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Felipe Sabino de Araújo Neto (org.)
A educação das crianças para Deus é a tarefa mais
importante desempenhada sobre a terra. Trata-se do
único negócio para o qual a terra existe. A ela deveriam
estar subordinadas a política, a guerra, a literatura e a
produção de dinheiro em sua totalidade. Todo pai, a
cada hora do dia, deveria sentir especialmente que, após
assegurar a própria eleição e vocação, é este o fim para
o qual Deus o mantém vivo — essa é a sua tarefa sobre
a terra.
R.L. Dabney
Copyright © 2019 de Editora Monergismo
Títulos dos artigos originais: On Secular Education, Politics and Education, Education and the Family, Sovereignty and Education, Christian Schools.
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Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
EDITORA MONERGISMO
SCRN 712/713, Bloco B, Entrada 28 — Ed. Francisco Morato
Brasília, DF, Brasil — CEP 71.760-620
www.editoramonergismo.com.br
1ª edição, 2019
Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto e Fabrício Tavares de Moraes
Revisão: Fabrício Tavares de Moraes e Felipe Sabino
PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,
SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.
Todas as citações bíblicas foram extraídas
da versão Almeida Revista e Atualizada (ARA) salvo indicação em contrário.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Araújo Neto, F. S.
A desgraça do ateísmo na educação / Felipe Sabino de Araújo Neto (org.), tradução Felipe Sabino de Araújo Neto e Fabrício Tavares de Moraes — Brasília, DF: Editora Monergismo,
2019.
ISBN 978-85-69980-86-5
Parte I
Parte II
1. Política e educação
2. Educação e a família
3. Soberania e educação
Parte III
1. Escolas cristãs
PREFÁCIO
Fumantes de cigarro encontram
em cada maço uma advertência
que fumar pode ser prejudicial à
saúde deles. Ora, eu não sou
fumante, mas ressinto-me diante
da reivindicação superzelosa do
Big Brother de dizer o que é bom
ou ruim para nós. Em meu livro,
esse poder pertence a Deus, não ao
Estado.
Desnecessário dizer que não endossamos tudo o que Dabney diz, quer em
suas críticas, quer em suas “soluções”. A ressalva de Wilson é salutar:
Alguns podem achar a polêmica
de Dabney contra a educação
católica desagradável, e podem se
perguntar o porquê de tê-la
mantido. Há duas razões. A
primeira é que a questão católica
está tão ligada ao seu argumento,
que não seria possível removê-la
sem fazer considerável violência
ao texto. A segunda razão é que
acredito que o catolicismo romano
de hoje é uma ameaça maior do
que quando Dabney escreveu
essas palavras e, portanto, não há
necessidade de remover suas
advertências. Aqueles que se
impressionarem com a sua
percepção sobre a natureza da
“educação secular” podem talvez
considerar que sua posição sobre a
ameaça do catolicismo tenha
algum peso.[7]
Esperamos que ao final deste artigo de Dabney percebamos a pertinência
da afirmação de Machen: “Vejo pouca consistência num tipo de atividade cristã
que prega o evangelho nas esquinas das ruas e até os confins da terra, mas
negligencia os filhos da aliança abandonando-os a um secularismo frio e
incrédulo”. [9]
espiritual, as forças das trevas são organizadas contra o Senhor e seu Ungido.
Qualquer organização que se diz neutra, como as escolas públicas e algumas
organizações de trabalho, nega as exigências de Cristo de rendição absoluta a
seu senhorio sobre todas as coisas. Dessa maneira, estão servindo à causa do
anticristo. Negar tal fato é andar obstinadamente cego ou ser, infelizmente,
ignorante quanto às intenções do maligno e às exigências de Cristo”. Como [11]
Estamos lutando, pois, em prol de uma inovação absoluta. Mas não pode a
árvore ser conhecida pelos seus frutos? A educação estatal entre os americanos
tende a ser inteiramente secularizada. Qual é o resultado disso?
Neste país, há uma revolta generalizada para com a fé cristã, ainda que o
país esteja repleto de igrejas, pregadores e um excesso de literatura cristã.
E o que preparou tantos para as deprimentes absurdidades do
materialismo? Por que os jornais que almejam a circulação nacional pensam que
é de seu interesse afetarem irreligião? Por que tantas lamentações a respeito das
corrupções públicas e populares?
Observando a corrente de opinião, percebe-se que os mais sábios possuem
muitas reservas quanto aos frutos de nossos presentes métodos de educação
pública. A título de ilustração, analisemos estas palavras. O governador Rice de
Massachusetts “ergueu uma voz de alerta, com relação à inadequação e perigos
de nosso moderno sistema unilateral de educação, que supostamente poderia
desenvolver a natureza humana e a cidadania somente a partir do cultivo
mental”.
2. A verdadeira educação é, em certo sentido, um processo espiritual. É o
treinamento de uma alma. A educação é o treinamento de um espírito que é
racional e moral, no qual a consciência é a faculdade reguladora e imperativa. O
propósito característico da consciência, mesmo neste mundo, é moral.
Mas Deus é o único Senhor da consciência; a alma é sua semelhança em
miniatura. A vontade divina é a fonte das obrigações da alma, e a semelhança a
Deus é sua perfeição. A religião é a ciência das relações da alma para com Deus.
Reunamos essas declarações, e os processos teológico e educacional mostram-se
tão intimamente relacionados a ponto de não poderem ser separados.
É por essa razão que o senso comum da humanidade sempre invocou a
orientação de um ministro da religião para a educação da juventude. Na Índia é o
brâmane, na Turquia, o imã, no judaísmo, o rabi, e nas terras cristãs, o pastor. Do
mesmo modo, os livros sagrados sempre foram os principais livros didáticos. A
única exceção no mundo é a que Roma estabeleceu para si mesma por meio do
abuso intolerável de seus poderes.
A alma é espiritualmente indivisível. Esses poderes, que nomeamos como
faculdades separadas, são apenas modos diferentes de funcionamento. O poder
central é ainda uno. Partindo destas verdades, aparentemente a alma não poderia
ser cultivada com êxito mediante parcelas. Não é possível ter o trabalhador
intelectual polindo-a num lugar e o trabalho espiritual, em outro. Pode-se
apresentar uma sucessão de objetos à alma a fim de evocar e disciplinar suas
potências; contudo, a unidade do ser demonstraria a necessidade de uma unidade
em sua educação bem-sucedida.
Os conceitos cristãos são os que mais estimulam e enobrecem a alma.
Aquele que os omite de seus ensinamentos vê-se privado da destra de sua força.
Onde há de extrair uma definição semelhante de virtude, tal como a que nos é
apresentada no caráter revelado de Deus? Onde há outra representação tão
enobrecedora da benevolência como a demonstrada no sacrifício de Cristo por
seus inimigos? A concepção de espaços interestelares pode expandir a mente
tanto quanto o pensamento de um Deus infinito, de uma existência eterna e de
um destino sempiterno?
Toda linha de conhecimento genuíno deve encontrar sua completude na sua
convergência em Deus, assim como todo raio de luz do dia conduz o olhar ao
sol. Se se exclui a religião do estudo, todo processo de pensamento será
interrompido antes de alcançar seu fim apropriado. A estrutura do pensamento
deve continuar sendo um cone truncado, privado de seu vértice superior.
3. Se é para tornar a educação secular consistente e honestamente não
cristã, então deve-se omitir todos os principais ramos, ou deve-se mutilá-los e
falseá-los, o que é muito pior do que a omissão absoluta. O instrutor deve
ensinar história, cosmogonia, psicologia, ética e as leis das nações. Pode ele
fazer isso sem dizer nada favorável ou desfavorável acerca das crenças dos
cristãos evangélicos, católicos, socinianos, deístas, panteístas, materialistas ou
animistas, todos os quais exigem direitos iguais sob a autoridade das instituições
americanas? O ensino desse instrutor será de fato “a peça de Hamlet, omitindo-
se as partes de Hamlet”.
A educação secular deixará o cidadão jovem totalmente ignorante de suas
próprias origens? Como ele aprenderá a narrativa das lutas por meio das quais os
ingleses alcançaram as liberdades que as colônias herdaram, sem o entendimento
das ferozes perseguições aos protestantes da parte de Maria, a Sanguinária?
Como os filhos dos huguenotes em Nova York, na Virgínia ou na Carolina do
Sul saberão a razão por que seus pais deixaram a bela França, esconderam-se em
meio às nevascas do Norte ou nos bosques assolados pela malária do Sul? Eles
não leram algo sobre a violação do “Édito de Nantes”, as “Dragonadas” e o
massacre indiscriminado da Noite de São Bartolomeu, em honra do qual um
predecessor “infalível” do papa entoou o Te Deum e cunhou medalhas? Se o
médico tenta olhar para os primórdios da história do homem, ele pode apresentar
a gênese da terra e do ser humano sem indicar se é Moisés ou Julian Huxley seu
profeta?
É possível estabelecer a ciência do imperativo moral sem qualquer
referência a Deus? Não é preciso indagarmo-nos se sua vontade define ou não
todo dever humano?
O etnólogo é capaz de determinar os direitos da natureza e das nações sem
afirmar ou negar, juntamente com o apóstolo, que “de um só fez toda a raça
humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos
previamente estabelecidos e os limites da sua habitação” (Atos 17.26)?
E quanto da mais nobre literatura deveria ser excluído caso esse plano fosse
sistematicamente levado a cabo? O professor da escola pública não deve
mencionar Shakespeare a seus alunos, nem Bacon, nem Milton, nem Macauley.
A censura da livre democracia será mais rigorosa do que a da Roma despótica!
Porém não é preciso multiplicar os exemplos. Eles demonstram que as
verdades e os fatos cristãos estão tão entrelaçados na tessitura do conhecimento
dos americanos, que consequentemente constituem uma parte benéfica e
essencial de nossa civilização. O professor da escola pública que imparcialmente
evita tanto a afirmação ou a negação dessas verdades e fatos deve reduzir seu
ensino a uma modesta concessão dos rudimentos insuficientes. Tais rudimentos,
conforme vimos, não são conhecimento, mas meros indícios de conhecimento.
Alguém pode dizer que se trata de um exagero. Por que um professor não
pode simplesmente apresentar uma matéria secular, sem mutilar o conteúdo ou o
cristianismo?
Se seu ensino é de fato mais do que uma simples frivolidade numa área da
educação, perceberemos que será, pois, tacitamente anticristão. Não há ataques
diretos, porém, há uma evasão calculada que é, com efeito, hostil. Não é possível
haver posição neutra entre esses dois extremos, que têm um “grande golfo fixo”
entre si.
4. No tocante à ação humana, a vontade e a consciência devem ser
purificadas e iluminadas. Aumentar o vigor das demais ações da alma por meio
do treinamento nada mais é do que um malefício supérfluo. Se, num navio, a
bússola está danificada e o piloto é cego, é preferível que não haja uma grande
força a mover seu maquinário. Quanto mais potente seu movimento, maior a
probabilidade de o navio ir celeremente de encontro às rebentações. Certamente
isto basta para demonstrar à mente reflexiva que não é possível separar a
instrução moral correta nesse ponto, ou em qualquer outro, do treinamento
intelectual, sem que haja grande dano.
Uma pequena porém óbvia aplicação dessa verdade dá-se em relação à
própria disciplina da escola. Não se desenvolve nenhuma faculdade sem algum
governo. Para o professor que omite completamente todo recurso à religião,
sobre que base moral se assenta sua autoridade a ser exercida na sala de aula?
Ele perceberá que é necessário dizer ao pupilo: “Seja diligente. Seja obediente.
Não minta”. Isto deve ser feito de maneira que o estudante possa adquirir o
conhecimento secular. Mas com base em que autoridade? Por qual padrão?
Há apenas um fundamento da obrigação moral — a vontade de Deus. Entre
as pessoas deste país, aquela que não se depara com o desvelamento dessa
vontade nas Escrituras no mais das vezes também não a encontra em outra parte.
Contudo, o professor não deve imprimir no espírito de seu pupilo os
ensinamentos da Bíblia. Por conseguinte, seu poder somente deve produzir o
direito — ou também o poder dos pais, ou do magistrado, para cuja autoridade
delegada ele aponta. Ou seu apelo deveria ser ao interesse próprio do aluno?
Esse governo será salutar à alma do jovem?
Quando cresce, o aluno torna-se um cidadão. Passa a ter obrigações maiores
e mais complexas. O propósito das escolas públicas é equipá-lo para isso. A
mesma questão vem à tona novamente. Em que base se assentam esses deveres?
Quando homem crescido, é presumível que ele agirá tal como fora ensinado em
sua infância. Segue-se, pois, que os fundamentos da obrigação que lhe foram
apresentados na escola devem ser aqueles que reconhecerá na vida adulta. Na
escola pública, é possível que lhe tenha sido dado apenas um padrão não cristão.
Não se pode esperar que agora seja elevado a um padrão superior, embora seja
possível degradar-se a um padrão inferior, visto que o que lhe fora dado
primeiramente não possui um fundamento subjacente.
Qual é o resultado? Jovens americanos devem assumir suas
responsabilidades com os costumes morais pagãos, pois é somente isto que a
razão humana obtém sem a revelação de Deus. Será o suficiente para sustentar as
instituições americanas?
Possivelmente dirão que o teísmo natural é capaz de deduzir um código
moral bastante elevado, conforme evidenciado na filosofia grega clássica. Um
homem que entende corretamente os dados de sua consciência pode ser um ateu,
e mesmo o ateísta é capaz de encontrar neles alguma prova da necessidade de
governar-se a consciência. Mas não é assim que funciona na prática. Passemos a
legislar para o povo conforme este deveria ser ao invés de como ele é de fato, e
assim teremos um belo castelo de cartas!
De fato, não há americanos, considerados aqui no modo que com eles
habitualmente nos deparamos, cujas restrições morais não provenham da Bíblia.
Se, quando treinarmos moralmente os jovens, abrirmos mãos do “Assim diz o
Senhor”, não teremos mais o governo. O ensinamento que não fundamenta o
dever no cristianismo é, para nós, praticamente imoral.
Se é preciso um testemunho, citemos o dr. Griffin: “Educar a mente de um
homem mau sem corrigir sua moral é colocar uma espada nas mãos de um
maníaco”.
John Locke tratou dessa mesma questão. “É a virtude, pois, a virtude direta,
que é a parte difícil e valiosa que a educação deve visar. Se a virtude não se
arraigar no aluno, excluindo assim todos os hábitos viciosos, toda a educação no
mundo nada fará senão tornar o estudante pior ou mais perigoso”.
Escutemos o dr. Francis Wayland: “O cultivo intelectual pode existir
facilmente sem a existência da virtude ou do amor à retidão. Neste caso, seu
único efeito é incitar o desejo; e este, sem as restrições do amor à retidão, deve,
por fim, transtornar o tecido social que o cultivo intelectual num primeiro
momento havia construído”.
E, por fim, deveríamos considerar o que Washington disse em seu discurso
de despedida. Ele ensinou-nos que a virtude dos cidadãos é a única base para a
segurança social, e que a religião cristã é a única base adequada para essa
virtude.
No entanto, o cultivo mental não é, em si mesmo, enobrecedor? É-nos
difícil desistir desse conceito, porque até aqui a educação foi relativamente
cristã. O ministro foi o diretor da escola americana. Mas os mais educados não
são também os mais elevados? Sim, isto é verdade pela razão que acabamos de
apresentar. Há outra ainda. Não é que o cultivo da mente dos alunos os fez
buscar uma moralidade superior; antes, sua moralidade superior (e a de seus
pais) os fez buscar o cultivo mental. Somos propensos a pôr a carroça na frente
dos bois. Novamente é preciso retornar às evidências.
O conhecimento não governa o coração. Se algo o faz, é a consciência. O
simples conhecimento, sem o temor a Deus, faz com que o desejo se desenvolva
mais rapidamente do que a prudência.
Sir Henry Bulwer coloca isso da seguinte maneira: “Não deposito muita
confiança no filósofo que finge que o conhecimento que desenvolve as paixões
seja um instrumento para sua supressão, ou que onde há mais desejos, é provável
que haja mais ordem, e também maior abstinência na gratificação desses
desejos”.
A alma deve desenvolver-se simetricamente. Se os ramos de uma árvore
crescem, ao passo que as raízes (inteiramente saudáveis) não se expandem, será
derrubada no primeiro vendaval em razão da desproporção de suas partes.
5. Precisamos dos melhores homens ensinando nossas crianças. Porém os
melhores são os cristãos genuínos, que carregam sua religião consigo em todas
as coisas. Esses homens não podem se comprometer a serem professores de
preciosas almas pelas quais Cristo morreu e não fazer quaisquer esforços para
salvá-las.
Desse modo, a tendência necessariamente será a entrega das escolas
públicas nas mãos dos cristãos titubeantes ou nas mãos de descrentes insolentes.
É possível sequer confiar em tais pessoas com uma tarefa secular importante? As
ferrovias persistem em transgredir o Dia do Senhor; desse modo elas têm de
empregar exclusivamente transgressores profanos do Dia do Senhor ou adeptos
transigentes da religião. Qual é a consequência? São atormentados com oficiais
negligentes, engenheiros bêbados e caixas desonestos.
Assim, nossas escolas públicas cairão nas mãos de professores que nem
mesmo ministrarão honestamente o ensino secular. Dinheiro será desperdiçado,
e as escolas tornar-se-ão, para seus próprios pupilos, exemplos corrompedores de
trabalho desleixado e abuso de fideicomissos.
6. Para cada cidadão cristão, o argumento conclusivo contra a educação
escolar está presente em seu próprio credo no que se refere à responsabilidade
humana. De acordo com este credo, a obrigação para com Deus envolve a
totalidade dos atos e do ser de cada homem. Mesmo as melhores tentativas serão
julgadas imperfeitas. “A lâmpada do perverso… é pecado” [Provérbios 21.4]. O
fim deliberado para o qual nossos atos se dirigem determina derradeiramente sua
(dos atos) compleição moral.
Nosso Salvador também afirmou que não há neutralidade moral — aquele
que não é por ele é contra ele. Juntamente a isto, consideremos que todo homem
nasce num estado de alienação em relação a Deus. A inimizade e ateísmo
práticos são o desenvolvimento natural dessa disposição. O único remédio para
essa doença natural do espírito do homem é a verdade do evangelho. A
comparação dessas verdades tornará perfeitamente claro que o ensino não cristão
deve ser literalmente um ensino anticristão.
Eis, portanto, o argumento conclusivo. A réplica já foi lançada: “Não é
verdade que os cristãos não sustentam essa teologia como membros da igreja, e
não como cidadãos? Tu mesmo não disseste que o Estado não é um agente
evangélico, e sua função apropriada não é a conversão de almas de seu pecado
original?”.
É verdade, mas o Estado também não tem o direito de tornar-se uma
agência antievangélica, impondo resistência ao trabalho da comunidade
espiritual. Embora o Estado não autorize as crenças teológicas dos cidadãos
cristãos, também não possui o direito de travar guerra contra elas. Não obstante
o fato de não termos o direito de pedir ao Estado para difundir nossa teologia,
temos, contudo, o direito de exigir que não se oponha a ela. E educar almas
dessa maneira é opor-se à nossa teologia. Eis a razão por que um ensino não
cristão é um ensino anticristão.
Pode-se apresentar ainda outro argumento contrário: “Essa consequência,
embora maligna, não será mitigada caso o Estado cesse por completo de ensinar,
pois então o ensino dos jovens será, ao menos no que lhe diz respeito,
igualmente não cristão”.
A resposta: uma coisa é tolerar um erro cometido por alguém sobre o qual
não temos autoridade legal, e outra inteiramente diferente é cometermos nós
mesmos esse erro. Pois o Estado fazer aquilo que lhe cabe a fim de condenar os
pais ímpios (embora ele não tenha autoridade para interferir) seria o pecado de
“forjar o mal, tendo uma lei por pretexto” [Salmo 94.20]. Esta é a própria
característica de um “trono da iniquidade”, com o qual o Senhor não pode ter
comunhão.
Outra objeção é que se o Estado deve governar e punir — ambas as quais
são funções morais —, ele também deve ensinar. Se estamos preparados para a
ideia totalitária de Estado, que faz deste a instituição humana universal, então
podemos chegar a essa conclusão acima. Entretanto, o Estado deve fazer tudo,
desde reparar uma estrada e drenar um pântano até apoiar uma religião?
Mas então a coerência fará com que adicionemos às escolas públicas uma
religião governamental, um clero sustentado por impostos, um exame religioso
para cargos públicos, e o Estado empunhando seu poder para suprimir tanto o
erro teológico quanto o social. Novamente, embora o governo e punição
seculares sejam funções éticas, eles estão suficientemente fundamentados à luz
do teísmo natural. No entanto, o ensino é uma função espiritual — no sentido
acima definido. Para o ensino de indivíduos caídos e moralmente arruinados, o
teísmo natural é totalmente inadequado, conforme vê-se no Estado da sociedade
pagã.
Os cidadãos cristãos estão autorizados por Deus (e não pelo Estado) a
sustentar que o único ensino adequado para uma alma caída é o ensino da
redenção. Mas disto o Estado, enquanto tal, nada sabe. Como instituição de Deus
para a consecução da justiça secular, o Estado sabe o suficiente da retidão moral
para honrar aqueles que fazem o bem e para trazer terror aos malfeitores.
A evasiva mais plausível que se possa apresentar é esta: “Visto que a
educação é tão abrangente, por que não podemos ter uma ‘divisão de tarefas’?
Deixem o Estado educar o intelecto, enquanto os pais cristãos e a igreja educam
a consciência e o coração, tanto em casa quanto no local de adoração”. Muitos
cristãos julgam essa solução satisfatória. É claro que tal arranjo não seria tão
maligno quanto a negligência para com a educação do coração por parte do
Estado e dos pais.
Essas objeções, contudo, já foram respondidas. Uma vez que a consciência
é a faculdade reguladora de todas as demais, o professor que não pode lidar com
a consciência não pode também lidar adequadamente com qualquer outra coisa.
Visto que a alma é indivisível, não se pode equipá-la em diferentes partes e em
momentos e locais diferentes do mesmo modo que um homem pode comprar seu
chapéu numa loja e suas botas em outra.
Tendo em vista que todas as verdades se convergem em Deus, o professor
que não pode mencionar o nome de Deus necessariamente ministra um ensino
fragmentado. Ele é capaz de construir somente uma figura truncada. Na história,
na ética, na filosofia e na jurisprudência, os fatos e pressupostos religiosos são
absolutamente inseparáveis do conteúdo que se tem em mãos. A disciplina
necessária de uma sala de aula e a fidelidade secular dos professores exigem a
religião.
E nenhuma pessoa ou instituição tem o direito de dizer a uma alma
responsável, imortal: “Nesta extensa porção intelectual e ética de tua vida, estás
autorizado a ser ímpio”. A escola pública não deve sequer ousar negar a seu
pupilo o estabelecimento de sua própria atividade. Essa negação seria, por si
mesma, uma inculcação religiosa!
Porém, há mais ainda. Por que as pessoas desejam que o Estado interfira na
educação? A resposta é que ele possui o poder e os recursos para melhor fazê-lo.
Mas então, a menos que sua intervenção seja uma fraude, sua educação secular
deve, com efeito, ser algo que exerça profunda impressão. Isto significa que essa
impressão — que, de acordo com a teoria, será não cristã —, terá um efeito
maior na alma do jovem. E é o ensino mais fraco ministrado na Escola
Dominical que deverá contrabalancear isso.
O coração natural é carnal e naturalmente se inclina para longe do
evangelho. Para o jovem, quando inspirado por seus estudos, o professor é
geralmente um deus; e, neste estado de coisas, será, para o estudante entusiasta,
uma divindade completamente pagã. O lado cristão do professor, caso exista,
não poderá mostrar-se a esse adorador! Se estas coisas de fato ocorrem, quão
pálido e frio parecerá o raro raio de evangelho, quando vier sobre o jovem aos
domingos! Em resumo, ao estudante de sucesso que está sob a autoridade de um
professor competente, a escola é seu mundo. Torne a escola irreligiosa, e a vida
do estudante tornar-se-á irreligiosa.
Perguntemos novamente: “Por que o Estado não se poupa de problemas
simplesmente deixando toda educação aos pais?”. A resposta que nos chega é a
seguinte: “Porque muitos pais são incapazes ou descuidados para que possamos
confiar a eles essa tarefa”.
Evidentemente se a maioria dos pais cumprissem o trabalho de forma
satisfatória, o Estado não teria razão para intrometer-se. Mas então a própria
razão para a existência da escola pública é essa ampla classe de pais negligentes.
Porém, o homem é um ser carnal, alienado da piedade. Consequentemente, todos
aqueles que negligenciam o desenvolvimento mental de seus filhos também
negligenciam seu cultivo espiritual.
Portanto, devemos supor que, na própria classe que serve de pretexto para a
intervenção do Estado, o desenvolvimento fatalmente parcial que ele fornece
permanecerá sendo parcial. O Estado não tem direito de presumir nada diferente
disso. No entanto, alguém pode replicar: “Nisto, não cabe à igreja assumir esse
trabalho, negligenciado tanto pela escola pública secularizada quanto pelos pais
ímpios?”.
A resposta é que a escola secular não pode declarar a igreja como um
aliado. Ademais, se a igreja se encontra suficientemente onipresente, disposta e
eficiente ao redor de todo o país para que se possa confiar nela, por que ela não
inspirará, nos pais e indivíduos filantropos, zelo suficiente para cuidarem de toda
a educação da juventude? Assim, mais uma vez, desaparecerão todas as razões
para a intervenção do Estado.
Todavia, a igreja de fato não repara, nem é capaz de fazê-lo, o agravo que
está sendo causado pelo seu mais rico e poderoso rival. O Estado secular está
fornecendo, sob o disfarce de uma educação não cristã, uma educação anticristã.
É também um fato bastante conhecido aos homens práticos que as escolas
públicas obstruem os empenhos dos pais e de filantropos. Desse modo, caso não
houvesse interferência, pais seguiriam o impulso de cristãos iluminados, seus
próximos e seus guias naturais, criando assim escolas privadas para seus filhos.
As escolas seriam tanto primárias quanto clássicas. Porém, agora
invariavelmente oferecem apenas a educação primária. “O imposto referente à
escola deve ser pago de qualquer modo, e é pesado. Isso é tudo que podemos
fazer”.
No passado, filhos de pais pobres que demonstravam aspiração para a
aprendizagem encontravam sua oportunidade para receber a instrução clássica
perto de seus lares, nas incontáveis escolas privadas criadas pela iniciativa de
pais e pelo espírito público. A caridade da vizinhança jamais permitiu que tais
jovens merecedores fossem impedidos pela simples falta de instrução. Uma vez
que os melhores homens são líderes naturais de seus próximos, eles trariam uma
grande parte das crianças das classes próximas a eles para as escolas privadas
criadas para suas próprias famílias. Essas, por essa mesma razão, seriam
certamente escolas cristãs.
No entanto, o objetivo da educação pública é trazer um grande número de
crianças para as escolas primárias e reduzir de algum modo a iliteracia — o que
é um grande deleite para filantropos superficiais. Porém o número de jovens
educados para além dos meros rudimentos, e especialmente aqueles que
passaram por educação cristã cotidiana, é diminuto.
Dessa maneira, a secularização efetiva e consistente da educação não deve
ser tolerada. Mas quase todos os homens públicos e pregadores declaram que as
escolas públicas são a glória da América. Elas são uma finalidade, e de modo
nenhum deve-se abrir mão delas. Vimos que sua secularização total é
logicamente inevitável. Os cristãos devem preparar-se, então, para as seguintes
consequências: todas as orações, catecismos e Bíblias serão, por fim, retiradas
das escolas.
Mas isto não satisfará os católicos, que obstinadamente — e caso sua
religião estivesse certa, corretamente — insistem que a educação para suas
crianças deve ser cristã. Esse poder sobre as esperanças e medos dos demagogos
assegurar-lhes-á aquilo que os protestantes não podem exigir por coerência —
uma verba separada retirada dos fundos públicos.
Portanto, em relação ao protestantismo, Roma desfrutará de uma grande
vantagem na corrida do propagandismo. A humanidade sempre perceberá, mais
cedo ou mais tarde, que não pode subsistir sem uma religião, e isto fará com
que assuma preferencialmente uma religião falsa em lugar de nenhuma.
Infidelidade e impiedade práticas tornar-se-ão cada vez mais predominantes
entre os jovens protestantes, e nossas igrejas enfrentarão uma dificuldade maior
para seu crescimento, quando não para sua existência.
Talvez os protestantes americanos possam ser conduzidos não ao abandono,
mas à revisão de suas opiniões no tocante à educação. Eles poderiam relembrar
as condições sob as quais a teoria da educação pública veio a ser primeiramente
aceita neste país. Deu-se nas colônias que, ao mesmo tempo, advogavam
firmemente a união entre igreja e Estado.
As colônias de Massachusetts e Connecticut, por exemplo, honoráveis
pioneiras na educação pública desta nação, eram resolutamente teocráticas em
sua constituição. A religião reformada fora estabelecida por lei.
O mesmo sucedeu em todos os países protestantes da Europa, cujos
exemplos bem-sucedidos são sempre citados. Escócia e Prússia, por exemplo,
têm a fé protestante como religião estabelecida. Essa união igreja/Estado e a
educação pública primária sempre foram parte de um sistema coerente nas
mentes de seus governantes na igreja e no Estado.
Uma educação secular, tal como esta que resultará de nosso sistema escolar
público, teria sido repudiada com indignação pelos Winthrops e Mathers, os
Knoxs, os Melvilles e os Chalmers. Pode-se até mesmo dizer com segurança que
os Tholucks e os Bismarcks, que são apontados como precedentes e modelos,
condenariam tal coisa.
Será de fato honesto os defensores da escola pública citarem as opiniões e
ações de todos esses grandes homens, para algo que é inteiramente diferente
daquilo que defendiam? John Knox, por exemplo, insistia na educação primária
para cada criança na Escócia por parte do Estado. Mas isto porque o Estado que
ele havia auxiliado a reconstruir na Escócia estava revestido do poder legitimado
para ensinar a religião reformada (por meio da igreja aliada), e porque era assim
competente para ensinar as crianças a lerem e de igual modo ensiná-las as
Escrituras e o Catecismo da Assembleia [de Westminster].
Se Knox tivesse testemunhado uma ruptura entre igreja e Estado (a qual ele
teria condenado como maligna e pagã) conduzindo a uma educação secular, e
que educasse o intelecto sem a consciência ou o coração, sua língua heroica não
teria pronunciado palavras inseguras.
Vemos, pois, que homens bons e sábios adotaram e desenvolveram com
êxito esse sistema. Mas eles o fizeram somente por comunidades que uniam
igreja e Estado, e a educação mental com a espiritual. A questão para
consideração honesta é, pois, a seguinte: “Que modificações a teoria da
educação pública deveria receber, quando é importada para comunidades cujos
governos civis secularizaram-se de forma absoluta, tornando ilegal e impossível
a união entre os poderes secular e espiritual?”.
A resposta talvez possa ser encontrada ao retrocedermos ao primeiro
princípio sugerido no início desta discussão. A educação das crianças é uma
função cívica ou eclesiástica?
Não é propriamente uma função doméstica que cabe aos pais?
Primeiramente, lemos nas Escrituras que Deus estabeleceu a família pela união
de uma mulher com um homem, numa só carne, para a vida, para o fim
declarado de “buscar a descendência que prometera” [Malaquias 2.15]. Isto não
implica que Deus olha para os pais, nos quais se fundamenta a família, como os
agentes responsáveis desse resultado?
No Quinto Mandamento, Deus vinculou o filho não com o presbítero ou o
magistrado, mas com seus pais, o que evidentemente confere a estes a autoridade
apropriada e primacial. Esse argumento aparece novamente na própria ordem da
gênese histórica da família e do Estado, assim como da igreja visível. A família
foi estabelecida em primeiro lugar.
Os pais, no princípio, foram os únicos chefes sociais existentes. A criação
correta das crianças por parte deles foi necessária para a constituição correta de
duas outras instituições. Consequentemente, a autoridade dos pais sobre as
crianças aparentemente não pôde ter se originado pela delegação do Estado ou
da igreja visível — não mais do que a água na fonte procede do reservatório
inferior.
Em segundo lugar, o modo como Deus opera no curso da natureza
demonstra onde estão depositados o poder e o dever da educação. Deus
determinou que os pais decidam em que momento a criança iniciará sua carreira
adulta. O filho herda a fortuna, a posição social, a responsabilidade, ou a má
reputação de seu pai.
Em terceiro lugar, Deus deu aos pais influências sociais e morais tão
singulares, tão extensas, que nenhum outro poder terreno, ou todos os demais
poderes juntos, podem substituí-los na formação do caráter da criança. O
exemplo doméstico, fortalecido pela venerável autoridade do pai e da mãe,
repetido continuamente em casa e reforçado pela reverência filial, deveria ter a
força suprema sobre o caráter. Deus preservou esse poder ímpar por meio da
afeição natural, a mais poderosa e mais altruísta que ainda se mantém no coração
do homem caído. Até que o magistrado seja capaz de sentir o amor, sendo por
este animado para um cuidado e trabalho abnegados iguais ao de um pai e ao de
uma mãe, ele não pode apresentar nenhuma razão para assumir qualquer função
parental.
O melhor argumento neste ponto é o próprio instinto do coração. Pais
nenhuns podem deixar de ressentir-se pela intrusão de qualquer autoridade entre
sua consciência e convicções e a alma de seu filho. Se o pai conscientemente
acredita que seu próprio credo é verdadeiro e justo e impreterível perante Deus,
então ele deve intuitivamente considerar como usurpação a intrusão entre ele e
seu filho por parte de qualquer poder que busca promover a rejeição desse credo.
Somente a liberdade da mente do filho, quando se tornar um adulto, pode
legitimamente interpor-se. Se essa usurpação é cometida pela igreja visível, é
uma caminhada em direção ao catolicismo. Se é cometida pelo magistrado, é
uma caminhada em direção ao despotismo.
Pode-se objetar que essa teoria torna os pais soberanos durante a
menoridade mental e moral da criança. Isso afeta a formação das opiniões e
caráter da criança, e visto que os pais são falíveis e podem ensinar o filho
equivocadamente, é necessário que haja uma autoridade superior para
supervisionar e intervir.
A resposta para isso é que a suprema autoridade deve ser colocada em
algum lugar. Deus indicou que, em geral, nenhum lugar é tão seguro para isso
quanto os braços dos pais, os quais possuem o amor maior pela criança e as
melhores oportunidades.
Mas, os pais não podem, no entanto, negligenciar ou perverter esse poder?
Sim, mas acaso o Estado jamais negligencia ou perverte seus poderes? Com as
lições da história para nos ensinarem acerca dos abusos de poder horríveis e
quase universais nas mãos de governantes civis, essa questão é conclusiva. No
caso de um Estado ímpio ou injusto, o mal seria universal e enorme. Não há
dúvida de que Deus depositou o dever da educação no lugar mais seguro.
As competições entre Estado e igreja pelo poder sobre a educação têm sido
tão absorventes que quase nos esquecemos dos pais, o terceiro e legítimo
competidor. E agora muitos olham para a reivindicação dos pais quase com
desprezo. Uma vez que as esferas da igreja e do Estado são muito mais amplas e
mais populosas do que a esfera dos pais, eles estão inclinados a considerá-la em
tudo inferior. No entanto, não vimos que o menor círculo é, de fato, o original e
mais autorizado dentre os três?
Qualquer homem que faça uso mínimo de seu intelecto dirá que seu direito
de casar-se e ser um pai advém da permissão do Estado? Há aqui um equívoco
em relação à autoridade do Estado, porque as constituições civis conferem ao
Estado certas funções policiais relativas ao casamento e às famílias. Do mesmo
modo, há leis relativas a certos pertences eclesiásticos. Mas por que os
protestantes supõem, a partir disto, que seus direitos religiosos são conferidos ou
podem ser legitimamente retirados pela autoridade civil?
A verdade é que Deus instituiu imediata e fidedignamente três organismos
[13]
aprisionamento. Sempre e onde quer que um governo civil financie qualquer tipo
de atividade, ele tem o direito legal e moral de controlar essa atividade. Se o
Estado financia as igrejas, ele tem o direito de controlar as igrejas. Se o Estado
financia as escolas, faculdades e universidades, ele tem o direito e o dever de
controlá-las.
Alguns objetarão, contudo, que nem todos podem pagar pela educação. A
resposta é que antes do Estado começar a financiar a educação nos Estados
Unidos, todas as crianças americanas eram educadas. Os filhos dos pobres e dos
imigrantes eram educados por sociedades missionárias educacionais. Além
disso, é um engano pensar que não pagamos pela educação quando esta é
custeada pelo Estado. Não só pagamos, mas pagamos mais. Recentemente, duas
escolas foram construídas em uma comunidade, para um número quase igual de
crianças, mas o custo da escola cristã era metade daquele da escola estadual e
oferecia uma educação de maior qualidade. Deve-se também acrescentar que a
carga tributária educacional sobre o pobre é bem mais pesada do que
mensalidade de qualquer escola cristã; ele paga esse imposto direta ou
indiretamente, quase a cada momento do dia.
A educação custeada pelo Estado é uma educação totalitária. A essência do
totalitarismo é simplesmente esta: ele afirma que o Estado tem todas as respostas
para a vida, e que praticamente toda esfera da atividade humana deve ser
governada pelo Estado. O totalitário crê que a educação, a economia e o
comércio, a família, o bem-estar da criança e do idoso, a medicina, a ciência e
tudo o mais precisa da mão controladora e orientadora do Estado. Há diferentes
tipos de totalitarismo — marxista, democrático, fascista, fabiano e assim por
diante — mas suas diferenças não são essenciais, ao passo que suas
correspondências o são. Comum a todas as formas de totalitarismo é a crença no
controle da educação pelo Estado. Desde o projeto de Platão para um Estado
comunista até os dias de hoje, o planejamento totalitário tem investido de forma
pesada sobre o controle da educação.
O libertarianismo cristão é hostil à política na educação. Ele também não é
a favor da igreja na educação. A escola, sob Deus, é uma agência tão livre
quanto a igreja e o Estado. Nem a igreja nem o Estado têm qualquer direito de
controlar o outro, nem possuem qualquer direito de controlar a família, a
economia, a cultura, a arte ou qualquer outra esfera de atividade humana.
Nenhuma instituição tem o direito de fazer o papel de deus e de guardiã de todas
as outras instituições na sociedade. A reivindicação desse direito por qualquer
instituição se configura como totalitarismo. A família não pertence à igreja nem
ao Estado; ela é uma instituição separada, estando diretamente sob a autoridade
de Deus. Da mesma forma, a escola tem o direito a uma existência livre e
separada. Ela é um reino independente, com uma função marcadamente diferente
daquela da igreja e do Estado.
A função da escola e do professor é ensinar, educar. Se o Estado ou a igreja
controla a escola, então torna-se função da escola servir aos propósitos do
Estado ou da igreja. A propaganda passa a governar a educação. Em vez de
servir à função primária da escola ou da faculdade, o professor serve então ao
propósito primário do Estado ou igreja controladores. Além disso, a qualidade da
escola declina, pois a escola nesse caso existe por meio de um subsídio de outra
instituição, não por estar fazendo um trabalho bem-sucedido.
Uma escola verdadeira bem-sucedida é aquela cujos propósitos e ensinos
agradam tão fortemente certo grupo de pessoas, que elas voluntariamente a
apoiam, pagam as mensalidades para matricularem-se nela, e julgam que sua
existência é importante o suficiente para promovê-la.
Sob o sistema de escolas livres — escolas não subsidiadas — algumas
escolas ensinarão com base na fé cristã, outras, com base no humanismo, mas
cada escola dependerá de seus méritos e do apoio popular para manter-se em
funcionamento. Essa é exatamente a forma como as igrejas sobrevivem, e não
nos faltam igrejas. É assim também que o negócio sobrevive, atendendo à
demanda pública com um produto superior que venda facilmente.
A educação não estatal hoje é o movimento social que mais cresce na
América. Todo o ano mais e mais escolas cristãs e privadas estão sendo
estabelecidas, e muitas têm longas listas de espera. Essas escolas não
representam apenas as classes mais ricas. Uma das melhores escolas que visitei
havia se estabelecido numa pequena cidade, e a maioria das crianças eram de
famílias que trabalhavam em moinhos, quase todas com rendas muito modestas.
Essas escolas estavam sendo estabelecidas porque os pais estavam exigindo uma
educação que satisfizesse seus requerimentos, e não os do Estado. Hoje entre
25% e 30% de todas as crianças do ensino fundamental não estão em escolas
públicas; elas estão em escolas privadas, paroquiais e cristãs. E 10% de todos os
estudantes do ensino médio nos Estados Unidos também estão em escolas não
estatais. E a percentagem está crescendo rapidamente. Essa é a maior revolução
social dos nossos dias, e todavia os jornais raramente a mencionam. Desde 1950,
o cenário educacional tem visto um grande deslocamento da educação estatal no
ensino fundamental e médio, mas poucos estão cientes desse fato revolucionário.
No ritmo atual de crescimento, até o final do século a escola pública terá sumido
e a escola independente tê-la-á substituído.
O slogan: Mantenham a política fora da educação é ao mesmo tempo bom
e necessário. A educação precisa de liberdade para sobreviver. O mundo
acadêmico tem também sido há muito tempo um refúgio para excêntricos que
prosperam num mundo subsidiado. O professor mediano de hoje não é um
scholar. Ele está disposto a fazer uma pesquisa apenas se lhe for necessária para
uma promoção. Tão logo se torna um professor titular e efetivo, desinteressa-se
em aprender, pois o seu mundo é um lugar melhor para se esconder da educação
do que um lugar para a educação. Poucos professores são professores aceitáveis;
eles não estão suficientemente interessados no ensino ou na erudição para além
do pouco que se requer atualmente deles. Karl Jaspers, um filósofo
existencialista e professor universitário, admitiu que a universidade moderna é
basicamente anti-intelectual e hostil à excelência. Sendo ela o refúgio de homens
medíocres, Jaspers afirma, “a excelência é instintivamente excluída por medo de
competição”. [17]
tão à frente do McGuffy Fifth Reader que não havia comparação, e agora temos
muitos que olham para trás, para o McGuffy, como sendo superior às
capacidades dos leitores atuais. O declínio é real, pois a escola está ajustada à
política, não à educação, e, nos próximos anos, o declínio somente agravar-se-á
mais rapidamente.
As escolas independentes estão ganhando terreno velozmente porque elas
oferecem educação superior. Em vez de melhorar a qualidade da educação que
oferecem, alguns educadores do Estado têm expressado a opinião que escolas
independentes deveriam ser declaradas ilegais ou assumidas pelo Estado. Esta é
a resposta totalitária aos problemas: proíba a concorrência. Em 1935, no caso de
Oregon, a Suprema Corte dos Estados Unidos prescreveu: “A teoria fundamental
da liberdade sobre a qual todos os governos na União se assentam exclui
qualquer poder geral do Estado para padronizar suas crianças, forçando-os a
aceitar instrução apenas de professores da rede pública”; em outas palavras, a
educação independente é essencial para a liberdade humana. Mas John L. Childs,
professor emérito da Columbia Teachers College, questionou esse direito alguns
anos depois, dizendo: “A menos que as práticas educacionais da igreja que se
presume terem sido sancionadas por aquela decisão histórica da Suprema Corte
sejam revistas e reexaminadas, o futuro da escola comum não é promissor”.
Contra essa atitude, devemos insistir firmemente: Mantenham a política fora da
educação; defendamos a separação do Estado e a escola.
2. EDUCAÇÃO E A FAMÍLIA[19]
R. J. Rushdoony
Um aspecto fundamental do amparo que os pais devem ao seu filho é a
educação no sentido mais amplo da palavra. Isso envolve, em primeiro lugar, o
castigo. De acordo com Provérbios 13.24: “O que retém a vara aborrece a seu
filho, mas o que o ama, cedo, o disciplina”. Novamente, “castiga a teu filho,
enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo” (Pv 19.18); os
pais de então eram tão inclinados a serem moles como hoje em dia, mas a
necessidade de castigo não pode ser posta de lado por uma compaixão tola. O
castigo pode salvar a vida da criança: “Não retires da criança a disciplina, pois,
se a fustigares com a vara, não morrerá. Tu a fustigarás com a vara e livrarás a
sua alma do inferno” (Pv 23.13-14). O castigo é necessário, como Kidner
apontou, pois, como é dito em Provérbios:
Primero, “a estultícia está ligada ao coração
da criança”; será necessário mais do que
palavras para desalojá-la dali (22.15).
Segundo, o caráter (no qual a sabedoria se
concretiza) é uma planta que cresce mais
robustamente mediante algumas podas (cf.
15.32, 33; 5.11, 12; Hb 12.11) — e isso desde
os primeiros dias (13.24b: “cedo”; cf. 22.6:
“Ensina a criança no caminho em que deve
andar, e, ainda quando for velho, não se
desviará dele.”). Numa “criança entregue a si
mesma”, o único resultado previsível é a
vergonha (29.15). [20]
Mas o castigo não é substituto para a sã instrução, para o ensino
apropriado. Dessa forma, em segundo lugar, os pais têm o dever de fornecer à
criança uma educação piedosa: “O temor do SENHOR é o princípio do saber, mas
os loucos desprezam a sabedoria e o ensino” (Pv 1.7); “O temor do Senhor é o
princípio da sabedoria, e o conhecimento do Santo é prudência.” (Pv 9.10). A
sabedoria reside na fé, e o verdadeiro conhecimento tem como seu pressuposto o
Deus soberano. Não pode haver nenhuma neutralidade na educação. Educação
pelo Estado terá fins estatistas.
Educação pela igreja será orientada para a promoção da igreja. A escola
não pode ser subordinada nem à igreja, nem ao Estado. A igreja dos dias de
Cristo ensinava aos homens a dar à igreja, supostamente a Deus, em vez de
[21]
prover para os seus pais (Marcos 7.7-13). O pecado era assim ensinado como
uma virtude.
Deus exige que os filhos obedeçam a seus pais. A contraparte a isso é o
dever dos pais de ensinarem aos seus filhos os fundamentos da obediência, a lei
de Deus. A própria lei requer isso:
Pois que grande nação há
que tenha deuses tão
chegados a si como
o SENHOR, nosso Deus,
todas as vezes que o
invocamos? E que grande
nação há que tenha
estatutos e juízos tão
justos como toda esta lei
que eu hoje vos
proponho? Tão somente
guarda-te a ti mesmo e
guarda bem a tua alma,
que te não esqueças
daquelas coisas que os
teus olhos têm visto, e se
não apartem do teu
coração todos os dias da
tua vida, e as farás saber a
teus filhos e aos filhos de
teus filhos. (Dt 4.7-9)
Estas palavras que, hoje,
te ordeno estarão no teu
coração; tu as inculcarás a
teus filhos, e delas falarás
assentado em tua casa, e
andando pelo caminho, e
ao deitar-te, e ao levantar-
te. (Dt 6.6-7)
Uma vez a cada sete anos, no ano sabático, as crianças, juntamente com
os adultos, tinham que ouvir a leitura de toda a lei (Dt 31.10-13).
Desde os primórdios, líderes religiosos em Israel assumiram a tarefa da
educação. O profeta Natã tornou-se o instrutor do jovem Jedidias, “amado do
Senhor”, ou Salomão (2Sm 12.25). [22]
Josefo, em sua obra Contra Apião, comparou a educação dos hebreus com a dos
gregos. A educação grega, apontou Josefo, afastava-se do rigorosamente prático
em direção ao abstrato e teórico, ao passo que a lei bíblica tinha uma relação
sadia entre princípio e prática.
Quarto, a educação bíblica, sendo centralizada na família e enfatizando a
responsabilidade de pais e filhos, produzia pessoas responsáveis. Uma pessoa
criada e educada na doutrina de que tem a responsabilidade de cuidar dos seus
pais tão logo surja a necessidade, de prover para os seus filhos, e, no melhor de
sua capacidade, de deixar uma herança de disciplina e exemplo moral, bem
como riqueza material, é uma pessoa profundamente condicionada à
responsabilidade. Em tal sistema educacional, o Estado não é a parte
responsável, mas sim a família, e o homem tem o dever de ser um cabeça
competente e providente para seu lar, e a esposa, uma ajudadora habilidosa para
o seu marido. O abandono da educação orientada para a família leva à destruição
da masculinidade, e torna as mulheres em graciosos regalos para os homens ou
em suas competidoras agressivas. Homens e mulheres, tendo perdido sua função,
vagueiam instavelmente e sem um senso legítimo de propósito. A educação
moderna abstrai o conhecimento; o especialista se orgulha por não saber nada
fora de sua área e exibe sua recusa em relacionar seu conhecimento com outras
áreas como se fosse um distintivo de honra. Se o erudito busca relatividade
social, também o faz sem um princípio transcendental, e o resultado é uma
imersão no processo social sem uma estrutura de valor; tudo o mais é
considerado como destituído de sentido, a não ser o processo que, naquele
momento, se torna a estrutura encarnada.
Na educação moderna, o Estado é o educador, e o Estado é considerado a
agência responsável em vez do homem. Tal perspectiva milita para destruir o
aluno, cuja lição básica se torna a dependência em relação ao Estado. Recorre-se
ao Estado, e não ao indivíduo e à família, para decisões e ações morais, e o papel
moral do indivíduo é assentir e se curvar perante o Estado. A educação estatista
é, no mínimo, implicitamente antibíblica, mesmo quando e onde ela dá à Bíblia
um papel no currículo.
Quinto, essencial para o chamado de toda criança é ser membro de uma
família. Praticamente todas as crianças um dia tornar-se-ão maridos e mulheres,
e pais ou mães. A escola estatista destrói este chamado. Suas tentativas de
satisfazer a necessidade são essencialmente externas e mecânicas, i.e., cursos de
economia doméstica, educação sexual e coisas semelhantes. Mas o treinamento
essencial para a vida familiar é a vida em família e uma escola e sociedade
orientadas para a família. Isto implica educação bíblica. Implica também
disciplina e prática numa responsabilidade piedosa.
A escola estatista, além disso, basicamente treina mulheres para serem
homens; não é de surpreender que tantas estejam infelizes por serem mulheres. [24]
E os homens não são mais felizes, visto que o domínio na educação moderna é
transferido do homem para o Estado, e o homem é progressivamente
emasculado. A maior vítima da educação moderna é o estudante do sexo
masculino. Uma vez que, segundo o propósito criativo de Deus, o domínio é um
aspecto básico do homem, qualquer educação que diminua o chamado do
homem para exercer domínio também diminui, na mesma proporção, o homem.
Sexto, a educação bíblica enfatiza o aprendizado, o aprendizado piedoso.
Os provérbios judaicos ressaltam esse aspecto. Já nos referimos a um deles:
“Assim como exige-se que o homem ensine a Torá ao seu filho, da mesma forma
requer-se que ensine uma profissão”. Ademais, “aquele que ensina ao filho do
seu próximo a Torá, é como se o tivesse gerado”. Mas, principalmente, “um
homem ignorante não pode ser santo”. Visto que a santidade não é um ato
[25]
autogerado, mas, pelo contrário, exige uma conformidade à lei e justiça de Deus,
um homem ignorante não pode ser santo. Além disso, visto que o conhecimento
também não é autogerado, e o sentido da factualidade não vem dos fatos mas do
Criador, o conhecimento requer, como seu pressuposto em cada área, o
conhecimento de Deus, cujo temor é o princípio da sabedoria e do
conhecimento.
É necessário mais do que nunca enfatizar que os melhores e mais
confiáveis educadores são os pais sob a autoridade de Deus. A maior escola é a
família. No aprendizado, nenhum ato de ensino em qualquer escola ou
universidade se compara à tarefa rotineira de mães ao ensinar a um bebê, que
não fala nenhum idioma, a língua materna em tão pouco tempo. Nenhuma outra
tarefa na educação pode comprar-se a isso. O treinamento moral da criança, a
disciplina de bons hábitos, é uma herança dos pais aos filhos que sobrepuja todas
as demais. A família é a primeira e fundamental escola do homem.
3. SOBERANIA E EDUCAÇÃO[26]
R. J. Rushdoony
James E. Wood Jr., editor do Journal of Church and State [Periódico da
Igreja e Estado], primeiramente ridicularizou a noção dos fundamentalistas de
que o humanismo secular é a fé das escolas estatistas dos Estados Unidos. Ele
faz eco à opinião de que se trata de “uma ilusão paranoica” por parte da direita
religiosa. Ele vê o humanismo secular como um mito cujos “autores” são os
fundamentalistas. Ele cita a declaração do senador Daniel Patrick Moynihan de
que nem ele, nem qualquer um que tenha ajudado na elaboração do Education
for Economic Security Act (1984), que em parte barrou um distrito escolar de
receber fundos para financiar qualquer curso que envolva humanismo secular,
sabia “de qualquer distrito escolar que ensinasse um humanismo secular. Não
estou certo se alguém sabe o que é humanismo secular… certamente, nenhuma
das escolas afetadas pela legislação” o ensina.
Em segundo lugar, Wood afirmou a “neutralidade” das escolas públicas
“para com as fés ou tradições religiosas particulares”. [27]
linha. Para uma educação que pretende ser democrática, negligenciar a fé bíblica
da maioria dos americanos, ou pelo menos o maior elemento na população,
dificilmente é democrático! Ainda mais, negligenciar a fé religiosa que é básica
à civilização ocidental não apenas não é uma postura neutra, mas é de fato uma
postura de hostilidade agressiva. Trata-se de uma hostilidade com graves
consequências.
Em 1957, Kenneth Rexroth analisou o que estava acontecendo à arte com
o surgimento do movimento beatnik (que precedeu os hippies). Ele observou que
“muitos dos desenvolvimentos mais impressionantes nas artes de hoje são
aberrantes, idiossincráticos”. A “melhor ficção popular” estava preocupada
[34]
O desprendimento do
criador, que, como
criador é necessariamente
juiz, é uma coisa, mas o
absoluto niilismo do
hipster esvaziado é outra.
O que virá de uma atitude
como essa? É impossível
continuar dizendo
indefinidamente: “Me
orgulho de ser um
delinquente”, sem
destruir todo valor
civilizado. Entre tais
pessoas nenhum
relacionamento
interpessoal duradouro
pode ser construído, e
sem dúvida, nada que se
assemelhe a uma
“cultura” verdadeira —
um estar em casa dos
homens uns com os
outros, seu trabalho, seus
amores, seu ambiente. O
resultado final deve ser a
desesperança do
naufrágio — o desespero,
as orgias, em última
instância o canibalismo
de um bote salva-vidas
perdido. Creio que a
maior parte de uma
geração inteira irá para a
ruína — a ruina de
Celine, Artaud, Rimbaud,
voluntariamente, mesmo
entusiasticamente. O que
acontecerá depois não sei,
mas nos próximos dez
anos ou mais teremos que
lidar com a juventude que
nós, minha geração,
fizemos passar pelo
esmagador de átomos. [36]
Desengajamento social,
integridade artística,
pobreza voluntária —
essas são virtudes
poderosas e podemos
introduzi-las, mas não são
as virtudes que tentamos
inculcar — antes, elas são
o exato oposto. [37]
Uma educação que se “desengaja” de Deus e de toda a sua história é uma
educação apaixonada pela morte; ela tem, nos termos de Rexroth, “o
canibalismo de uma bote salva-vidas perdido”. Não é surpresa, pois, que escolas
estatais estejam hoje num estado de ilegalidade e anarquia, tanto moral como
educacional.
Numa interessante passagem, a romancista Erica Jong falou de
casamento não como cura para solidão; de amantes não como sendo nenhuma
panaceia; do sexo não como uma solução final, e em seguida disse: “se você fez
de sua vida uma prolongada doença, então a morte foi a única cura”. [38]
Progressivamente, mais e mais estudantes veem a morte como a única cura, pois
a própria vida é rejeitada. Antes da Revolução Francesa, o mundo dos escritores
foi marcado por uma hostilidade a tudo que fosse positivo. Esses homens eram
os enraivecidos . Antes da Revolução Russa, os escritores, assim como os
[39]
Na educação, como na sociedade em geral, atacar as normas cristãs é
ganhar a simpatia como um homem “inteligente” e “perceptivo”. Não poucos
líderes eclesiásticos ganharam proeminência nacional dando voz a tais críticas
“cultas” à fé e lei bíblicas. Em 18 de junho de 1943, durante a Segunda Guerra
Mundial, George Orwell escreveu um poema sobre seu “crime” de patriotismo,
isto é, sua deserção de desprendimento dos valores tradicionais. Ele disse
alguém teve o desaforo
De escrever três páginas
me chamando “traidor”
Um crime tão negro é
amar o próprio país.
Todavia, onde está o
pulha que teria achado
estranho eu
Escrever uma prateleira
de livros em louvor à
sodomia? [41]
Os enraivecidos do nosso século estão enfurecidos acima de tudo contra
a ordem religiosa. Em 1968, The Rolling Stones, uma banda de rock, apresentou
sua música, “Sympathy for the Devil” [Simpatia pelo Diabo]. Marshall Berman,
escrevendo sobre a revolução estudante da década de 1960, registrou, como
membro desse elemento revolucionário, quão enervante foi para muitos deles,
quando os fatos do caso Manson começaram a surgir, descobrir como o mundo
deles coincidia com o dos Manson. Eles eram uma parte da mesma
“contracultura”, com as mesmas músicas, drogas, comportamento sexual, e
muito mais. O “Weatherpeople” aclamou os assassinatos dos Manson “como um
ato político exemplar”. Eles “usaram a linguagem da demonologia
revolucionária”. Berman considerou “pertinente que o LSD tenha sido usado e
celebrado pela primeira vez não nos sombrios enclaves boêmios, mas em
Harvard e no UCLA Medical Center”. Mesmo assim, Berman afirmou:
Qualquer um que persista
na crença “que o bem
pode proceder apenas do
bem e o mal apenas do
mal” — que crê, em
outras palavras, que pode
viver neste mundo e ainda
manter sua inocência
intacta — “é um infante
político”. A vida humana
é sombriamente ambígua
em sua essência. [42]
Nossa cultura simpatiza com o diabo, pois ela se ressente das
reivindicações do Deus soberano das Escrituras. Por conseguinte, ela aceitará
qualquer absurdo em nome da educação; continuará a tolerar a destruição de
suas crianças, moral e intelectualmente; continuará a tolerar o crime nas ruas e
em cada esquina; continuará a tolerar homens degenerados como políticos. Ela
continuará a fazer essas coisas e outras mais, pois já foi dito acerca do soberano,
Jesus Cristo: “não queremos que este reine sobre nós” (Lucas 19.14).
PARTE III
1. ESCOLAS CRISTÃS[43]
John Frame
As Escrituras deixam claro que os pais têm a obrigação de criar seus
filhos num ambiente que seja não somente centrado em Cristo, mas inclusive
saturado de Cristo. Basta ler Deuteronômio 6.4-9:
Ouve, Israel, o SENHOR,
nosso Deus, é o único
SENHOR. Amarás, pois, o
SENHOR, teu Deus, de
todo o teu coração, de
toda a tua alma e de toda
a tua força. Estas palavras
que, hoje, te ordeno
estarão no teu coração; tu
as inculcarás a teus filhos,
e delas falarás assentado
em tua casa, e andando
pelo caminho, e ao deitar-
te, e ao levantar-te.
Também as atarás como
sinal na tua mão, e te
serão por frontal entre os
olhos. E as escreverás nos
umbrais de tua casa e nas
tuas portas.
Conforme apresento minha posição, não concordo, por um lado, com
certos puristas de homeschool que dizem que as Escrituras proíbem qualquer
delegação dessa tarefa; acredito que as crianças nos tempos bíblicos eram
frequentemente aprendizes de praticantes de vários ofícios. Mas claramente os
pais têm a responsabilidade última pela educação dos seus filhos, tanto religiosa
como secular, e eles não deveriam permitir que seus filhos, numa idade jovem,
frequentem uma escola que viole seus valores fundamentais ou que não permita
nenhuma supervisão substancial por parte dos pais.
Por outro lado, acho difícil imaginar qualquer situação em que os pais
possam justificar enviar os seus filhos para uma escola pública americana. [44]
Talvez uma extrema destituição financeira poderia ser uma justificativa, ou a
total incapacidade de uma família ensinar seus filhos em casa. Mas as escolas
públicas excluem as influências cristãs; de fato, elas frequentemente falseiam a
história do mundo a fim de negar a imensa influência do cristianismo sobre a
nossa civilização. Todavia, hoje elas percebem (como não o faziam há trinta
anos) que devem comunicar alguns valores. Esses valores tendem a ser
humanistas seculares, ou relacionados à Nova Era, relativistas, ocultistas etc. E
sem dúvida há problemas dentro do sistema público educacional sempre
mencionados na mídia: violência, drogas, educação sexual relativista, um
número imenso de gravidez entre adolescentes, que tais. [45]
[1]
R. J. Rushdoony, Our Threatened Freedom: A Christian View on the Menace of American Statism.
[2]
Veja o outro livro que organizamos, por título A desgraça do ateísmo na economia (Brasília:
Monergismo, 2018), contendo artigos escritos pelo pastor e teólogo P. Andrew Sandlin.
[3]
“Secularismo, como entendido popularmente, é a visão que os valores e padrões da sociedade não devem
ser influenciados ou controlados pela religião. A falha aqui é perceber que o próprio secularismo é uma
perspectiva religiosa, a religião do humanismo, na qual a fonte da definição para a realidade, verdade e
moralidade é “deste mundo”, a saber, na forma do raciocínio e experiência humanos. A fé bíblica nega tal
distinção artificial entre o “espiritual e “terreno” e reivindica em vez disso que tudo da vida e da realidade,
em toda parte, é criada e definida por Deus e sua revelação. Consequentemente, não existe área da vida ou
do pensamento que não esteja sob sua autoridade e senhorio” (Joseph Boot, The Mission of God: A
Manifesto of Hope for Society).
[4]
Um excelente livro que merece ampla divulgação é Professor não é educador (Brasília: Editora Edesio,
2013), de Armindo Moreira.
[5]
Robert Lewis Dabney, On Secular Education (Moscow: Canon Press, 1996), p. 5.
[6]
Ibid.
[7]
Ibid.
[8]
Ibid, p. 5-6.
[9]
J. Gresham Machen, Forward in Faith (Chicago: National Union of Christian Schools, 1934).
[10]
Louis Berkhof e Cornelius Van Til, Foundations of Christian Education: Addresses to Christian
Teachers (ed.) Dennis E. Johnson (Phillipsburg, New Jersey: Presbyterian and Reformed Pub, 1990), p. 16.
[11]
Henry Van Til, O conceito calvinista de cultura (São Paulo: Cultura Cristã, 2010), p. 246.
[12]
Gordon H. Clark, A Christian Philosophy of Education (Jefferson, MD: The Trinity Foundation, 1988),
p. 73. Ou como coloca outro autor: “A grande mentira das escolas públicas é que o Deus da Bíblia é
irrelevante. Os livro-textos nunca o mencionam. Todo mundo pressupõe que as crianças não precisam saber
nada sobre Deus, a lei de Deus e a Palavra de Deus a fim de se tornarem pessoas educadas. Essa é a mentira
do próprio Satanás (Robert L. Thoburn, The Children Trap: The Biblical Blueprint for Education, p. 34).
[13]
No sentido de que foram instituídos sem mediação, isto é, de modo direto. [N. do T.]
[14]
Publicado originalmente em Rousas John Rushdoony, Law and Liberty (Vallecito, CA: Ross House
Books, 1984).
[15]
Veja nota abaixo. [N. do R.]
[16]
O termo establishment, já amplamente utilizado nos círculos acadêmicos e mesmo jornalísticos, não
oferece a possibilidade de aportuguesamento, visto que expressa um conceito diferente do falso cognato
“estabelecimento”. Segundo o Dicionário de usos do Português do Brasil (2002), establishment é “a ordem
ideológica, econômica, política e legal que constitui uma sociedade ou um Estado”. E é nesta última
acepção que Rushdoony se refere quando utiliza o termo. [N. do R.]
[17]
Karl Jaspers, The Idea of the University, p. 71.
[18]
Livro didático fornecido às escolas estatais em fins do século XIX, para uso das aulas de literatura, e que
continha, dentre outras coisas, exercícios de declamação de poesia, de interpretação de texto e de leitura. O
McGuffy Fifth Reader, por sua vez, cumpria a mesma função, com a diferença que era utilizado — e ainda o
é — para escolas privadas e para o homeschooling. O ponto de Rushdoony é que pouco mais de um século
foi o suficiente para que a educação estatal norte-americana se tornasse nitidamente precária, visto que, à
época deste ensaio (1984), poucos eram capazes de atender o nível exigido por um livro didático que
anteriormente fora tido como inferior. [N. do R.]
[19]
Publicado originalmente em Rousas John Rushdoony, Institutes of Biblical Law, volume 1 (Nutley, N.J.:
The Craig Press, 1973).
[20]
Derek Kidner, Proverbs, An Introduction and Commentary (Chicago, IL: Intervarsity Press, 1964), 51.
[21]
Como obviamente depreende-se do contexto e da citação bíblica, Rushdoony refere-se às práticas
habituais dos fariseus, que instruíam o povo a valer-se da prática acima mencionada, e não propriamente a
igreja formada pelos apóstolos e discípulos. [N. do R.]
[22]
A. R. S. Kennedy, “Education”, in James Hastings, A Dictionary of the Bible, 1:647.
[23]
Ibid., 646.
[24]
Carle C. Zimmerman and Lucius F. Cervantes, Marriage and the Family (Chicago, IL: Regnery, 1956),
310-11.
[25]
Julius B. Mailer, “The Role of Education in Jewish History”, in Louis Finkelstein, The Jews: Their
History, Culture, and Religion, 3rd ed. (New York, NY: Harper and Brothers, 1960), 2: 1240-41.
[26]
Publicado originalmente em Rousas John Rushdoony, Sovereignty (Vallecito, CA: Ross House Books,
2007).
[27]
James E. Wood Jr., “Editorial: Religious Fundamentalism and the Public Schools”, Journal of Church
and State 29, no. 1 (Winter 1987): 15-17.
[28]
Donald A. Read and Sidney B. Simon, eds., Humanistic Education Sourcebook (Englewod Cliffs, NJ:
Prentice-Hall, 1975).
[29]
Louis E. Raths, Merrill Harmin and Sidney B. Simon, “Values and Valuing”, in ibid., 72-81.
[30]
William R. Coulson, “Encounter Group and Brainwashing,” in ibid., 232.
[31]
Stephen N. Stivers, L. Gerald Buchan, C. Robert Dettloff, e Donald C. Orlich, “Humanism: Capstone of
an Educated Person”, in ibid., 363-69.
[32]
Veja R.J. Rushdoony, The Messianic Character of American Education (Phillipsburg, NJ: Presbyterian
and Reformed Publishing Company, 1963).
[33]
Association for Supervision and Curriculum Development, Moral Education in the Life of the School
(Alexandria, VA, 1988), 16-18.
[34]
Kenneth Rexroth, “Disengagement: The Art of the Beat Generation”, in New World Writing, no. 11
(New York, NY: New American Library, 1957), 32.
[35]
Ibid., 35-36.
[36]
Forma popular norte-americana de referir-se ao acelerador de partículas. [N. do R.]
[37]
Ibid., 41.
[38]
Erica Jong, Fear of Flying (New York, NY: New American Library, 1973), 254.
[39]
No original, Enraged, referência à denominação francesa (“enragés”) dadas aos revolucionários radicais
chefiados por Jacques Roux, que exigiam até mesmo a taxação dos gêneros alimentícios para os ricos e para
a nobreza. [N. do R.]
[40]
Citado em Walter Laqueur, “Literature and the Historian”, in Walter Laqueur and George L. Mosse, eds.,
Literature and Politics in the Twentieth Century (New York, NY: Harper Torchbook, 1967), 13.
[41]
Stephen Lutman, “Orwell’s Patriotism”, in ibid., 150-51.
[42]
Marshall Berman, “Sympathy for the Devil: Faust, the ‘60s and the Tragedy of Development”, in
American Review, no. 19 (New York, NY: Bantam Books, 1974), 23-75.
[43]
Publicado originalmente em IIIM Magazine Online, Volume 4, Número 10, 18 a 24 de março de 2002.
[44]
Seria tolice retrucar: “Mas Frame está falando do cenário americano”. As nossas escolas, tanto em
qualidade como em anticristianismo, estão numa situação muito pior que as americanas. Assim, confiando
na inteligência e honestidade do leitor, recusei-me traduzir a passagem como simplesmente “acho difícil
imaginar qualquer situação onde os pais possam justificar enviar os seus filhos para uma escola pública”.
[N. do T.]
[45]
Infelizmente, muitos pais cristãos pensam ser esse o único ou principal problema das escolas em geral,
ou escolas públicas em particular, quando, na verdade, trata-se de uma das muitas consequências de se
negar a cosmovisão e a moralidade cristãs. Assim sendo, uma escola que exija uma moralidade semelhante
àquela defendida por judeus e cristãos, mas negue a relevância de Deus e do cristianismo para toda a esfera
do aprendizado, é igualmente impura e infiel. [N. do T.]
[46]
Um excelente auxílio para pais e professores neste aspecto é o livro De Tales a Dewey (São Paulo:
Cultura Cristã), de Gordon H. Clark. [N. do T.]
[47]
Algo, aliás, impossível, caso a família esteja realmente preocupada em seguir a Bíblia como padrão de
vida. Afinal, isso necessariamente exigirá participar de uma comunidade cristã de maneira regular e de
forma ativa, o que significará que os filhos estarão em contato não apenas com outros adultos, mas com
outras crianças cristãs da comunidade da aliança. Esse é o motivo de sempre me parecer falaciosa essa
objeção ao ensino no lar. Argumentar que “conheço casais cujos filhos sofreram por causa do isolamento
produzido pela educação no lar” teria o mesmo peso de dizer que “conheço casais que se separaram depois
de se abraçarem a fé reformada”. [N. do T.]
[48]
“Os presbíteros deveriam avaliar as escolas cristãs locais e examinar o material curricular delas. A igreja
pode recomendar escolas a seus membros. Esse é um serviço legítimo da igreja, pois a igreja é protetora das
famílias. Ela está simplesmente fornecendo informação especializada que os membros podem não possuir.
O pastor deveria ter mais experiência em avaliar uma educação cristã do que o membro ordinário. Se não
tiver, está na hora de encontrar um novo pastor” (Robert L. Thoburn, The Children Trap: The Biblical
Blueprint for Education, p. 143).
Table of Contents
Prefácio do editor
Parte I
1. Sobre educação secular
Parte II
1. Política e educação
2. Educação e a família
3. Soberania e educação
Parte III
1. Escolas cristãs