justificação de Deus. Até
compreendermos quão totalmente repugnante nosso pecado é,
nunca poderemos conhecer a Deus (MACARTHUR, 2002, p. 101).

O pecado tem o poder de aprisionar a consciência do homem em suas garras,


e o fato de o homem ser pecador desde a sua constituição lhe outorga uma inimizade
contínua contra Deus, antagonizando-se, poderosa, ativa e intencionalmente, contra
Deus. Os homens pecadores livremente escolhem o pecado e isso está intrinsecamente
neles, sendo parte de sua natureza derrubada pela queda de Adão. Amar o pecado e odiar
a Deus é pauta pacífica da humanidade morta em seus delitos e que, espontaneamente,
se inclina para o mal, “o pendor da carne é inimizade contra Deus” (BÍBLIA SAGRADA,
Rm 8.7). “O pecado não somente separa, ele escraviza. Além de nos afastar de Deus, ele
também nos mantém cativos” (STOTT, 2007, p. 99).

FIGURA 12 – ESCRAVIDÃO DO PECADO

FONTE: <https://uploads.metropoles.com/wp-content/uploads/2017/03/08143255/sequestro.jpg>. Aces-


so em: 15 ago. 2021.

Como o pecado é uma corrupção interior da natureza humana, ele mantém o


ser humano bem preso em seu cativeiro. Não são apenas algumas atitudes ou alguns
hábitos que mantêm os homens escravizados, mas, sim, a contaminação maligna de
onde eles brotam. Por inúmeras vezes, no Novo Testamento, o homem é apresentado
como “escravo” – embora, por vezes, o homem se ofenda com isso, trata-se da pura
verdade. Jesus aborreceu-se, trazendo certa indignação a alguns dos religiosos
fariseus, quando, dirigindo-se a eles, disse: “Se vós permanecerdes na minha palavra,
sois verdadeiramente meus discípulos; e conhecereis a verdade, e a verdade vos

161
libertará” (BÍBLIA SAGRADA, Jo 8.31-32). Os que contestaram rebateram que: “Somos
descendência de Abraão e jamais fomos escravos de alguém; como dizes tu: Sereis
livres?” (BÍBLIA SAGRADA, Jo 8.33), ao que Jesus replicou-lhes: “Em verdade, em
verdade vos digo: Todo o que comete pecado é escravo do pecado” (BÍBLIA SAGRADA,
Jo 8.34).

O pecado aprisiona e as consequências são drásticas na vida do homem. Davi


escreveu o Salmo 51 após ter cometido adultério com Bate-Seba, que era mulher de
Urias (BÍBLIA SAGRADA, 2Sm 11.1-12,15). Quando Natã, o profeta enviado por Deus, o
confrontou acerca de seu pecado, o rei prostrou-se perante o Senhor Deus e chorou
amargamente arrependido. Esse texto demonstra que Davi reconheceu o seu pecado
e se arrependeu, mas as consequências desse pecado foram muitas na vida de Davi.
Ele nunca esteve em paz, seu reinado foi marcado por guerras e violência. Sua família
foi marcada por desavenças, invejas, incestos e morte. Não fora um castigo divino, mas
apenas o desenrolar de uma situação que fora criada pelo pecado na vida do rei.

Esse pecado afetou tão intimamente Davi que ele despeja seu coração, perante
Deus, quando escreve o Salmo 51, no qual Davi mostra claramente as consequências
que marcaram a vida dele: “[…] Purifica-me do meu pecado […]” (BÍBLIA SAGRADA, Sl
51.1-5). A ação de pecado traz uma mancha para a vida do homem, traz uma marca e
evidencia sua transgressão, por isso a necessidade de purificação. “Faze-me ouvir júbilo
e alegria, para que exultem os ossos que esmagaste” (BÍBLIA SAGRADA, Sl 51.8).

O pecado traz infelicidade, pois ninguém que se constitui amigo do pecado pode
ser achado amigo de Deus e, fora da presença de Deus, o que se encontra é infelicidade,
por isso o clamor do rei por júbilo e alegria: “Cria em mim, ó Deus, um coração puro […]”
(BÍBLIA SAGRADA, Sl 51.11). O pecado afasta o homem da presença santa de Deus, um
coração impuro não contempla a Sua presença; Deus é puro e separado de toda forma
de mal e Davi clama para que Deus crie nele um coração puro, um coração de carne,
não mais endurecido pelo seu próprio egoísmo: “Restitui-me a alegria da tua salvação
[…]” (BÍBLIA SAGRADA, Sl 51.12).

O pecado tira do homem a paz e a alegria de todas as formas possíveis. Davi


olha para sua própria vida e se percebe depressivo, sem alegria, sem paz de espírito; vê-
se um homem descontente com a vida, por isso o clamor por restituição de alegria e de
sentir-se salvo: “Não me repulses da tua presença, nem me retires o teu Santo Espírito
[…]” (BÍBLIA SAGRADA, Sl 51.11-13).

O pecado enche o homem de temor e de terror. Davi havia contemplado o que


acontecera com Saul, quando Deus retirara dele o Espírito Santo e Saul ficara possuído
por um espírito mal que o assolava. Por isso, Davi clama para que o Senhor não lhe faça
o mesmo que fizera com Saul, pois sabia que, se isso acontecesse, ele estaria fora da
presença de Deus e nas garras do mal. O salmo se estende e poderia apontar tantas
outras consequências que o pecado outorga na vida do homem. A Bíblia exemplifica, em
diversos textos, o poder do pecado e suas consequências.

162
4 A REMISSÃO DOS PECADOS
A remissão de pecados está fundamentada na obediência completa e irrestrita
de Cristo, o que significa seu perfeito cumprimento da lei. O Antigo Testamento
apresenta uma variada gama de textos que aponta para a obra da justificação, como
Salmo (BÍBLIA SAGRADA, Sl 32.1), Isaías (BÍBLIA SAGRADA, Is 43.25; 44.22) e Jeremias
(BÍBLIA SAGRADA, Jr 31.34). O perdão que Deus concede na justificação se aplica a
toda e qualquer sorte de pecados, sejam eles pecados presentes ou passados, além
de futuros, e, por isso, remove a culpa e a penalidade por completo, uma vez que a
justificação é efetuada de uma vez por todas sem a possibilidade de ser repetida. Nada
nem ninguém pode, de forma alguma e em tempo algum, depositar nada na conta de
nenhum homem que tenha sido justificado, pois esse homem já foi isento da condenação
e herdou a vida eterna. Textos como os de Romanos (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5.21; 8.1,32-
34), Hebreus (BÍBLIA SAGRADA, Hb 10.14), Salmos (BÍBLIA SAGRADA, Sl 103.12) e Isaías
(BÍBLIA SAGRADA, Is 44.22) corroboram essa verdade.

Mesmo depois de justificado, o homem, regenerado e redimido por Cristo,


continua sendo pecador (BÍBLIA SAGRADA, Tg 3.2; 1Jo 1.8). Os homens redimidos,
justificados por Cristo, por vezes, cometem pecados de magnitudes aterradoras, como
a própria Bíblia mostra. Cristo ensinou aos seus discípulos que diariamente orassem
pedindo perdão por seus pecados (BÍBLIA SAGRADA, Mt 6.12), assim como outros
homens redimidos fizeram, como vemos nos textos dos Salmos (BÍBLIA SAGRADA, Sl
32.5; 51.1-4; 130.3-4).

FIGURA 13 – REMISSÃO DOS PECADOS

FONTE: <https://i.pinimg.com/originals/5f/03/ee/5f03eec3c91421e601fed8b89144bab9.jpg>. Acesso


em: 15 ago. 2021.

163
Na realidade da justificação, Deus remove dos homens a culpabilidade pelo
pecado original, isso significa remover a sujeição do homem pecador à punição eterna,
ou seja, a morte eterna devido ao pecado original, o que é diferente da situação inerente
à culpabilidade pelos atos de pecado (pecados praticados), oriundos da condição do
estado de pecado em que, ainda, o homem se encontra, ou seja, a culpa foi removida, mas
não o estado de pecado original. A culpabilidade é um instrumento alertador, que produz
no homem o sentimento de culpa, de aparto de Deus, de tristeza, de arrependimento,
frustação, vergonha etc. É, por isso, que o homem necessita confessar os seus pecados,
novos e antigos, pois a culpabilidade gera no coração do homem essa necessidade,
conforme expressa nos Salmos (BÍBLIA SAGRADA, Sl 25.7; 51.5-9). O homem que foi
regenerado, redimido e justificado por Cristo em seu interior é cônscio de seu pecado e
isso o leva a confessá-lo, buscar consolo na graça e no perdão divinos e abandonar e
frear a prática do pecado.

“A consciência do perdão e de um renovado relacionamento filial com Deus,


muitas vezes, é perturbada e obscurecida pelo pecado, mas é novamente despertada e
fortalecida pela confissão e pela oração” (BARBOSA, 2017).

5 A IMPUTAÇÃO DA JUSTIÇA DE CRISTO


A justificação, como vimos anteriormente, envolve, em seu escopo, o perdão
dos pecados dos homens, mas não é somente isso. Na justificação, o Cristo não apenas
retira dos homens suas iniquidades, mas os reveste de “novas vestes”, são estas as
vestes de sua própria santidade. “[…] eis que tenho feito que passe de ti a tua iniquidade
e te vestirei de finos trajes” (BÍBLIA SAGRADA, Zc 3.4), segundo o que Deus diz ao
sumo sacerdote Josué, representante do povo e que estava com suas vestes sujas.
Esse texto é um símbolo da purificação que a justificação traz ao homem pecador, que,
figuradamente, se apresenta diante de Deus com suas vestes sujas.

A Bíblia ensina que, pela fé, o homem obtém “[...] remissão de pecados e herança
entre os que são santificados […]” (BÍBLIA SAGRADA, At 26.18) e que a fé não traz aos
homens apenas paz com Deus, mas traz ainda, acesso a Deus e alegria na esperança
da glória (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5.1-2); além disso, mostra que Cristo nasceu sob a lei:
“para que recebês­semos a adoção de filhos” (BÍBLIA SAGRADA, Gl 4.5). Desse modo,
consegue-se distinguir como os dois elementos na imputação da justiça de Cristo ao
homem pecador: a adoção de filhos e o direito à vida eterna.

Entende-se que os homens redimidos, santificados e justificados por Cristo são,


antes de qualquer coisa, filhos de Deus por adoção, o que obviamente significa dizer que
os homens não são filhos naturais. Nem todos os homens são filhos de Deus, somente
aqueles que foram justificados em Cristo. Portanto, uma vez “adotados” e em estado de
filho, o homem passa a ser tratado por Deus como tal, o que o coloca debaixo de uma lei
filial de obediência, outorgando ao homem direitos e privilégios dessa filiação.

164
A adoção de filhos e filiação moral dos homens redimidos e justificados por
Cristo andam lado a lado e lhes imputam a condição de se comportar em obediência a
Deus como filhos que agora são. “[…] Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido
sob a lei, para resgatar os que estavam sob a lei, a fim de que recebêssemos a adoção
de filhos. E, porque vós sois filhos, enviou Deus ao nosso coração o Espírito de seu Filho,
que clama: Aba, Pai” (BÍBLIA SAGRADA, Gl 4.4-6). O apóstolo Paulo demonstra os dois
elementos, a adoção de filhos e o direito à vida eterna.

O Espírito de Cristo regenera, santifica e estimula o homem a se dirigir a Deus,


confiante de que Ele o receberá como filho e agirá como o Pai fiel e cheio de justiça
que Ele é. O homem é filho e Deus é o Pai, logo, o homem deve agir como filho, pois
Deus nunca deixará de agir como Pai. O direito à vida eterna está incluído na adoção do
homem como filho.

Quando os homens pecadores são adotados por Deus, eles obtêm seus direitos
de filhos e, assim, passam a figurar como herdeiros de Deus e coerdeiros com Cristo,
conforme pode ser visto em Romanos (BÍBLIA SAGRADA, Rm 8.17). Em sua significância,
é certo dizer que os homens, adotados como filhos de Deus, passam a exercer o direito
de herdeiros de todas as bençãos espirituais que possam desfrutar nessa vida, sendo a
mais importante delas o dom do Espírito Santo.

Conforme o apóstolo Paulo escreve em Romanos (BÍBLIA SAGRADA, Rm 8.23),


a herança recebida pelo homem da parte de Deus não está limitada ao foro de bençãos
espirituais nessa vida, mas também as bençãos eternas do porvir, pois, segundo o texto,
a redenção do corpo, que também pode se chamar de “adoção de filhos”, pertence
à herança futura, a qual todo homem salvo por Jesus aguarda. Paulo, em Romanos
(BÍBLIA SAGRADA, Rm 8.29-30), explica que a glorificação aguardada está intimamente
ligada à justificação, pois, sendo os homens justificados pela fé em Cristo, se tornam
filhos de Deus e herdeiros da vida eterna.

6 A JUSTIFICAÇÃO PELA FÉ
Embora a doutrina da justificação pela fé seja de suma importância na
historicidade da igreja cristã, muitos entendem pouco ou nada sobre ela, não sabem em
que consiste nem o que Cristo tem a ver com a doutrina.

A Justificação pela Fé é sem dúvidas a principal doutrina da teologia


cristã, Lutero, disse sobre ela: “Esta doutrina é a cabeça e a pedra
fundamental. Por si só, ela gera, alimenta, edifica, preserva e defende
a igreja de Deus. E sem ela, a igreja de Deus não poderia existir nem
por uma única hora”. Lloyd-Jones, afirma que esta doutrina: “é a
grande doutrina central de todo protestantismo, e vocês descobrirão
que em cada avivamento ela sempre vem na vanguarda”. A igreja cai
ou permanece de pé por causa desta doutrina. Ela é a espinha dorsal
de todas as doutrinas bíblicas e Piper diz: “Pregar e viver a justificação
pela fé glorifica a Cristo, resgata pecadores desesperados, encoraja
santos imperfeitos e fortalece igrejas frágeis (ALMEIDA, 2017).
165
A Bíblia ensina que os homens são justi­ficados pela fé (BÍBLIA SAGRADA, Rm
3.28-30) ou mediante fé (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5:1; Gl 2.16; Ef 2.8; Fp 3.9), o que deixa
clara uma relação estrita entre a justificação e a fé.

Muitos argumentos surgem imputando uma disputa entre os apóstolos Paulo e


Tiago, dizendo que seus ensinos convergem conflituosos nesse ponto.

Meus irmãos, qual é o proveito, se alguém disser que tem fé, mas não
tiver obras? Pode, acaso, semelhante fé salvá-lo? Se um irmão ou
uma irmã estiverem carecidos de roupa e necessitados do alimento
cotidiano, e qualquer dentre vós lhes disser: Ide em paz, aquecei-vos
e fartai-vos, sem, contudo, lhes dar o necessário para o corpo, qual é
o proveito disso? (BÍBLIA SAGRADA, Tg 4.14-16).

Tem sido usado inadvertidamente para corroborar essa falacial disputa, que
afirma ser essa a base para o ensino, por parte do apóstolo Tiago, de uma justificação
por obras. No entanto, não há nada de conflituoso e divergente quando se apura a que
públicos os apóstolos se dirigiam e o que buscavam combater.

Paulo parece escrever para combater o legalismo, pois os seus receptores


procuravam basear a sua fé nas obras da lei. A ênfase na fé é para mostrar que somente
Cristo é meritoso em salvar, ou seja, nada do que o homem fez no passado, faz no
presente ou venha a fazer no futuro pode atribuir-lhe algum mérito que o possa salvar.

FIGURA 14 – JUSTIFICAÇÃO

FONTE: <https://media.gazetaregional.com/2019/09/40220-5d6fa12b4bfed-cruz-de-cristo.jpg>. Acesso


em: 15 ago. 2021.

Contudo, Tiago objeta os erros antinomianos (anti: contra; monos: lei). Esses
homens afirmavam possuir a fé salvadora e santificadora, mas apenas em uma esfera
intelectual, separando as suas atribuições espirituais das sociais. Intelecto abastado
e prática vazia. Então, o apóstolo lembra que, segundo a lei de Deus, em uma fé vazia,
a bondade dEle não opera. Deus espera que através das “[...] vossas boas obras, os
homens glorifiquem a vosso Pai que está nos céus” (BÍBLIA SAGRADA, Mt 5.16).

166
A fé justificadora é uma fé viva, genuína e frutífera, que se manifesta em
obras para a glória de Deus. Ainda que Tiago cite o exemplo de Abraão, aludindo a sua
justificação pela obra que oferece sobre o altar (BÍBLIA SAGRADA, Tg 2.21), ele o faz
apontando para a sinergia entre a fé e as obras. As obras, nesse caso específico, eram
uma externalização da fé, pois “Abraão creu [na fé] em Deus e isso lhe foi imputado para
justiça” (BÍBLIA SAGRADA, Tg 2.22-23).

Os teólogos de linha protestante atestam que a fé é o “aparelho de apropriação”


da justificação, ou seja, pela fé, o homem pecador se apossa da justiça de Cristo e,
então, estabelece uma união cônscia com Cristo, que é o mediador entre Deus e os
homens. Essa justiça é imputada aos homens no momento em que são salvos e, com
base na apropriação, o homem é formalmente justificado diante do Deus Salvador.

A justificação é pela fé ou mediante a fé, porque é por fé que o homem se


apropria de Cristo e confia nos méritos de Cristo. Além da posse da justificação, o homem
expressa, em seu testemunho diário de fé, os frutos da justificação.

Em termos teológicos ou de ciência teológica, a justificação é o ponto de partida


para o rompimento entre os protestantes e a igreja romana. Roma, sentada no poderio
eclesiástico de sua “santa sé”, assinalava a salvação mediante as obras, o ensino
escravizador, que, de forma alguma, poderia alcançar êxito, pois como pode o escravo
se autoalforriar?

As mentes e os corações dos homens eram aprisionados e nunca desfrutavam


de paz e jamais poderiam descansar suas mentes em Deus. As obras são sempre
imperfeitas, perpetuando na mente dos homens uma consciência de culpa venal,
incapaz de ser erradicada por completo. Cientes disso, os clérigos, principalmente os
catedráticos, valiam-se da ingenuidade do povo para cobrar indulgências, visando à
garantia do perdão de pecados. A compra de indulgências era considerada uma boa
obra, e todo cristão piedoso deveria praticá-la.

Martinho Lutero e todos os outros reformadores que o sucederam foram


convencidos de que a doutrina da justificação pela fé deveria ser pregada em detrimento
da pregação das boas obras como justificadoras de pecados. O pecador é justificado
sem nenhum mérito próprio, apenas pela graça de Deus (BÍBLIA SAGRADA, Rm 3.4) e
não há possibilidade alguma de justificação pelas obras da lei (BÍBLIA SAGRADA, Rm
3.28; Gl 2.16; 3.11; Ef 2.9).

A justificação se alicerça somente na justiça perfeita de Cristo, imputada ao


homem pecador na justificação da qual o homem se apropria pela fé (BÍBLIA SAGRADA,
Rm 3.24; 5.9,19; 8.1; 10.4; 1Co 1.30; 6.11; 2Co 5.21; Fp 3.9; Ef 2.8-9).

167
Desse modo, pode-se dizer que, pela justificação por fé, o homem é livre da
culpa do pecado, pois, através da morte sacrificial de Cristo, o homem é salvo da
penalidade que o levava ao inferno. O salário do pecado, a morte penal ou morte eterna,
foi paga na cruz. Pela justificação por fé, o homem está sendo salvo do poder que o
pecado imprime em sua vida diária, mediante a habitação do Espírito Santo em si, o
qual outorga, ao homem, o poder de filho, para vencer as lutas que se apresentam. Esse
poder que o Espírito outorga é o poder de Cristo, que se contrapõe ao poder egoístico e
carnal. Pela justificação por fé, o homem será livre integral e completamente do poder
do pecado e, no futuro, quando glorificado, o homem salvo por Cristo será totalmente
livre da presença do pecado. Nenhuma evidência do pecado será encontrada no homem
eleito para salvação por Cristo. Os homens salvos terão os seus corpos redimidos e
passarão de mortais para imortais, de corruptos para incorruptível e o único poder que
se instaurará sobre o homem é o de Cristo.

168
LEITURA
COMPLEMENTAR
O PECADO

Zacarias de Aguiar Severa

O estudo do ser humano na teologia não está completo sem a consideração da


doutrina do pecado (hamartiologia). Embora muitos estudos acerca do homem sejam
feitos sem levar esse aspecto na devida conta.

Nesse sentido, Sturz faz interessante distinção entre antropologia teológica e


antropologia cultural. Diz que a antropologia cultural nos tem fornecido profundos e
relevantes conhecimentos sobre o homem, mas ela difere da antropologia teológica,
tanto no seu ponto de partida como nos resultados. A antropologia teológica estuda
o homem deformado pelo pecado. “A antropologia cultural é em si deformada porque
começa com o homem decaído como a norma pela qual julgar o ohomem pode e deve
ser”.

O estudo desse tema, o pecado, é importante. Ele nos ajuda a compreender


melhor o ser humano, e outros ensinos das Escrituras, como a doutrina de Deus, do mal
no mundo, da salvação. O grande problema da humanidade é o pecado, e o propósito de
Deus em Cristo é libertar o homem desse mal. Vamos considerar a natureza do pecado,
sua origem, efeitos e a propagação dele na raça humana.

I. A NATUREZA DO PECADO

A. Terminologia

Há vários termos utilizados na Bíblia que se referem àquilo que chamamos de


pecado. Esses termos expressam diferentes aspectos do mal que o homem pratica e
nos ajudam a compreender melhor o que seja o pecado em sua natureza. No Antigo
Testamento, os principais termos hebraicos para pecado são: chattath (Ex 32.30) e seu
cognato chet (Sl 51.9), significando errar o alvo ou falhar; pesha (Pv 28.13), que quer dizer
rebelião ativa, uma transgressão da vontade de Deus; shagah (Lv 4.13), significando
desviar-se; e awon (1Rs 17.18), com a ideia de torcer, referindo-se à culpa produzida pelo
pecado.

No Novo Testamento, as palavras gregas mais comuns para pecado são: asebeia
(Rm 1.18; Tt 2.12), significando impiedade; adikia (Rm 1.18; 3.5; 1Co 6.8), indicando
injustiça, falta de retidão; parabasis (Rm 2.23,25; 5.14), traduzida por transgressão,

169
quebra da lei; anomia (Rm 4.7; 6.19; 1Jo 3.4), iniquidade, ilegalidade; parakoe (Rm 5.19),
para dizer desobediência, não fazer o que Deus manda.

No entanto, o termo mais usado no Novo Testamento para designar pecado é


hamartia (Mt 1.21; Rm 6.23; 1Jo 1.8 etc.), e significa errar o alvo, atingir o alvo errado,
fracasso, falta e delito. Só em Romanos, o apóstolo Paulo emprega essa palavra mais de
40 vezes, cerca de 16 vezes só no capítulo 6. Portanto, a ideia de pecado é expressa por
vários termos, cada um mostrando um aspecto do que é o pecado.

B. Conceito de Pecado

O que é o pecado? Como defini-lo e quais são seus aspectos essenciais?


Langston define pecado dizendo que é um estado mau da alma ou da personalidade.
Ele acrescenta, dizendo: “incluímos nessa definição os resultados deste estado, isto
é, os atos pecaminosos”. Para ele, então, pecado é um estado mau da alma e suas
manifestações. Esse conceito deixa de mencionar Deus contra quem o pecado é
cometido.

Ryrie diz que pecado é qualquer coisa contrária ao caráter de Deus. Esse
enunciado não deixa claro em que plano essa contrariedade pode ocorrer, se apenas
em atos ou também no estado da alma.

Berkhof tem uma definição mais precisa. Diz ele que pecado é falta de
conformidade com a lei moral de Deus, seja em ato, disposição ou estado. Podemos
dizer que, segundo essa definição, pecado é qualquer ação, omissão, atitude ou
estado de alma que esteja em desacordo com a vontade revelada de Deus. Ele implica
transgressão, ilegalidade, desobediência, desvio da vontade divina. Para esclarecer
melhor a ideia bíblica de pecado, destacaremos quatro aspectos.

1. Pecado é algo contra Deus

O pecado é sempre algo contra Deus e a sua vontade manifesta. Mesmo quando
ele atinge diretamente as pessoas, em última análise, é contra Deus que ele está sendo
praticado, porque contraria a vontade de Deus. A lei de Deus para a vida humana é,
em parte, revelada na consciência moral das pessoas (Rm 2.14,15) e, de forma mais
completa, nas Escrituras Sagradas (Rm 2.17,18). O Espírito Santo ajuda a entender os
retos caminhos de Deus, se a Ele nos submetemos (1Jo 2.27- 29).

Quando se fala da “lei moral de Deus”, quer se referir a todo o conjunto de normas
divinas para a vida, cuja exigência central é o amor incondicional a Deus, com reflexo na
relação com o próximo (Dt 6.5; Mc 12.30). O pecado, portanto, em última análise, reflete
a falta de amor leal a Deus e ao próximo. Deus é amor (1Jo 4.8), e sua vontade é “boa,
agradável e perfeita” (Rm 12.2). Pecado é estar fora desse amor e dessa vontade divina;
é “errar” esse alvo.

170
2. Pecado inclui o estado da alma e seus efeitos

Pecado não é apenas o que fazemos ou deixamos de fazer; ele inclui também a
disposição de vontade contrária a Deus. O ser humano tem uma natureza pecaminosa,
ele está inclinado para fazer aquilo que o torna reprovável aos olhos de Deus. Paulo
diz que “A mentalidade da carne [natureza humana decaída] é inimiga de Deus, pois
não está sujeita a lei de Deus, nem pode estar” (Rm 8.7). E Jesus ensinou que “do
coração [interior da pessoa] é que saem os maus pensamentos, homicídios, adultérios,
imoralidade sexual, furtos, falsos testemunhos e calúnias” (Mt 5.19).

Aqui se faz a diferença entre pecado e pecados. Pecados são os atos ou a


omissão deles. Pecado, por sua vez, é a natureza humana que produz pecados como
frutos. Em outras palavras, pecado é atributo humano; e pecados são os efeitos
inevitáveis desse atributo. O coração é perverso e essa perversidade se manifesta em
atos de perversidade (Jr 17.9; Mt 13.15).

3. Pecado envolve culpa

Culpa é o estado de merecimento de punição pela violação de uma lei. Qualquer


um que transgrida a lei de Deus é culpado diante Dele. O sentimento de culpa, em
geral, nasce do ato de realizar algo que “sabemos” que não deveríamos fazer. Há uma
diferença entre ser culpado e sentir-se culpado. Sturz lembra o perigo da psicoterapia
freudiana que tenta remover todos os sentimentos de culpa, sem considerar se estes
refletem a culpa real pela qual a pessoa é responsável.

Sem o conhecimento da revelação especial de Deus, a noção de pecado é


superficial e abrange apenas poucas coisas. O apóstolo Paulo diz que: “eu não conheceria
o pecado se não fosse pela lei; porque eu não conheceria a cobiça, se a lei não dissesse:
Não cobiçarás” (Rm 7.7). Uma vez dada a revelação, cabe ao homem a responsabilidade
de procurar conhecer e cumprir as determinações divinas (Dt 29.29). Se o indivíduo não
procura conhecer a vontade revelada de Deus, sua ignorância não o isenta de culpa
pelas transgressões praticadas.

4. Somente as criaturas racionais pecam

A natureza física e irracional não pode pecar. Os animais e a natureza podem


causar danos, mas sem caráter moral, portanto, não pecam. O pecado pressupõe
consciência da vontade de Deus e a liberdade de exercer a vontade própria. A natureza
física não pode conhecer nem tem vontade. Os animais irracionais não possuem
consciência moral nem natureza espiritual para conhecer a Deus. Portanto, não podem,
livremente, dizer “sim” ou “não”. Só os seres racionais, feitos à imagem e semelhança de
Deus, é que podem obedecer ou desobedecer conscientemente.

171
Por esse mesmo princípio, aqueles que estão privados da sua capacidade de
discernir entre o bem e o mal e fazer a escolha certa, provavelmente não têm o mesmo
grau de culpa daqueles que, ao contrário, estão em plena capacidade de fazer escolha
consciente entre o bem e o mal. Isso se aplica às crianças tenras e àqueles que perderam
a razão. A aplicação da justiça divina a cada um é perfeita, e, com certeza, não atribui a
ninguém culpa sem levar na devida conta a capacidade moral de cada um.

II. ORIGEM E CONSEQUÊNCIAS DO PECADO

Como começou o pecado na humanidade? Qual a sua fonte? Que efeitos ele
produz? Examinaremos essas questões destacando a queda da humanidade e os seus
efeitos na vida do primeiro casal e em toda a ração humana e em sua sociedade.

A. A Queda da Humanidade no Pecado

A queda da humanidade no pecado é um fato fundamental na história bíblica da


salvação. Esse evento está narrado no capítulo 3 de Gênesis, e constitui um dos pilares
do alicerce sobre o qual toda a Bíblia é construída. Portanto, na teologia, o estudo da
queda da raça humana no pecado é básico, para que se compreenda a natureza moral
do homem tal como o conhecemos, e a história bíblica da redenção.

1. A descrição bíblica

Gênesis 3 descreve sucintamente a queda de Adão no pecado e, por extensão,


de toda a humanidade. Como interpretar esse relato? Os liberais consideram a descrição
de Gênesis 3 não como fato histórico, e sim como uma lenda, isto é, uma história que
vem sendo contada acerca de um personagem da tradição judaico-cristã. A teologia
neo-ortodoxa compreende o registro do Gênesis registro como um mito, quer dizer,
uma narrativa mitológica didática, utilizando elementos pictóricos, apontando para um
significado que pode não ser compreendido como literal, mas que aponta para múltiplos
sentidos de natureza, teológica, cosmológica e antropológica. Portanto, para a neo-
ortodoxia, o relato não é de algo ocorrido na história, porém seu sentido é verossímil.
Para as duas posições apresentadas, a liberal e a neo-ortodoxa, a narrativa não traz
nenhum elemento histórico.

Todavia, para um grupo de teólogos e estudiosos da Bíblia, Gênesis 3 trata, sim,


de um fato que realmente ocorreu na vida de Adão, o primeiro indivíduo humano criado
por Deus. Entre os que assim pensam, alguns são literalistas na interpretação, não
dando margem para nenhum simbolismo; outros, entretanto, consideram a narrativa
como fato real, mas com possibilidade de algumas figuras simbólicas, sem comprometer
a realidade histórica do evento.

172
À luz de Romanos 5.12ss e 1 Coríntios 15.21,22, entendemos que a descrição
da queda é de um acontecimento histórico, algo que aconteceu realmente num
determinado momento da história da humanidade. Como diz Bruce Milne: “É impossível
manter o paralelo entre a obra de Adão e a obra de Cristo se for negada a queda como
um acontecimento no tempo e no espaço”.

2. A origem do pecado

Não foi Deus quem criou o pecado nem quem induziu o homem a pecar. Tiago
diz que “Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta” (Tg 1.13). O pecado nasce
dentro do homem, quando ele é submetido a fatores que o estimulam a transgredir a
lei de Deus. No caso de Adão, foi o Diabo com suas artimanhas que o induziu a pecar.

Com o intuito de levar Adão a desobedecer a Deus, o Diabo deu vários passos.
Primeiro, tentou confundir a mulher no tocante ao que Deus havia dito: “É assim que
Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn 3.1). Ele alterou os termos
do mandamento divino, acrescentando-lhe algo, tornando-o, assim, muito pesado e
restringindo excessivamente a liberdade do homem. Com isso, ele estava tentando
valer-se de uma possível ignorância da mulher quanto ao que Deus realmente tinha dito,
e denegrir o caráter bondoso do Criador. Entretanto, a mulher estava bem-informada do
mandamento divino e respondeu que não era assim.

O inimigo então prosseguiu na tentação, agora negando a veracidade da


palavra de Deus, afirmando: “Certamente não morrereis” (Gn 3.4). Para justificar a sua
palavra contrária à de Deus, o Diabo deu uma interpretação errada da intenção divina
no mandamento: “Porque Deus sabe que no dia em que comerdes deste fruto, vossos
olhos se abrirão, e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal” (Gn 3.5). Novamente,
o tentador estava lançando dúvida acerca do caráter bondoso de Deus e da veracidade
da sua palavra.

Dessa forma, o Diabo conseguiu gerar dúvida na mente da mulher acerca de


Deus e sua palavra. Nasce aí a raiz da incredulidade, a qual leva à desobediência (Hb
3.18,19). Com o coração já incrédulo, a mulher deixou de lado o mandamento divino e
passou a considerar uma vida independente de Deus, dirigida por seus próprios juízos
acerca do bem e do mal (Gn 3.5).

Então, ela viu que “a árvore era boa para dela comer, agradável aos olhos e
desejável para dar entendimento, tomou do fruto, comeu e o deu ao marido, que também
comeu” (Gn 3.6). Ela buscou satisfação para os seus desejos em algo divinamente
proibido. Dessa forma, o primeiro pecado foi consumado, e consistiu num ato de
desobediência ao mandamento divino. Tiago diz que “cada um é tentado quando atraído
e seduzido por seu próprio desejo. Então o desejo, tendo concebido, dá à luz o pecado;
e o pecado, após se consumar, gera a morte” (Tg 1.14,15).

173
Percebe-se que, na raiz do pecado, está a incredulidade em Deus e Sua palavra.
Com um coração incrédulo, o indivíduo se volta mais facilmente para a satisfação dos
seus próprios desejos, independentemente dos limites impostos por Deus. Além desses
elementos pessoais que estão na base da prática do pecado, há também as tentações,
isto é, circunstâncias ou agentes externos que procuram induzir a pessoa ao pecado.
Nessa condição, isto é, sob tentação, é preciso um esforço maior para dominar o desejo
pecaminoso, pois, como disse Deus a Caim, “o pecado jaz à porta, e o desejo dele será
contra ti; mas tu deves dominá-lo” (Gn 4.7).

Millard J. Erickson especifica que há três tipos de desejos naturais que, embora
bons em si, são áreas potenciais para a tentação e o pecado. São eles:

• o desejo de desfrutar coisas;


• o desejo de obter coisas;
• o desejo de fazer coisas.

Em muitos casos, a satisfação deles é indispensável para a sobrevivência


do indivíduo ou da raça, mas há maneiras apropriadas de satisfazer cada um desses
desejos e os limites impostos por Deus.

Quando os desejos são estimulados por agentes externos ou circunstâncias


pessoais, a pessoa fica mais suscetível a satisfazer seus desejos de maneira errada e
fora dos limites estabelecidos por Deus. E, se assim o faz, comete pecado. Portanto,
a incredulidade em Deus e sua palavra, em qualquer nível, e os desejos naturais
estimulados, estão na base da prática do pecado. Daí a sábia recomendação do autor
sagrado: “Não ameis o mundo nem o que nele há. Se alguém ama o mundo, o amor do
Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, o desejo da carne, o desejo dos olhos
e o orgulho dos bens, não vêm do Pai, mas sim do mundo. Ora, o mundo passa, bem
como seus desejos; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre”
(1Jo 2.15-17).

FONTE: Adaptado de SEVERA, Z. de A. Manual de Teologia Sistemática. ver. e ampl. Curitiba: A.D.
Santos Editora, 2016.

174
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:

• Mesmo que o homem nunca tivesse pecado e nunca tivesse feito algo errado, ainda
assim, ele seria descrito como pecador perante Deus.

• Quando se fala em pecado original, a referência é sempre o pecado de Adão e o fato


de Deus considerar os homens responsáveis por esse primeiro pecado de Adão.

• Cada homem é tão culpado dessa desobediência primáaria quanto Adão, assim
também todo homem sofre a mesma punição aplicada ao primeiro homem.

• A doutrina do pecado original se realça em Romanos (BÍBLIA SAGRADA, Rm 5: 12):


“Portanto, assim como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado,
a morte, assim também a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram”.

• Imputar significa atribuir, identificar ou entregar algo a alguém. O aspecto central


desse conceito não é a mera influência, mas o envolvimento. No caso do pecado,
trata-se da “culpa do pecado”.

• O conceito de imputação está relacionado com três doutrinas teológicas: a do pecado


original, a doutrina da expiação e a doutrina da justificação.

• Em referência à imputação do pecado original, os teólogos costumam fazer distinções


e recorrentemente discordar quanto à imputação mediata e imediata.

• O pecado tem o poder de aprisionar a consciência do homem em suas garras; o fato


de o homem ser pecador desde sua constituição lhe outorga uma inimizade contínua
contra Deus, antagonizando-se, poderosa, ativa e intencionalmente, contra Deus. O
pecado é um escravizador dos hábitos e atitudes dos homens.

• As consequências do pecado são drásticas, pois, como elemento escravizador, ele


deforma as práticas, tornando os hábitos e as atitudes dos homens, coisas más.

• O pecado aprisiona, e as consequências são drásticas na vida do homem.

• Dentro do conceito de justificação, existem dois elementos importantes para sua


compreensão: a “remissão de pecados” e a “imputação da justiça de Cristo”.

• A justificação é a manifestação da justiça de Deus sobre homens pecadores e, por


isso, torna-se a doutrina mais importante da teologia cristã.

175
• Não há contrassensos entre a teologia da justificação pela fé em Tiago e Paulo.

• A justificação está atrelada diretamente à morte de Cristo na cruz.

176
AUTOATIVIDADE
1 O pecado imputado implica a consequência da transgressão de Adão, recaindo sobre
seus descendentes, por meio da transmissão da natureza caída. O que significa
imputar e qual é o aspecto central desse conceito no caso do pecado? Com quais
três doutrinas bíblicas esse conceito se relaciona?

2 O pecado já estava presente no Universo antes mesmo da queda do ser humano.


Isso se evidencia pela presença e pelas alegações do tentador no jardim do Éden.
Discorra, resumidamente, sobre os pecados e suas consequências.

3 Há dois aspectos importantes sobre a natureza da relação que Jesus mantém com
os seres humanos. O primeiro é o aspecto objetivo e o segundo, o aspecto subjetivo.
Por causa de sua nova posição (justificação) e relação (adoção) para com Deus Pai
em Cristo, os seres humanos tornaram-se participantes da natureza divina. Sobre a
justificação, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:

( ) A justificação é um ato judicial de Deus, no qual Ele declara, com base na justiça de
Jesus Cristo, que todas as exigências da lei estão satisfeitas com respeito ao pecador.
( ) A justificação pela fé se opõe à condenação.
( ) A justificação não é um ato interno, ou seja, não ocorre no interior da vida do pecador;
produz alterações no seu caráter e não acontece na esfera do Tribunal de Deus.
( ) Na justificação, Cristo não apenas retira dos homens suas iniquidades, mas os reveste
de novas vestes, as vestes de sua própria santidade.
( ) O direito à vida eterna está incluído na corrupção do coração do homem, que se
considera um filho de Deus.

Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA:


a) ( ) V – V – F – V – F.
b) ( ) V – F – V – V – F.
c) ( ) V – V – V – V – V.
d) ( ) V – F – V – F – V.
e) ( ) F – F – F – F – F.

4 O termo fé é um dos mais importantes para a compreensão de mensagem cristã. É


regularmente usado para denotar o relacionamento religioso multilateral, para o qual
o Evangelho chama homens e mulheres para um relacionamento de confiança em
Deus por meio de Cristo. Sobre justificação pela fé, assinale a alternativa INCORRETA:

a) ( ) A justificação pela fé é, sem dúvida, a principal doutrina da teologia cristã.


b) ( ) É a grande doutrina central de todo protestantismo, descobrindo-se que, em
cada avivamento, ela sempre vem na vanguarda.

177
c) ( ) A bíblia ensina que os homens são justi­ficados pela fé ou mediante a fé, mas
também por obras ou mediante as obras.
d) ( ) A fé justificadora é uma fé viva, genuína e frutífera, e se manifesta em obras
para a glória de Deus.

5 O termo fé é um dos mais importantes para a compreensão de mensagem cristã. É


regularmente usado para denotar o relacionamento religioso multilateral, para o qual
o Evangelho chama homens e mulheres para um relacionamento de confiança em
Deus por meio de Cristo. Sobre a justificação pela fé, assinale a alternativa CORRETA:

a) ( ) Ele é quem toma a iniciativa de condenar o homem de todos os seus pecados,


declarando que não existe mais nenhuma condenação contra ele.
b) ( ) A justificação não acontece por causa da fé, mas por meio ou através da fé.
c) ( ) A justiça de Deus não é para todos nem sobre todos os judeus e gentios, porque
todos erraram o alvo, não agindo conforme o propósito de Deus.
d) ( ) A justificação é um presente que Deus concede ao homem e aos anjos.
e) ( ) É por meio do sacrifício de Jesus que Deus toma a culpa do pecador e a atribui
a Jesus Cristo ou a um bode expiatório.

178
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