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CURRÍCULO DE VIH PARA O PROFISSIONAL DE SAÚDE
e da presença de outras doenças associadas à SIDA. positivos durante 3 dias consecutivos após 2 semanas de
Algumas crianças podem apresentar uma perda crónica terapêutica. Após as 4- a 6 semanas iniciais do curso de
de proteínas na urina, sem desenvolverem edema com prednisona, a dose deve ser diminuída para 40 mg/m2/
significância clínica ou doença renal em fase terminal. O dia administrada de dois em dois dias como dose única.
rastreio de linha-base por urinálise ajuda a identificar os Esta dose em dias alternados pode então ser lentamente
doentes com proteinúria, mas não está esclarecida a valia diminuída e interrompida durante os próximos 2-3 meses.
de tratar estes doentes, devendo o rastreio e o tratamento Doentes que continuem a sofrer de proteinúria (≥2+) após
ser orientados por outros sintomas. 4-8 semanas de terapêutica com prednisona devem ser
considerados resistentes aos esteróides. Tal resistência é
Embora a nefropatia seja uma doença do Estadio Clínico 4 vulgar em nefropatia HIVAN e não HIVAN.
da Organização Mundial de Saúde (OMS), as nefropatias
HIVAN e não HIVAN são tipicamente manifestações Vários estudos retrospectivos mais pequenos em adultos
tardias de VIH/SIDA. As crianças infectadas por VIH com HIVAN demonstraram que outra classe de fármacos,
raramente morrem de doença renal em fase terminal, e os inibidores da enzima conversora da angiotensina
o prognóstico de um doente depende em grande parte (IECA), pode reduzir a proteinúria e a hipertensão
de outras doenças do Estadio 3 e 4 (por ex., infecções durante a fase avançada de HIVAN. O exacto mecanismo
oportunistas e cardiomiopatia) e de a criança estar ou não a através do qual IECA ajuda a melhorar a função renal
receber terapêutica anti-retroviral de combinação (TARC). é desconhecido. Até hoje, nenhum ensaio prospectivo,
Deve dar-se prioridade ao tratamento do VIH sobre o aleatório, controlado provou os benefícios da TARC,
tratamento de doença renal moderada ou assintomática. prednisona, ou IECA no tratamento de doença renal
em crianças infectadas por VIH. Com base nos dados
Tratamento disponíveis, no entanto, a TARC é actualmente o regime
Doentes com HIVAN devem receber TARC. A TARC reduz farmacológico de eleição para limitar a progressão desta
o risco de desenvolver HIVAN por mais de metade e patologia extremamente grave do Estadio 4 da OMS.
reduz significativamente o ritmo a que HIVAN progride Muitos peritos recomendam adicionar um IECA e usar um
para falência renal. Na era anterior à TARC, as crianças ensaio de prednisona nestes doentes. Existem diferenças
infectadas por VIH com HIVAN morriam em média entre IECA e as suas interacções com ARV. Por exemplo,
menos de um ano depois do diagnóstico de doença renal. lopinavir–ritonavir é um forte indutor de CYP2D6,
A TARC pode abrandar ou mesmo interromper esta afectando os níveis de captopril (mas não de enalapril),
progressão para falência renal. enquanto que efavirenz induz CYP3A4, afectando os
níveis de enalapril (mas não de captopril). Quando
Prednisona é o medicamento seleccionado para tratar disponíveis, a hemodiálise e o transplante renal são
crianças com síndrome nefrótico. No entanto antes de opções terapêuticas para os doentes que progridem para
administrar uma terapêutica com prednisona, o clínico doença renal em fase terminal.
deve ter excluído a tuberculose (TB) como causa dos
problemas renais ou manter o doente numa terapêutica Fármacos ARV e Nefrotoxicidade
apropriada para TB. A terapêutica Prednisona reduz Os fármacos ARV são uma causa rara de nefrotoxicidade
imediatamente o nível de edema, proteinúria, e colesterol significativa, mas podem ocorrer efeitos secundários
no soro. Os doentes na fase inicial de HIVAN, no renais. Ritonavir tem sido associado à falência renal aguda
entanto, apresentam em geral níveis normais ou baixos e indinavir tem causado alguns efeitos renais adversos e
de colesterol no soro e edema não significativo. O efeito urológicos, incluindo a formação de pedras. Além disso,
benéfico potencial da terapêutica com prednisona na o tenofovir tem causado disfunção tubular conduzindo
HIVAN é limitado a melhorar a proteinúria e a reduzir a a toxicidade renal. Todas estas complicações de ARV são
inflamação renal subjacente, mas existem poucos dados pouco vulgares.
conclusivos que suportem a sua utilização e alguns centros
têm descoberto que a reacção dos doentes é mínima. Doença Cardíaca
Se o uso de prednisona for indicado, a dose recomendada Crianças infectadas por VIH podem desenvolver um largo
é a mesma que para outros tipos de síndrome nefrótico: espectro de problemas cardiovasculares dos subclínicos
60 mg/m2 de superfície corporal/dia dividida por duas (por ex., alterações electrocardiográficas) a ameaçadoras
a três doses diárias durante 4-6 semanas consecutivas, de vida (por ex., cardiomiopatia). As causas exactas de
com uma dose diária máxima de 80 mg. Em doentes muitas destas anomalias cardíacas são desconhecidas e
que reagem à terapêutica com prednisona, a proteína na provavelmente multifactoriais. Na era da TARC e de uma
urina deve ser negativa ou manterem-se apenas indícios esperança de vida mais longa, as complicações cardíacas
estão a ser cada vez mais reconhecidas como problemas
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hipertrofia do ventrículo direito. Além disso, o ECG dosagem de enalapril e de captopril deve ser reduzida para
permite avaliar o ritmo cardíaco e pode indicar anomalias, doentes com função renal diminuída. Existem diferenças
como miocardite (baixa tensão do QRS e segmento ST entre IECA e as suas interacções com ARV. Por exemplo,
e anomalias da onda T, bem como taquicardia sinusal) lopinavir – ritonavir é um forte indutor de CYP2D6,
e pericardite (por ex., baixa tensão do QRS a partir do afectando os níveis de captopril (mas não enalapril),
líquido pericárdico em casos de efusão pericárdica). enquanto que efavirenz induz CYP3A4, afectando os níveis
de enalapril (mas não captopril). Para doentes adolescentes
Para as crianças com suspeita de disfunção VE ou e adultos mais velhos que não podem tolerar um IECA,
quaisquer outras crianças com doença cardíaca pode usar-se um bloqueador do receptor de angiotensina-II
significativa, um ecocardiograma é indicado. A (por ex., candesartano, losartana). Muitos ensaios clínicos
ecocardiografia permite avaliar a estrutura cardíaca, e pode demonstraram que para adultos o bloqueador E pode ser
por técnica não invasiva estimar pressões intracardíacas benéfico no tratamento de insuficiência cardíaca congestiva.
e pulmonares, quantificar a função contráctil do coração Estudos demonstraram um aumento em EF e a diminuição
(por ex., SF, EF), e detectar vegetações cardíacas e casos da hospitalização em doentes usando E bloqueadores.
de efusão pericárdica. Ecocardiografia, quando disponível, Estudos em crianças demonstraram achados semelhantes.
deve ser realizada na linha de base e a intervalos razoáveis O bloqueador do receptor de angiotensina-II losartana pode
(em particular em doentes com doença avançada ou ser afectado pelo uso dos indutores da CYP3A4 nevirapina
progressão rápida) para avaliar a função cardíaca e e efavirenz, enquanto que candesartano não parece ser
estrutura, bem como a efusão pericárdica. afectado por estes medicamentos. Os cuidadores podem
também iniciar os doentes em E bloqueadores, como
Terapêutica carvedilol, depois de os doentes estarem estabilizados com
Doentes com sintomas de insuficiência cardíaca IECA, iniciando novamente com doses baixas com titulação
congestiva podem necessitar de tratamento com fármacos para as doses mais altas que forem toleradas. Os inibidores
cardíacos. Os diuréticos inicialmente são o suporte da protease que induzem o CYP2D6 (por ex., lopinavir –
principal da terapêutica e são normalmente introduzidos ritonavir) podem afectar os níveis de E bloqueadores e, por
primeiro. O objectivo é aliviar os sinais ou sintomas de isso, não ser apropriados.
sobrecarga de volume, como dispneia e edema periférico,
aumentando a eliminação do líquido em excesso através Digoxina (Quadro 2) tem sido o suporte principal de
da urina. Os diuréticos podem também ser administrados da terapêutica médica para crianças com insuficiência
em combinação com outros medicamentos cardíacos cardíaca durante décadas mas nos países desenvolvidos
e ARV. O diurético mais largamente disponível é a é só administrada, agora, quando os doentes não reagem
furosemida e pode ser administrado por via endovenosa e ao regime anterior. Em áreas de recursos limitados,
oralmente. Para tratamento agudo, uma dose de 1-2 mg/ no entanto, digoxina pode ser o único medicamento
kg por via endovenosa normalmente resulta em diurese disponível para ser usado além de um diurético. Os rins
rápida e imediata melhoria do estado clínico do doente. eliminam digoxina, portanto a dosagem deve ser ajustada
Este tratamento pode ser realizado até quatro vezes ao de acordo com a função renal. Electrólitos do soro da linha
dia. Dosagem crónica de furosemida é de 1-2 mg/kg/dose de base devem ser medidos antes e após a digitalização
administrada entre uma e quatro vezes ao dia oralmente porque hipocalemia, hiponatremia, hipomagnesemia, e
(dose máxima, 6 mg/kg/dia). Devem monitorizar-se, no
entanto, os electrólitos do soro porque a furosemida pode Quadro 2. Dose Oral de digoxina
causar perdas significativas de potássio no soro para a Dose (µg/kg/24 h)
urina. Mais doentes em terapêutica diária de furosemida Idade Carga* Manutenção†
também necessitarão de suplementos de potássio ou
adição de espironolactona, um diurético poupador de Termo completo 30 8-10
potássio. Deve ter-se cuidado com doentes que também <2 anos 40-50 10-12
recebem digoxina porque a hipocalemia pode potenciar 2-10 anos 30-40 8-10
toxicidade por digoxina.
>10 anos (e <100 kg) 10-15 2.5-5
Nos países desenvolvidos, a maior parte dos médicos usarão **Administrar metade da dose de digitalização total (TDD) e depois
mais um IECA (por ex., enalapril, captopril) durante ou 1/4 de TDD a intervalos de 8 a 18 h para duas doses; Obter um ECG
6 h após cada dose para avaliar a toxicidade.
após a optimização da terapêutica diurética. Em crianças, a
terapêutica deve ser iniciada com doses baixas para reduzir †Dose de manutenção inicia-se aproximadamente 12 h após TDD
a possibilidade de hipotensão e de azotemia. O sangue estar completa (para doentes <10 anos, divide em duas doses
deve ser obtido dos doentes 1-2 semanas após o início ou diárias). Início lento de digoxina pode ser conseguido sem dose de
carga iniciando a dose de manutenção mas são precisos 7-10 dias
alteração da dose e periodicamente a seguir para avaliar para atingir a máxima eficácia.
a concentração de potássio no plasma e a função renal. A
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ajudam no diagnóstico.
Diferenciar PIL de outras
doenças pulmonares pode
ser difícil. Doentes com
infecções respiratórias
agudas bacterianas do trato
inferior têm tipicamente
um rápido aparecimento
de doença com febre. A
pneumonia pneumocystis
tem normalmente um Figura 3. (A) Radiografia torácica exibindo infiltrados intersticiais bilaterais reticulonodulares associados ao
rápido aparecimento mas PIL. (B) Hipocratismo digital da mão numa criança infectada por VIH com PIL.
tipicamente não causa
febre e traz consigo um Curso Clínico e Tratamento
requisito de oxigénio agudo e severo. Em comparação, O Curso Clínico de PIL varia e a remissão espontânea
PIL tem um aparecimento gradual. TB também tem um ocorre ocasionalmente. Doenças respiratórias
aparecimento gradual e é facilmente confundida com intercorrentes podem exacerbar uma doença
PIL. No entanto, durante um exame físico, doentes existente. Quando severa, PIL pode causar hipoxia e
com pneumonia Pneumocystis jirovecii (anteriormente insuficiência respiratória progressiva. A medição da
chamada pneumonia Pneumocystis carinii [PPC]) e TB saturação do oxigénio com oximetria de pulso ajuda
têm menos possibilidades de desenvolver hipocratismo a determinar a severidade da doença e a necessidade
digital e inchaço da parótida do que os doentes com PIL. para terapêutica de oxigénio. Alguns doentes afectados
PIL têm resultados de raio-X que são muitas vezes difíceis necessitam continuamente de oxigénio. Podem ser
de diferenciar de pneumonia bacteriana vulgar, PPC, e necessários antibióticos infecções pulmonares agudas,
TB miliar. Nos raios-X torácicos, a pneumonia bacteriana e broncodilatadores inalados (por ex., albuterol ou
vulgar muitas vezes aparece como uma anomalia focal, mas salbutamol) podem fornecer algum alívio quando
PIL, PPC, e TB miliar podem aparecer como opacidades os sintomas de PIL pioram. Embora existam poucos
bilaterais, intersticiais difusas (Figura 3). Embora nos dados para a sua utilização, mais doentes respondem a
raios-X de PIL seja menos provável do que na TB que terapêutica oral com corticosteróide e recomenda-se para
apareçam adenopatia hilar, distinguindo estas patologias os doentes com PIL e um requisito crónico de oxigénio.
pulmonares não é possível só com recurso a raios-X. Em crianças afectadas, prednisona (2 mg/kg/dia) pode
Sempre que disponível, a tomografia computorizada ser prescrito durante 2-4 semanas ou até o requisito de
de alta resolução do tórax pode ser útil quando se oxigénio melhorar, nessa altura, o prednisona deve ser
pretender questionar o diagnóstico de PIL. Tomografia diminuído para uma dose de 0,5-0,75 mg/kg a intervalos
computorizada revelará tipicamente micronódulos (1-3 de dois dias. Em caso de doença severa, as melhoras são, às
mm de diâmetro) com uma distribuição peri-linfática vezes, impossíveis e uma terapêutica com corticosteróide
bem como nódulos subpleurais. Em PIL, os resultados pode ser necessária indefinidamente. A dose mais eficaz e
radiográficos podem melhora até enquanto o estado do a duração do tratamento terapêutico com corticosteróides
sistema imunitário do doente piora. Se se realizar uma ainda são incertas, pelo que serão necessários mais
biopsia pulmonar, a inspecção microscópica do tecido estudos. A hidroxicloquina é uma alternativa à terapêutica
pulmonar demonstrará a presença de agrupamentos oral com corticosteróide e é eficaz em alguns casos. A
anormais de linfócitos rodeando as vias respiratórias. dose de hidroxicloquina recomendada em crianças é de 10
Os ensaios da função pulmonar em doentes com PIL mg/kg por dia. Além da terapêutica sintomática, a TARC
tipicamente demonstram um padrão de doença restritiva, pode também proporcionar algumas melhoras. Embora
com capacidade vital forçada reduzida (CVF), CVF reduzida a PIL seja uma doença do Estadio 3 da OMS, é uma das
em 1 s (FEV1), e um rácio normal FEV1/ CVF. quatro doenças do Estadio 3 (PIL, trombocitopenia, TB
pulmonar e leucoplasia oral pilosa), que não requerem o
início imediato de Terapêutica ARV, desde que a contagem
de células CD4+ seja adequada. Infecções secundárias
(devidas a mediação VIH ou imunossupressão mediada
por drogas) são vulgares em doentes com PIL; sem
monitorização, diagnóstico, e tratamento, podem ser
ameaçadoras da vida.
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