Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DO DESAFIO À PRÁTICA
Conhecer, meu senhor, é saber quê. E o quê. Não é só constatar. Pois sim.
Constatar qualquer um constata. Basta olhar, sentir, apalpar. Pode-se tocar
o mundo com os olhos ou ver com os dedos pelo só observar. Fácil.
Conhecer dessa forma é captar o 'por fora de tudo'. O que está fora das
plantas, do homem, da sociedade, do Estado, das palavras. A ciência diz que
precisa conhecer. Quer saber, pois, o "por dentro" ou "para além" do por
fora. Por isto, as causas, a essência. Já disse: o concreto por detrás do
aparente, a regularidade no irregular, a identidade na diferença. Isto,
Senhor, são caminhos do conhecimento sábio.
Neidson Rodrigues
dados, uma experiência de trabalho metódico – que implica uma atividade racional,
visando à sua elaboração sistemática, nos procedimentos racionais e lógicos seguidos
pelo homem na busca de solução ou soluções para um problema qualquer que afete seu
conhecimento. Colocado dessa forma, pode parecer por demais complicado ou pomposo
o procedimento que se deve seguir, quando o aluno deveria, por exemplo, "fazer apenas
uma pesquisa" (atividade que, equivocadamente, no universo escolar e/ou acadêmico
tem se devotado à reprodução pura e simples, desarticulada de qualquer componente
crítico). No entanto, em termos práticos, podem ser relacionadas, de forma bem concisa,
as orientações básicas para elaboração de trabalhos científicos em nível de graduação:
• técnicas de leitura;
• técnicas de estudo e apontamento;
• referência Bibliográfica;
• elaboração de trabalhos universitários.
A saber, seriam esses os procedimentos considerados fundamentais para o
hábito de lidar com os trabalhos acadêmicos. Mas não o seriam suficientes para a
aquisição de hábitos exigidos pela pesquisa científica que, em tese, devem orientar o
aluno durante todo o período acadêmico. Explica-se: afinal, a disciplina parece restrita
ao primeiro semestre do curso, e a tendência é que os "hábitos" sejam diluídos e, quem
sabe, mesmo "esquecidos" ao longo do curso. Isso, se não considerarmos também, no
cotidiano da escola e no contexto da prática educativa, o propósito da disciplina de
auxiliar os demais professores na orientação e na avaliação dos trabalhos propostos aos
alunos. E, então, a exigência dos procedimentos ditos metodológicos ou científicos é
posta em xeque. Os trabalhos correspondem às expectativas? Ou menos: atendem a um
mínimo de organização ou de sistematização do pensamento? E, sendo assim, no que
toca ao corpo docente, também a avaliação desses trabalhos se perfaz de forma
metódica, nas demais disciplinas, de modo que o acadêmico possa perceber a
necessidade prática (ou pragmática?) daquela "matéria" que parece restrita ao campo da
normalização pura e simples? Em que lugar se situa a interdisciplinaridade?
Essas questões, obviamente, suscitam uma reflexão crítica para toda e
qualquer prática, a qual esse artigo procura corresponder, evidentemente limitando-se à
questão da manipulação do conhecimento segundo os pressupostos da referida
metodologia.
É certo e a prática tem nos mostrado isso, que os alunos se ressentem diante
de uma exigência intelectual mais rigorosa. Em verdade – e em grande parte – resistem
mesmo a ela. Daí, a inevitável normalização preceituada pela Metodologia Científica, o
que inclui as normas da ABNT, para a produção de trabalhos científicos ou acadêmicos
é, muitas vezes, tida como "rigorismo" apenas, o qual se pode burlar (e muitos, muitos o
tentam) com o mais ingênuo empirismo que, no mais puro estilo São Tomé, leva os
RABELO, Maria Ângela Sena. Metodologia e pesquisa do trabalho acadêmico: do desafio à prática. Revista da FADOM,
Divnópolis, n. 13, p. 55-59, 1º semestre de 2003.
Revista da FADOM, n. 13. 57
Sob essa perspectiva, seria então pedir demais aos nossos acadêmicos que
assumam uma atitude científica ao manipular o conhecimento – aqui entendida como
uma curiosidade saudável com que se buscam as evidências para uma base sólida do
conhecimento? Portanto, que percebam a Metodologia Científica não apenas como um
conteúdo a mais, mas como ações e/ou procedimentos aplicados ao real, uma vez que,
na formação cultural e acadêmica do aluno não está em jogo apenas a acumulação de
informações e o domínio de certas habilidades, mas a capacidade de manipular e operar
o real. E no estágio de um curso superior, o sentido disso é óbvio: afinal, estão em
questão o treinamento, a apreensão de conteúdos, o saber sistematizado, pois o que se
persegue é a profissionalização (LIMA, 1986).
Esse fato, evidentemente, se une aos objetivos de um curso superior em que
o processo escolar está um tanto quanto restrito ao treinamento profissional (aquisição
de habilidades) e não especificamente a uma pedagogia para eclosão das
potencialidades e competências que se requer no ensino fundamental e médio – e, aí
RABELO, Maria Ângela Sena. Metodologia e pesquisa do trabalho acadêmico: do desafio à prática. Revista da FADOM,
Divnópolis, n. 13, p. 55-59, 1º semestre de 2003.
Revista da FADOM, n. 13. 58
sim, ressentimos, parece inexistir, por parte dos educadores, o "senso" da cientificidade
do processo educativo. (Por falar nisso, quão incisivo é o desafio de explicar o que seja
"método científico" para um aluno que chega ao curso superior, por exemplo, sem saber
empregar, adequadamente, normas de concordância e apresentar, através da linguagem
escrita, um pensamento coerente.) Essa evidência nos sugere que, aliada ao
investimento qualitativo na formação e no aperfeiçoamento profissional, seja a
Metodologia Científica aplicada e difusa na prática educativa desde o ensino
fundamental, não como conteúdo específico – pois correria o risco de se tomar "mais
um" e "muito cansativo, por sinal". Mas que se o faça a partir do conhecimento e da
aplicação das respectivas metodologias que orientam as demais disciplinas como, por
exemplo, a Língua Portuguesa e apontam embasamentos teóricos para as abordagens
dos conteúdos e as estratégias utilizadas na prática, que permitam aos alunos, numa
formação de base, a apreensão e a construção próprias de novos conhecimentos. Essa
práxis, entendemos, deve permear a formação/orientação dos educadores, o mais cedo
possível. Justamente para que o aluno, ao adentrar o universo acadêmico do curso
superior, possa estar, senão familiarizado com um mínimo de organização dos dados da
realidade, mais apto a corresponder, com prontidão, à tutela de seu próprio
conhecimento e, por conseqüência, de sua formação.
Daí, portanto, resta concluir que as "exigências" postas pela Metodologia
Científica não se reduzem ao seu próprio universo. A perspectiva é, antes,
interdisciplinar. Afinal, os conhecimentos ali adquiridos ganham aplicação prática para
o acadêmico nas demais disciplinas com que lida. Mas é justamente esse fator que não
deve prescindir da avaliação criteriosa que os demais professores devam dedicar aos
trabalhos produzidos pelos alunos. E a avaliação aqui não se reduz ao simples gesto de
penalizar a desconformidade segundo essa ou aquela regra. É preciso que o acadêmico
perceba que seus trabalhos "fazem sentido" para aquele que o avalia – e esse , sob o
ponto de vista de um leitor crítico, não deve reduzir a avaliação a fórmulas
preestabelecidas de textos, marcada pela rubrica do "certo" ou "errado", mas utilizá-la
como forma de instigar ao aperfeiçoamento da produção acadêmica. Sobretudo, que o
trabalho implique numa reflexão crítica da parte dos envolvidos – educandos e
educadores – e reflexão crítica supõe exercício permanente de uma "atitude filosófica",
isto é, o estado daquele que evita o senso comum, as idéias prontas, a reprodução e se
dedica a uma problematização conseqüente da realidade e dos dados que a compõem,
justamente porque é sujeito e agente dela e pode, portanto, alterá-la e transformá-la para
além do mundo acadêmico e de suas "exigências".
RABELO, Maria Ângela Sena. Metodologia e pesquisa do trabalho acadêmico: do desafio à prática. Revista da FADOM,
Divnópolis, n. 13, p. 55-59, 1º semestre de 2003.
Revista da FADOM, n. 13. 59
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LIMA, Lauro de Oliveira. Educação e a lei dos três estados ou a cientificidade do processo educativo. Revista
Pedagógica, 19-30, jul/ago 1986.
RODRIGUES, Neídson. Filosofia... para não filósofos. São Paulo: Cortez, 1998.
RUIZ, João Álvaro. Metodologia científica – guia para eficiência nos estudos. São Paulo: Atlas, 1996.
SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. Belo Horizonte: Interlivros, 1973.
RABELO, Maria Ângela Sena. Metodologia e pesquisa do trabalho acadêmico: do desafio à prática. Revista da FADOM, Divnópolis, n. 13,
p. 55-59, 1º semestre de 2003.