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RESUMO
Os bairros suburbanos da cidade do Rio de Janeiro vêm sofrendo profundas transformações
decorrentes das obras de construção de eixos viários para o espetáculo dos Jogos Olímpicos de 2016.
O objetivo desse artigo é analisar o contexto em que se deram as recentes intervenções urbanas,
promovendo uma reflexão sobre os aspectos associados à perda ou desvalorização de uma identidade
definida como “suburbana” e a possibilidade de construção de identidades outras. Colocou-se em
questão como estas interferências na paisagem podem gerar mudanças na “identidade suburbana”,
historicamente presente na cidade do Rio de Janeiro. Adotou-se como recorte espacial, o bairro do
Campinho, localizado na zona Norte da cidade, visto que ali, as obras da Transcarioca geraram certa
polêmica com a demolição de casarios outrora tombados pela municipalidade. Com base no
levantamento de dados historiográficos e notícias de jornal, pretende-se nortear a reflexão do
contexto de como a área suburbana da cidade está se transformando e os reflexos dessa transformação
no cotidiano de sua população.
Palavras-chave: Megaeventos. Subúrbio. Identidade
1 INTRODUÇÃO
1
Trabalho originalmente apresentado na disciplina Planejamento e Espaço Urbano, ministrada pelas
professoras Drª Maria de Lourdes Pinto Machado Costa e Drª Lélia Mendes de Vasconcellos, do Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense (PPGAU-UFF), realizada
no primeiro semestre de 2014.
da transformação de bairros tradicionais da cidade em grandes canteiros de obras e os
impactos no cotidiano da população suburbana.
O bairro do Campinho está situado na zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. O mesmo
confronta com os bairros de Madureira, Oswaldo Cruz, Praça Seca, Cascadura e Vila
Valqueire. Sua configuração urbana atual é caracterizada pela interseção dos principais eixos
viários de escoamento dos fluxos daquela região, que são os seguintes: no sentido
Jacarepaguá, rua Cândido Benício; proveniente do bairro de Madureira, rua Domingos
Lopes; em direção ao bairro de Cascadura, Avenida Ernani Cardoso e; em direção ao bairro
de Vila Valqueire, rua Intendente Magalhães (Figura 3).
Estas vias foram formadas no distante passado colonial, quando as mesmas eram chamadas,
respectivamente, Estrada de Jacarepaguá, Estrada de Irajá e, as duas últimas mencionadas
formavam a Estrada Real de Santa Cruz. Em 1589, os padres jesuítas da Companhia de Jesus
adquiriram a fazenda de Santa Cruz e para atingir esta propriedade, fez-se necessário abrir o
caminho que deu origem à Estrada Real de Santa Cruz. No cruzamento destas estradas havia
um local de parada, onde os viajantes tinham por costume descansar, antes de dobrar as
demais estradas rumo às suas terras, deixando seus animais pastarem em um pequeno campo
existente no encontro desses caminhos – eis daí o nome atribuído ao largo: “Campinho”
(COSTA, 2000).
Figura 3: (a) Localização do bairro do Campinho na cidade do Rio de Janeiro (em laranja). Fonte: PCRJ,
Portal GeoRio; (b) o Campinho e seus bairros limites. Fonte: PCRJ, Portal GeoRio; (c) Detalhe dos eixos
viários principais (em amarelo), junto ao centro do bairro.
(a) (b)
(c)
Fonte: Google Earth. Acesso em 28 jul. 2012
O lugar se tornou passagem obrigatória não somente para se chegar à Fazenda de Santa Cruz,
mas para atingir outras localidades, o viajante tinha que passar pela Estrada Real de Santa
Cruz e, por conseguinte, pelo Largo do Campinho. Muitos vinham das províncias, como São
Paulo e Minas Gerais e, muitas vezes optavam em fazer uma pausa no largo, antes de
enfrentar o trajeto final para a cidade do Rio de Janeiro. Ali, no século XVIII, foi aberta uma
estalagem, servindo por mais um século aos viajantes, inclusive Joaquim José da Silva
Xavier (Tiradentes), o qual pernoitou por diversas vezes na hospedaria, em seus
deslocamentos da Vila Rica (Ouro Preto) para o Rio de Janeiro. Ao lado da estalagem havia
o oratório da Fazenda do Campinho onde atualmente, no mesmo local, existe a Igreja de
Nossa Senhora da Conceição, construída a partir de 1862.
No século XIX, bem no início do Primeiro Reinado (1822), foi construído no bairro o Forte
de Nossa Senhora da Glória do Campinho, erguido com o intuito de proteger o Caminho
Real de possíveis ataques de invasores estrangeiros.
A ambiência urbana do entorno do Forte do Campinho passou a contar, nas primeiras
décadas do século XX, com casarios suntuosos, em estilo eclético, evidenciado pelo poder
do comércio local. Vale frisar que, naquela época, o Mercado do Campinho era um
importante entreposto de distribuição e venda da maioria dos produtos agropecuários da
cidade (COSTA, 2000). Estas edificações representavam simbolicamente, uma época de
grande prosperidade.
Apesar do recente estado de abandono, estes casarios, todos componentes do conjunto
arquitetônico localizado no Largo do Campinho, foram tombados pela Prefeitura da Cidade
do Rio de Janeiro, a pedido dos moradores em 2004 (MAGALHÃES, 2010) (Figura 4). Isto
significa que, em tese, nenhum dos imóveis tombados poderia sofrer qualquer tipo de
alteração sem análise prévia da Secretaria de Patrimônio Cultural. No entanto, apesar da
tamanha relevância histórica, lamentavelmente parte desta memória foi destruída para dar
lugar ao corredor Transcarioca.
As intervenções promovidas pela necessidade de adequação da cidade aos jogos mundiais
de futebol e olímpicos, cujos efeitos ainda estão em curso, configuram novos significados e
incertezas, tanto na paisagem urbana como nas práticas sociais de seus citadinos. A seguir,
procura-se avançar sobre tais desdobramentos na área objeto do presente estudo.
Figura 4: Conjunto arquitetônico tombado do início do século XX no Largo do Campinho, em dois
momentos distintos (a) 1988; (b) 2010: nítido estado de degradação.
(a) (b)
Fonte: <http://oglobo.globo.com/rio/bairros/marcelo/posts/2010/08/05/largo-do-campinho-esta-degradado-
313898.asp> Acesso em 28 jul. 2012
5 OS IMPACTOS DO CORREDOR TRANSCARIOCA NO BAIRRO DO
CAMPINHO
Mesmo durante a preparação da cidade para sediar um megaevento como a Copa do Mundo
e as Olimpíadas, há uma troca intensa no campo simbólico, uma vez que, coloca em exibição
ao mundo a cidade em preparação e, por outro lado, exibe o mundo aos seus citadinos. Nesse
movimento, identidades que compõem a imagem urbana, e que servem como promotoras da
cidade no cenário mundial são consideradas características positivas dos citadinos. Por outro
lado, esse movimento convida os cidadãos a se moldarem de forma a assumir novas
identidades para se tornarem cidadãos do mundo (MASCARENHAS; BIENENSTEIN,
SÁNCHEZ, 2011, p. 133).
Como exemplo das consequências da mencionada preparação para a Copa do Mundo e os
Jogos Olímpicos, constatou-se no bairro do Campinho, um dos trechos de maior
complexidade na implantação do traçado do corredor Transcarioca, profundos impactos
decorrentes das suas obras. Por meses, condutores que transitavam pelas artérias viárias
principais, as quais se entrecruzam bem no Largo do Campinho, sofreram com constantes e
intermináveis congestionamentos, sendo refletidos também nos bairros adjacentes. O
cenário de grande “canteiro de obras”, ampliado por sérios transtornos no cotidiano dos
citadinos são típicos em obras desta envergadura (Figura 5).
Figura 5: Impactos das obras de construção do corredor Transcarioca no bairro do Campinho: (a) transtornos
com as demolições e a poeira constante; (b) longos congestionamentos.
(a) (b)
(a) (b)
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS