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Melleis – artigo cedido pelo Abel Paiva

As mudanças no estado de saúde podem proporcionar oportunidades de uma melhoria do


bem-estar e expor os indivíduos a risco de doença acrescidos bem como a despoletar o
processo de transição. A vulnerabilidade pode ser conceptualizada como uma qualidade das
vidas quotidianas revelada através da compreensão, das experiências dos clientes e das
respostas durante os períodos de transição. Neste sentido a vulnerabilidade está relacionada
com experiências de transição, interacções e condições ambientais que expõem os indivíduos
a potenciais perigos. As vidas quotidianas dos indivíduos, os ambientes e as interacções são
moldadas pela natureza, condições, significados e processos das experiências de transição. As
transições resultam de e resultam em mudanças, mudanças de vida, saúde, relacionamentos e
ambientes.

As enfermeiras são muitas vezes os principais cuidadores dos clientes e das suas famílias que
estão a passar por um processo de transição. Elas atendem às mudanças e exigências que as
transições trazem às vidas quotidianas dos clientes e suas famílias. Para além do mais as
enfermeiras tendem a ser os cuidadores que preparam os clientes para as transições e que
facilitam o processo de aprendizagem de novas competências relacionadas com a saúde dos
clientes e experiência de doença. Exemplos de transições que tornam os clientes vulneráveis
são: experiências de doença tais como diagnósticos, procedimentos cirúrgicos, reabilitação e
recuperação; transições desenvolvimentais e de esperança de vida tais como gravidez,
nascimento, paternidade, adolescência, menopausa, envelhecimento e morte; e transições
culturais e sociais tais como migração, reforma e prestação de cuidados à família.

Como conceito central da enfermagem, a transição foi analisada e uma metodologia de


trabalho foi definida para articular e reflectir as relações entre os componentes de uma
transição. A transição tem sido usada como perspectiva e como metodologia de trabalho.

Metodologia de trabalho resultante dos estudos apresentados

A metodologia proposta consiste em:

Tipos e padrões de transições;


Propriedades das experiências de transição;
Condições de transição: facilitadoras e inibidoras;
Indicadores de processo;
Indicadores de resultado;
Terapêuticas de enfermagem.
Neste artigo os autores abordam os cinco primeiros pontos apresentados anteriormente, por
não caber no âmbito deste estudo as terapêuticas de enfermagem. As relações entre os seis
componentes são apresentadas na tabela seguinte:

Natureza das Condições de Transição: Facilitadoras e Inibidoras Padrões de Resposta


Transições

Tipos Pessoais Indicadores de Processo

Desenvolvimentais Significados Sentir-se integrado


Situacionais Crenças culturais e atitudes Interagir
Saúde/Doença Estatuto sócio-económico Localização e sentir-se
Organizacionais Preparação e conhecimento situado
Desenvolver a confiança
e lidar com a situação
Padrões
Comunitários Sociais
Únicas
Múltiplos Indicadores de Resultado
Sequenciais
Simultâneos Domínio
Relacionados Identidades integra-
Não-relacionados cionistas fluidas

Propriedades

Consciência
Envolvimento
Mudança e
diferença
Duração da Terapêuticas de Enfermagem
transição
Pontos críticos e
eventos

Tabela 1 (traduzida e adaptada)

Discussão de cada um dos componentes


Tipos e padrões de transições múltiplas e complexas

Os tipos e padrões de transições que as enfermeiras encontram ao trabalhar com os doentes e


seus familiares foram identificados como: desenvolvimentais, saúde e doença, situacionais e
organizacionais. Os resultados da pesquisa suportam esta tipologia como representativa das
transições centrais para a prática da enfermagem. No entanto, a pesquisa também suportou a
noção de transições como padrões de multiplicidade e complexidade. Por exemplo, cada um
dos estudos descritos envolveu indivíduos que estavam a experimentar pelo menos dois tipos
de transição, indiciando que as transições não são discretas ou mutuamente excluíveis.
Estudiosos do fenómeno da Migração têm chamado a atenção para as transições estruturais
múltiplas envolvidas, tais como transições no emprego, estatuto económico, cultura e redes
sociais. Messias notou que as experiências de migração de mulheres brasileiras eram de
natureza múltipla e complexa e não ocorriam isoladas, mas antes em conjunto com outras
situacionais, desenvolvimentais e transições de saúde-doença. À medida que falavam sobre as
suas experiências de migração, trabalho e saúde as inter-relações e conexões de transições
múltiplas foram-se interligando ao longo das suas narrativas. Do mesmo modo, Im descobriu
que as mulheres coreanas do seu estudo não estavam apenas a lidar com a transição
desenvolvimental da menopausa mas também com transições situacionais relacionadas com a
migração e o trabalho. De facto, para estas mulheres, a transição da menopausa foi encarada
como não prioritária em comparação com as outras transições que estavam a vivenciar.

Messias et al descobriram que o diagnóstico de CHD em recém-nascidos ou bebés deu origem


a uma transição inesperada sobreposta a outras transições pessoais e familiares relacionadas
com o nascimento e a paternidade. Schumacher descobriu que a transição para o papel de
prestador de cuidados não poderia ser compreendida isolada da transição saúde-doença vivida
pelo familiar canceroso. Ao mesmo tempo que o prestador de cuidados estava a viver a
transição para o papel de prestador de cuidados, o familiar canceroso estava a viver a
transição para portador de doença potencialmente mortal.

À luz dos resultados destes estudos, a análise da natureza das transições sugere que as
enfermeiras devem considerar os padrões de todos os padrões de todas as transições
relevantes no indivíduo e na sua vida familiar em vez de se concentrar num tipo específico de
transição. Padrões de transição incluiriam transições únicas ou múltiplas. Considerações
importantes são se as transições múltiplas são sequenciais ou simultâneas, a extensão da
sobreposição de transições e a natureza das relações entre os diferentes eventos que estão a
despoletar transições num dado cliente.

Propriedades da experiência de transição

As transições são complexas e multidimensionais, mas várias propriedades essenciais das


experiências de transição foram identificadas. Assim, estas incluem:

Consciência
Envolvimento
Mudança e diferença
Duração da transição
Pontos críticos e eventos
No entanto, estas propriedades não são necessariamente distintas ou isoladas. Na verdade,
são propriedades interligadas de um processo complexo.

Consciência

A consciência está relacionada com a percepção, conhecimento e reconhecimento de uma


experiência de transição. O nível de consciência reflecte-se muitas vezes no grau de
consonância entre o que é conhecido acerca dos processos e respostas e aquilo que constitui o
conjunto esperado de respostas e percepções de indivíduos perante transições semelhantes.
Chick e Meleis incluíram a consciência como uma característica essencial da transição e
alegaram que para estar numa transição, uma pessoa deve ter alguma consciência das
mudanças em curso. Propuseram que a ausência de consciência pode significar que o indivíduo
talvez não tenha iniciado a experiência de transição. Os autores deste artigo defendem,
contudo, que embora a consciência pareça ser uma propriedade importante da transição, a
ausência de manifestações de consciência não impede o início da transição.

Apesar da análise dos estudos apresentada no artigo, algumas questões continuam por
responder. Nomeadamente a questão de saber o que é que despoleta a transição: a
consciência da enfermeira ou a do cliente?

Envolvimento

Outra propriedade das transições é o nível de envolvimento no processo. O envolvimento é


definido como o grau de envolvimento no processo inerente à transição que a pessoa
demonstra. Exemplos de envolvimento são a procura de informação, usar modelos de
referência, preparar-se activamente e a modificação proactiva das actividades. O nível de
consciência influencia o nível de envolvimento já que o envolvimento pode não ser possível se
não houver consciência. O nível de envolvimento de uma pessoa que está consciente de
mudanças físicas, emocionais, sociais ou ambientais será necessariamente diferente do de
uma pessoa que não esteja consciente dessas mudanças. Sawyer descobriu várias exemplos de
diferentes níveis e diferentes tipos de envolvimento na transição para a maternidade entre as
participantes do seu estudo. Por exemplo, uma mulher nos primeiros meses de gestação que
não tenha consciência das mudanças no seu corpo pode não ter tantos cuidados relativamente
a medicamentos potencialmente perigosos ou acerca da sua dieta.

Mudança e Diferença
A mudança e a diferença são propriedades essenciais das transições. Embora semelhantes,
estas propriedades não são intermutáveis, nem são sinónimos de transição. Todas as
transições envolvem mudança, enquanto nem todas as mudanças estão relacionadas com
transições. Um exemplo do estudo dos pais de crianças diagnosticadas com doenças
congénitas ilustra a diferença entre mudança e transição. Um dos pais descreveu o impacto do
diagnóstico como tendo resultado numa mudança abrupta no foco familiar. No entanto, a
transição foi um processo de longo prazo, que implicou que o pai se adaptasse a novos papeis
e situações, que aceitasse o diagnóstico, resultando eventualmente em novos significados e
uma sensação de domínio quando apreendeu e compreendeu esta nova situação. Assim, as
transições são o resultado de mudanças e resultam em mudanças.

Para compreender completamente um processo de transição é necessário descobrir e


descrever os efeitos e significados das mudanças envolvidas. Dimensões da mudança que
devem ser exploradas incluem a natureza, temporalidade, importância percebida ou
gravidade, e ainda normas e expectativas pessoais, familiares e sociais. A mudança pode estar
relacionada com eventos críticos ou desequilibradores, rupturas nos relacionamentos ou
rotinas, ou ainda com ideias, percepções e identidades. Por exemplo, alguns pais de crianças
diagnosticadas com doenças congénitas identificaram o evento do diagnóstico como o evento
desequilibrador crítico, mas para outros os tratamentos das doenças congénitas, como a
cirurgia cardíaca foram mais desequilibradores. Sawyer notou que as mulheres afro-
americanas compreenderam que quaisquer mudanças que sentissem nos seus corpos poderia
afectar o desenvolvimento dos seus bebés.

Confrontar a diferença é outra propriedade das transições, exemplificada por expectativas


frustradas ou divergentes, sentir-se diferente, ser visto como diferente ou ver o mundo e os
outros de formas diferentes. Messias notou que as mulheres imigrantes confrontaram a
diferença a vários níveis diferentes. Aquelas que tinham expectativas de oportunidades
facilitadas e abundantes e de dinheiro fácil foram confrontadas, à chegada aos Estados Unidos,
com a realidade muito diferente de ofertas de emprego restritas e por vezes humilhantes.
Contudo, as expectativas foram variadas e individualizadas, sendo que a diferença entre as
expectativas e a realidade nem sempre foi negativa. Enquanto algumas imigrantes se sentiram
agradavelmente surpreendidas. As imigrantes também encontraram diferenças na comida,
supermercados, sistema de saúde, padrões sociais e crenças, paisagem, linguagem e no modo
como os americanos demonstram afecto. Uma mulher comentou que era muito difícil “não se
sentir afectada por todas estas diferenças.” Algumas imigrantes que elas próprias estavam
mudadas, que estavam diferentes porque se tinham tornado “mais americanas”, mais
impessoais e menos envolvidas socialmente. Outras identificaram-se como mais
independentes, responsáveis e autónomas. A imigração teve muitas vezes como resultado um
apagamento de diferenças percebidas anteriores, tais como diferenças de classes sociais ou de
empregos para homens e mulheres. No entanto, tal apagamento não significa
necessariamente que as diferenças se tenham apagado. As diferenças percebidas resultaram
por vezes em mudanças de comportamento ou de percepções, mas nem todas as diferenças
afectaram as mulheres da mesma forma ou tiveram o mesmo significado. Ao examinar as
experiências de transição, pode ser útil para as enfermeiras considerar o nível de conforto e de
domínio dos clientes na forma como lidam com a mudança e a diferença.

Duração da Transição

Todas as transições se caracterizam por um movimento ao longo do tempo. Bridges


caracterizou a transição como um período de tempo com um ponto final identificável,
estendendo-se desde os primeiros sinais ou antecipação, percepção ou demonstração da
mudança; através de um período de instabilidade, confusão e angústia; até um eventual fim
com um novo início ou período de estabilidade. No entanto, os resultados da pesquisa
analisados neste artigo sugerem que pode ser difícil ou mesmo impossível, talvez até
contraproducente, colocar limites temporais em certas experiências de transição. Isto não
significa que aqueles atravessam períodos de transição longos e com limites temporais
indefinidos estejam constantemente numa estado de confusão, instabilidade ou mudança. No
entanto, tais estados podem emergir periodicamente, reactivando uma experiência de
transição latente. Ao avaliar as experiências de transição, é importante considerar a
possibilidade de instabilidade e variabilidade ao longo do tempo, que pode implicar uma
reavaliação dos resultados.

Pontos Críticos e Eventos

Algumas transições estão associadas a um evento identificável que serve de referência:


nascimento, morte, cessação da menstruação ou o diagnóstico de uma doença; enquanto
noutras transições não há eventos deste tipo que sejam evidentes. Os vários estudos
envolvendo transições múltiplas proporcionaram evidências de que a maioria das experiências
de transição envolve eventos ou pontos críticos de viragem. Pontos críticos estiveram muitas
vezes associados a uma crescente consciência da mudança ou diferença ou ainda uma
envolvimento mais activo ao lidar com a experiência de transição. Para além do mais, houve
pontos críticos finais, que se caracterizaram por uma sensação de estabilidade relativamente a
novas rotinas, competências, estilo de vida e actividades de auto-cuidado. Em cada um dos
estudos houve um período de incerteza marcado por oscilação, mudança contínua e ruptura
na realidade. Sintomas relacionados com a transição podem também ocorrer. Durante um
período de incerteza houve vários pontos críticos dependendo da natureza da transição. Cada
ponto crítico requer a atenção, conhecimento e experiencia da enfermeira de modos
diferentes. Por exemplo, no estudo da família a prestar cuidados a um paciente canceroso
foram identificados quatro pontos críticos, a saber:

1. O período de diagnóstico;
2. Os períodos intensivos de efeitos secundários dos ciclos de quimioterapia;

3. Os períodos entre modalidades de tratamento;

4. A conclusão do tratamento.

Houve períodos de vulnerabilidade acrescida durante os quais os participantes encontraram


dificuldades no auto-cuidado e na prestação de cuidados. Os cuidados exigidos pela doença
mudavam constantemente, bem como os papéis de auto-cuidado e de prestação de cuidados
também e o acesso a prestadores de cuidados, para além de que os participantes
experimentaram sensações de incerteza e ansiedade.

Condições de Transição: Facilitadoras e Inibidoras

Na disciplina da Enfermagem, os seres humanos são definidos como seres activos que têm
percepções de e atribuem significados às situações de saúde e de doença. Estas percepções e
significados são influenciadas por e por sua vez influenciam as condições em que uma
transição ocorre. Assim, para perceber as experiências dos clientes durante as transições, é
necessário por a descoberto as condições pessoais e ambientais que facilitam ou dificultam o
progresso no sentido de atingir uma transição saudável. As condições pessoais, comunitárias e
sociais podem facilitar ou restringir os processos de transição saudáveis e o resultado das
transições.

Condições Pessoais

Significados

Os significados atribuídos aos eventos desencadeadores de uma transição e ao próprio


processo de transição podem facilitar ou restringir transições saudáveis. No estudo das
mulheres Coreanas, apesar de algumas participantes terem sentimentos ambivalentes acerca
da menopausa, esta não tinha nenhum significado especial ligado a si. A maioria das mulheres
não relacionava nenhum dos problemas que estavam a viver com a transição da menopausa.
Na verdade, algumas participantes afirmaram que passaram pela menopausa sem
experimentar qualquer tipo de problemas. Assim, de uma certa forma, nenhuns significados
especiais facilitaram a transição da menopausa. Por outro lado, as mulheres afro-americanas
atribuíram uma gratificação intensa aos seus papéis como mães e descreveram a maternidade
em termos de ser responsável, proteger, providenciar ser-se necessário. Nestes dois exemplos,
significados neutros e positivos podem ter facilitado as transições da menopausa e da
maternidade.

Crenças Culturais e Atitudes

Quando um estigma está associado a uma experiência de transição, tal como a menopausa na
cultura coreana, a expressão de estados emocionais relacionados com esta transição pode ser
inibida. Uma vez que na cultura coreana as mulheres tendem a conceber a menopausa como
algo vergonhoso de se discutir em público, atravessam silenciosamente a menopausa por
conta própria, pelo que as suas experiências de menopausa se tornam solitárias. Deste modo,
os sintomas são atribuídos ao seu estado emocional e tornam-se estigmatizados. Os seus
sintomas psicológicos apenas foram notados quando acompanhados de expressão física:
através de dores de cabeça, dores musculares e exaustão. Talvez as culturas asiáticas e do
Médio Oriente expressem sintomas psicológicos através da somatização devido ao receio do
estigma.

Estatuto Sócio-económico

Outro inibidor da transição saudável da menopausa foi o nível sócio-económico baixo. A


experiência de sintomas psicológicos das mulheres coreanas foi significativamente afectada
pelo seu estatuto sócio-económico, em vez de o ser pelos seus estados de menopausa. Tal
como outros estudos demonstraram, participantes com um nível sócio-económico baixo têm
uma maior probabilidade de experimentar sintomas psicológicos.

Preparação e Conhecimento

A preparação antecipada é um facilitador da experiência de transição, enquanto a falta de


preparação é um inibidor. Inerentemente relacionado com a preparação está o conhecimento
acerca do que esperar durante uma transição e que estratégias podem ser úteis ao lidar com a
mesma. Para uma imigrante brasileira, a falta de preparação foi particularmente severa. O
limitado conhecimento e entendimento desta mulher acerca da geografia, linguagem e cultura
eram evidentes. À chegada aos Estados Unidos, as consequências da sua falta de preparação
tornaram-se imediatamente evidentes. Ficou culturalmente, fisicamente e emocionalmente
chocada. Apenas tinha levado consigo para os Estados Unidos roupa de verão, pelo que o
tempo frio de Abril em Nova Iorque a apanhou de surpresa. Apertada num quarto com outras
dez pessoas, olhou pela janela, viu um mundo estranho e desconhecido e sentiu que estava a
perder o juízo. Os seus pesadelos eram um reflexo daquilo em que a sua vida se tinha tornado.
A imigração não foi apenas uma mudança para um lugar diferente, uma cidade diferente, um
país diferente ou um hemisfério diferente; deu por si literalmente num mundo diferente, um
mundo que não fazia ideia que existia.

A transição para a maternidade proporciona um outro exemplo da importância da preparação


e das expectativas. Quando a gravidez não era desejada, ou quando a mãe tinha um historial
de aborto ou doença, a transição através dos estados que permitem o desenvolvimento de
uma identidade maternal foi adiada. No estudo da menopausa, a falta de conhecimento acerca
da menopausa inibiu a transição. As mulheres com falta de conhecimentos foram muitas vezes
a clínicas por causa das mudanças na sua menstruação. Quando os seus médicos
recomendavam tratamento cirúrgico, estas seguiam silenciosamente estas recomendações
porque pouco ou nada sabiam acerca de alternativas.

Condições Comunitárias

Os recursos comunitários também facilitam ou inibem as transições. Por exemplo, para lidar
com as transições de imigração, as mulheres coreanas apoiaram-se nos restaurantes,
lavandarias e mercearias da comunidade coreana buscando o apoio de outros emigrantes. No
entanto, devido à necessidade de privacidade e à desconfiança dentro da comunidade, as
mulheres raramente usaram estes recursos comunitários para questões relacionadas com a
saúde/doença. Assim, a desconfiança na comunidade coreana pode impedir as mulheres
coreanas de usar recursos familiares como apoio para ultrapassar as suas várias transições.
Atém se familiarizarem com os recursos do país de acolhimento, podem ter apoio inadequado
durante pontos críticos nas suas transições.

As mulheres afro-americanas também descreveram condições comunitárias facilitadoras e


inibidoras das suas transições para a maternidade. Entre os facilitadores incluem-se:

- Apoio de parceiros e familiares, especialmente por parte das suas mães e outras mulheres
importantes nas suas vidas;

- Informação relevante obtida por parte de profissionais de saúde e ainda em aulas, livros e
outros materiais escritos;

- Conselhos de fontes credíveis;

- Pessoas modelo;

- Respostas a questões.
Inibidores de transições saudáveis para estas mães incluíram recursos insuficientes para
suportar a gravidez e a maternidade. Planificar e oferecer aulas que eram inconvenientes para
as mulheres também funcionaram como inibidores. Tal como uma mulher disse, “Bem, na
verdade, todas as aulas eram no hospital e eu não tenho carro. E são à noite. E eu não tinha
acompanhante.” Outros inibidores de uma transição saudável incluíram apoio inadequado,
conselhos não solicitados ou negativos, informação contraditória e insuficiente e ainda o
aborrecimento de serem estereotipadas, enfrentar o pessimismo dos outros e sentirem-se
tratadas como “propriedade pública”.

Condições Sociais

A sociedade em geral também pode ser facilitadora ou inibidora das transições. Ver eventos de
transição de forma estigmatizada e com significados estereotipados tem tendência a interferir
com o processo de uma transição saudável. Por exemplo, a desigualdade social é um
constrangimento ao nível social que influencia a transição das mulheres para a menopausa. Na
cultura patriarcal coreana, a posição da mulher na família explica porque é que as suas
próprias necessidades de saúde são secundárias relativamente às de outros familiares. Deste
modo, analisar a transição da menopausa isoladamente sem considerar as desigualdades de
género enraizadas nas vidas destas mulheres não pode ser a forma mais correcta de lidar com
esta questão.

A marginalização foi também outro factor inibidor no estudo das mulheres coreanas. Uma vez
que estas estavam à margem, quer na sociedade de acolhimento quer na sociedade de origem,
negligenciaram e ignoraram as suas experiências de menopausa. Raramente reconheceram a
menopausa como um problema de saúde. Em vez disso, deram prioridade as seus assuntos
familiares e fizeram das suas necessidades pessoais algo de secundário. As atitudes culturais
relativamente ao corpo da mulher e suas experiências mais um factor inibidor para uma
transição saudável para a menopausa.

Padrões de resposta

Indicadores de Processo

Meleis eTragenstein afirmam que “cuidar […] diz respeito ao processo e às experiências de
transição de seres humanos que atravessam períodos de transição em que a saúde e a
sensação de bem-estar surgem o resultado.” Tendo por base os estudos descritos neste artigo,
uma transição saudável caracteriza-se por indicadores de processo e de resultado. Uma vez
que as transições se estendem pelo tempo, a identificação de indicadores de processo que
guiam os clientes ou em direcção da saúde ou em direcção à vulnerabilidade e ao risco permite
uma avaliação e uma intervenção precoce por parte das enfermeiras de modo a ajudar o
cliente a chegar a resultados saudáveis. Em cada um dos estudos, foram usados métodos para
revelar os processos inerentes às transições saudáveis. Algumas das observações acerca dos
indicadores ou padrões de resposta que caracterizaram as transições saudáveis serão descritos
de seguida. Estes padrões de resposta incluíram sentir-se integrado, interagir, sentir-se
situado, desenvolver a confiança e lidar com a situação.

Sentir-se integrado

A necessidade de se sentir integrado é um tema recorrente nas narrativas sobre transições.


Por exemplo, fazer novos contactos e manter-se em contacto com familiares e amigos foi
considerado pelas emigrantes brasileiras um aspecto fundamental das suas experiências de
emigração. De forma semelhante à descrita por outros estudos, as mulheres emigrantes deste
estudo utilizaram redes familiares e de amigos como importantes recursos de informação,
alojamento, transporte, emprego e apoio social. Contactos pessoais e conhecimentos foram a
principal fonte de informação acerca de cuidados de saúde e recursos. Sentirem-se ligadas a
profissionais de saúde que pudessem responder às suas dúvidas e com os quais se sentiam
familiarizadas foi um outro indicador de transições saudáveis. Esta dimensão emergente da
transição sustenta evidências clínicas de que providenciar cuidados culturalmente
competentes nos hospitais requer continuidade nas relações entre profissionais de saúde e os
pacientes.

Interagir

Entre as pessoas com cancro e os seus familiares que lhes prestaram assistência, a interacção
um-para-um foi uma dimensão crítica da experiência de transição. Através da interacção, o
significado da transição e os comportamentos desenvolvidos em resposta à transição
revelaram-se, clarificaram-se e foram apreendidos. Apesar do diagnóstico de cancro tenha sido
visto por todos como um evento de crise, o significado do auto-cuidado e da prestação de
cuidados variou de uma par de pessoas para outro. Em alguns pares, o envolvimento por parte
do prestador de cuidados teve alguma resistência por parte de alguns cancerosos desejosos de
se auto-cuidarem. Noutros pares, o envolvimento do prestador de cuidados foi bem-vindo
como gesto de apoio. Estas estratégias foram clarificadas através da interacção e da reflexão
acerca das novas e emergentes relações. Através da interacção, os pares criaram um contexto
no qual o auto-cuidado e a prestação de cuidados puderam ocorrer de forma eficaz e
harmoniosa.
Localização e sentir-se situado

A localização é importante para a maioria das experiências de transição, apesar de ser mais
evidente nuns casos do que noutros. Um exemplo disso é a emigração, caso em que a
localização implica muitas vezes um movimento unidireccional de um lugar para outro. Para os
emigrantes, há uma constante migração, real ou imaginária, entre o lugar de origem e o de
acolhimento, entre as suas vidas pré e pós migração. Nas suas histórias, as mulheres brasileiras
faziam comparações constantemente. Comparavam as suas vidas, experiências e atitudes pré
e pós emigração, desde que chegaram aos Estados Unidos até já estarem a viver neste país há
já algum tempo. Compararam quase tudo: cuidados de saúde, comida, dieta, nutrição,
relações familiares, preços, trabalho doméstico, clima, oportunidades de emprego e relações
de género e de classe social. As mulheres também demonstraram ter perspectivas diferentes
acerca das suas experiências de emigração. Uma das características das transições é a criação
de novos significados e percepções. As comparações foram uma das formas das mulheres
emigrantes puderem apresentar e examinar as suas experiências e dar-lhes significado. Elas
compreendiam a sua nova vida comparando-a com a que tinham antes.

Fazer comparações também foi uma forma de se situarem no tempo, no espaço e nas suas
relações; uma forma de explicar e talvez justificar como ou porque é que se mudaram para os
Estados Unidos, onde estão e onde estiveram e ainda quem ou aquilo que são. As
comparações foram multi-direccionais no sentido em que umas foram favoráveis ao Brasil ou
às suas experiências pré-migração e outras aos Estados Unidos ou às suas experiências pós-
migração. Tais comparações serviram certamente propósitos diferentes para cada uma das
mulheres em determinados momentos, mas sublinham a multiplicidade de perspectivas nas
experiências das emigrantes, algo que os não-emigrantes têm dificuldade de perceber.

Desenvolver a confiança e lidar com a situação

Outra dimensão que reflecte a natureza do processo de transição é até que ponto há um
padrão indicador de que os indivíduos envolvidos estão a experimentar um aumento no seu
nível de confiança. O desenvolvimento da confiança manifesta-se no nível de compreensão dos
diferentes processos inerentes ao diagnóstico, tratamento, recuperação e viver com
limitações; no nível de utilização de recursos e ainda no desenvolvimento de estratégias para
lidar com a situação. As dimensões do desenvolvimento e manifestação da confiança
progridem de um ponto para o seguinte na trajectória da transição. Nas palavras de uma das
grávidas afro-americana, “então cheguei à conclusão de que […] acho que ele está a beber
leite suficiente. Está a aumentar de peso. Deve estar tudo bem com ele. Por isso não me
preocupo.” Outra participante no mesmo estudo estava mais confiante porque, tal como a
própria diz, “Tenho um determinado horário, e estou tão sintonizada com o horário dele.” As
participantes demonstraram conhecimentos cumulativos de situações, mais compreensão
acerca de pontos críticos ou de viragem e ainda um sentido de sabedoria como resultado das
experiências que viveram.

Indicadores de Resultado

Dois indicadores de resultado emergiram dos estudos examinados nesta análise: domínio das
novas competências necessárias para lidar com a transição e o desenvolvimento de uma
identidade fluida e integradora. Os níveis a que estes resultados são experimentados podem
reflectir, por substituição, a qualidade de vida para aqueles que experimentam transições. A
determinação de quando uma transição está completa deve ser flexível e variável dependendo
do tipo de mudança ou do tipo de evento iniciador da transição, bem como da natureza e
padrões da transição. Se os resultados forem tidos em consideração demasiado cedo no
processo de transição, poderão ser indicadores de processo. Se forem tidos em consideração
muito depois de a transição estar completa, podem estar relacionados com outros eventos na
vida do cliente. Em algumas transições, é mais fácil determinar um ponto de início e um ponto
de fim. Em todas as transições, há um elemento subjectivo de ter sido atingido um ponto de
equilíbrio na vida de uma pessoa. Nos estudos aqui relatados, o domínio e o ter sido adquirido
um novo sentido de identidade reflectiram resultados saudáveis do processo de transição.

Domínio

Uma conclusão saudável de uma transição é determinada pelo grau de domínio demonstrado
das competências e comportamentos necessários para lidar com as novas situações e
ambientes. No estudo da maternidade, uma participante descreveu o domínio indicando que
“Há cerca de dois meses atrás comecei a tomar as minhas próprias decisões.” Outra descreveu
o domínio como tomar o controlo dos cuidados que necessita: “Eu tinha de pedir aquele teste
sabe. Pensava que os médicos deviam saber … mas ela tinha-se esquecido.” As competências
necessárias para adquirir domínio do papel de prestador de cuidados incluíam monitorizar e
interpretar sintomas, tomar decisões, passar à acção, providenciar cuidados manuais, fazer
ajustamentos, aceder a recursos, trabalhar em colaboração com o paciente a quem os
cuidados são prestados e lidar com o sistema de prestação de cuidados de saúde. Os
resultados do estudo das famílias envolvidas na prestação de cuidados sugerem que o domínio
resulta da combinação de competências previamente estabelecidas com competências
desenvolvidas recentemente durante o processo de transição. Para além disso, a competência
desenvolve-se ao longo do tempo com a experiência. No entanto, quando os clientes
finalmente atingirem um certo sentido de estabilidade perto do final da transição, o seu nível
de domínio indicará até que ponto terão atingido resultados saudáveis na transição.
Identidades Integracionistas Fluidas

As experiências de transição têm sido caracterizadas como resultando em reformulação da


identidade. Os resultados dos estudos de Messias suportam a conceptualização das
identidades reformuladas dos emigrantes como fluidas ao invés de estáticas, dinâmicas e não
estáveis. Um certo grau de ambiguidade faz também parte da noção de identidade migratória
fluida. O conceito de identidades migratórias fluidas tal como foi identificado nas histórias das
emigrantes brasileiras também sustenta a incorporação de uma perspectiva transnacional no
contexto da metodologia da transição aplicada à migração. Para as mulheres deste estudo,
uma das características da “nova identidade” que resultou da imigração foi que as suas
perspectivas são agora biculturais e não monoculturais.

Ao mudarem-se para, acomodarem-se a, trabalharem em e interagindo em um novo ambiente


e contexto social, político, económico e cultural os emigrantes adquirem bagagem adicional,
no sentido em que começam a trazer consigo bagagens culturais de duas ou mais culturas,
duas ou mais maneiras de ser. Em alturas e lugares diferentes da vida de um imigrante, este
pode trazer consigo mais ou menos bagagem do país e cultura de origem ou do país e cultura
de acolhimento. Em termos de espaço, pode ter mais bagagem do país de origem em sua casa
e mais bagagem do pois de acolhimento no local de trabalho. No entanto, não há nenhum
padrão pré-definido ou fórmula, pois a transição de imigração é dinâmica e está sempre em
progresso. Ao longo do tempo o imigrante pode pegar ou largar esta ou aquela parte desta
bagagem de identidade. Situações que podem despoletar uma mudança de foco ou
perspectiva incluem transições desenvolvimentais, situacionais ou de saúde/doença, tais como
o casamento, a gravidez, doença pessoal ou familiar ou mudanças ao nível do emprego. Nestes
casos é provável que estas transições sejam encaradas de um ponto de vista bifocal.

Conclusão

O conhecimento dá poderes àqueles que o desenvolvem, que o usam e também àqueles que
dele beneficiam. Compreender as propriedades e condições inerentes a um processo de
transição levarão a um desenvolvimento das terapêuticas de enfermagem que sejam
adequadas com as experiências únicas dos clientes e das suas famílias, promovendo assim
respostas saudáveis às transições.

As teorias propõem metodologias que permitem compreender situações complexas tais como
processos e respostas de transição vulneráveis dos clientes. Uma teoria média das transições
emergiu da análise dos estudos aqui apresentados. As teorias médias caracterizam-se por um
escopo mais limitado e menos abstracção do que as grandes teorias. Também se concentram
em fenómenos ou conceitos específicos e reflectem a prática. Uma vez que foram
considerados diversos tipos e padrões de transição neste desenvolvimento teórico,
acreditámos que a metodologia que daqui emerge fornece uma visão mais ampla das
transições, providenciando instruções práticas e dirigindo de forma mais coerente e
sistemática novas questões.

Tal como indicam os estudos aqui apresentados, as experiências de transição não são
unidimensionais. Pelo contrário, cada transição caracteriza-se pela sua unicidade,
complexidade e dimensões múltiplas. Futuros esforços devem ser direccionados no sentido de
definir as diversidades e complexidades das experiências de transição através de pesquisas
com populações diversas relativamente a aos mais variados tipos e padrões de transição. Cada
conceito proposto aqui necessita de ser mais desenvolvido e refinado. Do mesmo modo,
pesquisas no sentido de descobrir os níveis e natureza da vulnerabilidade em diversos pontos
ao longo das transições podem ser motivadas por esta teoria. Finalmente, as terapêuticas de
enfermagem que reflictam as diversidades e complexidades das experiências de transição têm
de ser identificadas, clarificadas, desenvolvidas, testadas e avaliadas.

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