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JORGE REIS NOVAIS
Professor da Faculdudc de Direito de Lisboa
EDITOR
EDIÇÕES ALMEDINA, SA
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3000- 161 Coimhra
Tel: 239 851 904
Fa x: 239 85 1 90 1
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Ou111bro. 2006
Ot1'6srro LEGAL
244458/0ó
, ')
ÍNDICE
PREFÁCIO À REEDIÇÃO....................................................................................... 9
CAPÍTULO 1
Introdução
@ CAPÍTULO II
As Origens do Estado de Direito
CAPÍTULO Ili
A «AdJcctivação» Liberal do Estndo de Oireilo
( i)) CAPÍTULO IV
Estado de Direito (Material ou Formal) e Estado de Legalidade
( j) ) CAPÍTULO V
O Es tado de Di reito e as Experiências Anti-Liberais
na Europa do S('Culo XX
1. Os Estados totalitários da Europa ocidentai corno Estados de (não) Direito ........ 128
1 .1. O Estado fascista italiano ........................................................................ . 129
1.1.1. O «Estado ético» .......................................................................... .. 140
1.2. O Estado nacional-socialista ..................................................................... 145
71@12.
!
V
A revolução anti-capitalista na Europa oriental e o Estado de Direito .............
2.1. O «Estado de legalidade socialista» ..........................................................
160
170
,1 lv
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'ê_'-;J r r;;-J '.d/
CAPITULO VI
-
O Estado de Direito Perante as Novas Exigências de Socialidade
e Democracia no Século XX - O Es tado Social e Democn,tico de Direito
-------~------------- - ---~-
Aos meus Pais
PREFÁCIO À REEDIÇÃO
Setembro de 2006
ABREVIATURAS DAS REVISTAS
MAIS FREQUENTEMENTE CITADAS
r
1. 20 Contributo para uma Teoria do Estudo de Direito
2
Nesta perspectiva o Estado de Direito eleva-se à categoria de ideal cujo desapueci-
mento só se consuma com a sua realização definitiva e acabada; assim; como diz Lr.GAZ \'
LACAMORA («EI Estado de Derecho en la Acwalidad». in Re1·ista General de Legis/aciâ11 y
Jurisprudencia, t. 163. 1933, p. 789), «o valor do Estado de Direito é o da sua trag.:dia:
suprimir-se a si mesmo. Aí reside a sua grandeza e a sua miséria».
1
Cfr.. JoRGG MIRAND,,, A Consriwiçiio de 1976. Lisboa, 1978. pág. 477 e seg. e
Co111rib1110 para 11ma Teoria t!a /11cr111stir11cio11alidatle. Lisboa, 1968. págs. 93 e segs ..
' Cfr.. Diário da Assembleia Co11stit11i11tc, n.º 28, págs. 719 e scgs. e ainda n.0 24,
p,íg. 603, n.• 29, págs.738 .: scgs., n.º 130, pág. 4358 e n.º 132. p,ígs. 44-t9 e segs.. No
plano doutrinal cfr. JoRGE MIR,\NDA, np. cit., págs. -477 e segs.; J. GOMES CANOTILHO, Direito
Co11stit11cional, Coimbra, 1983. págs. 268 e scgs.; MARCELO REOELO DE SOUSA, Direito
Co11Stiwcio11al, 1, Braga, 1979. págs. 303 e segs.; A. RoDRJGUES QuEIRó, Liçlies de Direito
llltrodução 21
Administrativo, Coimbra, 1976, págs. 299 e segs.; HEINRICH E. HbRSTER, «O imposto com-
plementar e o Estado de Direito». in Revista de Direito e Economia, 1977, n.0 1, págs. 39 e
segs.. 58 e seg,. e 116 e segs..
s Cfr., JoRoc; MIRANDA, op. cit., págs. 499 e scgs.; GoMes CANOTILHO, 01>. cit .. p:ígs.
287 e scgs.; M. Rr:nr:1.0 OE Sous,,, op. cit., pág. 307; GOMES CANOTIUIO e V1T1\L MOREIRA,
ConsTi111içüo da República Portuguesa Anotada, 1.0 Vai.. Coimbra, 1984, págs. 73 e segs.;
CASTANllf.lRA NEVES, O /nstitlllo dos «assemos» e a fimçiio jurídica dos Supremos Tribu-
nais, Coimbra, 1983, págs. 472 e 483 e segs..
Cfr.. ainda. para o deha1e na rcvisiio constitucional, Diário da Assembleia da ReJJIÍ·
biia,. n.º 129. de 29-7-82, págs. 5451 e segs. e li." Série, 3.0 Supl. ao n.º 108 de 8-10-81,
págs. 3332 (36) e segs.; 3.º Supl. ao n.º 106 de 16-6-82, págs. 1998 (66) e segs. e (77) e
segs.; 2.º Supl. ao n.º 136 de 3-8-82, págs. 2438 ( 18) e scgs..
22 Co111ri/J1110 para uma Teoria do Eswdo de Direito
7 G1ov ANN1 SARTORI, <<Nota sul rapporto ira S1a1o di dirillo e Stalo di giustizia», i11
RIFD, 1964, pág. 310.
8 LEGAZ y LACAMORA. «EI Estado de Derccho», i11 BFDC, 1951 . pág. 81.
Y HANS KELSEN, Teoria General dei Eswdo, 1rad., Barcelona, 1934, passim e, especial-
1;
24 Contributo para uma Teoria do Eswdo de Direito
l;
Estado, como, entre nós, CASTANHEIRA NEVES, que, desde logo, consi-
jl
derava corno requisito indispensável a subordinação do Estado «à
condição suprema de não preterir e de não deixar de visar, como seu fim
essencial, a realização da justiça na vida real da sua comunidade» 11 •
No mesmo plano, enquanto FoRSTHOFF, «contra todas as tentativas
para lhe atribuir (ao Estado de Direito) conteúdos sociais, éticos ou
outros conteúdos materiais», defende, numa perspectiva de conser-
vação social, «que o Estado de Direito deve ser entendido em sentido
formal , ou seja, partindo de determinados elementos estruturais de
organização constitucional [... ] que no seu complexo constituem o
Estado de Direito>> 12, já, entre nós, GoMES CANOTILHO se opõe a este
entendimento de Estado de Direito «como conjunto de artifícios técnico-
-jurídicos», antes lhe associando intimamente os princípios da demo-
cracia e da socialidade numa perspectiva que permita ao conceito de
Estado de Direito assumir «um ideário progressista» 13 , no que nos
parece convergir JORGE MIRANDA quando considera o Estado de Direito
como síntese, modelo ou ideia em que se traduzem urna organização
constitucional orientada para a garantia e promoção dos direitos fun-
damentais e um princípio democrático dinamicamente harmonizado
com a livre formação da vontade popular e a possibilidade de previ-
sibilidade do futuro e segurança individuais 14•
E, mesmo quando há coincidência no elencar dos elementos do
Estado de Direito, a tónica é diversamente colocada nesta ou naquela
das suas vertentes. Assim, enquanto BuROEAU 15 salienta como aspecto
11
CASTANHEIRA NEVF.5. Quesuio dt! Focro. Quesrão de Direito, Coimbra. 1967, pág. 539.
2
' ERNST FoRSTHOl'F. Sraro di diriuo i11 rrm1sfomwzjo11e, trad., l\-1ilano, 1973, pág. 6;
cfr.• entre nós, a posição algo semelhante de ANTÓNIO Jost BRANO,\Q (Sobre o co11ceir11 de
1 Constiruiç<io Políricu, Lisboa. 1944, págs. 59 e 61 ), para quem o Estado de Direito era tão
16 GiusEPrlNO Tn EvEs, «Considcrnioni sullo Stato di diriuo», i11 S111di i11 011ore di
Emilio Crosa, li, Mil ano, 1960, pág. 1599.
26 Co11tributo para uma Teoria do Estado de Direito
17
RENATO TREVES, «Sta!o di Diritto e Stati Totalitari», in S111di i11 ,more di G. M. de
Fra11cesco, II, pág. 58.
Introdução 27
-
-
CAPÍTULO II
As Origens do Estado de Direito
l. Os discutíveis antecedentes
de Direito seria assim, não algo que irrompe no século XIX, mas
antes o resultado de uma evolução milenar2'.
26 As leis, 714-a e 7 J 5-d; cfr., por todos, A. BECCARt, «Lo Stato legale platonico», i11
RIFD, 1933. págs. 349 e segs..
27 Cfr.. O instituro dos "assentos»... , cit., págs. 493 e scgs ..
2M Cfr., neste sentido. ALPRED YERPROSS, Grundziige der a11tike11 Rec/1ts 1111d
Staatsphilosop/Jie, Wien. 1946, segundo uma recensão feita por CAllRAL Dll MoNCADA,
«Platão e o Estado de Direito», in Eswdos Filo.wifico.r e Históricos, 11. Coimbra, 1959, pág.
381 e seg.. Contraditando vivamente a teoria de YERDROSS, ver CAnR,\L oE MONCAo,,, ihid.,
pág. 384 e segs. e, no mesmo sentido, G 10Ro10 or:L V 1:cc1110, Liç,ies de Filosofia do Direito,
trad., Coimbra, 1979, pág. 496 e seg., Au1or que integra a doutrina platónica dos fins do
Estado na linha de pensamento que, a1ribuindo fins omnicomprcensívcis e ilimitados ao
Estado, desaguaria modernamente no Estado de Polícia e, logo. cm contraposição frontal ao
pensamento de Estado de Direito.
29 Cfr., Teoria General dei Estado, trad., Buenos Aires, 1973, pág. 464; no mesmo
sentido, REINHOLD ZIPPELIUS (Teoria Geral do Estado, trad., Lisboa. 1984, pág. 154) VI! no
Estado de Direito «a versão moderna da ideia platónica de supremacia do direito,,.
l
1 32 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
j
Com um fundamento diferente - agora em função da distribuição
l racional e, Jogo, eficazmente controlada do poder político - também
LoEWENsn,1N salienta a «profunda aversão dos gregos em relação a
todo o tipo de poder concentrado e arbitrário, e a sua devoção quase
fanática pelos princípios do Estado de direito de uma ordem
( e11110111ia) regulada democrática e constitucionalmente, assim como
pela igualdade e a justiça igualit{tria (isonomia)» 3º.
Porém, se quisermos fazer uma aproximação global do problema,
não poderemos limitar-nos à consideração parcelar de alguns aspectos
- no caso, o império da lei ou a estruturação racional do poder
político - que, pelo menos na nossa per~pectiva, não são elementos
por si só decisivos na caracterização de um Estado como Estado de
Direito; haveria que, recorrendo à noção preliminar que propusemos,
deslocar o problema para a sua sede determinante, isto é, para a
relação Estado-indivíduo, na medida em que ela afecte ou condi-
cione a questão dos direitos fundamentais.
Teríamos, em primeiro lugar, que considerar a forma particular
como os gregos concebiam a democracia e que CoNSTANT recolheu na
célebre disti nção entre liberdade dos antigos e liberdade dos moder-
nos, segundo a qual «entre os antigos, o indivíduo, soberano quase
habitualmente nos assuntos públicos, é escravo em todas as suas
relações privadas}>, nada sendo «concedido à independência indivi-
dual, nem no que respeita às opiniões, nem à indústria, nem, sobre-
tudo, no que respeita à religiâ0>> 31 •
3" Teoria de la Co11stit11ció11, trad., Barcelona, 1979, pág. 155 e segs.. LoEwENSTEJN
ilustra a afirmação com as técnicas de 1~1cionalização e limitação do poder utilizadas nas
Cidades-Estado gregas: a distribuição das diferentes funções estaduais por vários titulares,
órgãos e magistrados; a nomeação por sorteio dos titulares dos cargos; o curto período de
duração e a rotatividade nos cargos; a proibição de reeleição; as figuras da proscrição e
desterro dirigidas contra o cvcn1ual aparecimento de demagogos que colocassem em perigo
a eslrutura democrática do Estado.
Em sen1ido convergente, GOMES CANOr11.110, (Direito Co11.wit11cio11a/, pág. 271) consi-
dera também que «a conjugação das ideias de dike (processo), tllemis (direito)-e ,wmos (lei)
apontava já para a limitação racional dos poderes do Estado» e que «a defesa de uma
co11sti111içtio mista trazia implícita, desde a antiguidade, a necessidade de um poder mode-
rado, contraposto à 1irania scm limites».
Jo BENJAMIN CoNSTANT, «De la libcrté dcs ancicns comparée à celle des modemes>>, i11
Co11rs de Politique Co11stit111io11el/e, Paris, 2.ª ed., 1872, volume IV, pág. 242 e seg..
As Origens do Estado de Direito 33
l l Note-se que. com estes juízos, não tratamos de <~ulgar» arbitrariamente a civiliza-
ção antiga através dos óculos do homem modemo (cfr. neste sentido as prudentes reservas
de UMBERTO CERRONI, «Introdução» ao Pensamemo Polírico, trad .. Lisboa. 1974). mas tão
só de procurar localizar. com vista a uma interpretação adequada, a origem histórica das
notas que reputamos essenciais a um conceito de Estado de Direito actual e operativo. Por
outrO lado. a natureza e vastidão do tema não pe1mitem a desejável atenção aos cambiantes e
diferença de atitudes localizáveis no Mundo Amigo (cfr., neste sentido. JELUNEK, op. âr.,
págs. 219 e segs., incluindo as importantes advertências sobre a necessidade de distinguir o
Estado romano do Estado helénico, de consillcrar as diversas fases de evolução deste e de
não tomar os textos dos lilósofos como fotogralia lia realidalle; convergcntemente. cfr.
GOMES CANOTLLHO, Direiro Co11sri111cio11a/, pág. 423).
'" Cfr.. EHRHARDT SoARFS, lmeresse Ptíblico. legalidade e Mériro, Coimbra, 1955,
pág. 48 e seg ..
37
Com base nesta estrutura escalonada de posições jurídicas pô<lc HER~tANN HEI.LER
(Teoria do Esrado, trad .. S. Paulo, 1968. pág. 231) falar. relativamente à Idade Média, de
uma «espécie de divisão de poderes» traduzida «na partilha de poderes jurídicos subjccti-
vos, como jura q1111esira, entre os diversos depositários do Direito».
3
' Go.,1Es CANOTILHO, Direito Co11srir11cio11al, pág. 271.
3• Seria não só a opinião de BLUNTSCHU (cfr. supra. nota 6), mas também de M,,x
WEBER, para quem aquele «cosmos ou, segundo os casos, caos de privilégios e obrigações
subjcctivas» constituiria um «Esrado de Direira fundado não cm ordenamentos jurídicos
1 1
objecrivos, mas sim em direitos subjectivos» (Eco110111ia y Sociedad, trad., México, 1944.
vol. IV, págs. 223 e 239).
As Origens do Estado de Direito 35
•b Cfr., BERll!AND DE Jouvrnc,L, «La idca dei Derecho Natural», i11 Crítica dei
Derecho Nmural, Lrad., Madrid, 1966. pág. 211.
47
É corrente a distinção, no Estado absoluto, entre uma primeira fase na qual o
Estado é considerado um bem patrimonial do Príncipe e uma segunda fase - com apogeu no
século XVIII - , designada como «de polícia», na qual o Príncipe se assume plenamente na
tarefa de prover a felicidade e o bem dos súbditos e cm que o anterior fundamento divino do
poder é substituído por um fundamento racional (cfr. EHRHARDT SOARES, /111eresse P1íb/ico....
r cit., págs. 49 e scgs. e JoRG!l MIRANDA, Manual de Direito Co11sri111cio11a/, t. 1, Coimbra,
1985, pág. 75 e scgs.}.
"São elucidativas, neste sem ido. as palavras que, segundo BERTHÉLEMY ( «Prefácio» a
Vroit Ad111i11ism11(f Alle111a11d <lc Orro MAYER, Paris. 1903, t. J, pág. Víll}. um cortesão
dirigia a Luis XIV: «Todos os vossos súbditos vos devem a sua pessoa. os seus bens, o
seu sangue. sem terem o direito a pretender n:1da. Sacrificando-vos tudo o que têm, eles
cumprem o seu <lever e nada vos dão pois tudo é vosso».
•• Cfr.. Jr:11N-P1E1mn H ENRY, «Ver.; la lin de l'Étal de Droit?>>, ;,1 RDP. 1977, n.º 6,
pág. 1208; L. CORTINAS PELÁEZ, «Estado Dcmocmtico y Administración Prestacional», i11
RAP, n.º 67, p,íg. 98 e seg..
As Origens do Estado ,le Direito 37
indivíduo, eram os direitos individuais fundados num título especial produzido por determi-
nado facto jurídico (convenção, prescrição, concessão imperial) e, como tal, protegidos
pelos tribunais; nessa medida eram considerados como limites aos direitos de superioridade
territorial do Príncipe (/a11desherrlid1e Hoheitsrechte).
Porém, a título excepcional, quando estava em causa o interesse público, a mison
d'État, reconhecia-se ao Príncipe a possibilidade de ultrapassar as barreirns constituídas
pelos jura quaesita, fazendo apelo a um direito supremo, a uma pre1TOgativa especial - o jus
emi11e11S (cfr., Orro M AYER, Droit Administratif Alh'lllwul, 1. 1, págs. 32 e segs).
SJ ÜTTO MAYER, op. cit., pág. 44.
38 Co111ribwo para uma Teoria do Estado de Direito
57
«Corno não há nada a fazer contra o próprio Estado e corno o fisco nada mais pode
fazer além de pagar, toda a garamia da liberdade civil no regime de polícia se resume nestas
palavras: <<submete-te e apresenta a conta»» (OTTo MAYER, op. cit., pág. 61, nota 22).
5~ Para Orro MA YER, «a responsabilidade perante Deus e a sua própria consciência,
por um lado. e a consideração prudente do que é útil e realizável, por outro, é tudo o que o
Príncipe resp~ita; talvez a força do costume também desempenhe um papel importante, ainda
que não se goste de o confessar. O direito não conta para nada» (op. cit., pág. 44).
~• Cfr. GARRI.DO FALLA, Tratado de Den:cho Ad111i11istrativo, Madrid, 1958, vol. I,
págs. 62 e segs. e, entre nós, A. MARQUES GUEDES, O Processo Burocrático, Lisboa, 1969,
pág. 11 e seg. e E. VAZ DE OuvEJRA, O Processo Admi11is1rativo Gracioso. Lisboa, 1962,
pág. 188.
oo GEoRc;r~~ Bu1mEAu, «L'institutionnalisation ...», cit., pág. 37; sobre este tipo de
limitações cfr., GA1uuoo FALI.A, op. cit., págs. 48 e scgs.; cfr., igualmente, R. Z1rPEL1US, op.
cit., pág. 138 e, entre nós, em sentido análogo, pois «nenhum fütado existe à margem do
Direito», JoRGE MIRANDA, Ma1111al de Direito Co11sti111cio11al, t. I. pág. 75 e seg..
• :_4~º----~C~o~11t'..'..r~ib~ut~o'..lp:'.!:a'..'.:ra~111:,::11~a..!T..:::.eo::.,:r~ia~do::....::E::.:st:.=a.::.do:.....:.:.de.;__D_ir_e_ilo_ _ _ _ __
61 Cfr., E1lR.HARIYf SOARES, Direito Ptíblico e Sociedade Térnica, Coimbra, 1969, pág. 164.
62 Jbid., pág. 47 e segs..
6J Cfr., GJANfRANCO POGGI, A, evoluç<io do Estado Moderno. trad., Rio de Janeiro,
1981, págs. 89 e segs.; este autor, seguindo JO~GEN HABERMAS,_ S~ruk11_mvaru!el der
Ôffentlichkeit, distingue a burguesia como classe (ac11v1dadc emprcsanal msenda no Jogo do
mercado) da burguesia como ptíb/ico (ou melhor, variedade de públicos, como identidade
social distinta resultante das actividades literárias, ru1fsticas, intelectuais da «burguesia
esclarecida» da época e de alguns elementos da nobreza e baixo clero).
-
42 Co111ributo para uma Teoria do Estado de Direito
~ EflRHARDT SOARES, Direi10 f'_úblico... , cil., pág. 164; sobre a comum fundamenta~·ào
filosóhca JUSnaturahsta para a tentauva de cons1ruir uma teoria racional do Estado, cfr.. por
todos. N. B~n~ro («IJ mod~llo giusnaturalistico». i11 Società e Stmo llella filosofia poli rico
''.1odenw, ~'.lao, 1979, max'.me ~ágs. 101 e segs.), que salienta, todavia, as diferentes moda-
lidades P?hllcas de concreuzaçao do modelo, inspiradas grosso modo em HOBBES (governo
monárquico), Esr1~oz...: E RoussEAU (governo democrático) ou LocKE E KANT (govemo
representauvo constuuc1onal).
65
Cfr., F. LUCAS PJRES, O problema da Co,wit11içüo, Coimbra, 1970, pág. 42 e seg..
As Origens do Estado de Direito 43
"" Foi ALllllECHT quem pela primeira vez (numa recensão a um livro de
MAURllNUREC"lll'R [)Ublica<la cm 1837) delineou esta teoria, a qual encontraria posteriores e
decisivos <lcscnvolvimentos cm GmwERe Jr:u.1NEK.
Gi:nnrn, que inicialmente rejeitara a teoria proposta por At.nRECtrr, considera, em 1865
(Grwubigc cines Systcm des deutsche11 Staatsn:chts), que a concepção do Estado como
pessoa jurídica é o ponto central e o pressuposto de qualquer constrnção do direito público.
T:imhém JEtUNEK (cfr., Sistema dei Dirilli..., cit., maxime págs. 31 e segs.) assentará
nesta teoria a sua construção da natureza do Estado; para ele, a noção de Estado como
pcssoajurí<lica. titular e sujeito do poder público concebido como um direito subjectivo - a
Harschq/i - , <<apresentava-se com clareza científica no preciso momento em que se reco-
nhece no Estado uma vontade unitária, distinta da <los indivíduos que o constiluem» (op.
cit., p:lg. 36). Entre n6s, Roc11A SARAIVA (Co11stmç1io Jurídica do Estado, Coimbra, 1912,
li. págs. 9 e scgs. e «As doutrinas políticas germfinica e latina e a teoria da personalidade
jurídica do Estado», in RFDL. 1917, vol. li, n."' 3 e 4, págs. 283 e segs.) assume a defesa
dcst,1 teoria, cuja origem hist6rica - sobretudo no domínio <la submissão do Estado ao
Direito no plano das relações internacion,1is - localiza em GR0T1us, PUFFENOORF, HonnES,
ROUSSEAU e, mesmo, BoDIN.
Para ROCHA SARAIV,1, longe <le constituir uma cobertura <las tendências autoritárias
que envolveram o desenvolvimento da teoria na Alemanha (cfr. «As doutrinas germânica e
latina ...», cit., págs. 284 e seg.), ela constitui um pressuposto da submissão do Estado ao
Direito; «considerar o Estado como uma pessoa jurídica é afirmar que ele s.e encontra
submetido ao direito. Dizí:-lo soberano apenas significa que ele não está sujeito a nenhuma
colectividade superior e de modo nenhum que se lhe não imponha o direito objectivo» (op.
cit., pág. 299 e seg.).
Assim, a teoria da personalidade jurídica <lo Estado (e, consequentemente, a conside-
ração do «direito de soberania» como direito fundamental da pessoa juódica Estado) é a
teoria que melhor satisfaz a necessidade de uma construção jurídica do Estado; «graças a
ela, as questões políticas e administrativas adquiriram uma forma jurídica. Para conjurar o
arbítrio, para submeter ao direito o poder público, nenhum meio mais eficaz, mais directo e
seguro do que considerar o Estado como pessoa jurídica» (Construção Jurídica do Estado,
II, pág. 25).
Sobre a teoria da personalidade jurídica do Estado, para além de ROCHA SARAIVA
- que em Construção..., cit., pág. 16 e segs., inclui uma síntese crítica das posições de
opositores corno Orro MAYER, BERTHÉLEMY, HAURtOU ou DuCUIT -, cfr.• ainda entre nós,
JORGE MIRANDA, Manual de Direi/O Co11sti111cio11al, t. Ili, Coimbra. 1983, págs. 31 e segs.
- com indicações bibliogr:lficas sobre a controvérsia na doutrina portuguesa - . bem como,
entre muitos, FRANCO PIERANDREI, Dirilli S11hhiettil'i.... cit., pág. 43 e seg., GARRIDO FALLA,
Tratado de Derecho Ad111i11istrativo, vol. 1, págs. 287 e segs. e, numa perspectiva critica,
LEON Ducutr, Traité de Droit Crmstit11tio1111e/, l. 1, págs. 9 e segs. ou «La doctrine
allemande de l'auto-limitation <le l'État», i11 RDP, 1919, págs. 162 e segs.
''
'/ -
44 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
66> E. FoRSTifOFF, El Eswdo de la Sociedad !11d11stria/, trad., Madrid, 1975, pág. 13.
67
Fónnula americana correspondente à proclamação constitucional francesa «il n'y a
point en Francc d'autorité supérieurc à cellc de la loi».
68
Como diz M1RKINE·GU1:TZÉV1TC11 (embora noutro contexto histórico, o que se suce-
de à 1.• Guerra Mundial), princípio do Estado de Direito ou racionalização do poder é uma e
a mesma coisa; o «Estado de Direito é não somente uma a111ropocracia. mas também, em
igual ou maior grau, uma raciocracia» (Les nouvelles re11da11ces d11 Droit Co11stit11tio1111el,
Paris, 1931, pág. 46).
As Origens do Estado de Direito 45
m ERNST FoRSJltOfF, Traité de Droit Admi11istf'(ltijAllema,uf. trad., Bruxclles, 1969, pág. 81.
'º Cfr., FELICE BATIAGLIA, «Ancora sullo Stato tli Diritto», i11 RIFD, 1948, pág. 169 e
scg. ou GoMES CANOT1u10, Direito Co11sti111cio11a/, pág. 273: «mais do que um conceito
jurídico, o Estado de Direito cr:i um conceito político e, além disso, um conceito de luta
política (polirischcs Kamplbcgrifl)».
rr
f 46 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
l
'~
Neste sentido, não poderá ser pacífica a frequente pretensão em
~ considerar o Estado de Direito como fórmula e ideia especificamente
l1 alemãs. Se autores germânicos como Lorenz voN STEIN ou, mais recen-
il
[ temente, BôCKENFÕRDE e STERN defendem essa posição71 , já Orro
! MAYER a contradiz frontalmente, antes localizando os principais
1
contibutos para o desenvolvimento do conceito no processo francês
il
' e nas suas vicissitudes72 •
Se bem que reconhecendo a contribuição decisiva da publicís-
tica alemã, não nos parece que se possa, de facto, considerar o
Estado de Direito como uma «ideia alemã» ou mesmo como tendo
«um certo sentido especificamente alemão» 73 . Desde logo porque
- como procuraremos salientar - não nos parece que haja uma concep-
ção alemã do «Rechtsstaat», mas antes várias e por vezes contraditó-
rias propostas feitas por Autores alemães; como veremos, são bem
distantes - apesar da proximidade de tempo e lugar - as teorias do
«Rechtsstaat» de um MoHL, um STAHL ou um STEIN. Além de que, e
sobretudo, encontramos os mesmos traços essenciais que se desta-
cam na doutrina do «Rechtsstaat» originário - a racionalização do
Estado com vista à protecção dos direitos e realização do indivíduo -
nas ideias que, sob fórmulas diferentes, se generalizam na Europa e
América do século XIX.
Com efeito, exprimindo o mesmo projecto de fundo, encontramos
expressões como o Estado constitucional na França e nos Estados
Unidos, a rufe of law britânica, o representative government anglo-
71
Cfr., STl:lN, Die Venva/11111gsrech1. Stuttgart, 1869 (referenciado por GNfüST, li>
Stc110 secando il Diri110, trad., Torino, 1891, pág. 1145, nota); BôCKl:NFÕRDE, «Entstchung
und Wandel des Rechtsstaatbegriffs>,, i11 Stam. Gesellschaft, Freiheit - Studien zur
Staatstheorie um/ zum Ve,fassu11gsrech1, Frankfurt am Main 1976; STERN, Das Staatsrecht
der Bundesrepuhlik Deutscl1/a11d, 1977 (referenciados por LUCAS VERDú, «Estado de
Derecho y Justicia Constitucional», i11 REP, n.º 33, 1983, pág. 9).
72
«Nada mais errado que as tentaLivas feita~ para reivindicar como uma particularidade
alemã a ideia de Rec/11.waar, do Estado sob o regime do direito. Em todos os seus elemen-
tos essenciais essa ideia é comum a nós e a todas as nações irmãs que passaram pelos
mesmos desenvolvimentos sucessivos, sobretudo a nação francesa, à qual, apesar de tudo. o
destino nos ligou pela comunidade de espírito» (Ono MAYER, Le Droit Admi11istratif
Allemand, 1. pág. 81 ).
73
HENRJCH E. HORSTER, «O imposto... », cit., págs. 56 e seg.; segundo este autor
sobressairiam nesta ideia especificamente alemli do Estado de Direito «os componentes não
políticos, individualistas e alheios ao Estado, ou seja, as garantia~ de liberdade e pmpried<Uii• ....
As Origens do Estado de Direito 47
"Como exemplo desta utilização, mas sem perda de inteligibilidade, cfr. os textos da
Comissão Internacional de Juristas, aplicando indiferentemente à mesma realidade fóm1ulas
como «rule of law», princípio da legalidade» ou «Estado de Direito»; assim, entre mui1os,
le príncipe de /a légulité da11s 1111s sucieté libre, Nouvelle Delhi, 1959.
n ADAM M uu.ER, Die Ele111e11te der S1aa1kww (1809), <! referido como o primeiro a
utilizar a expressão, ainda que num scntiuo muito vago, tendo-se seguido CARL Tu.
WEI..CKER, Die /etzte11 Griilule 111111 Recht. St1u1t 1111d Strafe (Giessen, 1813) e J. C. FRF.111ERR
voN ARETIN. Staatsrec/11 der K111wit11tio11el/,•11 Mo11arcl1ie, (i\llcnburg. 1824) - cfr., PADLO
LUCAS VERoú, «Estado de Derccho y Jus1icia Constitucional», pág. 10 e, ~obretudo, JoAQUIN
ABEI.LAN. «Liberalismo aleman dei siglo XIX: RonERT voN Mo11L», i11 REI', n.º 33, 1984,
págs. 123 e segs., que seguimos de perto cm wua esta parte ua cxposiç:10. SousA E 81U1 u,
«A lei penal na Constituição», in Estudos sobre a Co11stit11ição, 2.º vol., Li sboa, 1978, pág.
225. cita referências que localizam a primeir.i utilização em J. W. PLAaous ( 1789).
48 Co111rib1110 para uma Teoria do Estado de Direito
.
.
''..
..
•1
_J
As Origens do Estado de Direito 49
84 ROBERT VON MoHL, op. cit., (apud loAQUIN ABELLAN, op. cit., pág. 128). Portanto,
para MOHL, esta actividade de polícia não era contraditória com a concepção liberal do
carácter negativo da intervenção do Estado (cfr. infra IIl.1 .3.), na medida em que se subor-
dinava e dirigia exclusivamente ao objectivo de garantir a liberdade individual: «A liberdade
do cidadão é, para esta concepção de vida, o princípio mais elevado[ ...] daí que a função do
Estado deva ser de car:ícter meramente negativo e consistir unicamente na e~iminação dos
impedimentos que, por si só, a força do indivíduo seria incapaz de superar, [...) o Estado
tem apenas a tarefa de proteger e tomar possível a liberdade do cidadão» (voN MoHL, op.
cit., segundo FR,\NCO P1ERANDREJ, / Diritti Subbiettivi Pubblici. pág. 36).
No mesmo sentido, para DE SANCT1s (toe. cit., pág. 35), em VON MOHL, Estatlo tle
Direito e o antigo Estado de bem-eswr não eram consequentemente considerados em ter-
mos de exclusão/oposição, antes se distinguindo porque o Rechtsstaat encontrava a sua
razão úllima na su1isfação dos fins de vida do indivíduo, mais que no hipotético e abstracto
bem-estar da totalidade do povo. Defendendo est:1 intt:rprctação da obra de voN MoHL e
rejei tando «a falsa oposição entre Pofb,istaat e Rechrsstaat, cfr., ainda, LÉON CoRTINAZ
PD.ÁEZ, ,,Estado Dcmocratico y Adminislracion Prcstacional», cit., pág. 89 e seg..
s.s Cfr.. HERMANNH EU .ER, Recht.waat oder Diktatur?, Tübingen, 1930, pág. 8 e seg..
116
O próprio FoR~111orr, expoente doutrinátio destas tentati vas, não dei xará de corro-
borar que «os mais significativos teóricos do Estado do meio do século passado, como voN
--
As Origens do Estado de Direito 51
MOliL, STEIN e GNEIST [... ] não viram contradição alguma em aprovar a intervenção colabo-
radora do Estado nos processos sociais sem renunciar à separação Estado-sociedade» (E/
Estado de la Sociedad /11d11strial, trad., Madrid, 1975, p:íg. 30).
s7 Cfr., salientando estas tlifcrcnças, ÔRLANDO (Primo Trartato Completo di Diritto
Amministrativo Italiano, Milano, 1897, págs. 34 e segs.), que, considerando as garantias
político-constitucionais «insuficúcntcs para satisfazer os desiderato do Estado jurídico»,
destaca como méri to científico da teoria do «Rechtsstaat» a resolução do problema das
garantias individuais «exclusivamente no campo do direito» (op. cit., pág. 37).
38 Sobre a relação entre «Declarações de Direitos» e Constituição cfr., entre nós,
MARCELO REBELO OE SOUSA, Direito Co11stitttcio11al, págs. 156 e scg:s..
L
52 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
posterior divini::.açtio elas fo rmas que caracterizaria a evolução do «Rechtsstaat»: <<O que
preserva do arbitrário é a observância das fonnas. As fo,mas são as divindades tutelares das
associações humanas: [...] é só às fonnas que o oprimido pode recorrer» (Príncipes de
Politiq11e, pág. 292).
92 Assim distinguia Orro M AYER (Droit Administratif Al/ema11d, 1, págs. 73 e segs.)
os dois conceitos, na medida em que o «Rcchtsstaat» seria «algo mais que um Estado
constitucional»; não se resumindo ao simples estabelecimento de uma Constituição, o
«Rechtsstaat» exigiria toda uma submissão da actividadc da Administração ao direito; ele
seria. quando muito. um «État consti tutionnel achevé» (op. cit., pág. 76).
Entre nós, enquanto JoRGE MIRANDA identifica no essencial as duas expressões (cfr.
Ma1111al de Direi/o Co11s1i111cio11al, t. r. pág. 76 e seg.), também MARCCLO REBELO DE SouSA
parece atribuir à expressão Estado de Direito um âmbito mais vasto, pois, além de recolher
as notas que individualizam o Es111do constit11cional, imcgrnria outras características, como
sejam, a naturc7.a jurídica praticamente exclusiva das funções do Estado. o império da lei, a
tutela da legalidade por pane de tribunais independentes e o princípio da legalidade da
Administrnção (cfr., Os Pa11ido.1· Políticos 110 Direito Co11stit11cio11a/ Por111g11ês, Braga,
1983, págs. 19 e segs.).
Seria igualmente com base nestns diferenças. e particularmente perante as resistências
em consagrar o controlo jurisdicional da Administração. que ÜNEIST, mais radicalmente,
caracterizaria o Estado francês como «negação do Rcchtsstaat» (cfr., Lo Stato ..., cit. , págs.
1230 e segs. ).
As Origens do Estado de Direito 53
93
Cfr., CARL ScHMITf, Teoria ... , cit., pág. 67 e scg..
94
GOMES CANOTJLHO, Direito Co11stit11cio11al, pág. 424 e seg..
9s Cfr., R. ZrPPELIUS, Teoria ..., cit., págs. 162 e segs..
54 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
-
-
As Origens do Estado de Direito 55
mos a edição francesa, Paris, 1902), D 1cEY propõe-se expôr sistematizadamente a sua
As Origens do Estado de Direito 55
1 •
gadas ao executivo no quadro global do reforço da intervenção da
Administração e da Planificação, exigindo inevitavelmente uma
reavaliação do princípio 1º2•
Em todo o caso, o desajustamento da visão tradicional da «rule
of law» perante as real idades criadas com a nova intervenção do
Estado britânico no pós-guerra não nos parece assinalar algo de signi-
ficativamente distinto da reavaliação que o século XX provocou na
concepção liberal do Estado de Direito. Pelo contrário, os problemas
gerais , que afectam o desenvolvimento da «rule of law» e do «Estado
de Direito» são essencialmente idênticos, na exacta medida em que
ao aparecimento dos dois conceitos presidiu uma intenção inicial
comum: a ideia de limitru· juridicamente o Estado com vista à protecção
dos direitos individuais.
Assim, e independentemente da originalidade ou natureza especí-
fica das técnicas colocadas ao serviço deste objectivo - naturalmente
condicionadas e influenciadas por diferentes contextos histórico-cul-
turais -, é aquela identidade que nos parece o mais importante dado a
reter na análise comparativa dos dois conceitos.
Já se procurou ver na «rule of law» unicamente a componente
ou concepção administrativista do Estado de Direito, o que significa
identificá-la tão só com o princípio da legalidade 1º3; inversamente se
tem caracterizado a «rule of law» britânica como o «verdadeiro»
Estado de Direito, pois só aí - e na medida em que o Estado era
limitado por um direito não-estadual, o common law - o Estado
encontraria no Direito um limite de que não dispunha1(}1.
101
Cfr., MARCELLO CAETANO, Manual de Direito Administrativo, t. 1, pág. 22 e seg.;
de resto, o próprio D1cEYreconhecia este desfasamento quando, na reedição da sua obra em
1915, escrevia: «a antiga veneração pela ru/e of /aw na Inglatem1 sofreu nos últimos trinta
anos um marcado declínio>, (apud Roscrn; PouNo, «The Rufe of Law» in Encyclopaedia of
the Social Sciences, London, 1934, XIII, pág. 465).
101
Cfr.• PASSERJN o'ENTREVES, «Lcgalità e Legitimità» in St11di i 11 onore di Emilio
Crosa, H, Milano, 1960, pág. 1309 e seg..
r<J.1 Cfr., GusTAV RADBRuc11, w Spirito dei Diritto Inglese, trad., Milano, 1962, pág. 24:
«A Inglaterra é, de forma particular e exemplar, um Estado de Direito. Aí se realizou. mais
que em qualquer outro país, a autonomia do direito à margem e acima do Estado, a subordi·
nação ao direito mesmo do poder estadual, a «rufe of law»»; RADBRUC!l salienta, depois,
As Origens do Estado de Direito 57
1os Neste sentido, também GIOVANNI SARTORI («Nota sul rappono ... », cit., págs.310 e
segs.), que fundado na característica da não estadualidade do direito britânico começara por
salientar unia irredutível diferença entre «rulc of Jaw» e stato di diritto» - quando este é
entendido segundo a teoria redutora da autolimitação -. acaba por concluir pela estreita
ligação entre os dois conceitos com base na identidade dos objectivos que visam.
--
CAPÍTULO III
A «Adjectivação» Liberal do Estado de Direito
1. Os pressupostos teóricos
109 Cfr., PJETRO BARCELLONA, «La imagen dei jurista, de la doctrina y de los magistra-
dos», in P. BARCELLONA y G. CoTURRI, El Estado y /os Juristas, trad., Barcelona. 1976,
págs. 77 e segs..
-
60 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
°Cfr., VrrAL MOREIRA, A ordem jurídica do capitalismo, Coimbra, 1976, págs. 77 e segs..
11
111
«Cada indivíduo esforça-se conlinuamente por encontrar o emprego mais vanta-
joso para todo o capital de que dispõe. Na verdade, aquilo que tem em vista é o seu próprio
benefício e não o da sociedade; mas, os cuidados que toma com vista à sua própria vanta-
gem levam-no, naluràlmenle, ou melhor, necessariamente, a preferir o emprego mais vanta-
joso para a sociedade [... ). Na realidade, ele não pretende, normalmente, servir o bem
público, nem sabe até que ponto está a ser útil à sociedade [...]. Só está a pensar no seu
próprio ganho; neste, como em muitos outros casos, está a ser conduzido por uma mão
invisível a atingir um fim que de nenhum modo faz parte das suas intenções. Ao ten~ar
satisfazer apenas o seu interesse pessoal, ele promove, frequentemente, o interesse da socie-
dade, com mais eficácia do que se realmente o pretendesse fazeo> (ADAM SMITH, The Wealtli
of Nations, trad., Paris, 1822, III, págs. 54 e 59).
.
~l
,·
A «Adjectivação» Liberal do Estado de Direito 61
112 ADAM SMITH, op. cit., Livro IV, cap. IX, pág. 557.
11 3
ADAM SMITH, ibid., pág. 556.
114 HAROLD LASKI, o liberalismo europeu, trad., S. Paulo, 1973, pág. 130.
62 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
r
115
Cfr., ERNEST MANOEL, Le troisieme âgc du capitalisme, trad., Pmis, 1976, t. III,
págs. J79 e segs..
116
Embora, em rigor, se pudesse dizer que estas actividades não constituíam interven-
ções na economia, pois «abstinham-se de modificar a ordem social introduzindo alterações na
repartição dos bens» (E. FoRSTJIOFF, Traité de Droit Administrar/( Allemtmd, pág. 120) ou
não se traduziam em <<directa repercussão jurídica na esfera do domínio da vontade privada»
(ANA PRATA, A tutela consti111cional da a11to110111iu privada, Coimbra, 1982, pág. 40).
117
Cfr., P1ERRe R osANVALLON, La crise de l'État-Provide11ce, Paris, 1981, pág. 68:
«Mesmo entendida como simples acção de «restauração» dos mecanismos do mercado, a
intervenção do Estado pode não encontrar limites claramente deli níveis. É impossível distin-
guir entre as acções de co1Tccção (que podem pressupor indefinições ou vícios intrínsecos
ao princípio do mercado) e as acções de restauração (que partem do princípio de. que se
trata de restabelecer os mecanismos do mercado artificialmente perturbados)».
A «Adjectivação» Liberal do Estado de Direito 63
--
A «Adjectivação» Liberal do Estado de Direito 65
126
KANT, respcclivamcntc. F111u/a111e11fllçiio tia Metafísica dos Cos111111es, trad ..
Coimbra. 1960, pág. 56 e Metaphysique tles Moeurs, I, Introdução, § C, pág. 105.
121 O Direito é «o conjunto das condições segundo as quais o arbítrio de cada um
pode coexistir com o arbítrio dos restantes, de harmonia com uma lei universal de liberda-
de» (KANT, Mé1aphysique des Moeurs, 1, Introdução, § B, pág. 104).
12
~ No que respeita aos interesses individuais no domínio da actividade económica,
cultural, moral, pode o Estado estabelecer limites dirigidos à regulamentação dos efeitos
externos daquelas actividades, mas nunca, sob pena de se tornar um Estado opressor.
substituir-se aos próprios indivíduos (cfr., G10ELE SOLAR!, op. cit., pág. 232 e segs.).
-
A «Adjectivação» liberal do Estado de Direito 67
19
: KANT. Métaphysique t!es 1\,foeurs, 1. § 45, pág. 195.
10
~ lbid., § 46, pág. 196.
'" Cfr., KANT, Fundamemação da Mewfísica dos Cosfllmes, págs. 74 e segs.; «Só o
homem considerado como pessoa. isto é, como sujeito de uma razão prática, está acima de
qualquer preço; [...) como tal deve considerar-se não como simples instrumento de outros
indivíduos humanos [...] mas sim como fim cm si mesmo: quer dizer, ele possui uma
dignidade (um valor interno absoluto)» (Métaphysique des Moeurs, li, pág. 62).
m Alétaphysique des Moeurs, l, § 9, pág. 188.
rn «[... ) a sua forma é a de um Estado em geral, ou seja, de um Estado segundo a
ideia (in der Idee) tal como se concebe que ele deve ser, segundo os puros princípios do
direi to» (Métaphysique des Moeurs, § 45, pág. 195).
Assim, se no contrato social de Roussú, u uma renúncia à liberdade natural tem como
contrapanida a criação de uma nova ordem social, no contrato originário de KANT visa-se
unicamente a consolidação e realização mais perfeita e racional da ordem jurídica («não se
pode dizer que o homem no Estado sacrificou a uma ce11a linnlidade uma parte da sua
liberdade exterior inata, mas sim que ele abandonou completamente a liberdade selvagem e
sem lei para reencontrar a sua liberdade numa dependência legal, quer dizer. num Estado
jurídico, logo de uma forma total, porque esta dependência procede da sun própria vontade
legisladora» - Méraphysique t!cs Moeurs, I; § 47, pág. 198). O contrato originário (acto
através do qual os homens saem do eswtlo de natureza - estado cm que apesar de haver
direitos não havia um poder coercivo destinado a gar:1111i-los - para o estado civil) constitui,
então. :i :iccitação de uma exigêncin ,~1cional de limitação dos arbítrios mediante a construção
de um Estado jurídico; surge, portanto, como exigência racional implícita na ideia de Direito
- «coexistência dos arbítrios» -, como «uma pura id<'ia da Rauio» (cfr., CASTANHEIRA
NEVES, O instituto dos «assentos» ..., cit., pág. 554; G10ELI, Sm.ARI, op. cit., pág. 315).
•J.< «[ ... ] do ponto de vista racional [... ) o homem é constrangido a ser, se não
moralmente bom, pelo menos bom cidadão. O problema da constituição de um Estado pode
-
68 Co11tributo para uma Teoria do Estado de Direito
ser resolvido até para um povo de demónios por estranho que isso pareça (desde que eles
sejam dotados de inteligência)» (KANT, Vers la Paix Pe,petuel/e, trad., Paris, 1958, 11
secção, 1.0 supl., pág. 123).
rn Cfr., G101oLE SoLAR1, (op. cit., pág. 3 15), para quem esta justificação do Estado
em função do direi to foi a grande conquista de KANT que forneceu assim ao liberalismo
político a sua sistematização racional. Neste sentido se pode dizer, com CASTANHEIRA
NEVES ( O instituto dos «assentos» ..., cit., pág. 554). que LOCK!l e RouSSllAUsão verda-
deiramente superados cm KANT, só neste se consumando a superação do natural pelo
racional; do jusnaturalismo tradicional por um puro jusracionalismo. Cfr.• igualmente.
G1UL1ANO MARINI, «Lo Stato di Diriuo Kantiano e la critica di Hegel», i11 RIFD, 1964.
(-II, págs. 227 e segs..
J KANT, Mé1aphysiq11e des Moeurs, r. § 46, pág. 196.
16
7
Jl Cfr., R. WmrnõLTER, Le Formule Magiche dei/a Scienza Giuridica, trad .• Roma,
1975, págs. 75 e segs. e GALVANO DELLA VoLPll, Rousseau e Marx, trad., Lisboa. 1982,
págs. 62 e segs..
133
Cfr., KANT, Métaphysique des Moeurs, 1, § 46, pág. 196 e segs..
A «Adjectivação» Liberal do Estado de Direito 69
139
ÜALVANO DELLA VOLPE, op. cit., pág. 65; como diz SOLAR( (op. cit., pág. 235), o
Estado jurídico de KANT realizava nesta redução um dos postulados do liberalismo: a assoc ia-
ção, num vínculo indissolúvel, de liberdade e propriedade. A propriedade assume, de facto,
o papel de princípio supremo no sistema de KANT, sendo inclusivamente a necessidade de a
garantir, de fazer cessar o seu cstatulo provisório, que exige a passagem do estado de
natureza ao estado de naturew d11i/ (cfr., KANT, Métaphysiq11e des Moe11rs, l, §§ 8 e 9, págs.
130 e scgs.).
1•0 Dizia B ENJAMIN CoNSTANT, Co11rs de Politique Co11stit11tio1111el/e, t. I, pág. 44: «O
que é o interesse geral se não a transacção dos interesses particulares(...]? O interesse geral
é disti nto, sem dúvida, dos interesses particulares. mas não lhe é de todo contrário [...]. O
interesse público não é mais que os interesses individuais colocados reciprocamente em
condições de não se prejudicarem».
,,
144
homens» • Perante estas duas possibilidades, que a análise revelará
dicotómicas - em termos de alternativa procurar o bem-estar positivo
ou garantir a segurança -. HUMBOLDT rejeita globalmente a actividade
positiva do Estado.
De facto, na medida em que essa actividade gera a uniformidade
de condições, opõe-se ao livre desenvolvimento da individualidade e
personalidade humanas' 45 , cujos pressupostos são, pelo contrário, «a
liberdade de acção e a diversidade de condições». Por outro lado,
H uMBOLDT procura demonstrar que, independentemente das intenções
dos seus autores, a intervenção positiva gera uma dinâmica incontro-
lável que afasta sucessivamente as novas medidas dos objectivos
iniciais e que produz inevitavelmente os malefícios típicos do Estado
de polícia.
Quanto mais o Estado procura responder às insuficiências da
sociedade civil, mais essas insuficiências se multiplicam e novos
males se revelam: «[ ... ] a expectativa da ajuda do Estado, o esmoreci-
mento da iniciativa pessoal, a presunção falsa, a preguiça, a incapaci-
dade! O vício de onde nascem estes males é, depois, por eles engen-
drado»; o corpo de funcionários cresce. a burocracia aumenta e o
formalismo que envolve necessariamente os problemas que se pro-
curavam resolver gerará, por si só, novos e avolumados. problemas 146•
144
HUMDOLDT, op. cit., págs. 644 e seg. e 649 e seg..
1
•s «O homem desenvolve-se tanto mais quanto actua por si próprio» (op. cit., pág.
666): «sempre que o Estado assume uma atitude positiva, quer relativamente aos bens exter-
nos e materiais quer aos que respeitam intimamente ao ser interno, só a pode realizar transfor-
mando-se num obstáculo ao desenvolvimento da personalidade» (op. cil., pág. 659); «nestas
condições, por mais benéfico e sensato que seja o espírito governativo, impõe-se sempre a
unifonnida,le à nação, ou seja, uma fonna de agir que lhe é estranha. Os homens obtêm enfüo
os bens com prejuízo das suas faculdades[ ... ]. Na diversidade que surge da reunião de muitos
indivíduos reside o maior bem que a sociedade pode oferecer e essa diversidade aumenta
justamente à medida que se reduz a ingerência do Estado» (op. cil., pág. 651 ).
l,I(, HuMOOLDT, op. cit., pág. 661.
«Os que tratam dos assuntos do Estado tendem cada vez mais a negligenciar a
essência das coisas para só considerar a sua forma, na qual introduzem, realmente,
melhorias reais; mas, na medi.da em que não prestam atenção suficiente à questão principal,
as próprias melhorias se revelam prejudiciais. Daí, novas fonnas, novas complicações,
frequentemente novas prescrições restritivas que, naturalmente, provocam novo aumento de
funcionários. Daí que, cm cada dez anos, na maior parte dos Estados, se verifique aumento
do número de pessoas empregadas, extensão da burocracia, restrições à liberdade dos
súbditos» (ibid).
72 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
147
HuMBOLnT, op. cir.. pág. 664. Na verdade, para HuMoOLDT, «a conservação da
segurança, quer contra os inimigos externos quer contra as perturbações internas. é o fim
que se <leve propor o Estado», já que sem segurnnça - «o único bem que o homem isolado e
abandonado às próprias forças não pode alcançar por si só» - «o homem não pode desen-
volver as suas faculdades nem gozar os rcsullados destas, pois sem segurança não há
liberdade» (op. cit., pág. 668).
l'K Cfr., P1ERRtl ROSANVALLON, la crise de /'Érat-Providence, pág. 76 e GEOROES
J
A «Adjectivação» Liberal do Estado de Direito 73
º Cfr.,
15 PIERRE ROSANVALLON, op. cit., pág. 77 e HILLERS Oll LuQUE, «El Estado de
Derecho como gara.ntia de las libertadcs publicas», i11 Revista de la Facultad de Dereclw de
la Universidad Complutense, Madrid, 1982, n.º 65, pág. 33.
74 Co 11 1rib1110 para uma Teoria do Estado de Direito
" ' Cfr., sobre a mciomllidade económica do capitalismo. VITAL MOREIRA, A Ordem
Jurídica do Capitalismo, págs. 98 e segs..
m Cfr., Sllf)ra, nota 66.
A «Adjectivação» Liberal do Estado de Direito 75
•~J CARL SrnMm (Teoria de la Co11sriruciô11, págs. 138 e segs.), reconduzindo estes
elementos el\clusi vamente ao «Estado burguês <le· Direito, sintetizava a essência deste nos
seguintes princípios dirigidos à protecção da lihcr<la<lc burguesa:
- um princípio de di.1·rribuiçtio («Verteilungsprinzip» - princípio de repartiç,io na
terminologia de Rui MAClfüTE i11 Co11te11cioso Ac/111i11istrativo, Coimbra, 1973, pág. 14),
segundo o qual a liberdade <lo indivíduo é considerada como um dado anterior ao Estado e,
como tal, é em princípio i/imiwda («prinzipiell unbegrenzt»). enquanto a faculdade de o
Estado a invadir é em princí[liO limirada ( «prinzipicll begrenzt»);
- um princípio de orga11izaçüo («organisat·ionsprinzip»), instrumental relativamente
ao princípio de distribuição e que se traduz na dou1rina <la divisão de poderes.
. .1
r·
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í'
76 Co111rib11to para uma Teoria do Estado de Direito
1
.\• 2.1. Os Direitos Fundamentais
•'
i1
1
Enquanto «princípio básico de distribuição em que se apoia o
Estado de Direito liberal-burguês» (no sentido de SCHMITT), os direitos
fundamentais não devem, em rigor, ser considerados como um entre
vários dos seus elementos, mas como verdadeiro fim da limitação
jurídica do Estado. Face aos direitos fundamen tais, os restantes ele-
mentos do Estado de Direito liberal manifestam um carácter marca-
damente instrumental, não obstante não devam ser reduzidos a meras
técnicas, já que, e na medida em que surgem como os meios idóneos
para garantir a realização dos direitos individuais, aqueles outros
elementos - divisão de poderes, primado da lei, princípio da legali-
dade - se afirmam como verdadeiros e autonomizáveis valores,
potenciando, como veremos, a sua identificação com o próprio con-
ceito de Estado de Direito.
Porém, e em nosso entender, o conteúdo essencial do Estado de
Direito não reside nestes elementos - reconduzíveis ao objectivo de
submeter a Administração à Lei -, mas antes deve ser localizado nos
fins últimos visados por esta submissão, ou seja, o reconhecimento
de uma esfera de autonomia onde os indivíduos são titulares de
direitos subjectivos, oponíveis a terceiros e ao Estado, a esfera dos
direitos fundamentais.
Na base do relevo que os direitos fundamentais assumem na
concepção liberal do Estado de Direito está a ideia da sua natureza
pré e supra-estadual, cuja teorização global remonta a LocKE e à sua
teoria do contrato sociail 54•
15
'Vivendo inicialmente num esrado de natureza, num contexto de liberdade e igual-
dade plenas, os homens seriam titulares de direi tos inatos e inalienáveis para cuja garantia
A «Adjectivação» liberal do Estado de Direito 77
constituíam o Estado, mas de que não podiam eles próprios dispor e, logo, não podiam ceder ao
novo soberano; no comraro social de Lcx:KE, quando constituem o Estado civil, os indivíduos
não renunciam aos seus direitos naturais para conservarem alguns deles (como na construção de
HOBIJl3S ou ESPINOZA), mas renunciam apenas ao direito de fazer justiça por si próprios para mais
bem garantirem e conservarem todos os outros, mom1ente o direito de propriedade (cfr., o
segundo dos Two Treatises of Cove111111e111, maxime, caps. II, V, VII, VDI e IX). Para uma
visão global compar:uiva das diferentes te-0rias do contratualismo jus naturalista, cfr., por todos,
N ORllERrn B0no1o, «li modcllo giusnaturalistico», cit., 111ari111e, págs. 59 e segs. e 73 e segs.;
espccificadamcnte sobre UX:KE. cfr., por todos, C. B. MACPHERSON, La Teoria Política dei
Individua/ismo PosC'sivo, tmd., Barcelona, 1979, págs. 169 e segs..
iss Cfr., CAJU. S CIIMllT, Teoria de la Constituciâ11, p:íg. 169 e seg ..
•~ Cfr.. quanto ao carác1er meta-estadual dos direitos reconhecidos pelas Declara-
ções, CARL SCJJMJTr, ibit!.; LEON Duc;urr, Traité... , cit., Ili, págs. 554 e segs.; Z1PPELJUS, op.
cit., pág., 169 e seg.; GEORGLlS BuROEAU, O Lihemlismo, págs. 32 e segs. _e V rE!RA DE
ANDRADE, Os Direitos Fundamemnis na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983,
págs. 14 e segs..
157 Cfr., DuGUJT, op. cit., pág. 558.
78 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
iis <<Qualquer sociedade cm que não esteja assegurada a garantia dos direitos. nem
estabelecida a separação dos poderes não tem Constituição» - art. 16.º da Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Em sentido contrário, e defendendo a natureu
insuperável da antinomia direitos naturais-soberania, efr., J. M. PÉRITCM, «La notion de
Rechtstaat et le principe de légalité», in BFDC, 1949, vol. XXV, pág. 325 e seg..
P~ra este ~ut?r, qualquer limitação jurídica do Estado redundaria na supressão da
soberama e do propno Estado, pelo que a teoria do «Rechtsstaat» conjugada com os efeitos
«nocivos e perigosos» do d~r~ilo de resistência redundaria na caminhada progressiva para
«o desaparecimento da espec1e humana e a sua substituição por uma nova espécie, a do
U11terme11sch (sub-homem), e da Humanidade por uma U111ermemchtum (sub-humani-
dade)» (ibid., pág. 324).
A «Adjectivação» Liberal do Estado de Direito 79
1s9 Cfr., KARL MARX, La question juive, trad., Paris, 1971 , págs. 103 e segs.; GOMES
CANOTILHO, Direito Co11stitucio11al, pág. 428.
160 Ou seja, e segundo K. MARX (ibid.), «nenhum dos direitos ditos do homem
ultrapassa o homem egoís1a, o homem tal como é enquanto membro da sociedade burguesa,
isco é, um indivíduo virndo sobre si próprio, sobre o seu interesse e prazer privados e
separado da comunidade»; sobre o sentido da critica marxista dos «direitos do homem» cfr.,
F. GENTILE, «I diritti dell'uomo nella critica marxiana dell'emancipazione política», i11 RIFD,
1981, n.0 4, págs. 571 e scgs..
161 Cfr., CARi. SCHMITT Teoria .. ., cit., pág. 170 e seg.; VIEIRA DE ANDRADE, Os
161
Cfr., a demonstração cm C. 13. MACPHERSON, La Teoria Politica ... , cit., págs. 169
e segs..
3
'" CARL ScHMm·, «Introdução» a Legalidad y Legitimidad, cit., pág. XIX.
164
LocK~. no segundo dos Two Treatises of Govemmem, § 123.
16
s Os Direitos Fundamemais... , cit., pág. 44.
A «Adjectivação» liberal do Estado de Direito 81
feito por essa via irregular, em vez da via natural, a do trabalho; para
eles será uma fonte de corrupção, para o Estado uma fonte de desor-
dens» 166 •
166
BENJAMIN CoNSTANT, Principes de Po/irique, cit., págs. 106 e 108 = a Cours de
Politique Constitutio11nel/e, cit., t. I, pág. 252 e seg.. ·
167
Porém, o facto de a teoria dos direitos subjectivos públicos, sob esta designação,
ter encontrado os desenvolvimentos decisivos na Alemanha, não faz dela um exclusivo da
doutrina germânica, desde logo porque, na sua origem. ela é indissociável do movimento
liberal no seu conjunto e, particularmente, da Revolução Francesa. Cfr., neste sentido, V. E.
ORLANDO, «Prefácio» a JELLINEK, Sistema dei Diritti Pubblici S11bbietrivi, cit., pág. VI e seg.;
FRANCO PtERANDREJ, / Diritti Pubblici Subbiettivi..., cit., pág. 69 e seg.; Euo CASETTA, «Diritti
Pubblici Subbiettivi», in Encic/opedia dei Diritto, XII, 1964, pág. 792 e PAUL DuEZ,
«Esquisse d'une définition réaliste des droils publics individueis» in Mélanges R. Carré de
Ma/berg, Paris, 1933, págs. 116 e segs..
Entre nós, ROCHA SARAIVA (Construçiio Jurídica do Estado, II, págs. 75 e segs.) faz
assentar a origem germânica desta teoria na sua ínlima ligação à teoria - também com
origem na Alemanha - da personalidade jurídica do Estado, já que, «provindo os direitos
públicos subjectivos das relações entre o Estado e as várias pessoas que no seio do Estado
vivem, é óbvio que uma teoria verdadeiramente científica sobre tais direitos só podia aparecer
depois de claramente afirmada a personalidade jurídica do Estado» (op. cit., pág. 75); porém,
o próprio ROCHA SARAIVA, se bem que criticando a «falta de precisão e rigor jurídico» da
doutrina individualista francesa dos di reitos nawrais, não deixa de sustentar, contra a teoria
de matriz germânica da au10Iimitação do Estado, a «submissão do Estado a uma regra
anterior e superior de direito» (op. cit., pág. 85).
168
Os dois conceitos - direitos fundamentais e direitos subjectivos públicos - não
são, no entanto, coincidentes. Cfr., neste sentido, JoRGE MIRANDA (Aditamemos de Direito
Constitucional, Lisboa, 1982, págs. 144 e segs.), que opera a distinção baseando-se, sobre-
tudo, no facto de os direitos subjectivos públicos abrangerem, para além dos direitos funda-
mentais, «direitos que relevam do Direito administrativo, do Direito fiscal ou do Direito
processual» e incluirem «tanto direitos dos particulares como direitos de entidades públicas».
-
82 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
169
Contestando frontalmente a qualificação como direitos das posições do Estado,
bem como o seu pressuposto - a consideração do Estado como pessoa jurídica - , cfr., H.
BERTHÉLEMY, no seu Prefácio ao Droit Ad111i11istrat(f Al/ema11d, cit., de Orro MAYER, págs.
VIII e segs ..
Também Orro MAYER (ibid., pág. 140 e seg.) considera que só impropriamente se
pode falar em «direitos do Estado», pois «esses pretensos direitos [...] são apenas manifes-
tações do seu poder pré-existente[... ]. O que existe aí é algo de diferente de um verdadeiro
direito. L •Éwt n 'a pas de droits parce q11 'il a 111ie11x».
17
° Cfr., Euo CASEITA, op. cit.. pág. 792 e V. E. ORLANDO, op. cit., pág. VII e seg..
Este último Autor salienta a importância da obra de JELLINEK neste processo de
compatibilização, na medida em que representava o trait d'u11io11 entre as tendências políticas e
científicas latinas baseadas na «teoria da liberdade» e as germânicas (onde os interesses do
autoritarismo prnssiano conduziam frequentemente à negação ou subvalorização dos direi-
tos subjectivos públicos).
171
Cfr., SANTI ROMANO, «La Teoria dei Diritti Pubblici Subbiettivi», i11 ORLANDO,
Primo Trattato ... , cit., págs. 1 17 e segs. e FRANCO PIERANDREI, op. cit., pág. 72 e seg..
'
A «Adjectivação» Uberal do Estado de Direito 83
. .1
176
JELUNEK, Sistema .... cit., pág. 96.
Para a sua construção dos direitos subjcctivos públicos, JELL!NEK parte da concepção
de direito subjectivo como «poder de querer que o homem tem, reconhecido e protegido
pelo ordenamento jurídico, enquanto se refere a um bem ou a um interesse» (ibid., pág. 43),
constituindo o «poder de querer» e o «bem ou interesse», respectivamente, o elemento
formal e o elemento material do direito subjectivo.
Segundo JEL LINEK, a distinção entre o direito subjectivo público e o privado revela-se
especificamente em cada um daqueles dois planos - formal e material (ibid., págs. 46 e segs.
e 50 e segs.). Assim, no domínio do elemento formal. o direito subjectivo privado é
resultado do reconhecimento jurídico de faculdades e capacidades já existentes, física e
naturalmente, na esfer.i do indivíduo enquanto homem e refere-se a rdações entre sujeitos
colocados em posições jurídicas iguais; por sua vez, o direito subjeclivo público, consis-
tindo «exclusivamente na capacidade de pôr em movimento nom1as jurídicas no interesse
individual» (ibid., pág. 56), traduz-se num «posse» dirigido a obter um reconhecimento ou
uma protecção jurídica e funda-se exclusivamente, não em faculdades pré-existentes, mas
numa exclusiva concessão do ordenamento jurídico positivo. Nesta medida, o direito sub-
jectivo público refere-se às relações entre o Estado (entidade que criá o direito) e as entida-
des investidas de poder público e o indivíduo.
No domínio do elemento material, ainda que a distinção não se possa fazer tão
rigorosamente - pois todo o direito individual (público ou privado) «deve necessariamente
ter por conteúdo um interesse individual» -. considera JELUNEK que o interesse subjacente
ao direito subjectivo público é reconhecido pelo ordenamento jurídico essencialmente por
razões de interesse geral, reílectinclo o «indivíduo, não como personalidade isolada, mas
como membro da comunidade. Portanto, no que se refere ao elemento material, o direito
subjectivo público é o que pertence ao indivíduo em virtude da sua qualidade de membro do
Estado» (ibid., pág. 58).
Para uma critica destes critérios de distinção cfr., SANTI RoMANo, /oc. cit., págs. 1T/ e segs..
177 Cfr., J ELLINEK Sistema... , cit., págs. 96 e segs ..
A «Adjectivaçcio» liberal do Estado de Direito 85
' 111Jbid., respectivamente, págs. 213 e segs., 105 e segs., 127 e segs. e 151 segs..
179 Outras classificações dos di reitos subjectivos públicos foram, na altura, propostas
(cfr., a síntese de SANTI ROMANO, op. cit., págs. 133 e segs.). Assim, para LABAND haveria
direitos do Estado (à obediência e à fidelidade dos súbditos) e direitos dos cidadãos (a obter
a protecção interna, a protecção externa e a participação na vida constitucional do Estado);
HAUR1ou considerava três espécies de direitos: direitos políticos ou cívicos (através dos
quais o cidadão é admitido a participar na constituição e fundamento do Estado), direitos de
liberdade e direitos a serviços do Es1odo (o mais importante dos quais seiia o direito à
assistência pública); OITo MAYER que caracteri1.a o direito público individual (subjectivo)
como «um poder jurídico sobre o exercício do poder público» (op. ci1.. pág. 140?, con~es~a o
«status Jibertatis» de J ELLINEK enquanto esfera susccptívcl ele gerar verdacle1ros d1re1tos
subjcctivos, considerando apenas os direitos próptios dos su1111s pusitivu e aclivo; po_r sua
vez, SANTt ROMANO (op. cil., págs. 143 e segs., maxime, 209 e segs.) acrescenta à classifica-
ção de JELLtNEK os chamados direitos públicos patrimoniais, como o direito de expropriação
por utilidade pública ou os direitos sobre coisas do domínio público.
"'º JELLINEK, Sistema ..., cit., pág. 79.
.... ..-----· - ..
•
\
Tal conto referimos, o sentido da divisão de poderes enquanto
1• elemento do Estado de Direito liberal é inseparável do seu papel de
i, garantia dos direitos fundamentais do homem. Historicamente é possível
l
encontrar manifestações do princípio da divisão de poderes remon-
tando a ARISTÓTELES, PLATÃO, às magistraturas de Roma ou ao Estado
estamental 182; porém, só no processo de luta do constitucionalismo
liberal contra o Estado absoluto é que surge e triunfa a ideia da
divisão de poderes como especialização jurídico-funcional e, sobre-
tudo, ela se legitima em função da garantia da liberdade individual 183,
pelo que, como diz HELLER, constituiria uma radical incompreensão
do Estado de Direito constitucional considerar as duas instituições
- direitos fundamentais e divisão de poderes - à margem de uma
relação de fim-meio 18\
Esta incompreensão viria, contudo, a generalizar-se à medida
que ganhava foros de mito a teoria que, erroneamente atribuída a
MoNTESQU1EU 185 , concebia formalisticamente a divisão de poderes
como valor abstracto e ideal de organização do Estado e segundo a
qual deveria existir uma rigorosa separação entre três poderes, reco-
brindo cada um uma função própria: o executivo (rei e ministros), o
legislativo (parlamento) e o judicial (corpo de magistrados).
181
Sobre a distinção entre direitos subjectivos e interesses legítimos e a sua relevância
actual, sobretudo em Itália, onde os tribunais competentes para garantir uns e outros são
diferentes, cfr., Droao FR EITAS oo AMARAL, Direito Administrativo, Lisboa, l 983, Vol. II,
págs. 237 e segs..
un Cfr., REINHOLD Z1rrE1.11,1s, op. cit., págs. 146 e segs. e JORGE MIRANDA, Ciência
Política, Lisboa, 1983, págs. 115 e segs..
183
Cfr., KARL LoEWENSTI,IN, Teoria de la Constit11ci611, pág. 56 e JORGE MIRANDA, ibidem.
1
11-1 HERMANN HEU. ER, Teoria do Estado, pág. 321.
185
Cfr., CIIARL!lS E1SENMANN, «L'Ésprit des !ois et la séparation des pouvoirs». i11
Mé/anges R. Carré de Ma/berg, Paris, l 933, págs. 165 e segs.; Louis ALTHUSSER,
Montesquieu, a Política e a História, trad., 2.ª ed., Lisboa, 1977, págs. 127 e segs.; GARCIA
DE ENTERRIA, Revolución Francesa y Admi11istraci611 Comemporanea, Madrid, 1981.
maxime, págs. 33 e segs..
--
A «Adjectivação» liberal do Estado de Direito 87
186 «Chamo faculté de swwer o direito de ordenar por si mesmo ou de corrigir aquilo
que foi ordenado por outro. Chamofaculté d'empêcher o direito de tomar nula uma resolu-
ção tomada por qualquer outro» (MONTESQUIEU De L'Ésprit des fois, Livro XI. Cap. VI).
Com base nestas faculdades, não só o poder legislativo e executivo se encontravam
ligados numa comunicação permanente e numa inlluência recíproca, como eram mesmo
obrigados a actuar concertadamente: «o corpo legislativo será composto por duas partes (as
duas câmaras) imbricadas pela faculdade recíproca d'empêcher. Ambas estão ligadas ao
poder executivo, tal como este está vinculado ao legislativo. Estas três forças deveriam
constituir-se num repouso, numa inacção. Mas, como pelo necessário movimento das coisas
são constrangidas a agir, terão de o fazer concertadamente» (ibid.).
1117
lbid.
No entanto, 0 carácter nulo do poder judicial está longe de se traduzir em falta de
relevância deste poder no sistema de divisão de po<leres de MoNTESQUIEU. Como observa
GARCIA DE ENTERRIA (op. cit., págs. 35 e segs.), a independência do poder judicial (reflectida
nos poderes dos «Parlamentos» dominados pela aristocracia) era um momento essencial
numa divisão de poderes orientada para a conservação de uma ord~m _equilibrada, mode-
rada, onde os poderes intermediários - mormente a nobreza - conslltmam a chave regula-
dora de todo o sistema.
iss Cfr., por todos, C!iARl-ES ErsENMANN, op. cit., maxime págs.179 e 184 e seg..
189
Direito Público..., cit., pág. 147.
-
88 Contributo para 11ma Teoria do Estado de Direito
190
Assim correspondia MoNTESQUIIW às exigências de decomposição e análise própria.~
do racionalismo da sua época, ao mesmo tempo que reatava as tradições da ideia de equilí-
brio que dominava o pensamento europeu desde o século XVI. Cfr., JoRcE MIRANDA,
Ciência Política, pág. 127; R. ZIPPELIUS, op. cit., pág. 147; CARL SCHMilT, Teoria de la
Constituci611, pág. 187.
191
EHRARDT SOARES, Direito Público.... cit., pág. 149.
192
Cfr., ALTfiUSSER, op. cit.. págs.135 e segs.; N,cos PouLANJ'ZAS Poder Político ..., cit.,
II, págs. 146 e segs.; MICHEL M1A1t.LE, L'État dtt Droit, Grenoble, 1978, págs. 212 e segs..
Seguindo a demonstração de ALTIIUSSER. conclui este últi mo Autor: «Considerando
ponto por ponto os poderes reconhecidos à nobreza, apercebemo-nos que, seja pelafaculré
de sraruer seja pclafaculté d 'e111pêc/1er. a nobreza pode decidir ou, pelo contrário, bloquear
as decisões tomadas à sua margem. Intermediária entre o rei e o povo, serve de écra11 a cada
um deles: sob pretexto de defender o povo do rei rirano controla o poder real; relativamente
ao reJ, assegura-lhe que nada tem a recear do povo, nomeadamente através do direito de veJO
das propostas da Câmara baixa. Situada, pois, no ponto central das instituições, mas num
ponto central oculto pelo artifício da separação e do equilíbrio dos poderes, a nobreza
domina na realidade o sistema constitucional» (op. cit., pág. 219).
,.,' .
-
1 ·,
i( '
LU°: ~
A «Adjectivação» Liberal do Estado de Direito 89
ICJ6 Cfr., sobre o semido desta dupla manifestação do Direito, ORLANDO DE CARVALHO,
A teoria geral da relaçüo jurídica, Coimbra, 1981, págs. 17 e segs..
197
Nestas duas exigências distinguia CARL Sc11M1rr (cfr., Teoria de la Co11stit11ció11,
págs. 149 e segs.. 111,uime pág. 156), respectivamente, o sentido «democrático-político da
lei» e o sentido de «lei próprio do Estado de Direito».
198
Cfr., CASTANHEIRA NEVES, A Revoluçüo e o Direito, Lisboa, 1976, págs. 222 e segs..
199
Cfr., CASTANHEIRA NEVES, ibid., págs. 224 e segs. e O instituto dos «assentos» ....
cit., págs. 538 e segs., que seguimos de perto.
zoo «Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda a força comum
a pessoa e os bens de cada associado e em que cada um, ao unir-se a todos. só a si mesmo
obe~eça e continue t~o livre como antes. Tal é o problema fundamental que no C<>ntrat<>
Soc,al encontra soluçao» (RoussEAu, D11 Contrat Social, Livro J, Cap. VI).
!,
•,·,
,,·1
;.i
L
1
1
201 «Partindo desta ideia, imediatamente se vê que não é preciso perguntar a quem
compete a elaboração das leis, dado que são actos da vontade geral; nem se o príncipe est,1
acima das leis, visto que é membro do Estado; ou se a lei pode ser injusta, porque ninguém
é injusto para consigo mesmo; ou como se pode ser livre e estar submetido às leis, dado que
estas são expressões da nossa vontade» (Du Co11tra1 Social, Livro 11, Cap. VI).
202 CASTANHEIRA N 1:v Es, A Revolução e o Direito, pág. 224 e seg ..
205
lbid., pág. 563.
206
Cfr., JOSÉ CARLOS MOREIRA, «O princípio da legalidade na Administração». i11
BFDC, 1949, vol. XX.V, pág. 391.
'1il1 Cfr., JoRGE MIRANDA,Ciência Política, págs. 75 e segs..
:l.08 Cfr., GoMr.s CANOTILHO, Constituiçiio Dirigente e Vincu/aç<io do Legislador.
Coimbra, 1982, pág. 42.
A «Adjectivação» Liberal do Estado de Direito 93
209 «Por Estado legislativo entende-se aqui um determinado tipo de comunidade polí-
tica, cuja pcculariedade consiste em que vê a expressão suprema e decisiva da vontade
comum na proclamação de uma espécie qualificada de normas que pretendem ser Direito e
às quais, consequentemente, são reduzíveis todas as outras funções, competências e esferas
de actividade do domínio público[ ...]. Neste Estado imperam as leis e não os homens ou as
autoridades. Mais exactamentc: as leis não imperam, limitam-se a vigorar como normas. Já
não há poder soberano ou mero poder. Quem exerce um e outro actua na base de uma lei
ou em nome da lei. Limita-se a fazer valer na forma competente uma norma em vigoo>
(CARL SCHMIIT, legalidad y legitimidad, pág. 4 e seg.).
210 Direito Público ... , cit., pág. 57,
211 Da ideia de separação Estado/sociedade resulta que o legislador se limita a estabe-
m Cfr., CASTANHEIRA NEVES, O in.1·titt110 dos «assentos» ... , cit., págs. 103 e 580 e segs ..
Neste sentido, mais impo11an1e que a independência dos juízes era preservar o
legislativo das interferências do judicial, o que explica a relutância cm admitir a fiscalização
judicial da conslitucionalidade das leis (cfr., JORGE MIRANDA, Contributo para 11111a teoria
da inco11stit11cio11a/idade, pág. 79 e scg. e Manual de Direito Constilllciona/, t. II, 2.' ed.,
1983, pág. 318); e ao facto de nos Estados Unidos da América tal não se ter verificado não
será alheio - para além de circunstâncias particulares, como o federalismo - o consenso que.
mesmo no século XIX, ali se produzira cm torno da ideologia liberal (cfr., t,,tAURICE
DuvERGER, lnstit11tio11s Pnlitiques et Droit Co11s1it111io1111e/, Paris, 1980, págs. 351 e segs.),
pelo que o reconhecimento do poder de fiscalização da constitucionalidade das leis aos
tribunais não se traduzia em qualquer pa11ilha social do poder (como se comprovaria a
contrario, no século XX, com a reacção contra o ascenso do «governo dos juízes>>).
-
A «Adjectivaç(io» Liberal do Estado de Direito 95
-
96 Contribwo pnra 11m11 Teoria do Estado de Direito
1
IO..,l
A «Adjectivaç<io» Liberal do Estado de Direito 97
lei e o direito, a autoridade administrativa deve operar dentro do direito e da lei. Paro os
juízes, o direito e a lei constituem o princípio positivo, íntimo, exclusivo, da sua actividade.
Para as autoridades de governo. o direito e a lei constituem somente a barreira exterior de
uma actividatle, mais ou menos livre, cujo princípio positivo é o bem público, os interesses
que procura satisfazer» (op. cir.• pág. 322).
No quadro tia submissão tio Estado ao Direito, tal como a generalidade dos autores
alemães da época. IlA11R concebia a administração como actividade livre dentro dos limites
tia lei; assim, a AdministrJção encontr.1v:1-se face à norma na mesma situação em que se
encontrava o indivíduo («aposição da autoridade administrutiva face à lei e ao direito não é,
pois, verdadeiramente diversa tia do citlatlão. Todos nós nos movemos numa esfera relativa-
mente livre no interior tia qual, não o di reito, mas o nosso interesse, o nosso bem pessoal,
dá a razão positiva que determina os nossos actos» - O. 8/\ttR, ibid.,). Ou seja. como refere
At'10Ré G ONÇALVES PEREIRA, (Erro e ilegalidade no acto "d111i11is1ra1i1·0, Lisboa, 1962, pág.
20), «a administração teria a sua esfera própria de acção cm que, tal corno os prutieularcs,
estaria apenas limitada pelo dever jurídico de não infringir a lei».
L
98 Co11trilmto para uma Teoria do Estado de Direito
124 Cfr., FR,\NCO PIERANDREI, / Diritti SubbiettÍl'i Pubblici, págs. 72 e seg. e 137 e segs..
m Cfr., M,\RCEl.to CAET,\NO, Manual de Direi/o Administrativo. t. li. Coimbra,
1972. págs. 1177 e segs. e DIOGO FREITAS DO A~IARAL, Direito Ad111i11istratil'o, vol. Ili.
págs. 319 e segs ..
2:y, Nilo nos referimos aqui aos países que, como a Inglaterra (cfr.. supra, 11,3.3.).
desde mui10 cedo consagraram o chamado sistema de ~dministração judichíria. Para estes.
cfr.. D1oc.o FREITAS oo AMAR,,1., op. cit., págs. 396 e scgs. e a visão geral de GARRIDO F ALL\,
Tmwdo de Derecl/f/ t\d111i11i.1·tmtil·o, vol. ), págs. 80 e ~egs.; cfr., tamh.:m. V1N1C10 RIOEIRO,
O Estado de Dirâfll e o l'ri11d11io da Legalidade tia Atf111i11istraçiio, Coimhra, 1979, págs.
29 e segs..
m Cfr., MA1tc1:i.1,o CAETANO, /\'11111110/ t!e Dirl'ito Administrativo, t. II, págs. 1220 e
segs.; A. Qur;mó, O l'odcr Discricionririo 1/11 Ail111i11istraç110, Coimbra, 1944, págs. 153 e
scgs.; DIOGO FkEITAS oo AMARAL, Of'. cit., vol. 1, pág. 60; GARCIA DE ENTERRlA, op. cit.. págs.
34 e scgs..
J
l
Ll
'
:
A «Adjectivaçüo» Liberal do Estado de Direito 101
22
~ Cfr.• JOSÉ CARLOS MOREIRA, «O princípio da legalidade da Administração», pág.
396 e seg.; D1000 FREITAS DO AMARAL, op. cit.. vol. III. págs. 391 e segs.; YINICIO RIBEIRO,
op. cit., págs. 36 e scgs.; para o caso particular da Alemanha, cfr.. por todos, FRANCO
P1ERANDRf:I, / diritti .rnbblici suhbiettii:i, págs. 137 e segs..
w Cfr.. JosÉ CALOS MOREIRA, op. cit., págs. 399 e segs. e Dioc;o FREITAS oo AMARAL, op.
cit., págs. 237 e segs.; parJ a história da polémica acerca da distinção entre direito subjectil'O
ptíblico, imeressc e direito reflexo. cfr.. por todos, FRANCO P1ERANDRE1. / diritti subbiettfri
pubblici, págs. 113 e segs. De facto. numa primeim fa-;e do Estado liberal de Direito, a vertente
do princípio da legalidade dirigida às questões de competência dos órgãos administrativos e da
forma dos seus actos estava obscurecida pcrame o in1eresse primordial colocado na defesa dos
direitos individuais; então, «o recurso só teria lugar na hipótese de ler havido ofensa de direitos.
exigência justificada pelo próprio conceito de lei. Parn os homens da Revolução a lei é sempre
reconhecimento de direitos subjecúvos. De sorte que. entre estes dois momentos - violar uma lei
e ofender um direito - não há transição. O acto ilegal é simultaneamente violaçfio da lei e ofensa
de direitos» (JosÉ C,1n1.os MOREIRA, op. cit.. pág. 399 e scg.).
Daí a importância que teve a equiparação de i111eresses legítimos a direitos subjectivos
como fundamento de rccur.;o para a fiscalização judicial quer da regularidade fonnal dos
actos administrativos quer dos próprios regulamentos (até então insindicáveis, já que, como
disposições de carácter geral. não ofendiam dir.:itos).
É, portanto, perfeitamente deslocada a alusão de E. HüR~if:R, O imposto comp/ememar
e o Estado de Direito, pág.9:5 e seg., quando vê na fúnnula do a,1. 206.~ da C.R.P. - «im:umbe
aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos» - não um
aprofundamento do sentido do p1incfpio da legalidade tal como cm entendido na primeira fase
do Estado de Direito liberal, mas «mais uma» distorçiio marxisw do Estado de Direito.
102 Co11trib11to pClra uma Teoria do Estado de Direito
d
CAPÍTULO IV
Estado de Direito (Material ou Formal)
e Estado de Legalidade
231
Sous" r; BRITO. «A lei penal na Constituição» cit.. pág. 227. Este Autor distingue
Estado de Direito formal de Estado de Direito 11u11eria/ na medida cm que o primeiro seria
um «Estado limitado pelo direito que cria», enquanto no segundo o Estado estaria ainda
«essencialmente vinculado à ideia de direito ou, noutra fórmula, ao din:ito natural» (op. cit.,
págs. 222 e scgs.).
Como se concluirá da exposição, é diversa a tipologia que defendemos, fazendo
corresponder àqueles dois conceitos, respectivamente. as designações de Estado de le11ali-
dade e Estado de Direito liberal (material ou formal). Esta divergência radica. como se
procurará demonstrar desenvol vidameme no texto, nas desvantagens de cquivocidade,
11eutrali;:.açt10 e falta de operacionalidade do conceito a que a classificação de SousA E BRITO
- ba~tante generalizada na douuina - poderia conduzir, genericamente pelas seguintes razões:
r
f
',1'
1. Faz passar a fronteira de distinção entre Estado de Direito material e fonnal pelo
interior do mesmo tipo de Estado - o liberal -, erigindo exclusivmnente no domínio <la
ideologia uma contraposição fundamental, sem coffcspondência relativa na realidade histórica;
2. Permite a qualificação como Estados de Direito (formal) de Estados verdadeiramente
situados nos antípodas do ideal de limitação jurídica do Estado cm favor d:1 protccçào dos
direitos fundamentais; o Estado fascí~ta - co nsiderado na sua prctcnsn fase «legalista» - sc1ia
um Estado de Direito na medida em que respeitasse e se vinculasse à legalidade fascista:
3. Permite a quali(icação como Estados de Direito (material) de Estados que. na
realidade e na teoria, se demarcam substancialmente daquele ideal: o fatado soviético. na
medida em que se afirma como globalmente limitado e vinculado por uma tábua material de
valores que lhe é «anterior e superior» - não já o «direito natural», mas «a constru~·ão do
socialismo» - seria um Estado de Dirciw (como veremos. a especilicidade do sentido do
princípio da «legalidade socialista» seria incompreensível sem a referência permanente e
global a esta tábua material de valores).
2.12 EHRIIARDT SoARl3S, Direi/o P,íhlico ... , cit., pág. 227.
_J
r
liberdades exteriores, se alheia dos fins morais, do bem comum ou da felicidade dos súbdi-
tos (cfr., supra, JJl, 1.2), a ela se remete normalmente a origem douuinal da vertente «técni-
co-fonnalista» do Estado de Direito (cfr.• entre outros, FELICE BATTAOLIA, «Stato etico e
stato di diritto», in RIFD, 1937, Ili. p. 243 e scg.; FERDINANDO o' ANTONIO, «Su la locuzione
Stato di diritto», in RDDP, 1938, I, pág. 200; N1so ClusA, «li conceito di Stato di diritto nel
personalismo giuridico», i11 RIFD, 1960, 1-íl, pág. 368).
-
106 Co11tributo para uma Teoria do Estado de Direito
Porém, como diz BAnAGLIA (ibid.), «o filósofo não excluía, todavia, que uma exigên-
cia de justiça o pudesse impelir (ao Estado) e tomá-lo, no próprio âmbito do Direito,
instrumento do progresso (o Estado segundo a razcio transforma-se em critério de acção e
legitimidade face ao Estado de mero direito)»; em sentido convergente, cfr., EflRHARDT
SOARES, Lições de Direito Co11stitucio11al, Coimbra, 1971, pág. 32 e seg., para quem a
concepção de Estado de Direito de KANT é ainda «fortemente inclinada para uma concepção
material. enquanto vê no Estado a possibilidade duma auto-detem1inação do homem por
uma liberdade moral».
lló AHRENS coincide com STAHL na consideração do «Rechtsstaat» como Estado que
Ve,wa/1111,gsgerichre i11 Dett1schla11d, 1879, trad. italiana cit.) defende uma concepção análoga à
de BXHR; diferentes são, porém, as suas concepções no plano das garanti:t~ jurídicas dos parti-
culares. Assim, GNl!IST opõe-se abertamente à «Justizstaatlichkeit» (doutrina que defendia a
competência dos tribunais ordinários nas questões de direito administrativo), propondo a criação
de uma ju1isdição adrninistmtiva especializada (Venvalttt11gsgerichsbarkeil). Conuuriando a dou-
trina «civilista» de BJ\HR (para quem o Estado era em tudo semelhante a uma sociedade de direito
comum), GNEJST concebe o tlireito público como orden:1111ento objec1ivo tia actividad~ estadual,
pelo que o controlo da Administração pelos tribunais (administrativos) é essencialmente
objectivo e não tanto dirigido à protecção dos direitos subjcctivos (como era para B,\HR).
-
Estado de Direito (Material 011 Formal) e Estado de Legalidade 107
239
LABAND ou Orro M AYER240, nos países germânicos, e ÜRLAND0241 e
R ANELLETII 2~2, na It,álº1a.
1
pode exigir dos seus cidadãos um acto positivo ou negativo, impor-lhes ou proibir-lhes o
que quer que seja. a não ser em vinude de um princípio jurídico. Estas regras podem relevar
do Direito costumeiro, mas ordinariamente, no Estado moderno, são leis. Estas leis têm por
função restringir o poder do Estado: regulamentam juridicamente as invasões que o Estado
se pode permitir na pessoa e fortuna dos subordinados; por outro lado, lixam simultanea-
mente a esfera que está juridicamente ao abrigo dessas invasões» (LAnAND, op. cit., pág. 526).
i:r, Ono MAYER (Le Droit Admi11istra1if Alle111a11d, cit.), recusando a pretensa
especificidade alemã do conceito de Estado de Direito (cfr., supra, nota 72), assenta a sua
construção de Rechrsstaat na distinção entre acro ad111i11isrrativo e lei formal aprovada com
o concurso da representação nacional e a cuja soberania se deveriam submeter todas as
restantes actividadcs do Estado (cfr., op. cit., págs. 64 e scgs., 111tL\'ime 74 e scgs.). E, dado
que o ramo do poder executivo actuando como justiça (op. cir., p;íg. 71) estava já enquadra-
do pela soberania da lei, o ideal de Reclrrsswal traduz-se na exigência de que também a
actividade administrativa seja «tanto quanto possível dirigida por regras de direito» (op. cit.,
pág. 77); através da n<>va ideia de acto administrativo submetido à lei - contributo da
Revolução Francesa (op. cit., págs. 70 e segs.) - se «completa a grande ideia do
Reclrtsstaar. do Estado submetido ao regime de direito através da adaptação à administração
das formas da justiça» (op. cit., pág. 80).
E, ainda que seja possível à Administr:ição atingir este ideal de fonna absoluta (o
Reclrrsstaat «designa uma coisa que :iinda não existe ou, cm todo o caso, não está acabada,
que deve ser. O s~u significado varia singularmente pois cada um pretende inculcar-lhe o
seu ideal jurídico» - op. cit., pág. 75), Orro MA VER conclui:
108 Comributo para uma Teoria do Estado de Direito
--
Estado de Direito (Material ou Fomwl) e Estado de Legalidade 109
jurídica autónoma245 . 1
No fundo, como diz M ARCELO R EBELO DE SousA246, o que varia no
trânsi to do «Estado liberal de Direito» para o «Estado liberal de
legalidade» é o fu ndamento filosófico da limitação jurídica do poder
político, no sentido da passagem de uma heterolimitação para uma
-
1IO Contributo para uma Teoria do Estado de Direi/O
f h:r: de e_:"tgtr a obediência dos súbdilos e tem o poder jurídico de se alirrnar como c1ia1for do
d1rc1to, nao lhe é de alguma fo1ma lícito exercer a sua liberdade ou O seu poder arbitrariamente.
Estado de Direito (Material 011 Fonnal) e Estado de Legalidade 111
,1
nal contraposição entre Estado de Direito material e formal pressupu-
1
nha, como dissemos, uma comum referência das duas expressões aos
parâmetros da ideologia e da prática do liberalismo. A formalização
do Estado de Direito careceria, então, da relevância que habitualmente
lhe é atribu ída, na medida em que os mecanismos técnico-formais
não deixavam de actuar, no plano da realidade do Estado, os mesmos
valores e conteúdos políticos que davam sentido à caracterização ma-
terial do Estado de Direito.
Porém, quando novas necessidades de manutenção do domínio
pressionam a burguesia a abandonar o modelo liberal, é o próprio
conceito de Eslado de Direito que se encontra confrontado com o
problema da sua operacionalidade num tipo de Estado que, velada
ou expressamente, desvalorizava, descaracterizava ou até eliminava
o pólo que considerámos como cerne essencial do conceito - a garan-
tia dos direitos fundamentais.
A perspectivação formal do Estado de Direito seria então utiliza-
da para fornecer o âlibi jurídico ao autoritarismo. Nessa altura, quan-
do se quebram os vínculos entre lei e garantia da liberdade, a lei
positiva limita-se a constituir o «pressuposto técnico duma actividade
administrativa. A concepção do Estado de Direito abandona todos os
elementos materiais para se reduzir a um esquema formal. Já não
interessa indagar o que o Estado pode querer - basta verificar se quer
na via do direito» 249 •
«Casca vazia da legalidade» (SCHEUNER) ou «velho Estado de
polícia com gola de veludo» (GUMPL0w1cz) 2S0 são, então, designações
que se ajustam a um Estado de legalidade que perde progressiva-
mente todas as referências explícitas ou implícitas ao objectivo último
de garantia das Iiberdades e protecção dos direitos individuais.
No termo desta evolução, que transforma o Estado de Direito
num «positivo Estado de lei com as portas abertas para um Estado de
~I não-direito» 251 , e ncontraremos, finalmente, a ambígua convivência
!' •1
!A~ EHRHARDT SOARES,
250
Direito P1íblico...• cit., pág. 166.
Cfr., respectivamente, EHRHAl<DT SOAR ES, Direito Público.... cit., p:lg. 167 e
MEucc10 Ru1N1, «La Repubblica haliona come Stato di dirino», i11 RDDP, 19~8. pág.171.
•• 251 EHRIIARDT SOARES, ibid..
Estado de Direito (Material 011 Formal) e Estado de Legalidade 113
'1
·1
1
'
1
o Governo, pode julgar o emprego legítimo das próprias funções. não há necessidade que
isso seja feito através de decisões de tribunais em jeito de terceiro poder» - ibid., pág. 344.
A limitação jurídica do monarca residia, em última análise, na pré-fixação de um processo
·' de formação das leis e da sua execução regular, no juramento do rei em as cumprir, na
fiscalização e censura do Parlamento e, sobretudo, na força moral da opinião pública.
w, Orro Bi\llR, 11p. cit., pág. 340; no mesmo sentido, para G NEtST, ,,o que ST,\ltL
designa por Estado de Direito poderia ser tex tualmente aprovado por todos os seus adversá·
rios» (R. G NEIST, op. cir.. pág. 1161 ).
ui Sobre os diferentes tipos de positivismo e as relações cmrc positivismo filosófico
e positivismo jurídico cfr., entre muitos, FRANZ WIEACKER, História do Direito Primdo
Moderno, trad., Lisboa, 1980, págs. 492 e scgs.; MARCEL WAUNE, «Positi\'isme
phisolophique, juridiquc ct sociologiquc», in Mélwi,:es R. Carré ele Malberg. Paris. 1933.
págs. 519 e scgs.; PÉ~C'Z LuNO, J11sm1111mlis1110 y l'osirivis1110 Juríclico e11 la Ira/ia Matfmw,
Bolonha, 197 l, págs. 39 e scgs. e 50 e segs.; N. Bonmo, Gi11s11a111ralismo e Posilll'ISIIIO
Giuridico, Milão, 1972, 111axi111e págs. 103 e segs.; Gumo FAssô, Historia de Ia Fi/osofit1
dei Derecho, trad., Madrid, 1981, Jll, págs. 151 e segs..
d
Eswdo de Direito (1\1/aterial 011 Formal) e Estado de Legalidade 115
~• Cfr, por todos. C,s-r,,NHEIRA NEVES, Q11estcio de Facto, Questão de Direito. págs.
870 e scgs. e O instit1110 dos assentos» ... , cit., págs. 528 e scgs; KARL L\RENZ, Metodologia
da Ciência do Direito, trad .. Lisboa. 1978. págs. 12 e segs. e 178 e seg.; Gu100 FASSÕ,
Historia...• cit., III, págs. J54 e scgs..
259
O mesmo STAIII, rcjeitn o jusnaturalismo e os direitos naturais como a expressão
mais perigosa do racionalismo ocidental conducente a afastar o homem de Deus (cfr..
HERBERT MARCUSE, op. cit., págs. 324 e segs.; CARLO AMIRANTE, ,<Introdução» a ERNST 1.:
foRSTHOFF, Stato di Diritto... dr .. pág. XVII; LuCAS VERDú. /.a /ucha por e/ Estado de 1 '
Dereclw, Bolonha, 1975, p.íg. 21 e seg.).
iw KEL~EN introduz uma dislinção funclamcnlal en1rc Direito (constituído pelas nor-
1
mas jurídicas) e a Ciência do Direito (expressa nas proposições que descrevem as relações
constituídas entre os foc1os :urnvés das normas jurídicas). E. ial como as leis nmurnis das
ciências da natureza. também as proposições jurídicas são totalmente a lhcias aos valores
(Wer(/i-eie) constituídos nas normas jurídicas que descrevem. A Teoria Pum do Direito é
1•
totalmente alheia a qualquer referência ao justo ou ao que deve-ser: pergunta apenas pelo
que é, sendo plena111cn1c assumida por KEL~EN como uma teoria do positivismo jurídico.
Por sua vez, a questão da validade das normas descritas pela ciência do direito
I· 1
resolve-se de maneira exclusivamente formal através de uma articulação cm que cada uma 1 j.
colhe a sua validade da norma que lhe é imcdialamcnte superior. m111111 cscalonação por 1 1'
andares, numa pirâmide cujo cume é a Gnmdnorm.
!I•
1
;,
'
Porém. esta norma fundamental não faz parte <lo sistema positivo; ela é um pressu-
posto, uma hipótese científica, uma condição do conhecimento do direito. KELSEN situa-se.
assim, na linha da teoria kamiana do conhecimento segundo a qual todo o conhecimento
ciemífico tem um carácter constitutivo do seu objecto, na medida em que transforma o caos
das sensações num todo com sentido, num cosmos. Só através da Ciência do Direito o
conjunto das normas postas pelos órgãos jurídicos se transfonna num sistema unitário
isento de contradições. O sistema é, par;i KetsEN. um produto do conhecimento. a síntese
superior dos dados da experiência jurídica operada por um sujeito individual colocado numa
atitude pllra perante o objecto, ou seja, um sujeito trcmsccndenwl que, metodologicamente,
pôs entre parêntesis os valores. as ideologias, os elementos decisórios e axiológicos que
enfonnam a sua posiçào existencial (cír.. LouRtVAL V1L<\NOVA, As Esrruturas lógicas e o
Sistema do Direito Positii'o, S. Paulo. 1977, p,ígs. 120 e segs.).
O sistema jurídico é sempre um sistema lógico. urna unidade fom1al resultante do
mesmo fundamento de validade que cada proposição tem no conjunto. E porque se trata de
uma unidade formal possuindo a sua própria lógica. este sistema autocontrola-se, funciona
sozinho. não necessitando de quaisquer reíer.:ncias a valores. a ideologias ou ao próprio
homem.
1 1 Com KELSEN podia finalmente o pensamento ju1ídico constituir-se como verdadeira
1
1 ciência, pois, sendo o seu ohjecto as normas jurídicas e as suas conexões de validade
1
fom1al. opera com conceitos rigorosamente definidos segundo o modelo das ciências for-
mais hipotético-dedutivas. Nes1c sentido, a Teoria Pura do Direito pode ser encarada como a
1! fonna mais acabada e coerente de aplicação ao Direito do monismo gnoseológico positi,ista
1, para o qual a racionalidade é teorética e o teorético se realiza cm sistema.
Cfr., por lodos. HANS Ko..s1.,111, Teoria Pura do Direito, trad .. Coimbra. 1976. passim
e. especialmente, págs. !09 e segs. e 267 e scgs.: CAsTANnmRA N12vr;s, Quemio de Focw.
Questão de Direiw, págs. 619 e scgs. e A unidade do sistl'ma jurídico: 0 seu problema e o
seu sentido. Coimbra. 1979, passim e, especialmente. p:ígs. 10 e scgs.; BArTtSTAMACIL~DO.
«Nota Preambular» à edição po11uguesa Je KEL%N - A justiça e O Direito Natural. tr.1d.,
Coimbra, 1963, págs. VII e segs.; LouRIVAL Vn.ANOVA, As Estmturas l6gicas e o Sistema
do Direito Posirivo. págs. 108 e scgs.; KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito.
.' ' págs. 81e segs..
2 1
• KELSC:N, Teoria Gt·neral dei Estado, pág. 52.
1
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,.
1
•i
L.
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-
Estado de Direito (Material 011 Formal) e Estado de Legalidade 117
Cfr., KELSEN, Teoria Pura do Direito. pág. 244; «[...) uma análise mais aprofundada
:11.i
revela que também a chamada pessoa física é uma constmção aniticial da ciência ju1ídica [... ).
A chamada pessoa física não é, po11anto, um indivíduo, mas a unidade personificada das
normas jurídicas que obrigam e conferem poderes a um e mc$mO indivíduo. Não é uma
realidade natural, mas uma constmção jurídica criada pela ciência do Direito. um conceito
auxiliar na descrição de factos juridicamente relevantes» (ibid.. págs. 242 e 244).
Ou, como significativamente escreve ORLANDO OE C1RVA1.110 (Os direitos do homem
no direiro civil ponuguíJs. Coimbra, 1973, pág. 20), o formalismo kelscniano transfonna o
homem «de coração, que ele constitui, de toda a ordem ju1ídica [... ] num simples ponto
geométrico da rcgulamcnta~·ão cswhch:cida arbitrariamente pdo estado».
263 Cfr., por todos. E inmAIU>T SOARES, Liçcies de Direito Crmsti111cio11a/, p.igs. 50 e segs.
e LEoN Ducurr, «LeB doctrincs juridiqucs objectivistcs,,, i11 RDP, 1927, págs. 564 e scgs..
2"' Cfr., CARMELO C,1R1STJA, «Ventura e avventure di una formula: Rechtsstaat», i11
,, ""' Imputar os actos de i111peri11111, não a quem na realidade os executa, mas à pessoa
do Estado, «signilica. entre outras coisas. que o véu da pcrsonilicação do Estado encobre o
facto. contr,frio ao ideal democrático da igualdade. da dominação do homem pelo homem.
Nfio aceito ser dominado pelos meus semelhantes, mas tão só pelo Es1nclo; esqueço. porém.
,,' que o Estado é ,1pc11as a máscara que csconc.lc os meus semelhantes» (KELSEN. Teoria
1 General dei Estado. png. 88); cfr., o desenvolvimento desta ideia, integrado na i111c1prc1ação
de KE1.~r;11 ilcerca da liberdadl' na democracia e no lihcr:.ilismo, cm KEt-~EN, Teoria General
dei Estada, págs. 413 e scgs. e I Fo11da111e1ui dei/a De111ocrazia. tnd., Bologna 1970. págs.
14 e scgs..
,.
L,'.
p
167 Cfr.• KELSEN. Teoria Pttra do Direito. pág. 384; desta fonna KELSEN criticava o
positivismo do século XIX (que havia fo rmali::,ado a concepção material de Estado de
Direito, de matri z jusnaturnlista) por não ser suficiemcmcnte (ou coerentemente) positivista.
Nessa medida, denuncia a «sobrcvil'ência larvar» dos preconceitos jusnaturalistas no
positivismo tradicional. pois. também aqui, sob a capa da ciência, eram objcctil'os ideológi-
cos que se prosseguiam. isio é. a legi timação política ele um tipo panicular de Estado - o da
burguesia que pretendia estabilizar a su,1 dominação. Cfr., neste sentido, ALBERT
CALSAMIGLJA, «Estudio Preliminar» à tradução castelhana de ll'hat is J11stice de KELSEN,
Barcelona. 1982, págs. 28 e segs..
:c.s Cfr.• DuouJT, Les doctri11es juridiqucs objectivistes. pág. 562.
KELSEN desenvolve largamente o paralelo que, em seu entender, existe entre a Teoria
que concebe o Estado como entidade metajurfdica e a Teologia que defende a transcendência
de Deus face ao Mundo; para ambas, a questão fundamental é o problema da relação entre
Criador e criatura, entre Deus (Estado) e Mundo (Direito), e, em ambas, a solução encon-
trada é análoga; o mistério/dogma da Encarnação do Verbo divino (para a Teologia) e o
mistério/dogma da autolimiiação do Estado (para a teoria do Estado); tal como Deus, feito
homem, vem ao Mundo e se sub mete às leis da natureza (nasce, sofre e 11101re). também o
fatado-todo-podcroso se humaniza submetendo-se voluntariamente ao direito que ele pró-
prio criou. Só que, para aceitarmos este mistério da autolimi tação, teríamos que pennancccr
no domínio da Fé e não no ela Ciência. «E, assim como o caminho para uma autêntica
ciência da natureza somente foi desimpedido através do panteísmo. que identifica Dt.!uS com
o mundo, quer dizer, com a ordem de natureza, também a identificação do Estado com o
Direito, o conhecimento de que o Estado é uma ordem jurídica, é o pressuposto de uma
genuína ciência jurídica» (Teoria Pum do Direiw, págs. 423 e seg.); cfr., ainda, Teoria
General dei Estado, J>.~gs. 100 e :.egs..
2"" Teoria Pura do Direito, pág. 385.
1~' Cfr., L. Ducurr, Les doctri11es juridiques ol~icctfristes, págs. 563 e scgs ..
«[... ) do ponto de vista do positivismo jurídico. todo o Estado é um Estado de Di reito,
no sentido de que todos os actos estaduais são actos jurídicos porque, e na medida em que,
realizam uma ordem que há-de ser qualificada de jurídica» (KELSEN, Teoria General dei
Estado, pág. 57).
-
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:1 120 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
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Assim, a Teoria Pura liberta o «Estado de Direito» de toda a sua
carga ideológico-legitimadora, convertendo-o num conceito plconás-
·1 tico271, já que, sendo o direito «a forma de todos os possíveis conteú-
11
' 1
., dos»272, todo o Estado, independentemente dos valores em que se
1 I funde e dos fins que prossiga, é um Estado de Direito enquanto ordem
jurídica.
Porém, tal não significa que KELSEN escamo teie as diferenças
essenciais entre os vários tipos de Estado resultantes da diversidade
dos valores que os fundam ou negue a existência de uma espécie
particular de Estado que justifique a classificação de Estado de Direito
material; seria este um Estado que globalmente corresponderia às
I!
1
exigências da democracia e da segurança. onde jurisdição e adminis-
tração estariam vinculadas às leis criadas democraticamente e as liber-
~I
dades dos cidadãos garantidas 273.
I· Simplesmente, tal postura releva já do domínio da Política, da
' •• t ideologia, da superstição j11s11at11ralista. Empenhado na construção
·, z71 Porém, se a elaboração acabada dos fundamenios teóricos desta crítica coube a
"
1 KELSEN, importa noiar que a ideia geral estava cmbrionariamente presente cm toda a postura
positivista; já no século XIX. VAN KRIEKEN (Teoria Organica dei/o Stato, trad., Torino, 1981,
','1..
1 ''
págs. 1355 e seg) considerava inlÍtil e supétf/110 designar um Estado como Rechtsstaat,
visto que o Estado [... ) deve visar um fim jurídico, tutelar o direito, situar-se no terreno
' jurídico: desde logo porque o C()ncei10 de direito já eslá contido no conceito de Estado».
271 KELSEN, Teoria General dei Eswdo, pág. 53.
273
Cfr.. K ELSEN, Teoria General dei Estado. pág. 120 ou Teoria Pum do Direito,
i,:: págs. 417 e 424.
Convém, no enlanto, referir que, para além ele remeter a caracterização material do
1 Estado de Direito para o domínio dos rreconceitos jusnatur:ilisUL~ (Tt>oria Pura ,to Direito.
pág. 417), KEJ.SEN reduz o seu alcance a um nível mcr:imcnle técnico (assim, idcntilka o
sentido material do Estado de Direito como sentido técnico ele Estado - Teoria G('tleml dei
!: ·I: Eswdo, pág. 120), na medida cm que. por um lado, com este conceito se procuraria unica-
1 ' mente responder à exigência de que os ac1os jurídicos individuais correspondessem às
normas gemis (ibid.) e, por outro, o v:for essc:ncial que com ele se visava salvaguardar não
i'
' era a libcrd:1dc ou os direitos dos cidadãos - o que scí rcllexamcntc se verificaria -. mas
•: ames a scgurJnça jurídica (cfr., neste sentido. Krc,sr,N, / Fmulamemi dei/a Democraúa.
:,l, . págs. 277 e segs.).
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·~..'' .'
G1uSEPl'INO TnEvES (Co11sidemzim1i sul/o stato di diriuo, pág. 1600) assinala. todavia.
1
'. l•• que nos úllimos anos da sua vida K ELSEN teria matizado o tecnicismo do sentido que atribuía
ao Estado de Direito material, realçando a garantia da lihcrdade por ele proporcionada.
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Estado de Direito (Material ou Formal) e Estado de Legalidade 121
'"' Cfr., C.,sTANHl;IRA Nnv1~~. O i11s1i11110 dns ,,as.wmros».. ., cit., piígs. 572 e segs. e
J11stiça e Direito, Coimbra, 1976, p,igs. 9 e scgs, e 29 e scg .• onde se cncomra par.1 este tipo
de Estadc a designação de «Estado-de-Direi to de /ewdidade».
"" Cfr .. CASTANHr:JM N EVES, O i11sri11110 dos «(ls.,·e11 ros» ..., cit., págs. 576 e segs. e
:l
! ' EH111MRD'f SOARilS, «Princípio da legalidade ... ,» dr .• pág. 172.
1
'" Apud CA!iT,\NlfülR,\ NEVJ:S, J11stiça e Direito. pág. 30.
.!
l I i
i'h .
~
p
11
= Cfr.• LUCAS PIRES. O problema tia Co11stit11ir(io, págs. 47 e scg~..
:u KELSEN, / Fomla111e111i dei/a De111ocmzi11. pág. 278.
:,, li .
,,,1., págs. 277 e scgs ..
~ ANTôN10 JosÊ BRANDÃO, «Estado ético contra Estado jurídico?», pág. 292.
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t 124 Co11trib1110 para 11111a Teoria do Estado de Direito
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quentes valores de certeza e segurança jurídicas - . embora constituam
limites ao arbítrio do Poder, não podem, por si só, ser considerados
como garantias globalmente dirigidas à salvaguarda dos direitos fun-
li damentais; de facto , na via da legalidade podem ser actuadas as
'
intenções mais diversas, incluindo as que objectivamente se alheiam
,, ,s Cfr., ne~te sentido. RADBRUCH, Filosofia do Direito, li, págs. 137 e seg.; GOMES
CANOTll.HO, Co11stituiçüo Dirigente e Vi11culaçüo do Legislador, pág. 48; JoRGE MIRANDA,
Manual de Direito Comti111cional, lll, págs.144 e scgs..
™ Cfr.. neste sen1ido. as posições de Guroo FASS() («Stato di Dirillo e Stato di
Giustizia», págs. 85 e seg.) e, parcialmcme, de STLFAN RoZMARYN («Comunicação ao Co16·
guio da Associação internacional das Ciências Jurídicas sobre a mie of lmv» em Chicago.
1957, i11 R!DC, 1958, n.º I, pág. 75).
Assim, para FAssó, ao contrário do projcc10 liberal de Estado de Direito (que, no seu
emcndcr, propugnava um verdadeiro Estado de Justiça na medida cm que correspondia a
um ideal ético). o Estado deve. antes. afirmar-se como .-E<tado de legalidade, cujo direim
realize apenas o valor da cc11cza - e da liberdade que lhe cst:í consequentemente irnpli·
cada» - e nunca como Estado de h·Kiti111id111le; também para Roz~uRYN, os valores do
Es1ado de Direito não devem confundir-se com os ideais de uma de1enninada filosofia. mas
constituir e limitar-se ao que design,1 como «valores inlrínsccos» - «a paz. a ordem, a
previsão, a segurança jurídica» - inerentes às ins1i1uiçõcs do Estado de Direito. embora
nestas ins1i1Uiçõcs ROZMARYN inclua como essencial «a existência de um conjunto de direitos
fundamentais, liberdades e garantias 1r:1dicionais».
-
Estado de Direito (Materit,/ 011 Formal) e Estado de Le11alida<le 125
2
1<1 Acolhemos nesla qucs1ão particular as dcmons1rações de D00010 acerca do
prelenso carác1cr conservador ou reaccionário do posilivi~mn e formalismo jurídico~ e,
segundo as quais. sendo ccr10 que c~1as ideologias defend.:111 indiscriminadameme a ordem
es1abelccida de Ioda a crí1ica que lhe seja dirigida cm nome de valnrcs exógenos, ludo
depcnder.l, cm úllima análi~e. da nalureza do s1ar11 q110 que s.: serve: :L~sim, se na hália.
numa primeira fa.~c. o posilivismo íoi uma bam:irn conlra as invcs1idas do fascismo ascrn-
demc (numa allura cm que a ordem e~lahclccida era ainda a lihcral), é indisc111ívcl que,
consumada a vi1ória dnquclc. o pnsi1ivis1110 jurídico lhe pres1nria vass:ibgem incondicional,
contribuindo, no seu domínio csp.:cífíco, para a csrnhilização e cons~rvação da ordem fas-
cis~ (cfr., assim, N. Bo1rn10, Gi11.mawrali.rn111 t• Po.sitfrismo Gi11ridico, págs. 12, 95 e scgs.
e 114 e segs.).
Cfr., ainda, as reflexões de Pt Rr:Z Lui'lo sobre a polémica em 10010 desta ques1ão
(J11s11a111ralismo y Positidsmo Jurídico en /a /tâ/ia Moderna, págs. 111 e segs.). o qual não
isen1a, porém, o posi1ivismo jurídico de responsabilidades efcclivas no próprio advento do
fascismo.
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I• aceitável por todas as ordens estabelecidas), é sempre adequado,
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1t como diz MARcusc288, a fundar uma teoria positiva da autoridade.
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11
11 Paralelamente, a construção positivista do Estado de Direito, que
1: inicialmente se justificava pela superioridade técnica e neutralidade
1 l ética dos seus fundadores 289, cedo conduzia à desresponsabilidade
axiológica do poder legislativo, de que resultava, não a autoridade
impessoal do direito, mas a legitimação do arbítrio do legislador.
Assim, a função legitimatória do conceito de Estado de Direito, que o
positivismo jurídico procurara erradicar através da sua caracterização
como Estado de legalidade290 , reentraria paradoxalmente pela janela
aberta por tal redução fonnalista; pois. se com ela se visava recusar a
legitimação de particulares tipos históricos de Estado, na realidade,
tal construção proporcionaria que Estados situados nos antípodas do
projecto originário de limitação jurídica do Poder pudessem - através
de uma agora ambígua caracterização como Estado de Direito (de
legalidade) - recolher parasitariamente a legitimidade resultante do
prestígio acumulado por aquele ideal.
188 HERBERT MARCUSE, RaZtiO e Revolução, pág. 309.
'"' Cfr., neste sentido, ERNST FoR~1·HoFF, Sraro di Dirilto i11 Tra11sformazio11e, p.ígs.
13 e segs. e E/ Eswdo de la Sociedad /11d11strial, pág.17; FRANZ W1F.ACKER, HisMria do
Direito Privado Modemo, p:ígs. 501 e segs.; GEORGES RirERT, Le Déc/i11 du Droit, Paris,
1949, págs. 1 e scgs.: defendendo uma posição contrária, cfr.. D0M1N1QUE CHARVET, «Crise
da Justiça. crise da lei e crise do Estado'!» in N1cos PouLAN1ZAS (org.). A Crise do fatado.
Lisboa, 1978, págs. 225 e scgs., 111axi111e pág. 228.
Também LuHM.ANN considera a positivação do direito como a caracterísl.ica mais pe-
culiar do Estado de Direito: para Lu11MANN (cfr.. Staro di Dirino e Si.l'te11111 Socia/e, 1rnd.•
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Nápoles. 1978. págs. 40 e segs.), o lacto de que a validade do direi10 passe a estar «comple-
tamente dependente de decisões organizadas 1... J sob a responsabilidade de um sistema
social oportunamente especializado» (op. cir., pág. 41 ), signilirn, no que se refere .io sistema
político, a transição de um sta/11 de «premissas dccisionais pré-estabelecidas externamente»
- corno era o caso do direito natural - para «premissas decisionais elaboradas internamente,
as quais devem apenas ser ltar111011iu ulas com o ambiente» (op. cit.. pág. 42).
Neste sen1ido, de um ponto de vista sistémico, ,,mi processo surgi1;í como um pro-
gresso, isto é, como um aumen10 da complexidade e da segurança ambienial da sociedade»
(op. cir., pág. 41 ).
Para a específica concepção de Estado de Direito de Lut1MANN, para além da obm
citada, mmiml' p:ígs. 32 e segs., cfr., ainda. a respectiva «Introdução» de AulERTO FEDBRAJO
e, entre nós, a síntese de Go~11~~ CANOTILIIO, Co11stit11içtin Dirigente e Vinrnlaçcio do le,~is·
lador, Coimbra, 1982, págs. 104 e scgs..
:•,o A superação metodológica do dualismo Estado-Direito dew,ia constituir-se, se·
gundo KELSEN, na «aniquilação impiedo~a de uma das mais eficiemes ideologia~ da legitimi·
dade» (Teoria Pura do {);reiro. pág. 425).
CAPÍTULO V
O Estado de Direito e as Experiências Anti-Liberais
na Europa do Século XX
'.!9? Cfr .. a visão glob.11 de H ERMANN H ELLER, Rechtsstam oder Dik1a111r?. TObing~n.
1930, 111axi111e págs. 11 e scgs. e E11rop11 y e/ Fasci.1wo, dr., págs. 35 e segs., bem co111n <k
H EROERT MARCUSE, Razlio e l<t:110/uçlio, págs. 361 e scgs ..
d
..
o Estado de Direito e as Experiências Ami-Liberais 129
m Cfr., entre muitos, RonERT PEu .oux «Contribution à l 'étude des régimes
aut 0 · · •
. .n~aires contemporains,,, í11 RVP, 1945, págs. 334 e scgs.; GulDO LUCATELLO, «Profilo
i~undico dello Stato lotalitario», í11 Scríttí Gíurídíce i11 011ore dí Sa111i Romano, I, Padova,
4o, págs. 577 e segs. e G cRIIARD Lcm1101..Z, «li secolo XIX e lo S1a1o totalitario dei
presente,,, ín RIFD, 1938, págs. 1 e segs..
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~,, É o caso, entre ouu·as, das Constituições austríaca de 1934, polaca de 1935, 1
1
irlandesa de 1937, turca de 1937 e, também, da Constituição portuguesa de 1933, que, no
seu anigo 29.º, prescreve o «podc1io do Estado» como fim imediato da organização econó-
mica (cfr., para todas, CJ\llLO COSTAMAGNA, op. cit., págs. 149 e seg.).
"'' Cfr., SEHGIO PANUNz10, // se11ti111e11to dei/o Stoto, Roma, 1929, pág. 126.
301
«Tudo no Estado, nada fora do Estado. nada colllra o Estado» foi a fórmula
proclamada por MussouN1 no discurso no Scala em Outubro de 1925 e que, repetida à
cxaust.'io, seria retomada pelo próprio cm diversas ocasiões (cfr., referências em Gu1Do
LUCATFtLO, Op. cit., pág. 57 J) .
302
MussouN1, La Dottrina dei Fascismo, págs. 4 e scg..
JOJ /bid..
-
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:io, «Um Estado que se apoia em milhões de indivíduos que o reconhecem. o sentem e
estão prontos a servi-lo, não é o Estado tirânico do senhorio medieval. Nada tem em comum
com os Estados absolutos anteriores ou posteriores a 89 [ ...]. O Estado fascista organiza a
Nação. mas ileixa aos indivíduos margens suficientes; limita as I iberdades inúteis e nocivas
e conserva as essenciais. Quem julga neste terreno não pode ser o indivíduo, mas tão só o
Estado» (MUSSOLINI, np. cit., pág. 21 ).
5
"' Como diz PANUNZJO, tal como a matéria tende para a fom1a, a sociedade tende para
o Estado: sicw materia app<'tit formam, sociews appetit .war11111 (apud MARCEL PRt:.LOT, op.
cit., pág. 440).
JA)6 Cfr.. SF.RGJO PANUNZIO, li se111i111e1110 dei/o Srato, págs. 83 e segs ..
im De facto, se para ce1 1os teóricos do fascismo, como P ANUNZJO, Nação e Estado.
apesar de indissociáveis. seriam entidades distintas, parn outros, como CosTAMAGNA, haveria
mesmo identidade entre os dois termos ila relação. independentemente de poder ser atribuída
a prioridade a um ou outro. GENnLE, sustentando a tese da identidade, defende a prioridade
da Nação relativamente ao Estado oficial ou real, mas também a prioridade do Estado. se
neste se relevar, sobretudo. o elemento co11sciê11cia política.
Sobre estas diferentes posições, cfr. a síntese de GREGORIO DE YuRRE, op. cit., págs.
282 e scgs. e 304 e segs..
p
resulta da defini ção lapid;1r do ar1. I .º da Carw 1/el ú 11·oro (sohrc a im po nância
determinante desta no e<lifído consti1ucional Ju fa\c ismo, dr.. CARLO Co~ r.\~L\G11,. up. d t..
págs. 133 e segs.): «A Nação ital iana é um organismo J otado d~ u111:1cxis1ência. lins e
meios de acção ~upcri orc~. crn poder e duração, aos tios indi víduos, bolados uu associados,
que a compõem. É uma unidade ética, política e económica, que i.e realai.a integralmente: no
Estado fascista».
·' " Porém, di ferentemente do nacional-socialismo, a rJça é aqui concehida como um
entre vários demen1os da cultura nacional ~ não como o factor detenninante, ou único, de
nacionalidade; a Nação é, no fa...ci~mo, organismo e~sencialmente espiritual e não biológico.
Todavia, postcrionnenie, cm 1938. J at.las as conveniêndas políticas dns relações com a
Alemanha hitleriana, a !(jJia conheceria também a campanha anti-semita e as là, r.1ciais.
3'º Cfr., por todos, G REGORJO DE Y uRRE. Totalitarismo y Egolatria, Madrid, 1962,
págs. 293 e segs.. ·
m «Que seria o Estado se não ti vesse um espírito seu, uma moral sua [... } o Estado
fascista reivindica na plenitude o seu car:1cter de eticidade: é católico, mas é f~ c~ta: é, acima
de tudo. exclusiva e essencialmente fascista» (MussOLL'-1, Discurso na Câmara do) D.!puta-
dos, 13 de Maio de 1929, i11 La D0ttri11a dei Fascismo, pág. 32).
l ll MUSSOLINI, Op. cit., p:íg. 19.
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Jll Cfr., COSTI\MAONA, op. cit., págs. 151 e ~cg. e GcRHARD LEIBIIOLZ, l oc. cit., págs. 39
e segs ..
"" Cfr., SERGIO PANUNZIO, // se111ime1110 deito Sutto, pág. 70: para PANUNZJO, mais
que sentimenio de comunhão espiritual ou cultural, o scmimc:1110 do Emulo é desejo de
acatar e obedecer a uma autoridade. ele ser governado, de formar uma unidade política, sem
o qual um Estado agoni za como era o ca~o do Estado lihcral. Pelo contrário, sob a égide do
Duce, reas_~mne-se o instinto e o sentimento do Estado: o Fascismo é, enlflo. verdadeira
recuperação do precipitado histórico da Guerra - local por excelência de manifesrnç.io do
sentimento do Estado - e da sua imensa experiência espiritual (ibid.. págs. 59 e segs.).
,, «Sentimos todos hoje, na hália, que, na incerteza de tantos conceitos teóricos e
práticos, de nada estamos tão absolutamente seguros no íntimo da nossa consciência como
do sentimento do Estado: sabemos que isso é um ponto primário, um «ponto fechado» e
não analisável, um dado originário da consciência; sente-se o Estado: logo o Estado existe»
(ibid., pág. 79).
3IS CosTAMAGNA, op. cit., pág. 180. O reconhecimento teórico da «superioridade da
elite fascista» traduz-se, na prática. na consagração de privilégios e discriminações e na
consequente violação do princípio da igualdade, inclusive na sua vertente de igualdade
perante a lei (cfr. a demonstração cm HEI.LER, Rechrssraar oder Diktalllr?, pág. 22 e Europa
y et Fascismo, págs. 142 e scgs.).
316
Cfr.. MARCEL PRú.OT, op. dr., págs. 455 e segs.. Rejeitando a representação das
vontades dos indivíduos fundada no «igualitarismo político» expresso na eleição democrática.
os Autores íasci~tas defendem :1 superioridade da representação orgânica dos «sentimentos e
1 '
das ncccs.~idades colectivas», operada no Estado. sohretudo através do Partido Fascista e do
Ordenamento Corporativo (cfr.. FRA.Ncr.sco o' A1.ess10, «Lo Stato fascista come Stato di
diriuo», i11 Scrilli Giuridice in ////ore di Sm,ri Romano, I. Padova, 1940, p,lgs. 501 e segs.) ou
através da «interpretação autónoma» do Gm11 Comi11lio, sem, no entanto, romperem frontal-
mente no plano teórico com o ideal democrático (sobre as motivações psicológicas e políticas
da ambiguidade <lesta postura, cfr.. RENATO Tnr;vEs, «Stato di Diritto...». cit., pág. 65 e scgs.).
Assim, escrevia MussouN1: «O fascismo rejeita na <lcmocracin n mentira absurda do
igualitarismo político[ ... ). Mas, se a democracia puder ser entendida de outra fonna, i~to é.
-
se democracia não for afastar o povo das margens do Es1ado, poderemos definir o fascismo
como uma democracia org,Ni;:.ada, ce11tralir.ada e autoritária» (op. cir., pág. 15).
317
«Tal centralização corresponde à característica essencial do Estado como entidade 1
teleológica completamente dominada pelo objcctivo linal a alcançar, que só pode ser assegu-
rado e garantido por uma vontade única e superior dom inando, não formal, mas efcctiva- l
mente, toda a vida do Estado. No poder ccn1rali1.ado do Capo dei Go1·emo rcílcctc-
-sc o conceito da absoluta, ilimitada e não fraccionável soberania do Estado[ ...) exigida por 1.
uma superior idealidade, necessariamente unitária e totalitária: a de Pátria e de Nação»
(o'ALESSI(), op. cit., pág. 509).
3
' " Diz MussouN1: «O meu cspí1ito está dominado por uma verdade religiosa: a
verdade da Pá1ria (... ). Comungamos espiritualmente desta nova fé». No contexto desta
nova crença, a Nação - e, Jogo, o Estado - assume um papel central enquanto estímulo
«ultra-racional» da acção revolucionária, ou seja. enquanto mito no, seu sentido i
mussoliniano: «o mito é u111a fé, u111a paixão, não precisa de ser realidade. E realidade na
medida cm que é um aguilhão, uma fé. uma esperança, um valor. O nosso mito é a Nação
[ ... ) e a ele subordi namos tudo o mais» (apud Dil YuRRE. op. r.it.. pág. 25 1 e CosTAMAGNA.
op. cit., pág. 161).
l
m Les No11velles Telllla11ces d11 Droit Co11stitutio111ie/, cit., pág. 187.
320
Cfr., MARCEL PRÉLOT, loc. cit., págs. 443 e segs.. 1
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136 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
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1
teoria da personalidade jurídica. a qual implica uma noção formal e contraditória da sobe-
rania [... ) e princípios morais e políticos rejeitados pela nova consciência civil»
(COSTAMAGNA, op. cit., pág. 156).
326
Cfr. a recensão das várias posições em CARMELO CARISTIA, «Ventura e
avventure...», cit., págs. 404 e segs..
Segundo RENATOTREVES («Stato di Diritto...», cit., pág. 65), ter-se-iam empenhado na
tentativa de compatibilizar os dois conceitos «aqueles que, embora aderindo expressamente
ao novo regime, se sentiam ainda ligados ao ambiente ideológico dos anos precedentes, no
qual foram educados (...], procurando, assim. alterar o conteúdo da fórmula (Estado de
Direito) adaptando-a aos novos tempos e aos novos acontecimentos». Seria esse o caso de
Autores como ERCOLE, SINAGRA, GRAY, COSTAMAGNA e o' ALESSIO. Integrar-se-iam, natural-
mente, nesta corrente os Autores que, igualmente fiéis à caracterização do Estado como
pessoa jurídica que haviam recolhido na teoria alemã do Direito e do Estado (de GERBER a
ÜIERKE e JaUNEK), procuravam acomodar esta doutrina ao quadro arbitrário cio novo regime
(cfr., ROGER BoNNARD. «Le Droit et l'État <lans la Doctrine National-Socialistc», p,ígs. 205 e
segs.); assim, o Estado continuaria a ser considerado uma pessoa jurídica titular de sobera-
nia, de que o Duce, enquanto Capo di Govemo, seria um dos órgãos jurídicos. Sobre estes
pressupostos, seria possível a autores como RANELLETn (cfr.. CARl~ílA, «II Rechtsstaat
all 'incanto», in Studi in onore di Caetano Zíngali, II, 1965, p:!gs. 75 e 79) admitir, sucessi-
vamente, como concretizações do Estado de Direito, quer o Estado liberal italiano do início
do século XX, quer o Estado fascista, quer a actual República democrática.
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·m FRANC!,SCO o'ALESSIO, op. cit., págs. 499 e 501; no mesmo senti'd O, eARLO e URCIO,
<•La Transformazionc dcllo Stato», ;,, RIFD, 1928, pág. 70.
.no Sobre o duplo papel do positivismo jurídico como resistência ao fascismo italiano,
m~s também, posterionnente, como sua caução, cfr., no mesmo sentido, Gu100 FAsso,
H,sroria de la Fí/osojia dei Derec/w, Ili, págs. 255 e scgs.; MARCEL PRÉLOT. op. cit., págs.
449 e segs. e, sobretudo, PÉRF-2 LuJilo, J11s11awrt1/ismo y Positil'ismo en la Ira/ia Moderna,
maxime págs. 111 e segs..
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•i 140 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
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1.1.1. O «Estado ético»
1
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Se a separação Estado-sociedade e Estado-economia eram afas-
11 tadas, no fascismo, através de uma concepção de Estado totalitário
11
1 ,
que exercia uma soberania absoluta e ilimitada em «bases corpora-
! 1 tivas», também a separação Estado-moralidade - componente funda-
' mental do Estado de Direito kantiano - se via rejeitada pela assumida
caracterização do Estado fascista como Estado «ético».
Esta ideia da eticidade do Estado, que modernamente remonta a
HEGEL ( «o Estado é a realidade em acto da ideia moral objectiva»331),
é introduzida em Itália pela corrente neo-idealista, particularmente
l por ADOLFO RAVÀ, e, finalmente, recuperada para o fascismo através
de Ü ENTILE.
Cabe a RA vA a principal responsabilidade teórica na construção
do «Estado ético» quando, nos primeiros anos do século XX 332 ,
define o Estado como uma instituição com um «valor em si, um
valor de fim e não de meio, um valor ético e moral», donde resulta
que o Estado é um organismo com fins éticos próprios», manifesta-
dos na intenção «de promover e dirigir todas as actividades relativas
aos fins da vida»; o Estado não tem como fim permitir a coexistência
j urídica dos indivíduos - como pretendia a construção kantiana -,
mas é essencialmente a instituiçcio onde a ideia ética se realiza por
excelência 3 33.
1 •
11 331
Princípios da Filosofia do Direito,§ 257, trad., Lisboa, 2.ª ed., 1976, pág. 216.
m A DOLFO RAVÀ insere-se na corrente de reacção idealista colllra o positivismo,
li !'
fazendo publicar, respectivamente em 1911 e 1914, dois livros (// diritto come nomw
tecnica e Lo stato come organismo etico), reeditados conjuntamente em 1950 sob a designa-
ção Dirí110 e Stato nella Mora/e ldealistíca, Padova, 1950, nos quais desenvolve as bases
i da teoria do «Estado ético». Note-se que, para R AVÀ, a concepção do Estado como organis-
·1 ; mo ético é inseparável da redução do direito a mero meio técnico de manutenção da socieda-
de; a origem da concepção errónea do Estado como ente jurídico residiria, para R AVÀ, na
consideração do direito como norma ética que incumbiria, tão só, ao Estado aplicar. Pelo
:1 contrário, para RAVÀ, «o direito é uma nonna técnica, apesar de suscitar continuamente
ll
' 1
exigências éticas que o conduzem ao Estado; o Estado é organismo ético que tende continua-
mente a tecnicizar-se na forma do direito» (RAVÀ, no «Prefácio» a Diritto e Stato 11ella
1 Mora/e /dea/ístíca, pág. XI).
m Cfr., RAvÀ, Diritto e Swto nella Mora/e ldea/istica, maxime págs. 99 e seg., 125 e
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' 1 seg. e 144.
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O Estado de Direito e as Experiêrrcias Arrti-Liberais 141
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142 Co11triburo para 11111a Teoria do Eswdo de Direito
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O Estado de Direito e as Experiências Aflti-liberais 143
CARLO COSTAMAGNA (op. cit., p:igs. 157 e scgs.) defendem a prioridade lógica. filosófica e
política do fü1ado ético. enquanto «realidade metajurídica, isto é, realidade irredutível aos
esquemas de uma construção meramente intetcctualista, conduzida com os meios da lógica
jurídica».
''" «Estado ético contra Estado Jurídico?», p,íg. 297.
·"' Cfr.• PBJCE BATIAou,,, «Per la detenninazione der conceito di Stato clico» i11 RIFO,
1947, págs. 214 e scgs.; «o fatado é moral enquanto assume uma tarefa moral e esta não se
assume respeitando somente a dignidade humana, a personalidade dos homens que o com·
põem 1•..), ma., promovendo just:imentc a dignidade. a pcrronalidade dos indivíduos» (ibid.).
BATTAGI.JA. emhora defenda o conceito de Estado como organismo ético (na linha de
RAvA), chega a conclusões distintas dos Au1orcs ci1ados no que se refere ao plano das
relações fa1ado ético-G.tado d.: direito, na medida cm que s.1o tam~m diferentes as premissas
de que parte qunn10 às relações Moral-Direito. Para BAlT/\GUA (cfr.. sobretudo. ,,Stnto Etioo
e Stato di Dirillo», 11uuime pngs. 261 e segs., mas tam~m «Ancora sullo Stato di Diriuo»
i11 H/1-'l), 1948, págs. 164 e scgs. e «Per la dctcnninazionc... ", d t.), não h:í dualidade nos
tins humanos entre tins jurídicos e fins t ticos ou dualidade cnJre Direito e Moral, mns
apenas fins éticos que o DireilO enquadra e torna clicic111cs; consequentemente, no lugar de
uma pretensa dualidade hicr(arquica entre Estado ético e Estado de Direito, há antes uma
indissociabilidade dos dois concci1os. O Estado é ético porque se fundn no Etlws. porque
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desenvolve lins que são éticos: mas. enquanto se realiza no plano histórico. o Ethos é
«universal concreto, plasmando relações tle vida cfcct ivas». Logo. o Estado ético conligura-se
como complexo tle relações subjectivas. como orga·nismo relacional que, por isso mesmo,
se realiza essencial e necess;1riamcn1e na forma jurídica: «o Estado é um organismo [...] cuja
forma é a da juridicidade essencial e cujo conteúdo é dado pelo erl,os [...). O Estado só pode
ser, ponanto, erhos na forma tia juridicidade» («Stnto Etico e Stato di Diri1to•1, pág, 264),
Desta forma, os dois conceitos são, não só conexos, como incindfveis, pois, «tal
como o Estado ético necessita do Estado de Direito como meio de tradução normativa dos
princípios éticos [...], também o Est:ido de Direito opera absorvendo as formalidades do
Estado ético e tomando-a~ eficientes» (ibid., pág. 286 e seg.).
3# 1ELLtNl:.K, Teoria General dei Estado, pág. 182.
349
Que a caracterização do Estado como organismo ético, com fins próprios, implica
a sua exaltação como poder tendencialmente expansivo e ilimitado resulta, curiosamente e
apesar das reservas já mencionadas. ela própria construção de RAvÀ. Assim. ao mesmo
tempo que - cm plena época fascista - recusava ao Estado «uma eticidade própria, superior
e contraposta à ditada aos indivíduos pela sua consciência moral e religiosa» («Diriuo, Stato
ed Etica», pág. 93), R,wÀ legitimava. no mesmo a.nigo (cfr.. p:ígs. 107 e scg.), a expansão
imperialista do Estado ético nacional. De facto, para R,wÀ, ao Estado incumbe não só o
imperativo de impregnar toda a estrutura nacional com os lins éticos de que é portador,
como também difundi-los externamente, pois, «toda a grande fé moral é necessariamente
expansiva: deve comunicar-se, difundir-se. prevalecer sobre qualquer outra fé ou concepção
que considere inferior»; ora. se no caminho dessa difusão surgirem obstáculos que só
possam ser superados pela força, ted então «soado a hora suprema. a hora cm que o Esrndo
~e~e petlir aos cidadãos a oferta de todos os seus mdos e da própria vida para o triunfo da
ideia de civilização e moralidade que incarna» (ibitl., pág. 108).
E, desta forma. a constmção do Estado ético conduz RAvA à glorificação irr.1cional do
~pM·. . .
sionismo e da gue1Ta («naturalmente, isto não pode ser ohJecto de 11ualquer demons-
tração lógica. A verdade dos ideais éticos nacionais prova-se. como todas as grandes íés
~--1 com a própria vida») que encontraremos nos teóricos do Estado fascista, como
ANUNZio (cfr., // Se11time1110 de/lo Stato, págs. 59 e segs.).
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1
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1,
1 146 Co11trib1110 para w11a Teoria do Estado de Direito
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., alguns traços da mundividência nacional-socialista (Weltanschcmung),
,,'I enquanto pressupostos que dão a coerência e o quadro em que se
1,
: 1
1
desenvolve todo um novo co17J11s teórico. De facto, se, tal como na
Itália fascista, há uma corrente que, embora aderindo ao regime,
procura adaptar a dogmática tradicional à nova realidade, podemos,
todavia, detectar na doutrina germânica da época a franca prevalência
il'
' 1
dos Autores empenhados na construção de ruma nova teoria, situada
;.1 à margem e em oposição à elaboração doutrinária anterior350•
' 1 Desde logo, surge na base de toda a construção a ideia de
Volksgemeinschaft. de co1111111idade popular, concebida igualmente,
tal como a Nação-Estado fascista, em termos organicistas e trans-
pessoais, mas apresentada como realidade v ivente, concreta (e não
metafísica) e de fundamento étnico-biológico (e não já essencialmente
ético).
i1 Esta comunidade do povo alemão é analisável em dois elemen-
1 tos: um povo (Volk) constituído numa base rácica351 - portanto, não
1; mera criação jurídica do Estado ou resultado da adesão voluntarista-
-contratualista - e de que resulta uma comunidade (Gemeinschaft)
1 étnica, uma verdadeira comunhão e não mera entidade abstracta de
1 1 indivíduos justapostos por força de lei, como seria o caso da con11111i-
i • dade jurídica (Rechtsgemei11schaft) agora rejeitada. Mas, se esta comu-
i 1
35
" Na primeira correnle, que procurava moldar a mova realidade com os conceitos
1 recolhidos na tradição de G1ERKE (e por isso se denominava de Gierki.~che l?e11aim111ce -
1
cfr., LAVAGNA, La D011ri11a Na~io11al-socialis111 dei DiriJto e dei/o Swto, Milano. 1938,
f1 págs. 117 e scgs.), destacam-se os nomes de Koe:i_LR~UTERe M ERK; dos juristas que visavam
11 a construção ex 1101·0 de um genuíno sistema doutrin.írio nacional-socialisla cio Es1ado (e ix)r
1 isso se designam como a corrente 110m dogmática - cfr., LAVAGNA, op. cit .. p;\gs. 145 e
segs.) é RE1N11,,ROT HOHN a principal figura.
,1
LWAGNA (op. cit.. págs. 81 e segs.) distingue ainda uma terceira corrente que. par-
tindo de construções tcóri~'.a~ pessoais já plenamente am.iclurecidas - como era o caso de
SCHMITr e HuoER - , mas rejeilando a compatibilização cio E.~tado nacional-socialista com o
'1 , quadro lcórico liberal. se empenha - conjuntamente com a 11m·a dogmática - numa crílica
' l 1. radical às concepções tradicionais. mas sob uma perspectiva csscncialmenle pragm:ílica e
'1 não tanto oricnwtla para a construção de um sisicma novo.
( 351
Sobre a evolução do racismo nazi ((lcsdc a ideia inicial ele comunida(lc de sangue
1,1
de uma única origem. «a origem ariana», à posterior i1dmissão (lc uma certa comunhão de
'·I raças - «o sangue alemão ou aparentado»), cfr., a polémica entre Roci,RBoNNARD, «Le Droil
1 et l'État dans la Doctrinc Nationale-socialisle», cil., pág~. 218 e segs. e Uuurn ScuEUNER,
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,, ,,Le Peuplc, l'État et la D0c1rine Na1ionalc-socialistc» i11 RDP, 1937, págs_ 44 e scgs..
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O Estado de Direito e as Experiências Ami-Liberais 149
357
• Nesses tennos a Fiihru11g se distingue, quer da Regienmg (Governo) - porque esta
•~plica uma relação de sujeição dos governados relativamente aos governantes, que são
~tulares de um poder de comando ( Herrsc/,aft) - , quer da lei11111g (direcção), porque esta
implica uma posição de comando através de ~rdens e directivas que devem ser obedecidas;
Fü!irer do Panido Nacional-Socialista e da Volksgemeinsclwft, Adolf Hitler era, na hierar-
q~ do aparelho de Estado, chanceler e, só nessa medida, leiter do Estado (cfr., BONNARD,
« Droit et l'État...», cit., págs. 426 e seg.; oe YuRRE, op. cit.. págs. 572 e segs.).
Jlll Cfr., LAVAGNA, op. cit., pág. 166.
150 Co111rib1110 para 11111a Teoria do Estado de Direito
359 Apud P1ERANDREl , /Dirilli S11bhie1tivi Pubblici. pág. 222; sobre a posição de Hõ~b'l -
que, com os mesmos pressupostos, nega também o atributo de soberania, aplicado ao
• Fiihrer ou ao Fiilm:rsraar, porque baseado na ideia de separação Estado-sociedade já supe-
rada pela Volksgemeinschaft (ihid., pág. 206) - cfr.• oi; YuRRE, op. cit .. pág. 584 e segs. e,
mais globalmente. LA VAGNA, op. cir .• p;ígs.150 e segs..
'
1
y,o Porém, na tentativa de conservação teórica já referida, parte da doutrina procura
compatibilizar a ideia de Vnlksge111ei11scl1af1 com a salvaguarda da relevância do Estado. É
este o caso de KRIECK (o Estado é um organismo activo e não um simples meio, já que é
através dele que o espírito do povo (Volksgeist) se transforma em vontade colectiva
( Gemeinswille ). sem o que o Povo não poderia assumir politicamente a própria história);
-
p
362 Segundo HõHN (cfr., LAVAGNA, op. cit., págs. 164 e seg.), e ao contrário do que
pretendia M F.RK (vd., nota 360), Führer e Gefolgsc/raft são também conceitos jurídicos,
porque, participando na criação do direito, não podem ser ignorados pela ciência jnrídica.
Todavia, nem o povo é pessoa jurídica estadual nem o Fiihrer é um seu órgão jurídico, mas
sim realidades vivemes e naturais.
363
1 Cfr.. LAVAGNA, op. cit., págs. 50 e seg. e 57 e segs., e PmRANDREI, op. cit.• p:ígs.
• 1 210 e segs..
1.i 36-1 Op. cit., pág. 59.
!
1•
:1'
365
Este pensamento encontra cabal tradução na fórmula de Sc11Mn-r «a lei é a vontade
e o plano do Fiíhren, ou, mais propriamente, e porque o Direito era indissociável da Política
1 li - seria logicamente impossível proceder a uma demarcação mecânica de uma esfera jurídica
no Volksgeist, pelo que a Gemei11swille recobria inelutavelmentc as duas dimensões -, «a lei
é hoje a expressão da vontade política do Fiihrer» (SCI-IEUNER); cfr., DE YuRRE, pág. 574 e seg..
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-
O Estado de Direito e as Experiências Anti-liberais 153
lG6 Nesta sua formulação extrema, o princípio da juridicidade só era admitido pela
p, . rad"icaJ da nova dogmática que, desta forma, subvertia todos os canones
corrente • do o·ireuo
·
8ubhco até então admitidos (cfr., PmRANDREI, op. cit, págs. 231 e segs. e 236 e segs.;
~m«co··
Ar-oN ' 11s111u11011 et Admi11istratio11 da11s /e /li Reic/1 Al/emanl1
», ,pags.
6 0 9 e segs.;
so QUEJRó, O Poder Discricio11ário da Administração, pág. 150 e seg.).
-
154 Co111rib1110 para uma Teoria do Esta,lo de Direito
1
·" ' Cfr. DE YuRRE. op. cit., págs. 575 e segs. e 600 e segs.; daí a não admissão do
princípio da inamovi hilidadc dos juízes e a necessidade do aval do Partido Nacional-Socia-
lista para a sua nomeação, no quadro da submissão do poder judicial ao Fiihre1pri11zip.
3611
Cfr., neste sentido, ANDRÉ GONÇALVES PERtiRA, Erro e Ilegalidade 110 Acto Admi-
nistrativo, pág. 30 e l;eg., e DE YuRRE, op. cít., págs.601 e scgs..
--
O Estado de Direito e as Experiê11cias Ami-Liberais 155
:iw Tal como a ficção da Rechtsgemeinschaft fôra substituída pela realidade concreta
Volksgemeinschaft. também a ideia de sujeito de direito cedia a favor da entidade concreta
constituída pelo camarada do povo, o Volksgenosse. É este o entendimento proposto pela
"º"ª dogmârica (cfr. , L AVAGNA, op. cir .. pág. 160 e seg), ao qual estava subjacente um
fundamento biológico: confonne se estabelecia no Programa do Partido Nacional-Socialista.
na legislação sobre direito de cidadania e no Projecto do chamado Volksgeset:b11ch, havia
uma distinção entre cidadão (Staarsbürger). que em virtude de uma dada origem r:ícica
(«sangue alemão ou aparentado») podia gozar de todos os direitos como Vo/ksge110.ue. e o
nacional (Staatsgehéiriger), que só podia gozar dos direitos «que segundo o seu espírito»
fossem compatíveis com o «sangue não alemão» (cfr.. BONNARD «Le Droi1 et l'État...». cit..
pág 227 e segs., e ORLANDO DE CARVA1.110, A teoria 1:eral.. ., cit., p:ígs. 2 1 e 62 e seg.).
Numa formulação menos radica l, mas ainda assente na distinção entre «camarada de
raça» e «camarada de raça estranha», LARENZ, porque conservava a ideia de Rechtsge111ei11schaft,
mantinha, consequentemente, o conceito de personalidade, de sujeito de direitos, o
Redusgenosse; porém, o processo de criação e a inteligibilidade das entidades jurídicas
eram invenidos: «não são os indivíduos que, mediante um contrato ou algo semelhante,
constituem a colectividade jurídica, mas é a colectividade natural, real e orgânica, dotada de
um espírito e uma vontade próprios, que, como Rech1s11e111ei11sclwji (isto é, na sua actuaçiio
jurídica), possibilita aos seus membros, por meio do seu ordenamento concrl!to, concluir
contratos e estabelecer relações jurídicas» (LWAGNA, op. cit., pág. 60).
• • l1t> Não há a ideia de uma capacidade jurídica abstracta titulada igualmente por cada
~ndivfduo, mas sim a da mera ocupação de uma situação jurídica correspondente à
integração panicular do indivíduo na comunidade. Como diz ORLANDO DE C,,RVALHO (Os
~ireit?s do Homem ... , cit., pág. 9), a noção de personalidade tornou-se «num conceito de
contcudo ondulante segundo o lugar ocupado dentro da co1111111idade jurídica: praticamente
um re""'ss
"" o as ' concepções dos jus ronwm1111 na sua fase mms · prnm11va
· · · e cme1, um
regresso às capitis de111im11io11es, sem ignorar os extremos da 111rpi111do e da i11fa111ia».
156 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
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158 Co11trib11to para 11111a Teoria do Estado de Direito
sentido de considerar sujeita ao Direito toda a actividade administrativa; <<O que pode suce-
der é que duas ou mais medidas tenham objectivamente o mesmo valor jurídico e (ou) que
a.~ autoridades administrativas sejam consideradas as únicas capazes ou as mais capazes de
distinguir o justo do arbitrário. de apreender as últimas exigências da «ordem» administra-
ti va. e que, assim, seja retirado pelo legislador aos tribunais o direito de sindicar a actividade
administrativa sob o ponto de vista jurídico».
Cfr., especialmente. sobre a concepção da justiça administrativa na doutrina nacional-
-socialista, Pn,RANDREI, op. cit., págs. 282 e segs.; BoNNARD, «Constitulion ct Administrntion...»,
cit.. págs. 612 e segs.; ScrrEUNER, «Le Peuple, l'État. ..» , cit., págs. 55 e segs..
m Sobre as violações dos valores fundamentais do Estado de Direito levadas a cabo
pelo poder nacional-socialista, mesmo admitindo o respeito da própria legalidade, não só no
que se refere aos direitos de participação política, como nos domínios do direito penal e, do
direito privado, cfr., por todos, FRANZ WtAECKER, História do Direito Primdo Moderno,
págs. 592,e 616 e segs., e DE YuRRE, op. cit., págs. 602 e seg..
379
E o caso, não só da corrente designada por nova dogmática, mas de Autores como
ScuMm ou Sc111,uNCR; cfr., deste último, «Lc Peuple, l'État... >>, cit., pág. 54 e scgs. e, sobre
Sc11~mT, LwAGNA, op. cit., págs. 99 e seg .. Sc11M11T, apesar de ter utilizado a fónnula
Estado de Direito 11acio11al-socialisw (ver supra, nota 10), considera o conceito de Estcu/o
de Direito insuficiente para designar o novo Estado totalitário nacional-socialista, propondo
antes, para este, a classificação de Estado justo, como Estado correspondente ao
ordenamento concreto do povo e não resultado de uma qualquer vontade arbitr.\ria.
• • Ji!IJ Estão neste último caso: N1cotA1 (para quem o Estado de Direito liberal nem era
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rioso em Outubro de 1917, situava-se, não só em oposição frontal ao
absolutismo czarista - incluindo o pretenso Estado constitucional
saído dos acontecimentos de 1905 - . como também à margem dos
quadros políticos e teóricos do liberalismo, na medida em que o
• programa marxista de transformação social exigia a prévia instaura-
ção de um Estado classista de d itadura revolucionária do proleta-
riado como primeiro acto de um processo de imediato e progressivo
perecimento do Estado até ao advento da sociedade comunista 383 •
............
... .
>
162 Contrib11to para 11ma Teoria do Estado de Direi/o
1
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-
O Estado de Direito~e as Experiências Antí-Ubemis 163
l fl<• Cfr.
sobreludo o texto «As eleições para a Assembleia Consti1uinte e a ditadura do
proletariado», in Oeuvres, t. 30, págs. 259 e segs..
M lbid., l. 27. Paris-Moscow,1974, pág. 278.
M Sendo «a democracia para os pobres, democracia para o povo e não para os ricos,
a ditadura do prolcta,üdo acarrcla uma série de restrições à liberdade para os opressores, os
exploradores, os capitalis1as», significando uma «exclusão da democracia para os explora-
dores, os opressores do povo,, ( Oeuvres, t. 25, Paris-Moscow. 1975, p,íg. 499).
.in O socialismo, de primeira fase da sociedade comunista imediata à tomada do poder
com a Revolução, passa a ser remetido para data longínqua, num adiamento que visa
notoriamente a legitimação teórica do protelamcn10 do início da extinção cio falado e do não
funciónamcnto de uma democracia («completa») a seguir à Revolução. Como cs1a ainda não
4
1
1
164 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
1
Porém, a realização do socialismo, proclamada por Estaline em
1, 1936 não significaria ainda o início daquele processo. Fundado na
393 ,
existe, o Estado não é ainda o representante de toda a sociedade, pelo que, mesmo após a
apropriação dos meios de produção, não pode ainda começar a extinguir-se. Pelas mesmas
razões, a «ditadura do proletariado» passa, insensível mas inovatoriamente, a ser concebida
como transição - não para o comunismo, como era em MARX - mas para essa etapa
intermédia, o socialismo.
393
Cfr., HANS K í:1-5EN, A teoria poUtica do bolchevismo, págs. 141 e segs
3
"' TROTSKY, La Révolwion Tra!tie, trad., Paris. 1969, pág. 262.
m Cfr., por todos, e dado o significado que reveste por ser proveniente do próprio
regime, o relatório secreto de K RtrrCHEV ao XX.º Congresso do P.C.U.S., i11 BRANKO
LAZJTCH, Le rapport Khrouc!ttcltev et so11 histoire, Paris, 1976.
396
É esta, oficialmente, a caracterização da fase actual (desde O XXIV.º Congresso do
P.C.U.S., com B RFJNEV, em 1971), não obstante o seu início ter sido declarodo com
KRUTCHEV, em 1959, e a sua realização prevista para a década de 1970-1 980, conforme
programa do P.C.U.S. aprovado no XXII.º Congresso, em 1961.
O Estado de Direito e as Experiências Anti-liberais 165
397
Cfr.. N. A. ALEXANDROV. Teoria Geral Marxista-Leninista do Estado e do Direito,
II, tr.ld., Amadora, 1978, p,ígs. 37 e segs..
),r,; Na apresentação da Constituição de 1936. EsTALINE proclamara o desaparecimento
..........
p
.,m Nos arts. 13.º a 16.º a Constituição de 1918 reconhece e assegura aos rraballtado-
i 1
1
-
.
1 •
..____
170 Contributo para uma Teoria do Estado de Direito
413
Cfr., assim, S. N. BRATOUS, As Idéias de Lenine àcerca do Direito Soviético e da
Legalidade Socialista, Coimbra, trad., s/d., maxime págs. 37 e segs.; ROMACliKINE, «Lc droit
soviéúque et l'Etat á l'étape actuelle» i11 Príncipes du Droit Soviétique, Moscow, 1964, pág.
21 e scg.; N. A. ALEXANDROV, op. cit., págs. 147 e scgs..
414
Cfr., E. PACIIUKANIS, Teoria Gemi do Direito e Marxismo, trad., Coimbra, 1972.
maxime, págs.141 e segs. e P. SrücKA, Direito e luw de Classes, trad., Coimbra, 1976.
págs. 2 IO e segs..
41
• ~ Seria assim pos~ível multiplicar citações dos juristas e dirigentes soviéticos, e
' 1 1
1
J
p
1
• ~ Note-se que. não obstanlc o grande número de decretos legislalivos emanados dos
sovietes, não se procedeu neste período a qualquer codificação, exccplo no que dizia res-
peito ao direito de família, cujo primeiro código. estabelecendo a igualdade entre os cônjuges,
data de 1918; só a pari ir de J922 - com o «novo curso» iniciado com a N.E.P. - se assiste a
um esforço geral de codificação (cfr. JACQUES BW .ON, O Direito Soviético, Coimbra, lrad.,
1975, págs. 37 e scgs.).
417
Cfr., UMBERTO CERRONI, O Pensamento Jurfdico Soviético, pág. 99.
41
~ «L'État soviétiquc ct l'Éiat de droil», i11 RDP. 1927, pág. 325.
419
Cfr., para as referências à consagração legal destes pri~cípios e sua iníluên,cia no
ord~namento jurídico deste período, MtRKJNE-GUETZf!VITCH, «L'Elat soviétique et l'Etat de
droit», págs. 31 Oe segs..
""
l 172 Contributo para 11111a Teoria do Estado de Direito
420
Sintomáticas da «abertura» deste entendimento de «legalidade revolucionária» são
as seguintes palavras de STOCKA: «Quando [...] tive de definir[...] a nossa atitude perante a
lei na primeira fase da revolução, adoptci a expressão <<legalidade revolucionária». Com a
passagem para uma nova política passámos para a legalidade mas, evidentemente, para a
legalidade revol11ciu11áriu 1... ]. Devemos repudiar qualquer teoria revisionista e economista
que prejudique a importância da lei revolucionária face às relações de produção burguesas.
Porém, devemos igualmente precaver-nos em face uos legistas revolucionários que crêem
na ornnipott'.:ncia do decreto revolucionário» (Direito e lwa de classes., pág. 248 e seg.).
1
1 ' ' Como se dizia num manual de Teoria do Es1ado e do Direito de 1940, da autoria
li
1 de S. A. GoLUNSKII e M. S. Sm0Gov1rn (cfr., G1 usEPr1No TR!!VES, «Considerazioni sullo
Stato di Diritto», pág. 1607), a legalidade socialist:i «como método de cfcctivar a ditadura do
proletariado e a edificação do socialismo» é um modus operandi e não urna fonna fixa; cria
uma «atmosfera de Direito», mas não exclui a aplicação de medidas cxtr,10rdinárias aos
inimigos de classe ou aos inimigos do povo ( «as pessoas que atentam contra a propriedade
social, socialista, são os inimigos do povo» - art. 131.0 da Constituição de 1936).
O Estado de Direito e as Experiências Anti-Liberais 173
•n Conforme dizia KRUTCHEV (cfr., Rapport..., cit., pág. 153), «o mal provocado
durante muito tempo por actos que não tinham cm qualquer consideração a legalidade
socialista revolucionária» deveria ser reparado, pelo que o XX.° Congresso do P.C.U.S.,
aprova «unanimemente as medidas tomadas pelo Comité Central do Partido com vista ao
desenvolvimento da legalidade socialista e ao estrito respeito dos direitos dos cidadãos
garantidos pela Constituição soviética».
O XX.º Congresso assinala, então, o início de um movimento de crítica generalizada
às concepções jurídicas de Y1c111NSKY, dando lugar à eliminação dos aspectos mais arbitnbios
em cada ramo do direito, tais como o recurso à analogia cm direito penal, a retroactividade
da lei penal ou a não publicação das leis. Cfr., HENRI CHAMBRE, L'É1·ol111io11 ,!t,Marxisme
Soviétique, Paris, 1974, págs. 227 e scgs. e U~mERTO CERRONI, O Pe11sa111e1110 Jurídico
Soviético, págs. 107 e segs.).
423
«O Estado soviético e o conjunto dos seus órgãos actuam com base na legalidade
s_ocialista, asseguram a tutela da ordem jurídica, dos interesses da sociedade e dos direitos e
1'.berdades dos cidadãos. As organizações do Estado, as organizações sociais e os funcioná-
nos públicos são obrigados a cumprir a Constituição da URSS e as leis sovié1icas» (art. 4.º).
424
Cfr., neste senlido, N. A. ALE.XANDROV, op. cit., li, pág. 148; JE,,N CARBONNIER,
«Le colloque surte concept de Ia légalité dans les Pays socialistes», i11 R/DC, 1959, pág. 80;
NORMAN MARSH, «Le príncipe de la légalité: réfléxions à propos d'un voyage», i11 RC/J, IV,
n.º 2, 1963, pág. 266 e segs..
q
! funcionar como fonte autónoma de direito, po<lc ser considerada como o equivalente aos
«princípios gerais de direito» ocidentnís (cfr., u~mrRTO CF.RRONI, O Pem111111•mv Jurídico
S01·ié1ico, pág. 109 e seg.). o que. de resto, era já a interpretação proposta por algunsjuri~tas
soviéticos. como D tABLO. cm 1926 (cfr., EoouARD ZELI.WEGHR, «Le Príncipe de la Légnlité
Socialiste», i11 RCIJ. V, n.º 2, 1964, p~g. 189).
·=~ «O respeito do direito. da lei, deve constituir a convicção de todos( ...). A violnção
dos direitos do indivíduo e os atcntados à dignidade dos cidadãos não podem mais ser
1oler:idos. Para nós. comunistas. panidários dos ideais mai~ hum.mos. é uma questão de
princípio» (BRfJNEV no XXIV." Congn:sso do PCUS. ªf""' HENRI CIIAMBRF, op. cit., p.1g. 420).
·~ Cfr., portodos, N. A. Au,xANDRov, op. cit., II. págs. 151 e segs..
'
28
Cfr.. REN~ D,wm, Os Grcmdt•s Sistemas do Direito Cm1te111por<1m·o. trad., Lisho:i.
págs. 246 e segs.; E. ZEI.LWCGER, np. dr.. págs. 219 e segs.; u~mERTO CERR()Nl, O Pe11sa·
111e1110 Jurídico S(ll'iético. págs. 137 e scgs..
·~ Cfr.• GtUSEPPll OE VERGOTrtNI, op. cit.. págs. 449 e segs ..
• JO Cfr.• A. M. NASC11rrz. ,,Orientations Actuelles dans le Ixveloppcmcnt du Régime de
la Légalité dans les Pays Socialistes», ;,, RIDC, 1970, págs. 719 e segs.; esta Aulorn :1Ssinala
aind:i, descnvolvid:imente, o que considera uma tendência generalizada nos «Estados ele h:g:1li·
dade socialisw» para reforçar a competência legislativa originária dos «Parlamc ntn~» rclativa·
mente aos «segundos órgãos centrais» ou aos «órgãos executivos» (ibitl., p:igs. 714 e st'gs.).
d
---
O Estado de Direito e as Experiências Ami-Uberais 175
31
' N. A. ALÊXANDROV, op. cil., li, p:1g. 153 (sublinhado nosso).
432
• Embora sem grande rclevfinda, os 1rihunais pod.:111 comrolar :1 legalidade cm
Slluações de1em1inadas, como sejam a rci.olução ou análise de diferendos cn1re órgãos da
administração e o julga111e1110 de queix:t~ apn:scn1adas por particul.1res rclati\'amcnte a certos
actos administr:uivos lcgahncntc tipificados (cl'r., V. V1.Assor e S. STouoá-1K1NE, «Le droit
adminislratif de I' URSS» i11 Principl!.r du Droil S0vié1iq11e. cit., págs. 136 e scgs.). Alguns
Auiores (cfr.. A. M. NASCIIITZ, op. ci1.. págs. 723 e scgs.) detectam, todavia. uma tendência
global dos «Estados de legalidade socialista» para um rcfon;o da actividade dos tribunais
nesie domínio, manifestada inclusivamente - cmhora com cariíc1er excepcional - no plano
do comr~lo da constitucionalidade (vide u criação do Tribunal Cons1i1ucional na Jugoslávia e n
sua previsão na Checoslováquia), mas sobreiudo na atribuição genérica de um conlmlo de
L
aq
legalidade dos ac1os adminim:uivos - como foi o caso da Jugoshivia e da Roménia - e dos
ac1os nonnativos dos Exccu1ivos aos uibunais ordinários (Roménia). a uma jurisdição admi-
nistraúva especializada (Jugoslávia) ou ao próprio Tribunal Constilucional (Checoslováquia).
rn Sobre a Prornratloria, organismo criado originalmente na União Soviética cm
1922 e depois adoptado pelos restantes «Estados de legalidade socialista», que. para além de
funçôes semclhames às do nosso Ministério Público nos domínios penal e civil, desempe-
nha uma função principal de fiscalização geral da Administração e controlo da legalidade,
cfr., por todos, RENÊ DAv1n. op. cit., págs. 237 e segs ..
Sobre a~ rc~tanles modalidades de controlo, cfr., desenvolvidamente, V. VLASSOF e S.
Srnl!Dé!IKINE, /oc. cir., pági.. 123 e segs..
'" Cfr., ÉDOUJ\RD Zlll.L\VEGER, OJI. cit., págs. 191 e segs. e L UCAS VEROÚ, Ln luclw por
e/ Estado de Derecho, págs. 147 e scgs.. Mais radicalmente, GALVANO DELLA VoLPE
(Rousseau e Marx, págs. 50 e segs. e 1\9 e segs.) apresenla a «legalidade socialista so,•ié-
tica», símese de Ro11sxc•m1 e Knm, como resolução histórica dos problemas levantados pelo
fatado de Direi10; nela verificar-se-ia 11111a rern11stit11iç1io .mci11/i.wa das normas do Estado
de Direito, c1111.1·1•n•adas. mas «:10 111cs1110 tempo 1ransformadas, rrn11srnlorndns - e. cm
sum:i. renowulas - no peculiar regiMo progrcssi,t:i ccunómico-social-polltico ele um Estado
socialista enquanto ·fu1ado de todo u povo'»; só cst;1 r1•1101·111io socialis1a dos direitos
suhjec1ivos. consis1indo na supressão do direito de propriedade privada dos meios de pro-
dução (e só dele), pcm1i1iria, 11nalmcntc, a realizaçüo vcrdackiramente universal do princípio
élico Kantiano do homem como fim e 111111cn como meio.
-
O Estado de Direito e as Experiências Anti-liberais 177
35
' Cfr., A. M . NASCHITZ, op. cit ..
,x, Sobre a independência dos juízes, e apesar dos limites ainda existentes (cfr., E.
Za.LIVEGER, op. cit., pág. 227; CASTANHEIRA NEVES, o lnsti/lttO dos «Assemos» ...• cit., págs.
9 e 457; G1usEFPE DE VencornNt, op. cit., págs. 489 e scg.), é possível detectar uma
evolução significativa desde as declarações de Y1CHINSKY, segundo as quais não deveria o
juiz: soviético hesitar cm contrariar a lei para seguir as dircctivas do partido que para ele
seriam sempre a lei suprema (ap1ul ZELLWEGER, /oc. cit.. pág. 200), até à consagração
constitucional do princípio da independência no m1. 155.º da Constituição de 1977.
417
A Revo/uçüo e o Direito, pág. 203.
438
Cfr., com um sentido que consideramos convergente, as diferenças entre Estado
~ D!reito e Estado de teia/idade socialista recenseadas por JORGE MIRANDA, Mamw! de
p;~1~0 Constitucional, t. I, págs. J78 e segs.; MARCELO REue1.o DE SousA, Os Partidos
luicos..., cit., págs. 38 e segs..
-
178 Co111rib11to para uma Teoria do Eswclo de Direito
J
CAPÍTULO VI
o Estado de Direito Perante as Novas Exigências
de Socialidade e Democracia no Século XX
- O Estado Social e Democrático de Direito
1 1
segs. e, desenvolvidamente, entre nós, ARMANDO MARQUES GUEDES, O Plano Beveridge,
Lisboa, s/d, págs. 87 e segs..
""' Cfr., por todos, A. MARQUES GumEs, ibid., págs. 47 e scgs. e 58 e scgs..
2
•• Sobre a importância de LoRENZ VON STEIN como teórico precursor do Estado social
administrativo (posteriom1cnte retomado por FoRSHIOFT' - cfr., GOMES CANOTlLHO, Co11stit11i-
ção Dirigente..., cit., pág. 85) no quadro de uma «monarquia social», cfr., GARCIA-PELAYO,
«La Teoria de la Sociedad cn LoRENZ VON SmIN», in REP. 1949, XXVII, págs. 78 e segs.:
HERBERT MARCUSE, Razão e Revoluçcio, págs. 341 e segs.; ERNST FoRSTHOFF, Swto di
Diritto...• cit., págs. 37 é seg. e Traité de Droit..., cit., págs. 97 e seg.; K URT LENK, Teorias
de la Revolución, trad., Barcelona, 1978, págs. 48 e segs..
O Estado de Direito perame as novas exigências de socialidade 18.1
-1o1J Cfr .• as referências indicadas por PmRRG ROSANVALLON, ú1 Crise d,• l'État-
·Providence, págs. 149 e segs..
..,. Cfr., SALVATORE LENER, Ú> Staro Sociale Co111empom11eo, Roma, 1966, págs. 62 e
scgs.; ERNST FORSTIIOFf', Stato di Diriflo i11 Tra11.'ifomudo11e, dt.. pág. 135.
445
• Cfr., particularmente, os arts. 21.º e 22.º da Declaração de Direitos de 1793; note-
:se, ª1~da, que o projccto não adoptado de RooESPJERRE constituía uma verdadeira cana de
•nte_nçoes sociais, desde a limitação da propriedade ao estabelecimento de uma previdência
social !ªr~ada (cfr.• M1RKJNE-GuETzi'.:v1rcH, Les Nolll'elles Te11da11a.c .. cit., pág. 87).
. E O Ca5o, nomeadamente da Constituição francesa de 1848 (apresentada, neste
SCnlJdo
.. , : por JORGE MIRANDA, como ' «um texto precursor do século XX» - c rr.• -,. , exws
Ht.itoricos ri0 D. . C bé ,
as v· . rre110 011stit11cio11a/, Lisboa. 1980. págs. 243 e segs.); tam m, entre nos,
Conanas_ C~onstituições do liberalismo consagram este tipo de direitos, desde logo a partir da
Slltuiçao de 1822 (arts. 237. º, 238.º e 240.º).
!
1
L
182 Co11triburo para uma Teoria do Estado de Direito
9
"' Como diz M1RKINll-ÜUE"rLtv1TCH (Les Nouvelles Tendances .... cit., pág. 89), nas
asscm~leias constituintes do pós-guerra «a questão social era colocada em primeiro lugar
pela cnse económica da gucn·a e, cm seguida, pela experiência ameaçadora da revolução
russa; no mesmo sentido, CARL SCIIMJTr (Teoria de /a Cm1stit11ci611, pág. 168) cita FR.
NAUMANN que, na Assembleia Constituinte tlc WEIMAR, proclamava abertamente: «A mais
~ecente c.onstituição da actualidade, a Constituição bolchevista russa de 5 de Julho de 19·18.
e, por ~;;;~11n dizer, a concorrente directa da Constituição que aqui estamos a elaborar».
CARL Sc1·1M1rr, ibid..
~' Cfr., VITAL MoREIRA, «O Estado capitalista e as suas fonnas», i11 Vénice, 1973. n.º
348 ' pags. 5 e scgs..
-
:q
12
• Cfr., V1TAL MOREIRA, <<A Ordem jurídica ...», cit., págs. 203 e segs..
,ii Ncs1e semi do fala LUCAS VERDú ( «Constitución-Administración-Planilicación», in
Eswdios Juridico-Sociales, llomenaje ai Professor Luis Legaz y Lacambra, II, Santiago
de Compostela, 1960, págs, 859 e segs.) na passagem sucessiva dos princípios básicos
reguladores da convivência política ocidental da Co11stit11içiio (Estado liberal) para a Admi-
11istraçiio (Estado democrático intervencionista) e, por fim, para a Planiftcaçiio (técnica
superior de racionalização e ordenação social da convivência no Estado contemporâneo).
4
s.i Cfr. a fértil produção teórica da corrente marxista, sobretudo nos anos setenta,
sobre esta questão; assim, entre muito~. ERNEST MANDEL, Le Troisieme âge...• cit., III, págs.
167 e scgs.; N1cos PoutANTZAS, L 'Etat, /e Pom•oir... , cit., págs. 183, e seg.; JORGEN
HABERMAS, Raiso11 ~t Légitimité, trad., Paris, 1978, págs. 37 e segs. e 76 e segs.; JoACHIM
H1Rsc11 e outros, L'Etat co11te111porai11 et /e marxisme, Paris, 1975; CLAUS OFFE, Lo Sraro 11el
capitalismo maturo, trad., Milano, 1977, (reimp. de 1979), maxime págs. 17 e segs., 33 e
scgs. e 123 e segs..
:l
1.
1
..
o Estado de Direito perante as novas exigências de socialidade 185
m E' sobrctuuo
·' destas alterações que procuram dar conta as vanas
' . ConslltlllÇoes
. ' -
europeias que se seguem imediatamente à 1.• Guerra Mundial (e também, e mais
avançadamente, a Constituição mexicana de 1917), tais como a de Weimar, em 1919, da
Polónia de 1921 e da Roménia de 1923 (cfr., as respectivas referências em Mn{KINE-
-GumÉvn-cu, les No1111ef/es Temlw,ces ... , cit., págs. 90 e segs.).
. "'° Note-se, contudo, que s6 inco111plc1a111cntc estas dimensões do Estado social têm
vindoª obter recepção constitucional em toda a sua extensão. não obstante o desenvolvimento
gera~ dos princípios estabelecidos nas Constituições do primeiro pós-guerra e a própria consa-
façao da fórmula de <<Estado social» cm algumas Constituições como a de Bona de 1949, a
rancesa de 1958 e a espanhola de 1978 (e também a anterior Constituição franquista).
b
-
188 Co11trib11to para 11111a Teoria ,lo Estado de Direito
"'·' Cfr., neste sentido, G,,RCIA-PELwo, lt1s TransfomUtciones .... cit.. pág. 13 e scg. e
p:ig. 48 e seg.; também, embora de perspectiva diferente, JoAQU1~1GOMES CANOT1u10. «Es-
tado Social» in Sobre o capim/ismo {Jor111,:ués, Coimbra, 1971, págs. 214 e segs. e VITAL
MOREIRA, A Ordem Jurfdica ... , cit., págs. 115 e scgs..
1
"' Cfr.. porém. parn a distinção .:ntrc «assistênci:1», «previdência» e «segurança
social», SALVATORE LEN~R. Lo Stato Sociall' ..., cit., 111(/Xillle págs. 273 e seg. e 290 e seg..
"'' La Crise di' l'Etat-f'ml'itlr11c,,, pág. 25; Ros,,NVALLON localiza a origem da expres-
são «Estado-Providência,, nos círculos do pensamento liberal, na época do Segundo lmpé·
rio francês (op. cit. , pág 141 ).
""'No mesmo sentido c!'ª BuRDE.,11 (O Liberalismo, pág. 157) as reacções contra a
assunção pelo Estado do proJecto de supressão da miséria. que era visto, na época do
apogeu do liberalismo. corno uma «condenação da Providência».
• 1
1
5
"' De matriz anglo-saxónica e de vulgarização recente, a expressão já era utilizada na
Alemanha do século XIX («Wohlfahrstaat»), quer nas propostas dos socialistas de cátedra,
quer rcíerida à política de prossecução do bem-estar pelo Estado de Polícia do século
XVIIJ. Mas, é sobretudo sob a égide teórica da «revolução>> económica keyncsiana e com
base no notável crescimento propiciado pela introdução das inovações científicas e
tecnológicas no processo produtivo que se configura modernamente o \Velfare State. As-
sim, é nomeadamente após o Beveridge Report («Social lnsurance and Allied Services») de
!942 (cfr., a citada tradução portuguesa de um seu resumo e a respectiva introdução de A.
MARQUE.~ Gu1::ocs) que a dimensão de bem-estar do Estado Social se afirma definitivamente
enquanto «política compreensiva de progresso social» assente numa política de pleno em-
prcg~ e numa «compensação nacional dos riscos sociais», através da instituição estadual de
um sistema de. segurança social centralizado, unificado, generalizado e uniforme (cfr., A.
MARQucs GuE01:~. op. dt., p~gs. 147 e scgs.; PmRRE Ro~ANVAU.ON, ap. cit., págs. 141 e segs.).
"'''
..,, GARCIA·Pl'~..AYO, /-,(1.v Tr1111sfor11111cio11es.... cit., p:\gs. 13 e segs... . .
1
dad .· Nest~ sentido, a importfmcia da política fiscal não só no financiamento da a~t1v1-
i1tst~ assist~ncial do fatado, mas, sobretudo, na redistribuição dos rendimentos com vista à
Di,/r/('.CWI. conligur.1 O \Ve(fare Stale como Eswdo fiscal, como S1e11erstaat (SCHUMPETER,
l.1/s cl<•s Ste11erstaat 191 º)
M
""e fr., entre nós, MIGUEL. º·GALVÃO TELES, nas 1101t1s aditadas a MARCELLO CAETANO,
ª""ª'
págs. elee e- s wn~,a· Política e Direito Co11stit11ci~11a(, 6.ª ed.•. L1s~o:i,
· · . - de 1983,
re1mprcssao
324
-1114 • egs., VITAL MOREIRA, «O Estado capllahst:i... ». crt., pag. 7 e seg..
CARL SCHM1rr, Legalidad y Legitimidad, págs. 3 e segs., mmime 7 e seg..
190 Co111rib1110 para uma Teoria do Estado de Direito
10
• Cfr., entre nós, MARCELO R EBELO DE SousA, Os Partidos.... cit., págs. 46 e segs. e
129 e segs..
471
Cfr., por lodos, M. GARCIA·PEl.AYO, l(iç Tmmfom1acio11es..., cit., págs. 116 e segs..
m GOMES CANOT JLHO, «Estado Social», cit., pág. 211 .
T
l
\ O Estado de Direito perante as novas exigências de socialidade 191 '
J
~ t
zação do Estado im~lica, não apenas o reconhecimento da interven-
ção dos grup~s de mtere.sse e organizações sociais na tomada das
l
1
decisões políticas centr.ai!· n:as, fundamentalmente, a recondução
institucional dessas dec1soes a vontade democraticamente expressa 1
pelo conjunto da soci~dade: . 1
Para que o quahficattvo «social» aposto ao Estado não seja 1
l
cu., págs. 32 e scgs.. . . .
Já VITAL MOREIRA («O Estado capitalista...», cit., págs. 8 e sc~s.). d1s11nguindo embora
0 «Estado social» das doutrinas de reforma social do Estado prussiano do século XIX com
baseºª. c??Linuidadc, naquele, dos princípios de Estado d~ Direito. admite, contudo, ·~ sua
cornpaubihzação com uma involução autoritária, na medida cm que •<há estado social e
estado social».
l
1
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1•
/ .
...______
1
L
l •
1
479 Cfr. a generalidade das obras citadas. sobretudo a síntese contida no ensaio de
1953 «Begriff und Wesen des sozialen Rcchtsstaates», traduzido e incluído em Stato di
Diritto in Transformazione, cit., págs. 29-70.
Para uma introdução às teses de FoRSTHOFF e à «polémica alemã», cfr., por todos,
CARLO AMIRANTE, «Presentazione» a Stato di Dirino in Transfonnazione e, entre nós,
GoMES CANOTILBO, Direito Co11stitucio11al, págs. 284 e segs. e Constituiçcio Dirigente...,
cit., págs. 82 e segs..
4!!0 Esta posição doutrinária revela-se da máxima importância e justifica uma análise
mais demorada por duas ordens de razões: em primeiro lugar, e apesar de se integrar na
polémica especificamente desenvolvida em tomo da Constituição da R.F.A., fundamenta-se
em argumentos generalizáveis, o que, aliado à marcada intenção política que lhe está
subjacente, lhe renova a actualidadc em todas as latitudes em que o problema se coloca; por
outro lado, constrói-se essencialmente cm torno de uma particular concepção de Estado de
Direito que, a ser aceite, confinaria a vigência deste a um tipo de Estado historicamente
situado nos quadros do pensamento liberal e burguês, excluindo, à pai1ida, qualquer even-
tual utilização do conceito no contexto das transformações económicas e sociais comportadas
pelo século XX, a não ser enquanto instrumento politicamente dirigido a retirar legitimidade
a tais transformações (cfr., como exemplo característico desta utilização, entre nós, o citado
texto de HEINRICH E. I-lóRSTER, «O Imposto Complementar e o Estado de Direito»).
Porém, a vitalidade desta posição manifesta-se ainda, de forma parcelar, nos mais
diferentes contextos teóricos e políticos; cfr., assim, os seus reflexos nas reservas expressas
por Gumo FAssô e FRITZ Gvo1 à compatibilidade de Estado de Direito e Estado Social
(respectivamente, i11 «Stato di Diritto e Stato di Giustizia», cit. , e «L'État de Droit et
l'organisation contemporaine de l'économie et les rapports sociaux», in RCJJ 1962, n.º 1,
págs. 3 e seg.); também, entre nós, MIGUEL GALVÃO TELES (cfr., as notas aditadas a
M ARCELLO CACTANO, Manual de Ciência Poli1ica ... , cit., págs. 324 e segs.) acolhe, em ccrt:l
medida, a ideia de tensão entre os dois conceitos e a concepção de Estado social de Direito
como «forma mista entre o Estado de Direito e o Estado político-administrati vo», na qual
coexistiriam elementos de Estado de Direito e elementos que lhe são «estranhos».
d
o Estado de Direito perante as novas exigências de socialidade J95
>
""'
·--
f
o Estado de Direito perante as novas exigências de socialidade 197
489 Ul
490
« Repubblica... », cit., pág. 553.
49 1
El Estado. de la Sociedad Industrial, pág. 108.
•n «La Repubblica...», cit., pág. 561.
Stato di Diritto..., cit., pág. 92.
198 Co11trib1110 para 11111a Teoria do Estado de Direito
«.16 É este o sentido que se recolhe lapidarmente no an. 3.º da Constituição italiana:
«Incumbe à República remover os obsláculos de ordem económica e social que. limitando
de facio a li herdade e igualdade dos cidadãos, impedem o pleno desenvolvimento da pessoa
humana
. e a e1·cct1va
· panicipaç·ão de todos os trabalhadores na orgamzaçao
· - po)"1t1ca, ccon6•
m1ca e ·
social do país».
•91 e
'°" fr., N1coLà TROCKER, «I Rapponi. ..», cit.. pág. 1154.
' ')<) EHRHARDT SoA1tr:S, Direi/o Público... , cit., pág. 90.
~~ O Instituto dos «as.1·entos» .... cit., pág. 143. .
rn~:~~s.:
a
E
~onvergentcrncnte, SALVATORE LENl:R (lo Stato Sacia/e.... cit .. pág. 149) classifica
10
alemã «M>Zialer Rechtsstaat» de pleonástica e duplamente tautológica t'i:ctºe é 0
• no plano conceptual 1mro» o fundamento do Eswc/a, do Estado tle Direito e do
St<ulo Snc · / · ' ' · 1· , " · 1
'ª • ou SCJa, a dignidade da pessoa humana como ser rac1onal, MC e soc,a ·
..___
---
"'' Sobre os direitos sociais e a sua discutida natureza e relevânci:1jurídica, cfr., por
todos, e entre nós. Gm!ES CANOTILHO, Co11sti1t1içlio dirigeme.... cit., págs. 365 e scgs. e
Direito Cons1i11.1rin11al. pdgs. 447 e segs. e 517 e .~egs.; VnõJRA DE ANoR,,oi;, Os direitns
ftmdamentais ...• cit., págs. 205 e segs., 300 e segs. e 343 e segs.; JORGE MIRANDA, Adita-
mentos de Direito C01wi111cio11al, cit., págs. 209 e segs..
"'2 Para além da consagração consti1ucional expressa dos direi1os sociais - cfr ..
assim, a Constituição Portuguesa de 1976 ou, num outro con1ex10 e à margem dos quadros
p
'l.l
,1
"
,.,,!:
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1
1 202 Co11tributo para uma Teoria do Estado de Direito
507 Note-se que neste novo alcance do princípio da legalidade não vem implicada
qualquer ideia de menor submissão da Administração aos limites impostos pela Lei - como
acontecia no analisado princípio da aderência ao Direito do nacional-socialismo -. mas
apenas o seu entendimento corno submissão da Admini5tração, não só à lei ordinária, mas a
todo o «bloc légal» (cfr., supra, nota 2 18), onde avultam necessariamente as nomias da
Constituição e os princípios gerais de direito nela acolhidos. . .
50K Sobre estas tendências, e o seu sentido polémico, clr., descnvolvtdarnente. entre
nós, Dtoco FREITAS oo AMARAL, Direito Ac/111i11is1m1ivo, 2.0 vol, págs. 207 e scgs. e 270 e
segs.; JosÉ CARLOS MOREIRA, «O princípio da legalidade na Adrninis'.raç,ã~», págs. 402 e
segs.; fatRH,\RDT SOARl;S, fnteresse Público ..., cit .. págs. 87 e segs. e «Pnnct.PJO_ d.e lcgahd?de
e administração constitutiva», págs. f 78 e scgs.; StRvu1.o CORREIA, «Os pnnc1p1os constitu-
cionais da Administração Pública», págs. 672 e scgs.. . .. .
509 Cfr.. WtLHELM RõPKE, «Lo Stato assistenziale sotto 11 fuoco dclla cnttca», 111 li
)li Cfr., neste sentido, as diferentes críticas de matriz marxista; entre muitos, N1cos
PoulANTZAs, L'É1at, /e pouvoir el /e socia/isme, cit., maxime págs. 76 e segs.e 226 e segs.;
JORGEN HABERMAS, Raiso11 et légitimilé, cit., maxime págs. 70 e segs. e 85 e segs. e La
reconstrucción dei materialismo histórico, trad., Madrid, 1981, págs. 263 e 273 e segs.;
Lu1c1 FERRAJOLJ, Democracia autoritaria y capitalismo maduro, trad., Barcelona, s/d, págs.
23 e segs. e 40 e segs.; CAno MARTIN, «Estado y Estado de Derecho en el capitalismo
dominante: aspectos significativos dei planteamiento constitucional espaiiol», i11 REP. n.º 9,
1979, págs. I07 e segs ..
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' 1
\. J
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O Estado de Direito perante as novas exigência.1· de socialidade 209
b
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•
1
321
. Cfr, neste sentido, as reservas formadas por GoMES CANOTILHO, Direito Constit11-
c,ona/, págs. 280 e segs..
~~ Con1udo, para uma recensão desenvolvida dos clemenlos e princípios componen-
tes do
287 >
Estad
: o d~ o·1rc110,
· cfr., entre nós, GOMES CANOTILHO, D'irelfo
· Const11uc,ona
. . 1. pags.
,
1: segs .• e. amda, JORGE MIRANDA. A Constituição de /976. pág. 476. e MARCELO R EBELO
DESous,' • o·1re1to
· Co11stit11cio11a/, maxime págs. 300 e segs..
<
521
O que não significa, note-se, a recondução da legitimidade ao processo, na medida
em que o sentido da decisão se legítima externamente, como vimos, na intenção de realizar a
justiça material na vida da comunidade.
528 A nossa opção fundamenta-se, porém, nas seguintes razões: em primeiro lugar,
d
O Estado de Direito perante as novas exigências de socialidade 215
r
1
Mas, é obviamente a última concretização («socialismo demo-
crático») que tem suscitado maior polémica, contra ela se renovando
os argumentos já esgrimidos relativamente à tentativa de compatibili-
zar Estado de Direito e Estado social. Tudo se reconduziria, em geral,
à alegada impossibilidade de conciliar a propriedade social dos meios
de produção com a garantia dos direitos fundamemais e, logo, o
socialismo com o Estado de Direito e, por definição, com o Estado
social de Direito.
Porém, tal como referimos (supra, VI.2.), na raiz desta concep-
ção - independentemente das diferenças políticas, por vezes radicais,
entre os seus defensores529 - está sempre o a priori ideológico que
identi fica direitos fu ndamentais do homem com inviolabilidade da
propriedade privada dos meios de produção. Pelo contrário, na con-
identificada com o resultado natural do livre jogo das forças concorrentes no mercado;
diferentemente, o neo-libcralismo, partindo embora da concorrfü1cia como princípio regula-
dor da convivência social, atribui ao Estado a incumbência de assegurar os pressupostos
(políticos, económicos, ideológicos, culturais) do livre jogo daquelas forças e daí o apelo
simultâneo à autoridade de um Estado forte, capaz de regular, organizar e proteger a concor-
rência. Por último, porque, e independentemente do discurso ideológico dos defensores do
neo-liberalismo, a intervenção social do Estado e a sua imbricação com a sociedade atingi-
ram um grau de desenvolvimento que impede, objectivamente, a rejeição absoluta do princí-
pio de socialidade, sob pena de rupturas que tomariam ingovemáveis as sociedades contem-
porâneas. Daí que estas con-entes sejam objectiva e subjectivamente impelidas a inscrever o
«seu» Estado mínimo numa íluidez de limites que impede o estabelecimento de uma nova
teoria de «Estado liberal» e permite a sua integração - com as reservas e dúvidas já admiti-
das - nos quadros do Estado social e democrático de Direito.
szy Curiosamente, na invocação desta pretensa incompatibilidade confluem, tanto as
correntes conservadoras que rejeitam o socialismo em nome do Estado de Direito (cfr., entre
nós, por todos, H. HóRSTER, /oc:. cit.), como as correntes radicais ele matriz marxista que, cm
"?me do socialismo, rejeitam o Estado de Direito ou, quando muito, o reduzem a uma
dimensão instrumental de combate «classista» (cfr., entre muitos, ULRICM K. PREuss, «Sul
contenuto di classe della teoria tcdesca dcllo Stato di diri110» e RuooLr W1ET11ôLTER, «Gli
intercssi dcllo St:ito di diritlo borghcse», ;11 L 'uso altematil'f> dei Diritto, 1, Roma-Bnri,
1973, respectivamente, págs. 15 e scgs. e 37 e segs.; J. R. CAPELw\, «Sobre cl Estado de
Dcrecho Yla democracia», in Mmeriales para la Critica de la Filosofia dei Est<1do, Barce-
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