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. ⁄ .⁄ .

l  l  , º  l -  315

Algumas questões sobre o processo de


concepção da arquitetura e da estrutura
  *

Resumo l O artigo é resultado, principalmente, das constantes reflexões feitas pelo autor ao longo de seus
34 anos de experiência como engenheiro de estruturas, em contato constante com arquitetos na elaboração
de projetos, e, também, como professor em escolas de Arquitetura. O artigo tem como objetivo contribuir
para a discussão das questões que envolvem as interfaces entre projeto de arquitetura e estrutura. É uma
visão de como se dá a gênese do projeto de uma edificação; avalia o peso do pensar generalista da arquitetura
e das contingências técnicas da engenharia nesse processo. Discute, entre outras questões, um conceito
mais abrangente de estrutura, qual a melhor solução estrutural, a quem pertence a concepção estrutural,
as relações entre engenheiros e arquitetos, e o papel do cálculo estrutural.
Palavras-chave l projeto de arquitetura e estrutura, cálculo estrtural, estrutura.

Title l A Few Questions Concerning the Conception Process of Architecture and Structure
Abstract l This article was mainly based on the constant reflections by the author during his 34-year
experience as a structural engineer, in close contact with architects in the elaboration of projects, and
also as a professor at Architecture Colleges. This article aims at discussing question concerning the phases
between an architecture project and the structure. It is an overview of how an edification project is born; it
evaluates the weight of the generalist way of thinking in architecture, as well as the technical interferences
of engineering in the process. It also discusses – among other points – a farther embracing concept of
structure, the best structural solution, to whom structural conception belongs, the relationships between
engineers and architects, and the role of structural calculus.
Keywords l architecture and structure project, structural calculus, structure.

de atividade como engenheiro de estruturas e


1 parte
a
professor de sistemas estruturais em escolas de
Arquitetura, são idéias também compartilhadas
1. introdução por outros autores. Quero deixar claro que minha
postura não é de fornecer respostas prontas, mas
Todos nós, com certeza, temos uma idéia mais ou de apresentar questões que considero relevantes e
menos clara do que seja uma estrutura. Muitos que muitas vezes passam despercebidas na articu-
sabem projetar e até dimensionar, dentro dos parâ- lação entre projetos de arquitetura e estrutura.
metros estabelecidos pelo conhecimento técnico Pretendo nas partes deste artigo formular para
e científico vigente, mas poucos se preocupam com discussão algumas questões que envolvem o pro-
um estudo mais profundo da relação harmoniosa cesso de criação do projeto de arquitetura e de
que deve existir entre os espaços arquitetônicos e estrutura. São questões que, por se apresentarem
as estruturas resultantes das necessidades estáticas aparentemente menores, passam despercebidas.
da estabilização desses espaços. Acredito que, se bem observadas, podem levar a
As idéias que exponho aqui não são resultado uma melhor conscientização e controle do proces-
apenas de meu trabalho ao longo desses 34 anos so de criação, beneficiando o resultado final: o
projeto da edificação.

2. como conceituar estrutura


Data de recebimento: 28/06/2005.
Data de aceitação: 26/08/2005. Em primeiro lugar, é preciso libertar-se da idéia
* Professor do Programa de Pós-graduação stricto sensu em
preconcebida de estrutura como esqueleto que
Arquitetura e Urbanismo da USJT.
E-mail: ycpr@uol.com.br sustenta a edificação. Esta idéia relega a estrutura
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à única e, por que não dizer, ingrata função de um ensina como dar resistência a cascas finas por meio
mal necessário, algo desprovido de criatividade e, de dobraduras, e assim por diante. Não se quer
com certa ponta de preconceito, ser posta como defender aqui que se deva sair por aí projetando
“coisa de engenheiro”. O conceito de estrutura é edifícios com a forma de uma flor ou de um pás-
bem mais amplo e extrapola os limites das áreas da saro, mas que se procure deter-se um pouco em
engenharia e da arquitetura. A palavra “estrutura” observar a natureza e aprender dela os princípios
é encontrada em todas as áreas do conhecimento que possam ajudar a projetar edifícios que, sendo
humano. Quem não ouviu falar em estrutura eco- racionais e econômicos, não deixem de ser belos.
nômica, estrutura musical, estrutura viária, e assim
por diante? Em todas essas situações, estrutura 3. as funções da estrutura nas
representa a mesma coisa, ou seja, um conjunto de edificações
elementos de se inter-relacionam para desempe-
nhar uma função. Não será a estrutura musical um À primeira vista pode parecer que a única e exclu-
conjunto de elementos – notas musicais – que se siva função da estrutura em uma edificação é a de
inter-relacionam – linha melódica – para desem- mantê-la estável. Ninguém constrói uma obra só
penhar uma função – criar sons? Não é a estrutura para resistir, pois, senão, seria apenas um modelo
viária um conjunto de elementos – ruas, avenidas de ensaio. Uma obra constrói-se para muitas fun-
e praças – que se inter-relacionam – rua chegando ções, como abrigar pessoas e objetos, agradar os
a rua, rua chegando a praça – para desempenhar sentidos de quem a vivencia, e assim por diante. A
uma função – o convívio social? Com as estruturas função estática, a de esqueleto de sustentação, é
dos edifícios também é assim: um conjunto de sempre percebida e valorizada, pois, sem estrutura,
elementos – lajes, vigas e pilares – que se inter- o edifício não se mantém. Outros aspectos, como
relacionam – lajes apoiando em vigas, vigas em a influência nos cinco sentidos humanos, ou seja,
pilares – para desempenhar uma função – criar um no bem-estar ou no mal-estar psicológico, provo-
espaço para abrigar coisas ou pessoas. Essa aplicação cado pela opção por determinado material e siste-
do conceito de estrutura às mais diversas atividades ma estrutural, são freqüentemente relegados a um
humanas mostra que o conceito de estrutura é uni- segundo ou terceiro plano, quando não esquecidos
versal, e não se restringe a “coisa de engenheiro”. totalmente.
Estrutura está em tudo o que nos rodeia, nas Por que alguém escolheria a madeira como opção
plantas, no ar, nas pessoas e nos edifícios, entre de material para sua moradia? Será pelo aspecto do
outras coisas. Nas atitudes mais corriqueiras, como material? Ou será pela sua textura, cor, cheiro ou
a de se colocar um lápis sobre a mesa, estar-se-á, reminiscências evocadas? Provavelmente por algum
mesmo que inconscientemente, aplicando princí- ou mesmo por todos esses fatores. O que poderá
pios físicos que envolvem a questão do equilíbrio. provocar no dia-a-dia de uma pessoa o contato
O próprio ser humano, em sua mais tenra idade, sem constante com vigas e pilares metálicos? Uma cober-
qualquer conhecimento sistematizado do compor- tura em abóbada sobre a cabeça de alguém, que
tamento das estruturas, “coloca de pé” uma das mais prazeres ou tensões psicológicas irá provocar?
complexas estruturas – o corpo humano. A ques- A colocação de poucos pilares, em ambientes
tão de equilíbrio, princípio fundamental das estru- muito amplos, pode torná-los desagradáveis. Pes-
turas, é inerente não só ao ser humano, como a toda quisas mostram que em espaços amplos as pessoas
a natureza. E é principalmente na natureza que se tendem a reunir-se em torno de pilares e que a escas-
encontra uma fonte inesgotável de inspiração estru- sez desses pode tornar-se incômoda. Esses aspectos
tural e arquitetônica. A natureza procura resolver da estrutura na composição dos espaços são pouco
seus problemas estruturais e biológicos da forma pensados no instante da concepção do projeto.
mais bonita e econômica. Um galho de árvore reve- “O que é lógico e racional em estrutura não é
la os mesmos princípios físicos que se encontram necessariamente humanamente desejável” (Forrest
em uma viga em balanço. Uma folha de palmeira Wilson). Normalmente o fator econômico, que
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pode ser traduzido em números, é que define a 2a parte


escolha de um material ou sistema estrutural; mas,
ainda assim, a relação do custo de uma opção e o 1. a quem cabe conceber a
benefício obtido dependerá sempre de argumentos estrutura?
extre-mamente subjetivos.
A opção por uma solução estrutural também Quem não se lembra da famosa pergunta, até hoje
deveria envolver a consciência de três instantes na sem solução definitiva: quem nasceu primeiro, o
história da obra: seu passado, seu presente e seu ovo ou a galinha? Analogamente a esta questão, até
futuro. O passado de uma obra compreende a certo ponto prosaica, pode-se perguntar: quem
escolha do material, a solução estrutural, sua cons- nasceu primeiro, a arquitetura ou a estrutura? Na
trução e as relações dessas questões com os aspectos primeira parte desta série, já foi comentado que a
energéticos, ambientais e ecológicos. estrutura não é só o esqueleto que suporta uma
O presente da obra refere-se ao seu uso cotidia- forma; a estrutura é, também, parte integrante e
no, com os efeitos nos sentidos humanos, aqui já inseparável da forma. É impossível imaginar-se
comentados. O futuro da obra refere-se à sua ma- uma forma sem estrutura, como também uma
nutenção. estrutura sem forma. É muito comum entender-se
De que vale uma solução de projeto que empre- a arquitetura como a criadora das formas, como
gue um material e um sistema estrutural, correta- se essas pudessem acontecer isoladamente e inde-
mente escolhidos, quanto aos aspectos de obtenção, pendentemente da estrutura, do material do qual
execução, da agradável solução estática, do con- é produzida e dos processos de produção. Na
forto dos espaços criados, se sua manutenção verdade, a criação de uma forma implica a criação
tornar-se tão problemática, que todas as vantagens de uma estrutura e, em conseqüência, a escolha
prévias perdem significado? dos materiais e processos construtivos que permi-
Esse trinômio, obtenção, uso e manutenção, tem materializá-la. A estrutura e a forma, ou a
ou seja, passado, presente e futuro da obra, é, sem estrutura e a arquitetura, são um só objeto, e, assim
dúvida, difícil de solucionar, e nem se sabe se sendo, conceber uma implica conceber a outra.
sempre tem solução, mas o importante é que ele Arquitetura e estrutura nascem juntas; portanto,
seja levado em conta na hora da concepção do aquele que cria a forma também é aquele que cria
projeto. a estrutura. O ato de desenhar um pequeno espa-
A questão do presente da obra, ou seja, sua ço de um edifício compromete seu autor com a
ocupação, tem sido, freqüentemente, foco de pre- solução da estrutura. Em outras palavras, quem
ocupação; a avaliação pós-ocupação é uma disci- concebe a arquitetura concebe a estrutura. A histó-
plina que já faz parte de cursos de graduação e ria tem mostrado que sempre coube ao criador da
pós-graduação de algumas universidades brasilei- arquitetura a responsabilidade pela concepção
ras e estrangeiras. estrutural, a execução da edificação e até mesmo
Quanto ao passado da obra, algumas poucas de sua decoração. Logo, é bastante natural que
experiências têm sido feitas na avaliação de custos continue a cargo de quem concebe a arquitetura
energéticos e ecológicos de soluções estruturais e a responsabilidade pela concepção estrutural.
construtivas, mas ainda sem uma sistematização Quando falo em criador da arquitetura, não me
adequada. refiro apenas ao arquiteto, pois, em princípio, nada
O mesmo ocorre quanto à questão do futuro impede que o engenheiro seja o criador da arqui-
da obra, ou seja, de sua manutenção, principal- tetura. A divisão de trabalho entre engenheiros e
mente a preventiva. arquitetos não é natural, é conseqüência de neces-
Mas todas essas questões ficam sem sentido se sidades operacionais criadas artificialmente ao
não forem relacionadas à gênese do projeto estru- longo da história. Essa divisão, algumas vezes neces-
tural e arquitetônico, e esta será a questão levan- sária, provocou a separação de atribuições, crian-
tada na segunda parte deste artigo. do a falsa idéia de que arquitetura é coisa apenas
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de arquiteto e estrutura, apenas de engenheiro. passar por lugares interessantes do ponto de vista
Não importa que a arquitetura seja criada por arqui- histórico e paisagístico, locais que podem estar
teto ou engenheiro, o que importa é ter-se a cons- bastante afastados da linha reta. Neste caso, o
ciência de que quem cria a arquitetura cria, também, melhor caminho entre as duas localidades deixa
a estrutura. O que acontece é que nem sempre o de ser uma reta.
criador da arquitetura tem consciência de que em O melhor é sempre relativo. Melhor em relação
seu ato criador dos espaços está presente intrinse- a quê? Nas estruturas ocorre a mesma coisa. Uma
camente o ato criador da estrutura. Muitas vezes solução poderá ser mais econômica no que se
pode ocorrer que, devido à deturpação provocada refere ao consumo de materiais, mas, por outro
pela divisão de trabalho, o arquiteto negue-se a lado, pode resultar em aspecto pouco agradável,
preocupar-se com a estrutura, mal sabendo que, ou poderá demorar para ser executada, ou até
quer ele queira, quer não, ao criar a arquitetura, ali mesmo não atingir a qualidade dos espaços plane-
à sua frente está a estrutura, também criada por ele. jados. Para orientar as possibilidades de escolha, é
Se o criador da arquitetura é mais comumente necessário estabelecer uma hierarquia de quesitos
o arquiteto, que concebe a estrutura, qual seria, que devam ser preenchidos pela solução estrutural.
então, o papel do engenheiro de estrutura nesse Por exemplo, pode-se desejar que a estrutura seja,
processo? Ao engenheiro, cabe a não menos impor- em primeiro lugar, a mais leve; em segundo lugar,
tante e criativa função de materializar a estrutura, a mais econômica; em terceiro, a mais bonita; e
torná-la estável e de fácil execução, com a melhor assim por diante. Essa ordem pode ser totalmente
relação custo/benefício. Sem dúvida, uma batalha outra, dependendo do contexto econômico, social,
árdua que exige conhecimento sim, mas também político ou histórico em que a obra se situa. O que
muita sensibilidade. Infelizmente, muitos profis- se tem de perseguir é que a distância entre os que-
sionais engenheiros, por sua vez, esquecem que sitos estabelecidos seja a menor possível. É nisto
um bom projeto de estrutura é também resultado que se encontra o grande desafio; por exemplo,
de uma aguçada sensibilidade e da mesma inspira- uma estrutura que seja a mais econômica, mas
ção que orienta os arquitetos. O engenheiro espa- também bastante bonita (talvez não a mais bonita),
nhol Eduardo Torroja, autor de estruturas notáveis, com um prazo de execução bastante razoável, e
diz, em seu livro Razón y ser de los typos estructu- assim por diante. O que não tem sentido é privile-
rales: “O nascimento de um conjunto estrutural, giar um único requisito em detrimento dos demais.
resultado de um processo criador, fusão da técnica Infelizmente, o único critério em que normalmen-
com a arte, do engenho com o estudo, da imagina- te os empreendedores se baseiam é o econômico,
ção com a sensibilidade, escapa do puro domínio pois o valor econômico é o mais fácil e objetivo de
da lógica para entrar nas secretas fronteiras da comparar-se. É bom ter em mente que a melhor
inspiração”. solução não é necessariamente a mais barata. O
custo de uma estrutura não deve ser parâmetro
2. qual a melhor solução para classificá-la como melhor, mas deve ser mais
estrutural? um motivo para chegar-se a um bom projeto.
Nem sempre se pode afirmar qual a melhor
Para melhor ilustrar essa discussão, imagine-se a solução, mas, sem dúvida, pode-se afirmar que a
seguinte analogia: suponha que se queira executar pior solução é aquela que apresenta o maior desen-
uma estrada que ligue uma localidade A a uma contro entre os objetivos do projeto de arquite-
localidade B. Qual o melhor caminho para ligar tura e os objetivos do projeto de estrutura. Esse
esses dois pontos? Uma resposta mais imediata é desencontro, infelizmente, não é raro e ocorre com
a execução da linha reta, pois a reta é o caminho mais freqüência do que seria desejável. Um dos
mais curto entre dois pontos. Mas acrescente mais motivos mais comuns de isso acontecer é a desin-
um dado à questão: suponha que a estrada tenha formação que um profissional de uma área tem em
como função principal ser turística e que deva relação à área do outro. Nos arquitetos, pode-se
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encontrar a falta de conhecimento ou de interesse São dois profissionais, engenheiro e arquiteto,


sobre questões técnicas. Nos engenheiros, existe uma que deveriam conhecer e respeitar a profissão do
grande desinformação a respeito das preocupações outro, pois são companheiros no mesmo objetivo:
da arquitetura. Para o engenheiro, falta o conhe- a edificação executada. É de se prever que na situa-
cimento de um repertório mais amplo de soluções ção vigente esse companheirismo não seja assim
arquitetônicas já dadas e suas respostas estruturais tão harmonioso. É essa relação, importantíssima
e que possam levá-lo a pensar em soluções estrutu- para o bom resultado do projeto, que será posta
rais mais interessantes. Falta a ele conhecer os arqui- em questão na terceira parte deste artigo.
tetos notáveis e suas obras, principalmente aquelas
em que a estrutura é destaque. Essas questões são 3a parte
os principais entraves para o encontro e o enten-
dimento entre essas duas áreas, que, na verdade, 1. relação entre arquitetos e
são uma única. Os desencontros são, por si só, um engenheiros de estruturas
grande fator de perda de qualidade das soluções,
não só estruturais como arquitetônicas. Uma me- O projetador da estrutura (o engenheiro), quando
lhor troca de informações entre engenheiros e chamado pelo projetador da forma (o arquiteto)
arquitetos não só é desejável, como necessária para para juntos desenvolverem um projeto, deve ter
que se produzam soluções mais criativas em ambas com este, ao mesmo tempo que uma afinidade
as áreas. conceitual, posições de confronto que gerem, nesta
É claro que a busca por soluções originais e contradição, tensões que originem forças capazes de
inovadoras não é o objetivo principal dos projetos, rasgar o véu que encobre a obra criativa. O projeto
mesmo porque ser criativo não é necessariamente não é resultado da uniformidade de pensamento,
ser inédito: “Nenhuma solução é tão original, que mas sim de sua unidade. Este processo, aparente-
não tenha um precedente parecido” (E. Torroja). mente ambíguo, quando bem aproveitado, leva a
A criação do novo passa, também, pela releitura uma solução de projeto mais aberta, menos dogmá-
do existente, vendo-o com novos olhos, sob novas tica, que pode gerar uma obra, a qual, em provo-
perspectivas. Para isso, o conhecimento profundo cando discussão, critica e até polêmica, mostre-se
das soluções utilizadas em projetos semelhantes de valor.
ao que se propõe, e já realizadas por outros, é de No processo de criação do projeto arquitetura-
capital importância. Deve-se ter o bom senso de estrutura, o irracional, não tomado em seu sentido
saber-se a hora em que vale a pena empregar tempo pejorativo, deve prevalecer em relação ao racional,
e esforço na busca de soluções que sejam de alguma para que as idéias fluam com liberdade, para que
forma totalmente inovadoras. se crie um processo de simbiose entre o arquiteto
Por outro lado, caso se pretenda criar algo novo, e o engenheiro que leve a soluções não atreladas
deve-se ter em mente que se irá enfrentar uma árdua simplesmente a normas de procedimentos. “O
batalha contra o medo, a inércia e o comodismo pensamento lógico leva de A a B, a imaginação leva
daqueles que temem o novo. Para desestimular a a qualquer lugar” (Albert Einstein). A discussão con-
criatividade, inimigos do novo usam os mais esta- ceitual da forma e da estrutura deve ser priorizada
pafúrdios argumentos; dizem sempre que a nova para que o modelo matemático seja conseqüência,
proposta é impossível, pois não está registrada na e não causa do projeto. Precisa haver muito cuida-
literatura especializada, ou, ainda, que a proposta do nesta fase, principalmente por parte do enge-
não atende as normas vigentes, e assim por diante. nheiro, para que este não se apegue avidamente a
É indiscutível a necessidade de respeito às normas, fórmulas matemáticas e restrições normativas que
mas deve-se ter o bom senso de avaliar quando elas possam tolher de maneira irreparável todo o rico
merecem ou não esse respeito. “As normas existem processo de idealização da edificação. Na fase de
para obediência dos tolos e orientação dos sábios” concepção do projeto é perigoso apegar-se ao abso-
(David Olgivy). lutamente exato. O absolutamente exato é o caminho
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que tendem a seguir o inseguro e o autoritário, mente humana. O cálculo existe para comprovar e
incapazes de avançar nas idéias. corrigir o que se intuiu. E, quando aquilo que se
As necessidades utilitárias da sociedade atual intuiu não é comprovado, é porque se intuiu mal.
romperam o elo histórico e natural entre a concep- O cálculo é uma ferramenta de inegável importância,
ção arquitetônica e estrutural; elo que precisa ser mas que deve ser posta em seu devido lugar.
refeito o mais rapidamente possível. Um dos en- O cálculo matemático deve ser conseqüência de
traves à materialização dessa harmonia natural um modelo físico previamente idealizado. Não há
entre estrutura e arquitetura deve-se a que arqui- sentido em aplicar-se um modelo matemático – o
tetos e engenheiros, em grande parte, ainda enten- cálculo – a um modelo físico que não lhe correspon-
dem estrutura apenas como o arcabouço que, da, pois não se chegará a nenhum resultado, ou pior,
introduzido no espaço arquitetônico, dá-lhe sus- se chegará a um resultado errado. A escolha do
tentação. Arquitetura e estrutura são pensadas modelo físico que melhor represente o comporta-
apenas como elementos que se complementam. mento da estrutura é, por vezes, imediato, quando
Não é sem motivo que o projeto de estrutura é se tratar de uma forma estrutural já bastante conhe-
convencionalmente chamado de projeto comple- cida, como uma viga, um pilar, uma treliça, e assim
mentar ao de arquitetura. Na verdade, não existem por diante. Nestes casos, a aplicação de um modelo
dois projetos, mas um único, com ênfases diferen- matemático é bastante simples e imediata, já que
tes. Dele fazem parte a arquitetura, com ênfase na essas formas estruturais já foram muito estudadas.
coordenação dos espaços, e a estrutura, com ên- Em estruturas complexas e inovadoras pode haver
fase na coordenação dos elementos sustentantes. dois caminhos: estudá-las como um conjunto ínte-
Se a mão dupla de conhecimento entre essas gro ou separá-las em partes. Neste caso, estuda-se
duas áreas tão afins já é difícil de acontecer, ima- cada parte isoladamente, podendo aplicar a ela
gine o que ocorre quanto ao conhecimento de modelos matemáticos mais simples. Por outro lado,
outras áreas do conhecimento humano. Infelizmen- esse segundo caminho talvez não seja o mais indi-
te, arquitetos e engenheiros continuam voltados para cado para todas as situações, pois nem sempre a
seus próprios umbigos, dando pouca ou nenhuma simples soma das partes corresponde ao todo. A
atenção ao que se passa em outras áreas do conhe- mera união de partes de um avião, como motor,
cimento. Por que nossos edifícios são tão pesados? hélices, asas, e tantos outros componentes, não
Uma asa de avião, sujeita a intensos esforços dinâmi- garante, necessariamente, a feitura de um avião. É
cos, muitas vezes mais complexos que aqueles que papel do engenheiro de estruturas, baseado em sua
ocorrem nas edificações, tem uma leveza surpreen- sensibilidade e experiência, saber como dissecar
dente, coisa que não acontece com um balanço uma estrutura, de modo que possa estudá-la por
idêntico, em uma edificação. Faltam, em geral, a partes, aproximando-se bastante do comporta-
arquitetos e principalmente engenheiros, o interes- mento do conjunto. E, antes de tudo, saber se é pos-
se e a curiosidade em apropriar-se ou pelo menos sível ou não a separação em partes. O ideal seria
se informar sobre tecnologias e materiais usados em que sempre se pudesse estudar a estrutura como
outras áreas do conhecimento humano. Quando essa um todo para conhecer seu verdadeiro comporta-
apropriação ocorre, o que é raro, ela é mais comum mento, mas isso é impossível, pois até mesmo os
nos projetos de arquitetura, não sendo quase nunca mais sofisticados métodos de análise numérica são
acompanhada nas soluções estruturais. carregados de hipóteses simplificadoras, em que o
real conhecimento do comportamento global
2. o papel do cálculo estrutural torna-se inalcançável. O uso de simplificações e de
pressupostos, nem sempre realistas, é sempre
“Antes e acima de todo cálculo está a idéia, modela- feito para que o cálculo possa tornar-se digerível,
dora do material em forma resistente, para cumprir mesmo para as mais poderosas máquinas.
sua missão” (E. Torroja). Não é o cálculo que conce- Por isso vale a pena chamar a atenção para o
be uma forma, mas sim o esforço idealizador da fato de que muitos engenheiros, graças à sua
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formação bastante acadêmica, acreditam tanto no e seus softwares será adequada. Só aquele que se
cálculo como único respaldo ao projeto, que muitas habituou a enxergar a estrutura como algo além
vezes se afastam do que é bom senso e deixam de dos resultados numéricos poderá adquirir essa
enxergar a realidade, esquecendo que aquele cál- capacidade de previsão.
culo em que tanto acreditam é fruto de simplifi- Seria interessante que, para uma melhor evolu-
cações, que, apesar de necessárias, afastam-se da ção do conhecimento estrutural, os engenheiros de
real descrição do fenômeno. Acreditar nos resul- estrutura perdessem um pouco a atitude arrogante
tados matemáticos, sem uma reflexão, é, no míni- de que só o conhecimento lógico, cartesiano e mate-
mo, uma postura ingênua. mático é correto, e mais humildemente atentassem
A análise numérica é feita hoje por meio de para outras possibilidades menos ortodoxas.
computadores pessoais que usam programas bas-
tante sofisticados. Esses programas afastam, e é “Pensar constitui sempre um esforço penoso, e,
exatamente esta sua função, o usuário dos proces- portanto, nos é muito mais cômodo crer sim-
sos físicos e matemáticos utilizados. Quando, por plesmente no bom critério dos que desenvolve-
qualquer motivo, os dados forem fornecidos ram os procedimentos em uso e aplicá-los ao pé
inadequadamente, os resultados serão fatalmente da letra, por longos e tediosos que esses métodos
falsos. O profissional menos atento pode aceitar sejam, antes de pararmos para pensar por nossa
esses resultados sem uma análise crítica, cometen- conta” (Félix Candela).
do erros grosseiros. Se o resultado esperado não é
obtido, de duas uma: ou o modelo físico sobre o Referências bibliográficas
qual se aplicou o cálculo não é correto, ou os dados
foram mal fornecidos. Para evitar esses enganos REBELLO, Y. C. P. A concepção estrutural e a
arquitetura. São Paulo: Zigurate, 2000.
perigosos, é importante que se tenha uma previsão
TORROJA, E. Razón y ser de los typos estructurales.
dos resultados e de sua ordem de grandeza, pois, Madri: Instituto E. Torroja, 1960.
só assim, a utilização dos equipamentos eletrônicos
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