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- Histori ( y ee MARGARIDA FONSECA SANTOS ilustragdes CARLA NAZARETH orquestraciio FRANCISCO CARDOSO JUVENTUDE MUSICAL PORTUGUESA Este 6 um livro de cangdes escritas para meninos especiais, os meninos com quem fui trabaliando ao’ longo'dos anos e que me inspiraram a “brincar”: as composi- des. E digo especiais porque, para cada can¢ao, houve quase sempre um olhar que a motivou, um trocaditho que a impulsionou. Mas é também, e sobretudo, um livro de desafios. Gostaria muito que os professores, pais, educadores, 0 encaras- sem como o contar da hist6ria de alguns caminhos que experimentei e que, espe- ro!, experimentem também. Aqui se encontram relatos de alguns projectos que envolveram misica, teatro, escrita colectiva e... brincadeiras colectivas! Partem da minha (nossa) ideia de que, quanto mais se interligarem as artes, mais a aprendi- zagem e 0 crescimento emocional e artistico serao sélidos. Para além das canoes e destes relatos, existe um CD composto por duas vers6es para cada cancao: a cantada e outra sem voz, para usar nas aulas, ensaios, etc. A minha ideia foi dis- ponibilizar material que fosse passivel de ser usado por qualquer pessoa, indepen- dentemente do seu conhecimento da escrita musical. resultado... bom, espero que seja, para quem o abrir, um prazer tao grande como foi para mim, para o Fran- cisco (que foi responsavel pelos arranjos e direccdo musical) e para a Carla (esta ilustradora tao, tao especial) ao concebé-lo desta forma. MARGARIDA FONSECA SANTOS Intro 7 compassos 2° ver Eb ca. 120) D Margarida Fonseca Santos ‘a. Francisco Cardoso Daj7iF# GMaj7 sem-pre co - a F + al HistORias oF CantaR ay GMaj7 AQsus4 ATIG DIFF — r — = =———— + a? ri = mos sem pa - rar. Sem - pre ques-ta- mos Bm7 Em9 Em7bs/G A4-3 Maj7 Maj? 7 DMajriFt G Maj A . me = f : o—= ; oe “+ oe z te-nhlum a - mi - go que gos-ta de mim. = + aa we yee 2 * = r = - s = 91 EU TENHO UM AMIGO QUE GOSTA DE 181m eaten cine ‘Margarida Fonseca Santos are Franeisco Cardoso Intro 8 compassos vez E (deca. 192) D Ace Bm : 4 ; SSS os U-- ma con-taer-ra - daE eu sem des-co - 3 a 3 = = SS = = DIA Em7/G Dire 4 #g ¥ oS ee ~brir. Fiz tu-do tao de-pres - si-nha, Quea-té a - Ey tt == —— © 3 = ro zs 2 WL 121 HisrOeins oF CaNTAR -chei quee-ra ba - nal. Quan-dea vi tao Ach Faz Bm mui-tges - pan - ta-do. Em7 ort Emz/G a7 D lo-go deicom 0 er-ro, Quea mi-nhacon-ta nao qu'ri-a 131 UMA conta ERRADA! Intro 4 compassos, FE Margarida Fonseca Santos ‘art. Francisco Cardoso bre ty ty = ze = oe SS = Con - ta,___ Te con fa, Des - 9 , 2 DE 5 t : = 2 id wv Gm7/B> c7 F : Fee = S = = z o ra a a oe a 2 161 a HistORias o€ CaNTAR F Bhagg2/D Sem mais um pon - to,. Gm7iBb c7 F Que eu no con - to. 171 Sem mats um Ponto, Margarida Fonseca Santos arr Francisco Cardoso Eb Bb7 Bb7/D E> EbIG T vez Canto falado Seo ga-to AbMaj7 EG Fm? Fmz7/Ab Bb7 eb Bb7 se-ta. Seo ga-to pu - des-se Mor- Bb7/D Eb EbIG AbMaj7 EbIG Fm? Bb7 Eb oO 201 MisrORIAs DE CaNTAR AbIC Eb/B> AbIC Eb/Bb AbIC Ed/Bb f = = ga - tondio sou-be Queo di - tofan-tas-ma Nao qu'ri-aas-sus- tar Sé que- 7 FIC Bb7/D Eb Bb7 Bb7/D Eb «EWG 23 am a brin-car. Seo ga-to sou - bes-se Da- que - Iefan - tas-ma Te - = rs AbMaj7 EWG Fm7__Bb7_Eb Fm7__Bb7 Eb -ti = afu- gi-do Que nem u-ma se-ta, Te- nem u-ma_ se-ta. LL Seo caro sounesse Margarida Fonseca Santos Intro 4 compassos arr Francisco Cardoso (d=ca16) 6 Dirt Em7 cis Seum gi-ras-sol Ao pér-do-sol Pa - re-ce sor - rir, — Pois 2 veza CODA| Mair cB 0 Amz cm v7 fi- ca cola za Quea noi-t'es-ta G Dire Em7 GB O-Ihao gi-ras-sol_ Diz a-deus ao Sol 261 HistORIAS DE Cantar Maj7 noi-teg bem bo - Am7 ciD D7 ———t = gi-ras-sol queo di - ga. z Aaa = er 7 Em7 Che-gaa noi - teE o lu-ar Dor-meem sos - se - go Queo CODA Amz noi-t'es- ta 251 VEo cimassou Che-gaa ho - ra de des - can -sar. vai vol-tar. Margarida Fonseca Santos art Francisco Cardoso [isco tones] (d. =ca. 60) Eb AbIED BED [Ss A _moi-te o fri-a pa - re-ce ndo quirer, Queo Sol a-pa-re-ga p'ra SS AbIED BoEb EWG EbaugiG. AbMaj7: Fmv/Ab Ros a-que-cer. Aes pou-cos © Sol vai su - bin-do no céy, Eo ns « sao di-a co-me-ga.a nas 281 MstORias DE CaNTaR Eb/IG Fm7 Bb7 — Bdim7 SSS] SS oe ee St ee ae ~co-dem-seasflo-res, es-ti-cam-s'as fo-lhas, O fri - 0 SSS 2 $$ 2 =a = = o Cm Gm? Eb/G AbMaj7 FIA Eb/Bb F7IC 13 Eo di-a co-me-ga, pa-re-ce — di-fren-te, E qIn- s Fm7/Ab Bb7 Eb DbIEb Eb 16 -ver-no quies-té a che - gar, 291 O INVERKO ESTA a cHEGaR Margarida Fonseca Santos Intro 4 compassos (=a. 160) EyBh AbIBD Bb7 EWB> 5 Eb/Bb AbIBb Bb7 EbIBb é ee a St Lé - meu-mahis - 6 - ria a ho-ra de dei - tar. (4 = +t | | . : PS: = EWG AbMaj7 G voz gros - Sa S6 pa = raas~ sus - tar S : = 321 HistORIAs o€ Cana B AsMaj7 EWG FTA Fm/Bb mo EWG AbMaj7 oe cm di - vi - nha dequemes-tou 2 AbMaj? AbIBb Bb7 Eb 331 Cancko 00 Dia 00 Pat art. Franciseo Cardoso (J=ca. 108) i D em? a Pi-ri - lam - po on-d'é qu'es - tas? a luz, que-ro te a-gar- Ps q pa luz, ql ea Bi A > «Bn ce aT -ti- lam - po se tea-pa-nhar Que-ro. vera luz a bri- ovo B D G A7(4-3) D D 1 iar 8 (boca fechad) -Jhar, Hum, hum, hum, hum, hum, hum, hum, hum. Pisti hum. 371 CANoNE po PiRILAMPO Margarida Fonseca Santos Intro 4 compassos ar rancisco Cardoso (d =ca. 120) c Em? Ami Em7 Que-ro serum Se 5 _ Fagg? CIE DiFS G79 e 401 HisrOnias DE Canrar FIA mAb ci < — ke ——— Zo == 0 Sol, Ve - jo bem omar. a a —F 2 Dm GTiF CIE Omir G43 1 eo! oe © Ss ve —— rei des-te pa - is. Des-ta tor-requees-co- thi Pra ser 0 Dire Bdim7/iF C/E FIG Soa Pra sero rei des-te pa ~ = = id aa Queno sex um RE Margarida Fonscea Santos arr Francisco Cardoso COtha! Podes guardar um segredo? (Otha!) (d= ca. 69) cMaj? - —_—— i SE 1.Se quer's guar -dar___-—=«s um se-gre = do. Po-des con-tar- 2.() # ———— — === 5 Am7 ciD G FIG SS S—SSSS5 — 3 = + Sa za - mo, ET - do. O que dis - se - = 5 = 4 —— CMaj7 s —— as = - res nun-cag di - rei. Guar-dar se-gre - do, oe = = a i z F gS ES i ‘ 5 ee SS 5 ee] HistOnias o€ CaNTaR D7 Amz ci cMaj7 as tris-te = co-mo fa-ri- zas eas a-le - gti - as FIG as, Em7 Fi-co ca-la- CMaj7 Dé-m'um se- gre - m Em7 Am7 D7 G E t ~ ———————-_ 7 FSS SS SS SS z | sa- bem. Séum a-mi - go guar-da tio bem.— Het = = = = s oe ¥ ¢ 3 as f z AST QUERES GUARDAR UMt SEGREDO Intro 4 compassos jl (2 =a. 88) Se Margarida Fonseca Santos 5 Fam7iA BB E Baug E eEvo# SSS = 2 ee oS Mar - cha sem-pre sem pa - rar. 0 sol-da-di - nho ——— SSS o as = = eS =F fe = Eick EB FHm7/A B E DIE 6 Fine == 6 © Sol se dei - tar. ‘61 HistORIAS DE Cantar Te A BiDe Gim7 Chm? 9 — SS E - [é de cor - da, mas que mim- por - Fim? Br E DIE A B/DE Gos - to de-le mes-m'as - sim. Fei - to de la - ta Gim7 cém7 Fem7 B79 E B7 4 D.S.al Fine com u-ma ca - pa, Mar - chaa-qui no meu jar - dim 4910 SoLOADINHO DE CORDA Margarida Fonseca Santos Intro 4 compassos att Francisco Cardoso (vez 8 compassos) 7 (2 =ca. 116) — => = ——s == . SSS SS Bu que-ri - a mesm' A tro - ti-net’, eae = = oe | == ce Am7 Mas sa - ium! Um ca - ni - vet’ Rai-o de sort’ Da 6 G = ti - a Leo- nor._ Ae - la deram Um des - per-ta- dor! + = r= + = = = = oF ft $F | gg ! 521 HistOsias o€ CanraR Am7 Dm7 G7 cé ce == Mas des - co-bri De-poisdo pe-ru, O bo - lo-rei a Dm7 G7 FMajg E sem-pras-sim Ja des-con-fi - a Quan-d’o pro - vei G 6 2 oo 7. DC. Ginro®) 531 E semore assim! 551 MINHA IDEIA, ao elaborar este livro com CD, fazer apenas um livro de cangdes para os mais novos. Tinha em men- te varios objectivos praticos, bastante especificos. Queria que este livro pudesse ser utilizado por professo- res do ensino vocacional de misica, mas também por qual- quer professor do ensino basico. A ideia de juntar uma faixa sem canto, para que se possa cantar numa aula com a ajuda de um leitor de CDs, é exactamente para que qualquer profes- sor, ndo especializado em misica, possa utilizar o material que aqui incluimos, de uma forma satisfatéria. Ficam assim de lado os problemas da dificuldade de leitura da escrita musical ou do acompanhamento harménico das cangées. No disco, para facilitar a entoagao, ouve-se sempre uma introdugao mu- sical. Existe contudo uma versao simples de acompanhamen- to ao piano para os que desejem fazé-lo, bem como a cifra- gem (para guitarra) dos acordes utilizados. Queria evitar que 0 acompanhamento dobrasse a voz, dado HistORias b& Cantar 561 que rapidamente esta estratégia afrouxa 0 cuidado com a afina- ao e diminui o prazer do contraste de timbres. Por isso, a faixa sem canto nao tem qualquer dobragem. Depois de ensaiar com a faixa original, é simples cantar sé com acompanhamento. Queria juntar um leque de cangdes jd “testadas”, ou seja, ensinadas e corrigidas, quando foi o caso. Estas cangdes fo- ram cantadas por varios grupos de criangas, sabendo-se de antemao que a reaccao é favoravel. Queria reforcar a ideia de que o cantar, a cangao, a vivencia harménica e timbrica, so verdadeiros propulsores da motivacao da aprendizagem musical, que nao devem ser negligenciados. Gostaria de contribuir para que as aulas de misica dos mais pequenos (porque é dessa faixa etdria que estamos a falar, em- bora esta afirmacao seja verdadeira para todas) sejam cada vez mais preenchidas com misica - cantada, tocada, ouvida - e me- nos com a preocupagao tedrica do ensino da escrita musical, cuja aprendizagem forcada antes da vivéncia tem como conse- quéncia o afastamento das criangas desta forma de expressao. Queria igualmente deixar algumas pistas para fugir da ro- tina. 0 que irdo encontrar em seguida sao apenas relatos que mais nao querem que dar ideias para outras tantas experién- cias, novas formas de explorar a can¢ao e 0 ensino da misica em geral. Estas sugestdes englobam terrenos mais vastos do que a prépria cangao, mas nao resisti a inclui-los neste traba- tho. Penso que é da interligacao entre as varias artes que se chegaré & verdadeira educacao artistica. Projectos que englo- bem a mésica, a danga, a escrita, 0 teatro, as artes plasticas sao muito ricos em aprendizagens e permitem que cada crian- ¢a envolvida dé o seu contributo numa ou mais areas, nao deixando de se envolver em todo o proceso. Os relatos que HisrOnias De CANTAR srl aqui ficam foram muito gratificantes para todos os interve- nientes... Ensinar uma cango pode ser feito de inGmeras maneiras. Nao 6 minha intengao estar aqui a fazer um inventario de todas as estratégias possiveis para que esta aprendizagem seja bem sucedida, Vou abordar apenas aquelas que me parecem mais importantes para o desenvolvimento musical da crianca. Sabemos que o professor pode comegar por cantar toda a cangao, partindo depois para o ensino por frases. Da mes- ma forma podemos comecar por explorar 0 texto, 0 seu ritmo interior e a sua musicalidade, e em seguida partir para a linha melédica que 0 acompanha. Podemos, evidentemente, fazer exactamente o contrario, ensinando primeiro a melodia e dei- xando para depois a letra da cangao. Podemos - e devemos! -, sempre que possivel, variar as harmonizacdes ou mesmo construir novas harmonizagdes com a ajuda do grupo de criangas. Nao se trata de uma escolha harménica consciente mas sim afectiva, numa sucessao de tentativas/erros, escolhendo a sequéncia que mais agrada ao grupo. Embora nem sempre se pense nestes termos, as crian- cas gostam de ouvir as harmonias e adoram ~ realmente ado- ram! -, escolhé-las. Pode parecer dificil, mas nao é. Fazendo o trabalho por partes, comecando por usar de inicio os acordes da t6nica, da dominante e da subdominante, as criancas conseguem esco- ther um percurso. Dado o primeiro acorde ha trés hipéteses: ou se fica nesse acorde, ou se muda para um dos outros dois. HisrORias oe CANTAR sel Depois de tocadas as sequéncias, os alunos escolhem faci mente qual 0 acorde a utilizar. E verdade que este processo nao implica conhecimentos tedricos de harmonia, mas 6 exactamente por isso que ele é tao importante. Através deste trabalho, as criangas comecam a aprender a reconhecer estas trés fun¢des, num jogo de ten- tativa/erro divertido e nada complicado. Esta é uma dptima educa¢ao do ouvido harménico que thes vai proporcionar (no futuro) ouvir, tocar e escolher harmonias com base num conhecimento prévio. Também é importante e atil utilizar a cangdo para desen- volver a audi¢ao interior de melodia e texto, para 0 dominio da pulsagao e do ritmo, para a audi¢ao de outras vozes, para a compreensao da forma. As estratégias que levam a estes objectivos so imensas. A cangao tem, de facto, um leque de possibilidades pedagégicas que é infinito. A grande vantagem é, e sera sempre, a de ser um meio facil e eficaz para a vivén- cia musical. A crianca (ou adolescente, ou adulto) tem prazer em cantar, desenvolve o seu ouvido musical e desenvolve também a sua capacidade de sentir, de se expressar, de se emocionar. Temos em maos um precioso bem. E mais?... Pois, eu nao queria ficar por aqui... No decorrer da minha vida como professora, a misica e a escrita comecaram a coexistir. Esta coexisténcia afectou de forma consideravel o ensino de qualquer uma destas Areas. Comecei rapidamente a tentar promover a interligacao das duas artes, sabendo a partida que o meu objectivo seré sem- Hisronias DE Canrar pre o de conseguir que todas as artes possam ser integradas num mesmo projecto, trazendo as mais-valias de cada uma para 0 resultado final. Sendo este um livro de cangdes, podem parecer despro- positados os relatos que aqui se encontram a seguir. Real- mente, 0 que acontece é que eu gostava de partilhar estas experiéncias para dar alento a quem quer experimentar ir por outros caminhos e, sobretudo, porque sera por projectos mul- tidisciplinares e abrangentes que vamos conquistar as crian- cas, seja para a masica, para 0 teatro, para a danga, para a escrita, para a expressao plastica. As descrigées de experiéncias (bem sucedidas!) que se seguem, dardo certamente ideias para se ir mais longe e por universos diferentes. Gostaria que as considerassem como relatos e como caminhos possiveis, mas que também enca- rassem sempre a possibilidade de alterar estes mesmos cami- nhos e partir para novas experiéncias. No ambito do Projecto MUS-E Portugal a coordenadora do pro- jecto no nosso pais, Cristina Brito da Cruz, desafiou-me para que integrasse a primeira equipa de animadores a trabalhar na Esco- la EB1 n® 1 de Algés. Ai, tive o privilégio de poder trabalhar com as mesmas duas turmas durante muitos meses e sempre na rea da misica e da escrita criativa (em dias separados), havendo ficado, no ano lectivo seguinte, com as mesmas turmas, agora apenas em escrita. Surgiu a ideia de construir com os alunos as cangbes de Natal, nesse segundo ano. Faziam parte do vocabulario e do conhecimento pratico S01 HistOrias 0€ Cantar 601 daquelas criangas (baseados em trabalho sensorial e nunca tedrico) nogdes como: © maior/menor; * binario/ternario (simples/composto); * ténica/dominante/subdominante; * sensivel da tonalidade; * entrada a tempo e em anactusa. Em termos de construcao de texto, j4 tinham ouvido, lido e experimentado muitas formas de o construir. A escrita cria- tiva tem o condao de transformar o acto de escrever num momento divertido e gratificante. O texto ja fora trabalhado varias vezes. Como tinha duas turmas a meu cargo, pude fazer a expe- riéncia de duas maneiras completamente diferentes. Numa das turmas comegaria pela masica, na outra pelo texto. O resultado? Uma sucessao de aulas extraordinariamente divertidas! Nesta turma comecamos pelo texto. Teriamos de escolher so- bre o que é que irfamos falar - 0 Pai Natal, a arvore de Natal € 0s presentes foram os ingredientes mais votados. Comecou @ construcao do primeiro verso, tendo sempre em mente que devia depois ser cantavel. As rimas foram-se sucedendo entre gargalhadas e muito disparate, mas estavam habituados a fazer 0 chamado brainstorm, ou seja, sabiam que podiam sugerir qualquer coisa, porque, as vezes, é de uma sequéncia disparatada que nasce uma solugao brilhante. E ja tinham aprendido a ndo se censurar... Depois de estarem duas estrofes escritas, tentamos lé-las. com um balanco de cangao. Surgiu entdo, de repente, uma HisTORIAS DE CaNTAR 61 melodia, em jeito de improviso, que foi ganhando corpo. Quando entreguei a professora de mdsica da turma desse ano (Daniela Nunes) 0 texto para musicar, jé estava escolhida a divisdo binaria, 0 inicio em anacrusa, 0 modo (que queriam que fosse maior) e estava desenhado o inicio da cancao. A professora Daniela Nunes pegou facilmente no texto e cons- truiu com eles o resto da melodia. Era necessario entéo 0 acompanhamento, que foi igual- mente escolhido pelos alunos, por tentativa/erro, como ja fi- cou descrito atrés. Embora conseguissem distinguir ténica, subdominante e dominante (em funcao harménica), s6 expe- rimentando e voltando a experimentar é que se construiu a harmonia. A can¢ao estava pronta ~ e sélida! Nunca uma can- do foi tao bem aprendida! Todo 0 processo descrito para a turma A, em termos de esco- tha musical, foi feito na aula de misica. Preferiram a divisao terndria, 0 modo maior, a entrada a tempo, e comecaram a improvisar sobre sequéncias harmonicas até estabilizarem numa melodia que contentasse a todos. Procuraram entao a harmonia que mais thes agradaria. Foi assim que trouxeram, para a aula de escrita, a misica, a fim de podermos escrever a letra da can¢ao. Voltamos a repetir 0 processo sobre a escolha dos temas. Nesta turma, a Estrela de Natal ganhou a votacao e foi sobre ela que se construiu 0 texto. Sendo eu de misica, pude acompanhar © processo com a ajuda da harmonia ja escolhida. No dia da Festa de Natal, os nossos meninos estavam nervosos. Tinham umas velas acesas, protegidas por uma car- Histomias 0€ CANTAR tolina e um papel-celofane de cor, feitas com as professoras das turmas que sempre nos apoiaram nestas experiéncias. Fica aqui um grande obrigado as professoras Maria do Céu Matos e Maria Eugénia Alves. Ainda hoje me emociono ao relembrar esses momentos. As duas turmas (que entretanto aprenderam a cancao da ou- tra turma) apresentaram as cancées de Natal que tinham com- posto e escrito. Nao quero exagerar, mas relembro este dia como um dos momentos em que aqueles quarenta meninos cantaram mais afinados, mais seguros, mais envolvidos. Quan- do acabaram, também os pais estavam comovidos. Nao é facil assistir a uma tal exibicdo, cheia de orgulho e emocao, e ficar impassivel. Calculo que seja uma das experiéncias que estas criangas guardarao para sempre. Conclusdes? Bom, penso nao ser preciso dizer muito mais. Sabemos que aprender implica envolvimento, emocio, res- ponsabilidade, prazer... e tanto mais. Mas também sabemos todos que aprender de uma forma vivenciada, constitui uma experiéncia enriquecedora, que excede os limites do ensino da miisica ou da escrita. Fica aqui o desafio — para quem ja tentou, peco que nao deixe de repetir; para quem nao tentou, peco que experimente. E que a nossa vida de professores também se alimenta destes momentos... Este projecto envolveu um conjunto de professores diversificado e um trabalho estruturado por fases. A proposta de inicio era a de construir uma peca de teatro com misica para e com os alu- nos do 5° E da Escola Basica 2.3. Professor Delfim Santos. HistORias De CANTAR Como é que isto se passou? Confesso que foi um projecto que me marcou e que, calculo, ficou gravado na meméria dos participantes. Estava a comemorarse a descoberta do Brasil. Decortia o ano lectivo de 1999/2000. A proposta era falar sobre 0 acon- tecimento. Parti assim para a escrita de uma peca de teatro que contava a aventura de um portugués contempordneo, de férias na praia, que se vé envolvido num intenso nevoeiro, e que descobre ter sido transportado para a praia onde os portugueses haviam desembarcado quinhentos anos antes. Depois de escrito 0 texto, reuni com a turma, para que tomassem contacto com ele e dessem sugestées de mudan- a. Logo nesta fase, contei com a preciosa ajuda das profes- soras Isilda Sim@es (Histéria) e Etelvina Quintans (Lingua Por tuguesa). As reaccdes foram entusidsticas, e partimos para a fase seguinte — as cancdes. Com a ajuda incansavel do professor Luis Sousa (Educa- do Musical) construf com a turma as letras das cangdes que seriam inclufdas no espectaculo. Foi uma manha divertida! Rimos bastante com os disparates que o brainstorm nos ofe- receu, e chegdmos ao texto que queriamos. 0 professor Luis Sousa musicou-o e fez todo 0 trabalho de composigao e en- saio musicais necessdrios ao espectaculo. Calculo que tenha sido um trabalho arduo, mas muito bem conseguido! Entretanto, na aula de Educacao Visual e Tecnolégica, a professora Olga Silva comecava a fazer com a turma os cend- ios € as marionetas. O resultado final foi espantoso. Os ensaios sucederam-se e 0 produto foi apresentado aos pais e aos 6rgaos directivos da Escola. Pena que nao se te- nham feito outras exibicdes. O trabalho deste grupo de alu- 631 HisrOnias OE CANTAR al nos e professores do 5° E foi espectacular! E calculo que ne- nhum deles se tenha esquecido de como foi a chegada dos portugueses ao Brasil... esyire [Orquestra dos Pequenos da Metropolitana] onquestea: Francisco Cardoso | Escrrra: Margarida Fonseca Santos Era nosso objectivo, meu e do Francisco Cardoso, construir um conto musicado, ou seja, construir uma trama que seria narrada a0 mesmo tempo que a orquestra fazia a ilustracdo musical. Essa ilustragao musical nao se limitaria apenas a te- mas melédicos e ritmicos, mas também, como é facil de cal- cular, a ruidos e apontamentos varios. © Francisco Cardoso, que esteve sempre presente nos mo- mentos em que se construiu a historia, foi escrevendo a mlisica de acordo com o desenrolar da mesma historia e das possibilidades musicais e instrumentals do grupo — estamos a falar de cerca de quarenta criancas que tinham iniciado ha pouco tempo os estudos de instrumento (de idades compreendi- das entre 0s 6 @ 0s 12 anos). Ficou determinado, depois de uma primeira ex- periéncia, que em todas as sessbes em que eu estivesse presente, se comecaria da mesma istORIAS DE CANTAR 651 forma - contando, olhos nos olhos, uma histéria. As hist6rias foram variando, entre contos tradicionais do nosso pais e de outros, histérias de autor, histérias contadas assim, descon- traidamente, sem livro. Passado este primeiro momento de grande cumplicidade e divertimento, comecava entao o trabalho. Passo a descrever 05 passos que demos até a histéria final. Em grupo, foram sugeridas personagens de que as criancas gostavam ~ divertidas, assustadoras, misteriosas, etc. Surgi- ram assim 14 personagens diferentes. Juntaram-se em pequenos grupos as 14 personagens surgidas. Era necessario encontrar um enredo para os grupos de persona- gens que tinham surgido, tendo o trabalho sido feito um pouco & maneira de Rodari, juntando personagens e situacdes que ti- nham, por vezes, pouco que ver umas com as outras. Nao foi nada complicada, embora eu e o Francisco Cardoso estivéssemos um pouco apreensivos, Nés, adultos, achava- mos que algumas criangas podiam sentirse magoadas por nao verem escolhida a hist6ria do seu grupo. Parvoice nos- sa... Depois de alguma discussao, sobretudo das possibilida- Historias ne CanraR 661 des de desenvolvimento da hist6ria e do potencial musical de cada enredo, a histéria mais votada foi esta: Um dinossauro muito grande estava muito deprimido. Esmagava tudo 0 que estava sua volta e nao conseguia fazer amigos por que... 05 esmagava. Um dia, encontrou uma bruxa. Ela era muito ma, mas ele nao sabia. Ela deu-lhe um mocho que the concedia um desejo por dia. Ora, 0 mocho fazia sempre tudo ao contrario do que o dinossauro pedia, e ele andava cada vez mais triste. Um dia, 0 dinossauro encontrou trés irmas que the disseram que o mocho era muito mau e que fazia tudo ao contratio. Convence- ram-no a pedir 0 oposto do que ele queria. E assim foi. O dinos- sauro pediu para ser enorme e... ficou finalmente pequeno. Havia que dar a cada personagem uma definicéo mais com- pleta. E assim se fez... Nesta fase, surgiram ideias de como ampliar a historia: podia fa- zer-se qualquer coisa para que se trocassem as voltas ao mocho, fazer explodir a bruxa, saltarem-lhe as verrugas com a irritacao, etc... Se tivéssemos posto na histéria tudo aquilo que surgi A hist6ria foi entéo seccionada em varios pequenos epis6- dios, e cada grupo escreveu uma parte da mesma. Existem varios rabiscos desta fase... Histémias 0€ CaNTAR 671 Trocando de trabalhos, grupos diferentes pegaram no que ja estava escrito, e methoraram-no. Esta talvez tenha sido a fase menos pacifica, ja que as diferengas de idades faziam apare- cer termos menos consensuais, ideias demasiado elaboradas, etc. Mas, com alguma facilidade, 0 problema resolveu-se. Este trabalho foi feito com todo o grupo e em duas sessdes diferentes, até que a versao final ficasse correcta. Foi muito debatida a questao da pontuacdo, ja que eu, que iria ser a narradora, nao poderia falhar a intencdo de cada bocadinho escrito. Divertimo-nos imenso com as varias experiéncias. A parte mais complicada, sem diivida... Os nossos jovens ma- sicos deliciavam-se a ouvir a sua propria histéria e... esque- ciam-se de tocar. 0 Francisco Cardoso chegava a desesperar, enquanto eu me desmanchava a rir com as caras anestesiadas dos “viciados em histérias”. Mesmo sabendo a histéria de cor, ficavam a ouvi-la! Foi um trabalho arduo, muito divertido e de Cada tema, que todos teremos saudades, nao tenho davida: cada passagem, cada pormenor foi repetido até a perfeicao possivel. A misica, escrita a par e passo com a histéria, e aprovei- tando muitas sugestdes dos alunos, ficou extraordinariamen- te bem articulada com a narragao. O trabalho do Francisco Historias 0€ Canran 6 Cardoso foi exemplar, nao sé pela sua qualidade como profes- sor e maestro, mas também pela sensibilidade que pés nesta composicao, jd para nao falar na paciéncia que teve para nos aturar a todos, quando, mais uma vez, nos ramos das gracas que tinhamos escrito, e os arcos ficavam esquecidos no ai. Complicado mesmo foi o dia em que um dos assistentes, que ajudava os ensaios de naipe, nao péde estar presente. 0 Francisco Cardoso pediu-me para que eu ensaiasse as flautas. Por mim, nao havia problema, Mas as flautistas... Bom, essas estavam muito desconfiadas. Mas por que raio é que esta “fazedora” de hist6rias nos esta a ensinar a mésica?! Pois... Segredos... Bem guardados. Foi preciso o Francisco Cardoso confirmar que sim, que eu estava certa, que era dé sustenido Foi divertido! Acho que as flautistas nunca perceberam o porqué da minha endo dé natural, que o ritmo era aquele, sim intervengao... Numa pré-apresentacao, foi feito um ensaio com pais. Sem comentarios... No dia da Orquestra Metropolitana, apresentémo-nos em palco, Adoramos! Pena foi s6 se ter feito uma Gnica apresenta- a0... No ano lectivo de 2005/2006, eu e o Francisco Cardoso Isso sim. estivemos novamente no Conservatério Metropolitano de Mé- sica de Lisboa, dessa vez a orientar a Orquestra Criativa, com a preciosa ajuda da Teresa Fernandes. Eram duas turmas com criangas entre os 6 os 11 anos de idade. Tentémos ir mais longe com as experiéncias nesta Area. Desta feita, 0 conto HistORIAs o€ CaNTAR ot teve, como base, temas musicais que os alunos foram inven- tando. A histéria foi construida a partir das sensagdes que cada trecho musical sugeriu ao grupo, e das interseccdes dessas ideias. Foi, portanto, uma obra integralmente escrita compost por criancas. O Francisco Cardoso fez a orquestra- do e 0s ajustes, tal como eu o fiz na construcao da hist6ria. Nés apenas fomos orientadores deste fantastico processo de criagao! E aqui fica este livro — disco — desafio... $6 pego a quem o ler que pense um pouco nas ideias que (de certeza!) teve, e comece a vé-las crescer. $6 custa dar 0 primeiro passo, ver as caras desconfiadas de quem ainda acha estranho, e nao perder a iniciativa. Pensem nos mitidos — eles aderem a estas experiéncias e relembram-nas. Mesmo nés... Que memérias temos dos nossos tempos de escola? Nao sero as grandes fugas a rotina? Os teatros... a masica... as historias... as co- res... Pois é... Forca! HisTORIAS 0€ CaNTAR 71 Margarida Fonseca Santos Diplomada com 0 Curso Superior de Piano, foi professora de Pedagogia na Escola Superior de Misica de Lisboa Tem varios livros de contos infantis publicados, bem como romances juve. fancia nis e ficgZo para adultos. Escreveu varias peas de teatro para € 0 texto do musical 0 Navio dos Rebeldes. £ membro fundador do Clic ~ Clube de Literatura, tlustragao e C2, onde orienta ateliers de escrita criativa para criangas e professores. Trabalhou no Projecto MUS-E Portugal como animadora nas areas de Escrita Criativa e Masica e esta, neste momento, com Francisco Cardoso, a desenvolver 0 projecto Orquestra Criativa no Conservatério Metropolitano de Misica de Lisboa Carla Nazareth Nasceu em 1975, em Quelimane, “é de Coimbra”, mas reside em Lisboa desde 1993, cidade da qual guarda a luz que reflecte as cores, as oportu- nidades oferecidas e as coisas que acontecem, Licenciada em Design de Comunicagao pela Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, trabatha como designer de comunicaco desde 1998, havendo iniciado, em 2001, actividade de ilustradora infantil, trabalhando para as seguintes editoras: Constancia/Santillana, Everest, Garrido Editores, Pre- senca, Porto Editora e Texto Editores. Francisco Cardoso Licenciado em Formagao Musical pela Escola Superior de Misica de Lis- boa, fez a pés-graduacao em Psychology for Musicians, na Universidade de Sheffield, Estudou Direccao de Orquestra com Antoni Ros-Marba, Jean-Marc Burfin e Roberto Pérez, leccionando actualmente na Escola de Misica do Conser: vatério Nacional e na Escola Superior de Misica de Lisboa, ‘Com Margarida Fonseca Santos, no Conservatério Metropolitano de Misica de Lisboa, encontra-se a desenvolver 0 projecto Orquestra Criativa. HisTORIAs oe CANTAR nm HistORIAS DE CaNTAR Este CD nao teria sido possivel sem 0 empenho, dedicacao e entusiasmo de todos os envolvidos. ‘Aqui fica um enorme obrigado a toda a equipa. Gostariamos de d um obrigado especial a Alexandre Manaia, que nao arredou pé até estar tudo o melhor possivel. Um obrigado também a Juventude Musical Portu- guesa por nos ter proporcionado a publicagao deste trabalho. Também fica um agradecimento especial ao José Sacramento, ao Nuno Moura Esteves e aos res- tantes membros das nossas familias. 0 que eles aturaram.. auron Margarida Fonseca Santos hustengho Carla Nazareth sauestnacio Francisco Cardoso Enigho Musica José Sacramento Joao Lucas, Capragho ve instauMentos Alexandre Manaia Caoraglo 2¢ vores ‘Manuel Lourenco Eoigho € isruRa Alexandre Mangia Francisco Cardoso masrenasho Alexandre Mangia Dimeegko musica Francisco Cardoso Fsrdoios Sonic State Alexandre Manaia fadestudio aura Vera Licia Silva Pereira cangies 2, 6, 9,38 Goaninere Sénia Cristina Gongalves a Silva cangBes 2 18 Ricardo Lopes dos Santos cangoes 2, 34 HistORias De Canta José Brandao Susana Brito lareuse 82} Textype 245 970/06 9729989222 Smroroneasto Rita Cristina Amaral Nunes cangdo 2 Saxorone att Paulo Muifios congio 12 Pencussko Marco Filipe Gomes Santos cancdes 10, 1%, 22 Acorotzo Marina Henriques cangto 7 Alexandre Manaia cangbes 10, 32 Francisco Cardoso anges 4, 2, 3, 51 6.75 8 9, Vor ve Crtanga Maria do Carmo Pereira Coutinho cangbes 4, 8, 0 Alexandra Filipe cangBes 6, 7, 8, 9, 34 12 Juventude Musical Portuguesa ‘nv. da Liberdade, 13 - 2? Dto 3250-139 Lisboa Tel. 21 357 3131 Fax 21 354 33 30 wai. pt imp@imp.pt Sereno Sofia Froes cangies 4, 2, My 54 8, 10 Francisco Cardoso congdes 3, 8 faxirono Nuno Moura Esteves congo 3 Bano Rul Pedro Machado congoo 8 18 iauno José Miguel Gomes cangbes 3 5. 6 759 2 Vou Daniel José da Silva Canelas cangbes 54 67+ 9 Vow Francisco Ferreira Pampulha c0ng0e5 he 5 6 7. 9 Valter Freitas cangdes 4, 567. 9 Comteaaaixo Oscar Torres anges by 5s 67

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