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carta para um
amor perdido
um conto da série “evangelho segundo sipriano”
Moa Sipriano
MOASIPRIANO.COM
Em primeiro lugar, alimento a esperança de que esta carta chegue definitivamente em suas
mãos. Aqui do outro lado está tudo em paz. Acho que não estou sendo sincero. Não posso
mentir para você. Melhor dizer: “quase tudo”.
Não sei como você está. Não sei onde está morando. Não sei como está a sua saúde, enfim,
estou precisando desesperadamente de notícias suas!
Apesar da distância física que teima em nos separar e de todos esses anos sem contato -
dez anos! -, quero que saiba que o carinho que sinto em relação a você jamais acabou. Pelo
contrário, você não imagina as dores dos golpes em meu peito que a dona Saudade insiste em
desferir, me atacando, me ferindo, me enlouquecendo. Eu sinto demasiadamente a sua falta,
meu amigo.
Hoje moro em uma ilha. Chama-se “Lovland”. É um lugar muito agradável e tranqüilo, perfei-
to para se viver uma velhice feliz - sim, Timóteo, eu já me sinto velho antes de completar
quarenta anos. Nos meus amplos momentos de ócio, passo horas a caminhar pela praia, mo-
lhando os pés e parte das minhas coxas grossas e insistentemente brancas nas ondas calmas.
Brinco com as águas e deixo-as purificar o que resta do meu corpo. Caminho por horas
seguidas, pensando na vida, no passado, no futuro... e em você.
De tempos em tempos me pego sonhando com você. E quando isso acontece, uma dor física
terrível toma conta do meu peito - na verdade invade todo meu corpo. Angústia. Desolação.
Passo muito mal.
Quantas vezes não acordo chorando, imaginando que você está ao meu lado, e você não
está. São sonhos muito realistas, onde consigo ver você, tocar em você, sentir até o perfume
do seu corpo franzino. E o que me resta de consolo quando acordo é abraçar fortemente meu
segundo travesseiro.
Quando esses sonhos assolam minhas madrugadas, passo dias e dias matutando sobre
você, tentando imaginar como você está, onde está, o que está fazendo. Eu acredito que sou
capaz de sentir a sua dor e pressinto que a sua angústia é idêntica a minha.
Décima quarta. Meu Deus, quantas cartas já escrevi e postei. Perdi o número de tardes que
fiquei sentado na varanda de casa ansioso pelas respostas? Mas não tenho idéia se você
recebeu ou não todos os meus pedidos de socorro e atenção. Sinto que uma mão sorrateira
esconde minhas palavras escritas, impedindo que o meu amor chegue até você.
Há mais ou menos um mês atrás, encontrei uma moça numa comunidade da Internet (orkut)
que tem o seu sobrenome e mora em Treesteps. Enviei uma mensagem, pedindo gentilmente
para que ela, caso fosse sua parente ou conhecida, pedisse para você entrar em contato
comigo. Mas não obtive nenhuma resposta, infelizmente.
Voltando aos sonhos, recentemente tive um que me abalou fortemente, tamanha a sensa-
ção de realismo que vivi. Acordei aos prantos, nervoso, desesperado por saber alguma notícia
que viesse do Sul. No sonho, eu o encontrava bebericando uma cerveja no Groove’s. Nos
emocionamos ao nos vermos novamente. Ao cruzarmos nossos olhares, perdoávamos simulta-
neamente nossas ausências e o desejo de permanecermos unidos para todo sempre irradiou
fortemente em nossos sorrisos.
Queríamos estar juntos, mas algo estava nos impedindo. Ela não dava qualquer chance para
a sua liberdade. Ela ainda o acorrentava nas agruras de uma união medíocre. Ela era a Dor, a
Rotina, a Acomodação, a Possessividade, todas misturadas e acondicionadas no corpo d... bem,
não ouso escrever aquele nome.
Naquela madrugada acordei abatido pela dor da saudade e passei o dia todo com seu rosto
triste povoando meus pensamentos. Nem consegui trabalhar direito. Abandonei minhas pin-
turas ao sabor do vento sul. Passei o dia caminhando pela praia, chorando pra caralho,
implorando a qualquer um lá de cima que pudesse olhar para você, cuidar de você enquanto
eu não podia fazer nada no momento. Meu Deus - penso, choro, entro em desespero -, onde
você está?
Timóteo, por mais que o tempo passe e por mais que ainda estejamos trilhando caminhos
diferentes, nada, absolutamente nada daqueles nossos projetos fora realizado a contento.
Confesso que fiz uma porção de coisas ao longo desses dez anos. Mas nada valeu a pena.
Nada vale a pena sem você.
Em todos os projetos que idealizamos e sonhamos juntos realizar, confesso que já tentei
fazer algo com outras pessoas, outras parcerias, mas nada deu certo. Ora a “sociedade” não
batia depois de algum tempo (ilusão e empolgação passageira); ora eu ficava insatisfeito e
triste com os resultados obtidos, ou, na maioria das vezes, nada tinha sentido sem a sua
presença única. Afinal, você sempre foi a inspiração de tudo na minha vida desde que nos
conhecemos.
Tudo que um dia sonhamos só terá sentido na vida se o fizermos juntos. Coloquei nossas
esperanças dentro de uma gaveta lá no fundo de mim mesmo, aguardando o dia em que
poderei realizar tudo aquilo que sonhei e dividir todas as conquistas com você. Ainda guardo a
letra da nossa canção. Mas falta você e sua melodia perfeita!
Meu “Timóteo”, pra mim nada tem sentido sem você – vou morrer afirmando isso! Palavras
clicherianas que refletem a mais pura verdade. Amado amigo, confesso que já tentei esquecer
tudo o que houve entre nós, já tentei deixar você no passado, mas não consegui.
Não sei se somos “almas gêmeas” (risos nervosos). Acredito que somos “almas companhei-
ras” e que juntos temos uma chance real de mudarmos o mundo, deixarmos nossa marca,
transmitirmos algo positivo para outras pessoas através da nossa arte. Sim, meu amigo, nossa
música!
Eu já falei um milhão de vezes sobre isso. Já escrevi tantas vezes e nunca mudei o meu
discurso em relação ao que sinto por você (eu simplesmente amo!) e sobre tudo aquilo que
sonhamos realizar um dia. Os seus sonhos são os meus ideais.
Não sei se você também se sente assim: inquieto, ansioso e até mesmo sufocado em
relação ao presente ou mesmo à falta de perspectiva no futuro. Hoje confesso para você que
ainda me falta alguma coisa. Sinto-me angustiado por não conseguir progredir mais na vida,
justamente porque me falta algo, e esse “algo” é você!
Falta-me também energia, incentivo, motivação... não tem mais graça lutar sozinho. Tudo é
só vazio. Agora choro feito um idiota, de nervoso, pois eu não tô conseguindo passar em
palavras o que eu tô sentindo. Meus pensamentos sufocam meu parco vocabulário.
Sabe, Timóteo, até hoje a melhor coisa que me aconteceu na vida foi ter conhecido você.
Puxa, realmente não sei se era para tudo ter dado certo em Treesteps naquela época. Minha
vida estava uma bagunça só. Eu tinha problemas sérios para resolver tanto em Downie (um
relacionamento falido) quanto aí no Sul.
A única esperança de amizade sincera que eu guardava dentro de mim era toda depositada
em você. Puxa, eu literalmente me apaixonei por você quase que instantaneamente! Fiquei
apaixonado pelo seu jeito de ser, pela sua honestidade, pelo seu carinho, pelo homem simples
e lindo que você era. Tudo entre nós combinou imediatamente. Nossas afinidades foram ins-
tantâneas. Você se lembra, nós conseguíamos até ler os pensamentos um do outro!
Só por você tudo valia a pena naquela época. Só por você eu conseguia resistir a todas as
pressões que eu estava vivendo. Sei que fui um idiota, irresponsável e imaturo ao deixar a
cidade subitamente; abandonar minhas coisas e nem ao menos voltar para ver você, para estar
do seu lado.
Você não imagina o quanto eu sofri ao partir. Voltei em prantos, desesperado, acabado. Já
em Downie, nada tinha sentido. Foi difícil me recuperar. Foram anos e anos de depressão. E a
dona Solidão fez morada definitiva em minha casa.
Você se lembra da quantidade de poesias que escrevi inspiradas em você e em nosso amor?
Será que ainda existe alguma guardada com você? Agora escorrem soltas pelo meu rosto
cansado as lágrimas de alegria ao lembrar de você musicando “Superlove”.
Lembro-me também das noites frias em que caminhávamos pela cidade... nas conversas
que tínhamos sentados numa mesa de bar... Porque não aproveitei ao máximo aqueles momen-
tos? Porque não fui forte o bastante para superar os problemas e ficar definitivamente ao seu
lado? Porque não lutei mais pelo nosso amor? Muitas vezes tento me consolar, acreditando
que tínhamos que nos afastar e cada um tinha uma missão a cumprir junto a outras pessoas,
viver outras experiências.
Sei perfeitamente as barras pelas quais você passou. Eu também sofri muito, mas aprendi
muita coisa boa nesses anos todos. Por isso acredito que hoje, finalmente, estou preparado
para viver algo grandioso, em todos os sentidos. Mas tudo só terá gosto e sentido e razão de
ser se eu puder realizar junto com você.
Nunca me esqueço da última vez que nos falamos ao telefone. Foi poucos dias antes de
você sair da casa dos seus pais, não é mesmo? Quase desmaiei de tanta felicidade. Meu Deus,
como eu queria abraçar você, como eu queria largar tudo e ir visitá-lo naquela época. Pena que
eu não podia viajar e quando viajava a trabalho, o tempo era cruel e não sobrava nem um
momento de paz para mim.
E o tempo se foi. Eu sei, fiz muita merda no passado. Eu sei o quanto errei e o quanto fui
ausente em momentos que foram importantes para você. Mas eu juro que se agora houvesse
uma chance, uma única oportunidade, eu tentaria me redimir do que errei no passado.
Hoje, ao seu lado, eu seria capaz de encarar qualquer desafio para poder realizar tudo aquilo
que um dia planejamos. Eu juro que não mediria esforços para fazer de você um homem feliz
e completo. Bastava unir nossas forças, para que juntos pudéssemos realizar o que um dia
sonhamos. Eu queria tanto abandonar meus quadros medíocres e voltar a soltar minha voz,
interpretanto as nossas canções!
Eu queria a alegria da sua presença. Confesso que meu coração só guarda espaço para
você e mais ninguém. Sinceramente, depois de tanto me foder, não confio mais na maioria das
pessoas, infelizmente. Prefiro a independência e o isolamento e realizar as coisas sozinho. Não
quero nunca mais ter sócios gananciosos, falsos amigos e amantes medíocres para mais nada
nessa existência. Prefiro realmente ficar sozinho. Prefiro me guardar somente para você. É só
em você que posso confiar, me abrir e me expressar sem medos, sem reservas, sem traumas.
Se minha intuição estiver correta e você estiver aí do outro lado se sentindo sozinho,
angustiado, sufocado e sem esperanças igual ao que eu tô sentindo aqui também, acho que
finalmente chegou o tempo de nos unirmos e cumprirmos a nossa missão juntos, não é mes-
mo? Pense e reflita. Eu estou dando o décimo quinto passo. Se você vai querer me seguir,
caminhar ao meu lado, entrar finalmente em contato, isso já é uma coisa que só você e mais
ninguém poderá decidir.
O mais importante é você saber que ainda tem alguém aqui que se preocupa com você.
Saiba que eu também me sinto paralisado aqui. Permaneço vegetando e continuarei levando
minha vidinha simples, carregando dentro de mim a esperança de estar correto em relação a
tudo que eu escrevi nessa carta. Eu não tenho mais nada a perder, só a ganhar.
Se por acaso você compreender o que está escrito aqui, sua intuição irá captar muito mais
do que eu deixei transparecer. Algo me diz que você sabe exatamente o que eu tô tentado
passar. Algo muito forte aqui dentro me diz que você também tem pensado em mim e em
nossos sonhos. Algo nos une, Timóteo, eu tenho plena convicção disso. Não é por acaso que eu
tô escrevendo. Não é por acaso que eu tô tomando novamente a iniciativa de um contato.
Algo está escrito lá em cima. E eu sei que um dia, não importa quando e onde, nós vamos
estar juntos. Sempre achei que eu era razoável com a palavra escrita, mas no nosso caso,
somente quando eu poder voltar a vê-lo, a tocá-lo, a olhar bem dentro do seu olhar esmeralda,
aí não vou precisar de palavras escritas ou faladas: minha alma vai se unir a sua e um simples
abraço vai selar a nossa união para sempre.
“Timóteo - Carta para um amor perdido” é um conto da série “Evangelho Segundo Sipriano”