Você está na página 1de 18

2

ORBIS: Revista Científica do Curso de Direito da Faculdade CESREI

Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

O CONTROLE JURISDICIONAL DO MÉRITO DO ATO


ADMINISTRATIVO FRENTE AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Felipe Dalenogare Alves*

RESUMO: Este artigo científico tem por objetivo apresentar os resultados provenientes da
pesquisa científica desenvolvida sob o tema “O papel dos princípios jurídicos na sociedade
contemporânea”. Sob o prisma da temática proposta, analisou-se a possibilidade de
apreciação, por parte do Judiciário, do mérito do ato administrativo, por força imperativa dos
princípios constitucionais que regem a Administração Pública. Hoje, o controle jurisdicional
do mérito administrativo se constitui em um paradigma que, pouco a pouco, vem sendo
quebrado pelos pensadores do Direito e inseridos nos bancos escolares, para que, em um
Estado Democrático de Direito, possa haver o fiel cumprimento dos objetivos constitucionais
previstos à República.

PALAVRAS-CHAVES: Ato Administrativo. Controle do Mérito Administrativo. Controle


Jurisdicional do Ato Administrativo. O Ato Administrativo e os Princípios Constitucionais.

THE JUDICIAL CONTROL OF ADMINISTRATIVE FRONT ACT


MERIT CONSTITUTIONAL PRINCIPLES

ABSTRACT: This paper aims to present the results from scientific research developed under
the theme "The role of legal principles" in contemporary society. The thematic proposal, it
was examined whether the possibility of appreciation by the Judiciary, merit Act managerial
imperative, by virtue of the constitutional principles that govern the public administration.
Today, the judicial control of administrative merit is a paradigm that little by little has been

*
Pregoeiro formado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; Servidor atuante em Licitações e
Contratos na Administração Pública Federal; Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Luterana do
Brasil, campus Cachoeira do Sul - RS; Pesquisador em Direito Público com ênfase em Direito Administrativo e
Constitucional. E-mail: felipe@estudosdedireito.com.br
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

broken by thinkers of law and entered in the school so that, in a democratic State of law, there
may be the faithful observance of constitutional objectives provided for in the Republic.

KEYWORDS: Administrative Act. Administrative Control of Merit. Judicial Control of


Administrative Act. The Act Administrative and Constitutional Principles.

SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE REGEM A


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; 2.1. Princípio da Legalidade; 2.2. Princípio da
Impessoalidade; 2.3. Princípio da Moralidade; 2.4. Princípio da Publicidade; 2.5. Princípio da
Eficiência; 3. O ATO ADMINISTRATIVO; 4. ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO E
DISCRICIONÁRIO; 5. MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO; 6. A TUTELA
JURISDICIONAL; 7. O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO E
A ANÁLISE DO MÉRITO; 8. CONCLUSÃO.

1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa foi desenvolvida sob a temática “O papel dos princípios
jurídicos na sociedade contemporânea” e tem por principal objetivo abordar o poder-dever do
Judiciário em analisar o mérito dos atos administrativos frente aos princípios constitucionais
que regem a Administração Pública.
Há, no momento histórico atual, a necessidade de uma quebra de paradigmas no
âmbito do Direito Administrativo, diante da transição de uma visão oriunda do Estado
anteriori1 a 1988 ao Estado posteriori2, ou seja, o Estado Constitucional de Direito.
Diante da problemática posta, se abordará o tema, sob dois prismas, denominados,
neste estudo, de visão clássica e visão contemporânea do Direito Administrativo.
A primeira, defendida por grande parte da doutrina e dominante na jurisprudência,
defende que o judiciário não deve apreciar o mérito do ato administrativo sob pena, dentre
outras, de quebra do princípio da separação dos poderes, cabendo, apenas, apreciação de
legalidade.
A segunda, que, dia após dia, busca o espaço nos bancos escolares, na doutrina e na
jurisprudência, é a vertente digna de um Estado de Direito, a qual defende a apreciação do
mérito do ato administrativo sob diversos aspectos, dentre os quais, se destaca o objeto da
1
Do latim anteriori, significa anterior, antes.
2
Do latim posteriori, significa posterior, após.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 3
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

pesquisa, os princípios constitucionais elencados no Art. 37, caput, da Constituição Federal de


1988.
A abordagem proposta iniciará com a apresentação dos princípios constitucionais
que regem a Administração Pública, passando à análise do ato administrativo com as
peculiaridades do ato vinculado e do ato discricionário, o mérito administrativo, a tutela
jurisdicional e, por fim, ao controle jurisdicional do ato administrativo e a possibilidade de
análise do mérito.

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE REGEM A ADMINISTRAÇÃO


PÚBLICA
A Constituição Federal, em seu capítulo VII, destinado à Administração Pública,
logo no Art. 37, caput, elenca o seguinte3:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos
princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,
também, ao seguinte:
[...]

É de fundamental importância destacar que, na Constituição Outorgada de 1967 e


suas alterações, não havia alusão específica à Administração Pública, tampouco referência a
seus princípios, o que, em um Estado de Polícia, não se torna perplexo.
Assim, se discutirá individualmente os cinco princípios constitucionais que tangem à
Administração Pública como um todo, direta ou indireta, de qualquer dos poderes de todos os
entes da federação.

2.1. Princípio da Legalidade:


Sob a ótica deste trabalho, não se pode coroar o princípio da legalidade como o rei
dos princípios, conforme faz a doutrina clássica. Não há dúvidas de que, em um Estado
Democrático de Direito, o princípio da legalidade tem papel relevante, uma vez que limita o
poder do Estado. Por outro lado, não há de se falar apenas neste princípio, tampouco adotar a
visão retrógrada, primitiva e não mais vislumbrada, da legalidade absoluta, incontestável,
inflexível.
Juarez Freitas, ao se referir ao princípio da Legalidade, aponta o seguinte4:
3
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 17 mar 2011.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 4
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

Pois bem: a legalidade é valioso princípio, mas princípio entre outros de


igual hierarquia alojados no texto constitucional. Daí se exige a “atuação conforme a
lei e o Direito”. O princípio da legalidade só experimenta significado na interação
com os demais princípios e direitos fundamentais. Quer dizer, pensar o Direito
Administrativo exclusivamente como mero conjunto de regras legais seria
subestimar, de forma ruidosa, a complexidade do fenômeno jurídico-administrativo.

Por certo, o chavão “A administração só faz o que está previsto em lei”, conhecido
por várias gerações do Direito, sob este novo prisma, do Direito Administrativo
Contemporâneo, seria colocado em dúvida, uma vez que, nem sempre a Administração poderá
fazer o que a lei, isoladamente, determinar, assim como, nem sempre, poderá deixar de fazer
alguma coisa apenas por não existir previsão legal.

2.2. Princípio da Impessoalidade


O princípio da impessoalidade surge do dever da Administração nortear suas ações
visando, sempre, o interesse público.
Celso Antônio Bandeira de Mello define, em poucas palavras, o princípio, sob o
seguinte aspecto5:
Nele se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os
administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismos
nem perseguições são toleráveis. [...] O princípio em causa não é senão o próprio
princípio da igualdade ou isonomia.

Ao codificar este princípio, o constituinte buscou criar obstáculos às atuações


geradas por interesses pessoais, sejam negativos, sejam positivos. A impessoalidade deve
nortear a administração em todos seus atos.

2.3. Princípio da Moralidade


O princípio da moralidade vincula ao administrador aos valores de ética e
honestidade. Hely Lopes Meirelles, além de apontar que a moralidade, hoje, é pressuposto de
validade do ato administrativo, retrata a relevância do princípio frente à atuação
administrativa6:

4
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4. ed. ref. e amp. São
Paulo: Malheiros, 2009, p.72.
5
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
2010, p. 114.
6
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 90.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 5
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

[...] o agente administrativo, como ser humano dotado de capacidade de


atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E,
ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta. Assim, não terá que
decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o
inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas também entre o honesto e o
desonesto. Por considerações de Direito e de Moral, o ato Administrativo não terá
que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição,
porque nem tudo que é legal é honesto, confome já proclamavam os romanos: “non
omne quod licet honestum est”.

Entende-se por moralidade, um conjunto de preceitos enquadrados dentro dos


padrões de conduta subjetivamente aceitos pela coletividade. Dessa forma, é dever do
administrador público, sempre, em suas ações, objetivar não apenas às legais, mas às que
melhor seriam julgadas, pela sociedade, como probus7, aplicadas aos determinados casos
concretos.

2.4. Princípio da Publicidade


O princípio da publicidade está intimamente ligado ao dever administrativo em
divulgar e dar transparência a todas suas ações, ou seja, nenhum ato administrativo se realiza
às escuras, com ressalvas, claro, àquelas situações previstas na própria constituição e na
legislação infraconstitucional. O princípio da publicidade dos atos administrativos vem sendo
consolidado, principalmente, após a Constituição Cidadã, como natural ao trato da res
publica8, a informação de tudo o que é realizado em prol da sociedade. Odete Medauar
sintetiza a função do princípio da publicidade no novo contexto histórico brasileiro9:
A Constituição de 1988 alinha-se a essa tendência de publicidade ampla a
reger as atividades da Administração, invertendo a regra do segredo e do oculto que
predominava. O princípio da publicidade vigora para todos os setores e todos os
âmbitos da atividade Administrativa.

2.5. Princípio da Eficiência


O princípio da eficiência foi incluído entre os princípios constitucionais da
Administração Pública por intermédio da E/C 19/98. Este princípio nada mais retrata se não o
dever do administrador público visar à melhor opção, o melhor meio, para atingir o fim
almejado. Não basta uma escolha legal e moral, se ela não for a mais eficiente, melhor

7
Do latim probus, significa íntegra, honesta, honrada, justa.
8
Do latim res publica, significa coisa pública.
9
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p. 132.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 6
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

adequada ao caso concreto. O ato administrativo deve ser legal, moral e eficiente. O princípio
da eficiência jamais dispensaria a moralidade e a legalidade, sob pena de ressuscitar o
fantasma “dos fins justificarem os meios”.
Maria Sylvia Zanella di Pietro apresenta dois aspectos importantes para a convicção
de o que seria eficiência10:
O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser
considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o
melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados;
e em relação ao modo de organizar, estruturar disciplinar a Administração
Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na
prestação do serviço público.

3. O ATO ADMINISTRATIVO
Vistos os princípios constitucionais, os quais devem estar presentes em todas as
condutas administrativas, se passa ao estudo do ato administrativo. Não pode se pensar que
seja fácil conceituar o ato administrativo, uma vez que, no decorrer de sua existência, seu
conceito deve sofrer as mutações adequadas ao seu contexto histórico.
Não fosse assim, haveria o risco de se viver eternamente atrelado a um regime
arbitrário, justificado apenas e tão somente pela letra crua da lei. Seu conceito deve e sofre
adequações, justificadas pela necessidade inerente ao ser humano em não se tornar retrógrado.
Hely Lopes Meirelles aborda o ato administrativo como unilateral, já que, em
contrário, o considera um contrato administrativo. Observa que seja ato administrativo apenas
o praticado sob a imposição da supremacia do interesse público, característica autêntica da
Administração Pública, quando age como tal, pois, se assim não for, iguala-se ao particular e
o ato administrativo torna-se um mero ato jurídico privado. Deve conter manifestação de
vontade, provir de agente competente, ter finalidade pública e forma legal11:
Ato administrativo é toda a manifestação unilateral de vontade da
Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir,
resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações
aos administrados ou a si própria.

Maria Sylvia Zanella di Pietro apresenta o ato como uma declaração do Estado,
abrangendo os três poderes ou quem lhe represente, inovando, ao justificar que se trata de
uma declaração, pois, assim, o próprio silêncio, mesmo não sendo uma exteriorização de

10
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2009, p. 82.
11
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 153-
154.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 7
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

pensamento, é, por consequência, uma manifestação apta a produzir efeitos jurídicos


imediatos (afastando de seu conceito o regulamento) e, principalmente, por afirmar que o ato
está, sempre, passível de controle judicial12:
[...] declaração do Estado ou quem o represente, que produz efeitos
jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e
sujeita a controle pelo Poder Judiciário.

Celso Antônio Bandeira de Mello trata o ato administrativo como uma declaração
jurídica, pois produz efeitos de direito, complementar à lei e, em caráter excepcional, da
própria constituição, provinda de qualquer elemento, no exercício da atividade pública,
investido com prerrogativas estatais, tão somente sob a regência do Direito Público13:
[...] declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por
exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas
públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título
de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional.

Odete Medauar, em uma perspectiva conceitual moderna, afirma que o ato não deve
ser tratado como uma manifestação de vontade do Estado, pois poderia levar á idéia de
“vontade” em sentido subjetivo, afrontando, assim, o princípio da impessoalidade. O ato
administrativo, para ela, expressa às decisões, proferidas, sob a luz da legalidade, por agentes
estatais, que geram efeitos jurídicos14:
[...] um dos modos de expressão das decisões tomadas por órgãos e
autoridades da Administração Pública, que produz efeitos jurídicos, em especial no
sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor restrições e obrigações,
com observância da legalidade.

Sob a temática proposta à pesquisa, se apresenta um conceito ao ato administrativo,


calcado nos princípios constitucionais da Administração Pública. Não há necessidade de
destacar que todo o ato administrativo está suscetível à apreciação jurisdicional, pois, neste
momento histórico, tal afirmação já se torna pleonástica.

12
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. 2. reimpr. São Paulo: Atlas, 2009, p. 195-
196.
13
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros,
2010, p. 385-386.
14
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14. ed. rev. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p. 140.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 8
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

Adota-se a visão contrária à “manifestação ou declaração de vontade”, justificada


pelo princípio da impessoalidade muito bem destacado por Odete Medauar ao formular seu
conceito, adotando-se, ainda, o termo “expressão”, seja silenciosa, escrita, oral ou gestual.
Deve ser praticado no exercício da função pública, sob pena de se vincular a bel
prazeres e vontades pessoais do agente em momentos e situações inoportunas.
É praticado por qualquer dos Poderes de qualquer Ente quando do exercício
administrativo, vinculando-se, por conseguinte, não apenas ao princípio da legalidade, mas
também da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Produz efeitos jurídicos, e, aqui, não se afasta o regulamento, uma vez que o mesmo
só deixaria de ter valor administrativo para normativo nos casos em que o legislador se
utilizasse do princípio da deslegalização ou degradação do grau hierárquico. Neste caso, uma
lei, sem entrar na regulamentação da matéria, rebaixa formalmente o seu grau normativo,
permitindo que essa matéria possa vir a ser tratada por regulamentos, lembrando-se, ainda,
que ambos os princípios encontram limites postumeiros nas matérias constitucionalmente
reservadas à lei15.
Diante desse prisma, ato administrativo é o meio de expressão do Estado, quando no
exercício de atividade administrava, que vise, sob o império da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência, produzir efeitos jurídicos.

4. ATO ADMINISTRATIVO VINCULADO E DISCRICIONÁRIO.


O ato vinculado, assim como o conceito de ato administrativo, também sofreu
mutações. A doutrina contemporânea afirma, cada vez mais, que, na praxis16 administrativa,
são poucas as situações de vinculação pura17.
O ato vinculado é aquele que deixa, ao administrador público, pequena margem para
a tomada de decisão, uma vez que esta já está, basicamente, pré-determinada na lei. Assim,
primo intuitu18, a essência do ato vinculado está no princípio da legalidade. Hoje, é salutar

15
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. 2. reimp.
Coimbra: Almedina, 2003, p. 841-842.
16
Do latim praxis, significa prática cotidiana.
17
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14. ed. rev. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p. 112.
18
Do latim primo intuitu, significa a primeira vista.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 9
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

ressaltar que o administrador público deve observar a legalidade moderada, a temperada,


como ilustra Juarez Freitas em frase oportuna19:
No que tange ao princípio da legalidade e, mais que isso, do acatamento
da Administração Pública ao Direito, é de assinalar que se evoluiu do legalismo
primitivo e hipertrofiado para a posição – por assim dizer – balanceada e
substancialista (superado, ao menos em boa medida, o automatismo imoderado no
cumprimento das regras).

É necessário ter em mente que a legalidade é um dos princípios constitucionais, não


o único. Por essa razão, não se pode admitir, salvo os casos de vinculação total, mecânica, que
deixem de ser considerados os demais princípios constitucionais que regem a administração
pública, como no exemplo aludido por Juarez Freitas20:
[...] Ocorre que até nos atos vinculados existe campo de liberdade
residual. Está claro e indisputável que há atividades administrativas fortemente
vinculadas – como sucede, expressamente, na cobrança de tributos (CTN, art. 3º) –,
contudo a vinculação, no mundo concreto, está condicionada não só a legalidade,
que afugenta juízos de conveniência, senão que à totalidade daquelas alavancas de
Arquimedes do Direito, que são os princípios constitucionais fundamentais.

Para ilustrar, nada melhor do que apresentar um exemplo fictício, a fim de


problematizar a supervalorização do princípio da legalidade e a vinculação total do
administrador.
Supõe-se que, durante a fase de aceitação de um pregão eletrônico, cujo critério de
julgamento, obrigatoriamente, é o menor preço, em uma escola agrotécnica federal no interior
do município de Cachoeira do Sul – RS, encontram-se empatadas duas propostas, ambas
apresentadas por microempresas, para aquisição de um veículo de transporte coletivo em
proveito dos estudantes do ensino fundamental. A proposta X refere-se a um ônibus de
fabricação nacional, 45 lugares, sem ar-condicionado, sem direção hidráulica, com banheiro,
capacidade do bagageiro interno de 20 m³, produção/consumo de combustível estimada em 7
Km/l de biodiesel, atendendo aos critérios ambientais. A proposta Y refere-se a um ônibus de
fabricação nacional, 45 lugares, com ar-condicionado, com direção hidráulica, com banheiro,
capacidade do bagageiro interno de 23 m³, produção/consumo de combustível estimada em 8
Km/l de biodiesel, atendendo aos critérios ambientais.

19
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4. ed. ref. e amp. São
Paulo: Malheiros, 2009, p.70.
20
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4. ed. ref. e amp. São
Paulo: Malheiros, 2009, p.364.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 10
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

Sabe-se que o edital prevê a produção/consumo média do veículo de 45 passageiros


entre 6 e 10 Km/l; prevê a existência de banheiro e, objetivando obter o menor preço, silencia
quanto à necessidade de ar-condicionado e direção hidráulica. O princípio da legalidade
impera que, neste caso, o critério de desempate seja sorteio público (Art. 45, §3º da lei
8.666/93). Neste caso hipotético, não seria conveniente deixar de perguntar: caso o pregoeiro
adjudicasse para o fornecedor detentor da proposta Y, teria infringido o princípio da
legalidade moderada? O princípio da impessoalidade? O princípio da moralidade? Qualquer
um dos demais princípios que regem a administração pública? Para que não se desfoque do
tema proposto à pesquisa, passar-se-á ao ato discricionário.
Nem sempre a lei amarra o administrador público a uma única solução explícita ou
implícita em sua letra. Há casos em que a lei comporta a possibilidade de diferentes soluções,
isso ocorre por que ela pretende que se dê uma certa solução para determinado caso concreto
e outra solução para diferente caso, de modo que sempre seja adotada a decisão pertinente,
adequada à fisionomia própria de cada situação, tendo em vista atender a finalidade que
inspirou a regra de direito aplicada.
A existência de uma variedade de soluções comportadas em lei outorgadora de
discrição evidentemente não significa que esta considere que todas as soluções são iguais ou
diferentemente adequadas a todos os casos de sua aplicação.
Dentre estas soluções, o administrador público, por força dos princípios
constitucionais, tem o dever de aplicar aquela que, segundo seu julgamento, seja legal,
impessoal, moral, transparente e eficiente. Para ilustrar esta afirmação, busca-se apresentar
outro exemplo fictício que expusesse, na prática, essa aplicação:
Supõe-se que, em uma cidade gaúcha, o estatuto dos servidores públicos municipais
prevê que o estatutário, completado 10 (dez) anos de serviço ativo, poderá solicitar licença
para tratar de assuntos particulares, de até 02 anos, respeitado o limite máximo de 1/10 de
servidores dispensados concomitantemente, ordenados em lista elaborada pelo prefeito
municipal, respeitada a necessidade do serviço.
O prefeito, consuetudinariamente, organizara a lista por ordem de solicitação do
pedido. Assim, o servidor, preenchendo os requisitos para gozar a licença, requer ao chefe do
executivo, que o insere em uma lista de espera, respeitando o limite estabelecido na
legislação.

Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 11


Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

Em janeiro de 2010, haviam, na lista do prefeito, 06 professores de matemática à


espera da concessão da licença. Em fevereiro, a esposa do prefeito, professora de Matemática
da rede municipal de ensino, completou 10 anos de efetivo serviço, requerendo, no mês de
março, a licença, sabendo que a professora licenciada atualmente, retornará no mês de abril.
Para a surpresa de seus colegas, o prefeito, utilizando-se de seu poder discricionário,
concede, às escuras, no mês de maio, a licença para sua esposa tratar de interesses
particulares.
Com esse exemplo, um tanto dramático, pergunta-se: a decisão do prefeito municipal
foi, dentre as opções possíveis, a mais adequada ao caso? Mesmo sendo legal (a lei lhe
atribuía o poder de organizar a lista), foi respeitado o princípio da impessoalidade, da
moralidade, publicidade e eficiência?

5. MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO


O mérito do ato administrativo pode ser retratado como o juízo de conveniência e
oportunidade de adequação, efetuado pelo agente a quem se conferiu o poder discricionário,
no estrito atendimento do interesse público. Assim, se torna cristalino que somente haverá o
chamado “mérito do ato administrativo” nos atos discricionários, ou seja, onde há campo de
liberdade suposto na lei para que o administrador público, diante da impossibilidade objetiva
de determinada ação aplicada ao caso concreto, opte, entre duas ou mais opções, para o
atendimento do fim esperado.
A Administração pública tem o dever, por força imperativa dos princípios
constitucionais, de não realizar esta “escolha” a bel prazer do agente capaz, mas norteada pela
força constitucional. Grifa-se “escolha”, por ser o termo encontrado em grande parte da
doutrina e, diante do tema proposto à pesquisa, não se julgar ser o mais conveniente,
substituindo-se por “adequação”.
Durante muito tempo, em matéria de Direito Administrativo, jamais se admitiu um
controle de mérito do ato administrativo. Os clássicos pensadores do Direito, a exemplo de
José Cretella Júnior, eram categóricos no sentido de afirmar que a apreciação do mérito
administrativo caberia apenas ao administrador, sob presunção de legitimidade da “melhor
escolha”21:

21
CRETELLA JÚNIOR, José. Dos atos administrativos especiais. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 266.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 12
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

Aspecto algum do mérito admite revisão pelo Judiciário. Ao contrário,


repele-a. o Judiciário tem campo próprio para locomover-se, não invadindo terreno
privativo da Administração. Se alguma fração de mérito, por menor que fosse, se
entrelaçasse, confundindo-se com a legalidade, estas duas entidades perderiam sua
razão de ser, ou a noção de legalidade, nos setores comuns, sobrepujaria a noção de
mérito.
[...]
Surpreende, por isso, que credenciado julgador tenha, embora dando ao
mérito sentido exato, afirmado: “Não me convenço, porém, de que, na apreciação do
ato administrativo, deva o juiz limitar-se a verificar a formalização, não entrando no
mérito da decisão impugnada. Não entendo que deva o Poder Judiciário limitar-se a
apreciar o ato administrativo do ângulo da legalidade extrínseca e não de seu mérito
intrínseco, ou seja, de sua justiça ou injustiça”.

Surpreende-se que, qualquer intenção de questionamento do mérito administrativo


perante os clássicos, era desconsiderada. Felizmente, a visão pós-positivista vem se
consolidando de forma mútua ao Estado Democrático de Direito, uma vez que entende a
relação entre o Direito e a Justiça, insculpido em valores e princípios.
Odete Madauer aponta que o contraponto clássico entre legalidade-mérito encontra-
se atenuado no momento presente.22 Na mesma linha de raciocínio, Juarez Freitas aponta que
inexiste discrição pura ou não-controlável principiologicamente pelo Judiciário, uma vez que
o agente público é livre apenas para alcançar a tutela efetiva do direito fundamental à boa
Administração Pública23.

6. A TUTELA JURISDICIONAL
Atualmente, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, petrificado no
Art. 5º, XXXV, da Constituição Cidadã, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, já se tornou indiscutível. Isso quer dizer que cabe
ao judiciário à res judicata24. Ou seja, decisão alguma, em âmbito administrativo, é afastada
do controle jurisdicional. Como nem sempre se pensou assim, sucintamente, traremos, para
ilustrar o pensamento clássico, as palavras de José Cretella Júnior25:
“Por fim, ato administrativo que envolva ordem de prisão disciplinar, que
ocorre tão-somente no âmbito das Forças Armadas, é insuscetível de reexame
jurisdicional, mesmo que eivado de patente ilegalidade.”

22
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14. ed. rev. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p. 116.
23
FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4. ed. ref. e amp. São
Paulo: Malheiros, 2009, p. 121.
24
Do latim res judicata, significa coisa julgada.
25
CRETELLA JÚNIOR, José. Dos atos administrativos especiais. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 449.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 13
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

Este pensamento clássico emergia sob a luz da ordem constitucional anterior. O


pensador clássico corroborava com os preceitos constitucionais e infraconstitucionais à época,
como se percebe no Art. 51 da lei 6.880/80, atual Estatuto dos Militares, que,
indubitavelmente, não fora recepcionado pela nova ordem constitucional26:
Art. 51. O militar que se julgar prejudicado ou ofendido por qualquer ato
administrativo ou disciplinar de superior hierárquico poderá recorrer ou interpor
pedido de reconsideração, queixa ou representação, segundo regulamentação
específica de cada Força Armada.
[...]
§ 3º O militar só poderá recorrer ao Judiciário após esgotados todos os
recursos administrativos e deverá participar esta iniciativa, antecipadamente, à
autoridade à qual estiver subordinado.

Esta inafastabilidade do poder judiciário evoluiu ao longo do tempo e ainda se


encontra em evolução. Prova disso é que se passará, agora, ao epicentro da problematização
da pesquisa, apresentando-se um conceito lapidado no papel dos princípios jurídicos na
sociedade contemporânea.

7. O CONTROLE JURISDICIONAL DO ATO ADMINISTRATIVO E A


ANÁLISE DO MÉRITO.
Como visto acima, não há dúvidas de que os atos administrativos poderão sofrer
controle pelo poder judiciário. Mas como será este controle? Como ocorre o controle dos atos
vinculados? Como ocorre o controle dos atos discricionários?
Segundo Odete Medauar o controle jurisdicional da Administração pública abrange a
apreciação, efetuada pelo Poder Judiciário, sobre atos, processos e contratos administrativos,
atividades, operações materiais e mesmo a omissão ou inércia da Administração. Em regra é
posteriori, sendo repressivo ou corretivo, desencadeado por provocação27.
Não há nenhuma dúvida de que o Judiciário tem o poder-dever de apreciar o juízo de
conveniência e oportunidade do ato administrativo frente aos princípios constitucionais. Ao
apreciar o chamado mérito administrativo, não estará, de forma alguma, substituindo o
administrador público e, consequentemente, afrontando o princípio da separação dos poderes.

26
BRASIL. Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980. Dispõe sobre o Estatuto dos Militares. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6880.htm>. Acesso em: 17 mar 2011.
27
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14. ed. rev. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p. 406.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 14
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

Dessa forma, por ser o judiciário o guardião da constituição, o controle jurisdicional


do ato administrativo é amplo, seja ele vinculado ou discricionário, ultrapassando as fronteiras
da legalidade e, adentrando na decisão administrativa, deve analisar, sim, se a tomada de
decisão da Administração seguiu os critérios de impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência. Se assim não for, deve, de ofício, ordenar a anulação do ato.
Em recente decisão do STJ, de 09 de fevereiro de 2010, em que teve como relator o
Min. Napoleão Nunes Maia Filho, em matéria administrativo disciplinar, pode-se verificar
que a jurisprudência tende a se curvar no sentido de que o controle jurisdicional é amplo, não
se limitando apenas aos aspectos legais, formais, como se observa no trecho da ementa,
transcrito abaixo28:
1. Por força dos princípios da proporcionalidade, dignidade da pessoa
humana e culpabilidade, aplicáveis ao Regime Jurídico Disciplinar de Servidor
Público e mesmo a qualquer relação jurídica de Direito Sancionador, não há juízo de
discricionariedade no ato administrativo que impõe sanção a Servidor Público em
razão do cometimento de infração disciplinar, de sorte que o controle jurisdicional
é amplo, não se limitando, portanto, somente aos aspectos formais. (grifo nosso).
Precedente.
[...]
6. Recurso provido para anular a Portaria 135/06 - CONAE-2, da
Assessora Técnica da Divisão de Recursos Humanos da Coordenadoria dos Núcleos
de Ação Educativa da Secretaria de Educação do Município de São Paulo, de
20.04.2006, que demitiu a impetrante do cargo de Professora Adjunto do Ensino
Fundamental I, promovendo-se sua imediata reintegração, com o pagamento dos
vencimentos e cômputo de tempo para todos os efeitos legais.

Dando continuidade à análise jurisprudencial que reflete a força imperativa do Art


37, caput, da Constituição Federal, observa-se no trecho da ementa do acórdão em que foi
relator o Min. Jorge Scartezzini, a contemporânea tendência de que o ato administrativo para
que seja válido deve observar, dentre outros princípios, o da impessoalidade e da publicidade,
pois, mesmo se tratando de um ato discricionário, se não observados estes princípios, o ato
poderá gerar uma arbitrariedade, sendo passível de controle jurisdicional29:
1 - O ato administrativo, para que seja válido, deve observar, entre
outros, o princípio da impessoalidade, licitude e publicidade. (grifo nosso) Estes
três pilares do Direito Administrativo fundem-se na chamada motivação dos atos
administrativos, que é o conjunto das razões fáticas ou jurídicas determinantes da
expedição do ato. Tratando-se, na espécie, de ato do tipo discricionário e não

28
BRASIL. STJ. RMS 24584 – SP. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Julgamento em: 09 fev 2010,
publicado no D.Je em: 08 mar 2010. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/
Abre_Documento.asp?sSeq=919033&sReg=200701667492&sData=20100308&formato=PDF>. Acesso em: 17
mar 2011.
29
BRASIL. STJ. RMS 11336 – PE. Relator: Min. Jorge Scartezzini. Julgamento em: 07 nov 2000, publicado no
D.J em: 19 fev 2001. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?
seq=64996&nreg=199901051096&dt=20010219&formato=PDF>. Acesso em: 17 mar 2011.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 15
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

vinculado – posto que visa a examinar a vida pregressa e investigar socialmente o


candidato à admissão em concurso público -, uma vez delimitada a existência e feita
a valoração, não há como o administrador furtar-se a tais fatos. Não se discute, no
caso sub judice, se o ato que prevê a análise da conduta pessoal e social do
indivíduo, através da apuração de toda sua vida anterior, é legal ou não, porquanto,
notoriamente sabemos que o é.
[...]
4 - Recurso conhecido e provido para, reformando o v. acórdão recorrido,
conceder a ordem, assegurando ao impetrante-recorrente, em virtude de sua
aprovação no Concurso para o Cargo de Juiz Substituto do Estado de Pernambuco,
sua nomeação neste, obedecida sua classificação no certame.

Ao tratar de controle jurisdicional do ato administrativo, o STJ vem ampliando o


campo de atuação do Judiciário, dando a relevante importância ao princípio da Moralidade,
mesmo se tratando de ato discricionário, como se observa de forma cristalina na decisão em
que foi relatora a Min. Eliana Calmon30:
1. Na atualidade, a Administração pública está submetida ao império da
lei, inclusive quanto à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
[...]
3. O Poder Judiciário não mais se limita a examinar os aspectos
extrínsecos da administração, pois pode analisar, ainda, as razões de
conveniência e oportunidade, uma vez que essas razões devem observar
critérios de moralidade e razoabilidade. (grifo nosso)
[...]
5. Recurso especial provido.

O princípio da eficiência, embora seja o mais jovem dos princípios constitucionais


que regem a Administração Pública, já vem sendo utilizado pelo Judiciário, no controle
jurisdicional, mesmo em casos onde se torna evidente a discricionariedade do Administrador,
como se observa no trecho da decisão do STJ em que foi relatora a Min. Laurita Vaz31:
2. Nada impede que o Ministro da Justiça venha a requerer novos
esclarecimentos da própria Comissão de Anistia ou consultar outros órgãos de
assessoramento que estejam ao seu alcance para solucionar questões que envolvam
aspectos de oportunidade (grifo nosso) ou certificar-se a respeito de possíveis
divergências jurídicas.
3. Entretanto, em face do princípio da eficiência (art. 37, caput, da
Constituição Federal), não se pode permitir que a Administração Pública
postergue, indefinidamente, a conclusão de procedimento administrativo, (grifo
nosso) sendo necessário resgatar a devida celeridade, característica de processos
urgentes, ajuizados com a finalidade de reparar injustiça outrora perpetrada. Na
hipótese, já decorrido tempo suficiente para o cumprimento das providências

30
BRASIL. STJ. REsp 429570 – GO. Relatora: Min. Eliana Calmon. Julgamento em: 11 nov 2003, publicado
no D.J em: 22 mar 2004. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=
441598&sReg=200200461108&sData=20040322&formato=PDF>. Acesso em: 17 mar 2011.
31
BRASIL. STJ. MS 9420 – DF. Relatora: Min. Laurita Vaz. Julgamento em: 25 ago 2004, publicado no D.J em
06 set 2004. Disponível em: < https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=494095
&sReg=200302214007&sData=20040906&formato=PDF>. Acesso em: 17 mar 2011.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 16
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

pertinentes – quase dois anos do parecer da Comissão de Anistia –, tem-se como


razoável a fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Ministro de Estado da
Justiça profira decisão final no Processo Administrativo, como entender de direito.
Precedente desta Corte.
4. Ordem parcialmente concedida.

Por fim, apresentam-se as considerações finais de Odete Medauar sobre o alcance do


controle jurisdicional sobre o ato administrativo32:
Há um posicionamento favorável ao controle restrito, para que se
circunscreva à legalidade entendida também de modo restrito. Em geral, os
argumentos dessa linha são os seguintes: impossibilidade da ingerência do Judiciário
em atividades típicas do Executivo, ante o princípio da separação de poderes, daí o
âmbito do Judiciário ser a legalidade em sentido estrito – os integrantes do
Judiciário são desprovidos de mandato eletivo, não tendo legitimidade para apreciar
aspectos relativos ao interesse público. De acordo com essa linha, no controle do ato
administrativo o Judiciário apreciaria somente matéria relativa à competência, forma
e licitude do objeto.
Outro entendimento inclina-se por um controle amplo, ante os seguintes
fundamentos: pelo princípio da separação dos poderes, o poder detém o poder,
cabendo ao Judiciário a jurisdição e, portanto, o controle jurisdicional da
Administração, sem que se possa cogitar de ingerência indevida; por outro lado,
onde existe controle de constitucionalidade da lei, a invocação da separação dos
poderes para limitar a apreciação jurisdicional perde grande parte de sua força.
[...]
A tendência de ampliação do controle jurisdicional da Administração se
acentuou a partir da Constituição Federal de 1988. O texto de 1988 está impregnado
de um espírito geral de priorização dos direitos e garantias ante o poder público.
Uma das decorrências desse espírito vislumbra-se na indicação de mais parâmetros
da atuação, mesmo discricionária, da Administração, tais como o princípio da
moralidade e o princípio da impessoalidade. O princípio da publicidade, por sua vez,
impõe transparência na atuação administrativa, o que enseja maior controle. E a ação
popular pode ter como um dos seus fulcros a anulação do ato lesivo da moralidade
administrativa, independentemente de considerações de estrita legalidade.

8. CONCLUSÃO

Assim, após a análise dos pontos previstos para a consecução dos objetivos propostos
à pesquisa, conclui-se que, contemporaneamente, a possibilidade de análise jurisdicional do
mérito do ato administrativo vem se tornando frequente, seja na doutrina, seja na
jurisprudência. Isso tudo, haja vista a hermenêutica sistemática dada aos princípios
constitucionais que guiam a Administração Pública. Ao adentrar no mérito das decisões
administrativas, analisando o juízo de “adequação ao caso concreto”, não está o juiz tomando
o papel do administrador, mas cumprindo o dever, de ofício, de resguardar os preceitos
constitucionais.

32
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14. ed. rev. E atual. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2010, p. 409-410.
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 17
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

É necessário que, diante da nova ordem constitucional, os pensadores do Direito


passem a vislumbrar que as decisões administrativas devem, necessariamente, respeitar os
princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Não pode o
administrador público, quando a lei lhe permitir, dentre as possíveis decisões, tomar, às
escuras, àquela que lhe beneficie ou, ainda, que não seja vista pela sociedade como moral ou a
mais eficiente para que se atinja o fim da melhor forma possível.
A quebra de paradigmas, a que se propôs este trabalho, inicia nos bancos escolares,
com a formação de currículos e ensinamentos hodiernos. É indubitável que não se deve
esquecer a visão clássica do Direito Administrativo, mas a adequação ao momento histórico
vivido pela sociedade brasileira é indispensável sob pena de convivermos, diariamente, com
arbitrariedades de um poder público à margem da Constituição, regido a bel prazeres, às
vontades daqueles que detêm a soberania, cedida pelo povo.

REFERÊNCIAS:
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São
Paulo: Malheiros, 2010.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 17
mar 2011.

_________. Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980. Dispõe sobre o Estatuto dos Militares.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6880.htm> Acesso em: 17 mar
2011.

_________. STJ. RMS 24584 – SP. Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho. Julgamento
em: 09 fev 2010, publicado no D.Je em: 08 mar 2010. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=919033&sReg=2007016
67492&sData=20100308&formato=PDF>. Acesso em: 17 mar 2011.
_________. STJ. RMS 11336 – PE. Relator: Min. Jorge Scartezzini. Julgamento em: 07 nov
2000, publicado no D.J em: 19 fev 2001. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/IMG?seq=64996&nreg=199901051096
&dt=20010219&formato=PDF>. Acesso em: 17 mar 2011..
_________. STJ. REsp 429570 – GO. Relatora: Min. Eliana Calmon. Julgamento em: 11 nov
2003, publicado no D.J em: 22 mar 2004. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=441598&sReg=2002004
61108&sData=20040322&formato=PDF>. Acesso em: 17 mar 2011.
_________. STJ. MS 9420 – DF. Relatora: Min. Laurita Vaz. Julgamento em: 25 ago 2004,
publicado no D.J em 06 set 2004. Disponível em:
Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 18
Vol. 2 Nº. 1 2011 ISSN 2178-4809

<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=494095&sReg=2003022
14007&sData=20040906&formato=PDF>. Acesso em: 17 mar 2011.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.
ed. 2. reimp. Coimbra: Almedina, 2003.
CRETELLA JÚNIOR, José. Dos atos administrativos especiais. 2. Ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1995.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22. ed. 2. reimpr. São Paulo:
Atlas, 2009.

FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 4.


ed. ref. e amp. São Paulo: Malheiros, 2009.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 14. ed. rev. e atual. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2010.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros,
2010.

Artigo recebido em: 17/03/2011


Artigo aprovado em: 13/04/2011

COMO CITAR ESTE ARTIGO:


ALVES, Felipe Dalenogare. O Controle Jurisdicional do Mérito do Ato Administrativo frente
aos Princípios Constitucionais. Orbis: Revista Científica do Curso de Direito da Faculdade
Cesrei. v.2. n.1, 2011. Disponível em: <http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article
/view/35>. Acesso em: XX xxx 20XX.

Disponível em: http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/view/35 19

Você também pode gostar