Você está na página 1de 14
CAPITULO 2 NUMEROS NATURAIS 2.1 Introdugao Enquanto os conjuntos constituem win meio auxiliar, os nimeros sio um dos dois ob 6 DIS Objeton incipais de que se ocupa & Matematica. (O outro é 0 espago, junto com as figuras m Zeometricg, nele contidas.) Nameros sao entes abstratos, desenvolvidos pelo homem como modelos que permitem cont, «emedir, portanto avaliar as diferentes quantidades de uma grandeze 2 Os compéndios tradicionais dizem o seguinte tado da comparagao entre uma grandeza e a unidade A grandeza ¢ Namero é 0 resul paragio chama-se uma cont grandeza é continua atuais de rigor matemiatico, 0 trecho acima nao pode ser considerado cor a comparagao chama-se uma medigao e o resultado 6 um néimero real Nos padroes tuna definigio matemética, pois faz, uso de ideias (como grandeza, unidade, discreta, continua) processos (como comparacio) dé significado nao estabelecido. Entretanto, todas as palavras qu nte claro na linguagem do dia-a-dia. Por isso, ¢ nela aparecem possuem um sentido bast ‘a demonstrar teoremé as a partir dela, a definicao tradicional tem o grande mér nao sirva pat de nos revelar para que servem ¢ por qual motivo foram inventados os nimeros. Isto € mui vrais do que se pode dizer sobre a definico que encontramos no nosso dicionério mais conhee e festejado, conforme reproduzimos a seguir NUMERO Do lat. numer. S.m. 1. Mat. O conjunto de todos os conjuntos equivalentes a um conjunto dado. Discutiremos este ponto logo mais, quando tratarmos de mimeros cardinais. No momento parece oportuno fazer uma pequena pausa para uma observacao 2.2 Comentario: Definigdes, Axiomas, etc. Uma definicdéo matematica 6 uma convengdo que consiste usar um nome, ou uma sentenca breve, para designar um objeto ou uma propriedade, cuja descricéo normalmente exigiria o emprego de uma sentenca mais longa. Vejamos algumas definigdes, como exemplo Angulo é a figura formada por duas semi-retas que tem a mesma origem. ‘¢ Primos entre si sao dois ou mais nimeros naturais cujo tinico divisor comum é a unidade. @séA 20 ee ee eee re Mas nem sempre foi assim. Euclides, por exemplo, comega os “Elementos” com uma série de definicdes, das quais s elecionamos as seguintes: © Linha 6 wn comprimento sem largura. © Superficie & 0 que possui comprimento e largura somente. * Quando uma reta corta outra formando Angulos adjacentes iguais, cada um desses angulos chama-se reto e as retas se dizem perpendiculares. As definigdes de angulo e de ntimeros primos entre si, dadas acima, bem como as definigoes de Angulo reto e retas perpendiculares dadas por Euclides, sao corretas. Blas atendem aos padroes atuais de preciso e objetividade. Por outro lado, nas definigoes de linha e superficie, Euclides visa apenas oferecer ao seu leitor uma imagem intuitiva desses conceitos. Elas podem servir para ilustrar o pensamento geométrico mas nao so utilizéveis nos raciocinios matematicos porque sao formuladas em termos vagos e imprecisos. Na apresentagio de uma teoria matemética, toda definigéo faz uso de termos especificos, os quais foram definidos usando outros termos, e assim sucessivamente. Este proceso iterativo leva a trés possibilidades: a) Continua indefinidamente, cada definigéo dependendo de outras anteriores, sem nunca Mm, chegar ao b) Conduz a uma circularfdade, como nos dicionarios. (Onde se + perceber, perceber —+ entender e cntender > compreender.) 5, por exemplo: compreender c) Termina numa palavra, ou num conjunto de palavras (de preferéncia dotadas de conota- es intuitivas simples) que nio so definidas, isto é, que sao tomadas como representativas de conceitos primitivos. Exemplos: ponto, reta, conjunto. Evidentemente, as alternativas a) eb) acima citadas nao convém a Matematica. A alternativa c) éaadotada, Se prestarmos atengao, veremos que fi assitn que aprendemos a falar. Numerosas palavras nos foram apresentadas sem definigio e permanecrm até hofe em nosso vocabulério como conceitos primitivos, que aprendemos a usar por imitagie e experijncia, Para poder empregar os conceitos primitivos adequadamente, ¢ necessério dispor de um con- junto de prinefpios ou regras que disciplinem sua utilizagio ¢ tstabelegam suas propriedades TTais prinespios so chamados aziomas ou postulados. Assim como os conceitos prtinitivos sio objetos que nio se definem, os axiomas sio proposicdes que nao se demonstvam, Umma ver feita a lista dos conceitos primitivos ¢ enunciados os axiomas de uma teoria mate- mitica, todas tradas. as demais nogdes devem ser definidas e as afirmagées seguintes devem ser demons- 21 AB ysigdes a serem demonstradas ch Nisto consiste o chamado método axiomitico. As proposigoes a serem demonstradas chamay se teoremas € suas consequéncias imediatas sio denominadas coroldrios. Uma proposic&o aurily usada na demonstragio de um teorema, ¢ chamada wm Lema Ser um axioma ou ser um teorema nao é uma caracteristica intrinseca de wma proposigg Dependendo da preferéneia de quem organiza a apresentagao da teoria, uma determinada prop, sigio pode ser adotada como axioma ou ento provada como teorema, a partir de outra proposig que a substituiu na lista dos axiomas, Na segio seguinte, veremos um resumo da teoria matemitica dos ntimeros naturais, onde conceitos primitivos sio “nimero natural” ¢ “sucessor” ¢ os axiomas sao os de Peano. Do ponto de vista do Ensino Médio, nio tem cabimento expor a Matematica sob for axiomética. Mas 6 necessitio que o professor saiba que ela pode ser organizada sob a forma acima delineada. Uma linha de equilibrio a ser seguida na sala de aula deve basear-se seguintes preceitos: 1. Nunca dar explicagdes falsas sob o pretexto de que os alunos ainda nao tém maturidads para entender a verdade. (Isto seria como dizer a uma criang: que 0s bebés sao trazidos pela cegonha.) Exemplo: “infinito é um nimero muito grande”, Para outro exemplo, vide RPM 99 pags. 13-19. 2. Nao insistir em detalhes formais para justificar afirmagdes que, além de verdadeir intuitivamente dbvias ¢ aceitas por todos sem disc siio nem diividas. Exemplo: o segmento d reta que une um ponto interior a um ponto exterior de uma circunferéneia tem exatamente um ponto em comum com essa circunferéncia. Em contraposigdo, fatos importantes cuja veracidade nao 6 evidente, como o Teorema de Pitégoras ou a Formula de Euler para poliedros convexos, devem ser demonstrac los (até mesmo de varias formas diferentes) Excetuam-se, naturalmente, demonstrages longas, elaboradas ou que fagam uso de nogdes © resultados acima do alcance dos estudantes desse nivel ( Algebra, por exemplo). como o Teorema Fundamental da Provar o ébvio transmite a falsa impressio de que a Matematica ¢ inttil, Por outro lado, usit argumentos elegantes e convincentes para demonstrar resultados inesperados 6 uma maneita de exibir sua forca e sua beleza. As demonstracoe: contribuem para desenvolver o racioeinio, quando objetiv bem apresentadas, } 0 espirito eritico, a maturidade e ajudam a entender 0 encadeamento logico das proposigdes mateméticas, 3. Ter s mpre em mente que, embora a Matematica possa s um todo coerente, de elevado padrao intelec cultivada por si mesma, cot ctual, formado por conceitos ¢ proposigdes de natureza abstrata, sua presenga no currfeulo formagiio mental dos jovens. ma scolar no se deve apenas ao valor dos seus métodos para & A importancia social da Matematica provém de que ela fornece modelos para analisar situagoes da vida real. Assim, por exemplos, conjuntos sio 0 modelo para disciplinar o raciocinio logic uiimeros naturais sio © modelo para contagem e niimeros reais siio o modelo para medida; fungdes afins servem de modelo para situagées, como o movimento uniforme, em que os acréseimos da fungao sio proporcionais aos acréscimos da varidvel independente, E assim por diante. Todos os topicos deste livro sto abordados sob 0 seguinte lema: a Matematica fornece modelos abstratos para serem utilizados em situagdes concretas, do dia-a-dia ¢ das Ciéncias. Para poder cempregar estes modelos necessirio verific ‘ar, em cada caso, que as hipdteses que Ihe servem ¢ base sao satisfeitas. 2.3 O Conjunto dos Nameros Naturais Lentamente, & medida em que se civilizava, a humanidade apoderou- se desse modelo abs: trato de contagem (um, dois, trés, quatro, ...) que sio os nimeros naturais. Foi uma evolugio demorada. As tribos mais rudimentare Scontam apenas um, dois, muitos. A lingua inglesa ainda guarda um resquicio desse estéigio na palavra thrice que tanto pode significar “trés vezes” como: muito” ou “extremament« Algo parecido ocorre no idioma frarrés, onde as palavras tres (muito) ¢ trop (demasiado) sio claramente vocdbulos cognatos de troi: (trés), bem como em italiano, onde troppo (excessiva- mente) deriva tre (tres E exioso abservas que, ¢m alemio, o fendmeno se da com viel que significa “muito” enquanto wer quer dizer “quatro”. Coineidéncia, on os germanicos estavam um passo @ frente dos bretdes, ganileses ¢ remanos? As necessidades provocadas por um sistem 1 cada vex mais complexo € as longas refle x0es, possiveis gragas A dispanidilitade de tempo trazida pelo progresso econdmico, conduziram, através dos séculos, ao aperfeigoamento do extraordinario instrumento de avaliagio que 6 0 con junto dos nimeros naturais Decorridos muitos milénios, podemos hoje deserever concisa e precisamente o conjunto N dos niimeros naturais, valendo-nos da notavel sinttese feita pelo matematico italiano Giuseppe Peano no limiar do século 20. N 6 um conjunto, cujos elementos sio chamados nimeros naturais. A esséneia da caract riz Jo de N reside n_ palavra “stwessor”, Intuitivamente, quando n,n! € N, dizer que n! 0 sucessor de n significa que n! vem logo depois de n,’n80 havendo outros niimeros naturais entre nen’, Evidentemente, esta explicagio apenas substitui *sucessor” por “logo depois’, portanto hao 6 uma definicéio. O termo primitivo “sucessor” nio é definido explicitamente. Seu uso e suas propriedades sao regidos por algumas regras, abaixo enumeradas: a) Todo nimero natural tem um tinico sucessor; 28 Am b) Nameros naturais diferentes tem sucessores diferentes ¢) Existe um tinico nfimero natural, chamado um ¢ r patel Sen sucessor de nenhum outro: onjunto de mimeros naturais (isto 6 X CN). Se 1 € X e se, além diss d) Seja X um c rtence a X, entao X =} sucessor de todo elemento de X ainda s de Peano. Tudo o As afirmagdes a), b), ¢) € d) acima so conhecidas como os axtor ; ce sabe sobre os nimeros naturais pode ser demonstrado como consequéncia cesses axiomas {Um engenhoso processo, chamado sistema de numeragdo decimal, permite representar todos is com 0 auxilio dos simbolos 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9. Além disso, os os mimeros naturai primeiros nimeros naturais tém nomes: o sucessor do nfimero un chama se “dois, 0 sucesso d dois chama-se “trés”, etc. A partir de um certo ponto, esses nomes tornam-se muito complicados, sendo preferivel abrit mio deles e designar os grandes niimeros por sua representagao decim (Na realidade, os nimeros muito grandes nao possuem nomes. Por exemplo, como se chamaria o mimero 10'?), } dos ntimeros naturais ¢ uma sequeneia de ob- {1,2.3, jetos abstratos que, em principio, so vazios de possui apenas um lugar determinado nesta sequéncia. Nenhuma outra propriedade lhe Deve ficar claro que 0 conjunto N ignificado. Cada um desses objetos (um nimero natural) erve de definigao. Todo niimero tem um suces sor (tinico) e, com excegao de 1, tem também um tinico antecessor (ntimero do qual ¢ sucessor) Vistos desta maneira, podemos dizer que os nimeros naturais sio ntimeros ordinais: 1 €0 primeiro, 2 € 0 segundo, etc Um Pequeno Comentario Gramatical “o mimero dois” ou “o mimero trés”, as palavras “um! Quando dizemos “o nimero um “dois” e “trés” so substantivos, pois sio nomes de objetos. Isto contrasta com o uso destas ses como “um ano, dois meses ¢ trés dias”, onde elas aparece para dar a ideia de “tres” 1 palavras em fra niimero cardinal, isto 6, como resultados de contagens. Nesta frase, “um”, “dois” . inglés € substantivos. Pertencem a uma categoria gramatical que, noutras Iinguas (como: frances alemio, por exemplo) ¢ chamada adjetivo numeral ¢ que os gramaticos brasileiros e portuguesss Este comentario visa salientar eu emprego hé um par de décadas, resolveram chamar de numeral apenas. adil a diferenga entre os niimeros naturais, olhados como elementos do conjunto N, ¢ 0 oguinte. Como niimeros cardinais. Este segundo aspecto sera abordado no capitulo § mA 24 nnaturais para efetuar contagens, 0 coperagies funda Adigo: n-+ 1 sucessor de mem + (p41) 6 tem sent falar em “p vez” ep parcelas’, Por is, ay ais devem ser definidas por indugio, como se segue (n+p) +1. Esta altima igualdade diz que ye turaisn, sabemos tatnbén so 10 sucessor (n+ p) + 1 de n+ p In para quaisquer n,p €N, ‘Multiplicago: 1-1 Io 0 altera, Ese saber sabemos somar p a todos os nirneros ni ar p+: a soma n-+(p+4) © coxioma da indugio garante que a soma n-¢p me np +1) = np-+n. Ou soja: multiplicar um ndimero n por 1 os multiplicar todos os ndmeros naturais m por p, sabemos tatubém rmultiplicilos por p-+ 1: basta tomar n(p +1) = np +n. Por indugio, sabemos multiplica todo n por qualquer p. Estas operacdes gozam das conhevidas propriedades de associatividade comutatividade e distributividade, como veremos tin Sogo 2.6, adit, Dados m,n € N, dizse quem ¢ menor do que n, e escrevese m P p+1+1, donde p+1 mp < np. aA 30 Lei do Corte para Desigualdades: Se m +p 2 e, em seguida, que n? < 2" para todo n > 5. 2.3. Prove, por indagdo, que (824) 3 e conchia dai que a sequéncia 1, V2, V3, ¥ € decrescente a partir do terceiro termo 2.4. Prove, por inducao, que 2.5. Critique a seguinte argumentago: Quer-se provar que todo nfimero natural 6 pequeno. Evidentemente, 1 ¢ um nfimero pequeno. Além disso, se n for pequeno, n + 1 também 0 serd, pois nao se torna grande um nimero pequeno simplesmente somando-lhe uma unidade. Logo, por indugao, todo mimero natural 6 pequeno. 2.6. Use a distributividade para calcular (m +n)(1+1) de duas maneiras diferentes e em seguida use a lei do corte para concluir que m+n =n+m. 2.7. Seja X C N um conjunto néo-vazio, com a seguinte propriedade: para qualquer n € N, se todos os mimeros naturais menores do que n pertencem a X entio n € X. Prove que X =N. (Sugesido: boa ordenacao.) ore P(n) uma propriedade relativa ao némero natural n. Suponha que P(1), P(2) sao s e que, para qualquer n € N, a verdade de P(n) e P(n + 1) implica a verdade le P(n +2), Prove que P(n) é verdadeira para todo n € N.

Você também pode gostar