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PARA COMPREENDER O MUNDO ATUAL

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 3
VIDA 5
Mario Vargas Llosa 6
Alain de Botton 11
Salman Rushdie 15
CULTURA 20
Zygmunt Bauman 21
Camille Paglia 25
Edgar Morin 30
MUNDO 34
Ayaan Hirsi Ali 35
Tariq Modood 41
CONHECIMENTO 45
Fernando Savater 46
Marcelo Gleiser 50
Susan Greenfield 54
SOBRE O FRONTEIRAS 60
INTRODUÇÃO
Ideias têm consequências. Elas podem disseminar o ódio
ou incentivar uma cultura de tolerância. Elas podem levar ao
progresso e à liberdade ou condenar sociedades a longos
períodos de escuridão. O século 20 nos deu provas disso. Os
grandes sistemas totalitários, o fascismo, o nazismo e o co-
munismo, nasceram de ideias. Nasceram do incansável tra-
balho de intelectuais que se imaginavam porta-vozes de um
tipo peculiar de virtude. A “grande virtude” capaz de oferecer
uma resposta simples e final à angústia humana: virtude da
História, do Estado total, da “luta de classes”, da superiorida-
de racial ou do delírio nacionalista.

Este livro sugere um ponto de vista diferente. Ele aposta na


incerteza. No equilíbrio precário de respostas possíveis a
grandes perguntas.

Vivemos, de fato, tempos de incerteza. Assim é no terreno


da cultura, assim é, igualmente, no terreno político. Já se disse
muitas vezes que assistimos a um mal-estar nas grandes de-
mocracias atuais. Velhas instituições da democracia liberal,
incluindo partidos, o parlamento, a imprensa tradicional,
perderam espaço para novas formas de representação. A
tecnologia deu aos indivíduos a capacidade de intervir dire-
tamente na vida pública a um custo baixo. Os movimentos de
rede, feitos de cidadãos, sem hierarquias rígidas, sem muito
dinheiro, sem aspiração ao poder, se fazem presentes. As mi-
norias barulhentas ganharam força, e o jogo político se torna
cronicamente instável e radicalizado.

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A obra que você está prestes a ler é um e-book construído
a partir de uma peça maior. Não por isso se pretende menos
desafiador ou inquietante. Do 21 ideais do Fronteiras do Pen-
samento para compreender o mundo atual nasce esta
versão. Esperamos que todos naveguem bem pelos agitados
mares da incerteza, do pluralismo e da curiosidade intelectu-
al. É o nosso convite.

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VIDA
Talvez uma das questões mais complexas a se levantar,
seja agora ou em qualquer momento da história, é: o que é a
vida? E são inúmeras as respostas possíveis. Entretanto, como
dito anteriormente, o que se busca aqui é a incerteza.

Não há dúvida de quão incerta e imprecisa é a vida. Para


trazer um pouco de luz a este pensamento inesgotável, sele-
cionou-se grandes nomes que passaram pelo Fronteiras do
Pensamento. Confira uma breve apresentação de cada pen-
sador e trechos marcantes de suas falas durante as confe-
rências.

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MARIO VARGAS LLOSA
Nascido em 1936, fez parte do grupo de ficcionistas que
mostrou a viabilidade da arte narrativa nos tempos contem-
porâneos, aniquilando os profetas do fim da literatura, então
numerosos. Ao lado de Gabriel García Márquez, Carlos Fuen-
tes, Julio Cortázar e outros autores de primeira grandeza,
participou do chamado boom da ficção latino-americana.

Após muitos anos de sua vida se reconhecendo e sendo


parte de grupos de intelectuais de esquerda, Llosa vive o de-
sencanto com o modo de pensar que o fazia idealizar o paraí-
so na Terra. Assim, o escritor aproxima-se de autores com viés
mais liberal e na sua conferência do Fronteiras do Pensamen-
to faz uma grande síntese do pensamento liberalista.

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NÃO EXISTE UMA
SOCIEDADE PERFEITA
MARIO VARGAS LLOSA
Foi um período em que me senti órfão. Eu havia abandona-
do algo que, durante muitos anos, me dera segurança no
campo político, no campo cívico. E de súbito aquilo havia de-
sabado. Eu não acreditava que o socialismo pudesse trazer
realmente o paraíso à Terra. Ao mesmo tempo, eu me sentia
bastante perdido. Também nesse momento certos livros me
ajudaram, e um livro em especial me prestou enorme ajuda.
Um livro de Raymond Aron, O ópio dos intelectuais.

Qual era o ópio dos intelectuais? Era o marxismo, dizia


Raymond Aron. E ele explicava por que, entre os intelectuais
do mundo inteiro, o marxismo havia exercido tamanha atra-
ção. Por que tantos intelectuais do mundo haviam se sentido
identificados com a doutrina que a União Soviética aparente-
mente representava na realidade histórica. Ele dizia: os inte-
lectuais e os artistas em especial buscam a perfeição, e a
perfeição, se é deste mundo, diz respeito ao campo intelec-
tual. Há criações intelectuais, obras literárias, poemas, ro-
mances, construções filosóficas, que de alguma maneira nos
aproximam desse ideal que está profundamente arraigado
em todos os homens, mas sobretudo, fundamentalmente, nos
artistas e nos intelectuais. A ideia da perfeição, da beleza su-
prema, ler Dom Quixote, ler Guerra e paz, ler as obras de
Shakespeare, ler Molière nos põe em contato, de alguma
forma, com algo que é a perfeição.

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E o marxismo representa na aparência, e não na realidade,
esse tipo de perfeição buscado pelos artistas e pelos intelec-
tuais. Nele está desenhada, com extrema clareza, uma filo-
sofia na qual a história vai evoluindo, vai se transformando,
rumo a uma meta de felicidade, de prosperidade, de verda-
deira justiça e verdadeira liberdade.

A luta de classes ia nos levando, pouco a pouco, a esse


ideal. Isso atraiu fortemente, dizia Aron, os intelectuais, que
veem a democracia com muito desprezo – ela parece um sis-
tema medíocre, um sistema que não nos aproxima do paraí-
so na Terra, o paraíso que o marxismo e o comunismo pro-
metem materializar. Aquele livro era uma grande reivindica-
ção da democracia. Dizia que a democracia era efetivamen-
te imperfeita, que às vezes se mostrava impregnada pela
corrupção, sem dúvida. No entanto, ela havia criado as so-
ciedades mais civilizadas da história. Era o sistema que mais
havia reduzido a violência, que sempre caracterizara a histó-
ria humana.

As democracias criaram as sociedades mais avançadas,


onde há mais possibilidades de que os seres humanos reali-
zem as ambições que os motivam. Por outro lado, vejamos a
realidade dos países que assumiram para si o marxismo – a
União Soviética, as democracias populares da Europa Orien-
tal…

Li também, naqueles anos, Jean-François Revel. Revel


havia sido um militante socialista na juventude, acreditara no
socialismo e vira no socialismo o mesmo sonho, a utopia, a
ideia de que o socialismo poderia trazer o paraíso à Terra.
Depois, na prática, na realidade, descobrira que não era
assim, que a tentativa de trazer o paraíso à Terra equivalia,

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muitas vezes, a trazer à Terra verdadeiros infernos. A ideia de
igualdade se convertia numa uniformização da sociedade,
obtida somente através de coerção – e de uma coerção ilimi-
tada, que não coincidia exatamente com o modelo dentro do
qual a ideia era colocada, pois não haveria como reprimi-lo,
castigá-lo ou exterminá-lo. Os ensaios de Jean-François
Revel, explicando, digamos, essas ideias a partir da experiên-
cia vivida por ele, dos desencantos sofridos enquanto militava
pelo socialismo, também foram extraordinariamente estimu-
lantes para mim.

Foi uma etapa importante da minha vida. O reconhecimen-


to da democracia, aceitar que a democracia não era a más-
cara da exploração, como eu tinha acreditado e como acre-
ditavam os socialistas latino-americanos da época. A demo-
cracia partia do pressuposto de que não se podia criar o pa-
raíso nesta Terra em termos sociais, de que a perfeição não
era deste mundo, mas, sim, era possível criar sociedades
aperfeiçoáveis, sociedades capazes de reconhecer seus
erros, de corrigi-los, de refazer o caminho se o caminho esti-
vesse equivocado, de encaminhar a sociedade para outra di-
reção. Sobretudo, a democracia permitia a coexistência na
diversidade, e era a melhor maneira de atacar a violência
que havia acompanhado a história humana, como uma
sombra, desde o princípio da história até o presente.

A etapa seguinte da minha formação política ocorreu


quando eu estava morando na Inglaterra e comecei a ler os
grandes pensadores liberais. O primeiro deles foi Isaiah
Berlin. Ao contrário do que se pensa, sobretudo na América
Latina, onde há uma grande caricaturização do pensamento
liberal, considerado um pensamento reduzido exclusivamen-
te à liberdade dos mercados, Isaiah Berlin mostra que não,
que o liberalismo consiste fundamentalmente em ideias e va-

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lores. Que a liberdade é algo indivisível, que a liberdade não
pode ser aplicada no campo econômico sem ser aplicada no
campo político, que precisa ser algo que opere simultanea-
mente no campo político, no campo econômico, no campo
cultural, no campo social, no campo individual, e que o verda-
deiro progresso é ter cada vez mais opções para escolher
entre diferentes possibilidades em todos os campos da vida
humana, e que esse é o verdadeiro progresso, e que isso é o
que representa, fundamentalmente, a ideia liberal.

A única coisa que está à frente de doutrinas totalitárias, à


frente da violência que significa uma doutrina totalitária nas
relações humanas, é a democracia, a medíocre democracia,
tão desprezada pelos intelectuais por estar tão longe da per-
feição. No entanto, essas sociedades, como diziam Isaiah
Berlin e Albert Camus, são as sociedades mais avançadas do
planeta, são as sociedades que reduziram a violência, cria-
ram mais igualdade e oportunidades para que os seres hu-
manos possam realizar seus sonhos e são, na verdade, aque-
las que mais humanizaram a vida – sem alcançar a perfeição,
porque a perfeição não se alcança nunca, nunca teremos
uma sociedade perfeita no sentido de que todos tenham os
mesmos ideais e lutem exatamente pelas mesmas coisas. Mas
já foram criadas sociedades aperfeiçoáveis, nas quais exis-
tem mecanismos que nos defendem contra os erros – pois é
impossível não cometer erros – e nos permitem corrigi-los e
depurar gradativamente a sociedade de suas deficiências.

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ALAIN DE BOTTON
Escritor e apresentador suíço, Ph.D. em Filosofia Francesa
pela Universidade de Harvard (EUA). Conhecido como “o filó-
sofo da vida cotidiana”, por seus livros de ensaios e progra-
mas de televisão que discutem os mais diversos temas, De
Botton é autor do best-seller A arquitetura da felicidade, tra-
duzido para mais de trinta países.

“A religião é um anfitrião gigante”, diz Alain de Botton. Sua


tese é simples: as pessoas andam separadas nos dias de hoje.
Perdemos um sentido de comunidade. As próprias religiões
tradicionais o perderam ao longo do tempo. As religiões cos-
tumavam aproximar as pessoas. A missa, os rituais, os encon-
tros jovens, a ceia, as peregrinações. Hoje em dia gastamos
nosso tempo nas redes sociais, e elas nos separam e nos con-
denam à solidão e à perda de empatia.

Botton levanta a seguinte questão: haveria algo que gosta-


ríamos de preservar da experiência religiosa, mesmo que
tenha se perdido a crença, no sentido tradicional?

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AS RELIGIÕES 2.0
ALAIN DE BOTTON

Quero falar sobre o lugar da religião no mundo moderno e


quero falar especificamente sobre o lugar da religião entre
aqueles que não acreditam nela. O mundo se divide entre os
que acreditam e os que não acreditam, entre os religiosos e
os ateus. Ao longo da última década, mais ou menos, surgi-
ram ateus muito poderosos, que moldaram a nossa compre-
ensão do que significa ser ateu. Eles tentaram argumentar
não apenas que Deus não existe, mas também, com mais
força, que qualquer pessoa que acredite na existência de
Deus é ridícula. Uma criança, uma idiota. Creio que esse tipo
de ateísmo está esgotado, deveríamos acabar com ele.

Quero enterrar esse tipo de ateísmo negativo que simples-


mente nos aponta aquilo em que não devemos acreditar. O
que quero fazer é inaugurar um novo tipo de ateísmo. Algo
que poderíamos chamar de ateísmo 2.0. O que é o ateísmo
2.0? Creio que o ponto de partida desse tipo de ateísmo é
uma declaração muito simples, sem necessidade de sustenta-
ção: é claro que Deus não existe. Não vamos discutir mais
sobre isso, fim da história. Não vou tentar convencê-los, vocês
concordam comigo ou não concordam.

É só o começo. Escrevi o meu livro e quero lhes falar sobre


um grupo de pessoas que sentem algo parecido com isso.
Elas dizem: “Eu odeio as doutrinas da religião, mas adoro o
Natal. Eu adoro a Chanucá. Adoro a Festa do Sacrifício. Adoro
a sensação de comunidade. Eu gosto de cantar. Eu gosto da

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ênfase na moralidade. Eu gosto dos edifícios antigos. Choro
durante a Missa em Si Menor de Bach. Sou esse tipo de
pessoa”. Por muito tempo, esse tipo de pessoa enfrentou uma
escolha bastante difícil. Ou você fazia força para acreditar
em todos os tipos de doutrinas religiosas e aproveitava as
partes boas – Natal, Bach, os belos edifícios – ou deixava a
sua vida espiritual nas mãos da CNN e do Walmart. Não acho
que deva ser essa a escolha. A escolha não precisa ser tão
dramática. Creio que existe a possibilidade de que ateus
como eu, talvez como alguns de vocês, façam uso da religião.

Uma coisa realmente interessante sobre as religiões é que


são maravilhosas na criação de um sentimento de comunida-
de. Hoje, as pessoas dizem coisas como: existe uma resposta
moderna à comunidade, é a rede social, é o Facebook. O Fa-
cebook é ótimo, mas o problema é que, na verdade, ele não
forma comunidades. No Facebook, você diz o que você gosta
(eu gosto de dançar, eu gosto de futebol), então a máquina
nos agrupa com outras pessoas que gostam das mesmas
coisas. As religiões são mais interessantes. Elas acreditam que
uma verdadeira comunidade não nos faz conhecer pessoas
das quais já gostamos, com as quais temos muito em comum.
O verdadeiro desafio é fazer com que você conheça pessoas
das quais você não gosta, que parecem um pouco estranhas,
assustadoras, mas vivem perto de você.

Isso é comunidade. O encontro entre pessoas que descon-


fiam umas das outras. As religiões são maravilhosas como
anfitriãs. É como quando você vai a uma festa. Talvez não no
Brasil, mas na Inglaterra todo mundo fica parado, ninguém
conversa, todos com seus drinques, e é um pouco triste. Mas
às vezes há grandes anfitriões. E o anfitrião diz: “Ei, converse
com tal pessoa”. De repente, todos estão conversando. E a re-
ligião, sem nenhum desrespeito, é um anfitrião gigante. O

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mundo moderno não tem muitos anfitriões. Temos vários
lugares onde você pode ir para estar com pessoas. Temos
pouquíssimos agentes de apresentação.

Para resumir. O que é o ateísmo 2.0? Mesmo que você não


acredite que a religião seja tão rica em lições interessantes, se
você estiver em qualquer atividade que envolva pessoas, ob-
serve como as religiões reúnem as pessoas. Se você trabalha
na indústria do turismo, observe as peregrinações. Se você
atua no mundo da arte, veja como a religião trata a arte. Se
você lida com educação, veja como as religiões não apenas
escolhem o currículo para nos orientar, mas também forne-
cem informações para que sempre lembremos. As religiões
são simplesmente complicadas demais, interessantes demais,
úteis demais para que as deixemos apenas às pessoas reli-
giosas.

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SALMAN RUSHDIE
Em suas memórias, vazadas numa escrita elegante e
movidas por um inabalável senso de humor e por finas
ironias, Rushdie revela o quanto lhe custou acreditar que a
liberdade da palavra é a pedra inamovível da própria
liberdade individual.

Salman Rushdie nasceu em Bombaim, na Índia, em uma


família bastante letrada. Ainda jovem se mudou para a
Inglaterra, onde concluiu seus estudos acadêmicos.

Em sua conferência no Fronteiras do Pensamento, Rushdie


defendeu, acima de tudo, o poder de permanência da litera-
tura, sua capacidade de resistir para muito além de seus per-
seguidores, servindo como instrumento de autoconhecimen-
to, de ente vinculante entre o leitor e os outros, como uma fer-
ramenta de resistência individual em um mundo cada vez
mais politizado.

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QUANDO O MUNDO
DEIXA DE SER
PAROQUIAL
SALMAN RUSHDIE

Eliminar ditadores: parece ser um serviço que consigo


desempenhar. Vocês conhecem o ditado de que a caneta é
mais poderosa do que a espada. Não mexam com os
romancistas. Falando sério, os romancistas correm grande
perigo diante do poder – pela descortesia de contar a
verdade. Uma das razões pelas quais isso acontece cada vez
mais em nosso tempo é o fato de que o espaço entre os
acontecimentos públicos e as vidas privadas encolheu. A
política interfere nas nossas vidas privadas de um modo
jamais visto.

A carreira literária de Jane Austen coincidiu exatamente


com a época das Guerras Napoleônicas, as guerras entre a
Grã-Bretanha e o exército francês de Napoleão Bonaparte.
No entanto, em toda a obra literária de Jane Austen,
praticamente não há menção de que seu país está
mergulhado num conflito gigantesco. O exército britânico de
fato aparece, por vezes, nos romances de Jane Austen, mas
sua função, basicamente, é abastecer as festas com soldados
bonitões de uniforme vermelho. É uma função importante,
sem dúvida. A batalha contra Napoleão, aparentemente, nem
tanto.

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Não digo isso para criticar Jane Austen, mas para mostrar
que o mundo descrito em seus livros é tão isolado em relação
ao mundo dos acontecimentos históricos que ela não precisa
se referir a eles. Ela pode descrever por inteiro as vidas de
seus personagens, ela pode meditar profundamente sobre
seus personagens e explicá-los sem que jamais precise
mencionar assuntos de interesse público, porque esses
assuntos simplesmente não interferem nas vidas das pessoas
sobre as quais ela está falando. Esse não é o mundo em que
vivemos.

Há uma questão estratégica para os escritores atuais:


como lidar com os perigos da política? James Joyce
recomendava, em seu tempo, a fórmula “silêncio, exílio e
astúcia”. Voltaire recomendava que os escritores vivessem
perto de uma fronteira internacional, para facilitar fugas.
Infelizmente, essas soluções não funcionam mais. Os
poderosos atravessam a fronteira internacional para nos
pegar. Constatei isso pessoalmente. No entanto, continua
ocorrendo que os melhores escritores se sentem obrigados a
enfrentar as questões políticas de seus lugares no mundo, de
seus lugares na história.

Algo, na essência da arte do romance, deseja ser pequeno,


paroquial e privado. O romance, digamos, gostaria de falar
sobre uma mulher na França provinciana que, entediada com
o marido, decide ter um caso. O romance gostaria de falar
sobre um jovem escrevinhador no Peru que se apaixona por
sua tia. Gostaria de falar sobre garotas procurando maridos
num vilarejo do norte da Inglaterra. O fato de que essas ideias
viraram alguns dos romances mais célebres do mundo,
Madame Bovary, Tia Julia e o escrevinhador, Orgulho e
preconceito, se deve ao desejo do romance de existir numa
pequena escala humana. Ele não quer abordar os temas
gigantescos.

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O que fazer, porém, quando o mundo deixa de ser
paroquial e pequeno? Quando todas as nossas histórias
colidem com as outras histórias? Quando a história do mundo
árabe colide com o Ocidente? Quando não vivemos mais em
pequenas bolhas? Quando todas as pequenas caixas de
nossas vidas se abrem dentro de todas as outras caixas?
Como reagir a isso na condição de artista? Isso cria um
problema mais profundo, porque toda a arte do romance
talvez se baseie em algo dito pelo filósofo grego Heráclito
milhares de anos atrás: “O caráter de um homem é seu
destino”. Caráter é destino. O tipo de pessoa que você é
determina o tipo de vida que você terá. Toda a arte do
romance vem disso. Contudo, o que acontece quando o seu
caráter não é o seu destino? O que acontece quando o
colapso econômico é o seu destino? Quando o tipo de pessoa
que você é não determina a vida que você tem? Quando
coisas exteriores à sua vida invadem a sua vida e a
determinam? É uma pergunta que muitos escritores, hoje,
procuram compreender e responder.

Uma coisa essencial que o romance pode nos oferecer é


nos dizer algo importantíssimo sobre o indivíduo humano: ele
nos diz que não somos pessoas estreitas, que não somos
singulares, mas plurais; nosso eu não é uma só coisa. Vivemos
na era da chamada política de identidade, em que somos
induzidos o tempo todo a definir nossa identidade de uma
maneira cada vez mais estreita. Se você estiver na Índia neste
momento, com a eleição recém-terminada, você é levado a
crer que é hindu ou muçulmano. Somos levados globalmente
a crer que somos islâmicos ou ocidentais, que devemos cada
vez mais nos encaixar em uma entre diversas identidades –
organizadas de modo extremamente simples. Ao passo que o
romance, o romancista e qualquer leitor de romance sabem

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que os seres humanos não são assim. Somos plurais e
contraditórios. Como Walt Whitman disse: “Eu me contradigo?
Muito bem, eu me contradigo”.

A literatura é curiosamente muito forte. A literatura é capaz


de resistir até à mais poderosa das tiranias. Os escritores não
são nem de longe tão fortes, e pagam um preço altíssimo,
muitas vezes, por aquilo que nos enriquece a todos, que é a
grande arte. E todos os escritores dignos de valor que
conheço no mundo diriam a vocês, apesar desses perigos e
riscos: “Esse é o meu trabalho”.

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CULTURA
Pode-se afirmar que a definição de cultura encontra uma
infinitude de respostas, assim como falar sobre vida.
Entretanto, é consoante entre os termos que é justamente
essa complexidade que torna os conceitos tão instigantes
para estudo e compreensão do mundo ao nosso redor.

Pensar sobre cultura é olhar pra dentro de si e pro exterior.


É analisar hábitos e costumes, a fé e o ceticismo, o porquê do
fazer e do não fazer.

Nesta seção, três novos autores irão contemplar a cultura,


principalmente de uma estética de como a individualidade se
comporta diante de um cenário tão globalizado e quanto é
fundamental que os discursos sejam totalizantes, ainda que
se entenda a necessidade da compreensão das liberdades e
dos anseios individuais.

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ZYGMUNT BAUMAN
Zygmunt Bauman foi um daqueles pensadores sociais que
não apenas nos apresentou leituras poderosas de nossa
sociedade, como nos legou os termos e as categorias pelas
quais fazemos essa leitura. Sociólogo e filósofo exilado de sua
Polônia natal pelo regime comunista em 1968 – embora sua
inclinação pessoal sempre fosse para o socialismo, de tipo
não totalitário –, sua vasta obra de análise da modernidade e
do Ocidente tem alcance mundial.

Nesta fala, que aconteceu em entrevista especial


concedida ao Fronteiras do Pensamento, Bauman se debruça
sobre os relacionamentos fugazes das redes sociais, em que é
tão fácil fazer amizades quanto desfazê-las, sem traumas e
sem dor. Mas o que se perde com esse imediatismo indolor
das redes?

21
UM MUNDO SOB
MEDIDA PARA
CADA SER HUMANO
ZYGMUNT BAUMAN

Há dois valores essenciais que são absolutamente indis-


pensáveis para uma vida satisfatória, recompensadora e re-
lativamente feliz. Um é segurança e o outro é liberdade. Você
não consegue ser feliz, você não consegue ter uma vida digna
na ausência de um deles, certo? Segurança sem liberdade é
escravidão. Liberdade sem segurança é um completo caos,
incapacidade de fazer nada, planejar nada, nem mesmo
sonhar com isso. Então, você precisa dos dois. Entretanto, o
problema, de novo, é a minha firme conclusão, é que nin-
guém ainda, na história e no planeta, encontrou a fórmula de
ouro, a mistura perfeita de segurança e liberdade. Cada vez
que você tem mais segurança, você entrega um pouco da sua
liberdade. Não há outra maneira. Cada vez que você tem
mais liberdade, você entrega parte da sua segurança.

Então, você ganha algo e você perde algo. Há 81 anos, Sig-


mund Freud publicou esse livro famoso e tremendamente
profundo e influente intitulado O mal-estar na civilização. Ele
disse que a civilização é sempre uma troca, ou seja, você dá
algo de um valor para receber algo de outro valor. E ele disse
– ele escreveu isso nos anos 1920 –, naquela época, ele disse
que o problema deles, da velha geração, foi que eles entre-
garam liberdade demais em prol da segurança. E estou pro-

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fundamente convencido de que, se Freud estivesse dando
essa entrevista aqui, no meu lugar, ele provavelmente repeti-
ria que toda civilização é uma troca, mas o seu diagnóstico
seria exatamente o oposto, que os nossos problemas hoje de-
rivam do fato de que nós entregamos demais a nossa segu-
rança em prol de mais liberdade. Esse é um dilema. Eu acho
que já sinto alguns sinais prodrômicos de que o pêndulo está
começando a voltar em direção a mais segurança.

O Estado social vem de novo em favor do público. As pes-


soas sonham com ele, elas querem poderes mais fortes e mais
estabilidade, um pouco mais de estabilidade. Está muito no
início. Não estou dizendo que já estamos no caminho certo,
mas há sinais de que isso está acontecendo. Então, minhas
conclusões são duas: em primeiro lugar, você nunca encon-
trará uma solução perfeita do dilema entre segurança e liber-
dade. Sempre haverá muito de uma e muito pouco de outra,
certo? E a segunda é que você nunca irá parar de procurar
essa mina de ouro.

Eu não acredito que haja apenas uma forma de ser feliz. Há


muitas formas de ser feliz. Neste pequeno livro que escrevi
sobre A arte da vida, há dois fatores relativamente indepen-
dentes que dão forma à vida humana. Um deles é o destino.
O destino é o apelido para todas as coisas sobre as quais não
temos nenhuma influência; é o que acontece conosco mas
não foi causado por nós. Isso é destino. E o outro é o caráter.
O caráter é algo muito individual, você pode trabalhar em
cima do seu caráter, se quiser, você pode mudá-lo, melhorá-
-lo, boa parte dele está sob seu controle. A divisão de traba-
lho entre o destino e o caráter é tal que o destino estabelece a
gama de opções que são realistas para você. Sobre isso você
não tem nenhuma influência.

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Se você tivesse nascido vinte anos antes, sua gama de
opções seria diferente; se você tivesse nascido vinte anos
depois, novamente seria diferente; se você tivesse nascido
neste bairro rico, você teria uma gama de opções; se você
tivesse nascido num gueto, seriam opções completamente di-
ferentes. Mas sempre há gamas de opções proporcionadas
pelo destino. Porém, as escolhas entre essas opções são feitas
pelo caráter. E como os tipos de caráter são muitos e bem di-
ferentes, não é possível dar uma receita para a felicidade. Eu
sei que hoje existem consultores ganhando muito dinheiro ao
fingir que possuem receitas para a felicidade. Não acredite
neles, eles estariam enganando você. Eu jamais ousaria dar
esse tipo de conselho. Não estou me comparando a Sócrates,
mas muitos filósofos contemporâneos consideram a vida de
Sócrates, sua personalidade, que ele construiu, como a relati-
vamente mais perfeita possível que se pode imaginar. Mas o
que isso significa? Significa que o tipo de vida escolhida por
Sócrates era considerada a solução perfeita para Sócrates?
Significa que todos nós devemos imitar Sócrates e tentar ser
iguais a ele? Não, pelo contrário, porque Sócrates precisa-
mente considerava que o segredo de sua felicidade estava no
fato de ele próprio, por sua própria vontade, ter criado a
forma de vida que ele viveu.

As pessoas que imitam a forma de vida de outra pessoa, o


modelo de felicidade de outra pessoa, não são como Sócra-
tes. Pelo contrário, elas traem a receita dele. Elas traem a sua
receita. Precisamente porque sua receita..., bem, você pode
traduzir isso em termos simples, dizendo que para cada ser
humano há um mundo perfeito feito especialmente para ele
ou para ela.

24
CAMILLE PAGLIA
Ph.D. pela Universidade de Yale e professora de Humanida-
des e Estudos Midiáticos da University of the Arts, na Filadél-
fia, a norte-americana Camille Paglia é frequentemente
apontada como uma das críticas de arte e sociedade mais
controversas da atualidade. Entre as ideias que lhe conferem
tal aura entre o público figuram sua objeção ao feminismo
radical e a rejeição a diversos preceitos da arte contemporâ-
nea.

Em sua conferência no Fronteiras do Pensamento, Paglia


faz um percurso que engloba a representação feminina
desde a Idade da Pedra até Hollywood, enfatizando sua visão
cíclica da cultura. “À medida que observamos como as con-
venções mudam, podemos perceber como são fluidos os
ideais humanos”, ressalta a ensaísta.

25
A REPRESENTAÇÃO
DA FIGURA FEMININA
E “AS SENHORITAS
DE AVIGNON”
CAMILLE PAGLIA

Vamos saltar adiante para uma das obras-primas do


modernismo, “As senhoritas de Avignon”, de Picasso, um
quadro da sua fase cubista em 1907 que, um século mais
tarde, ainda continua mal interpretado e rejeitado pelo
público geral. Trata-se de uma pintura que ainda tem o poder
de chocar. Ela representa o ataque do modernismo de
vanguarda à perspectiva e à representação tradicionais da
figura humana. O que vemos é um bordel, um bordello. Essa
é a sala de espera, onde as mulheres são exibidas para o
cliente masculino, que chega e escolhe. Elas não parecem
prostitutas particularmente acolhedoras. Pelo contrário,
todas parecem ter voltado ao arquétipo, à lenda, ao mito.

Nesse novo Cubismo que Picasso está criando, o espaço é


totalmente fragmentado. Há um tipo de explosão
acontecendo: há uma janela nessa sala de bordel com vista
para um céu azul com nuvens, mas foi quebrada. A
perspectiva foi quebrada, parecendo, portanto, como se
houvesse apenas cacos de vidro atrás da mulher – uma
perspectiva nada atraente para um homem que chega em
busca de prazer. Há outras pequenas pistas a que os homens

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deveriam ficar atentos ao entrar nesse bordel. Tem uma
mesinha de café, onde foram deixadas algumas frutas e
lanches. De modo bizarro, há uma fatia de melão que virou a
Lua cheia – uma Lua cheia extremamente pontuda, que
ameaça castrar qualquer homem que entrar pela porta. E há
outras frutas com aparência de cinzas – peras e pêssegos –,
dando a impressão de ter havido uma castração de clientes
anteriores.

“As senhoritas de Avignon” é em geral analisada em termos


de seu estilo e importância no desenvolvimento do modernis-
mo. As mensagens de gênero nela são negligenciadas, pois os
historiadores da arte, em geral, não são astutos o suficiente
em termos psicológicos, e a história da arte, como tantas
outras áreas, foi infestada pela teoria feminista e pelo pós-
-estruturalismo. Acredito que há uma espécie de atrai-afasta
acontecendo ali. Há uma estranha oscilação de atração e re-
pulsão que o próprio Picasso sentia em relação às mulheres.
Ele jamais deixou sua obsessão pelo tema das mulheres.

Um dos piores aspectos da teoria feminista convencional foi


o seu insulto a Picasso. Picasso foi declarado misógino. Por
exemplo, a feminista norte-americana Gloria Steinem
declarou repetidamente em público que Picasso era um
artista ruim em virtude da maneira como tratava suas
namoradas. Nenhum artista de verdade, nessa concepção
feminista, pintaria tais imagens sexuais das mulheres.
Considero isso um elemento muito destrutivo no feminismo
moderno. Quando se diz a mulheres jovens “não estudem
Picasso”, fazendo com que jovens artistas aspirantes se
sintam culpadas ao analisar suas figuras, o que se está
fazendo a essas mulheres artistas?

Estamos dizendo, na verdade, “esqueçam-se do Cubismo;

27
sigam direto de volta aos anos 1880 e reinventem toda a
história da arte moderna nos últimos 100 anos”. Isso é loucura!
Há livros após livros que reduzem Picasso a situações
negativas da sua biografia. Até mesmo eu posso pensar que
Picasso era um homem mau a partir do modo como ele
tratava as mulheres, mas ele foi um grande artista. Posso
separar essas duas coisas. Não podemos permitir esse tipo de
invasão do estudo da arte por animosidades oriundas de
“ideólogos” que não compreendem a história e a tradição das
belas-artes. Para compreendermos essa pintura de Picasso,
temos de traçar todo o caminho de volta para o que Ticiano e
Botticelli faziam com o nu feminino. Quando visto nessa
sequência, a incrível originalidade da pintura se torna
aparente. Além disso, a brilhante evocação de Picasso da
mitologia antiga pode ser totalmente apreciada através de
um estudo da antropologia.

Permitam-me tecer algumas observações gerais sobre a


minha própria filosofia como feminista. Sou uma feminista de
oportunidades iguais. Em outras palavras, acredito que todas
as barreiras ou obstáculos ao desenvolvimento das mulheres
na sociedade devam ser removidos. Porém, penso que a vida
humana opera em dimensões que ultrapassam em muito a
mera esfera social. O pós-estruturalismo, por exemplo,
comete este equívoco ao conceber a identidade humana
como submissa a forças sombrias que emanam de um poder
– um poder generalizado, nem mesmo incorporado às
pessoas, mas em instituições coercitivas. Quando as pessoas
ficam totalmente cegas diante da natureza – que é muito
maior que qualquer construção humana –, acredito que elas
se tornam muito pequenas, muito triviais.

Em minha opinião, grande parte da teoria feminista e todo

28
o pós-estruturalismo padecem de uma visão estreita, de uma
miopia ou de uma incapacidade de ver, uma incapacidade de
considerar uma perspectiva mais ampla, como a visão
cósmica que foi uma das maiores conquistas da minha
própria geração, nos anos 1960, influenciada pelo hinduísmo
e pelo budismo – dois sistemas religiosos que, infelizmente,
careceram em termos da exposição da juventude a eles, pelo
menos nos EUA. Com certeza, fui profundamente influenciada
por meus estudos das religiões asiáticas, creio que na
perspectiva mais ampla possível. Ao mesmo tempo, sou
fascinada pelo artifício, pela magia da personalidade e pelo
papel transformador dos trajes, dos cosméticos e das
parafernálias simbólicas das diferentes culturas ao longo do
tempo. Essa é a razão pela qual sempre endossei a indústria
da moda e as revistas de moda, em oposição ao feminismo
norte-americano dos anos 1970 e 1980. Não por ser uma
escrava da moda; pelo contrário, na vida real sou, de fato,
muito comum, muito banal, sou simplesmente uma
professora. Mas, sim, por conceber a moda como parte da
herança das belas-artes.

29
EDGAR MORIN
Edgar Morin é um dos mais populares pensadores
franceses contemporâneos. Nascido em 8 de julho de 1921,
formou-se em Direito, História e Geografia pela Universidade
de Paris em 1942.

A tese central de Morin em sua conferência no Fronteiras é


a de que o mundo contemporâneo, para que seja bem
compreendido, exige uma forma de pensamento que articule
as áreas do saber entre si de modo a refletir a maneira como
os objetos de estudo de cada uma delas se articulam, cada
vez mais, na realidade – ou seja, uma forma de pensamento
que não segmente aquilo que não se encontra segmentado
fora do pensamento.

30
GLOBALIZAR E
DESGLOBALIZAR:
POR UMA POLÍTICA
DA HUMANIDADE
EDGAR MORIN

A globalização é ambivalente. Ela traz o melhor e o pior. Em


várias sociedades tradicionais, ela trouxe uma libertação
para as gerações jovens, que não têm mais de suportar a au-
toridade incondicional dos patriarcas, dos poderes. Igual-
mente, ela garantiu a constituição das classes médias que
vivem conforme os mesmos padrões que o mundo ocidental –
incluindo, aliás, os mesmos vícios de consumo do mundo oci-
dental. Há nisso elementos positivos, uma vez que vêm
também do Ocidente as ideias de direitos dos homens, de di-
reitos das mulheres, de liberdade; sim, mas é preciso estar
consciente das ambivalências, e é isso o pensamento comple-
xo, o pensamento capaz de entender dois fenômenos que são
aparentemente contraditórios.

Essa globalização criou ondas de prosperidade, sim, na


China, no Brasil, em vários países, porém ela favoreceu
também um aumento das desigualdades. Ela provocou uma
desintegração das sociedades tradicionais em prol do indivi-
dualismo, o qual também possui lados positivos, dado que
permite a autonomia, e negativos, dado que pode se trans-
formar em egoísmo e egocentrismo.

31
Levando em conta minha afirmação de que a globalização
é ambivalente, que o desenvolvimento é ambivalente, a nova
voz não consistiria em um desejo de suprimir a globalização,
de desglobalizar – como proclamam certas mentalidades,
que têm consciência da palavra globalização, mas que não
têm consciência dos seus elementos positivos, por exemplo
esta solidariedade que se criou entre seres humanos.
Também o desenvolvimento tem seu lado positivo e seu lado
negativo. O que isso significa? Significa que é preciso globali-
zar e desglobalizar. Isso pode parecer bizarro, já que a nossa
mente não está habituada a assimilar noções que aparentam
ser mutuamente excludentes, mas globalizar significa dar se-
guimento a tudo aquilo que contribui para a solidariedade
humana, para as interações, para a concepção de uma cultu-
ra planetária; ao passo que desglobalizar significa salva-
guardar a autonomia local, regional, nacional, garantir que
as nações e que as regiões não sejam despovoadas, não per-
maneçam dependentes. Afirmei que o desenvolvimento, tal
como é concebido, tende a destruir as comunidades, as soli-
dariedades; esse envolvimento significa salvaguardar tudo
aquilo que nos envolve em uma comunidade, e precisamos
do individualismo, que é produto do Ocidente, e do comunita-
rismo, que é próprio das sociedades tradicionais. Tendo o
Ocidente desintegrado as solidariedades, eu diria que ele
precisa, ao contrário, reencontrar essas solidariedades e, so-
bretudo, respeitá-las, respeitar essa solidariedade das socie-
dades tradicionais.

O mesmo ocorre com o problema do crescimento: certos


ecologistas defendem a necessidade de um decrescimento, e
é verdade, é preciso que haja um decrescimento das energias
poluentes, de uma economia de produtos totalmente superfi-
ciais, de valia mitológica e ilusória, que prometem a saúde, a
felicidade, a juventude, a sedução etc. É preciso que decresça
a intoxicação consumista que assola a classe média e a elite
e, em contrapartida, que cresçam as possibilidades de consu-

32
mo das populações miseráveis e pobres. É preciso combinar
crescimento e decrescimento, ou seja, o que deve crescer com
o que deve decrescer – e o que deve crescer é uma economia
verde, isto é, de energia limpa, uma economia que transfor-
ma as cidades, que as deixa saudáveis e humanizadas. Por-
tanto, é preciso combinar globalização e desglobalização,
desenvolvimento e envolvimento, crescimento e decresci-
mento – e isso, a meu ver, substituindo a palavra desenvolvi-
mento por política da humanidade.

Num conjunto, uma política da humanidade seria uma polí-


tica capaz de efetuar, em cada país, um reencontro entre o
melhor de sua própria cultura e das culturas estrangeiras. O
que, de certo modo, já está começando, pois é curioso que, no
Ocidente, há tamanha insatisfação moral, psíquica, que se
nota um apelo não apenas aos divãs dos psicanalistas e psi-
coterapeutas, mas também à yoga, ao budismo zen, às
formas asiáticas de espiritualidade, para se reencontrar uma
harmonia consigo mesmo, com seu próprio corpo, com seu
próprio espírito. A ideia de uma política da humanidade é a
de uma política que une o melhor do desenvolvimento, mas,
eu repito, que faz essa simbiose e que respeita as qualidades
e os valores de diferentes culturas.

33
MUNDO
O globalismo, tratado no capítulo de Edgar Morin, é um fe-
nômeno inevitável e, como proposto pelo autor, interpretá-lo
fazendo uma balança saudável pode ser a melhor solução
para os povos.

Esse fenômeno, ainda assim, gera certos conflitos à


medida que as distâncias cada vez mais parecem diminuir no
ambiente tecnológico e acontecem choques culturais brus-
cos.

Começam a aparecer fenômenos como o multiculturalis-


mo. Um bom exemplo de país para visualizarmos esse objeto
de estudo é o Canadá, onde se verifica uma multiplicidade de
culturas diversas. E para entender o novo mundo que surge
através do multiculturalismo, este capítulo irá contemplar
Ayaan Hirsi Ali e Tariq Modood em lados opostos, e espera-
mos que você se sinta contemplado diante de um grande
debate. Acompanhe uma breve apresentação dos autores e
boa reflexão sobre mundo.

34
AYAAN HIRSI ALI
De uma maneira ou de outra, a vida e a obra da escritora
somali de origem muçulmana, Ayaan Hirsi Ali, fazem-nos
pensar na trajetória pessoal e intelectual de uma outra
mulher. A filósofa e cientista política Hannah Arendt, cuja
obra, ainda hoje, constitui forte ponto de controvérsia para o
povo judeu.

A fala de Ayaan Hirsi Ali no Fronteiras do Pensamento


parece ressaltar ponto crucial da teoria do romance metafísi-
co elaborada por Simone de Beauvoir – 1946 – para quem,
numa realidade humana cada vez mais complexa, a filosofia,
e principalmente a ética, deveria passar a servir-se de narra-
tivas pessoais e literárias para evocar o debate e a reforma
de temas políticos e morais.

35
A ILUSÃO DA
DOUTRINA DO
MULTICULTURALISMO
AYAAN HIRSI ALI

Cinco anos depois de termos chegado a Ter Aar o destino


nos mostrou sua horrível face mais uma vez. Dessa vez, per-
sonificada na pessoa de Haddiyo. Depois de ter aceitado se
casar com meu pai, ela nos fez uma visita. Para ela, meus
irmãos, minhas irmãs e eu estávamos à beira de perder nossa
nobreza e distinção e, pior, nossa fé: o Islã. Os gêmeos não fa-
lavam somali; Sa’eed e Abdillahi mal conseguiam entender
meu pai quando se dirigia a eles; Mohammed e eu falávamos
somali bem o bastante para servir de tradutores entre os
agentes humanitários e assistentes sociais e nosso pai. Had-
diyo se exasperava com o fato de os filhos mais velhos terem
de servir de intérpretes entre meu pai e as crianças pequenas
e desaprovava abertamente o jeito autoritário de Margriet,
dando a entender que meu pai negligenciava a educação
das filhas a ponto de permitir que nos transformássemos em
– e ela franzia a cara como se tivesse cheirado ovo podre –
gaalo, não muçulmanos, holandeses, cristãos! Tínhamos de
ser salvos dessa decadência e reintegrados em nossa comu-
nidade para resgatar nossa identidade. Além de Haddiyo,
havia outro problema: o pai estava aborrecido e solitário em
Ter Aar. No início, vivia como sempre tinha vivido. Acordava
cedo de manhã, se vestia e partia dizendo que tinha um dia

36
cheio de coisas para fazer. Na verdade, eu sabia que ele ia
ficar batendo papo com seus amigos somalis, mascando qaat
até tarde da noite. Meu pai sentia-se triste por Ter Aar ter
frustrado seus hábitos, pois sem carro era muito difícil voltar
para casa depois da meia-noite. Ele se recusava a aprender
a andar de bicicleta e não podia bancar um carro com a
ajuda de custo que recebia. Além disso, nossos cuidadores se
certificavam de que o dinheiro fosse empregado em comida e
necessidades básicas das crianças.

Não ocorria ao meu pai tentar arranjar um emprego. Mar-


griet, Rita e Liesbeth – que para mim eram a nossa verdadeira
família – organizaram uma espirituosa campanha. Quando o
conflito atingiu proporções irracionais, o problema foi levado
a um comitê que lidava com questões de minorias étnicas e
crianças sob custódia. Haddiyo e as pessoas que a apoiavam
diziam que nossa língua, nossa etnicidade e nossa religião
eram sagradas e tínhamos de ter a oportunidade de viver
entre nossos iguais e aprender nossa religião e nossos rituais.
Usavam como argumento o fato de que falávamos em holan-
dês com nosso pai, que não sabíamos mais fazer as orações
diárias nem nos lavar como muçulmanos. Haddiyo pintava
um quadro terrível do que poderia acontecer quando nos tor-
nássemos adultos sem um sentido de pertencimento, sem
raízes, sem conhecer a cultura de nossos ancestrais. Seu
prognóstico era o de que, com identidades tão frágeis, have-
ríamos de nos tornar adultos doentes, mentalmente doentes;
poderíamos começar a roubar ou a fornicar de maneira des-
controlada.

Por fim, acusava o Serviço de Acolhimento aos Refugiados


de Ter Aar de possuir um plano secreto para nos converter ao
cristianismo. O comitê ia anotando todas as “preocupações”
de Haddiyo. Depois foi a vez de Margriet falar. Ela contou

37
sobre o tempo que vivera conosco na Somália: o caos e a ne-
gligência que nos rodeavam, os problemas causados porque
não havia ninguém para nos ensinar a discernir o certo e o
errado. Descreveu nossa vida em Ter Aar, como passamos a
ter uma rotina estável e ordenada, como toda a cidade tinha
nos acolhido. Havíamos nos tornado fluentes em holandês.
Margriet também descreveu nossas atividades na cidade: eu
cantava no coral; Muhammad e Sa’eed tinham se transfor-
mado em celebridades no time de futebol dos meninos; os
gêmeos filhos do prefeito eram os melhores amigos dos
nossos gêmeos. Depois desse relato, Rita e Liesbeth detalha-
ram como tinha sido difícil fazer com que chegássemos até ali
e as consequências de interromper tudo para que fôssemos
morar com nossos parentes somalis. Alertaram o comitê a
respeito das condições de moradia em Haia: projetos aperta-
dos, blocos de apartamentos insalubres e abundantes de
problemas sociais. Escolas inadequadas, lotadas de crianças
se arrastando para concluir a educação. Eram chamadas de
“black schools” pelos holandeses nativos, que não queriam
mandar seus filhos para estudar nelas. Margriet contrastou
essas escolas com os parques de Ter Aar, o ar saudável do
campo, as flores, as abelhas, a natureza. Concluiu dizendo
que os voluntários de Ter Aar não iam roubar nossa identida-
de, ao contrário, eles nos respeitavam como indivíduos, res-
peitavam nossa capacidade e nos ajudavam a nos tornar
cidadãos bem integrados. Após os membros do comitê terem
anotado todas essas informações, olharam silenciosamente
para Margriet. Em seguida, o coordenador chamou meu pai e
perguntou o que ele pensava de tudo aquilo, porque sua opi-
nião ia contar muito. Ele disse: “Eu confio em Deus. Ele, e só
Ele, pode antecipar o futuro. O destino quis que eu reunisse a
família e educasse minhas crianças de acordo com a tradição
da minha fé e de meus ancestrais”.

38
Duas semanas depois saiu o veredicto. Levei a carta a Lies-
beth e ela a leu para mim. Quando ouvi o que estava escrito,
caí em prantos. Sugeri que escondêssemos a carta de meu
pai. Margriet, Liesbeth e Rita choraram junto com a gente,
mas disseram que o certo seria mostrar a carta ao meu pai.
No dia de nossa despedida do único lugar onde tínhamos sido
verdadeiramente felizes, os nossos amigos queridos ficaram
em silêncio. Já faz dez anos desde que partimos de Ter Aar e
estamos novamente à deriva. O destino deu a última palavra.
Meu pai se casou com Haddiyo. Seu falatório fez com que
meu irmão fugisse para a rua e se juntasse a outros garotos
de sua idade, também de lares infelizes, para matar aula e se
vingar destruindo tudo o que encontram pela frente. Haddiyo
trata minhas irmãs e eu como empregadas. Não sei o que vai
ser dos meus irmãos mais novos. Será essa nossa identidade?
Nossa origem nobre? Servidão, opressão, miséria? Cada vez
que olho para meu pai, fico imaginando como ele pôde acre-
ditar que estaríamos melhor nesses lugares sórdidos do que
em Ter Aar. A resposta que não ouso verbalizar, mas que já
admiti para mim mesma há muito tempo, é que não existe ne-
nhuma dignidade na preservação nem na promoção da
nossa identidade.

Essa é a história de Nasra. Penso, infelizmente, ser muito


parecida com a de milhares de outras histórias pela Europa.
Quando a conheci, quando trabalhava como intérprete, não
fui capaz de dizer nada. Hoje, tenho a sorte de poder falar.
Posso contar, em primeira mão, que não fazemos nenhum
favor aos imigrantes encorajando-os a se aferrarem a hábi-
tos, tradições e dogmas religiosos de seus países de origem. O
multiculturalismo é algo tão central em várias sociedades oci-
dentais que você pode ser acusado de racismo ou de cometer
um crime de consciência se o viola. Contudo, parece-me que
nenhuma tradição ou cultura merece, per se, respeito. So-

39
mente as ações que promovem o bem-estar e o desenvolvi-
mento humano merecem ser cultivadas, sejam ou não tradi-
cionais.

Sempre que o respeito à tradição ou à religião entra em


conflito com as necessidades e os direitos humanos, os direi-
tos individuais devem ser privilegiados. E as sociedades mo-
dernas e seculares da Europa preservam esses direitos
melhor do que as comunidades fechadas e opressivas de imi-
grantes, que tanto sacrifício fizeram para levar suas famílias
para essas sociedades e, de maneira contraditória, tentam
desesperadamente não se deixar afetar por seus valores.

A doutrina do multiculturalismo é uma ilusão cruel que tem


levado muitos dos imigrantes que tiveram a sorte de escapar
das favelas do Terceiro Mundo a serem aprisionados pela po-
breza em conjuntos habitacionais europeus, onde constituem
uma subclasse de excluídos da sociedade.

A igualdade é melhor do que a escravidão. A liberdade é


melhor do que a prisão. E o multiculturalismo legitima prisões
e escravidão. A modernidade – e falo aqui a partir de uma ex-
periência amarga – liberta. Queria compartilhar a história de
Nasra com aqueles que poderiam pensar que os imigrantes
possuem apenas uma identidade, que precisa ser preservada
a todo custo. Se algum dia fizerem parte de um comitê que
avalia questões de minorias étnicas, procurem não tomar de-
cisões como a do comitê holandês, que deixou Nasra e seus
irmãos nas mãos de um destino cruel.

40
TARIQ MODOOD
Intelectual britânico-paquistanês, professor na Universida-
de de Bristol, no Reino Unido, é destaque há duas décadas
nas áreas de políticas públicas, sociologia e ciência política
defendendo precisamente a posição multiculturalista.

Sua ideia – controversa e atual – é bem esta: devemos


abandonar a perspectiva convencional da integração, que
seria aquela da assimilação: etnias e culturas diversas que,
chegando a determinado país por razões várias, buscam
identificação plena com o povo e a nação de chegada. Antes,
seria preciso preservar as múltiplas e distintas identidades
dos grupos, sem fazer imposição alguma acerca dos modos
de viver juntos. Será essa uma utopia em tempos de acirrados
ânimos nacionalistas? Ou, mais grave, terá sido o sucesso do
multiculturalismo o grande responsável pela reação xenófo-
ba que a Europa testemunha? Qualquer que seja a resposta,
as ideias de Tariq Modood em sua conferência no Fronteiras
do Pensamento constituem uma rica reflexão sobre o tema.

41
MULTICULTURALISMO
E MODOS DE
INTEGRAÇÃO
TARIQ MODOOD

Existem pelo menos três aspectos diferentes que precisam


ser distinguidos, três diferentes modos de integração. Histori-
camente, Estados-nação como Inglaterra, França, Estados
Unidos, Austrália, para mencionar apenas alguns, vêm de-
mandando e buscando a assimilação dos imigrantes e de
seus filhos e netos, ou seja, vêm solicitando aos recém-chega-
dos que se tornem o mais parecidos possível com a popula-
ção já estabelecida, muitas vezes referida como população
de acolhida. Pedem aos que vêm de fora para se tornarem
parecidos com essa população o mais rápido possível, para
não perturbar o status quo. Muitas pessoas, porém, estão co-
meçando a perceber que esse procedimento não é satisfató-
rio. Eu diria que, desde a década de 1960, quando nossas
ideias de igualdade foram colocadas em xeque por ideias de
indiferenciação, de respeito à diferença e de não exigência
de conformidade e assimilação, muitos países não acreditam
mais em assimilação, ou pelo menos são incapazes de prati-
cá-la, são incapazes de impô-la. Eu diria que, ao menos em
parte – de forma alguma totalmente – na Europa Ocidental
estamos migrando para outro tipo ou modalidade de integra-
ção, uma evidência de que a integração é um processo de
mão dupla, e não unilateral, como a assimilação, com os

42
novos habitantes se tornando mais parecidos com a popula-
ção existente. A integração é processo no qual deve haver
mudança, adaptação, sensibilidade de ambas as partes e,
em particular, cabe às instituições da sociedade fazerem o
maior esforço no sentido de mudar para se acomodar a esses
novos indivíduos, cujas sensibilidades, cujas experiências e
cujos conhecimentos têm pouca chance de serem incluídos.

De modo geral, essas instituições, direta ou indiretamente,


tendem a discriminar as pessoas que não parecem “normais”,
não se encaixam nos padrões. Com efeito, há muitas histórias
de racismo na Europa, herança da era colonial. Muitas pes-

soas reconhecem que a integração tem de ser uma via de


mão dupla, ou seja, não é o que os imigrantes possam fazer
sozinhos. A sociedade, os governos, os empregadores, as uni-
versidades, as igrejas, todos estão envolvidos na integração.
O multiculturalismo também é uma modalidade de integra-
ção, é uma modalidade que considero particularmente inte-
ressante. O multiculturalismo também reconhece a importân-
cia de um processo de mão dupla, mas vai além ao perceber
que não estamos lidando com indivíduos, estamos lidando
com grupos. Trata-se de pessoas que possuem um sentido de
identidade grupal, seu próprio senso de vínculo, de pertenci-
mento, sua própria noção de excluídos e sua própria disposi-
ção a se unirem para demandar que sua inclusão se dê de
forma igualitária, e essas identidades possam ser várias, múl-
tiplas, plurais, sejam elas étnicas, sejam religiosas, sejam mis-
turas desses elementos. Além disso, os grupos não são homo-
gêneos; alguns enfatizam a cor, de modo que as pessoas
possam dizer algo positivo sobre o fato de serem negras;
outros tipos de origem não europeia não valorizam particu-
larmente a cor ou a aparência, mas o país de origem; outros
ainda enfatizam a cultura, que pode vir, por exemplo, do
Punjab ou da China; e existem aqueles que valorizam a iden-

43
tidade religiosa, que pode estar relacionada ao hinduísmo, ao
islamismo, à religião dos sikhs e assim por diante. Os grupos,
portanto, são muitos, o que é capturado pelo termo “multi”.
Não são homogêneos e a sociedade não pode ser simples-
mente dividida em dois, o predominante constituindo a maio-
ria, e o singular, a minoria. Existem muitas minorias e, na ver-
dade, até mesmo a maioria é diversa em seu interior. Assim, o
multiculturalismo é uma forma de integração, mesmo que
muitas pessoas, hoje em dia, tanto na Europa quanto em
outros continentes, o critiquem por não ser suficientemente
sensível às questões da integração, por dificultá-la e até por
rivalizar com ela. Nenhuma dessas críticas é correta, na
minha opinião, porque o multiculturalismo é uma forma de
integração, uma forma pluralística de integração.

44
CONHECIMENTO
Existe uma diferença marcante entre conhecimento e
informação, pontuada por Susan Greenfield em sua confe-
rência ao Fronteiras do Pensamento. Afinal, é inegável que o
acesso à informação cresceu de forma desenfreada nos últi-
mos anos com as novas tecnologias.

A pergunta que paira em meio a esse boom tecnológico e


de informação que chega a todo instante é se estamos, real-
mente, fazendo um bom uso desse acesso e conseguindo dis-
seminar conhecimento em todas as camadas da sociedade.

Pois, como pontua Fernando Savater, o voto do ignorante


vale o mesmo do que o do intelectual. É necessário se ter em
mente que o conhecimento é a mais poderosa das armas,
crucial para a defesa da democracia e da liberdade de pen-
samento.

E as velhas crenças? Os dogmas que transcorrem toda a


história da humanidade? Há como conhecimento em termos
científicos andar lado a lado com a fé? Marcelo Gleiser
aborda o tema em sua conferência.

Que os capítulos que aqui se seguem sejam uma fagulha


na chama do conhecimento.

45
FERNANDO SAVATER
Possivelmente o mais importante intelectual da Espanha
nos últimos quarenta anos, Fernando Savater, nascido em
1947, tornou-se uma referência não apenas em seu país, mas
também na Europa e na América Latina. Professor de Filoso-
fia na Universidade Complutense de Madri e na Universidade
Basca, negou-se a permanecer nos limites do universo aca-
dêmico e vem produzindo uma vasta obra que abrange di-
versas áreas do conhecimento, como a Ética, a Educação, a
Política e a Literatura, entre outras.

O trecho de sua conferência no Fronteiras do Pensamento


registra a importância decisiva da educação no estabeleci-
mento de uma visão democrática de mundo. Não se trata de
dirigir a consciência dos indivíduos, mas de explicitar o cará-
ter complexo e ambivalente da realidade e, portanto, admitir
que tudo pode ser analisado sob vários pontos de vista, sem
que isso signifique que todas as opiniões sejam corretas. Ao

46
contrário, a tarefa da educação é a de capacitar os alunos
tanto para o ato de persuadir quanto o de serem persuadi-
dos, o que exige, antes de tudo, aperfeiçoamento ético e um
conhecimento mais aberto e plural da existência.

CORAGEM PARA VIVER,


GENEROSIDADE PARA
CONVIVER E PRUDÊNCIA
PARA SOBREVIVER
FERNANDO SAVATER

Até que ponto é importante a educação na democracia?


Pensemos que a educação é tão importante quanto a con-
fiança que depositamos nos outros. Há uma frase de John Ke-
nneth Galbraith, o economista canadense que trabalhou
quase a vida toda em Harvard. Galbraith dizia: “As democra-
cias contemporâneas vivem sob o temor permanente da
influência dos ignorantes”. Ou seja: as democracias atuais
sabem que todo mundo pode votar, e que o ignorante tem um
voto que vale tanto quanto o voto da pessoa educada e cons-
ciente. Os ignorantes, claro, são os que vão favorecer os pro-
jetos demagógicos, vão obstaculizar as medidas necessárias
que implicam certo sacrifício etc.

Os ignorantes aos quais Galbraith se refere não são os ig-


norantes no sentido científico do termo, aqueles que não
sabem o que é a fotossíntese ou que não sabem situar Teguci-

47
galpa no mapa; não, ele se refere à ignorância que é perigo-
sa à democracia, a ignorância de quem é incapaz de enten-
der um argumento alheio, incapaz de entender um texto sim-
ples, quando o texto expõe uma série de questões importan-
tes. Ou seja: o ignorante é incapaz de persuadir os outros ou
de ser persuadido pelos outros. Quem não consegue persua-
dir ou ser persuadido não está preparado para uma vida de-
mocrática. Porque a democracia parlamentar é um regime
de persuasão mútua. Todos temos de tentar persuadir os
outros e nos abrir à persuasão dos outros.

Hoje se diz muito que todas as opiniões são respeitáveis.


Bobagem. Evidentemente, todas as pessoas são respeitáveis,
não importando suas opiniões. Mas as opiniões em si não são
respeitáveis. Se uma pessoa acredita que dois mais dois são
cinco, não deverá ser torturada ou encarcerada por isso, tam-
pouco deverá dar aulas de matemática, mas a opinião de que
dois mais dois são cinco não é tão respeitável quanto a opi-
nião de que dois mais dois são quatro. Temos que aprender a
distinguir. A forma de respeitar as opiniões é discuti-las. No
latim, discutere é puxar uma árvore para ver se tem raízes
fortes ou não. Quando alguém discute uma opinião, quer ve-
rificar se ela tem raízes no real, na realidade, ou se não tem,
se é algo meramente superficial.

Há três virtudes ou conjuntos de virtudes que seria impor-


tante reforçar em nossos educandos. Em primeiro lugar, a co-
ragem. A coragem de viver, porque todos enfrentamos a
perspectiva da morte, as dificuldades, as ameaças. Sem co-
ragem, não se pode viver – e não se pode, sobretudo, viver
eticamente. Sem coragem, uma pessoa virtuosa não saberá
exercer suas virtudes. Reforçar a coragem – algo nada fácil –
é parte fundamental da educação ética.

48
Coragem para poder viver, e generosidade para pode con-
viver. Conviver sempre exige, de alguma maneira, ceder.
Todos nós acalentamos, na infância, um sonho de onipotência
que aos poucos vai se desfazendo conforme percebemos que
somos apenas um entre muitos, cada um com seus objetivos.
A convivência com os outros é sempre um pouco dolorosa,
sempre um pouco frustrante. Nem sempre podemos fazer o
que queremos, precisamos limitar nossos desejos no choque
com os demais. Precisamos de generosidade para suportar
os desejos alheios e para ajudar, também, a quem não pode
cumprir suas próprias expectativas sociais e necessita de
apoio. Coragem para viver, generosidade para conviver e,
por fim, prudência para sobreviver. A vida é cheia de armadi-
lhas, dificuldades e riscos. Fazer o bem é muitas vezes arris-
cado, e de nada serve o martírio sem algum proveito.

É preciso manter esses três grupos de virtudes imprescindí-


veis na sociedade: coragem para viver, generosidade para
conviver e prudência para sobreviver.

49
MARCELO GLEISER
Físico teórico especializado em cosmologia, física de altas
energias, teoria da complexidade e astrobiologia. Professor
do Dartmouth College em Hanover (EUA), formou-se na PUC-
-Rio (1981), realizou seu mestrado na URFJ (1982) e doutorou-
-se pelo King’s College London (1986).

Nesta conferência, Gleiser sustenta uma postura de demar-


cação entre ciência e religião sem que por isso haja conflito
entre ambas. O método científico, propõe Gleiser, caracteri-
za-se pelas evidências empíricas sobre as quais ele se apoia.
O cientista não acredita em algo simplesmente porque quer –
ele deve fundamentar sua opinião em dados empíricos. A
crença religiosa não entra necessariamente em conflito com
a atividade científica: para esses cientistas, a ciência ajuda a
revelar a beleza da Criação. Esta complementaridade é per-
turbada apenas quando esquecemos do propósito de cada
uma dessas atividades.

50
QUANDO NÃO EXISTE
CONFLITO ENTRE
CIÊNCIA E FÉ
MARCELO GLEISER

A diferença entre ciência e fé é a seguinte: em ciência, a


gente tem que ver para crer. Você observa a natureza, você
observa o mundo, obtém dados sobre como o mundo funcio-
na, analisa esses dados e entende. Pela fé, você crê para ver.
A crença vem antes da visão. Você acredita naquilo, nem pre-
cisa ver nada, acredita naquilo e esse, essencialmente, é o
cerne da fé, que é uma outra maneira de se relacionar com a
realidade, muito diferente da ciência.

Infelizmente, hoje em dia, parece que essa questão está


novamente a mil, a chamada “guerra” entre a ciência e a reli-
gião. Na verdade, essa é uma guerra fabricada porque, por
exemplo, se você pergunta aos cientistas, mais ou menos 40%
deles, ao menos nos Estados Unidos – não sei se existe essa
estatística no Brasil, talvez seja até maior aqui –, acreditam
em alguma forma de divindade, de Deus. E eles vão para os
laboratórios deles, fazem suas pesquisas, sem que haja qual-
quer conflito entre a fé e a ciência deles. Ao contrário, dizem
que a pesquisa os ajuda a apreciar essa divindade, ou seja,
que a pesquisa os aproxima da beleza da natureza, que
interpretam como sendo obra de Deus.

Como que podemos, então, tentar conciliar visões distintas

51
entre ciência x religião? Acho que a melhor maneira é a se-
guinte. Se tirarmos das religiões a roupa do dogma, qual é a
sua essência, a essência de todas as religiões? É o contato
com uma espiritualidade, com uma espécie de emoção pri-
mordial com o mundo, com a natureza. Sempre nasceram
assim. Lembra? No início da história da religião as árvores
eram sagradas, os montes eram sagrados, essa pedra tinha
um significado. Existia uma relação de maravilhamento com
o desconhecido, e essa espiritualidade é que deu origem à
religião. Essa é uma sensação, uma coisa subjetiva, individual,
que cada um pode ter. É uma procura de você mesmo com
sua espiritualidade, perante um mundo que é muito maior do
que a gente. Se você tira o ritual, o dogma cristão, judaico,
muçulmano, hindu, budista, essencialmente todas as religiões
falam dessa relação do ser humano com essa espiritualidade,
essa ressonância com o mundo.

A ciência também. Por que as pessoas fazem ciência? As


pessoas fazem ciência para poder se aproximar da natureza,
do mundo. O espírito de busca, essa relação com o mistério,
com o desconhecido, é essencialmente a mesma, tão carre-
gada de espiritualidade quanto essa religião sem roupa,
vamos dizer assim, essa espiritualidade nua, essa relação
com o mistério, com o desconhecido. Assim, se a gente esque-
cer dos dogmas da religião e da linguagem científica, que é o
que vem depois, mas entender a subjetividade da procura
das pessoas com relação a esses grandes mistérios, religião e
ciência têm muito em comum.

Se quisermos entender a relação entre ciência e religião,


temos que procurar esse momento, esse momento que é es-
sencialmente essa irracionalidade, esse maravilhamento que
existe com o mundo, com esse mistério. E, quando fazemos
isso, aliamos esse maravilhamento com o que descobrimos

52
sobre o universo, sobre as estrelas, sobre os planetas, sobre a
vida que existe à nossa volta e a que talvez possa existir em
outros lugares. E sabe o que a gente descobre? Que a vida é
extremamente rara. Você olha para Vênus, onde a temperatu-
ra na superfície é de mais de 400 graus, um efeito estufa terrí-
vel. Mercúrio é uma desgraça. Marte, se teve vida não tem
mais. Júpiter e Saturno não têm vida, impossível. Então, o que
a gente aprende com isso tudo? Que a vida é extremamente
rara e extremamente bela. Se existe uma nova moral que tem
que ser adotada o quanto antes é justamente o dever de cele-
brar a vida e sua raridade. Creio que a grande lição que
aprendemos com a ciência moderna é justamente essa, que
temos uma casa que, apesar de tão insignificante, é profun-
damente importante no universo. A vida é rara, a vida é pre-
ciosa. Nós temos a obrigação moral de preservar essa vida e
esse nosso planeta. Essa é a essência do ensinamento científi-
co para o século 21.

53
SUSAN GREENFIELD
Renomada pesquisadora do departamento de fisiologia
médica de Oxford, com passagens pelo Collège de France e
pelo Centro Médico da Universidade de Nova York, além de
dezenas de premiações e, não suficiente, baronesa, membro
da Câmara dos Lordes britânica.

Greenfield apresenta a distinção entre informação e co-


nhecimento, isto é, a necessidade de percebermos que a mul-
tiplicação de informação disponível, bem como a sua facilita-
ção de acesso, não parece estar tornando as pessoas mais
sábias ou mais capazes de resolver conflitos de complexida-
de. Quer dizer, temos a informação instantânea e disponível à
mão, mas isso não nos tornou – assim o parece – melhores
conhecedores dos problemas da sociedade e da humanida-
de, tampouco capazes de resolvê-los.

54
COMPUTADORES
MELHORAM NOSSO
QI, MAS REDUZEM
NOSSA INTELIGÊNCIA?
SUSAN GREENFIELD

O ambiente do século 21 é algo sem precedentes. Vejamos


as evidências. Para lhes mostrar minha imparcialidade, vou
lhes recomendar um livro: Steven Johnson [em Everything bad
is good for you: how today’s popular culture is actually making
us smarter] afirma que as tecnologias de tela podem ter
muitos benefícios. Ele está certo. Elas aprimoram nossa me-
mória de trabalho e até mesmo, possivelmente, nosso QI. Ele
vai além: talvez esse aumento de QI que aconteceu em várias
sociedades nas últimas décadas, o chamado “efeito Flynn”,
tenha relação com jogos de computador – porque as habili-
dades que treinamos num jogo de computador são muito se-
melhantes a um teste de QI. Como vimos, se você não usa,
você perde. Você fica bom naquilo que pratica. Se você joga
videogames, onde há padrões e associações e sequências e
respostas, talvez você tenha um QI alto. Mas ele também
afirma – e isso é importante: vimos um aumento de QI, mas
não vimos nenhum discernimento maior quanto aos proble-
mas econômicos do mundo, ou quanto à crise no Oriente
Médio. Processar informações e completar uma tarefa com
grande agilidade mental não quer dizer que a compreensão

55
e a intuição melhoraram. Não devemos confundir informação
com conhecimento.

Algumas pessoas dizem: “Ah, você está exagerando, tecno-


logias sempre existiram, e, sempre que surge uma tecnologia
nova, pessoas como você ficam fazendo objeções”. Vejam o
caso da televisão. Sou velha o bastante para me lembrar da
chegada dos aparelhos de televisão. Naquele tempo, a TV era
mais ou menos como o piano 100 anos atrás. Ou seja, algo
que estimulava a interação familiar. Eu me lembro da minha
família jantando na frente da TV, discutindo e debatendo as
coisas que víamos. Que diferença em relação a hoje, quando
as pessoas se isolam em seus quartos para ver TV por longos
períodos. Quando eu era jovem, ficar no quarto era uma pu-
nição. Os quartos eram só para dormir. Não podemos dizer
que as tecnologias são as mesmas. Até agora, as tecnologias
foram meios para determinados fins. A televisão unia a famí-
lia à noite. O prelo produzia livros, que nos abriam janelas,
por fato e ficção, para outras partes do mundo e para como
as outras pessoas pensavam. O carro nos levava de um ponto
a outro com grande rapidez. A geladeira mantinha a nossa
comida resfriada. Agora, a tecnologia não é necessariamente
um meio para determinado fim. Ela se tornou um fim em si.
Essa é a grande diferença.

Recentemente apresentamos uma carta, assinada por 200


especialistas, eu inclusive, que ganhou a primeira página do
Daily Telegraph. Dizíamos estar preocupados com o fato de
que as crianças estavam, de certa forma, perdendo suas
infâncias. Estavam crescendo rápido demais, não estavam
desfrutando dos maravilhosos benefícios de ser uma criança.
Entre os muitos motivos, a obsessão pela internet e pelo
ciberespaço. A questão é que o Daily Telegraph considerou o
assunto importante o suficiente para colocá-lo na primeira

56
página – acima da Primavera Árabe, acima da crise
econômica, acima do colapso da União Europeia, acima de
tudo. Vejamos o que dizem as estatísticas. Cinquenta e quatro
por cento das crianças do grupo entre 13 e 17 anos passam
mais de trinta horas por semana, de modo recreativo, na
frente da tela. De quatro a cinco horas por dia não fazendo
outras coisas, sem caminhar na praia, sem abraçar alguém,
sem sentir o Sol no rosto. Houve um estudo recente no Reino
Unido mostrando que, desde 1970, o espaço no qual as
crianças perambulam livres e podem brincar diminuiu 90%.
São pessoas vivendo suas vidas em duas dimensões,
estimulando apenas a visão e a audição. Preferem essa vida
a uma vida em três dimensões, com estímulos aos cinco
sentidos.

É inegável que, por mais fantástica que seja a experiência


na tela, se ela ocupar tempo demais do seu dia, você certa-
mente estará negligenciando coisas importantes da vida. Ve-
jamos como o cérebro poderá mudar diante dessa transfor-
mação jamais vista, sob três tópicos. O primeiro é o impacto
das redes sociais. No Reino Unido, os estudos mostram que,
em vez de fazer ligações telefônicas ou até mesmo conversar,
as pessoas cada vez mais preferem apenas mandar mensa-
gens de texto umas às outras. Hoje em dia, não sei se no Brasil
é assim, o ambiente de trabalho é um lugar bastante quieto,
porque as pessoas se comunicam por mensagens de texto.
Quando conversamos cara a cara com alguém, as palavras
só representam 10% do impacto. O contato visual e a lingua-
gem corporal são importantíssimos. Todo mundo sabe:
quando conversamos com alguém pela primeira vez, pode-
mos assustar a pessoa com um mero olhar fixo – a não ser
num caso de amor à primeira vista. Também podemos deixá-
-la desconfortável não olhando para ela em absoluto. É uma
habilidade sutil que aprendemos: em que medida fixamos ou

57
desviamos o olhar. Não encontramos nada, nenhuma dessas
coisas no Facebook. Sobretudo se você for jovem e não tiver a
experiência de amizades reais, relacionamentos reais, você
nunca praticará contato visual, linguagem corporal, tom de
voz, contato físico – e, como vimos, sem praticar, você não vai
fazer bem.

A mente do futuro terá tanto coisas boas quanto ruins. Um


QI mais alto e uma memória de curto prazo aprimorada.
Quem não vai querer? É algo ótimo. Quanto à menor aversão
aos riscos, isso pode ser ruim ou bom. No lado ruim, menos
capacidade de atenção, ícones versus ideias, uma ênfase no
sensorial, menos empatia, menor cultura letrada e menor
senso de identidade. Pensemos nos tumultos em Londres,
quando as pessoas disseram que se sentiam vivendo num
videogame. A resposta pode ser a seguinte: não seria maravi-
lhoso você poder desenvolver um senso de individualidade,
um senso de respeito pelos outros indivíduos, um senso de
realização pessoal em vez de apenas viver o momento, e ser
útil, talvez, à sociedade? Creio que tudo isso tem a ver com
criatividade – não me refiro a escrever sinfonias ou romances,
mas a ver o mundo de uma nova maneira. Ajudar as pessoas,
fazer conexões e associações que lhes deem um significado e
uma compreensão que jamais haviam tido.

Como vimos, a mudança mental tem muitos problemas di-


ferentes, as redes sociais, identidade, empatia, os videoga-
mes, vício, baixa capacidade de atenção, as ferramentas de
busca, informação versus conhecimento. Também é sem pre-
cedentes. Também é controverso. Também é global. Mas há
uma grande diferença entre mudança mental e mudança cli-
mática. Com a mudança climática, é urgente limitar os danos.
Estamos tentando frear, impedir que a situação piore demais.
Com a mudança mental, não precisa ser assim. Com a mu-

58
dança mental, poderíamos usar as tecnologias para as pes-
soas serem mais criativas, para ajudá-las a se desenvolver
como indivíduos. Nunca antes tivemos a oportunidade de
fazer isso.

59
SOBRE O FRONTEIRAS
DO PENSAMENTO
O Fronteiros do Pensamento é um evento comprometido
com a liberdade de expressão, a diversidade de ideias e a
educação. O projeto promove conferências com pensadores
de todo o mundo e desenvolve conteúdos múltiplos para a
posteridade.

Em 14 anos, o Fronteiras do Pensamento contou com mais


de 250 conferencistas, grandes intelectuais em suas áreas do
saber. As conferências, realizadas para milhares de especta-
dores por meio de temporadas anuais, também servem como
plataforma para geração de entrevistas, séries de livros, além
de diversas outras publicações.

Não deixe de acessar fronteiras.com para ter acesso a todo


esse riquíssimo conteúdo.

Em 2020, o Fronteiras do Pensamento iniciou uma dinâmica


mais abrangente: rompeu as barreiras físicas e criou um am-
biente digital. Em paralelo à previsão de retomada dos even-
tos físicos no segundo semestre de 2021, a presença do proje-
to no digital crescerá ainda mais neste ano com o lançamento
de novas experiências.
E APROVEITE!
O e-book que você acabou de ler é fruto de
uma obra maior. O 21 ideias do Fronteiras do
Pensamento para compreender o mundo atual
traz outros dez autores e mais trechos das
conferências que você acabou de ler, além de
apresentações construídas por grandes autores
e pesquisadores brasileiros. Não perca a chance.

SAIBA MAIS
Organizador: Ricardo Santos; Revisão: Renato Deitos;
Design: Leonardo Francisco.

Este e-book foi criado a partir do livro 21 ideias do Fronteiras do


Pensamento para compreender o mundo atual, organizado por
Fernando Schüler e Eduardo Wolf, editado por Luciana Thomé e
publicado por Arquipélago Editorial.

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