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ARTIGO ARTICLE
Perception of health among the Guarany Mbyá ethnic group
and health care
Abstract The article results from a qualitative Resumo O artigo resulta de pesquisa qualitativa
research on the perception of health of the Guara- sobre a percepção de saúde da etnia Guarani Mbyá,
ny Mbyá ethnic group held in 3 villages in the realizada em três aldeias no Rio Grande do Sul e
South of Brazil. The cultural characteristics of the uma em Santa Catarina. As características cultu-
group were surveyed in the literature, observed in rais da etnia foram pesquisadas na literatura, ob-
fieldwork and confirmed in the 20 open interviews servadas no trabalho de campo e confirmadas nas
conducted with community members and health vinte entrevistas abertas realizadas com membros
professionals from the National Health Founda- das comunidades e profissionais de saúde da Fun-
tion (FUNASA), responsible for the basic assis- dação Nacional de Saúde (Funasa) que responde
tance to the villages. The results show that the pela assistência básica às aldeias. Os resultados
Mbyá consider the cultural shock with the sur- mostram que os Mbyá consideram o choque cul-
rounding society the main factor of illness, em- tural com a sociedade envolvente o principal fator
phasizing the importance of preserving and en- de adoecimento, enfatizando a importância de pre-
hancing their traditional way of living for main- servar e valorizar seu modo de vida tradicional
taining the health of individuals and communi- para a manutenção da saúde de indivíduos e cole-
ties. The data allow to associate their health rep- tividades. Os dados permitem associar suas repre-
resentations to the land and social justice prob- sentações sobre saúde aos problemas fundiários e
lems experienced by the groups. They point to the de justiça social vivenciados pelos grupos. Apon-
importance of improving the training of the tech- tam a importância de aprimorar a formação dos
nical health staff, specifically related to the under- quadros técnicos de saúde, especificamente no que
standing of the inter-ethnic differences between diz respeito à compreensão das diferenças interét-
the Mbyá and Western culture to ensure the effec- nicas entre a cultura Mbyá e ocidental para ga-
tiveness of treatments and programs. The analyses rantir a efetividade de tratamentos e programas. A
also highlights positive and negative aspects of the análise ressalta ainda aspectos positivos e negati-
operationalization of health care in the villages vos na operacionalização da assistência à saúde
and in the final considerations are given sugges- nas aldeias e, nas considerações finais, são apre-
1
Cátedra UNESCO de
Bioética, Faculdade de tions aiming its improvement. sentadas sugestões para seu aprimoramento.
Ciências da Saúde, Key words Health, Bioethics, Moral strangers, Palavras-chave Saúde, Bioética, Estranhos mo-
Universidade de Brasília.
Inter-ethnic contact, Guarany Mbyá ethnic group rais, Contato interétnico, etnia Guarani Mbyá
Caixa Postal 04451.
70904-970 Brasília DF.
bioetica@unb.br
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ser associada à vida boa ou felicidade, segundo a também quatro pessoas na Aldeia Araçaí, em San-
definição grega, ou à qualidade de vida, na classi- ta Catarina. Em todas as localidades, foram entre-
ficação atual. Nesse contexto, a saúde deriva da vistados o cacique, profissionais da Fundação Na-
manutenção do modo de vida tradicional, asso- cional de Saúde – Funasa (enfermeiros, técnicos e
ciada aos fatores objetivos, do ambiente natural auxiliares) e os agentes de saúde indígenas (AIS),
e social, e condicionada àqueles relacionados à membros da aldeia, capacitados para assistência.
dinâmica da comunidade, à obediência à nhande Também foram feitas mais três entrevistas com
rekó. Para esse povo, viver segundo “o nosso jei- enfermeira do Pólo Base da Funasa em Chapecó
to de ser Guarani”, ou seja, garantir este ethos, é a (SC), com antropóloga da Fundação Nacional do
razão de sua resistência à aculturação, o que im- Índio (Funai) em Brasília e com indigenista da
plicitamente se traduz em saúde. Funai/RS, totalizando vinte depoimentos.
A técnica foi a entrevista aberta, a partir de
roteiro semi-estruturado focado na representa-
Método ção de saúde da etnia Mbyá. Procurou-se levan-
tar como se dá a relação entre a Funasa e os Mbyá
De cunho qualitativo, o trabalho de campo contou e se consideram que há respeito a suas tradições
com dezessete entrevistas em três comunidades in- no que concerne ao tratamento.
dígenas do Rio Grande do Sul (RS) e uma em San- Foram feitas duas visitas a cada aldeia, inter-
ta Catarina (SC) em novembro de 2007 (Figura 1). mediadas pelo indigenista Witt, que acompanhou
No primeiro estado, foram visitadas a Aldeia Lomba a equipe no Rio Grande do Sul; a primeira para
do Pinheiro, na periferia da capital, onde foram apresentação e explicação da pesquisa e do ter-
feitas três entrevistas; a Aldeia de Inhakapetum, no mo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)
Município de São Miguel das Missões; e a Aldeia e a segunda para as entrevistas, tomadas coleti-
Pacheca, Município de Camaquã, nas quais foram vamente. Devido à vulnerabilidade dos entrevis-
feitas cinco entrevistas cada. Foram entrevistadas tados, neste artigo, as falas não foram identifica-
T. I. Guarany de Araçaí
T. I. Inhakapetum
Comunidade da Lomba do
Pinheiro (Área urbana no
município de Porto Alegre)
T. I. Pacheca
Figura 1. Localização das Terras Indígenas Inhakapetum, Pacheca e Lomba do Pinheiro (RS) e Araçaí (SC).
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Terra Indígena Guarani da Pacheca Próxima a São Miguel das Missões, a qui-
nhentos quilômetros de Porto Alegre, a aldeia
Localizada a 160 quilômetros de Porto Ale- conta com 204 indígenas, uma das maiores da
gre, em Camaquã, a aldeia situa-se em área afas- região Sul. Distante mais de trinta quilômetros
tada três quilômetros da vila mais próxima. Con- de São Miguel, possui mata ciliar, rio, açude e
ta com aproximadamente oitenta indígenas. Está vasta área para plantação.
cercada de matas nativas e pelo Rio Camaquã, o A alimentação é composta por frutas silves-
que favorece a preservação da cultura e da forma tres, peixe, milho, batata-doce, além de produ-
de ser Guarani. tos industrializados. A roça segue o modelo de
No roçado de subsistência, cultivam os ali- subsistência. Um dos problemas observados pelo
mentos que consideram básicos, inclusive o ava- técnico da Funasa é que a época da colheita coin-
ti sagrado. As casas, feitas por eles, localizam-se cide com o período de maior presença de turistas
em posições que resguardam as famílias. Não há na região, que leva os jovens a deixar o campo
luz por decisão comunitária, com o que alguns para vender artesanato na cidade.
não concordam. Também não há água tratada. Há na aldeia um posto de saúde afastado do
A água é retirada do rio, a trezentos metros da centro, respeitando a opy. Também há campo de
aldeia. A maioria domina a farmacologia natu- futebol e escola juruá. As casas se mesclam entre
ral e cultivam pohã ñana (ervas medicinais) e as as típicas dos Mbyá e as construídas pelo gover-
mulheres fazem seus partos. no do estado. Possuem poço artesiano, água tra-
Foi possível observar forte coesão da comu- tada e rio. Segundo a técnica da Funasa, o pro-
nidade. Os mais velhos continuam a ser os guar- grama de saneamento e tratamento da água eli-
diões da sabedoria e da tradição de cura. O AIS minou 80% do problema de verminose e de diar-
respeita a hierarquia tribal bem como a tradição réia, diminuindo a mortalidade infantil.
da opy, sempre consultada em primeiro lugar no As doenças mais comuns relatadas pelo AIS e
atendimento. Foi relatado bom entrosamento técnicos da Funasa são problemas respiratórios,
entre Funasa e Funai. dermatológicos e dores de cabeça. Atuam de for-
A crença na “Terra sem Mal” é vista pelo gru- ma a esclarecer questões de saúde relacionadas a
po como fundamental para manter o ethos Gua- doenças sexualmente transmissíveis e acompa-
rani e o constante aperfeiçoamento espiritual. O nhar o desenvolvimento infantil. Com pelo me-
conceito de saúde envolve a harmonia entre cor- nos três visitas por semana, em seis anos de tra-
po, alimento e relação social. A alegria favorece a balho, os técnicos da Funasa criaram vínculo
saúde e esta pode ser obtida pelo cultivo de uma consistente com a comunidade.
boa terra e a presença da mata, que permite a Em suas falas, afirmam que, quando os Mbyá
obediência à vontade de Nhanderu. Para esta co- são respeitados em suas tradições, inclusive em
munidade, a guata é forma de aperfeiçoar a espi- relação à opy e à língua, participam efetivamente
ritualidade, promover a saúde e garantir o bem- dos tratamentos: “com o mínimo domínio do vo-
estar coletivo. Para eles, a doença pode ser pro- cábulo Guarani [pelo técnico de saúde], eles se tor-
vocada pela poluição, trazida pelo ar e pela falta naram mais confiantes”. Exemplifica isso a coleta
de harmonia no grupo. de escarro para o controle da tuberculose, à qual
Embora na aldeia não exista posto da Funa- a comunidade aderiu sem resistência, e a diluição
sa, a comunidade é atendida pelo menos uma de medicamentos em chás, selecionados confor-
vez por semana por enfermeiros na casa da cul- me a tradição, para promover sua aceitação. O
tura do índio. O AIS confirmou que a Funasa convencimento torna-se efetivo pela explicação
promove cursos de formação em vacinação, repetida e pela busca gradativa do envolvimento
acompanhamento do desenvolvimento infantil coletivo para conquistar a confiança.
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Com relação ao tratamento, respeitam a con- genista foi procurado para auxiliar sete mulhe-
sulta à opy como primeira etapa para identificar se res a resolverem problemas de identificação: cer-
a doença é de índio ou não. Contudo, na fala da tidão de nascimento, carteira de identidade, etc.
auxiliar de enfermagem da Funasa, sente-se o con- Apesar da tensão constante, os Mbyá dizem que
flito cultural: “A gente respeita, mas às vezes, nos dói. estão satisfeitos por estarem ali, ainda que en-
Muitas vezes, fico dividida entre a cultura e o agir. frentando adversidades. A ocupação da área per-
Tenho que agir. Há casos que são difíceis. O paciente mite certa autonomia, identificada como liber-
está ruim e tem que ir antes para a casa de reza, opy. dade e apontada nas entrevistas como um valor
Só que, algumas vezes, o tempo é fundamental. En- maior.
tão, rezo para que o karaí possa identificar o mais Entretanto, a proximidade dos juruás dificulta
rápido se a doença é de índio ou de branco”. manter tradições. Os mais velhos relatam que
Há bom vínculo entre os técnicos da Funasa, ainda conseguem influenciar os jovens na pro-
Funai e os Mbyá. O AIS estava satisfeito por ser cura à opy, para identificar doenças e tratamen-
representante da comunidade e pelo seu vínculo tos; contudo, isto se torna cada vez mais difícil
com os técnicos da Funasa. Estes deixaram claro dada a influência da sociedade envolvente. Ainda
que o atendimento e o respeito à cultura sofrem assim, afirmam que a visão de saúde Mbyá per-
com a rotatividade e a terceirização dos técnicos, manece relacionada à prática da oração, obedi-
que dificultam implementar programas oficiais ência a Nhanderu e aos conselhos dos karaí.
de promoção à saúde. Umas das críticas mais Exemplos citados são casos de alcoolismo, laten-
graves é que o governo federal deslocou a assis- tes na comunidade, e outros transtornos de saú-
tência à saúde da Funai para a Funasa, sem con- de, tratados (e curados) pelos karaí.
siderar o quadro de pessoal. Também se referem Os entrevistados salientaram que há uma
à desvalorização profissional, particularmente na barreira cultural entre os médicos e a visão de
contratação de terceirizados. Outra dificuldade saúde e higiene dos Mbyá, principalmente no tra-
para a assistência é a falta de transporte, pois to das crianças e na sua forma de educá-las quanto
dependem de veículo do Programa Saúde da Fa- à higiene pessoal: “O médico quer saber mais que
mília (PSF). o índio. O médico vem e diz que as crianças Gua-
rani não podem ficar peladas, pois podem pegar
Aldeia Lomba do Pinheiro doença. Só que criança Guarani pode se acostu-
mar com a terra e o tempo e isto não significa não
Localizada na periferia de Porto Alegre, a al- gostar da criança e não cuidá-la”.
deia tem 65 pessoas. Sua localização vulnerabili- Além do estranhamento dos médicos quan-
za o modo de vida Mbyá em vários aspectos. A to aos valores e concepções da comunidade, foi
construção do posto de saúde não levou em con- apontada a inexistência de atendimento da Fu-
ta a cosmologia Guarani, o que desgostou a co- nasa. Quanto à assistência nos hospitais ou cen-
munidade. Além de ter sido construído de ma- tros de saúde, mencionaram que, apesar de não
neira inadequada, o posto não está funcionan- se sentirem discriminados por serem indígenas,
do, tornando preocupante também a situação enfrentavam as mesmas dificuldades da popula-
de saúde do grupo. ção, como exemplifica o problema odontológico
A área física do aldeamento, encravada na da comunidade. Em geral, as mulheres fazem os
periferia urbana e com todos os problemas de próprios partos.
saneamento e organização social costumeiramen- Apesar de conseguirem manter seus rituais,
te observados nesses locais, não propicia a vida sua cultura parece muito afetada pela localização
comunitária segundo a nhande rekó. Há uma geográfica da aldeia e a forma como se estabelece
pequena mata que atende de maneira limitada às o contato interétnico. Em uma das falas mais
necessidades. A organização espacial na aldeia marcantes nessa localidade, identificou-se a des-
também é precária devido ao pouco espaço para crença na “Terra sem Mal”, tida como concepção
plantação. Apesar da construção de casas pelo ideológica para evitar que a etnia reivindique ter-
governo, a maioria optou por construir a sua ras. Os jovens se sentem duplamente excluídos,
própria, alegando que a dos brancos não permi- como se estivessem num “limbo” entre as duas
tia práticas como o “fazer o foguinho”. culturas. Um deles, que cursou até a oitava série,
A tensão cotidiana dessa situação é minimi- disse que gostaria de continuar estudando e se
zada pela relação com agentes do Ministério Pú- formar em Direito, mas o programa que favore-
blico e da Funai, pontes para o contato com a cia seus estudos terminou e ele não sabia se con-
sociedade juruá. Durante as entrevistas, o indi- seguiria prosseguir. Frente à falta de perspectivas,
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tituição6. Segundo a observação e as entrevistas, ni, bem como respeitar suas crenças e rituais, são
a promoção à saúde por meio da garantia às condições essenciais para o sucesso na relação
condições objetivas para a manutenção do nhande terapêutica. Nota-se, entretanto, que as iniciati-
rekó tende não somente a aumentar a autono- vas da Funasa para capacitar seus técnicos para
mia e emancipação das comunidades, mas tam- o contato ainda não são suficientes, seja no co-
bém a diminuir a necessidade de assistência dos nhecimento das peculiaridades culturais, da lín-
juruá para recuperar a saúde. Como a promo- gua ou mesmo quanto ao respeito à diversidade
ção da saúde pode ser relacionada a essas práti- que precisa pautar as relações interétnicas. Como
cas autóctones, pode-se inferir a importância de consequência, as comunidades são vistas de for-
permitir e fomentar o modo de ser Guarani para ma assimétrica, pelo olhar da ideologia juruá,
garantir a saúde e a qualidade de vida das comu- que intensifica o estranhamento moral. Esse olhar
nidades, como previsto no Decreto no 3.156/997. assimétrico, por parte da sociedade não indígena,
Em contrapartida, em Lomba do Pinheiro, a pode ser observado na última coluna do Quadro
falta de espaço e recursos para viver de acordo 1, onde se encontra a comparação da visão de
com o nhande rekó faz com que a representação mundo, tanto da etnia Guarani Mbyá, como dos
da “Terra sem Mal” comece a ser vista como ideo- não indígenas (Juruá).
logia de dominação. Essa ruptura na dimensão O conceito de estranhos morais, de En-
simbólica parece ser consequência lógica da im- gelhardt, diz respeito às diferenças reais entre as
possibilidade de vivenciar o cotidiano de acordo visões morais de pessoas ou grupos, às quais po-
com a tradição, já que a cosmogonia Mbyá e a dem impedir (e frequentemente impedem) que
vida cotidiana do grupo não são percebidas como os participantes de uma controvérsia cheguem à
dimensões distintas1-3, como acontece na socie- resolução do conflito por meio do debate susten-
dade dos brancos, mas constituem um único tado por sadios argumentos racionais ou pelo re-
todo que orienta as práticas sociais e o compor- curso a uma autoridade moral comumente reco-
tamento. A situação observada nessa aldeia é nhecida, como menciona Engelhardt8, uma vez
preocupante, pois embora se admita que a cul- que não partilham de perspectiva cultural ou
tura não é estática e sim um processo social em moral a partir da qual possa ser estabelecido diá-
constante transformação4, tal ruptura com os logo. Pode-se delinear a complexidade do proble-
valores e crenças tradicionais pode vulnerabili- ma entre a sociedade juruá e os Mbyá, na compa-
zar ainda mais a comunidade caso a luta pela ração das categorias que sistematizam suas con-
terra, implicada nesses novos valores, não alcan- cepções de saúde e modo de vida.
ce o resultado esperado. Nesse caso, a equidade Apesar de não contarem com efetivo suporte
para a promoção da saúde é inviável. institucional para desempenhar suas atividades
Se viver de acordo com o modo de ser Gua- nas comunidades, as necessidades objetivas da
rani parece influenciar diretamente as condições comunicação com os indígenas motiva os técni-
de saúde, é inegável que a assistência também cos da Funasa a aprenderem sua língua e costu-
produz impacto. Nas aldeias onde a Funasa está mes. Este compromisso espontâneo tende a fa-
presente, garantindo em maior ou menor grau o vorecer o diálogo e se traduz em bioética, como
acesso aos serviços, constata-se que os proble- respeito, tolerância e compreensão das diferen-
mas de saúde tendem a ser resolvidos tecnica- ças morais e culturais. Porém, mesmo nesses ca-
mente, diminuindo a ocorrência de quadros crô- sos, em que buscam superar a lacuna do estra-
nicos. Foi observado nos depoimentos das al- nhamento cultural e moral, a dificuldade no con-
deias de Camacuã, Inhakapetum e Araçaí que tato interétnico subjaz, já que a assistência é ba-
quando há respeito às diferenças, é possível cons- seada na valorização da medicina e da cultura
truir boa relação entre as equipes da Funasa, brancas e desqualificação das práticas e concep-
Funai e os Mbyá. Apesar da Funai não mais atu- ções nativas. Isso tende a agravar a assimetria,
ar com a saúde indígena, na prática, colabora perpetuar o estranhamento e o choque cultural,
com a Funasa, facilitando a inter-relação entre dificultando ou inviabilizando a adesão ao trata-
os técnicos de saúde e as comunidades. mento e criando obstáculos ou impedindo que
A efetividade da assistência prestada por es- as lideranças sejam tomadas como interlocuto-
sas instituições relaciona-se diretamente com a res legítimos de controle social na definição de
cultura nativa, aproximando-se do princípio da políticas públicas.
beneficência proposto por Engelhardt: “Faça aos A assimetria faz com que a tolerância, estra-
outros o bem deles”8. Especialmente em relação tégia apontada por Engelhardt8 para superar o
à Funasa, o fato do técnico falar a língua Guara- estranhamento moral, deixe de produzir o resul-
931
AA Von Held e SMNB Sá trabalharam igualmen- 1. Ladeira MI. Guarani Mbyá. Organização social,
te em todas as fases do artigo, desde a coleta de política e religiosa. Enciclopédia dos povos indígenas
no Brasil. Instituto Sócio Ambiental. [site da Inter-
dados no trabalho de campo até a elaboração e
net] [acessado 2008 mar 10] Disponível em: http://
redação final do artigo. DOS Porto participou do www.socioambiental.org/pib/epi/guaranimbya/soc.
delineamento da metodologia, análise dos dados, shtm
concepção teórica, orientação, revisão e redação 2. Cicarrone C. Drama e sensibilidade. Migração, xa-
final do artigo. MSC Lopes participou da elabo- manismo e mulheres guarani Mby’á. Revista das
Índias 2004; LXIV(230):81-96.
ração do artigo nas fases de concepção, delinea-
3. Guimarães SMF. A marcha cerimonial guarani-
mento e interpretação dos dados coletados. mbyá: anuário antropológico. Rio de Janeiro: Tem-
po Brasileiro; 2004. p. 151-192.
4. Almeida, RT. Breve comentário sobre a saúde e
Agradecimentos relações de contato: os guarani brasileiros. Saúde
em Debate 1988; (n.esp):28-32.
5. Witt F. Depoimentos e comentários do indigenista
Aos indígenas da etnia Guarani Mbyá das comu- da Funai. 2007.
nidades visitadas e as Unidades Regionais da FU- 6. Brasil. Constituição da República Federativa do Bra-
NAI no Rio Grande do Sul e Santa Catarina. sil. Brasília: Senado Federal; 1988. p. 133.
7. Brasil. Decreto no 3.156, de 27 de agosto de 1999.
Dispõe sobre as condições para a prestação de as-
sistência à saúde dos povos indígenas e dá outras
providências. Diário Oficial da União 1999; 28 ago.
8. Engelhardt Jr. HT. As bases da bioética. In: En-
gelhardt Jr. HT. Fundamentos da bioética. São Pau-
lo: Loyola; 1998. p. 126.
9. Garrafa V, Porto D. Bioética, poder e injustiça. São
Paulo: Loyola; 2003.
10. Brasil. Lei n o 6.001, de 19 de dezembro de 1973.
Dispõe sobre o Estatuto do Índio. Diário Oficial da
União 1973; 21 dez.
11. Garnelo L, Sampaio S. Bases sócio-culturais do
controle social em saúde indígena: problemas e
questões na região norte do Brasil. Cad Saude Pu-
blica 2003; 19(1):311-317.
12. Garnelo L, Macedo G, Brandão LC. Os povos indíge-
nas e a construção de política de saúde no Brasil. Brasí-
lia: Organização Pan-Americana de Saúde; 2003.
13. Schramm FR. A saúde é um direito ou um dever?
Uma autocrítica da saúde pública. Revista Brasilei-
ra de Bioética 2006; 2(2):187-200.