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Movimentos sociais.

Perspectivas e desafios
Rudá Ricci
Os desafios dos movimentos sociais
E mais:
Maria da Glória Gohn >>José Ternes:
Os movimentos sociais na conjuntura Foucault, a sociedade panóptica e o
social e política sujeito histórico

325
Ano X
Silvio Caccia Bava
A fragilização do imaginário da
Paulo Brack:
>>
A biodiversidade gaúcha em risco
19.04.2010 transformação social
ISSN 1981-8469
Movimentos sociais.
Perspectivas e desafios

“Na atualidade, os movimentos sociais são distintos dos ocorridos do final da década de 1970 e
parte dos anos 1980”, constata a socióloga Maria da Glória Gohn. Analisar as transformações que
marcaram os movimentos sociais na última década, as limitações e desafios desses atores sociais é
o tema que inspira a matéria de capa da revista IHU On-Line desta semana.

Contribuem para este debate, além da pesquisadora citada, sociólogos, militantes sociais e
cientistas políticos, como Rudá Ricci, professor da PUC-Minas, Sílvio Caccia Bava, coordenador
geral do Instituto Polis, Ivo Lesbaupin, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ,
Marcus Abílio Gomes Pereira, professor da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG e Ivo Po-
letto, assessor de pastorais e movimentos sociais.

Completam esta edição as entrevistas com José Ternes, filósofo e professor da Pontifícia Uni-
versidade Católica de Goiás, sobre a sociedade panóptica e o sujeito histórico a partir de Foucault
e com botânico Paulo Brack, representante do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais – Ingá, no
Conselho Estadual do Meio Ambiente do RS – Consema-RS, sobre a biodiversidade gaúcha. A primeira
entrevista é mais um subsídio para o XI Simpósio Internacional IHU: O (des)governo biopolítico da
vida humana, a ser realizado de 13 a 16 de setembro de 2010, e que será precedido por uma série
de pré-eventos, dentre os quais destacamos o Ciclo de Estudos Filosofias da Diferença, que inicia
no dia 26 de maio de 2010. A segunda entrevista continua o debate iniciado na edição da semana
passada sobre a biodiversidade.

Ainda neste número, publicamos o calendário dos próximos eventos promovidos pelo IHU. Des-
tacamos a conferência inicial do Ciclo de Palestras: Perspectivas socioambientais e econômicas do
Brasil 2010 - 2015. Limites e Possibilidades, que será proferida, na próxima segunda-feira, dia 26
de abril, por Márcio Pochmann, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA.

A todas e todos um bom feriado, uma ótima leitura e uma excelente semana!

IHU On-Line é a revista semanal do Instituto Humanitas Unisinos – IHU – Universidade do Vale do
Rio dos Sinos - Unisinos. ISSN 1981-8769. Diretor da Revista IHU On-Line: Inácio Neutzling (inacio@
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unisinos.br). Editora executiva: Graziela Wolfart MTB 13159 (grazielaw@unisinos.br). Redação: Már-
cia Junges MTB 9447 (mjunges@unisinos.br) e Patricia Fachin MTB 13062 (prfachin@unisinos.br).
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(greyceellen@unisinos.br) e Juliana Spitaliere. IHU On-Line pode ser acessada às segundas-feiras,
no sítio www.ihu.unisinos.br. Sua versão impressa circula às terças-feiras, a partir das 8h, na Unisi-
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Leia nesta edição
PÁGINA 02 | Editorial

A. Tema de capa
» Entrevistas
PÁGINA 05 | Rudá Ricci: Os desafios dos movimentos sociais hoje
PÁGINA 10 | Maria da Glória Gohn: Os movimentos sociais na conjuntura social e política
PÁGINA 12 | Ivo Poletto: A retomada do comunitarismo na vida social
PÁGINA 16 | Silvio Caccia Bava: A fragilização do imaginário da transformação social
PÁGINA 20 | Ivo Lesbaupin: Movimentos sociais e o pós-Lula
PÁGINA 25 | Marcus Abílio Gomes Pereira: Um novo perfil de organizações fruto do neoliberalismo

B. Destaques da semana
» Entrevista da Semana
PÁGINA 28 | José Ternes: Foucault, a sociedade panóptica e o sujeito histórico
» Terra Habitãvel
PÁGINA 31 | Paulo Brack: “A biodiversidade deve ser um tema estratégico”
» Coluna do Cepos
PÁGINA 36 | Ana Maria Oliveira Rosa: Contrapartida social
» Destaques On-Line
PÁGINA 38 | Destaques On-Line

C. IHU em Revista
» Agenda de Eventos
» Sala de Leitura

» IHU Repórter
PÁGINA 45| Rogério Lessa Horta

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 


 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325
Os desafios dos movimentos sociais hoje
Na avaliação do sociólogo Rudá Ricci, movimentos sociais e organizações populares “en-
tram no jogo político pela porta dos fundos”. Para ele, nessa relação não há transparên-
cia porque “não há projeto público”

Por Patricia Fachin

“O
ideário dos anos 80 se esgotou, e, a partir dos anos 90, lideranças sociais do país in-
gressaram na lógica da burocracia estatal e perderam a energia e força moral para
impor uma nova lógica política”, afirmou o sociólogo Rudá Ricci, à IHU On-Line. Para
ele, os movimentos sociais foram fracassados, e isso está diretamente relacionado à
concepção de comunidade, instituída na origem do movimento.
Ricci defende ainda que o comunitarismo cristão “não conseguiu construir uma lógica política tolerante e
voltada para sociedades complexas”. Os movimentos sociais que nasceram desta vertente, enfatiza, “acaba-
ram por se fechar em suas pautas específicas e construíram fortes estruturas organizacionais voltadas para
si, e não para a sociedade como um todo”.
Na entrevista que segue, concedida, por e-mail, o pesquisador também reconhece que ainda existem
movimentos sociais que lutam por direitos universais. Ele cita o movimento ambientalista, o qual mantém
as características iniciais: “sua força vem da mobilização social, pensando direitos e regras gerais, são
pluriclassistas e ainda não se partidarizaram concretamente. Pela própria natureza, pensam projetos de
desenvolvimento e do Estado”.
Para ele, a dificuldade de ação dos movimentos sociais gira em torno da superação do particularismo.
“Ainda estamos vinculados às carências, o que dificulta o salto para a luta por direitos universais, por uma
nova lógica de tomada de decisões públicas. E isto acaba sendo o obstáculo para a articulação”, menciona.
Rudá Ricci formou-se em Ciências Sociais pela PUC-SP. Na Universidade Estadual de Campinas, realizou o
mestrado em Ciência Política e o doutorado em Ciências Sociais. Atua como consultor no Sindicato Nacional
dos Auditores Fiscais da Receita Federal e do Instituto de Desenvolvimento. É diretor do Instituto Cultiva e
professor da Universidade Vale do Rio Verde e da PUC-Minas. Escreveu o livro Terra de Ninguém: sindicalismo
rural e crise de representação (Campinas: Editora da Unicamp, 1999). Confira a entrevista.

IHU On-Line - O senhor diz que, na emergiram nos anos 80. Contudo, ao da lei que criou as OSCIPs. A CUT, por
primeira década do século XXI, o se consolidar o MST, MAB e tantos ou- exemplo, vinculou-se fortemente a vá-
ideário que motivou a formação dos tros movimentos (até mesmo a CUT, rias centrais sindicais social-democra-
movimentos sociais brasileiros reve- que era alimentada pelas pastorais tas. Alterou, pouco a pouco, seu perfil
lou-se insuficiente e até mesmo ana- quando ainda existia um movimento ideológico. Do ponto de vista nacional,
crônico. Por quê? O que aconteceu? de oposições sindicais à estrutura con- a Constituição Federal de 1988 criou
A que o senhor atribui essa insufici- federativa), as pastorais ficaram sem estruturas participativas (como os con-
ência? lugar, numa profunda selhos de gestão pública) e foi aumen-
Rudá Ricci - A primeira grande alte- crise de identidade. E se enfraque- tando as parcerias com ONGs e orga-
ração foi a organização de vários mo- ceram. Foi justamente o período de nizações populares a ponto de muitos
vimentos sociais e a crise de financia- crise de financiamento externo (prin- líderes sociais e entidades (até movi-
mento externo. O caso das pastorais cipalmente europeu) que atingiu dura- mentos sociais) aproximarem-se mais
sociais é exemplar. Várias pastorais mente ONGs e pastorais. Muitos alte- da estrutura burocrática e da pauta de
vinculadas à Teologia da Libertação raram seu padrão de financiamento e governos que propriamente das lutas
alimentaram a criação e o ideário abrangência do trabalho desenvolvido. sociais de resistência que marcavam
dos principais movimentos sociais que Também foi o período de implantação sua prática na década anterior.

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Finalmente, a vitória paulatina da ma agrária é uma luta mais geral, de
esquerda em eleições para o executivo “Neste momento, concepção de organização da estrutu-
municipal, estadual e, depois, para o ra fundiária. O discurso parece até
governo federal gerou uma migração discutem se apoiam envolver os dois. Mas, na prática,
de lideranças sociais expressivas para só envolve o interesse.
instâncias de governo. Cito um caso Marina Silva ou Dilma
exemplar: o de Avelino Ganzer, um IHU On-Line - O senhor critica os mo-
grande dirigente nacional do sindica- Rousseff, como se este vimentos sociais pelo fato de eles
lismo rural, surgido no Pará a partir terem sido engolidos pela máquina
do trabalho de agentes pastorais, que fosse o grande tema do pública. Nesse sentido, o que dificul-
ingressou no governo estadual do Pará tou a construção de uma nova insti-
e sumiu do mapa político do país. O país para a ampliação das tucionalidade pública por parte dos
grande problema, contudo, foi uma movimentos sociais? A relação com o
baixa formulação política. Os movi- lutas por direitos e Estado é a única justificativa?
mentos sociais se apoiaram numa luta Rudá Ricci - Critico alguns movimentos
de resistência, mas não de construção participação social. sociais. Os movimentos ambientalistas
de uma nova institucionalidade públi- ainda resistem a esta lógica perversa.
ca, mais democrática. Na prática, a Novamente, limitam-se à Já explicitei que vários movimentos
resistência sugere a volta ao passado sociais e organizações populares se
(lembrando o moto dos movimentos luta partidária, de enredaram numa forte crise de finan-
messiânicos) ou a benesse (abrindo ciamento e até hoje não acharam uma
mão do protagonismo e solicitando governo, e não saída que lhes garanta autonomia po-
que o Estado os ouça). Este é o proble- lítica efetiva. Algumas organizações
ma maior. Não existe sujeito político conseguem ir além” populares se isolam à luz do dia.
que não seja protagonista da ação. Outras fazem um discurso radical,
que mora em outro bairro distante do mas se apoiam em acordos de bastidor
IHU On-Line – Em seus artigos, o se- seu, que nem sabe que existe. Os la- com governos, inclusive declarada-
nhor menciona que o comunitarismo ços afetivos criam forte coesão, mas mente de direita, o que supostamente
cristão dos anos 80 falhou e que o também podem criar forte sentimento seria uma contradição. A relação, no
movimento social não conseguiu dar de exclusão ou exclusivismo. Esta é a caso, não é com Estado, mas com go-
o salto para a construção de uma crítica que democratas fazem ao ex- vernos. Explico: grande parte do que
nova institucionalidade pública. Em clusivismo da democracia direta: sem eram movimentos sociais são apenas
que o senhor fundamenta esta críti- a democracia representativa, que lhe organizações e lutam pela sua própria
ca? O que faltou ao movimento social confere equilíbrio, só quem participa sobrevivência enquanto tal. E perde-
para que ele conseguisse avançar da assembleia é considerado cidadão. ram a intenção de elaborar novos di-
nesse sentido? Os que faltam, muitas vezes, são acu- reitos e um novo Estado. Fazem um
Rudá Ricci - Na própria concepção de sados de comodismo ou alienação. O mero jogo político com governos, o
comunidade, que nem sempre combi- comunitarismo cristão, base da Te- que revela uma política mais parti-
na com o de sociedade. Na sociologia, ologia da Libertação, não conseguiu cularista que a dos anos 80. Governos
comunidade é compreendida como construir uma lógica política tolerante são forças políticas que dirigem o Es-
uma relação entre iguais, que se soli- e voltada para sociedades complexas. tado. Estado é a estrutura permanen-
darizam a partir do afeto, dos valores Os movimentos sociais que nasceram te que administra tudo que é público.
mútuos. desta vertente acabaram por se fechar Quando eu limito minha relação com
Forma-se um espírito de corpo em suas pautas específicas e constru- governos, estou fazendo mero jogo
nem sempre baseado na razão, na íram fortes estruturas organizacionais político de acordos entre duas partes.
noção consciente do papel individu- voltadas para si e não para a sociedade Quando penso as políticas de Estado,
al na construção do coletivo, mas na como um todo. Na prática, defendem estou intervindo na estrutura de poder
prática de autodefesa do grupo. É o interesses grupais, e não direitos uni- da sociedade, em direitos gerais, na
caso, como ilustração, das torcidas de versais. Muitas vezes, este erro ganha conformação de uma nova institucio-
time de futebol. O conceito de socie- uma roupagem discursiva fundada no nalidade. Um é mero jogo. O outro é
dade, ao contrário, não é uma soma conceito de luta de classes. Mas é uma pensar o país e a democracia como um
de comunidades, mas a construção de mera ilusão retórica. Nem sempre se todo. Os movimentos sociais que se
racionalidade e regras que definem a trata de uma luta de classes, mas tornaram organizações não pensam,
convivência entre diferentes. Na ló- apenas de interesses. Veja o caso da efetivamente, o Estado, mas apenas
gica societária, cada indivíduo preci- luta pela terra no Brasil, que raramen- sua sobrevivência e poder político. Mas
sa saber qual o seu papel para que o te ainda carrega a luta pela reforma ainda restam movimentos que lutam
todo funcione, mesmo desconhecen- agrária. A luta pela terra é uma luta por direitos universais. São poucos,
do o que é, efetivamente, o outro, pela propriedade, e a luta pela refor- mas criam constrangimentos à regra.

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IHU On-Line - O que dificulta a arti- “O lulismo se alimentou sociais devem participar do jogo po-
culação nacional dos diversos movi- lítico?
mentos sociais brasileiros? desta lógica: construiu a Rudá Ricci - Com autonomia, antes de
Rudá Ricci - Pelo que expliquei ante- tudo. Deveriam se articular em fóruns
riormente: são exclusivistas e raramen- imagem de um pai, sábio, que agreguem os diversos interesses
te pensam o país. O CONAE acaba de e pautas, pensando o país. Deveriam
discutir um sistema único da educação sorridente. Personalizou procurar comandar os 30 mil conselhos
sem que as lideranças de saúde fossem de gestão pública existentes, uma rede
convidadas. Como é possível algo tão a política. Algo que os de poder real totalmente abandonada
arrogante, se o SUS é o exemplo maior à sua sorte. Deveriam criar uma rede
de sistema único de política pública no movimentos sociais dos de Escolas da Cidadania para formação
país? Nem se pensa em articular uma de novas lideranças com capacidade
conferência nacional de educação com anos 80 tanto lutaram de gerenciar políticas públicas, articu-
a de saúde, justamente porque são lando suas várias escolas e estruturas
campos específicos, com lógicas es- para superar. O grande de formação. É mais que necessário
pecíficas que, este é o drama, imitam pensarmos numa nova institucionali-
a estrutura de Estado burocrático do retrocesso é político” dade pública do Brasil. O jurista Fábio
país. O Estado burocrático brasileiro é Konder Comparato sugere a criação
dividido em temas e subtemas, minis- de um órgão central de planejamento
térios e secretarias e daí por diante. nação e forte partidarização. Neste – algo parecido com o Banco Central do
As organizações populares não pode- momento, discutem se apoiam Marina planejamento – com autonomia frente
riam, por definição, ser reflexo desta Silva ou Dilma Rousseff, como se este aos governos e com participação de
estrutura de especialização. fosse o grande tema do país para a representação da sociedade civil. O
Mas como não pensam um novo Es- ampliação das lutas por direitos e par- Fórum Brasil do Orçamento apresen-
tado, mais democrático e relaciona- ticipação social. Novamente, limitam- tou proposta de Lei de Responsabili-
do com a vida concreta dos cidadãos se à luta partidária, de governo, e não dade Fiscal e Social que responsabiliza
(que, no dia-a-dia, se relaciona com conseguem ir além. Houve ganhos no governantes que não melhorarem in-
territórios e agrupamentos sociais e governo Lula, principalmente econô- dicadores sociais (podendo até abrir
não com temas específicos), acabam micos. Os salários aumentaram. Houve impeachment contra o governante) e
caindo nesta armadilha de se organi- forte ascensão social. Mas, do ponto de aumentando o controle social. Há uma
zarem em estruturas temáticas, quase vista político e de estrutura de Estado, forte discussão para se fechar o Sena-
sempre reflexo da estrutura estatal houve retrocesso. O governo Lula seg- do porque ele não significa, de fato,
dominante, antipopular. O que estou mentou os movimentos e organizações uma câmara alta, de representação
querendo afirmar é que o ideário dos sociais em temas. Criou câmaras e are- dos Estados, mas uma mera aristocra-
anos 80 se esgotou e, a partir dos anos nas de negociação de projetos (como o cia política. Alguns debatem a possi-
90, lideranças sociais do país ingressa- CDES) sem laços com as bases sociais. bilidade de candidaturas avulsas, sem
ram na lógica da burocracia estatal e Prejudicou sobremaneira a articulação necessidade de filiação a partidos. Ou
perderam a energia e força moral para política e a transparência das ações de de implantação do recall, que cassa
impor uma nova lógica política. Ab- Estado. Transformou grande parte da o mandato de parlamentares que não
dicaram da ousadia. Algo semelhante agenda de Estado em agenda de go- cumprirem o que o eleitor desejar. Po-
ocorreu na Europa do pós-guerra. Res- verno. Criou forte cooptação política demos avançar na participação social
tou à França manter lutas sociais por via distribuição de recursos públicos. dentro dos parlamentos. Por que não
direitos – caso das lutas da periferia A distribuição desses recursos não temos conselhos de gestão pública em
de Paris, formada por migrantes mar- é um equívoco. Mas a forma como é Câmaras Municipais, nas Assembleias
ginalizados – ou movimento sindical distribuída, sem controle social e sem Legislativas e Congresso Nacional?
que enfrenta políticas governamentais transparência (somente os líderes sa- Por que só pensamos a participação
que diminuem direitos sociais – caso bem efetivamente o que ocorre) é um no nível do executivo? Por qual moti-
das greves do correio, para citar um declarado modelo de cooptação, de vo não impomos aos governantes que
exemplo. troca de favor, de partidarização da indiquem uma lista tríplice para cada
sociedade civil. O lulismo se alimen- secretário ou ministro de uma pasta
IHU On-Line - O movimento social foi tou desta lógica: construiu a imagem onde existir conselho de gestão públi-
uma das forças políticas que contri- de um pai, sábio, sorridente. Persona-  Fábio Konder Comparato (1936): advogado,
buiu para a eleição de Lula. Como o lizou a política. Algo que os movimen- escritor e jurista brasileiro. É professor titular
senhor avalia a relação do movimen- aposentado (em 2006) da Faculdade de Direito
tos sociais dos anos 80 tanto lutaram da Universidade de São Paulo, doutor em Di-
to social com o governo Lula. Quais para superar. O grande retrocesso é reito pela Universidade de Paris e doutor Ho-
os ganhos e perdas para o movimen- político. noris Causa da Universidade de Coimbra. Em
to social? 2009, recebeu o título de Professor Emérito da
Faculdade de Direito da Universidade de São
Rudá Ricci - A relação é de subordi- IHU On-Line - Como os movimentos Paulo. (Nota da IHU On-Line)

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ca para que o conselho escolha um dos tura atual coloca aos movimentos so- terra. Despencaram nos últimos cinco
três? Enfim, há tantos temas a serem ciais? Quais são, nesse sentido, seus anos. No ano passado, superaram pou-
debatidos para radicalizarmos nossa limites e dificuldades? co mais que 170 em todo o país. O nú-
democracia e controle social, mas os Rudá Ricci - A dificuldade é de formu- mero de acampados, que, na primeira
movimentos sociais e organizações po- lação geral, de superação do particu- gestão Lula, chegava a 200 mil, agora
pulares entram no jogo político pela larismo. Ainda estamos vinculados às não passa de 70 mil. Lula prometeu
porta dos fundos. Significativamente, carências, o que dificulta o salto para substituir a distribuição de cestas bási-
sem que as suas bases sociais enten- a luta por direitos universais, por uma cas em acampamentos rurais pelo car-
dam o que se discute efetivamente, nova lógica de tomada de decisões pú- tão do Bolsa Família. O MST repudiou
não há transparência, porque não há blicas. E isto acaba sendo o obstáculo porque sabe que será uma estocada
projeto público. para a articulação. no seu coração. O que ocorre é que
Forma-se, assim, um círculo vicio- a população excluída que desejava
IHU On-Line - Qual é o movimento so: o particularismo impede a formu- ocupação e a volta à terra vem sumin-
social mais representativo no Brasil? lação de agendas gerais que poderia do. A emergência da nova classe C e o
O senhor vislumbra o surgimento de superar o particularismo. Não se pensa aumento da classe D têm repercussão
novas forças sociais? o território como base de organização, política. Em 2002, a classe C signifi-
Rudá Ricci - O movimento ambienta- mas o tema. O território articula mui- cava 38% da população brasileira. Em
lista ainda mantém características de tos temas e pessoas. É ali que nasce 2010, representa 49,7%. As classes D
movimento social: sua força vem da a noção de público. Mas as organiza- e E representavam 54% e hoje repre-
mobilização social, pensando direitos sentam 37%. O número de pobres no
e regras gerais, são pluriclassistas e governo Lula caiu pela metade. A FGV-
ainda não se partidarizaram concre- “O que ocorre é que a RJ estima que, em 2015, os pobres não
tamente. Pela própria natureza, pen- representem 7% da população. Esta
sam projetos de desenvolvimento e do população excluída que ascensão gerou uma forte ideologia
Estado. O movimento de saúde, pela consumista. Obviamente que o apelo
sua força histórica, ainda mantém tra- desejava ocupação e a do MST vem despencando.
ços que ficam no limiar da organiza-
ção específica, mas não adentraram volta à terra vem IHU On-Line - Em que medida as
ainda nesta tentação. Há lutas rurais transformações sociais dos últimos
de minorias, como quilombolas, que sumindo. A emergência anos, como a diminuição da desigual-
também se encontram neste limiar. dade social e, em parte, econômica,
Mas vários outros, como movimento da nova classe C e o representa um novo desafio para a
por habitação, luta pela terra, direitos atuação dos movimentos sociais na
da criança e adolescente, assistência aumento da classe D têm sociedade?
social, movimento negro, estudantil, Rudá Ricci - O desafio é pensar em
para citar alguns, não são mais mo- repercussão política” dialogar com uma população consu-
vimentos sociais e se subordinaram à mista, individualista (mais de 80% de-
dinâmica e lógica dos governos. Uma les afirmam, segundo pesquisas recen-
cooptação branca. Há novidades dis- ções populares não conseguem pensar tes, que só confiam na sua família e
persas, muito recentes, que se estru- os territórios e a engenharia política desconsideram ações comunitárias) e
turam em redes (os chamados struc- pública. Como dizia Betinho, pouco quase fundamentalista no que tange
tural holes), mas que ainda não se antes de morrer: “Há muito ministério à religião. Alimenta uma religiosidade
esboçam claramente. Quase sempre no Brasil. O ideal é que fossem apenas privatista, voltada para o ganho pes-
envolvem lutas ambientalistas, muito três: da infraestrutura, da administra- soal e de sua família, para o confor-
modernas e midiáticas, desde o seu ção e a dos homens”. Uma frase que to e não para a solidariedade. Várias
início. Havia indícios, no início deste parece simples, mas que colocava ên- pesquisas recentes, inclusive uma que
século, de articulações em fóruns e fase no ser humano – no que tange às coordenei para a arquidiocese de Belo
redes sociais, mas que até o momento políticas sociais – e não nos temas. As Horizonte, revelam um católico mais
vivem de maneira errática, marginal organizações populares brasileiras não fechado ao seu bem-estar, refratário
à política nacional. Continuam sendo conseguem evoluir para esta compre- às ações públicas. São desorganizados.
promessas. Neste campo, temos o Fó- ensão. Todos nós, que sempre lutamos pela
rum Nacional de Participação Popular, ampliação do controle social e direi-
a Plataforma dos Movimentos Sociais IHU On-Line - O senhor diz que o MST tos sociais, nunca soubemos lidar com
para a Reforma Política Democrática, está se isolando politicamente. Na a parcela desorganizada da população
a Articulação do Semi-Árido, para citar prática, o que isso significa? brasileira. Teremos que reconstruir
alguns exemplos. Rudá Ricci - Será uma organização ações educacionais ou de debate dos
marginal. Já não é mais movimento valores sociais de nossa população.
IHU On-Line - Que desafios a conjun- social. Veja o número de ocupações de Temos que equilibrar ações sociais,
 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325
na base social, com intervenções nas superação dos próprios fantasmas. Se
câmaras de cúpula governamental de movimentos sociais e organizações po-
políticas sociais (que consomem tanto pulares não enfrentarem seus fantas-
tempo de nossas organizações). Per- mas, estaremos sempre dependentes
demos a disputa pelos valores morais do próximo eleito. O que é muito pou-
em nossa sociedade nos últimos quin- co para aquilo que desejavam na fase
ze anos. Tínhamos esta hegemonia nos de redemocratização do país.

http://twitter.com/_ihu
anos 80. As pesquisas revelam valores
solidários muito mais intensos no con-
junto da população. Havia, por exem- Leia Mais...
plo, uma efetiva solidariedade em re- >> Rudá Ricci já concedeu outras entre-
lação às lutas sociais. vistas à IHU On-Line. Confira na nossa página
eletrônica (www.ihu.unisinos.br).

IHU On-Line – Que aspectos devem • “Com o fim da era dos movimentos sociais,
nortear a prática dos movimentos foi-se a energia moral da ousadia”. Entrevista
publicada em 30-11-2010. Disponível em http://
sociais hoje? migre.me/wMCD;
Rudá Ricci - A questão central é su- • O PT a reboque do lulismo. Entrevista publi-
peração das pautas exclusivistas e cada em 10-9-2009. Acesse no link http://migre.
me/wMEA;
construção de um projeto de Estado, • “Um Brasil mais mosaico do que nunca”. Uma
de institucionalidade pública. Se não análise das eleições a partir de Minas Gerais. En-
pensarmos como a população brasilei- trevista publicada em 1-11-2008 e disponível no
link http://migre.me/wMFC;
ra pode ser efetivamente poder, con- • “A CUT vai caminhando para ser a antiga CGT
trolar e governar com os eleitos, criar do século XXI”. Entrevista publicada em 2-9-2008
transparência da máquina pública, e disponível no endereço eletrônico http://mi-
gre.me/wMGW;
reconstruirmos a cultura do funciona- • “Lula não é uma liderança de esquerda”. En-
lismo público (desprestigiado e arro- trevista publicada em 20-9-2006 e disponível no
gante), as lutas sociais formarão uma link http://migre.me/wMHL.
• Movimentos Sociais numa gestão Dilma ou Ser-
espécie de passagem dramática numa ra. Artigo publicado nas Notícias do Dia do sítio
paisagem de total formalismo político. do IHU em 30-03-2010 e disponível em http://
Como se fosse um “alegro ma non tro- bit.ly/bucNA7
• O lulismo e a esquerda latino-americana. Ar-
ppo” em meio a um adágio infinito. tigo publicado nas Notícias do Dia do sítio do
IHU em 24-03-2010 e disponível em http://bit.
IHU On-Line - Que futuro o senhor ly/8Y8tBO
• Comunitarismo e Democracia no Brasil. Ar-
vislumbra para os movimentos so- tigo publicado nas Notícias do Dia do sítio do
ciais a partir do resultado das elei- IHU em 20-03-2010 e disponível em http://bit.
ções presidenciais deste ano? ly/a2S4w4
• Movimentos Sociais em discussão. Rudá Ricci
Rudá Ricci - Com Dilma presidente, a responde a Valter Pomar. Artigo publicado nas
agonia aumentará, porque ela é muito Notícias do Dia do sítio do IHU em 13-12-2009 e
mais dura e tecnocrática que Lula. Não disponível em http://bit.ly/ctbaYH
tem compromissos históricos e pesso-
ais como Lula com os movimentos so-
ciais. Não dará as costas, mas conti- Baú da IHU On-Line
nuará e acentuará a lógica atual. Com
>> Sobre a temática dos movimentos so-
Serra, já sabemos que o enfrentamen- ciais, a IHU On-Line já produziu outras edições.
to será uma tônica. Veja o tratamento Elas estão disponíveis na nossa página eletrônica
que confere à greve dos professores (www.ihu.unisinos.br).
paulistas. Trata como elemento de • Movimentos sociais. Criminalização é um
disputa partidária porque o PSDB nun- atentado à democracia. Edição número 266, de
ca conseguiu ter peso nas lutas sociais 28-7-2008. Disponível no link http://migre.me/
wMSG;
brasileiras. É mais analista de gabine- • Fórum Social Mundial - Sinais, desafios e con-
te que ator social. Em suma: não tere- tradições do outro mundo possível. Edição nú-
mos dias muito profícuos na próxima mero 89, publicada em 12-1-2004. Acesse em
http://migre.me/wNfi;
gestão. Mas, com Serra, é possível que • Os movimentos sociais no Brasil: novos atores
as lutas sociais ganhem intensidade. sociais? Edição número 70, de 11-8-2003, dispo-
Parecerá uma volta, mantendo os ve- nível no link http://migre.me/wNhP;
• Um outro mundo é possível. Edição número 48,
lhos problemas. E poderá se partida- de 2-1-2003 e disponível no link http://migre.
rizar ainda mais. A solução estará na me/wNjw.

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 


Os movimentos sociais na conjuntura social e política
Segundo a socióloga Maria da Glória Gohn, impera, nos dias atuais, “um certo modismo,
que tenta se desvencilhar de imagens movimentalistas dos anos 80 e construir novas re-
presentações sobre ações civis”

Por Graziela Wolfart e Patricia Fachin

O
s movimentos sociais do século XXI são distintos dos das décadas de 70 e 80, embora alguns “qua-
dros de suas assessorias sejam herdeiros daquelas”, constata Maria da Glória Gohn. Nos anos de
ascensão, “lutavam para ter ‘direito a ter direitos’ (...), eles não eram voltados apenas para si
próprios, olhavam para o outro”, enfatiza a socióloga em entrevista concedida, por e-mail.
Dividida entre diversos compromissos, Maria da Glória Gohn aceitou responder algumas ques-
tões enviadas pela IHU On-Line. Na entrevista que segue, ela menciona que “o novo milênio apresenta uma
conjuntura social e política extremamente contraditória. O Estado alterou sua forma de relação com o se-
tor social”. A partir disso, explica, é possível perceber duas mudanças significativas: “De um lado, significa
reconhecimento social, especialmente de identidades culturais reivindicadas pelos movimentos; de outro,
passou a haver um maior controle social - de cima para baixo, pois as identidades têm sido formatadas em
‘políticas de identidades’, e não em processos de assegurar ‘identidades políticas’ construídas pelos próprios
sujeitos participantes. A mudança na ordem dos termos muda o sentido da ação social”. E evidencia: “Ao
mesmo tempo em que vários movimentos sociais tiveram mais condições de organização, tanto interna como
externa, dado o ambiente político reinante, eles perderam muito sua autonomia e, consequentemente, sua
força política, por diferentes razões”. Na avaliação da professora da Unicamp, “as divergências demarcadas
por diferenças político-ideológicas” dividem os movimentos sociais e também dificultam suas ações.
Maria da Glória Gohn é mestre em Sociologia, doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo
– USP, com a tese intitulada Participação Popular e Estado – O movimento de luta por creches em São Pau-
lo, e pós-doutora em Sociologia pela New School University, em Nova York. É autora de vários livros, entre
os quais citamos: Movimentos sociais e educação (São Paulo: Cortez Editora, 6ª edição, 2002); História dos
movimentos e lutas sociais (São Paulo: Loyola, 2001); Movimentos sociais no início do século XXI. Antigos
e novos atores sociais (Petrópolis: Vozes, 2003). Neste ano, lançou, pela Editora Vozes, o livro Movimentos
Sociais e Redes de Mobilizações no Brasil Contemporâneo. Confira a entrevista.

IHU On-Line - A senhora percebe um dos anos de 1980. Naquelas décadas, francês. Realizou uma releitura do trabalho de
novo movimento que indique possí- os movimentos lutavam para ter “di- Freud, mas acabou por eliminar vários elemen-
veis mudanças nos movimentos so- reito a ter direitos”. Como só podemos tos deste autor (descartando os impulsos sexu-
ais e de agressividade, por exemplo). Para La-
ciais brasileiros? Que novidade seria falar em direitos se contemplarmos o can, o inconsciente determina a consciência,
essa? universal, observamos que aqueles mas este é apenas uma estrutura vazia e sem
Maria da Glória Gohn - Na atualidade, movimentos não estavam autocen- conteúdo. Confira a edição 267 da Revista IHU
On-Line, de 04-08-2008, intitulada A função
os movimentos sociais são distintos dos trados. Embora não tivessem ainda do pai, hoje. Uma leitura de Lacan, disponível
ocorridos do final da década de 1970 e a circulação em espaço nacionais e em http://www.unisinos.br/ihuonline/uplo-
parte dos anos 1980 (movimentos po- transnacionais que têm hoje, eles não ads/edicoes/1217878435.7423pdf.pdf. Sobre
Lacan, confira, ainda, as seguintes edições
pulares reivindicatórios de melhorias eram voltados apenas para si próprios, da revista IHU On-Line, produzidas tendo em
urbanas articulados com pastorais, olhavam para o outro -, até para poder vista o Colóquio Internacional A ética da psi-
grupos políticos de oposição ao regi- construírem a própria identidade, se- canálise: Lacan estaria justificado em dizer
“não cedas de teu desejo”? [ne cède pas sur
me militar etc.), embora alguns dos gundo o efeito do espelho, como diria ton désir]?, realizado em 14 e 15 de agosto de
atuais movimentos ou quadros de suas Lacan, miravam-se no outro (os). 2009: edição 298, de 22-06-2009, intitulada De-
assessorias sejam herdeiros daqueles sejo e violência, disponível para download em
 Jacques Lacan (1901-1981): psicanalista http://www.ihuonline.unisinos.br/uploads/

10 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


O novo milênio apresenta uma con- Portanto, não vejo a homogeneização
juntura social e política extremamente “Alternativas sempre são citada na pergunta acima. Vejo que os
contraditória. O Estado alterou sua for- atuais movimentos são extremamente
ma de relação com o setor social. De bem-vindas, desde que diferenciados entre si, segundo o tipo
um lado, significa reconhecimento so- e grau de organização, demandas, ar-
cial, especialmente de identidades cul- as ações coletivas ticulações, projeto político, trajetória
turais reivindicadas pelos movimentos; histórica, experiências vivenciadas
de outro, passou a haver um maior con- provenham de setores - principalmente no plano político-
trole social - de cima para baixo, pois organizativo, assim como quanto sua
as identidades têm sido formatadas em da sociedade civil abrangência territorial.
“políticas de identidades”, e não em Enquanto houver injustiças sociais
processos de assegurar “identidades organizada que busquem e desigualdades socioeconômicas, ha-
políticas” construídas pelos próprios verá movimentos sociais. Certamente
sujeitos participantes. A mudança na soluções para problemas que há analistas que preconizam seu
ordem dos termos muda o sentido da fim ou desenham em sonhos, modelos
ação social. As políticas públicas passa- coletivos, e não de alternativos. Alternativas sempre são
ram a ser eixo estruturante das ações bem-vindas, desde que as ações cole-
coletivas, organizadas sob um leque grupos de interesses tivas provenham de setores da socie-
de temáticas com formas variadas. Ao dade civil organizada que busquem so-
mesmo tempo em que vários movimen- específicos. Os Fóruns luções para problemas coletivos, e não
tos sociais tiveram mais condições de de grupos de interesses específicos.
organização, tanto interna como exter- usualmente são uma Os Fóruns usualmente são uma destas
na, dado o ambiente político reinante, inovações. As Conferências nacionais
eles perderam muito sua autonomia e destas inovações” já são de outra matriz estruturante,
consequentemente, sua força política, institucionalizadas. Nos últimos anos,
por diferentes razões. Alguns se trans- até 2010. A análise e desenvolvimen- impera um certo modismo que tenta
formaram em ONGs ou estruturas de to dos movimentos lá listados, entre se desvencilhar de imagens movimen-
gestão das políticas públicas. Outros 2000-2010, estão em outro livro meu, talistas dos anos 80 e construir novas
ficaram na resistência, meio que con- recém lançado em 2010, pela Editora representações sobre as ações civis,
gelados, produzindo esporadicamente Vozes, denominado Movimentos So- agora tidas como ativas e propositivas,
eventos de efeitos midiáticos, efeitos ciais e Redes de Mobilizações no Brasil atuando segundo formas modernas de
que ocupam as pautas das manchetes Contemporâneo. Nele apresento um ação coletiva, expressas em discursos
da mídia e morrem com o fim do even- mapeamento dos principais eixos te- como “articular-se em redes como
to, sem repercussão no atendimento de máticos que têm aglutinado as ações exigência para sobrevivência”. Mui-
suas demandas, ou alteração em suas coletivas, em movimentos sociais, tas vezes, são outras ações coletivas
práticas, ou nas ações e diretrizes de redes, fóruns, conselhos, colegiados, institucionalizadas, não movimentos
seus opositores. conferências etc. na atualidade. Faço sociais. Seus participantes são ativis-
também reflexões sobre a relação dos tas recrutados para a participação em
IHU On-Line - Se a senhora escreves- movimentos sociais com as políticas projetos e programas sociais ou usuá-
se hoje a obra Teoria dos movimen- de parceria com o Estado - ou com os rios de políticas públicas - sob certas
tos sociais, escrita em 1997, o que governos constituídos. condicionalidades. O que tem diminu-
mudaria? ído são movimentos sociais compostos
Maria da Glória Gohn - Nada. Apenas IHU On-Line - Quais os riscos da homo- por militantes motivados por causas e
faria uma de novas teorias - que já foi geneização dos movimentos sociais? É projetos coletivos de vida, e não ape-
feita em 2008 quando publiquei o livro hora de a sociedade civil pensar em nas por interesses individuais.
Novas Teorias dos Movimentos Sociais alternativas de luta que não sejam
(São Paulo: Loyola, 2008); já saiu a 2ª mais movimentos em grupo?
Ed. em 2009. Em 2010, sairá a 8ª edi- Maria da Glória Gohn - Um dos gran-
ção do livro Teorias dos Movimentos des problemas dos movimentos sociais
Sociais e a novidade é a atualização de (movimentos mesmo, não ações cole- Leia Mais...
seu anexo, incorporando nova listagem tivas estruturadas em organizações, >> Maria da Glória Gohn já concedeu en-
das lutas e movimentos sociais de 1997 associações etc.), são as divergências. trevista à IHU On-Line. Acesse o material na
página eletrônica www.ihu.unisinos.br.
edicoes/1245697518.4536pdf.pdf e 303, e edi- Eles sempre foram heterogêneos, isto
ção 303, de 10-08-2009, intitulada A ética da é bom e democrático. Mas as divergên- • “Não são apenas os ‘sem’ que protestam, os
psicanálise. Lacan estaria justificado em dizer
“não cedas de teu desejo”?, disponível para cias demarcadas por diferenças políti- ‘com’ estão ameaçados”. Entrevista publicada
na edição Os movimentos sociais no Brasil: novos
download em http://www.ihuonline.unisinos. co-ideológicas os dividem segundo o atores sociais?, número 70, de 11-8-2003. Acesse
br/uploads/edicoes/1249936179.2884pdf.pdf. espectro político do país. Isto dificulta no link http://migre.me/x1Ut.
(Nota da IHU On-Line)
ações coletivas com maior densidade.
SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 11
A retomada do comunitarismo na vida social
Para Ivo Poletto, movimentos sociais são expressão da vida democrática. Se a democracia
é de “fachada”, maior a dificuldade de ação, assegura

Por Patricia Fachin

“O
s movimentos sociais partilham da crise que perpassa toda a sociedade brasileira, in-
clusive os intelectuais e parte do funcionalismo público: a crise em relação ao sentido
da democracia”, aponta o cientista social Ivo Poletto, à IHU On-Line. Na entrevista
que segue, concedida, por e-mail, ele reflete sobre a trajetória dos movimentos so-
ciais e a atuação deles diante da atual conjuntura. A novidade, segundo Poletto, “é
a emergência da consciência e de objetivos ecológicos nos movimentos recentes”. Os desafios postos pelas
mudanças climáticas, acredita, podem significar a retomada do ideário comunitário, o qual, para Poletto,
“continua válido e necessário”. “A consciência que levará a revalorizar a comunidade de vida será nova. Ela
deverá estar assentada sobre a necessidade de recriar as relações com a Terra, assumindo que os humanos
são parte dela e que só podem Bem Viver se ela estiver viva e for fonte permanente de vida”, frisa.
Ivo Poletto é filósofo, teólogo, educador popular e assessor de pastorais e movimentos sociais. Trabalhou
durante os dois primeiros anos do governo Lula como assessor do Programa Fome Zero e foi o primeiro secre-
tário-executivo da Comissão Pastoral da Terra - CPT. É autor de, entre outros, Brasil, oportunidades perdidas
– Meus dois anos no governo Lula (Rio de Janeiro: Garamond, 2005). Confira a entrevista.

IHU On-Line - Os movimentos sociais vem das esquerdas, que não sabe falar cima, nas instituições estatais, esque-
estão em crise ou não? Que fatores corretamente, que não tem experiên- cendo ou preferindo não governar com
indicam isso? Como o senhor descre- cia de governo, e tantas outras des- a maioria da cidadania que o elegera
ve o atual momento dos movimentos qualificações – para o cargo de Presi- para realizar mudanças profundas na
sociais? dente da República? sociedade brasileira, novamente para
Ivo Poletto - É difícil dar uma resposta evitar conflitos.
a estas perguntas. Em primeiro lugar, Lula e os movimentos sociais Diante de um governo que se torna
porque um dos fatores que estariam na a alavanca para o grande capital “na-
raiz de sua crise, segundo alguns estu- Sou do parecer que a eleição de cional”, firmar-se internacionalmente
diosos, a saber: a eleição e o governo Lula foi fruto da decisão livre da ci- em ser o principal agente e beneficiá-
Lula, deve ser bem analisado para não dadania, mobilizada politicamente, rio do neodesenvolvimentismo, e que,
cometer injustiças com os movimen- em boa medida, pelos movimentos so- ao mesmo tempo, implementa políti-
tos sociais. Na sua origem, a eleição ciais urbanos e rurais, incluindo aqui cas sociais muito melhores do que os
de Lula foi uma vitória histórica dos também a ação das pastorais sociais. governos anteriores – sem mudanças
movimentos sociais; não se pode ne- Tanto que, em minha compreensão dos estruturais, e talvez para evitá-las,
gar que foram eles, e talvez mais do fatos, não era necessária a “Carta ao pois causariam conflitos -, como de-
que o próprio PT, que tornaram pos- Povo Brasileiro” para vencer as elei- vem agir os movimentos sociais?
sível este acontecimento que renova ções; ela foi importante para derrubar
a história política brasileira. Sem sua barreiras no meio empresarial e para Crítica dos movimentos sociais
mobilização social e seu estímulo à de- o que o “núcleo duro” transformou o
sobediência popular ao “maior partido governo Lula: um governo de media- Esse é o “caldo político” em que
conservador”, a grande mídia, teria ção entre as classes e setores sociais, vivem e atuam os movimentos sociais.
a maioria da população superado sua servindo mais, muito mais, às classes Não é estranho, então, que quase to-
tendência conservadora e votado num economicamente dominantes para dos eles sejam radicalmente críticos
“brasileiro qualquer” – pobre, nordes- evitar conflitos; um governo que as- em relação aos grandes projetos do
tino, operário, quase analfabeto, que senta a governabilidade na aliança por PAC, mas, ao mesmo tempo, sejam

12 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


críticos em relação às políticas e pro- “O principal se a partir de relativamente poucas
jetos sociais, sem, contudo, deixar iniciativas anteriores, só a duras penas
de reconhecer que trazem novidades retrocesso é relacionado vai conseguindo romper os preconcei-
e podem ser pontos de partida para tos com que são vistos os moradores
avanços na conquista de direitos e na com o avanço: está no de rua; assim mesmo, tem uma razo-
formulação e controle de políticas pú- ável relação de representatividade da
blicas de maior alcance e qualidade. fato de Lula e seu sua base social.
Por isso tudo, a crise dos movimen- Com isso, relativiza-se a maior ou
tos sociais tem a seguinte base: eles governo não terem menor importância de cada movimen-
não têm força sociopolítica suficien- to. Pode-se dizer que os catadores/as
te para serem ouvidos com seriedade possibilitado todo o conseguiram relativamente mais do
quando criticam os grandes projetos e que os sem-terra, se a avaliação levar
quando propõem alternativas para um amadurecimento da em conta os objetivos e as conquistas
desenvolvimento que não seja mero alcançadas. Da mesma forma, o movi-
“crescimento econômico”, e sim um consciência e da prática mento pela convivência com o Semi-
verdadeiro desenvolvimento social e Árido pode ter alcançado mais do que
humano, com respeito e convivência democrática que se os catadores e sem-terra. Isso não re-
com o meio ambiente; e não têm força tira mérito, contudo, das avaliações
sociopolítica suficiente, igualmente, tornaram possíveis com de que, em termos de capacidade de
para exigir que os compromissos assu- mobilização política, de iniciativas de
midos em relação às políticas sociais sua eleição” pressão, de construção de espaços com
sejam transformados em práticas, iniciativas alternativas, o movimento
e não abandonados para atender às mais expressivo seja o MST – sabendo
pressões dos minoritários grupos do- é mais ou menos de fachada, maior ou que a luta pela terra conta também
minantes. menor sua dificuldade de ação. com a força da diversidade de movi-
mentos de luta pela terra existente no
IHU On-Line - Quais são as maiores IHU On-Line - Qual é, em sua opi- Brasil, bem como de sua capacidade
dificuldades que os movimentos so- nião, o movimento social mais ativo de estabelecer alianças.
ciais encontram hoje? no país? De que maneira ele conse-
Ivo Poletto - Vejo que os movimentos gue se destacar na sociedade? IHU On-Line - O senhor identifica no-
sociais partilham da crise que perpassa Ivo Poletto - É necessária uma ponde- vos movimentos sociais nos dias de
toda a sociedade brasileira, inclusive ração inicial: para que não se faça uma hoje? Quais as características e moti-
os intelectuais e parte do funcionalis- avaliação injusta, é preciso verificar, vações deles?
mo público: a crise em relação ao sen- entre outros fatores, a relação entre o Ivo Poletto - Mesmo com a existên-
tido da democracia. Afinal, o governo, movimento e sua base social; ver quan- cia e os méritos do MAB – Movimento
uma vez eleito, pode fazer o que quer? to tempo de existência cada movimen- dos Atingido pelas Barragens, estão
A soberania popular pode ou deve con- to tem; verificar a existência ou não de nascendo, nos últimos meses, movi-
trolar os mandatos concedidos? Como? ambiente favorável à ação sociopolítica mentos como o “Xingu Vivo” e o “Ta-
Pode um Congresso Nacional reservar que cada movimento mobiliza. pajós Vivo”, apenas para citar dois
para si o poder de decidir sobre con- Tomemos dois, três exemplos: o exemplos. E com enorme capacidade
vocação de plebiscitos? A quem cabe MST, o Movimento dos Catadores de de mobilização. Contra a hidrelétrica
decidir sobre projetos que interferem Materiais Recicláveis e a ASA – Articu- Belo Monte, no Xingu, além e até por
gravemente na vida de povos indígenas lação do Semi-Árido (que mesmo não causa de ampla aliança entre povos
e outras comunidades? : a) a grupos sendo estruturalmente um movimento indígenas, camponeses e povo da ci-
técnicos contratados? b) ao governo, social, já conta com mais de 1 milhão dade, juntando igrejas, sindicatos e
mesmo contra a vontade da população e trezentas mil pessoas mobilizadas em até associações comerciais, está con-
atingida? c) ao parecer ou pressão dos favor convivência com o Semi-Árido). quistando amplo apoio internacional,
grupos econômicos? d) ao poder sobe- O MST existe desde 1984, e nasceu ao ponto de contar com a adesão de
rano do povo da região atingida? e) ou de muitas iniciativas pré-existentes, J. Cameron, diretor do filme de su-
ao poder soberano popular nacional, mobilizando os Sem-Terra em favor cesso “Avatar”, o que pode ser sinal
para decidir se realmente a obra é ne- de uma causa que tem longa história; de uma ampla solidariedade e pressão
cessária para garantir energia ou se há conta com muitos militantes, e assim internacional. Assim mesmo, cederá o
alternativas menos agressivas ao am- mesmo vale a pena verificar quanto teimoso consórcio entre grandes em-
biente da vida? consegue mobilizar dos milhões que presas e governo federal? Povos indí-
Como se pode perceber, movimen- são sua base social. Já o Movimento genas já avisaram: “não deixaremos as
tos sociais são expressão da vida de- dos Catadores de Materiais Recicláveis máquinas começarem a obra”. O go-
mocrática; se a democracia praticada tem uma história recente, constituiu- verno tentará evitar este conflito, que

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 13


nasce a partir da reação popular, como lo XXI, também no Brasil. Assim mes-
faz quando é anunciado pelo agrone-
“Estão nascendo, nos mo, as pastorais sociais, com relativa
gócio e por outras grandes empresas? autonomia, organizaram as Semanas
Ou envolverá o Exército na obra, como
últimos meses, Sociais Brasileiras, e delas nasceram
já fez no contestado projeto de Trans- iniciativas sociais muito significativas.
posição do São Francisco?
movimentos como o Por exemplo, da 2ª Semana Social nas-
ceu a Campanha da Fraternidade sobre
Novidade dos movimentos sociais
‘Xingu Vivo’ e o ‘Tapajós Exclusão Social, e desta nasceu o Grito
dos Excluídos; da 3ª Semana renasceu
O que se percebe de novo, talvez,
Vivo’, apenas para citar o enfrentamento político da Divida Pú-
é a emergência da consciência e de blica, externa e interna, e foi para or-
objetivos ecológicos nos movimentos
dois exemplos” ganizar o primeiro plebiscito popular,
recentes. Além disso, como nascem e sobre a dívida externa, que surgiu
de desafios muito concretos, as forças a Rede Jubileu, que, depois, firmou-
da fome, que hoje já contam até com
sociopolíticas mobilizadas são diversi- se na América, na África e Ásia como
uma Lei de Segurança Alimentar e Nu-
ficadas; menos com viés de “classe”, Rede Jubileu Sul; foi a Rede Jubileu
tricional; e ter presente os avanços
se desejarmos. que articulou e organizou o Plebiscito
do movimento da Economia Solidária,
Outra novidade: enfrentando-se sobre a ALCA e Alcântara, bem como,
alimentado por um número crescente
com um governo que não criminalizou mais tarde, o Plebiscito sobre a Vale
de iniciativas e redes, que já luta por
– mas pouco fez para que não fossem do Rio Doce; da 4ª Semana Social, com
uma Lei que reconheça e regule a es-
duramente criminalizados – os mo- sua temática de Articulação da Forças
pecificidade deste tipo de economia.
vimentos sociais, esses movimentos Sociais – Mutirão por um Novo Brasil,
Ao mesmo tempo, porém, é ne-
recentes se ressentem de estar com- nasceu, mas ainda está em processo
cessário ter presente as contradições
batendo um governo que ajudaram a de consolidação, a Assembleia Popu-
e limites das instâncias públicas de
eleger, e sofrem diante da dureza com lar, uma articulação de forças sociais
participação e controle de políticas
que não são ouvidos, ou com a quase em torno da elaboração e conquista do
públicas, os múltiplos Conselhos. Com
inutilidade dos espaços de diálogo; são Brasil que queremos.
raras exceções, ainda é muito forte
movimentos que enfrentam ameaças a Em outras palavras, é claro que,
a marca estatal desses Conselhos, e
direitos humanos e da Terra por causa para ser fiel a Jesus de Nazaré, a Igre-
isso favorece sua fragilização em fa-
de políticas de desenvolvimento que ja deveria ser mais profética, mais
vor das instâncias diretas de governo,
privilegiam interesses de grandes em- comprometida com os pobres em suas
e atrapalha os avanços que poderiam
presas, seja na implementação da obra lutas por libertação; da mesma forma,
ser conquistados pelos movimentos
como no destino final do produto. a reflexão teológica deveria ter mais
sociais.
Vale destacar outra novidade: o continuidade da Teologia da Liberta-
aprendizado de organização e atuação ção, que é um caminho latino-ameri-
IHU On-Line - Muitos movimentos
em rede. Esta é uma prática muito de- cano de reflexão sobre a fidelidade ao
sociais brasileiros se fortaleceram
safiadora, pois mexe com a tradição seguimento de Jesus. Mas não se pode
no contexto da Teologia da Liberta-
centralista e diretiva que ainda marca dizer que a teologia da libertação dei-
ção dos anos 80. O refluxo da Igreja
muitas lideranças. Trata-se de apren- xou de existir e que a Igreja, especial-
progressista afetou os movimentos
der a agir com a democracia como um mente a progressista – se é que essa
sociais?
valor, e não como um instrumento, classificação se sustenta sociologica-
Ivo Poletto - É claro que afetou. Mas,
uma tática. mente -, tenham pura e simplesmente
talvez, não tanto como aparece em
deixado de estar presentes e de gerar,
algumas análises. É incrível como se
IHU On-Line - Em sua opinião, ao lon- junto com setores excluídos, novos ca-
tem facilidade de dizer que “a Igre-
go de sua trajetória, os movimentos minhos de libertação. Houve refluxo,
ja abandonou os movimentos sociais”.
sociais conseguiram construir, ou mas houve também continuidade, de
Nada acontece desta forma na história
não, uma institucionalidade pública? modo especial através do compromis-
real; os efeitos do refluxo se deram de
Ivo Poletto - Mais uma vez, a necessi- so e da teimosa fidelidade de cristãos
forma diversificada, e isso dependeu
dade de matizar a resposta: não res- e cristãs das comunidades, muitas ve-
de múltiplos e diferentes fatores.
ta dúvida que houve avanços na linha zes, sem apoio ou até combatidos por
Não sendo possível fazer uma aná-
de uma nova institucionalização – e, membros do clero.
lise mais factual e completa – que exi-
para isso, bastariam ter presente as
giria, além disso, muito mais pesquisa
conquistas das iniciativas e movimen- IHU On-Line - Como o senhor vê hoje
sociológica -, refiro apenas dois exem-
tos ligados à superação da miséria e as Pastorais Sociais? Encontram-se
plos de como nem tudo tem sido ne-
 Sobre o tema, leia o Cadernos IHU em for- em crise ou ainda desempenham um
gatividade. A Igreja como instituição
mação número 28, de 2008, intitulado A trans- papel importante junto à sociedade?
posição do Rio São Francisco em debate, dispo- estava em franco refluxo nos anos 90
Ivo Poletto - Já destaquei alguns si-
nível para download em http://bit.ly/cMuOnt do século passado e no início do sécu-
(Nota da IHU On-Line) nais de que continuam contribuindo
14 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325
com o amplo movimento popular de se tornando regra geral, será a reto- Ivo Poletto - Em boa medida, já elen-
libertação. Ainda, recentemente, elas mada da vida comunitária, a ser orga- quei alguns elementos de resposta na
estão dando uma nova contribuição: nizada em cada território. Não será a primeira pergunta. Mas vale avançar
colocando a temática desafiadora das comunidade de outros tempos, é cla- um pouco mais. O principal avanço
mudanças climáticas, provocadas pelo ro, mesmo se contará com a riqueza está no fato de que ninguém mais po-
aquecimento global, como “prioridade das experiências dos povos indígenas e derá dizer que uma ou um brasileiro
transversal”, isto é, fazendo que to- outras comunidades tradicionais, que simples não pode ser presidente da
das as ações promovidas tenham pre- preservaram por milênios e séculos va- República. Todos podem ser presiden-
sente a dimensão ecológica, definin- lores assentados na vida comunitária. A te; podem, então, assumir outras res-
do em quê e como podem contribuir consciência que levará a revalorizar a ponsabilidades públicas. A guerra dos
para enfrentar esta nova e desafiadora comunidade de vida será nova. Ela de- grandes meios de comunicação contra
problemática. E já conseguiram que o verá estar assentada sobre a necessida- isso não será vitoriosa; pelo contrário,
tema da Campanha da Fraternidade de de recriar as relações com a Terra, pode até ir minando sua credibilidade,
de 2011 seja “A Vida no Planeta”, com assumindo que os humanos são parte pois vai revelando seu caráter antipo-
o seguinte lema: “a Terra sofre em do- dela e que só podem Bem Viver se ela pular, antidemocrático, elitista.
res de parto”. estiver viva e for fonte permanente de O principal retrocesso é relaciona-
Isso não significa que elas não vi- vida; e sobre a necessidade de recriar do com o avanço: está no fato de Lula
vam crises, tanto organizativas como a prática econômica e de intercâmbio e seu governo não terem possibilitado
de missão. Seria estranho que passas- de bens e serviços, reduzindo ao má- todo o amadurecimento da consciên-
sem imunes pela crise civilizacional vi- ximo o consumo de tudo que provoca cia e da prática democrática que se
vida pela humanidade. Mas, pelo que aquecimento pela contaminação da at- tornaram possíveis com sua eleição.
conheço, há um cuidado e um esforço mosfera. Em outras palavras, a busca São referidas muitas desculpas, mui-
permanente para possibilitar uma re- da comunidade será a via para superar tas indicações de impossibilidade,
flexão crítica que ajude a enfrentar as a civilização do consumismo, criando muitas justificações para o “realismo”
dificuldades que surgem e para redefi- novas formas de sermos humanos. da política do possível. Podem ter ele-
nir, com fidelidade e criatividade, sua Nessa perspectiva, pode estar no mentos de realidade, mas não consigo
missão na realidade atual. bom caminho a quase prioridade dada convencer-me que não foram criadas
por algumas CPTs regionais às comuni- condições para maiores avanços na
IHU On-Line - O ideário comunitário dades tradicionais, seus valores e seu prática governamental verdadeira-
que deu origem à Comissão Pastoral questionamento do direito estatal, mente democrática. Povos vizinhos,
da Terra e que, por sua vez, motivou centrado na defesa da propriedade como a Bolívia e o Equador, são prova
a formação de diversos movimentos privada e do livre mercado. A luta pela de que é possível, desde que isso seja
sociais no país, ainda é suficiente e terra também não se esgota na con- vontade do governante eleito e do seu
se sustenta nos dias de hoje? quista pura e simples da redistribuição grupo de governo; isto é, desde que
Ivo Poletto - É bom ter presente que, da terra; ela deverá ser caminho para o governante “governe obedecendo”
na origem da CPT, esteve o ideário co- repensar o cultivo da terra, o tipo de seu povo, evitando deixar-se enredar
munitário, sim, mas também fez parte produção e de comercialização, que pelas elites que construíram o Esta-
de sua origem o conflito pela terra, será tanto mais possível quanto mais do e ainda o controlam a serviço de
que atingia particularmente os pos- cooperativo for o trabalho e mais co- seus interesses, só deixando ao povo
seiros, e a ação repressiva da ditadura munitária a convivência. os restos do banquete. As condições
sobre qualquer trabalho de educação Com outros sentidos, respondendo políticas para isso eram muito mais
popular, e particularmente sobre a a outros desafios, o ideário comunitá- positivas no Brasil do que no Equa-
pastoral popular que crescia em di- rio continua válido e necessário. Creio dor, por exemplo; contudo, lá, Rafael
ferentes regiões do país. Por isso, é até que a CPT precisará avançar nesta Correa abriu caminhos de refundação
bom ter cuidado quando se faz alguma consciência, de tal forma que seja fer- do Estado com sua aliança com a ci-
comparação com aquela situação e a mento de novas práticas e profecia do dadania, enquanto aqui, a opção foi
de hoje. sentido da comunidade para a constru- conservadora: aliar-se aos de sempre
Dito isso, quero introduzir um ponto ção da nova civilização, indispensável e, com isso, terminando por governar
que está apenas em fase de brotação para que a Terra recupere seu equilí- sem ter conflitos com eles, limitando
nas pastorais sociais e nos movimentos brio e continue a acolher a humanida- imensamente os passos de renovação
populares. É o seguinte: muito prova- de nela. da sociedade brasileira.
velmente, uma das características das
saídas para o desafio das mudanças IHU On-Line - Na sua avaliação, qual IHU On-Line - Que futuro vislumbra
climáticas, originadas no aquecimen- é o principal avanço e o principal re- para os movimentos sociais depois
to provocado pela ação humana para trocesso deixado pelo governo Lula das eleições? A relação entre mo-
manter o tipo de produção e de con- nesses 8 anos de mandato sob a pers- vimento social e Estado tende a
sumo com crescimento sem fim que foi pectiva do movimento social? mudar?

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 15


Ivo Poletto - Há uma frase, repetida
nos espaços da Assembleia Popular, que
também vive suas crises, que me pare-
ce indicar o melhor rumo a ser seguido
pelos movimentos sociais: “em outubro,
nosso candidato é o projeto popular”. A fragilização do imaginário
Isso significa que não se deverá repetir
o equívoco anterior, a saber: apostar to- da transformação social
das as fichas em eleições, num partido,
num candidato. A prática ensinou que,
se não crescer a capacidade sociopolí- Para Silvio Caccia Bava, os movimentos sociais estão fragmen-
tica dos movimentos sociais, pode-se tados e têm dificuldade de defender propostas de transforma-
perder a disputa pela orientação políti- ção social
ca do governo eleito.
Então, o caminho a ser seguido,
e que pode ser permanente e auto- Por Patricia Fachin
nomamente definido, é o reforço dos

N
movimentos sociais, aprofundando seu
enraizamento em sua base social; capa- a avaliação do sociólogo Silvio Caccia Bava, durante a gestão do
citando com consciência crítica mais li- presidente Lula, a participação de representantes de alguns mo-
deranças; avançando na capacidade de vimentos sociais no governo gerou uma confusão no sentido de
trabalhar em rede; articulando-se para não diferenciar o que são movimentos sociais e o que é governo.
ser expressão democratizante do poder “De repente, havia lideranças do lado da sociedade civil fazendo
popular; democratizando as relações no pressão sobre o governo, e, no dia seguinte, elas são as autoridades sobre as
interior dos movimentos, redes e arti-
quais se faz a pressão”, menciona.
culações, para democratizar o Estado
Na entrevista que segue, concedida, por telefone, para a IHU On-Line, o
através da mobilização política da so-
ciedade brasileira. coordenador geral do Instituto Pólis frisa que essa relação “criou uma pro-
É claro que a opção concreta de voto miscuidade e uma dificuldade de compreensão dos diferentes papéis, o que
passa pelo confronto entre cada candi- contribuiu muito para desarticular a capacidade de pressão dos movimentos
dato, e seu programa de governo (se sociais”. Para ele, a sociedade está perdendo o “imaginário de transformação
tiver), com o projeto popular, verifican- social” e, com isso, não se discutem mais projetos de mudanças. Nesse con-
do quem pode contribuir com avanços texto, assegura, os movimentos sociais estão fragmentados e também encon-
e quem apostaria em menos democra- tram “dificuldade de defender propostas de transformação social”.
cia em todas as dimensões da vida e Silvio menciona ainda que os movimentos sociais precisam “resgatar o ima-
da convivência social e ambiental. Por ginário de que Brasil queremos ter para as próximas gerações”. Para que os
outro lado, a partir das eleições, des- avanços sejam significativos no futuro, ele lembra também que os movimentos
de o primeiro momento, o compromisso
dependem do apoio da sociedade. “A legitimidade, a credibilidade e o peso
é com o projeto popular, e não com o
que eles possam ter nas suas negociações vêm do respaldo que os cidadãos
governante; ele deverá ser chamado a
obedecer ao seu povo, e não a substituí- possam dar”.
lo ou impor a sua vontade. Caccia Bava é graduado em Ciências Sociais e mestre em Ciência Política
pela Universidade de São Paulo – USP, com a dissertação Práticas cotidianas e
movimentos sociais: elementos para reconstituição de um objeto de estudo. É
Leia Mais... também editor do jornal Le Monde Diplomatique Brasil. Pesquisador no Insti-
>> Poletto já concedeu outras entrevistas tuto Pólis, trabalha temas sobre o desenvolvimento local e do território, a ges-
à IHU On-Line. Confira na nossa página eletrô-
tão democrática, a avaliação de políticas públicas, a relação dos movimentos
nica (www.ihu.unisinos.br).
sociais com os governos locais, processos de descentralização e participação.
• O novo está no fato de reconhecer a Terra como Confira a entrevista.
um ser vivo. Entrevista publicada em 2-2-2009 e
disponível no link http://migre.me/wvV7;
• As contradições da transposição do Rio São IHU On-Line - Que mudanças caracte- certa euforia por parte dos movimen-
Francisco e a palavra forte e profética de D. Ca-
ppio. Entrevista publicada em 22-1-2008 e dispo-
rizam os movimentos sociais ao longo tos no sentido de dizer “agora esta-
nível no link http://migre.me/wvWE; dos anos? O senhor percebe alguma mos lá”, porque Lula era compreen-
• Amazônia e seu povo. Propostas e práticas de novidade em torno dos movimentos? dido como uma representação dos
convivência com este bioma. Entrevista publica-
da em 1-4-2007 e disponível no link http://mi-
Silvio Caccia Bava – Vou tomar como próprios movimentos que chegava ao
gre.me/wvXV. marco para essa discussão o governo governo. Essa é uma questão muito
Lula. No início de 2003, houve uma curiosa. Quando Lula assume o gover-
16 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325
no, ele chama um conjunto importante lação imobiliária, de usar a cidade como
de lideranças desses movimentos para
“Não existe mais só o mercadoria e fazer prevalecer o valor
dentro do governo. O Ministro do Tra- social dos bens públicos; impulsionou a
balho acaba sendo o ex-presidente da
Estado sobre o qual o ideia de que todos os municípios devem
CUT; lideranças do movimento campo- ter planos diretores que estejam com-
nês acabam participando do governo
movimento social faz prometidos com a redução da desigual-
também. Acho que é uma expectativa dade, com a inclusão social e política
perfeitamente compreensível. Há uma
pressão, existe um dos mais pobres; desenvolveu mecanis-
expectativa por parte dos movimentos mos de participação importantes, como
de que eles venham a participar do
Estado onde o próprio o próprio sistema das cidades que tem os
processo de formulação das políticas, conselhos municipais, estaduais, nacio-
dos próprios cargos públicos.
movimento está dentro, nal, as conferências - o próprio fundo de
Acontece que isso gera uma confu- habitação de interesse social é uma ban-
são enorme, não se tem mais uma cla-
se reconhece lá, espera deira desse movimento também. Então,
ra diferença do que é movimento e do se formos observar, num período de 20
que é governo. De repente, lideranças
mudanças, aposta nelas, anos, o impacto desse movimento sobre
que, na sociedade civil, estavam fazen- as políticas urbanas é enorme no sentido
do pressão sobre o governo, no dia se-
mas elas não estão da construção de uma nova instituciona-
guinte, elas são as autoridades sobre as lidade, mas muito reduzido no que diz
quais se faz a pressão. Então, isso criou
ocorrendo” respeito ao resultado das políticas urba-
uma promiscuidade e uma dificuldade nas formuladas pelo governo.
de compreensão dos diferentes papéis, que acabou paralisando o projeto da Tudo isso é verdade, houve grandes
o que contribuiu muito para desarticu- reforma agrária. Então, temos tam- conquistas, mas é preciso observar que
lar a capacidade de pressão dos movi- bém, dentro do MST, uma fragilização ocorreram situações onde estas con-
mentos sociais. grande nesse sentido, de que as gran- quistas não foram levadas em consi-
Por outro lado, o governo Lula tam- des aspirações por transformações deração. Com o programa Minha Casa,
bém criou muitos espaços de consul- sociais foram se reduzindo e, hoje, Minha Vida aconteceu algo curioso: to-
tas, conferências, conselhos, secreta- praticamente, a reforma agrária está das essas estruturas de participação,
rias especiais sobre a questão racial, paralisada. O que temos são as políti- de conselhos, instâncias e o próprio Mi-
da mulher, entre outras. Esses foram cas de transferência de renda e polí- nistério das Cidades não participaram
espaços onde as lideranças da socie- ticas sociais sendo estendidas para os da elaboração desse projeto de um mi-
dade civil e os movimentos se fizeram assentamentos. lhão de casas populares. Isso foi feito
representar; atuam, mas não têm um por outro caminho, sem considerar es-
poder deliberativo. São instâncias IHU On-Line – Os movimentos conse- sas institucionalidades que incluíam a
consultivas que encaminham suas pro- guiram uma ocupação progressiva de participação cidadã. Quer dizer, existe
posições ao governo, que as assume se espaços na sociedade civil? uma capacidade evidente de pressão e
esse entender que é conveniente. Silvio Caccia Bava – Conseguiram. O Fó- um interesse dessa sociedade organiza-
Então, eu diria que o mundo se tor- rum Nacional da Reforma Urbana, por da em influir nas políticas públicas.
nou mais complexo do que era antes. exemplo, reúne movimentos de moradia, Se avaliarmos o impacto dessa par-
Essa pode parecer uma frase jogada ONGs, sindicatos de profissionais como ticipação, primeiro temos de avaliá-la
solta, mas não existe mais só o Esta- os de saneamento básico, institutos num horizonte de tempo maior. Não
do sobre o qual o movimento social de arquitetos, engenheiros. Houve um dá para falar se a participação mu-
faz pressão, existe um Estado onde o momento em que ele reuniu, inclusive, dou alguma coisa em dois anos. Outra
próprio movimento está dentro, se re- movimentos de favelas em alguns luga- questão a ser considerada é que isso
conhece lá, espera mudanças, aposta res como no Rio de Janeiro. Esse Fórum não está tocando na questão da de-
nelas, mas elas não estão ocorrendo. teve um papel importante na criação sigualdade, então, essa participação
Percebo uma espécie de fragmen- do capítulo de política urbana da nova dos movimentos sociais acaba tendo
tação dos movimentos. Há uma dificul- Constituição Brasileira de 1988; ele tam- seus limites.
dade de defender propostas de trans- bém foi fundamental na elaboração do
formação social. Mesmo movimentos Estatuto da Cidade, ou seja, dessa lei IHU On-Line - O ideário comunitário
sociais como o MST - que tem conti- normativa geral que busca transformar que deu origem à Comissão Pastoral
nuado a desenvolver essa capacidade as cidades no sentido de inibir a especu- da Terra e que, por sua vez, motivou
 O Estatuto da Cidade é a denominação ofi-
de pressão, mas também negocia, tem cial da lei 10.257 de 10 de julho de 2001, que
a formação de diversos movimentos
algum financiamento para os assenta- regulamenta o capítulo “Política urbana” da sociais no país, ainda é suficiente e
mentos, mas continua fazendo as ocu- Constituição brasileira. A União regulamentou se sustenta nos dias de hoje?
as disposições constitucionais acerca de de-
pações. Mesmo o MST não foi capaz de senvolvimento urbano com base em compe-
Silvio Caccia Bava – Acho que não.
se contrapor à força do agronegócio, tência prevista na própria constituição. (Nota Outro dia, estávamos conversando, no
da IHU On-Line)

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 17


Instituto Pólis, sobre que o que mais lhoria, da extensão das políticas. Esse
perdemos, de uma maneira significa-
“Temos uma sociedade é um exercício contínuo de controle
tiva, é esse imaginário da transforma- social, que demanda muito esforço da
ção social. Quer dizer, mesmo na época
sofrida, lamentando suas sociedade civil e das entidades que im-
da ditadura, a Teologia da Libertação pulsionam esse tipo de fiscalização.
pregava um outro mundo melhor, ainda
perdas, mas não
que nem explicasse como. E esse ima- IHU On-Line - Quais são, em sua opi-
ginário mobilizava as energias de mui-
estamos vendo atores nião, as perspectivas dos movimen-
tos milhares de pessoas. Hoje em dia, tos sociais brasileiros hoje? Como o
o nosso imaginário parece ser mais o
que, de uma maneira senhor vê essas perspectivas?
do consumismo, todo mundo quer ter Silvio Caccia Bava – Acho complicada
o seu carro porque é possível financiar.
contundente, venham essa discussão. Os movimentos sociais
Ninguém está falando em transforma- são, na verdade, manifestações da so-
ção da sociedade e, aparentemente,
exigir explicações e ciedade civil, não são movimentos es-
todos estão contentes. Os mais pobres truturados e permanentes. Estruturados
estão contentes com o governo Lula; os
políticas da parte do e permanentes são as associações, as
mais ricos também. A democracia fun- entidades, as redes, os fóruns. O movi-
ciona, é participativa e o presidente
governo da cidade do Rio mento acontece e depois deixa de exis-
tem 83% de preferência nacional. Essa tir. Neste momento, estamos vivendo
é uma situação bastante complicada
de Janeiro e do Estado” uma promiscuidade entre os movimen-
porque, se essa preferência e essa ade- tos sociais e estas instâncias de governo
são tivessem um correspondente em mínimo deveria ser quase de 2 mil reais. que envolvem a participação, que prio-
termos de redução da desigualdade, aí A cobertura de saúde e da previdência rizaram a negociação nesses espaços ao
estaria tudo perfeito. Mas o que está deixa a desejar, temos milhões de anal- invés das formas tradicionais de pressão
acontecendo hoje é mais ou menos o fabetos, quase 10% da população. Quer dos movimentos sociais: gente na rua,
seguinte: todos os programas sociais dizer, entre o marco legal que afirma mobilizações, denúncias. Se continu-
correspondem a 0,5% do PIB brasileiro, o direito e a sua efetividade, há uma armos dentro desse quadro político no
enquanto a taxa de juros promove uma enorme distância. Universalização de di- próximo mandato presidencial, possi-
transferência da ordem de 5 a 8% do PIB reitos significa um investimento maciço velmente continuaremos tendo essa
anual para as 20 mil famílias mais ricas. em políticas sociais. Para isso, é preciso ambiguidade e fragmentação que os
Percebemos com isso que os mecanis- ter recursos e para ter recursos é preci- movimentos sociais apresentam hoje.
mos de desigualdade se aprofundam, so fazer uma reforma tributária. Se essa Teremos uma baixa capacidade da
ainda que haja uma melhora efetiva na reforma tributária, que, teoricamente, sociedade civil exigir os seus direitos.
condição de vida de todo mundo. Esse tem de tributar quem têm mais, para Se o quadro eleitoral mudar, pode ha-
é um dilema que precisamos analisar. beneficiar quem têm menos, não ocor- ver também uma mudança forte na
re, não há recursos para implementar a própria lógica dos movimentos porque,
IHU On-Line – Mas o comunitarismo universalização das políticas sociais. En- certamente, em um governo que não
ainda serve como base democrática? tão, isso é um círculo vicioso. O que te- represente continuidade, todas essas
Silvio Caccia Bava – Depende do que mos é um aumento do gasto social, que lideranças sociais voltam para a socie-
se entende por comunitarismo. O fun- é progressivo, mas lento. dade civil. Então, o movimento é uma
damento de uma prática solidária, Se conseguíssemos exercer um con- relação de processar conflitos e de-
cooperativa, de desenvolvimento do trole social mais efetivo sobre os recur- mandas. De um lado, pessoas exigem
próprio território tem de continuar sos já disponíveis, melhoraria muito a direitos e, de outro, instâncias públicas
valendo. O que não dá para pensar é qualidade dos serviços. Vou citar um tentam responder a isso, ou não. Justa-
que as soluções sejam possíveis a nível caso: Em Maringá, no Paraná, a popu- mente esse jogo de processar demandas
das pequenas comunidades. lação se revoltou com a corrupção do e conflitos é importante, é aí que está
governo municipal e criou uma comis- o núcleo da democracia. Democracia é
IHU On-Line - Como os movimentos são que contava com a participação como se processa o conflito de uma ma-
sociais atuam em relação à universa- da associação comercial, a maçonaria, neira negociada numa sociedade. Mas,
lização dos direitos? igrejas, sindicatos, e passaram a fiscali- para isso, é preciso ter saldos de ganho
Silvio Caccia Bava – Se tomar pela raiz zar as licitações públicas. Em dois anos, da parte de quem está demandando
a questão da universalização de direi- eles foram capazes de dobrar a capaci- porque, do contrário, se desacredita
tos, nós não temos nenhuma universa- dade de investimento da prefeitura de no processo de negociação.
lização de direitos no Brasil. O salário Maringá. Esse evento já foi adotado em Hoje, o que estamos vendo é que
mais de 40 cidades, mostrando que é os benefícios que os mais pobres estão
 Sobre o tema, leia a revista IHU On-Line nú-
mero 214, de 02-04-2007, intitulada Teologia possível, sim, enfrentar essa questão tendo não estão passando por resolu-
da Libertação, disponível em http://bit.ly/ da universalização dos direitos, da me- ções de negociações de conflitos; estão
cNYcUZ (Nota da IHU On-Line)

18 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


passando por políticas de iniciativa do ter do conjunto da população. Então, é
próprio governo, que faz um cadastra-
“Protestar ou demandar uma disputa diante da opinião pública.
mento de pessoas e que trata os movi- Veja a CPI das ONGs. O IBGE fez um
mentos e as entidades de representa-
direitos hoje é censo em que identificou mais de 380
ção coletiva de uma maneira distinta mil ONGs. Dentro desse grupo, estão
das clientelas das suas políticas.
qualificado pela grande organizações religiosas, hospitais pri-
vados e universidades, que, por defini-
IHU On-Line – E, dentro desse cená-
imprensa como um ção, são entidades sem fins lucrativos.
rio, quais são as maiores dificuldades Imagine, então, o poder desse conjun-
que os movimentos sociais enfren-
crime” to de universidades privadas, hospitais
tam hoje? E, nesse sentido, quais são e igrejas para influenciar nas políticas
um passo importante, mas a capacidade
seus desafios? de governo. O grupo de entidades, que
de usar efetivamente dessas novas insti-
Silvio Caccia Bava – Primeiro, eles preci- também chamo de ONGs, mas que se
tucionalidades, que implicam em maior
sam resgatar o imaginário de que Brasil constituíram e existem para se mobi-
controle social, se contrapõe a interes-
queremos ter no futuro. Ninguém luta lizar pela defesa de direitos, é muito
ses, por exemplo, da lógica do mercado
sem ter um objetivo para alcançar. Nos pequeno; talvez não passe de três ou
imobiliário, que não quer se submeter a
momentos mais duros, durante a ditadu- quatro mil entidades no Brasil inteiro.
esse controle. Aí, existem atores muito
ra, por que teve gente que se dispôs, in- Esse grupo é o nosso grupo, que está
fortes dentro do Congresso: lobbys, ban-
clusive, a correr risco de vida para procu- muito fragilizado porque a cooperação
cadas. Isso torna esse jogo mais comple-
rar transformar o país? Porque acreditava internacional, que financiava essas en-
xo porque o governo também não gover-
na possibilidade de que esse país fosse tidades, está se retirando do Brasil.
na sem conseguir passar seus projetos
diferente, fosse mais solidário, menos Há uma articulação entre entidades
no Congresso. Então, não se pode pen-
desigual, mais sustentável ambiental- de defesa de direitos e movimentos so-
sar movimentos sociais como uma coi-
mente. Enfim, tem todo um conjunto de ciais. Se os movimentos sociais não vão
sa à parte da sociedade. Na sociedade,
bandeiras que continuam valendo, ainda bem, essas instituições também não
temos poderosos interesses econômicos
mais hoje, com essas questões do aque- vão bem. Então, em termos de futuro
e privados, que olham para as cidades
cimento global. Não tenha dúvida que imediato, diria que estamos numa si-
e o país como um negócio, e não estão
as chuvas que caíram no Rio de Janeiro tuação difícil, onde os movimentos não
muito interessados na universalização
e em São Paulo são efeitos do aqueci- conseguem expressar as suas deman-
dos direitos.
mento global. Esses temas irão ganhar das, onde a universalização de direitos
relevância. Mas o fato de terem morrido não está assegurada, ao contrário, é
IHU On-Line – Como percebe a arti-
mais de duzentas pessoas no Rio de Ja- previsível que se mantenha crescente
culação nacional dos movimentos
neiro nos últimos dias não está fazendo a desigualdade. Não é um cenário mui-
sociais?
a população se mobilizar e pressionar o to animador, mas posso dizer também,
Silvio Caccia Bava – Os movimentos
governo por políticas que façam frente a para não ficar num cenário tão ruim,
sociais dependem muito do apoio da
esse tipo de desastre. que a perspectiva de ir melhorando
sociedade como um todo, da opinião
Está havendo um impacto, temos aos pouquinhos a situação do brasileiro
pública. A legitimidade, a credibilida-
uma sociedade sofrida, lamentando continua existindo e está acontecendo.
de e o peso que eles possam ter nas
suas perdas, mas não estamos vendo Os mais pobres de fato têm uma situa-
suas negociações vêm do respaldo que
atores que, de uma maneira contun- ção melhor, mas é preciso também dei-
os cidadãos possam dar a esses movi-
dente, venham exigir explicações e xar claro que essa discussão sobre esse
mentos. Um dos grandes desafios dos
políticas da parte do governo. Essa si- surgimento da nova classe média é uma
movimentos sociais hoje é ampliar a
tuação vai continuar um pouco assim. coisa relativa, quem vive com mais de
sua prática para além dos seus próprios
O primeiro passo é construir um fu- R$ 600,00 por mês faz parte dos 25%
grupos, encontrar-se com a população
turo desejado, um imaginário que se mais ricos da população.
na rua, divulgar suas bandeiras, expli-
possa perseguir. E traduzir isso em pro-
car o porquê das reivindicações e bus-
postas concretas como fundos públicos IHU On-Line - Qual é o movimento
car essa solidariedade da sociedade.
para financiar políticas sociais é um ou- social mais ativo no país? É possível
Estamos vivendo uma criminaliza-
tro passo importante. Conseguimos isso falar no surgimento de movimentos
ção dos movimentos sociais, desde o
na mobilização em defesa do fundo de sociais?
MST até os movimentos de ocupação
habitação de interesse social, do siste- Silvio Caccia Bava – Continuo achando
de moradia no centro da cidade de
ma de cidades, quer dizer, o movimento que o movimento mais representativo
São Paulo. Quer dizer, protestar ou
acabou pressionando e criou o fundo, é o MST. Ele tem uma função muito
demandar direitos hoje é qualificado
mas o dinheiro do PAC da moradia não importante porque a concentração de
pela grande imprensa como um crime.
chega ao fundo. Então, é mais comple- terra que a monocultura e o agronegó-
E essa criminalização visa justamente
xo. Eu diria que as conquistas das novas cio produzem está expulsando pessoas
ao isolamento desses movimentos e a
institucionalidades democráticas são de suas unidades familiares produtivas
minar a legitimidade que eles podem
SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 19
“O MST trabalha com a
noção da agroecologia,
não aceita a utilização Movimentos sociais e o pós-Lula
do agrotóxico, busca Para o sociólogo Ivo Lesbaupin, o discurso do governo, “que
fortalecer a unidade procura se apresentar como ‘de esquerda’” “calou fundo em
muitos movimentos”
produtiva familiar, que
é o que gera emprego Por Patricia Fachin

A
nesse país. Ele tem um “aparência de governo do povo (...) dificulta o posicionamento dos
papel de integração, movimentos sociais”. A opinião é do sociólogo Ivo Lesbaupin e foi
expressa na entrevista que segue, concedida, por e-mail, à IHU
coesão e inclusão social On-Line. Na avaliação dele, “o governo procura quebrar a comba-
tividade dos movimentos, dividi-los, desmobilizá-los e mantê-los
muito forte” apenas como massa de apoio quando necessário. Conseguiu, em boa parte,
seu intento de colocar como limite máximo de utopia as mudanças dentro
continuamente. Se esse povo não ti- dos quadros do neoliberalismo”.
vesse a oportunidade de participar de Para Lesbaupin, os movimentos sociais tiveram sua força reduzida pelo
um movimento amplo e ser, de alguma governo. Entretanto, ele percebe uma mobilização autônoma na Assembleia
maneira, protegido por esse movimen- Popular, que é uma articulação de diversos movimentos pastorais e entidades
to, o conflito social seria mais violento da sociedade. “Foi a única articulação que produziu um projeto de sociedade,
e caótico. Vejo, não só o MST como o distinto do vigente, crítico ao modelo neoliberal (‘O Brasil que queremos’).
movimento mais importante que orga-
Este tipo de articulação pode crescer, porque vem de encontro aos anseios de
niza pressões, mas como um grupo que
muitos que estão insatisfeitos”.
busca novos paradigmas. O MST traba-
lha com a noção da agroecologia, não Na entrevista que segue, Lesbaupin comentou que o resultado das eleições
aceita a utilização do agrotóxico, busca presidenciais deste ano pode trazer vantagens para os movimentos sociais pelo
fortalecer a unidade produtiva fami- simples fato de Lula não estar entre os candidatos. Isso garantirá “uma postura
liar, que é o que gera emprego nesse mais crítica” e “independente” por parte dos movimentos sociais.
país. Ele tem um papel de integração, Lesbaupin é professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ.
coesão e inclusão social muito forte. Graduado em Filosofia pela Faculdade Dom Bosco de Filosofia, é mestre em So-
Existem outros movimentos que estão ciologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro - IUPERJ e
começando a ganhar maior peso, como doutor em Sociologia pela Université de Toulouse-Le-Mirail, da França. É, tam-
os quilombolas. Também deveríamos bém, autor e organizador de diversos livros, entre os quais Igreja, movimentos
observar outros acontecimentos, embo- populares, política no Brasil (São Paulo: Loyola, 1983); As classes populares
ra não tenhamos muitos instrumentos
e os direitos humanos (Petrópolis: Vozes, 1984); Igreja: Comunidade e Massa
analíticos para ir mais fundo: quando
(São Paulo: Paulinas, 1996); e O desmonte da nação: balanço do governo FHC
tem uma parada gay, em São Paulo, que
junta quatro milhões de pessoas – uma (Petrópolis: Vozes, 1999). Confira a entrevista.
referência mundial -, é de se observar
que isso não acontecia há dez anos e
deve significar alguma coisa. IHU On-Line - É possível traçar um movimentos urbanos, que cresceram
Os movimentos tradicionais, como perfil dos movimentos sociais no e se tornaram muito fortes, com im-
de moradia, de catadores, de mulheres Brasil? Que mudanças caracterizam portantes consequências nas políti-
camponesas, estão no quadro em que os movimentos sociais hoje? cas urbanas. O final dos anos 70 é a
começamos a nossa conversa, envolvi- Ivo Lesbaupin - Penso que, grosso retomada do movimento operário,
dos com as políticas de governo, bene- modo, se pode dizer que os anos 80 silenciado durante dez anos da dita-
ficiando-se delas e, de alguma manei- foram um período de ascensão dos dura (1968-1978): as greves do ABC,
ra, sendo contemplados parcialmente movimentos populares, a partir da da Grande São Paulo, são o detonador
com os resultados dessas políticas. mobilização que já ocorre na segun- deste processo. Os anos 80 verão o
da metade dos anos 70. Temos aí os crescimento deste movimento reivin-

20 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


dicatório que é, ao mesmo tempo, con- marcar presença forte na oposição. O do que no anterior, mas da participa-
tra a ditadura, pela redemocratização MST consegue crescer bastante neste ção à decisão política há uma grande
do país. O fim da ditadura é decretado período, em termos de ações e de or- distância, e o governo cede apenas o
pelo movimento das “Diretas Já”, auge ganização. que quer. Nem com a crise econômica
de toda esta mobilização. Nos anos 80, internacional, consequência direta do
temos também o surgimento da CUT, do IHU On-Line - Como avalia o engaja- neoliberalismo dominante, o governo
MST, mais ao final, do MAB (Movimento mento político dos movimentos so- se dispôs a mudar a política econômi-
dos Atingidos por Barragens). ciais na atual conjuntura? Quais suas ca: isto não está em discussão. O exem-
Os anos 90, marcado pelas políti- dificuldades e limites na relação com plo mais recente é o PNDH III que, sob
cas neoliberais, vão provocar uma re- o Estado? pressão dos setores mais conservado-
viravolta neste cenário. As mudanças Ivo Lesbaupin - Nos últimos anos do res, tem obtido (até agora, pelo me-
no mundo do trabalho vão gerar um governo FHC, a oposição, liderada nos) o recuo do governo: em função de
enorme desemprego, que vai atingir pelo PT, apoiada pelos movimentos so- suas alianças partidárias para manter o
seriamente o movimento operário. A ciais, e a evidente piora das condições poder, ele não vai brigar para manter
mídia, unânime, vai se colocar ao lado de vida e de trabalho (desemprego), os avanços mais significativos.
das reformas neoliberais. Logo no pri- possibilitou a vitória do candidato Lula Na verdade, o governo procura que-
meiro ano do governo FHC (1995), uma (2002), até então líder das críticas às brar a combatividade dos movimentos,
das categorias mais importantes, os políticas vigentes. Os movimentos o dividi-los, desmobilizá-los e mantê-los
petroleiros, vai ser derrotada depois apoiaram em peso, por uma outra po- apenas como massa de apoio quando
de um mês de greve. É o tempo das lítica econômica, pela reivindicação necessário. Conseguiu, em boa parte,
privatizações, do “Estado mínimo”, do da reforma agrária, por melhores salá- seu intento de colocar como limite
esforço para revogar a “Era Vargas”. rios, em defesa do funcionalismo, pela máximo de utopia as mudanças dentro
Apesar de criminalizado e perseguido, demarcação das terras indígenas. dos quadros do neoliberalismo. Muitos,
o movimento que mais vai crescer será O essencial das mudanças prometi- nos movimentos, contentam-se com as
o MST. Após os massacres de Corum- das não veio: a herança maldita foi as- pequenas conquistas obtidas.
biara (1995) e de Eldorado dos Cara- sumida pelo governo Lula como a única Há insatisfação, sem dúvida: uma
jás (1996), obterá forte apoio, inclu- política econômica possível. No entan- outra parte dos movimentos tem uma
sive no meio urbano. A reforma agrária to, o governo começou a fazer peque- posição crítica. Esta divisão, esta con-
volta a ser um tema importante de de- nas mudanças, não no essencial, mas fusão, esta aparência de governo do
bate no país. em outros aspectos. O governo, com povo, sendo preferencialmente go-
Durante o período FHC (1995- forte apoio mediático nos primeiros verno dos banqueiros, dificulta o po-
2002), embora o movimento operário tempos, a favor da reforma da previ- sicionamento dos movimentos sociais.
e sindical tenha dificuldades, embo- dência, os movimentos sociais ficaram Melhor que qualquer outro líder da di-
ra a mídia contribua para um certo confusos: parte de seus membros cri- reita, Lula conseguiu controlar parte
consenso neoliberal, a CUT consegue ticava a não realização das promessas dos movimentos sociais. Não os con-
 O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem eleitorais, parte defendia o governo. O trola totalmente, é claro, mas reduziu
Terra, também conhecido pela sigla MST, é um esforço de cooptação, especialmente  Programa Nacional de Direitos Humanos -
movimento social brasileiro de inspiração mar- PNDH é um programa do Governo Federal, e
xista e do cristianismo progressista (Teologia
do movimento sindical, teve efeitos. foi criado, com base no art. 84, inciso IV, da
da Libertação), cujo objetivo é a realização A CUT, pelo menos a maioria de sua Constituição, pelo Decreto n° 1904 de 13 de
da reforma agrária no Brasil. (Nota da IHU On- direção, alinhou-se com o governo. maio de 1996, “contendo diagnóstico da situ-
Line) ação desses direitos no País e medidas para
 O Movimento dos Atingidos por Barragens
As medidas tomadas pelo gover- a sua defesa e promoção, na forma do Anexo
(MAB) é um movimento popular cujo objeti- no conseguiram reverter o quadro de deste Decreto”. Já existem três versões do
vo é reunir, discutir, esclarecer e organizar os forte desemprego (as taxas ainda são PNDH. As versões I e II foram publicadas duran-
atingidos direta e indiretamente pelas bar- te o governo FHC, e a última, ou PNDH III, foi
ragens, obras pré-construídas ou projetadas,
altas, mas estão caindo), houve au- publicada no final de 2009, no governo Lula.
para defesa de seus direitos, sem fronteira de mento real de salário-mínimo, houve O PNDH-3 foi desenvolvido pela participação
países, cor, sexo, religião ou opção político- investimento na política assistencial. popular, por meio de conferências nacionais
partidária. (Nota da IHU On-Line) e regionais. Diferente das versões anteriores,
 O massacre de Corumbiara foi o resulta-
E o discurso do governo, que procura que listavam ações programáticas em áreas de
do de um conflito violento ocorrido em 9 de se apresentar como “de esquerda” governo, o PNDH-3 foi organizado a partir de
agosto de 1995 no município de Corumbiara, frente à direita (PSDB, governo FHC) e seis eixos temáticos, com a lógica da interde-
no estado de Rondônia. O conflito começou pendência dos direitos, sem deixar de serem
quando policiais entraram em confronto com
acentuar o risco de volta da “direita”, universais. As ações propostas, portanto, se-
camponeses sem-terra que estavam ocupando calou fundo em muitos movimentos. rão transversais, ou seja, são executadas por
uma área, resultando na morte de 12 pessoas O governo se apresenta em relação vários ministérios, já que um direito não pode
(entre elas uma criança de nove anos e dois ser desvinculado do outro. Sobre o PNDH-3 leia
policiais) (Nota da IHU On-Line)
aos movimentos sociais como um go- os artigos Vannuchi recua em plano de direitos
 O Massacre de Eldorado dos Carajás foi a verno de diálogo, que recebe suas lide- humanos, publicado no sítio do IHU em 17-03-
morte de dezenove sem-terra que ocorreu em ranças como um governo participativo, 2010 e disponível em http://bit.ly/bKiWKA;
17 de abril de 1996, no município de Eldorado e Bispos metodistas aplaudem e questionam
dos Carajás, no sul do Pará, Brasil decorrente
aberto às conferências. Sem dúvida, há itens do PNDH-3, publicado no sítio do IHU em
da ação da polícia do estado do Pará. (Nota da muito mais conferências neste governo 03-03-2010 e disponível em http://bit.ly/apA-
IHU On-Line) 0wn (Nota da IHU On-Line)

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 21


sua força, sobretudo reduziu sua au- “O essencial das dos pelo país? Os movimentos sociais
tonomia. sempre lutaram pela chamada demo-
Existe uma mobilização autônoma, mudanças prometidas cracia direta e participativa. Houve
porém, em vários setores, e em vários ganhos nesse sentido?
movimentos: para dar um exemplo, na não veio: a herança Ivo Lesbaupin - A Constituição de 1988
Assembleia Popular, que é uma articu- consagrou algumas das antigas reivin-
lação de diversos movimentos, pastorais maldita foi assumida pelo dicações dos movimentos sociais: en-
e entidades da sociedade civil. Foi a úni- tre outras coisas, há uma série de ins-
ca articulação que produziu um projeto governo Lula como a trumentos de participação popular que
de sociedade, distinto do vigente, crítico não existiam anteriormente. Um deles
ao modelo neoliberal (“O Brasil que que- única política econômica está sendo usado agora, na campanha
remos”). Este tipo de articulação pode pela Ficha Limpa, é o projeto de lei
crescer, porque vem de encontro aos an- possível” de iniciativa popular. Não creio que os
seios de muitos que estão insatisfeitos. movimentos sociais sejam presos pela
agenda institucional, pelo processo
tica, participativa, solidária (o “outro
IHU On-Line - O ideário comunitário das conferências etc. As conferências
mundo possível”). No decorrer dos
que deu origem à Comissão Pastoral são um avanço. O que pode ocorrer e
anos 80 e 90, parte significativa dos
da Terra e que, por sua vez, motivou que está ocorrendo em vários casos, é
militantes provenientes de Comunida-
a formação de diversos movimentos a cooptação de setores dos movimen-
des Eclesiais de Base - CEBs se engaja-
sociais no país, ainda é suficiente e tos pelo governo, como acontece com
ram em partidos políticos (sobretudo
se sustenta nos dias de hoje? parte do movimento sindical: é isto
no PT), foram atuar na arena públi-
Ivo Lesbaupin - Não creio que se possa que deixa tais movimentos “presos”.
ca, alguns foram eleitos. Na época da
dizer que a origem da CPT ou do traba-
Constituinte, foram participantes ati-
lho pastoral da Igreja nos anos 60 era IHU On-Line - Como o senhor vê as
vos da campanha pelas emendas popu-
um ideário comunitário. Houve, sem perspectivas do movimento social
lares. Recentemente, envolveram-se
dúvida, um grande esforço por parte brasileiro? Percebe alguma novidade
na campanha contra a corrupção (Lei
dos setores progressistas da Igreja ca- em relação aos movimentos sociais?
9.840); nos vários plebiscitos popula-
tólica, na direção da formação de inú- Ivo Lesbaupin - O movimento mais du-
res (contra a Dívida, contra a Área de
meras comunidades de base por todo o ramente atingido pelas políticas neoli-
Livre Comércio das Américas - ALCA,
país. Mas as comunidades não são um berais e pelo processo de reestruturação
pela reestatização da Vale); agora, es-
movimento social, elas são uma forma produtiva foi o movimento operário. O
tão envolvidos na campanha pela Ficha
de organização da Igreja, que continua desemprego massivo gerado por estas
Limpa. Não sem razão, parte dos seto-
até hoje (mesmo que reconheçamos políticas dificultou enormemente a mo-
res sociais envolvidos na construção da
que os tempos mudaram, que o apoio bilização dos trabalhadores urbanos.
Assembleia Popular vem de setores da
da instituição era maior). As comuni- Cresceram os movimentos do campo, o
Igreja, das pastorais sociais, do Grito
dades deram nascimento ou apoiaram MST, o MAB, e outros mais. E surgiram
dos Excluídos. A Assembleia Popular
fortemente inúmeros movimentos so- e se desenvolveram muitos outros mo-
elaborou um projeto de sociedade, “O
ciais, tanto na cidade como no cam- vimentos – mesmo se alguns deles têm
Brasil que queremos”, politicamente
po. Toda a luta das oposições sindicais pouca visibilidade. Temos todos os movi-
democrático, economicamente justo,
contra o peleguismo teve muito apoio mentos específicos, em defesa de iden-
ambientalmente sustentável.
das comunidades. Até hoje, em parte tidade ou de igualdade, o movimento de
Voltando ao novo contexto gerado
significativa das comunidades, seus mulheres, o movimento negro, o dos ho-
pelo governo Lula, podemos observar,
membros participam de movimentos. mossexuais, os GBLT, o dos quilombolas,
no interior dos setores da Igreja mais
Mas o objetivo desta luta não é uma dos catadores de lixo (os papeleiros, no
envolvidos com a organização e a mo-
sociedade constituída de comunida- sul do país), movimentos urbanos, como
bilização popular, a mesma confusão e
des: é uma sociedade justa, democrá- o de moradia, dos sem-teto. Cresceu o
a mesma divisão frente ao governo de
 A Assembleia Popular é uma articulação na- movimento dos povos indígenas, que já
que falei com relação aos movimentos
cional que reúne diversos movimentos sociais, pode contabilizar uma importante vitó-
pastorais sociais, redes e organizações da so- sociais.
ria, a terra Raposa Serra do Sol, mas que
ciedade civil de caráter popular. Sua origem
remonta às Semanas Sociais Brasileiras e os IHU On-Line - As conquistas dos mo-  LGBT ou ainda, LGBTTTs, é o acrônimo de
plebiscitos populares (Alca, Dívida Externa, Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexu-
Vale). Seus objetivos centrais são a formação vimentos sociais inscritas na Cons- ais e Transgêneros (o ‘s’ se refere aos simpati-
política, o fortalecimento dos movimentos so- tituição contribuíram para o forta- zantes). Embora refira apenas seis, é utilizado
ciais, a construção de uma agenda nacional lecimento dos movimentos ou os para identificar todas as orientações sexuais
unitária de lutas e o debate de um projeto minoritárias e manifestações de identidades
popular para o Brasil. Com o tema “Na cons- deixaram “presos” à agenda institu- de gênero divergentes do sexo designado no
trução do Brasil que queremos”, a Assembleia cional? Como avaliar, por exemplo, nascimento. (Nota da IHU On-Line)
Popular realiza no mês que vem – 25 a 29 de o saldo das Conferências Nacionais  Sobre o tema, confira a cobertura publicada
maio – em Brasília, a sua segunda assembleia nas Notícias do Dia, no sítio do IHU (www.ihu.
nacional. (Nota da IHU On-Line) temáticas e dos Conselhos espalha- unisinos.br). (Nota da IHU On-Line)

22 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


ainda tem de enfrentar muitas situações “O movimento mais alimentar, pelos alimentos orgânicos,
difíceis, como os projetos hidrelétricos e contra o envenenamento da população
o cerceamento de povos em áreas muito duramente atingido com os agrotóxicos e os transgênicos.
limitadas, como é o caso dos Guarani- É preciso lutar para reestatizar
Kaiowá (MT). E há todo o movimento pelas políticas empresas como a Petrobras (parcial-
ambientalista, cujas preocupações e mente privatizada), para retomar o
bandeiras se difundem cada vez mais em neoliberais e pelo nosso petróleo – atualmente repassa-
face da consciência crescente das mu- do a empresas privadas sob a forma
danças produzidas pelos seres humanos processo de de leilões-, como a Vale do Rio Doce
no ambiente, na Terra. – vendida a preço de banana.
reestruturação Além disso, investir num outro mo-
IHU On-Line - Que futuro o senhor delo energético e, particularmente,
vislumbra para os movimentos so- produtiva foi o investir na energia solar e eólica, para
ciais a partir do resultado das elei- não precisar justificar a construção de
ções presidenciais deste ano? movimento operário” centenas de usinas hidrelétricas que es-
Ivo Lesbaupin - Qualquer que seja o tão destruindo e vão destruir a vida de
presidente eleito, há uma grande van- populações inteiras e o meio ambien-
tagem: o governante não será o Lula, to ao trabalho (contra o desemprego), te. Estas usinas apenas vão enriquecer
será possível uma postura mais críti- a igualdade racial, contra a discrimina- grandes empresas do setor privado e
ca em relação ao governo. Hoje, para ção e poderíamos citar muitas outras. privatizar ainda mais partes do Brasil.
muitos, como disse Chico de Oliveira, Vou apenas acentuar algumas destas E nós poderíamos ser o primeiro país no
Lula virou um mito. Mesmo parte dos bandeiras, que já são levadas à frente ranking de produção de energia solar.
militantes de esquerda justifica o que por vários movimentos: a bandeira pela Precisamos da luta pela democrati-
ele faz claramente à direita, em con- mudança da política econômica, pelo zação dos meios de comunicação que,
tinuidade à política macro-econômica abandono desta política submissa aos in- hoje, são apenas a expressão da mi-
de Fernando Henrique, a serviço do teresses do capital financeiro, submissa noria proprietária destes meios e que
capital financeiro. Mesmo que sua can- ao pagamento da dívida, aos juros altos impedem a liberdade de informação.
didata vença, não será a mesma coisa: e assim por diante. Contrariamente ao E, em todas as nossas lutas, é pre-
haverá a possibilidade de uma postu- discurso dominante, de que não temos ciso propugnar uma nova concepção
ra mais independente. É claro que um recursos, temos recursos imensos que, de desenvolvimento, não mais apoiado
governo do PT procurará continuar o no entanto, estão sendo transferidos na lógica “produtivismo-consumismo”,
esforço de cooptação, isto é, de neu- para quem já tem. na busca voraz do lucro, mas centra-
tralização de movimentos sociais, mas É preciso continuar a lutar pela au- do nas necessidades da sociedade, na
a margem para resistir será maior. ditoria da dívida externa – a exemplo produção daquilo que é necessário
do que fez o Equador – o que possi- para viver (alimentação, habitação,
IHU On-Line - Ao longo dos anos, os bilitaria mostrar o escândalo contido trabalho, saúde, educação, transpor-
movimentos sociais se engajaram em aí: o povo brasileiro trabalha princi- te, lazer etc.). Um desenvolvimento
diversas lutas, buscando melhores palmente para pagar a dívida (isto é, que não depreda a natureza, que não
condições de trabalho, de igualda- para enriquecer os ricos de fora e os esgota os recursos naturais, que não
de, para citar alguns. Considerando nossos ricos) e não para sua alimen- envenena nem destrói a Terra.
a conjuntura atual, que bandeiras tação, saúde, educação, habitação, Estas são apenas algumas bandei-
devem fazer parte da luta dos movi- transporte etc. ras que me parecem fundamentais.
mentos sociais? Para reduzir a desigualdade social
Ivo Lesbaupin - Os movimentos sociais e promover distribuição de renda e
são inúmeros e defendem bandeiras riqueza, precisamos de uma reforma Leia Mais...
como a reforma agrária, a luta pela tributária progressiva, que exija mais Lesbaupin já concedeu outras entrevistas
moradia, a igualdade para as mulheres, dos que têm mais e reduza ou elimine para a IHU On-Line. Acesse o material em nossa
contra a violência doméstica, pelo direi- os impostos dos mais pobres, que te- página eletrônica (www.ihu.unisinos.br).
nha mais imposição na renda do que
 Francisco de Oliveira: sociólogo, formado no consumo. E denunciar a reforma • As eleições municipais no Rio Grande do Sul
em Ciências Sociais pela Faculdade de Filosofia e no Rio de Janeiro. Entrevista publicada em
atualmente proposta pelo governo, 11-10-2008 e disponível no link http://migre.
da Universidade do Recife, atual Universidade
Federal de Pernambuco – UFPE. É professor que agrava a desigualdade social ao me/wxIl;
aposentado do Departamento de Sociologia atingir em cheio o financiamento da • A Vale do Rio Doce e o neoliberalismo no Brasil.
da Universidade de São Paulo - USP. Confira a Entrevista publicada em 13-8-2007 e disponível
Seguridade Social. no link http://migre.me/wxJ9;
mais recente entrevista que ele concedeu à
IHU On-Line, intitulada Classe trabalhadora Também devemos lutar pela re- • “A postura típica do PSDB é caracterizada pelo
perde força com a centralização de capitais, forma agrária e por uma outra políti- governo FHC: repressão”. Entrevista publicada
publicada na edição 322, de 22-03-2010, dis- em 9-10-2006 e disponível no link http://migre.
ca agrícola, pela agricultura familiar, me/wxLa.
ponível em http://bit.ly/aFYhun (Nota da IHU
On-Line) contra o agronegócio, pela soberania
SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 23
Um novo perfil de organizações fruto do neoliberalismo
Para o cientista político Marcus Abílio Gomes Pereira, o dilema dos movimentos sociais
gira em torno da questão: “Como deverão agir de forma a radicalizar as propostas do
governo, sem ao mesmo tempo criarem as condições para o retorno ao poder de seus
adversários políticos?”

Por Patricia Fachin

O
modelo neoliberal “trouxe consigo um esvaziamento dos movimentos”, aponta o professor da
Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, na entrevista que segue, concedida, por e-mail,
à IHU On-Line. Na avaliação dele, com o projeto político neoliberal se desenvolveu “um novo
perfil de organizações, voltadas para parcerias com o Estado e com a função primordial de
prestação de serviços. Neste sentido, muitas organizações tornaram-se apenas executoras de
projetos sob a orientação e gerenciamento estatal”. Para Pereira, após a eleição do presidente Lula, criou-
se uma expectativa em relação ao destino dos movimentos sociais e sua relação com o Estado. “A crença na
possibilidade da mudança a partir do Estado foi um dos grandes motores deste movimento de ocupação do
mesmo”, acrescenta. A participação de movimentos sociais no governo trouxe, por outro lado, segundo o
pesquisador, “uma situação delicada”: “Muitos movimentos perderam sua força e capacidade de gerar con-
flitos. Para que um movimento possa realmente exercer seu potencial emancipatório, é necessário que haja
uma tensão entre movimentos sociais e democracia”.
Nessa conjuntura, Pereira percebe, também, o surgimento de outro projeto político: projeto democrático
popular, que, segundo ele, “busca primordialmente a construção de um conceito de cidadania que vá para
além da luta pelos direitos civis e políticos, mas que busca também incluir questões relacionadas ao reconhe-
cimento da diferença e à possibilidade de grupos historicamente excluídos ‘terem o direito a ter direitos’”.
Marcus Abílio é graduado em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos, mestre em Ciência Políti-
ca pela Universidade Federal de Minas Gerais, doutor em Sociologia Política pela Universidade de Coimbra,
Portugal, com doutorado-sanduíche na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales – EHESS, Paris. O título
de sua tese, defendida em 2008, é Cyberactivismo e Democracia - movimentos sociais e novos repertórios
de acção. Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como o senhor define, sociais como redes sociais que podem zações negociam constantemente
de forma geral, a situação dos movi- incluir organizações formais ou não, recursos e objetivos, garantindo sua
mentos sociais no Brasil hoje? variando em função de determinadas autonomia e independência. Dentro
Marcus Abílio Gomes Pereira - Ini- circunstâncias. São sistemas de ação, destes movimentos, temos as organi-
cialmente, devemos fazer uma distin- redes complexas entre diferentes zações de movimentos sociais (OMSs)
ção entre movimentos sociais e ONGs. níveis e significados da ação social, entendidas como organizações com-
Melucci (1996) define os movimentos no qual indivíduos, grupos e organi- plexas e formais que identificam seus
objetivos e buscam meios para im-
 Alberto Melucci (1943-2001): sociólogo ita- mulheres, ecológicos e sobre as formas de soli-
liano, teórico dos movimentos sociais contem- dariedade neo-religiosas. No fim da década de plementá-los; e as organizações não
porâneos e psicólogo clínico. Foi professor de 1970, fundou um centro de estudo e pesquisa governamentais (ONGs), vistas como
Sociologia dos Processos Culturais na Universi- em psicologia clínica e se dedicou à formação organizações sem fins lucrativos que
dade de Milão, Itália e também professor de e ao trabalho psicoterapêutico. Na edição
psicologia clínica. Lecionou em prestigiosas número 70 da IHU On-Line, de 11-08-2003, buscam formas de financiamento em
universidades da Europa, EUA, Ásia e América reproduzimos o prefácio da obra MELUCCI, diferentes fontes (Estado, organiza-
Latina. Dedicou a sua vida ao estudo dos pro- Alberto. A invenção do presente: movimentos ções privadas etc.) e com um estatu-
blemas da teoria sociológica, à análise da ação sociais nas sociedades complexas (Petrópolis:
coletiva e da identidade e se debruçou sobre Vozes, 2001), escrito pelo próprio autor e um to jurídico definido.
o fenômeno da mutação cultural. Desenvolveu comentário do Prof. Dr. José Luiz Bica de Mélo No contexto brasileiro, vemos cla-
uma ampla pesquisa sobre os movimentos das (Nota da IHU On-Line).

24 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


ramente uma tentativa de criminaliza- percebida através da visibilidade de
ção das organizações dos movimentos
“O surgimento da diferentes grupos sociais que até há
sociais, em função dos repertórios de pouco tempo eram invisibilizados,
ação utilizados por alguns destes mo-
Pastoral da Terra, em tais como os quilombolas, os índios,
vimentos. Trata-se de uma tentativa os negros, os sem-terra e grupos
deliberada por parte daqueles interes-
1975, foi de fundamental com diferentes orientações sexu-
sados pela manutenção do status quo, ais. O projeto democrático popular
que conta com o auxílio dos grandes
importância para a luta tem lutado pelo reconhecimento de
conglomerados midiáticos para impu- outros saberes, outras práticas que
tar aos grupos historicamente excluí-
pela redemocratização e foram e são encobertas, ignoradas e
dos e, portanto, vítimas da violência, deslegitimadas pela hegemonia neo-
a pecha de violentos.
como mecanismo de liberal. Creio que estes movimentos
Uma outra questão relevante para populares, apesar de todas as difi-
analisarmos a situação dos movimen-
proteção contra os culdades já enumeradas, têm conse-
tos sociais no Brasil é a dificuldade da guido, sim, ocupar espaços na esfera
superação de um modelo específico
abusos cometidos pela pública, sendo a maior demonstra-
de projeto político adotado durante ção desta ocupação o Fórum Social
a década de noventa: o modelo neoli-
ditadura contra os Mundial.
beral, que trouxe consigo um esvazia-
mento dos movimentos. Este processo
excluídos,
IHU On-Line - Sua tese de doutorado
se manifestou através da desorganiza-
ção do mercado do trabalho e o con-
primordialmente do trata de cyberativismo e democracia
– movimentos sociais e novos reper-
sequente aumento da informalidade e
a fragmentação social. Com o projeto
campo” tórios de ação. A partir do uso da
Internet, percebe uma mudança no
político neoliberal, tivemos também comportamento e na ação dos movi-
o desenvolvimento de um novo perfil mentos sociais?
de organizações, voltadas para par- resposta acima, mais especificamen-
Marcus Abílio Gomes Pereira - Com
cerias com o Estado e com a função te em relação ao projeto neoliberal
certeza. ���������������������������
As estruturas interna e ex-
primordial de prestação de serviços. e o discurso do terceiro setor, como
terna das organizações sofreram mo-
Neste sentido, muitas organizações prestação de serviços e empodera-
dificações a partir da apropriação da
tornaram-se apenas executoras de mento - aqui entendido apenas como
Internet pelos movimentos. Relações
projetos sob a orientação e gerencia- a possibilidade de inclusão de grupos
mais horizontalizadas, mais informa-
mento estatal. historicamente excluídos em serviços
ção disponível para os militantes,
Estas duas questões, a criminaliza- precários e sem capacidade de orga-
mais agilidade nas ações e o fortale-
ção e um novo perfil de organizações nização destes mesmos grupos - acaba
cimento das redes entre movimentos
como prestadoras de serviço são, no por ser um contraponto ao ideário co-
são características de muitos dos mo-
meu entender, centrais para a com- munitário da Pastoral.
vimentos contemporâneos que utili-
preensão dos movimentos sociais bra- zam as nTCIs.
sileiros na atualidade. IHU On-Line – Os movimentos sociais
Outro ponto importante é o desen-
conseguiram uma ocupação progres-
volvimento de novos repertórios. A
IHU On-Line - O ideário comunitário siva de espaços na sociedade civil?
Internet favorece o desenvolvimento
que deu origem à Comissão Pastoral Marcus Abílio Gomes Pereira - Não
de ações tais como produção de bo-
da Terra e que, por sua vez, motivou há dúvida que houve, sim, uma ocu-
letins eletrônicos, oferecimento de
a formação de diversos movimentos pação progressiva de espaços na
denúncias, promoção ou participação
sociais no país, ainda é suficiente e sociedade civil. Apesar do proje-  Durante o Fórum Social Mundial 2010, esti-
se sustenta nos dias de hoje? to neoliberal, podemos reconhecer veram, na Unisinos, o sociólogo Silvio Caccia
Marcus Abílio Gomes Pereira - O um outro projeto político, o proje- Bava, Boaventura de Sousa Santos e a candi-
data à presidência da República, Marina Silva.
surgimento da Pastoral da Terra, em to democrático popular, que busca As entrevistas realizadas com eles pela IHU
1975, foi de fundamental importância primordialmente a construção de On-Line estão disponíveis na página eletrôni-
para a luta pela redemocratização e um conceito de cidadania que vá ca do IHU e podem ser acessadas a partir dos
seguintes links: Políticas sociais são o band-aid
como mecanismo de proteção contra para além da luta pelos direitos ci- da sociedade. Entrevista Especial com Sílvio
os abusos cometidos pela ditadura vis e políticos, mas que busca tam- Caccia Bava, disponível no link http://migre.
contra os excluídos, primordialmen- bém incluir questões relacionadas me/x55k; ‘’O crescimento dever ser um ins-
trumento para o desenvolvimento’’. Entre-
te do campo. Sem dúvida, a Pastoral ao reconhecimento da diferença e vista especial com Marina Silva, disponível no
colaborou também para o desenvol- à possibilidade de grupos historica- endereço http://migre.me/x577; O Fórum So-
vimento de vários movimentos. Mas, mente excluídos “terem o direito a cial Mundial desafiado por novas perspectivas.
Entrevista Especial com Boaventura de Sousa
creio que o contexto já descrito na ter direitos”. Esta ocupação de es- Santos, disponível no link http://migre.me/
paços na sociedade civil pode ser x591. (Nota da IHU On-Line)

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 25


em abaixo-assinados, cooptação de calizar as propostas do governo, sem
novos membros, arrecadação de fun- “O projeto ao mesmo tempo criarem as condições
dos, promoção de boicotes a produtos para o retorno ao poder de seus adver-
ou empresas e, por fim, a realização democrático popular sários políticos?
de lobby com seus representantes
eleitos. Apesar de um grande número tem lutado pelo IHU On-Line – Nessa perspectiva,
de possibilidades de ação a partir da como os movimentos sociais devem
Internet, estas ações dificilmente irão reconhecimento de atuar no jogo político?
substituir as ações presenciais, como Marcus Abílio Gomes Pereira - Como
demonstraram várias intervenções de outros saberes, outras adiantei na questão anterior, a ocu-
meus entrevistados. Para muitos de- pação do Estado, se possível, deve
les, as ações de protesto estão rela- práticas que foram e são ser feita, mas de maneira tal que não
cionadas à presença e ao número de leve a um processo de cooptação dos
participantes presenciais. Desta for- encobertas, ignoradas e movimentos e retire a sua capacidade
ma, temos ações híbridas, que combi- de tensionar a relação entre estes e
nam atividades online e presenciais. deslegitimadas pela a democracia, que precisa e deve ser
radicalizada, de forma a reconhecer
IHU On-Line - A partir desse fenôme- hegemonia neoliberal” e diminuir sensivelmente as profun-
no, que desafios são postos para os das desigualdades que se mantêm em
movimentos sociais tradicionais? nosso país.
Marcus Abílio Gomes Pereira - Para que possui historicamente uma base
os movimentos sociais tradicionais há social, criou-se uma expectativa em IHU On-Line - Quais são, em sua opi-
uma dificuldade maior em se apro- relação ao destino dos movimentos nião, os movimentos sociais com
priarem destas novas tecnologias de sociais. Deveriam ou não ocupar mais força no país, hoje?
informação e comunicação. Práticas o Estado? Muitos militantes foram Marcus Abílio Gomes Pereira - Esta é
e saberes arraigados, muitas vezes, ocupar cargos no governo, muitos uma questão difícil de responder, mas
impedem que estes movimentos se participam de fóruns, conselhos, or- creio que o Movimento dos Sem Terra
apropriem das novas tecnologias. çamentos participativos e redes que continua com um papel extremamente
Muitos líderes de movimentos não sa- se compõem por militantes e repre- relevante dentro do cenário nacional
bem e nem querem abrir um e-mail, sentantes do poder público. A crença e internacional. Os movimentos pelos
fazer uma conferência virtual ou coi- na possibilidade da mudança a partir Direitos Humanos também possuem um
sas do tipo. Sem contar que existem do Estado foi um dos grandes moto- papel importante em nosso contexto,
movimentos que estão nos rincões do res deste movimento de ocupação do incluindo nesta rede os movimentos
país e não possuem nem mesmo uma mesmo. É importante ressaltar que étnico-raciais, de gênero e orientação
rede telefônica. Nas áreas urbanas nem todos os movimentos tiveram sexual.
temos também movimentos que não esse comportamento.
possuem recursos financeiros, o que Por outro lado, temos uma situa- IHU On-Line - Que desafios o senhor
dificulta sobremaneira a possibilidade ção delicada que é o esvaziamento vislumbra para os movimentos sociais
de apropriação da Internet. Em fun- dos movimentos decorrente desta na próxima década?
ção destas dificuldades, fica claro que migração para o Estado. Muitos movi- Marcus Abílio Gomes Pereira - Creio
a exclusão digital no país ainda é uma mentos perderam sua força e capaci- que dependerá do contexto político
variável relevante a ser analisada dade de gerar conflitos. Para que um que ainda não sabemos. Em função
para compreendermos as possibilida- movimento possa realmente exercer de tudo o que já disse, as próximas
des de apropriação de novas tecnolo- seu potencial emancipatório, é ne- eleições irão oferecer maiores pistas
gias pelos movimentos. cessário que haja uma tensão entre sobre as futuras estratégias dos mo-
movimentos sociais e democracia. vimentos. Fazendo uma conexão en-
IHU On-Line - Como avalia a relação Não podemos perder de vista o tre cenário mundial e nacional, diria
dos movimentos sociais com o go- papel fundamental dos movimentos que o Fórum Social Mundial continu-
verno? Lula esvaziou os movimentos sociais na promoção de mudanças em ará sendo o catalizador, o articula-
sociais? Quais foram as vantagens e certos aspectos da sociedade, através dor das possibilidades de construção
desvantagens para os movimentos da tematização de novas demandas, de redes emancipatórias entre os
nesses oito anos? do reconhecimento de desigualdades e movimentos sociais. A globalização
Marcus Abílio Gomes Pereira - Esta pela manutenção de uma tensão contí- contra-hegemônica é um movimento
questão é fundamental para compre- nua dentro das democracias. que não poderá ser parado, apesar
endermos a situação dos movimen- Creio que este é o dilema que vá- de todos os empecilhos criados pelo
tos sociais no Brasil. Após a eleição rios movimentos vivem hoje em dia: bloco homogêneo neoliberal.
de um partido de centro esquerda, Como deverão agir de forma a radi-

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Entrevista da Semana
Foucault, a sociedade panóptica e o sujeito histórico
Impossibilidade de escaparmos da normatização e normalização era um dos para-
doxos apontados pelo filósofo francês. Sujeito é histórico e não tem uma essência
primeira, debate José Ternes. A liberdade é ilusória: nossas escolhas não são nossas

Por Márcia Junges

O
filósofo francês Michel Foucault se interessava pelo “solo epistemológico moderno”, e
pertencia à epistemologia histórica que interroga o pensamento. Suas ideias continuam
atuais, e podem nos ajudar a compreender os paradoxos que vivemos enquanto sociedade
panóptica e submetida a um poder subliminar, invisível. E é a partir da obra foucaultiana
que o filósofo José Ternes acentua o paradoxo entre o sujeito singular e o sujeito de de-
terminado momento histórico, submetido à padronização e à normalização. Que espaço sobra para a
liberdade?, questiona. Foucault apontava para a fabricação de uma consciência e padrões únicos. Em
sua filosofia, o sujeito não tem substância essência, mas é desnudado em sua fabricação histórica. Por
outro lado, pondera Ternes, “há uma tremenda preocupação de Foucault com a quase impossibilidade
de se escapar uma normatização e normalização cada vez mais fortes”. As reflexões fazem parte da
entrevista a seguir, realizada pessoalmente pela IHU On-Line, na vinda de Ternes à Unisinos, em 15-
04-2010, quando proferiu a palestra Foucault e a natureza epistemológica da modernidade. O corpo
mensurável, objeto de saber, foi outro tópico da conversa. O poder antes domesticador do corpo,
agora é imperceptível, e domestica a alma, produzindo sujeitos dóceis, formatados e inofensivos
politicamente. O tema liberdade foi recorrente em diversos momentos: “Na verdade, é uma grande
mentira a liberdade que supostamente temos. Foucault não foi o primeiro a mostrar isso. Ele insiste
que nossas escolhas não são autenticamente nossas, mas de outros. O controle é muito mais subjetivo
e imediato do que supomos. Não se trata de um ‘grande não’ ao qual estamos submetidos. Se houve
um ‘grande não’, seria melhor, porque aí ele poderia ser identificado”.
Professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, José Ternes é graduado em Filosofia pela
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, e em Letras Vernáculas
pela Universidade Católica de Goiás - UCG. Cursou mestrado e doutorado em Filosofia. O mestrado foi
realizado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC-Rio, e o doutorado, na Univer-
sidade de São Paulo - USP. É autor de Michel Foucault e a Idade do Homem (2ª ed. Goiânia: UCG/CE-
GRAF, 2009) e Pensamento Educacional Brasileiro (Goiânia: Ed. da UCG, 2006).
De 13 a 16 de setembro, acontece o XI Simpósio Internacional IHU: O (des)governo biopolítico
da vida humana. Conheça a programação completa do evento em http://migre.me/xQ7L. Confira a
entrevista.

IHU On-Line - Quais são os elementos Mas, ao mesmo tempo, como bem ob- lard e ele próprio entendem a epis-
que Foucault nos oferece para com- serva o seu orientador Canguilhem, temologia. A arqueologia de Foucault
preender a epistemologia da moder- Foucault não é um epistemólogo no significou justamente um deslocamen-
nidade? sentido que os franceses como Bache- to em relação à epistemologia. Essa
José Ternes – Em As palavras e as coi-  Gaston Bachelard (1884-1962): filósofo e
 Georges Canguilhem (1904-1995): filósofo poeta francês que estudou sucessivamente as
sas, Foucault fala em solo epistemo- francês, membro do Collège de France, espe- ciências e a filosofia. Seu pensamento está fo-
lógico e em revolução epistemológica. cializado em filosofia da ciência e no estudo da cado principalmente em questões referentes à
normatividade. (Nota da IHU On-Line) filosofia da ciência. (Nota da IHU On-Line)

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distinção que Foucault faz entre ciên- sua tese Ciência e saber.
cia e saber é fundamental. O objeto “Foucault pertence
de Foucault é o saber, e não apenas a IHU On-Line - Como podemos com-
ciência. O saber é um tema de acep- à vertente da preender a concepção de Foucault
ção mais ampla, que inclui ciências, de que o sujeito não é mais universal,
artes e outros saberes. No entanto, há epistemologia histórica se cada vez mais há uma padroniza-
um interesse de Foucault em relação ção ou mesmo uma pasteurização de
ao solo epistemológico moderno. Esse em que interroga o consciências promovidas pela nova
moderno, para ele, significa a nossa economia psíquica do Ocidente?
época, a estruturação epistêmica que pensamento, o conceito, José Ternes - O fato de haver essa
vem do século XIX em diante. padronização ou globalização ainda
A história arqueológica de Foucault as questões” não configura a ideia de uma univer-
não visa explicar, mas descrever, daí salidade como se entendia no passa-
Foucault diz que, na França, Husserl
o uso de termos como diagnosticar. do, pensando o universal como ab-
teve uma certa recepção resultante
Suas histórias são diagnósticos do soluto. A filosofia de Foucault é uma
na filosofia da existência, do sentido,
nosso tempo. São muito mais histó- filosofia do circunstancial. Seu traba-
do sujeito. Outra recepção trabalha
rias sobre como acontece o saber, as lho como historiador e arqueólogo se
a questão do conceito, da crítica da
suas reestruturações epistemológicas dá sobre o acontecimento. Para ele,
racionalidade, e da tentativa de com-
e quais condições foram abertas para é necessário interrogar os aconteci-
preender o saber. Eu me arriscaria a
o nascimento de certo saber e obje- mentos, mesmo que estes estejam
colocar o próprio Foucault nessa ver-
tos científicos como as ciências hu- aparentemente tão distantes da rea-
tente. Nisso, está muito próximo da
manas, que, segundo Foucault, só te- lidade como a ciência, a filosofia e a
epistemologia. Também sabemos que
riam lugar no interior dessas grandes teoria. De toda sorte, esses são acon-
a epistemologia é um trabalho muito
modificações no campo das empirici- tecimentos da ordem do saber, por-
restrito que investiga a ciência em
dades e da filosofia crítica. Foucault tanto têm uma materialidade e uma
sua atualidade. Foucault tinha, contu-
leu muito, foi “aos documentos”, aos existência concreta. É fundamental
do, interesses muito além da ciência,
acontecimentos na ordem do saber e compreender o pensamento como um
quais sejam, as ciências humanas. A
constatou as mudanças em curso. Tais acontecimento tão material quanto o
própria medicina era por ele compre-
mudanças são, antes de tudo, con- trabalho de um pedreiro, por exem-
endida não apenas como uma ciência,
ceptuais, de pensamento. Isso é fun- plo. Com certeza, há um paradoxo em
mas como uma investigação do espaço
damental para ele. Foucault pertence como situar a questão de um sujeito
onde ela era possível. Não é a cienti-
à vertente da epistemologia histórica singular e de um sujeito que deve ser
ficidade que é a questão primeira da
em que interroga o pensamento, o entendido em determinado momento
medicina: há questões políticas e ide-
conceito, as questões. da história face a uma padronização
ológicas que o próprio Canguilhem já
e normalização, tema importante em
havia colocado. O direito e as formas
IHU On-Line - Por que o senhor afir- Foucault, sobretudo, a partir de Vi-
jurídicas também não são, apenas,
ma que a Arqueologia de Foucault giar e Punir. Há uma fabricação de
uma questão de ciência, mas uma tra-
nos aproxima da tradição epistemo- uma consciência única, de um padrão
ma política. Foucault se ocupa muito
lógica francesa? único, aponta. Ele é um filósofo du-
mais disso. Ao mesmo tempo, está em
José Ternes - Foucault foi educado ríssimo contra essa tendência lamen-
questão como o saber é possível, qual
no ensino médio por professores como tável da sociedade moderna de sub-
é a configuração moderna dele. Por
Canguilhem e Merleau Ponty, filósofos meter todos a uma igualdade técnica.
isso, há um parentesco entre Foucault
importantes do século XX. Seu modo Por outro lado, ele tem consciência
e a epistemologia muito maior do que
de trabalhar é o da história do pensa- de que um certo sujeito, o sujeito da
com outras filosofias. Há, concomitan-
mento, dos saberes. Em um prefácio História, do conhecimento do passa-
temente, um deslocamento, que Ro-
feito para a obra O normal e o pato- do, é uma ficção. Ele não tem uma
berto Machado mostra muito bem em
lógico, de Canguilhem, Foucault deixa natureza. Não há uma substância,
muito claras as duas perspectivas mais  Roberto Machado: filósofo brasileiro, au- uma essência de um sujeito – ele é
importantes na França que são tribu- tor de Nietzsche e a verdade (2. ed. Rio de fabricado e feito historicamente. Por
Janeiro: Rocco, 1984); Zaratustra, tragédia
tárias à fenomenologia husserliana. nietzschiana (Rio de Janeiro: Jorge Zahar, outro lado, há uma tremenda preocu-
 Maurice Merleau-Ponty (1908-1961): escri- 1997), e um dos autores de Danação da norma. pação sua com a quase impossibilida-
tor e filósofo francês, líder do pensamento fe- Medicina Social e a constituição da psiquiatria
nomenológico em seu país. De 1945 a 1952, foi no Brasil (Rio de Janeiro: Graal, 1978). Em disponível em http://migre.me/xQeO. Em 04-
coeditor (com Jean-Paul Sartre) do jornal Les 01-04-2004, Machado abriu o evento Ciclo de 06-2010, estará no IHU no Ciclo de Estudos
Temps Modernes. Voltando sua atenção para Estudos sobre Michael Foucault, promovido Filosofias da diferença - Pré-evento do XI
as questões sociais, publicou um conjunto de pelo Instituto Humanitas Unisinos (IHU) com a Simpósio Internacional IHU: O (des)governo
ensaios marxistas, em 1947, Humanisme et palestra Foucault, a filosofia e a literatura. Na biopolítico da vida humana, falando sobre A
terreur (“Humanismo e Terror”), a mais ela- edição 203, de 06-11-2006, Michel Foucault, geografia deleuziana do pensamento. Confira
borada do comunismo soviético no final dos 80 anos, concedeu a entrevista Nietzsche, Fou- a programação do pré-evento em http://mi-
anos 1940. (Nota da IHU On-Line) cault e a loucura como experiência originária, gre.me/xQf6. (Nota da IHU On-Line)

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 29


de de se escapar uma normatização cault apontam isso. As reflexões sobre
e normalização cada vez mais fortes. a prisão, o hospital, a fábrica, o hos-
Quais são os espaços possíveis para pício e a educação demonstram esse
uma vida livre? Retomando Deleuze, paradoxo. Ele se vale de muita ironia
quais são os espaços de fuga que ain- para dizer que essa é a democracia
da se encontram? Foucault é muito moderna. Na verdade, é uma grande
pessimista em relação a isso. mentira a liberdade que supostamen-
te temos. Foucault não foi o primeiro
IHU On-Line - Nesse sentido, como a a mostrar isso. Ele insiste que nossas
obra de Foucault nos ajuda a compre- escolhas não são autenticamente nos-
ender as ramificações do biopoder, sas, mas de outros. O controle é muito
que mais do que nunca parecem se mais subjetivo e imediato do que supo-
inscrever não apenas no corpo do in- mos. Não se trata de um “grande não”
divíduo, mas em sua mente, em sua ao qual estamos submetidos. Se houve
subjetividade? um “grande não”, seria melhor, porque
José Ternes – Gostaria de lembrar o aí ele poderia ser identificado. A noção
nascimento de um tipo de ciências, na de poder de Foucault é muito precisa
virada para o século XIX, como a biolo- e interessante nesse aspecto. Por outro
gia e outras ciências da vida, fatos que lado, Foucault insiste na necessidade

Orações Ilustradas.
interessavam Foucault enormemente. de um espaço de pensamento livre. O
Embora ele não tenha dado pistas mui- poder, para Foucault, é o lugar do em-
to claras sobre esses saberes, na época, bate, da guerra. Submetidos a ele, há
penso que é possível voltarmos às Pala- toda uma produção de sujeitos dóceis,

Acesse em www.ihu.unisinos.br
vras e as coisas e ver que o nascimento formatados, inofensivos politicamente,
da biologia não é um acontecimento conformistas. Não se trata de domesti-
politicamente neutro e inocente. É cla- car apenas o corpo, mas a alma, a sub-
ro que as análises foucaultianas dizem jetividade. A transformação do poder é
respeito às condições internas do pró- atingir, cada vez mais, a alma, e não
prio pensamento. No meu entender, o o corpo. Isso está no começo de Vigiar
nascimento da biologia é contemporâ- e punir, quando o suplício deixa de ser
neo a algo que diz respeito à norma, um espetáculo público e é introjetado
que Canguilhem mostrou muito bem, na subjetividade do condenado. Na hu-
assim como Foucault, a partir da ideia manidade panóptica na qual vivemos,
de exame. São ciências que não apenas isso é um paradoxo. Há uma visibilidade
explicam o corpo, mas o nascimento do exacerbada que convive com a invisibi-
corpo como objeto de saber. É um cor- lidade do poder.
po mensurável, mas, principalmente,
tornando-se objeto, é mais do que ob- IHU On-Line – Qual é a atualidade
jeto. Há algo novo na história do saber desse pensador?
que não existia antes. José Ternes - O efeito do discurso é
algo interessante. Como medir a for-
IHU On-Line - Vivemos numa socieda- ça de um texto, de uma obra? Qual é,
de que, a cada dia, dá mais liberda- ainda hoje, a força e importância de
des e possibilidades de escolha. Por se ler Foucault? Ele se prestou muito,
outro lado, se exacerba o controle, a em certo tempo, a um modismo, algo
vigilância, a interdição. Como pode- que é natural até certo ponto com de-
mos compreender esse paradoxo par- terminados filósofos. Primeiro, Vigiar
tindo do pensamento foucaultiano? e punir caiu nas graças dos leitores.
José Ternes - Muitos dos textos de Fou- Agora é a Hermenêutica do sujeito.
 Gilles Deleuze (1925-1995): filósofo francês. Particularmente, gosto de insistir na
Assim como Foucault, foi um dos estudiosos Arqueologia, penso que ali há ques-
de Kant, mas tem em Bérgson, Nietzsche e tões fundamentais, bem como em As
Espinosa, poderosas interseções. Professor da
Universidade de Paris VIII, Vincennes, Deleu- palavras e as coisas. Em sua obra, fica
ze atualizou ideias como as de devir, aconte- clara a importância da filosofia, a sua
cimentos, singularidades, conceitos que nos preocupação com o pensamento, e
impelem a transformar a nós mesmos, inci-
tando-nos a produzir espaços de criação e de uma ética da vida intelectual.
produção de acontecimentos outros. (Nota da
IHU On-Line)

30 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


Terra Habitável

A biodiversidade gaúcha em risco


Para Paulo Brack, os governos não têm ideia da magnitude do problema ambiental,
inclusive da questão da biodiversidade

Por Graziela Wolfart

N
a última semana, a IHU On-Line abordou o tema da biodiversidade no Brasil e no mundo.
E, na edição de hoje, ampliamos o debate, ouvindo um especialista sobre a biodiversidade
no estado do Rio Grande do Sul. O professor Paulo Brack concedeu a entrevista que segue,
por telefone, onde defendeu que “hoje os governos e os políticos, em sua maioria, con-
sideram a biodiversidade como um entrave, e essa é uma visão atrasada, que demonstra
uma forma imediatista de encarar a situação do ponto de vista do crescimento econômico, destituído
de qualquer relação com as questões ecológicas que são fundamentais. A biodiversidade deve ser um
tema estratégico, como é hoje a questão da energia, da água e dos alimentos”. Paulo Brack refletiu
sobre o impacto das monoculturas para a manutenção da biodiversidade, e identificou como um dos
problemas mais graves decorrentes delas é que “se está acabando com espécies de alto valor eco-
nômico, que são alvo de biopirataria por outros países, que vêm buscar espécies de interesse, como
é o caso de frutíferas nativas e das plantas medicinais. Muitas das nossas espécies nativas, centenas
delas, já estão sendo utilizadas por países do primeiro mundo, gerando bilhões de dólares lá fora.
Enquanto que aqui estamos simplesmente copiando um modelo de monocultura que não dá certo e
inclusive causa problemas sociais e econômicos”. Para ele, “é muito preocupante hoje não só a falta
de sensibilidade governamental, mas a forma de resistência a qualquer tipo de visão de conservação
da natureza” . E conclui: “esse chamado ‘crescimento econômico’ compromete a biodiversidade,
porque não leva em conta os limites que são impostos pela natureza”.
Paulo Brack é mestre em Botânica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutor em
Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos. Desde 2006, vem fazendo parte
da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio e também representa o Instituto Gaúcho
de Estudos Ambientais – Ingá, no Conselho Estadual do Meio Ambiente do RS – Consema-RS. Confira a
entrevista.

IHU On-Line - O que caracteriza a bio- sul do bioma. Temos também a zona Jacuí, como a grápia e o angico, que
diversidade do Rio Grande do Sul? do litoral, que é a Planície Costeira, perdem as folhas. Na parte nordeste,
Paulo Brack – O Rio Grande do Sul e, para o oeste, a região da Campa- da Planície Costeira e Litoral Norte,
tem dois biomas, caracterizados pelo nha. Refiro-me genericamente ao que que é a área mais rica do ponto de vis-
IBGE, que é o bioma Mata Atlântica e o se chama metade sul, porque o bio- ta de flora e de fauna, temos a flores-
bioma Pampa. Porém, dentro de cada ma Pampa ocupa praticamente 60% do ta atlântica e as restingas litorâneas,
um deles, temos ecorregiões, com ca- Estado. Na porção norte, na chamada estas em situação crítica de conserva-
racterísticas particulares. No caso do Mata Atlântica, temos diferentes tipos ção. No caso da floresta atlântica, sua
Pampa, temos uma região chamada de formações vegetais e ecorregiões. distribuição se dá em todo o litoral do
Escudo Cristalino Sul-riograndense, ou Ao norte, a floresta estacional do Alto Brasil, desde o Rio Grande do Norte
Serra do Sudeste, uma região belíssi- Uruguai tem influência amazônica, com até o Rio Grande do Sul, próximo de
ma, e com endemismos de flora e fau- espécies de árvores de grande porte e Osório, no Paralelo 30 de latitude sul,
na, localizada mais na parte centro- que se distribuem até próximo do Rio com árvores que não perdem as folhas,

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 31


pecialistas mundiais no tema, admite
que se perdem aproximadamente 30
mil espécies por ano devido a ativi-
dades humanas na sociedade moder-
na. Isso também está acontecendo
aqui, e se agravou muito nos últimos
anos, inclusive porque várias ativida-
des econômicas estão em processo de
expansão acelerada. Esse chamado
“crescimento econômico” comprome-
te a biodiversidade, porque não leva
em conta os limites que são impostos
pela natureza. Os recursos naturais
são finitos, limitados, porém, a eco-
nomia atual parece estar doente. Ela
parte do priníipio de que a natureza
é infinita. Estamos verificando, no Rio
Grande do Sul, uma perda expressiva
de espécies. Na fauna do Rio Grande
do Sul, temos 261 espécies ameaça-
das. Já existem algumas extintas no
Estado, como é o caso da harpia, da
arara-azul-pequena e da ariranha,
entre mais de uma dezena que ocor-
riam aqui no Estado. Também temos a
situação mais recente, da onça, que
era encontrada em mais de um mu-
nicípio, e hoje é vista só no Parque
Estadual do Turvo, em Derrubadas, e
são poucos os indivíduos. A situação
é similar com a flora. Por exemplo, o
decreto 42.099, de 2002, já assinala-
va a presença de 607 espécies da flora
ameaçada no Estado. Essas duas listas
oficiais são de 2002 e não foram mais
revistas. Além da economia se expan-
dir de maneira muito acelerada, des-
considerando as particularidades des-
tas ecorregiões, há a necessidade de
se ampliar as áreas de preservação.
E estamos verificando também que
os governos são refratários à ideia de
ter programas que impeçam a conti-
nuidade desse processo de destruição
e com muitas bromélias e orquídeas. da biodiversidade. No que toca às
Na parte mais alta do planalto, temos IHU On-Line - Quais as principais ameaças, agregaríamos a questão dos
a floresta com araucária, junto com mudanças que têm ocorrido na bio- transgênicos, que comprometem as
campos, que chamam a atenção, pois, diversidade do estado nas últimas variedades crioulas e deixam o agri-
na região chamada de Campos de Cima décadas? cultor dependendo de poucas varie-
da Serra, os campos existem dentro do Paulo Brack – Estamos passando por do homem. Em 1979, ganhou o Prêmio Pulitzer
com Sobre a Natureza Humana, obra escrita
bioma Mata Atlântica, sendo também um processo crítico em relação à um ano antes. Seja como autor, coautor ou
chamados de campos de altitude. No biodiversidade no mundo inteiro. editor, Wilson tem participação em 20 publi-
geral, quanto à flora, as florestas, os Edward Wilson, um dos maiores es- cações de sua área. Seu livro A Diversidade da
Vida (1992) é apontado como um dos melho-
campos e outros tipos de ecossistemas  Edward Wilson (1929): biólogo norte-ame- res do século pela Biblioteca Pública de Nova
abrigam mais de cinco mil espécies ricano fundador da Teoria da Sociobiologia. É Iorque. Um dos seus livros mais recentes é O
no Estado, valor equivalente à flora reconhecido mundialmente por seus estudos futuro da vida: um estudo da biosfera para a
sobre insetos – principalmente formigas –, que proteção de todas as espécies, inclusive a hu-
da maior parte dos países da Europa, auxiliam o entendimento dos conceitos ecoló- mana (Rio de Janeiro: Campus, 2002). (Nota
conjuntamente. gicos e genéticos da evolução dos animais e da IHU On-Line)

32 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


dades, dominadas por multinacionais, “O desequilíbrio tes dessas monoculturas é que se está
e seu uso ainda crescente de agrotó- acabando com espécies de alto valor
xicos. econômico e social está econômico, que são alvo de biopirata-
ria por outros países, que vêm buscar
IHU On-Line - Quem é o maior inimi- intimamente ligado espécies de interesse, como é o caso
go da biodiversidade do Rio Grande de frutíferas nativas e das plantas
do Sul? aos desequilíbrios medicinais. Muitas das nossas espé-
Paulo Brack – Há um conjunto de ati- cies nativas, centenas delas, já estão
vidades ligadas a uma concepção de ecológicos” sendo utilizadas por países do primei-
uma “religião” do crescimento eco- ro mundo, gerando bilhões de dólares
nômico, que impera no mundo intei- lá fora. Enquanto que aqui estamos
ro, principalmente pelo capitalismo. A IHU On-Line - Como a monocultura simplesmente copiando um modelo de
acumulação incessante, sem limite à da soja e do eucalipto afeta a biodi- monocultura que não dá certo e inclu-
propriedade, significa que hoje, com versidade? sive causa problemas sociais e econô-
o processo de globalização, as gran- Paulo Brack – Nesse processo de perda micos.
des empresas cada vez crescem mais, incessante de biodiversidade, a des-
com concentração de capital cada vez truição e a fragmentação de habitat IHU On-Line - Existe um sistema de
maior, provocando um desequilíbrio. no ambiente rural estão relacionadas prevenção e manutenção da biodi-
Esse desequilíbrio econômico e social com as monoculturas. Podemos rela- versidade específica para cada re-
está intimamente ligado aos desequi- cionar a perda da biodiversidade e da gião do estado?
líbrios ecológicos. Hoje não se pode economia local, devido às monocultu- Paulo Brack – A primeira questão fun-
mais separar os aspectos da degrada- ras, pegando o caso da erva-mate e a damental é que se façam diagnósticos
ção ambiental dos problemas sociais. soja. O Rio Grande do Sul, há cerca do que ainda existe de biodiversidade
Quando da crise econômica de 2008, de 30 anos, era um dos maiores pro- no Rio Grande do Sul, lembrando que
o governo brasileiro apontou para a dutores de erva-mate, espécie nativa ela é considerável, principalmente a
possibilidade de incremento de consu- e cultivada, sem impactos ambientais, constituída pelas unidades de conser-
mo de automóveis, com a redução do exportada para outros países e para vação, que são apenas algumas deze-
IPI. Reduziram esses impostos também outros estados. Hoje, estamos impor- nas as que realmente funcionam. Elas
para os eletrodomésticos. Por um lado, tando este produto, principalmente representam hoje 2,6 % do Estado.
é claro que as classes menos favoreci- porque derrubaram muitos ervais nos Somente 0,7% de nosso território é
das têm direito de ter um nível maior últimos anos para a expansão da área formado por unidades de proteção in-
de consumo, adquirir bens etc. Porém, de soja. A soja é uma cultura que está tegral, como parques e reservas, que
se nos pautarmos em copiar o modelo comprometendo desde o Pampa até a possuem maior objetivo de conserva-
de produção e consumo do hemisfério Amazônia e está criando desertos ver- ção porque não permitem uso econô-
norte, vamos precisar de pelo menos des, desertos de biodiversidade, e pre- mico. Temos além das unidades de
três planetas Terra. Esse modelo de judicando a saúde do agricultor com o conservação de proteção integral as
produção e consumo de descartáveis e uso de produtos químicos, compacta- de uso sustentável. Estas são, em ge-
de produtos obsoletos não tem viabili- ção do solo, perda de recursos hídricos ral, muito pouco eficientes do ponto
dade e está em esgotamento. Inclusive etc. A questão dos grandes plantios de de vista de conservação. No caso das
o aumento dos automóveis particula- eucalipto e pinus vai na mesma linha, unidades de proteção integral, pelo
res está tornando as cidades mais con- ou seja, a grande escala de produção menos 30% ainda não foram imple-
gestionadas, com um trânsito caótico. por meio de monoculturas desconsi- mentadas. Há décadas essas unidades
Não sabemos para onde isso vai. Os dera particularidades locais, inclusive de conservação estão esperando que
governos não têm ideia da magnitude alternativas locais de economia que o poder público tome providências.
do problema ambiental, inclusive da existiam. Na região do Pampa, temos Podemos citar o caso do Parque Na-
questão da biodiversidade, usando re- uma série de atividades, como o tu- cional Aparados da Serra, que espera
cursos vultosos para este modelo de es- rismo rural e ecológico, bem como o há 50 anos para terminar o processo
gotamento. No Brasil, o principal meio uso da palha do capim-santa-fé, que de desapropriação, ou seja, o paga-
de financiamento da insustentabilida- é uma cobertura com plantas nativas, mento aos proprietários por terras
de é o BNDES. No caso dos políticos, a que tem um valor agregado enorme, agora convertidas em conservação. O
situação é talvez pior, principalmente sendo um telhado muito bonito e com valor aqui é de 10 milhões de reais, o
aqueles ligados à bancada ruralista, conforto térmico para habitações. E que equivale a uma milésima parte do
que querem mudar o Código Florestal essa cultura está desaparecendo. As montante que o governo federal quer
para seus interesses mais imediatistas próprias gramíneas e leguminosas, gastar com a compra de caças moder-
e mais degradadores, como aconteceu que são forrageiras nativas, muitas nos, da França, para a “defesa nacio-
na legislação ambiental do Estado de delas utilizadas em outros países, es- nal”. E a defesa da biodiversidade?
Santa Catarina. tão desaparecendo rapidamente. Um Além do problema da falta de recur-
dos problemas muito graves decorren- sos e de vontade política para a im-

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 33


plementação de parques e reservas, a Não podemos mais, simplesmente,
maioria destes não tem um plano de
“Se nos pautarmos por lamentar a situação. Temos que to-
gestão adequado tanto a nível esta- mar providências, sensibilizando
dual como federal. E, além do diag-
copiar o modelo de governos e políticos, e, ao mesmo
nóstico da biodiversidade do estado, tempo, mudar nossa relação com a
bem como a questão da avaliação das
produção e consumo do natureza e entre nós mesmos, prin-
unidades de conservação, também tí- cipalmente trabalharmos mais com
nhamos que fazer um monitoramento
hemisfério norte, vamos educação ambiental. Além de tra-
das espécies ameaçadas e, ao mes- çarmos um diagnóstico, mais amplo
mo tempo, atualizarmos essas listas.
precisar de pelo menos possível, devemos projetar os cená-
Porém, os governos são refratários a rios que queremos, e não aqueles que
esse tema e tentam refutar qualquer
três planetas Terra” nos são impostos. No dia 22 de maio,
argumento que levante essa questão. realizaremos um evento alusivo ao
É muito preocupante hoje não só a ou “modelo de desenvolvimento”, que Dia Internacional da Biodiversidade,
falta de sensibilidade governamental, está destruindo a natureza e causando na UFRGS, e queremos desencadear
mas a forma de resistência a qualquer uma enorme incógnita quanto ao futu- aqui uma discussão sobre o estado
tipo de visão de conservação da na- ro das novas gerações. da biodiversidade no Rio Grande do
tureza. E, além disso, a expansão de Sul, e, ao mesmo tempo, discutir po-
atividades impactantes como grandes IHU On-Line - É possível pensar em líticas públicas para 2012, na Rio+20
empreendimentos imobiliários fecha- um resgate da biodiversidade através (vinte anos depois da Rio92). Inclu-
dos e imensas barragens hidrelétri- da expansão de sementes crioulas? sive, o governo brasileiro assinalou
cas e de irrigação, por exemplo, está Paulo Brack – A FAO assinala uma a possibilidade de se realizar essa
comprometendo o pouco que restou perda crescente e impressionante conferência no Brasil. Entretanto,
de nossa biodiversidade, com o incen- de variedades de culturas agrícolas. quase tudo o que vale agora, infe-
tivo de programas governamentais e Uma das formas de proteção à agro- lizmente, é a Copa do Mudo de 2014.
com muita pressão sobre os técnicos biodiversidade é, justamente, man- Mas não podemos esperar pelos go-
da área ambiental e a Justiça, para termos as sementes crioulas, como vernos, pois, eles vão fazer o míni-
a liberação indiscriminada de ativida- o milho, as diferentes variedades mo possível se não houver pressão da
des econômicas. de feijão, de arroz, de hortaliças, e sociedade. E temos o papel de pres-
de raízes, como a mandioca, adap- sioná-los para que tenhamos, por
IHU On-Line - Em que medida as al- tadas e abrigadas pelos pequenos exemplo, metas de alcance em re-
terações climáticas do Rio Grande do agricultores, que têm papel funda- lação às unidades de conservação no
Sul alteram a biodiversidade do es- mental no resguardo da riqueza da Estado. Teríamos que dobrar o valor
tado? biodiversidade saudável que chega delas nos próximos cinco anos. Outro
Paulo Brack – No ano passado, o mês aos nossos pratos. A agricultura fa- aspecto importante seria revermos a
de abril foi o mês mais seco nos últi- miliar camponesa resiste ao mode- lista da flora e fauna ameaçada no
mos 80 anos, enquanto que novembro lo de monocultura agrícola, não só Rio Grande do Sul urgentemente, e
foi o mês que choveu mais nos últimos por manter variabilidade genética também viabilizarmos modelos de
cem anos. A instabilidade climática es- dessas culturas, mas principalmente ocupação da terra, de uso da terra
tava prevista pelos relatórios do IPCC, por desenvolver a agroecologia e a de forma menos predatória e mais
que tem suas previsões sendo cada maior sustentabilidade da vida. Os sustentável, considerando-se a bio-
vez mais confirmadas e até superadas centros de pesquisa, em especial os diversidade como elemento-chave,
por outras mais catastróficas, como a governamentais, deveriam trabalhar estruturante e com inclusão social.
questão do aumento do nível do mar muito mais com os pequenos agricul- Temos que colocar a biodiversidade
relacionado ao aquecimento global e tores e não mais tanto para o mo- como elemento chave para o desen-
ao derretimento das calotas polares. delo da agricultura de exportação volvimento, no aspecto mais amplo
A previsão é de que tenhamos, até o e para um agronegócio sem futuro. possível da palavra. Hoje, os go-
final do século, um aumento de um a Atualmente, ao contrário, a maior vernos consideram a biodiversidade
três metros de altura no nível do mar. parte das pesquisas governamentais como um entrave, e essa é uma visão
Isso é trágico para os ecossistemas continuam a reboque do modelo de atrasada, que demonstra uma forma
costeiros e para milhões de pessoas monoculturas, e com o agravante imediatista de encarar a situação
que moram nestas zonas. Até Porto do uso indiscriminado das sementes do ponto de vista do crescimento
Alegre poderia sofrer com isso. A te- geneticamente modificadas. Porém, econômico, destituído de qualquer
mática tem que ser vista de maneira hoje é necessário que se faça uma relação com as questões ecológicas
mais global, incluindo a questão hu- análise da situação da biodiversidade que são fundamentais. A biodiversi-
mana, que sofre as mesmas consequ- mundial e local, já que celebramos, dade deve ser um tema estratégico,
ências desse modelo de esgotamento, neste 2010, o Ano Internacional da como é hoje a questão da energia,
Biodiversidade, designado pela ONU.
34 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325
da água e dos alimentos. Do ponto
de vista das políticas públicas, temos
que encontrar alternativas do uso
sustentável, tanto dos ecossistemas

Acesse outras edições da


do bioma Pampa, no uso sustentável
do campo, como aqueles florestais
da Mata Atlântica. É vital para isso
o incremento do uso de frutas nati-
vas, em especial o da polpa (açaí)
da palmeira-juçara, até o cultivo de
IHU On-Line.
árvores nativas, inclusive produtoras
de celulose. E é importante que se
criem mais áreas protegidas no Pam-
pa e que a pecuária nos campos na-
tivos do Rio Grande do Sul seja con-
siderada prioritária, principalmente
a pecuária familiar. Que se aumente
a produtividade da pecuária, com a
manutenção deste campo nativo, que
é muito mais biodiverso e produtivo,
se bem manejado, do que a ativida-
de agrícola como a soja, ou mesmo o
plantio de forragens artificiais. Isso
deve ser feito rapidamente, pois as
pastagens nativas estão desapare-
cendo, convertidas em monocultivos
de campos artificiais, agricultura e
silvicultura, em grande escala. Ob-
viamente, isso passa por mudança de
paradigma, por muita pesquisa e res-
gate de conhecimentos tradicionais,
com vontade política dos governos e
da sociedade. Sem uma articulação
estadual e nacional, que coloque
essa questão da biodiversidade no
centro da discussão, em outro para-
digma, infelizmente não vamos lon-
ge. Mas, aproveitemos o Ano da Bio-
diversidade para começar a reverter
este processo.

Leia Mais...
>> Paulo Brack concedeu outras entre-
vistas à IHU On-Line. Confira na nossa página
eletrônica (www.ihu.unisinos.br).
* Quando a crise representa um avanço. Entrevis-
ta publicada em 26-3-2009 nas Notícias do Dia e
disponível no link http://bit.ly/aYzcAl;

Elas estão disponíveis na página


* Zoneamento ambiental do RS: um faz-de-conta.
Entrevista publicada nas Notícias do Dia em 23-
4-2008 e disponível em http://bit.ly/dr3Zud;
* O Pampa gaúcho é alvo de biopirataria. Edição
número 247, intitulada O Pampa e o monocultivo
do eucalipto, publicada em 10-12-2007, disponí-
vel em http://bit.ly/9Lb7tt;
eletrônica
www.ihu.unisinos.br
* Copenhague: uma convenção para além de
‘’boas intenções’’? Entrevista publicada na IHU
On-Line número 312, de 26-10-2009, disponível
em http://bit.ly/ccevAY

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 35


Contrapartida social
Por Ana Maria Oliveira Rosa*

Pensar a dimensão societária enquanto moeda pode mascarar


situações que nem sempre permitem os melhores resultados
para todos. A contrapartida social pode ser um benefício
imediatista, portanto nem sempre o mais proveitoso.
É necessário atenção e cuidado para que não observemos
apenas aspectos superficiais e possamos também evoluir
através da construção de conhecimento, encontrando
alternativas que possam superar as aquisições já dadas.

Em diversas ocasiões, verifica-se a cite como regra. Porém, se pesarmos


circulação de uma moeda que é invi- nessa moeda como algo a ser retirado
sível e imaterial, no entanto, muitas de um lado e passado para o outro,
vezes mais implicante na política e na nem sempre a benevolência é o me-
economia do que outras, até mesmo do lhor caminho.
que a própria moeda financeira. Uma Pensando na iniciativa privada,
moeda que circula em diversos espa- não poderíamos dizer que os produ-
ços, englobando os diferentes grupos tos comercializados por uma empre-
sociais. É a contrapartida social. sa, em primeira instância, já são par-
Contrapartida social seria a oferta te de uma troca social? Dessa forma,
de serviços ou ações que empresas, quando estamos solicitando que essa
universidades ou governos deveriam instituição forneça à sociedade mais
incluir em seus planejamentos para benefícios do que sua própria produ-
gerar benefícios para as comunidades ção, poderíamos dizer que a estamos
envolvidas ou dos arredores dessas ins- sobretaxando – aumentando a neces-
tituições. É uma espécie de troca social sidade de benefícios sociais em troca
que está além da produção e distribui- de permitir que essa empresa conti-
ção dos bens materiais ou imateriais nue atuando. Mas, nessa mesma linha
que cada organização produz. de raciocínio, devemos observar com
Para um olhar primário, pode pa- cuidado o que seria mais proveitoso
recer uma questão até mesmo de ci- para a comunidade em geral: uma
dadania, interessante para a socieda- empresa que tenha princípios claros,
de, benevolente e digna da criação de como produção limpa, salários dig-
uma legislação específica que a soli- nos e benefícios para os funcionários,

* Mestranda em Ciências da Comunicação na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos),


bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), graduada em
Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), pós-graduada em Assessoria
Linguística pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (UNIRITTER) e participante do Grupo de Pes-
quisa Comunicação, Economia Política e Sociedade (CEPOS), apoiado pela Ford Foundation. E-mail:
<anamariaoliveirarosa@yahoo.com.br>.

36 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


pode onerar-se demasiadamente para “Queremos que jam geradas, em prol do bem comum.
cumprir com a demanda da contrapar- Todos os estudos realizados têm al-
tida social, acabando por prejudicar a resultante das guma pertinência, pois nos permitem
sua linha de gerência, sendo necessá- conhecer mais sobre a(s) realidade(s)
rio que pratique um capitalismo mais pesquisas seja algo em que vivemos, e é somente a partir
agressivo. Então, podemos permitir desse tipo de conhecimento que será
que uma empresa pratique um capita- positivo, porém não possível planejar um futuro melhor
lismo selvagem em troca de um proje- para o Brasil.
to que ensine as crianças de uma cre- necessariamente Dessa forma, exigir que haja per-
che comunitária a escovar os dentes, manente circulação do conhecimento
doando, é claro, pastas e escova de imediato” gerado nas universidades como parte
dentes para todos? da contrapartida social que deve ser
Mas o que parece extraordinaria- entregue à sociedade é implicar no
Há uma cobrança muito forte da
mente errôneo na lógica da contra- desenvolvimento de processos. Corro-
sociedade em relação às instituições
partida social é englobar instituições borar com a necessidade de devolver
de ensino, especialmente as particu-
como universidades e empresas priva- conteúdos antes mesmo de que sejam
lares, buscando a devolução do conhe-
das no mesmo “saco de farinha”. Se as gerados é pedir que os pesquisadores
cimento gerado para o todo social. No
empresas já deveriam ser vistas como entreguem respostas imediatistas e
entanto, o desenvolvimento de pes-
instrumentos para auxiliar o social, pouco concretas. Ao serem impelidos
quisas nem sempre é compatível com
por si mesmas, sem projetos agrega- a comunicarem-se, esses trabalhado-
o diálogo – algumas etapas são soli-
dos, as universidades e seus grupos de res da ciência acabam limitados em
tárias e exigem que os pesquisadores
pesquisa deveriam ser vistos como um seus espaços de estudo e pensamento
utilizem um determinado tempo de
nicho de excelência, onde se está de- aprofundado.
estudos encerrados em seus gabinetes
senvolvendo um caminho melhor para É preciso que haja compreensão e
para que depois possam efetivamente
a humanidade. parceria entre universidade e comuni-
comunicar algo ao cidadão comum, e
Uma sociedade que não se co- dade: a contrapartida social já está in-
até mesmo aos seus pares.
nhece é uma sociedade sem rumo. É serida no trabalho desenvolvido pelos
É certo que o conhecimento deve
preciso que haja parceria entre a(s) pesquisadores, mesmo que, aparente-
circular, e nesse processo todos saem
comunidade(s) e nossas instituições de mente, a interação com a sociedade
ganhando, no entanto, é preciso que
pesquisa para que esse conhecimento limite-se a aquisição de dados para
se compreenda que a função social das
seja planejado e difundido. O trata- a composição das pesquisas. Se esta-
instituições, e especialmente das uni-
mento dado aos pesquisadores, obser- mos buscando melhorias para todos,
versidades, possui um valor específico,
vados como usurpadores de conheci- não podemos permitir que esse tipo
independentemente de quanto tempo
mento, parte da falta de perspectivas de moeda seja limitante de processos
seja necessário para que esse valor
das comunidades que são procuradas como para o avanço do conhecimento.
consiga percorrer as ruas das cidades.
como foco de pesquisa. Apesar disso, Queremos que a resultante das pes-
Os estudos e atividades desenvolvidas
percebe-se que é esse tipo de enten- quisas seja algo positivo, porém não
nos centros de pesquisa poderão dar
dimento que permeia os diversos espa- necessariamente imediato.
fôlego para que novas alternativas se-
ços sociais.

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 37


Destaques On-Line
Essa editoria veicula entrevistas que foram destaques nas Notícias do Dia do sítio do IHU.
Apresentamos um resumo delas, que podem ser conferidas, na íntegra, na data correspondente.

Entrevistas especiais feitas pela IHU On-Line e disponíveis A pedofilia e a questão do celibato
nas Notícias do Dia do sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br) de Artigo de Nazir Hamad
13-4-2010 a 16-4-2010. Confira nas Notícias do Dia 15-4-2010
Disponível no link http://migre.me/xTOn
Belo Monte. Um projeto que deve ser can- “Pode-se ser pedófilo tanto dentro da Igreja como fora dela.
celado O pedófilo pode ser tanto um clérigo seguindo a regra do celi-
Entrevista com Guilherme Zagallo bato, como um leigo, casado e pai de vários filhos”, escreve
Confira nas Notícias do Dia 13-4-2010 o psicanalista libanês radicado na França. Segundo ele, “um
Disponível no link http://migre.me/xTwz adulto que trabalha com crianças cai nisso que Ferenczi chama
Em 6 de abril foi divulgado o relatório Missão Xingu: Impac- de confusão de linguagens”.
tos socioambientais e violações de direitos humanos no li-
cenciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Um dos “A falta do pai é sempre prejudicial”
relatores do documento fala sobre as violações deste projeto Entrevista com Rubens de Aguiar Maciel
aos direitos humanos e os seus impactos para a população e Confira nas Notícias do Dia 16-04-2010
o ambiente local. Disponível no link http://migre.me/xTLd
“Há um grande desconhecimento em relação à importância
Feminismo: pluralismo, diferenças e con- da função paterna dentro da família. Nas relações entre mãe
cepções e pai, existe uma dinâmica que é alterada com a vinda de um
Entrevista com Helena Hirata filho. Por outro lado, o pai tem uma função muito importante
Confira nas Notícias do Dia 14-4-2010 na formação da personalidade e no aspecto emocional da cri-
Disponível no link http://migre.me/xTy9 ança”, afirma o psicanalista. Ele comenta as transformações
Em Dicionário Crítico do Feminismo (São Paulo: UNESP, 2010), que o papel do pai vem sofrendo nas últimas décadas.
a socióloga busca dissecar termos relacionados ao mundo das
mulheres e, assim, mostrar os significados de questões como
opressão, dominação masculina, aborto e contracepção, assé-
dio sexual, prostituição, maternidade e movimentos feminis-
tas. “A relação entre homens e mulheres oculta uma questão
importante que é a hierarquia social”, aponta.

Amazônia. 2015, desmatamento zero


Leia as Notícias
Entrevista com João Talocchi
Confira nas Notícias do Dia 15-2010
do Dia em
Disponível no link http://migre.me/xTA5
Está prevista, para o final deste ano, a próxima
Cúpula do clima. Cancun, no México, receberá pesquisadores,
governantes e todos aqueles interessados no tema para dis- www.ihu.unisinos.br
cutir o futuro do planeta. O objetivo é que agora se consiga
produzir um acordo global com ações efetivas para combater
as mudanças climáticas, diferente do que aconteceu em Co-
penhague, cujo resultado foi considerado um desastre com um
acordo que não muda nada.

38 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 39
Agenda da Semana
Confira os eventos dessa semana realizados pelo IHU.
A programação completa dos eventos pode ser conferida no sítio do IHU (www.ihu.unisinos.br).

Dia 22/4/2010
Pré-lançamento do XII Simpósio Internacional IHU: A Experiência Missioneira: território, cultura e
identidade. As sociedades indígenas e a economia do dom: o caso dos Guarani
Profa. Dra. Maria Cristina Bohn Martins – PPGH/Unisinos
Local: Sala Ignácio Ellacuría e Companheiros – IHU
Horário: 17h30min às 19h
Dia 24/4/2010
Oficina de Espiritualidade Inaciana
Local: Local: Centro Burnier Fé e Justiça
Rua Pe. Remeter, 92 - Bairro Baú
Cuiabá, MT
Horário: 7h30min às 12h30min
Dia 26/4/2010
Ciclo de Palestras: Perspectivas socioambientais e
econômicas do Brasil 2010 - 2015. Limites e Possibilidades
Perspectivas sociais e econômicas para o Brasil 2010-2015 – impasses e possibilidades
Dr. Márcio Pochmann – IPEA/DF
Local: Anfiteatro Pe. Werner - Unisinos
Horário: 20h
Ciclo de Estudos em EAD – Repensando os Clássicos da Economia - Edição 2010
MALTHUS e RICARDO: duas visões de economia política de capitalismo
EAD - Espaço de Espiritualidade I - ABRIR OS OLHOS (5ª Edição)
ETAPA 3: OLHAR AO NOSSO REDOR

Perspectivas sociais e econômicas para o Brasil


2010-2015 – impasses e possibilidades
Palestra com o economista Márcio Pochmann – IPEA/DF
Data: 26-4-2010
Horário: Das 20h às 22h
Local: Anfiteatro Pe. Werner

Informações em www.ihu.unisinos.br

40 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


Eventos

Malthus e Ricardo: economia política e capitalismo


Por Graziela Wolfart

Com a crise financeira internacional que “David Ricardo, assim como Smi- mento econômico. Mas o seu objeto
que abalou o mundo, é comum ouvir- th, estava preocupado com o cresci- principal de estudo era saber como
mos falar na crise do capitalismo, pelo  David Ricardo (1772 - 1823): economista in- a riqueza produzida na sociedade se
menos na forma como o conhecemos glês, considerado um dos principais represen- distribuía entre o que ele considerava
tantes da economia política clássica. Exerceu
até então. E para nos ajudar a enten- uma grande influência tanto sobre os economis-
ser suas classes sociais: proprietários
der os movimentos que esse sistema tas neoclássicos, como sobre os economistas fundiários, capitalistas e trabalhado-
produz em nossos dias, uma alternati- marxistas, o que revela sua importância para res. Para Ricardo, os proprietários de
o desenvolvimento da ciência econômica. Os
va é ouvir a voz dos grandes clássicos temas presentes em suas obras incluem a teo-
terra assumiriam fatias crescentes da
da Economia, que nos inspiram a pen- ria do valor-trabalho, a teoria da distribuição renda nacional devido aos diferenciais
sar em rumos futuros a partir da tra- (as relações entre o lucro e os salários), o co- de fertilidade do solo, os trabalhado-
mércio internacional, temas monetários. A sua
jetória já construída. Afinal, clássicos teoria das vantagens comparativas constitui a
res viveriam ao nível de subsistência,
são sempre contemporâneos. base essencial da teoria do comércio interna- e os capitalistas veriam minguar os
cional. Demonstrou que duas nações podem seus lucros”. Achyles lembra que, na
beneficiar-se do comércio livre, mesmo que
Nesse sentido, o Instituto Humani- uma nação seja menos eficiente na produção
obra Princípios de Economia Política e
tas Unisinos – IHU promove um ciclo de todos os tipos de bens do que o seu parcei- Tributação, que apareceu inicialmen-
de estudos, ministrado na modalidade ro comercial. Ao apresentar esta teoria, usou te em 1817 e com publicação defini-
o comércio entre Portugal e Inglaterra como
de ensino à distância, sobre os gran- exemplo demonstrativo. O Ciclo de Estudos
tiva em 1821, Ricardo, por conta de
des clássicos da Economia. O segundo em EAD – Repensando os Clássicos da Econo- sua análise da distribuição da rique-
módulo tem início na próxima segun- mia - Edição 2010, em seu segundo módulo, za, “apresenta uma visão sombria da
fala sobre Malthus e Ricardo: duas visões de
da-feira, dia 26 de abril, onde se es- economia política e de capitalismo. Para con-
sociedade, a qual tenderia, segundo
tudará sobre os economistas Thomas ferir a programação do evento, visite http:// ele, a um estado estacionário. Ricardo
Malthus e David Ricardo, a partir do migre.me/xQsg. (Nota da IHU On-Line) foi um dos primeiros economistas a se
 Adam Smith (1723-1790): considerado o fun-
tema “duas visões de Economia Políti- dador da ciência econômica. A Riqueza das
preocupar com os efeitos do progres-
ca e de Capitalismo”. Aos que desejam Nações, sua obra principal, de 1776, lançou so técnico sobre o emprego da força
uma base sobre os autores em estudo, as bases para um novo entendimento do me- de trabalho. No seu livro, dedicou ao
canismo econômico da sociedade, quebrando
o texto de referência sugerido é de paradigmas com a proposição de um sistema
assunto um capítulo intitulado: ‘Sobre
Gentil Corazza, publicado nos Cader- liberal, ao invés do mercantilismo até então a maquinaria’”. Segundo o profes-
nos IHU ideias, nº 39, de 2005. Dispo- vigente. Outra faceta de destaque no pensa- sor Achyles, “outra contribuição im-
mento de Smith é sua percepção das sofríveis
nível em http://bit.ly/afxsNi condições de trabalho e alienação às quais os
portante de Ricardo é sua teoria das
trabalhadores encontravam-se submetidos com vantagens comparativas, em que cada
Outros autores estudados no ciclo o advento da Revolução Industrial. O Instituto país deveria se especializar no comér-
Humanitas Unisinos promoveu, em 2005, o I
são Adam Smith, Karl Marx, Max We- Ciclo de Estudos Repensando os Clássicos da
cio internacional na produção daque-
ber, Thorstein Veblen, John Keynes, Economia. No segundo encontro deste evento les produtos em que tivesse vantagem
Joseph Schumpeter e Michael Aglietta, a professora Ana Maria Bianchi, da USP, profe- relativa”.
riu a conferência A atualidade do pensamen-
permitindo ao participante conhecer to de Adam Smith. Sobre o tema, concedeu
e refletir sobre a viabilidade de suas uma entrevista à IHU On-Line número 133, A IHU On-Line ouviu também a opi-
aplicações na solução de problemas de de 21-03-2005, disponível em http://migre. nião do professor Fernando Lara, da
me/xQmm. Ainda sobre Smith, confira a edi-
nossa época. ção 35 do Cadernos IHU ideias, de 21-07-2005,
Unisinos, sobre o mesmo autor. Para
intitulado Adam Smith: filósofo e economista, ele, David Ricardo, dentre os econo-
Questionado pela IHU On-Line a re- escrito por Ana Maria Bianchi e Antônio Tiago mistas políticos clássicos, “pode ser
Loureiro Araújo dos Santos, disponível para do-
fletir sobre as principais contribuições wnload em http://migre.me/xQnc. Smith foi o do os Clássicos da Economia - Edição 2010,
de Malthus e Ricardo para o pensa- tópico número I do Ciclo de Estudos em EAD em seu primeiro módulo, falou sobre Adam
mento econômico, o professor da Uni- – Repensando os Clássicos da Economia – Edi- Smith: filósofo e economista. Para conferir a
ção 2009, estudado de 13-04-2009 a 02-05- programação do evento, visite http://migre.
sinos Achyles Barcelos da Costa afirma 2009. O Ciclo de Estudos em EAD – Repensan- me/xQsg. (Nota da IHU On-Line)

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 41


considerado como aquele que exerceu publicadas em 1950, continua Lara, tado uma quantidade de alimentos in-
mais forte influência sobre a teoria “trouxeram novas luzes ao trabalho capaz de prover a todos na sociedade.
econômica posterior. Autores situa- deste economista político, por escla- Embora seus argumentos viessem a so-
dos em extremos opostos no que diz recerem a importância do princípio do frer questionamentos, inegavelmente,
respeito ao desenvolvimento da teoria excedente na tradição da economia esse ensaio marcou o debate na socie-
econômica (como Marshall e Marx, política clássica”. dade sobre o controle populacional”.
por exemplo), apontam Ricardo como Para o professor Achyles, Malthus, em
seu predecessor, ainda que de formas Achyles Barcelos comenta também outra obra, Princípios de Economia Po-
diversas. A lei dos rendimentos de- a importância de Thomas Robert Mal- lítica, “preconizava gastos, que pode-
crescentes na agricultura, a teoria do thus que foi contemporâneo de Ricar- riam ser considerados supérfluos, para
valor-trabalho e as hipóteses sobre os do e manteve com ele troca de ideias. complementar a chamada ‘demanda
ganhos mútuos do comércio interna- “Malthus é conhecido principalmente efetiva’, o que viria a influenciar um
cional são exemplos de ideias formula- por sua polêmica obra intitulada um economista famoso no século 20: John
das por Ricardo que seguem exercen- Ensaio sobre a População, publicada Maynard Keynes”.
do influência sobre diferentes escolas em 1798. Nesse escrito, o autor chama
de pensamento”. As obras completas a atenção para o destino pobre e cruel Já na visão do professor Fernando
de Ricardo, organizadas por Sraffa e a que estaria destinada a sociedade Lara, “o estudos de Malthus acerca
 Alfred Marshall (1842-1924) considerado um devido à ação de duas leis. Uma delas da relação entre a dinâmica de cres-
dos economistas mais influentes de sua época. seria a tendência que ele considerava cimento da população e as possibili-
Sua principal obra, Principles of Political Eco- inerente ao ser humano – particular- dades limitadas de produção de ali-
nomy, de 1890, trouxe as teorias da fonte e da
demanda, da utilidade marginal e dos custos mente das camadas mais pobres da mentos levaram este pensador a uma
de produção. O Instituto Humanitas Unisinos, sociedade – de se reproduzir incontro- visão um tanto pessimista a respeito
através do evento I Ciclo de Estudos Repen- lavelmente, fazendo com que a popu- do futuro da sociedade humana, bem
sando os Clássicos da Economia, promoveu
a palestra A era industrial e a contribuição lação crescesse a taxas geométricas. A como a recomendações um tanto
de Marshall, em 05-10-2005, na Livraria Cul- outra lei atuaria sobre a produção de polêmicas sobre o controle do cres-
tura, em Porto Alegre, ministrada pela Profª. alimentos, que estaria sujeita a ren- cimento populacional”. No contexto
Drª. Maria Aparecida Grandene de Souza, da
UFRGS, e no dia 20-10-2005, na Unisinos, pela dimentos decrescentes, aumentando da teoria econômica, entretanto, o
Profª. Drª. Ana Lucia Gonçalves da Silva – UNI- apenas aritmeticamente. Esses dois ‘princípio da população’ de Malthus,
CAMP/SP. (Nota da IHU On-Line) ritmos diferentes teriam como resul- continua Lara, “torna-se fundamen-
 Karl Heinrich Marx (1818-1883): filósofo,
cientista social, economista, historiador e re- Production of Commodities by means of Com- tal ao ser adotado por David Ricar-
volucionário alemão, um dos pensadores que modities, Prelude to a critique of Economic do em sua argumentação acerca da
exerceram maior influência sobre o pensamen- Theory (1960). Também
����������������������������
escreveu sobre infla- gravitação dos salários reais dos tra-
to social e sobre os destinos da humanidade no ção, moeda e bancos. Sobre Sraffa o IHU pro-
século XX. Marx foi estudado no Ciclo de Estu- moveu, em 10-05-2006, o evento Quarta com balhadores em torno de um nível de
dos Repensando os Clássicos da Economia. A Cultura Unisinos – Repensando os Clássicos ‘subsistência’”. E o professor conclui:
edição número 41 dos Cadernos IHU ideias, de da Economia, na Livraria Cultura, em Porto “Malthus é também considerado por
autoria de Leda Maria Paulani tem como título Alegre. A palestra esteve a cargo da Profª. Drª.
A (anti)filosofia de Karl Marx, disponível em Maria Heloisa Lenz, da FEE. A mesma atividade muitos como precursor do princípio
http://migre.me/s7lq. Também sobre o autor, foi trazida ao II Ciclo de Estudos Repensando da demanda efetiva, desenvolvido e
confira a edição número 278 da IHU On-Line, os Clássicos da Economia, na Unisinos, em 17- amplamente difundido posteriormen-
de 20-10-2008, intitulada A financeirização do 05-2006. (Nota da IHU On-Line)
mundo e sua crise. Uma leitura a partir de  Thomas Robert Malthus (1766-1834): eco- te por Keynes, devido aos seus ques-
Marx, disponível para download em http://mi- nomista britânico. Conhecido por seus estudos tionamentos a respeito da validade
gre.me/s7lF. (Nota da IHU On-Line) sobre a população, afirma que o excesso po- da ‘lei dos mercados de Say’”.
 Piero Sraffa (1898-1983): economista ita- pulacional era a causa de todos os males da
liano, marxista, amigo de Antonio Gramsci, sociedade (população cresce em progressão
foi levado por Keynes a Cambridge nos anos geométrica e alimentos em progressão arit- Para obter mais informações sobre
1920. Sua crítica da teoria de Marshall influi mética). Essas ideias estão contidas nas obras o Ciclo de Estudos Repensando os Clás-
em muitos economistas, entre eles a econo- Primeiro ensaio e Segundo ensaio. Suas obras
mista inglesa Joan Robinson. Piero Sraffa é exerceram influência em vários campos do sicos da Economia, acesse http://bit.
considerado um dos gigantes da economia do pensamento e forneceram a chave para as teo- ly/cJSR6a
Suas principais obras são The Works
século XX. �������������������������� rias evolucionistas de Darwin e Wallace. (Nota
and Correspondence of David Ricardo (1951) e da IHU On-Line)

Participe dos eventos do IHU


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42 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


Pochman debate panorama
social e econômico do Brasil As sociedades indígenas e
Por Márcia Junges

Para tratar do panorama social e econômico do Brasil, a


a economia do dom: o caso
Unisinos recebe, no dia 26 de abril, o economista e presi-
dente do Instituto de pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, dos guarani
Márcio Pochmann. A palestra “Perspectivas sociais e econô-
micas para o Brasil 2010-2015 – impasses e possibilidades” Por Márcia Junges
acontece no dia 26 de abril, no Anfiteatro Pe. Werner, das
20h às 22h. “Nem sempre dispomos das informações suficien-
A conferência do presidente do IPEA integra um ciclo tes para melhor ajuizar elementos importantes da
de palestras promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos cultura das sociedades autóctones da América, que
– IHU, que, neste ano eleitoral, discutirá as perspecti- foram conquistadas-colonizadas pelos europeus des-
vas sociais, econômicas e ambientais do Brasil na década de finais do século XV”. A afirmação é da historiado-
2010-2020. ra Maria Cristina Bohn Martins. Ela é a conferencista
Em recente entrevista à IHU On-Line, Pochmann tratou desta quinta-feira, 22-04-2010, no IHU Ideias, pré-
da reestruturação do capitalismo brasileiro e taxou o Es- evento do XII Simpósio Internacional IHU – A Expe-
tado como ativo e criativo. Sobre um estudo do IPEA, que riência Missioneira: território, cultura e identida-
aponta para a diminuição do número de pessoas de baixa de, que acontece de 25 a 28-10-2010, na Unisinos.
renda, até 2016, Pochmann se mostra esperançoso. “A par- O tema em discussão é As sociedades indígenas e
tir desse modelo econômico, é possível chegarmos ao início a economia do dom: o caso dos guarani. O debate
da segunda década, eliminando a pobreza extrema. Porém, conduzido por Maria Cristina antecipa ideias que se-
isso não significa que estaremos vivendo num país sem de- rão aprofundadas em outubro, quando a comunidade
sigualdade”, explica. acadêmica terá a oportunidade de conhecer mais as-
Buscando conscientizar a sociedade sobre as distorções pectos sobre a experiência missioneira jesuítica nos
da realidade econômica existente, a atividade é baseada 400 anos da fundação das primeiras reduções da Pro-
na campanha da fraternidade 2010, que aborda o tema víncia da Companhia de Jesus do Paraguai.
“Economia e Vida”. O evento é gratuito e aberto a toda a Em entrevista à edição 324 da Revista IHU On-
comunidade acadêmica. Line, Maria Cristina assinalou que algumas socieda-
Confira abaixo as entrevistas que Márcio Pochmann con- des, “especialmente as mesoamericanas, desenvol-
cedeu ao IHU. veram complexas redes comerciais, existindo, em
suas cidades, grandes e movimentados mercados.”
* Haverá desemprego mesmo se a economia crescer Outras sociedades, continua a historiadora, “de-
4% ao ano. Entrevista especial com Marcio Pochmann, dis- senvolveram formas econômicas impensáveis para a
ponível em http://migre.me/xQYP lógica européia, em que bens e serviços circulavam
* Trabalho imaterial e redução da jornada de traba- através de mecanismos que não o mercado, criando o
lho. Entrevista especial com Marcio Pochmann, disponível que Temple e Melià qualificam como um quid-pro-quo
em http://migre.me/xQZg histórico. Isto é, uma incompreensão relativamente
* O efeito dominó da crise financeira internacional. a uma economia em que a produção e a circulação
Entrevista especial com Marcio Pochmann, disponível em envolviam estratégias peculiares de prestação e con-
http://migre.me/xQZT traprestação de obrigações, de bens com valores de
* Brasil, o país das oportunidades perdidas. Uma uso ou simbólicos”.
entrevista especial com Marcio Pochmann, disponível em Em 26-10-2010 a historiadora realiza outra ex-
http://migre.me/xR0j posição de suas pesquisas históricas ao falar sobre
* Brasil: uma sociedade polarizada entre muitos ricos “Misiones” e “Pueblos de Índios”: o império nas
e muitos pobres. Entrevista de Marcio Pochmann, disponí- fronteiras. A programação completa do XII Simpósio
vel em http://migre.me/xR0O Internacional IHU – a Experiência Missioneira: ter-
* “O IPEA é, e continuará sendo, plural e autônomo”. ritório, cultura e identidade pode ser conferida em
Entrevista com Marcio Pochmann, disponível em http:// http://migre.me/xRx6.
migre.me/xR17

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 43


Sala de Leitura

cultura e identidade - Informações em


A Experiência Missioneira: território,
XII Simpósio Internacional IHU –
>> NASSIF, Luís. O jornalismo dos anos 90. (São Paulo:
Futura, 2003).

“Estou lendo O jornalismo dos anos 90, de Luís Nassif.


Publicado em 2003, o livro aborda as mudanças
recentes da imprensa brasileira. Condena o jornalismo

www.ihu.unisinos.br
niilista, que considera esgotado, e analisa, de modo
crítico, momentos e episódios marcantes da imprensa. Entre
outros, aborda temas como o marketing da notícia, o uso de
inquéritos, grampos e dossiês, o esquentamento das manchetes.
Sugere procedimentos e práticas para a cobertura jornalística em
tempos complexos, e afirma que a imprensa brasileira precisa se
redescobrir”.

Pedro Osório, professor na Unidade de Ciências da


Comunicação da Unisinos

>> ANDERSON, Benedict. Comunidades


imaginadas. Reflexões sobre a origem e a difusão
do nacionalismo. (São Paulo: Cia das Letras,
2008)

“Há menos de dois anos, a Cia das Letras


reeditou uma obra que é fundamental para
a historiografia contemporânea. Trata-se
de Comunidades imaginadas. Reflexões sobre a origem e a
difusão do nacionalismo, do professor emérito da Universidade
de Cornell, Benedict Anderson. O autor é um especialista
na política e na história da Indonésia e Sudeste Asiático e,
neste texto, busca ‘deseuropeizar’ a reflexão teórica sobre
o nacionalismo. Um capítulo, especificamente, (Criollos
americanos) reflete sobre a originalidade dos movimentos de
independência nas Américas. A obra, publicada em numerosas
línguas, é considerada uma das mais influentes produções no
contexto da história e das ciências sociais sobre este tema
sempre atual”.

Maria Cristina Bohn Martins, professora na Unidade de


Ciências Humanas da Unisinos

44 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325


IHU Repórter

Rogério Lessa Horta


Por Márcia Junges e Patrícia Fachin | Fotos Arquivo Pessoal

N
ascido numa família com avô, pai e irmão médicos, Rogério seguiu esses
passos e fez da Medicina a sua opção profissional. Atuações em clínica,
carreira acadêmica e um vínculo forte com a saúde coletiva fazem desse
pelotense de coração um médico que vive intensamente o compromisso
de cuidar da saúde das pessoas. Conheça um pouco mais a respeito da
trajetória do professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Unisi-
nos, na entrevista que segue, concedida, pessoalmente, à IHU On-Line.

Origens - Nasci em Belo Horizon- na, mora em Curitiba e estuda Medi- de atendimento a postos de saúde, as
te. Em 1966, meu pai, que era médico cina na Universidade Positivo. Será a atuais Unidades Básicas de Saúde. Era
anestesista recém-formado, foi con- quarta geração de médicos da família. uma formação que incluía o que eu
vidado para lecionar na Universidade Helena, a mais nova, tem 16 anos. havia feito antes, na medicina social,
Católica de Pelotas - UCPel, que havia Atualmente seu grande projeto é o in- hoje chamada de saúde coletiva.
criado o curso de Medicina. Um cole- tercâmbio que irá fazer na Califórnia,
ga dele, que já estava em Pelotas, o por três semanas, para estudar inglês. Influências - O acesso à informação
havia indicado para professor de far- No ano que vem, ela inicia a prepara- e à educação foi fundamental na mi-
macologia. Antes, meu pai trabalha- ção para o vestibular. nha carreira e escolha de vida. Devo
va com pesquisa em fisiologia huma- isso aos meus familiares. Meu avô, fa-
na na Universidade Federal de Minas Amigos de infância - Até hoje lecido um pouco antes de eu nascer,
Gerais - UFMG. Eu tinha apenas 1 ano mantenho contato com um grupo de 5 é uma figura importante para mim.
quando nos mudamos para Pelotas. amigos de infância. Somos muito pró- Soube de várias histórias e episódios a
Por isso, sou praticamente pelotense. ximos, embora dispersos: um vive em seu respeito, que me marcaram mui-
Minhas memórias de infância se passa- Taquara, outro, em São Paulo, outros to. Meu pai, igualmente, tinha um
ram nessa cidade. De Belo Horizonte, dois, em Pelotas, e eu, em Porto Ale- papel importante em Pelotas, sobre-
guardo as histórias de família e víncu- gre e São Leopoldo. Desse grupo, três tudo pela época e porque se tratava
los com amigos e parentes. Meus me- optaram pela Medicina. A essa turma de uma cidade do interior do Estado.
lhores amigos estão em Pelotas. Meu se juntou um sexto amigo, pessoa ex- Ele era muito valorizado e certamente
primeiro clube de futebol foi o Brasil tremamente importante até hoje. Ele isso pesou na minha escolha por fa-
de Pelotas. Sou xavante até hoje. também é médico. zer Medicina. Além disso, havia duas
universidades em Pelotas, e todo um
Família - Tenho um irmão mais ve- Estudos e Trabalho – Fiz o segundo movimento em torno do curso. Ine-
lho, o Bernardo, que é médico epide- grau em curso Técnico em Química. gavelmente, há o prestígio dessa car-
miologista, professor na Universidade Na UFPel, cursei Medicina. Meu per- reira, outro atrativo. A diversidade de
Federal de Pelotas - UFPel. Tenho mais curso na graduação misturou clínica oportunidades também faz diferença,
três irmãs: Cristina e Lúcia, psicólo- médica, saúde coletiva e um pouco pois dá a chance de se trabalhar em
gas, e Raquel, advogada. de epidemiologia. Lá, conheci o Pro- várias atividades diferentes. Isso dá
fessor Juvenal, meu colega hoje aqui liberdade de trânsito entre o público,
Casamento – Sou casado pela se- no mestrado. Fiz residência em Psi- o privado, o acadêmico, a pesquisa.
gunda vez. Tenho duas filhas, uma de quiatria. Naquela época, a residência Esse conjunto de fatores construiu a
cada matrimônio. A mais velha, Bru- incluía uma carga horária importante minha escolha.

SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325 45


Médico do Exército - Em 1993, vim ca que tenho até hoje, a Prontamente em saúde coletiva, falamos na com-
para Porto Alegre para fazer a forma- Clínica de Psiquiatria e Psicoterapia, binação de uma série de recursos, ní-
ção no CEAPIA, em Terapia de Família. em Porto Alegre. Hoje, não fazemos veis de atenção, ações, possibilidades.
Vim para trabalhar como psiquiatra mais atendimento domiciliar. Tenho Não estamos falando, necessariamen-
no hospital do Exército, onde havia o meu consultório e lá também atendem te, de Sistema Único de Saúde (SUS),
desafio de reduzir custos para a insti- terapeutas de diferentes orientações mas de todo o conjunto de entidades
tuição. Ali atuei por quatro anos. Foi teóricas. Há seis consultórios que fun- e instituições envolvidas na promoção
uma experiência bastante rica. No cionam integrados. de cuidados em saúde. Acredito que
Exército, eu tinha condições de reali- a saúde coletiva dá a perspectiva da
zar a profissão com uma qualidade ra- Relação com os pacientes – Um complexidade, da integração, da arti-
zoável e regime de trabalho flexível. terapeuta cria certos cacoetes, habi- culação entre os recursos. Minha expe-
Havia oportunidade de estudar e fazer lidades. Para uma terapia funcionar é riência pessoal em saúde coletiva, no
outros projetos. Só saí de lá quando fundamental que a pessoa que precisa estudo de questões sociais, traz a con-
iniciei meu mestrado em psicologia so- de ajuda tenha alguém disponível para vicção de que as psicoterapias devem
cial, na Pontifícia Universidade Católi- ajudar. Nessa hora, eu devo deixar de ser postas em diálogo, integradas, que
ca do Rio Grande do Sul - PUCRS. lado os meus problemas e me colocar devemos procurar nas ferramentas e
No Exército, reorganizamos a uni- à disposição do paciente. Essa dife- nas técnicas que cada uma oferece no
dade psiquiátrica do hospital geral, rença estabelece que os problemas campo da psicologia o melhor para a
estimulando a permanência dos fa- tratados naquela situação e contexto situação em que a pessoa, o casal ou
miliares dos pacientes, evitando en- são da pessoa, e não meus. Naquela a família vivem, e não ficar restrito a
viá-los para outras instituições. Os hora, estou tentando usar os melhores uma regra ou orientação. Acredito que
familiares podiam ficar no hospital, recursos e técnicas para a pessoa lidar a saúde coletiva representa essa ex-
acompanhando o paciente. Reduzi- da forma mais positiva possível com os periência que tenho vivido de trânsito
mos o encaminhamento para clíni- problemas que ela traz. Aos poucos, em diversas áreas e articulação entre
cas conveniadas e o próprio custo do essa relação se organiza na cabeça saberes. É impossível que um hospital,
tratamento dentro do hospital, pois do médico. Quem tem problema, no sozinho, dê conta de todos os proce-
se usava menos medicação, além de atendimento, é o paciente. Não adian- dimentos e cuidados que a população
haver menos problemas de agressões, ta eu assumir esses problemas para necessita em uma cidade. Por outro
agitações psicomotoras, eventos que mim. Por outro lado, também não é lado, se só houver postos de saúde,
são relativamente comuns em hospi- verdade que o terapeuta não tem os eles não darão conta da complexidade
talizações psiquiátricas. Isso, na épo- seus próprios problemas. É claro que de um transplante de rim, da necessi-
ca, era relativamente inovador. Havia ele tem. O que ele faz é aprender a dade de uma intervenção coronariana
todo um processo de disputa e des- deixar de lado os seus problemas para aguda, ou outras intervenções.
construção das instituições manico- se concentrar nos do outro, naquele
miais. Era comum os pacientes psiqui- intervalo de tempo. Somos treinados Religião – Não sigo nenhuma reli-
átricos serem proibidos de receberem para isso. Certa vez, o Moacyr Scliar, gião. Sou de formação católica, de
visitas de seus parentes. Atualmente, ao passar por uma situação de saúde família muito religiosa, mas suspeito
a ideia da internação psiquiátrica em que o levou à UTI de um hospital, se que a origem de uma parte da famí-
hospital geral com o familiar acompa- deu conta da importância do médico lia é judaica, pois temos sobrenomes
nhando é algo mais comum, mais nor- ser paciente. Isso muda a perspectiva como Horta, Jardim, Lima. Isso re-
malizado. Há 20 anos, isso era uma do profissional. Por isso, acho que todo monta a um período na Península Ibé-
total novidade. Pessoalmente, foi o terapeuta tem que ter sido paciente rica, quando se converter era obriga-
uma oportunidade ímpar. A reforma em algum momento. Em psicoterapia, tório, e o jeito era manter um nome
psiquiátrica decolou no Brasil, sobre- não é só a técnica que funciona, mas o através do qual os judeus pudessem se
tudo no Rio Grande do Sul, a partir vínculo, a disponibilidade. Se não te- reconhecer. Digo sempre que sou tão
dos anos 1990. Saí da residência no nho essa experiência como paciente, católico quanto machista – só de for-
auge das discussões da reforma psi- fica mais difícil. mação. Mas isso não é uma convicção
quiátrica e da ideia de descentralizar profissional. Convivo bem com o fato
a atenção. Saúde coletiva – Quando se fala de não saber responder a várias dúvi-
das existenciais. Não as respondo. Ao
 Moacyr Jaime Scliar (1937): escritor brasi-
Clínica - Também nessa época, em leiro. Formado em medicina, trabalha como final da adolescência, desvinculei-me
parceria com colegas, iniciei um pro- médico especialista em saúde pública e pro- da Igreja, tive as minhas frustrações
jeto de atendimento domiciliar para fessor universitário. Confira as entrevistas que com a instituição e com as pessoas que
concedeu à IHU On-Line: “Ruim com SUS,
pessoas em crise. Experimentamos es- pior, mas muito pior, sem ele”, à edição 260, nela estavam. Penso que o divórcio
tratégias para atender pessoas em cri- de 02-06-2008, disponível em http://migre. ocorrido em meu primeiro casamento
se em casa, com a família, evitando a me/xQNt e O nazismo como legitimação da contribuiu um pouco para essa desvin-
irracionalidade, à edição 265, de 21-06-2008,
hospitalização. Foi uma oportunidade disponível em http://migre.me/xQP9. (Nota culação. Casei-me estudante e me se-
que acabou levando à criação da clíni- da IHU On-Line) parei no ano da formatura.
46 SÃO LEOPOLDO, 19 DE ABRIL DE 2010 | EDIÇÃO 325
>> Professor Rogério com a família

Política – Militei no PT durante o e tenho uma bela companheira, Jeferson, coordenador da Psicologia,
curso de Medicina. Fui presidente do a Fabiane. Estou me mudando, logo depois de ter concluído meu
Diretório Acadêmico e participava nos próximos meses, para um mestrado. Aí tive a oportunidade
do movimento estudantil. Fui apartamento que considero de conviver e trabalhar com o Fábio
o único presidente do Diretório bastante adequado e confortável. Moraes, também coordenador do
acadêmico da Medicina de Pelotas Estou realizado profissionalmente. curso na Unisinos. Fui chamado
formado, pois passei o cargo logo De imediato, gostaria de ver minhas por ele para ocupar a vaga de
após a formatura. Hoje, não tenho filhas formadas, com autonomia professor no curso de Psicologia.
mais vinculação partidária. Não e aptas a serem profissionais Permaneci na universidade e assumi
milito desde a época de estudante. realizadas. Também gostaria de outras disciplinas. Hoje, leciono
Não permaneci porque percebi viajar mais. O doutorado em duas disciplinas na graduação em
dificuldades na instituição, inclusive Saúde Coletiva da Unisinos é Psicologia, mas meu vínculo é todo
de coerência interna. Antes da outra prioridade que tenho. Como no PPG de Saúde Coletiva.
minha vinda para Porto Alegre, já entrei ano passado no Programa
não tinha vínculo orgânico com o de Pós-Graduação, ainda estou me Câmpus verde – Entrei na Unisinos
partido, mas continuei votando no firmando, e esse é um objetivo a no auge das transformações da
PT a vida toda. Votei no Lula. Acho curto prazo. estrutura administrativa, quando
que o governo dele tem uma série de se desconstituíram os centros
méritos, uma enormidade de coisas Lazer – Gosto muito de ir para de ensino. Foi um momento
a serem contadas como vantagem. parques, praças, caminhar. Durante de instabilidade e queixas. No
Do ponto de vista ideológico político, um tempo, pratiquei a corrida, início, eu também tinha meus
tenho lá as minhas decepções, mas então surgiu um problema de temores, mas, aos poucos, tenho
críticas e frustrações. A partir disso, coluna. Há quase um ano, estou me dado conta de que a Unisinos
abandonei, inclusive, a convicção afastado desse esporte. Também tem procurado se atualizar e ser
no voto. Mesmo votando, a época gosto de nadar, adoro piscina e flexível nas respostas ao meio, às
eleitoral me angustia. Pergunto- praia. Duas vezes por ano, consigo estruturas maiores do que ela.
me o que irei fazer com meu voto. algum tempo para ir à praia. Tenho oportunidade de participar,
Penso que o ideal seria termos uma Cinema, televisão, seriados e a alguns anos, da política de drogas
sociedade organizada de modo algumas novelas são outro interesse da Unisinos, que integra setores
mais harmônico e justo. Acho um que tenho. Adoro as telas! da administração e reitoria. A
desrespeito as pessoas só se darem instituição tem efetivamente
conta de algumas condições de IHU – É uma estrutura e iniciativa uma capacidade de adaptação
moradia quando um morro vem ímpar. É fundamental que a e mudança impressionantes.
abaixo, como em Niterói. É aí que Unisinos tenha o IHU, uma fonte de Fisicamente, nosso câmpus é um
se dão conta que há gente vivendo discussões importantes em nossa primor, pois permite a circulação
no lixão. Sou um pouco descrente da sociedade, como a bioética, o das pessoas entre as áreas
possibilidade de soluções emergirem biopoder etc. Sou um dos membros construídas, em contato com o
de partidos políticos. Precisaremos da comissão técnico-científica do verde, a natureza. É um local
pensar em modelos novos, soluções XI Simpósio Internacional IHU: o muito arborizado e agradável.
alternativas. (des)governo biopolítico da vida Além disso, temos estrutura para
humana, que acontece de 13 a 16 trabalhar. Ganhei uma área de
Sonho – Considero-me uma pessoa de setembro, na Unisinos. pesquisa e reflexão para minhas
satisfeita e feliz. Minhas filhas são tarefas, o que é um instrumento
lindas. Meu casamento me satisfaz Unisinos – Vim conversar com o fundamental para um pesquisador.
Destaques
O caso dos guarani no pré-lançamento do Simpósio
sobre a Experiência Missioneira
A historiadora da Unisinos, Maria Cristina Bohn Martins, analisará a econo-
mia indígena das missões no pré-evento do XII Simpósio Internacional IHU
– A Experiência Missioneira: território, cultura e identidade. O evento
acontece nesta quinta-feira, dia 22-04-2010, no IHU ideias. O XII Simpósio Internacional IHU
será realizado de 25 a 28-10-2010, na Unisinos. O debate conduzido por Maria Cristina será
sobre “As sociedades indígenas e a economia do dom: o caso dos guarani”. Leia uma entre-
vista com a professora na edição 324 da IHU On-Line, disponível em http://bit.ly/9IhXXJ. A
programação completa do XII Simpósio Internacional IHU – a Experiência Missioneira: ter-
ritório, cultura e identidade pode ser conferida em http://migre.me/xRx6.Unisinos.

Pochmann debate panorama social e


econômico do Brasil
“Perspectivas sociais e econômicas para o Brasil 2010-2015 – impasses e
possibilidades” é o tema do economista Marcio Pochmann, presidente do
Instituto de pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, em sua palestra no Anfi-
teatro Pe. Werner da Unisinos, das 20h às 22h, em 26 de abril. O debate
é parte de um ciclo de palestras promovido pelo Instituto Humanitas Unisi-
nos – IHU, que, neste ano eleitoral, discutirá as perspectivas sociais, econômicas e ambientais do Brasil na
década 2010-2020. Leia a mais recente entrevista que Pochmann concedeu à IHU On-Line em http://bit.
ly/bEzVX5. A atividade é baseada na campanha da fraternidade 2010, que aborda o tema “Economia e
Vida”. O evento é gratuito e aberto a toda a comunidade acadêmica.

Filosofias da diferença
O Ciclo de Estudos Filosofias da diferença é um pré-evento do XI Simpósio
Internacional IHU: O (des)governo biopolítico da vida humana. O ciclo acon-
tece de 04 de maio a 23 de junho de 2010, e tem como objetivo possibilitar a
compreensão e a reflexão do tema central do XI Simpósio Internacional IHU O
(des)governo biopolítico da vida humana, visando debater e refletir sobre a
vida humana como objeto do poder e recurso útil nas estratégias biopolíticas das
sociedades contemporâneas. A palestra do dia 04 de maio será sobre Freud e o
inconsciente, com o Prof. Dr. Mário Fleig, da Unisinos. Mais informações podem
ser obtidas em http://bit.ly/atZWZS

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