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A COMPILAÇÃO

JUSTINIANEIA
Leges x Iura

leges iura
 lex, legis (de legere, origin.  ius, iuris (origem das
‘falar’, como o grego legein) palavras ‘justiça’– ius-t-itia -
 Sentido basilar: declaração e ‘jurídico’ - iuridicum)
juridicamente eficaz (lex  Sentido basilar: “o justo”,
publica e lex privata) formulado pelos iuris
 Sentido específico neste prudentes
contexto: constituições  Técnica (ars) de realizar a
imperiais = qualquer ato justiça
emanado do príncipe  Sentido específico neste
contendo um novo preceito contexto: direito contido nas
jurídico (= leges generales obras do jurisconsultos
+ rescritos) clássicos
Lei das Citações (420 d.C.)
 Dificuldade: advogados começaram a fazer citações falsas, para
enganar os juízes.
 321 d.C.: Constantino declara sem eficácia as notas que Paulo e
Ulpiano haviam feito à obra de Papiniano.
 Ca. 420 d.C., Lei das citações: somente podem ser invocados em
juízo os escritos de cinco jurisconsultos:
1. Gaio;

2. Papiniano;

3. Ulpiano;

4. Paulo;

5. Modestino.

 Se houvesse divergência, prevalecia a opinião da maioria. Em caso


de empate, a de Papiniano. Finalmente, se Papiniano não se tivesse
manifestado sobre o assunto, o juiz aplicava a doutrina que lhe
parecesse mais acertada.
Jurisprudência no Dominato

 “No Dominato, não encontramos nenhum grande jurisconsulto”.


(Moreira Alves)
 No início desse período, o estudo do direito entra em profunda
decadência.
 O ressurgimento se dá com as Escolas do Império Romano do
Oriente, entre as quais se destacam as de Constantinopla (hoje
Istambul, Turquia) e Beirute.
 Porém, o que se acha nessas escolas não é um trabalho
original, uma atividade verdadeiramente criadora, mas o estudo
das obras dos jurisconsultos do período clássico (50 a.C. até
230 d.C.), buscando adaptá-las às necessidades sociais da
época.
O Processo de Confecção do CIC
527 d.C.
 Sobe ao trono Justiniano, o
mais poderoso imperador
romano do Oriente.
 Além de ser o último unificador
do antigo Império Romano e
de construir Hagia Sophia,
Justiniano, contando com os
jurisperitos das escolas de
Constantinopla e Beirute, pode
levar a cabo a obra que
Teodósio não conseguira
encetar por falta de pessoal
qualificado: a compilação das
leges e, principalmente, dos
iura.
O Novus Iustinianus Codex

528 d.C.
 Justiniano encarrega a Flávio Triboniano, ministro
e jurisconsulto brilhante, a compilação das
constituições imperiais vigentes.
 O trabalho consistiu em descartar as leis obsoletas,
retocar as que iriam ser recolhidas e organizar tudo
de forma clara e sinóptica.

539 d.C.
 Vem a lume o Novus Iustinianus Codex.
Os Digesta
530 d.C.
 Quinquaginta decisiones = 50 constituições
imperiais para resolver controvérsias entre os
jurisconsultos antigos → ideia de compilar os
iura.
 Justiniano encarrega Triboniano de organizar
uma comissão para realizar esse trabalho.
Prazo: 10 anos.
Os Digesta

 Triboniano convoca então, entre professores


de direito e advogados, uma comissão de 16
membros para levar a cabo a árdua tarefa de
compilar os iura.
 Os integrantes dessa comissão ficaram
conhecidos como compilatores (de compilo,
‘despojar’, ‘roubar’), em razão da natureza do
trabalho que realizaram.
Os Digesta

 A seguir, Triboniano divide os compilatores


em três subcomissões:
 1ª Comissão: comentários ao Edito Perpétuo;
 2ª Comissão: obras que seguiam a um sistema
de direito civil, principalmente o de Sabino;
 3ª Comissão: problemata – casos complicados da
praxe e do ensino jurídicos.
Os Digesta

 Os compilatores percorrem o seguinte caminho:


1. Todos os livros são lidos na íntegra, retirando-se deles
excertos, os quais eram marcados com o nome do autor e da
obra (inscrições) e classificados sequencialmente sob uma
rubrica predeterminada.
2. Em seguida, há a transferência de 1.400 fragmentos para
outras posições. Quando necessário, esses extratos são
adaptados ao novo contexto.
3. Justiniano concedera autorização expressa aos membros da
comissão para adaptar os escritos analisados ao direito então
vigente por meio de alterações textuais. A essas alterações
(substituições, supressões e acréscimos) nos escritos dos
jurisconsultos clássicos feitas durante o processo de
elaboração do CIC chamamos interpolações ou
tribonianismos.
Os Digesta

533 d.C.
 Ficam prontos as Digesta (de digerere, ‘reunir
sistematicamente’) ou Pandectas (de pandektai,
‘livro que contém tudo’).
 50 livros, 432 títulos ne 9.950 fragmentos.
 De todo o material dos quase 2.000 livros de juristas
clássicos compulsados pelos compilatores, cerca de
10% foram reunidos no Digesto.
 Dos 83 livros de Ulpiano com comentários sobre o
Edito Perpétuo, aproveitou-se mais da metade.
Os Digesta

 Exemplos de trechos do Digesto:

Localização. D. = Digesto; 9 = livro 9;


D. 9.2.11 2 = fragmento 2; 11 = parágrafo 11

Ulpianus libro 18 ad edictum Inscrição. Autor: Ulpiano; livro: 18º livro


dos comentários ao Edito Perpétuo

5. Item cum eo, qui canem irritaverat et effecerat, ut aliquem morderet,


quamvis eum non tenuit, Proculus respondit Aquiliae actionem esse: sed
Iulianus eum demum Aquilia teneri ait, qui tenuit et effecit ut aliquem
morderet: ceterum si non tenuit, in factum agendum.
Os Digesta
 Tradução:

“Próculo também deu o parecer de que a


parte que tiver atiçado um cachorro e feito com que ele
mordesse alguém, fica sujeita a uma ação baseada na
lex Aquilia [indenização], mesmo que o cachorro não
estivesse sob seu poder.
Juliano, porém, diz que, neste caso, fica
sujeito à lex Aquilia apenas quem, estando em poder
do cachorro, tenha feito com que mordesse a outra
parte; já se o cachorro não estivesse em seu poder,
deve-se opor-lhe uma ação in factum*.”

* Actio in factum = ação não prevista no edito, que o pretor criava


diante dos casos concretos – factum – em que isso fosse necessário
para evitar uma injustiça.
Os Digesta
9.2.11

Ulpianus libro 18 ad edictum

pr. Item Mela scribit, si, cum pila quidam luderent, vehementius quis pila percussa in tonsoris
manus eam deiecerit et sic servi, quem tonsor habebat, gula sit praecisa adiecto cultello: in
quocumque eorum culpa sit, eum lege Aquilia teneri. Proculus in tonsore esse culpam: et sane si ibi
tondebat, ubi ex consuetudine ludebatur vel ubi transitus frequens erat, est quod ei imputetur: quamvis
nec illud male dicatur, si in loco periculoso sellam habenti tonsori se quis commiserit, ipsum de se
queri debere.

“Mela também diz que, se várias pessoas estiverem jogando bola, e a bola,
golpeada com força demais, vier a cair sobre a mão de um barbeiro que nesse
exato momento está barbeando um escravo, de modo tal que a garganta deste
seja cortada pela navalha, a parte responsável por negligência fica sujeita a
uma ação baseada na lex Aquilia [indenização].
Próculo acredita que a culpa é do barbeiro; e, de fato, se ele tiver o hábito
de barbear as pessoas num local onde é costumeiro jogar-se bola, ou onde há
muito trânsito, ele é em certa medida responsável; embora seja possível
defender a opinião de que alguém que se vai sentar na cadeira de um barbeiro
posta num local perigoso só pode culpar-se a si mesmo”.
Os Digesta
13.7.43

Scaevola libro quinto digestorum

1. Titius cum pecuniam mutuam accepit a Gaio Seio sub pignore culleorum: istos culleos
cum Seius in horreo haberet, missus ex officio annonae centurio culleos ad annonam sustulit
ac postea instantia Gaii Seii creditoris reciperati sunt: quaero, intertrituram, quae ex operis
facta est, utrum Titius debitor an Seius creditor adgnosecere debeat. Respondit secundum ea
quae proponerentur ob id, quod eo nomine intertrimenti adcidisset, non teneri.

Tício recebeu um empréstimo pecuniário de Gaio Seio sob o penhor de sacos


de couro; e, enquanto Seio matinha esses sacos no seu armazém, um centurião,
enviado do escritório do comissário, levou-os embora para empregá-los no serviço
público, e, mais tarde, eles foram recuperados a pedido do mesmo Gaio Seio, o
credor. Agora pergunto, quem deve ser responsável pela deterioração dos sacos
causada pelo uso, Tício, o devedor, ou Seio, o credor? A resposta é, de acordo
com os fatos afirmados, o credor não é responsável pelo prejuízo causado pela
deterioração dos sacos.
As Institutiones

 Concluída também essa obra, Justiniano


encarregou Triboniano, Doroteu e Teófilo de
compor um manual escolar de introdução ao
Digesto.
 Tomando por base o livro homônimo de Gaio
(160 d.C.), esses três juristas compuseram
as Institutiones (de instituere, ‘ensinar’),
com quatro livros.
As Institutiones
 Extrato das Institutas:

TIT. 22
DE CONSENSU OBLIGATIONE.

Consensu fiunt obligationes in emptionibus venditionibus, locationibus conductionibus, societatibus,


mandatis. 1. Ideo autem istis modis consensu dicitur obligatio contrahi, quia neque scriptura neque
praesentia omnimodo opus est, ac ne dari quidquam necesse est, ut substantiam capiat obligatio, sed sufficit
eos qui negotium gerunt consentire.

DAS OBRIGAÇÕES POR CONSENSO

“Por meio do consentimento levam-se a efeito as obrigações de compra,


venda, locação, arrendamento, serviço, as sociedades e os encargos.
Pela seguinte razão diz-se que esses tipos de contrato levam-se a efeito
por consenso: porque não é necessário nem escritura, nem presença, nem
precisa ser entregue coisa alguma para que se gere a relação obrigacional,
mas, pelo contrário, é suficiente que estejam de acordo aqueles que vão
fechar o contrato.”
A Nova Edição do Codex

30 de dezembro de 533
 Digesto e Institutas entram em vigor.
 Devido às contradições entre o Digesto e o Codex,
Justiniano convoca comissão de seis membros para
atualizar este último.

29 de dezembro de 534
 A nova edição do Codex (Codex Iustinianus
repetitae praelectionis) é promulgada.
 No total, são XII livros.
 Essa é a versão do Código que chegou até nós. Da
primeira temos apenas fragmentos.
A Nova Edição do Codex

 Extrato do Codex:

11.33.0. De debitoribus civitatum.

11.33.1
Imperator Antoninus . Non prius debitorem rei publicae honorem in re publica
subire quam id quod debere constiterit conventus exsolverit, tam meis quam
divorum principum constitutionibus declaratur. * ANT. A. DIODOTO. *<>

Título 32. Sobre os devedores das cidades

1. O Imperador Antonino.
Foi estabelecido pelas Minhas Constituições, assim como pelas
dos divinos imperadores meus predecessores, que alguém que
deve ao governo não pode ser investido em nenhuma honra oficial
até que se tenha desonerado de seus débitos.
As Novellae

 Mesmo após a entrada em vigor da nova


edição do Código, Justiniano continua a
editar constituições.

565 d.C.
 Justiniano falece.
 Após sua morte, as últimas 168 constituições
editadas por ele são compiladas nas
chamadas leges Novellae.
Resumo

 No ano de 1538, o romanista francês Dionísio


Godofredo publicou os quatro livros da
compilação justinianeia com o título Corpus Iuris
Civilis (Corpo de Direito Civil), designação
universalmente adotada.
 Recapitulando, o CIC compõe-se de quatro livros:
1. Codex = Código = compilação das leges;
2. Digesta = Digesto = compilação dos iura;
3. Institutiones = Institutas = livro didático
4. Novellae = Novelas = reunião das constituições
imperiais promulgadas por Justiniano depois da
nova edição do Código.
Conclusão

 O CIC é a principal fonte de que dispomos para o


estudo do direito romano.
 O valor desse material é incalculável. Como diz
Manthe, “a extremada precisão com que os temas
são apresentados, o fato de restringirem-se à
comunicação do essencialmente jurídico e a justeza
lógica das soluções conferiram às decisões dos
juristas romanos uma qualidade tal que nunca mais
se voltou a alcançar”. E a essência desse trabalho
encontra-se no Corpus Iuris Civilis, principalmente
no Digesto.
Conclusão

 95% dos dispositivos do BGB (Código Civil


alemão), que vige até hoje e impregnou
profundamente o Código Civil brasileiro de
1916, correspondiam, até a reforma do
direito das obrigações de 2001, a dispositivos
diretamente oriundos do Corpo de Direito
Civil.
Iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi.
“A justiça é a vontade constante e perpétua de
dar a cada um o que é seu.” (Inst. 1.1.3)

Muito obrigado pela sua atenção.

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