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Também no candomblé todas as coisas estão relacionadas entre si.

Assim, na nação
congo/angola, a utilização das cores branca e preta em seus rituais também pode estar
relacionada ao “mundo dos mortos” e ao “mundo dos vivos”, tal qual a encontramos na
cosmologia bakongo. Morin (1975, p. 1006) escreve que “o estudo das sociedades arcaicas
mostra-nos que a decoração, o adorno, a escultura e a pintura podem ter valor de proteção e
de sorte, estando ligados a crenças mitológicas e as operações rituais”. Para podermos
entender “essa magia”, a que se processa tanto no candomblé quanto nos ritos bakongo,
devemos ter em mente a ideia do duplo que se processa na imagem. ... a imagem já não é uma
simples imagem, ela tem em si a presença do duplo do ser representado e permite, por meio
desse intermediário, agir sobre esse ser; é esta ação que é propriamente mágica: rito de
evocação pela imagem, rito de invocação à imagem, rito de possessão da imagem
(encantamento) (MORIN, 1975, p. 106-107). A utilização das cores na nação angola, nas
vestimentas, nas pinturas da pele do recém iniciado, a utilização do pó branco que é o giz
sagrado pemba tem um sentido e um significado que podem estar relacionados com a vida e a
morte. Pemba – a cor branca do "outro mundo". A cor branca é a preferida do candomblé
congo/angola. As vestimentas nas cerimônias de iniciação, assim como nas “saídas das
muzenzas”7 , sempre são brancas, bem como nas cerimônias de morte. Simbolizando a cor
branca, o candomblé congo/angola e também o queto utilizam a pemba8 para pintar os recém
iniciados com pequenas pintas que lhe cobrem o corpo, significando que o neófito passou por
um processo iniciático que está sendo finalizado e que ele está “limpo” das influências do
mundo em que vivemos. A utilização da pemba (ralada) em pó e soprada nas quizombas pode
ser identificada como um ritual próprio do candomblé angola9 . Em São Paulo, não é somente
a nação angola que utiliza o pó de pemba nas festas públicas, pois há terreiros de nação queto
que a utilizam, talvez pela herança da iniciação do pai ou mãe de santo, 7 Saída de Muzenza: é
uma festa pública em que o recém-iniciado no candomblé angola é apresentado para o
público. Por sua vez, Muzenza é o recém iniciado no candomblé angola. 8 Pemba: giz de cor
branca utilizada no candomblé, para pintar o neófito, soprar na sala, entre outros rituais, com
intuito de afastar maus espíritos e fazer a ligação com o mundo ancestral. 9 Quizomba: festa
pública do candomblé angola em louvor a algum inquice ou por motivo de uma iniciação ou
obrigações de filhos com sete, quatorze ou vinte e um anos de iniciado. 9 que se deu na nação
angola. Contudo, não encontrei, por exemplo, o ritual de “soltar pemba” em festa pública no
tradicional terreiro baiano de nação queto, o Axé Opo Afonjá. Assim, sobre esse assunto, ouvi
de um pai de santo de São Paulo que transitou da nação congo/angola para a nação queto a
seguinte observação: “Ele (ao comentar sobre outro pai de santo de angola) canta tudo aquilo
no começo (da festa pública)?” Daí cantarolou um pedaço da cantiga da pemba e continuou:
“– Eu não faço mais nada disso. No queto não tem nada disso.” (Pai Kaobakecy) Pai Kaobakecy
fez esse comentário, porque no início das festas públicas da nação angola, após cantar o
pedido de licença ao inquice Inkossi, iniciam-se as cantigas da pemba. Neste momento, o pai
ou a mãe de santo apanha um punhado de pemba em pó e o assopra no centro, nos quatro
cantos do salão, para a porta de saída. Em algumas casas, um pouco deste pó é depositado em
pequenas porções nas palmas das mãos dos participantes da roda de angola e dos tocadores
de atabaques, que se ungem com esse pó branco antes do chamado aos inquices. Os adeptos
dizem que a pemba é “soprada” no salão de festas para limpar o local. Entretanto, sabendo
que pemba (mpemba) é um nome quimbundo e, portanto, de origem congo/angola, e
conhecendo a relação da cor branca com a morte entre os bakongo, ousaríamos pensar que a
pemba tem um significado muito mais profundo do que simplesmente proporcionar a limpeza
transcendental. Segundo Eliade (2001, p. 64). : “Participar religiosamente de uma festa implica
a saída da duração temporal “ordinária” e a reintegração no Tempo mítico reatualizado pela
própria festa.” O tempo e o espaço religioso não são homogêneos nem contínuos, pois se
constituem no limiar entre o mundo profano e o sagrado, que se abrirá para a comunicação
com os deuses por meio de rituais. Assim, no começo da quizomba, isto é, a festa pública,
quando o pai ou a mãe de santo “solta a pemba” no salão de festas, a brancura deste pó, que
simboliza o mundo dos inquices e dos ancestrais, estimulará o contato com o “outro mundo”,
tornando mais fácil a “chegada” dos deuses que virão confraternizar com os vivos, Ao mesmo
tempo, o pó de pemba afastará os maus espíritos que por acaso estiverem presentes devido a
alguma contaminação no mundo dos viventes. Na maioria dos terreiros, à pemba ralada 10 são
acrescentadas sementes e folhas maceradas que são consideradas como purificadores de
ambiente. O sacerdote, ao soprar o pó branco no salão e nos filhos de santo, proporciona uma
inversão dos mundos, pois é por meio da pemba ritualizada que será efetuada a “abertura”
para a comunicação com os deuses. Daí sua grande importância para o candomblé
congo/angola, pois ela torna possível e segura a comunicação com o mundo dos deuses, que
poderão descer a terra enquanto o homem, simbolicamente, subirá para o céu. Também nos
rituais de iniciação do candomblé angola, a presença da pemba e da cor branca é muito
importante, e é neste rito de passagem que a comunicação com o inquice se dará através do
transe. Um rito de passagem A iniciação é o renascimento místico. Os filhos de santo, ao se
iniciarem no candomblé, passam por diversos processos que fazem parte do simbolismo do
renascimento. Eles são recolhidos à clausura, passam pela tonsura, aprendem um novo
vocabulário pertencente à língua sagrada, são proibidos de usar talheres para se alimentar, são
zelados como crianças, pois abandonarão a vida passada, receberão um novo nome e,
simbolicamente, renascerão para uma nova vida. Redinha (1974, p. 371). registrou entre os
povos de Angola processos iniciáticos, que assim como no candomblé angola e em outras
nações, envolviam a tonsura e o recolhimento do neófito: As liturgias dos diversos rituais
incluem tonsuras ou tosquias praticadas com freqüência nas diversas regiões e grupos,
nomeadamente na entrada dos jovens nos retiros puberbáticos, nos ritos de viuvez, na
iniciação das raparigas desde Cabinda ao AltoZambeze, nos indivíduos sujeitos a estágios
expurgatórios de faltas contra a sociedade, e outros de variada prática. Há uma distinção entre
os ritos de puberdade e as cerimônias de iniciação para admissão de um sujeito em uma
sociedade religiosa ou secreta. Enquanto nos ritos de puberdade todos os adolescentes têm
que passar pela iniciação, as iniciações religiosas não são para todos, mas apenas para certo
número de pessoas. Como escreveu Redinha, as iniciações em África eram de diversas
modalidades, mas no Brasil restringiram-se à sociedade religiosa, isto é, ao sacerdócio e aos
filhos de santo. As iniciações em São

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