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CESARIANAS ELETIVAS NO BRASIL:


EXERCÍCIO OU NEGAÇÃO DA AUTONOMIA
DAS PACIENTES?
ELECTIVE CESAREAN SECTIONS IN BRAZIL: EXERCISE OR DENIAL
OF PATIENTS’ AUTONOMY?

Ana Clara Matias Brasileiro* 1

Fernanda Araujo Pereira** 2

Data de recebimento: 15/03/2021


Data de aceite: 25/05/2021
Última versão do autor em: 28/05/2021

Resumo: Este artigo pretende discutir como circunstâncias relativas à


eleição de cesarianas têm implicâncias nos processos de afirmação ou de
negação da autonomia de gestantes e parturientes, considerando as concep-
ções de autonomia e respeito à autonomia dos/as pacientes desenvolvidas
por Siqueira e Greco e o seu tratamento na dogmática penal. Como pano
de fundo, realiza-se uma análise da Lei Estadual n.º 17.137/2019, de São
Paulo. Apontam-se as relações entre mudanças históricas na assistência
*
Doutoranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universi-
dade Federal de Minas Gerais (PPGD-UFMG), no projeto coletivo:“Produção do
Direito, Interlegalidade e Discursividade”. Mestra em Direito pelo PPGD-UFMG,
na área de estudos: “Trabalho e Democracia”. Bacharela em Direito pela UFMG.
**
Mestranda em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade
Federal de Minas Gerais (PPGD-UFMG), no projeto coletivo: “Tempo, Espaço e
Constituição: Perspectivas Críticas e Desdobramentos Dogmáticos”. Bacharela em
Direito pela UFMG.

BRASILEIRO, Ana Clara Matias; PEREIRA, Fernanda Araújo. Cesarianas eletivas


no Brasil: exercício ou negação da autonomia das pacientes? Revista do Instituto de
Ciências Penais, Belo Horizonte, v. 6, n. 01, p. 185-221, 2021.
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ao parto e ao nascimento com altas taxas de cesáreas no país; a partir de


dados secundários, analisam-se os processos de tomada de decisão pelas
cesarianas eletivas, face ao paradigma de assistência médica pautado pelo
respeito à autonomia. Discute-se o tratamento dogmático dessas ideias
pela figura do consentimento, considerando seus efeitos na tipificação
de intervenções médicas, atentando-se ao dever de esclarecimento por
profissionais de saúde. O resultado é a compreensão do modo com que
as mulheres elegem as cesáreas no Brasil como tendente à negação da
autonomia dessas pacientes, na maioria dos casos. Problematiza-se, então, a
referida Lei por inviabilizar melhores condições para a tomada de decisões
autônomas por gestantes e por parturientes e indica-se a importância de
criticá-la atentando ao respeito à autonomia das pacientes.

Palavras-chave: cesariana eletiva; autonomia; consentimento; dever de


esclarecimento; assistência obstétrica.

Abstract: This article aims to discuss how circumstances related to


the election of cesarean sections have implications for the processes
of affirmation or denial of the autonomy of pregnant women and
parturients, considering the conceptions of autonomy and respect for
the autonomy of patients developed by Siqueira and Greco and their
treatment in criminal dogmatics. As a background, an analysis of São
Paulo State Law 17.137/2019 is carried out.The relationship between
historical changes in childbirth and birth assistance with high rates of
cesarean sections in the country is pointed out. Based on secondary
data, the decision-making processes for elective cesarean sections are
analyzed, in the light of the medical assistance paradigm based on respect
for autonomy. The dogmatic treatment of these ideas is discussed from
the perspective of consent, considering their effects on the criminali-
zation of medical interventions. Attention is paid to the question of the
fulfillment of the duty to inform by health professionals. The result is
an understanding of the way in which women choose cesarean sections
in Brazil as a denial of their autonomy, in most cases. Then, that Law
is criticized for preventing the development of better conditions for
autonomous decision-making by pregnant women.

Keywords: cesarean section by maternal request; autonomy; consent;


duty to inform; obstetric care.
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Sumário: 1 Introdução; 2 O excesso de cesarianas no contexto de


hipermedicalização do parto e do nascimento no Brasil; 3 A prática
médica fundamentada no respeito à autonomia dos/as pacientes; 4 Im-
passes entre as cesarianas eletivas e o respeito à autonomia das gestantes
e das parturientes no Brasil; 5 Algumas problematizações sobre a Lei
das Cesáreas; 6 Considerações finais; Referências.
1. Introdução
Em 2019, a deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP) apresentou
o Projeto de Lei n.º 435, de 2019 (PL 435/2019), com o objetivo de
assegurar às gestantes e às parturientes as possibilidades de uma cesaria-
na eletiva1 e do acesso à analgesia em partos normais. Nesse sentido, o
texto propôs, em apertada síntese: que as mulheres fossem respeitadas
em sua autonomia quando elegessem uma cesárea ou quando optassem
por um parto vaginal; que as maternidades e que os estabelecimentos
congêneres do Estado de São Paulo (SP) afixassem uma placa infor-
mando o direito à cesariana eletiva a partir da trigésima nona semana
de gestação; e que, em caso de divergência da opção feita pela gestante
ou pela parturiente, o/a médico/a devesse encaminhá-la para outro/a
profissional (SÃO PAULO, 2019).
Na justificativa do PL 435/2019, alegou-se que um movimento
que defenderia a supremacia do parto normal à cesárea vem ganhando
força no Brasil, o qual só seria coerente com a defesa dos direitos das
mulheres ao próprio corpo e ao respeito por suas preferências quando a

A Organização Mundial da Saúde (VILLAR et al., 2006, p. 1820) classifica os nas-


1

cimentos cesáreos como: a) emergência, se a mulher é encaminhada antes do início


do trabalho de parto, com diagnóstico de sofrimento fetal agudo, sangramento
vaginal, ruptura uterina, morte materna com feto vivo ou eclâmpsia; b) intraparto,
se indicado durante o trabalho de parto, se o parto foi espontâneo ou induzido;
c) eletiva, se a decisão de fazer a operação foi tomada antes do início do trabalho
de parto, havendo ou não indicação clínica para a realização da cirurgia ou para
a interrupção da gravidez. O parto vaginal induzido também é um desfecho de
gestação eletivo. Coloquialmente, esses desfechos eletivos são conhecidos como
indução ou cesariana agendadas, em contraponto àqueles em que o início do tra-
balho de parto é espontâneo (DINIZ, 2009, p. 317). Por outro lado, quando se fala
sobre o direito da gestante de optar pela realização de uma cesariana, sem que haja
indicações médicas para sua realização ou contraindicações para o parto vaginal
– o que seria o caso do projeto de lei em análise –, trata-se a rigor, de cesariana a
pedido materno. Tendo em vista que o PL 435/2019 utiliza a expressão “cesariana
eletiva”, mas trata, em tese, da institucionalização de “cesarianas a pedido”, neste
artigo, optamos por utilizar ambas expressões como equivalentes à segunda, a não
ser quando contextualmente explicitado.
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via de nascimento por elas desejada fosse a vaginal. Diante disso, Janaína
Paschoal afirmou se colocar em defesa das brasileiras assistidas pela rede
pública de saúde, que são obrigadas a sofrer por longas horas por um
parto normal, mesmo quando clamam pela realização de uma cesaria-
na. Segundo a parlamentar, o aludido movimento negaria a existência
de violência obstétrica em situações como essa (SÃO PAULO, 2019).
Nessa toada, a autora do projeto apresenta argumentos que rela-
cionam a ocorrência de desfechos negativos em nascimentos à impo-
sição de partos vaginais, citando, como fundamentos, certas pesquisas
e informações sobre a mortalidade materna no Brasil. Janaína Paschoal
traz, nessa linha de raciocínio, a relação entre o advento das cesáreas e
a redução das mortes maternas e infantis ocorrida há algumas décadas,
além de mais algumas outras justificativas para a lei proposta (SÃO
PAULO, 2019). Ao fim e ao cabo, o PL 435/2019 tramitou em regime
de urgência na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP)
e foi aprovado em agosto do ano de sua propositura, na forma da Lei
Estadual n.º 17.137, de 23 de agosto de 2019 (Lei 17.137/2019), que
ficou conhecida como a “Lei das Cesáreas”.
Essa legislação foi alvo de muitas polêmicas. Ativistas pela humani-
zação da assistência ao parto e ao nascimento, órgãos públicos, parlamen-
tares, associações da sociedade civil, profissionais da saúde, entre outros/
as, manifestaram-se de forma contundente contra a Lei 17.137/2019.
As muitas críticas, entretanto, não impediram que a proposta da aludida
legislação de favorecer as cesarianas a pedido no setor público fosse
replicada por outras leis no país. No começo de 2020, por exemplo,
foi publicada a Lei 9.016, de 30 de janeiro de 2020, no Estado do Pará.
Ocorre que, depois de tantas controvérsias, em julho de 2020, o
Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) declarou a inconstitucionali-
dade da Lei das Cesáreas, no julgamento da Ação Direta de Inconstitu-
cionalidade (ADI) n.º 2188866-94.2019.8.26.0000. Os fundamentos
da decisão não serão apresentados, visto que, baseados em questão de
competência legislativa2, não guardam relação direta com a discussão

Em 02 de julho 2021, poucos dias antes do fechamento desta edição, foi publicada
2

decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski do Supremo Tribunal Federal


(STF) no Recurso Extraordinário nº. 1.309.195 São Paulo, interposto pela Mesa
Diretora da ALESP nos autos da ADI n.º 2188866-94.2019.8.26.0000. O Ministro
Relator deu provimento ao Recurso, afirmando a dissonância do Acórdão recorrido
com a jurisprudência do STF e, assim, reconhecendo a competência concorrente do
Estado de São Paulo para legislar sobre direito à saúde. Dessa forma, afastado o vício
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pretendida neste artigo. Não obstante, vale pensar sobre os problemas


da Lei e sobre os fundamentos das visões que se opuseram a ela pelo
prisma de uma concepção da prática médica pautada pelo respeito à
autonomia dos/as pacientes.
No panorama dessas reflexões, este trabalho tem como objetivo
pautar uma discussão sobre a problemática das cesarianas eletivas no
Brasil. Mais especificamente, pretendemos debater a questão do pre-
enchimento dos requisitos do consentimento válido no processo de
escolha por essa cirurgia no país. Em seguida, também à luz do marco
teórico adotado, desejamos traçar o tratamento dogmático-penal dessa
intervenção na ausência de tais pressupostos de legitimidade e identificar
circunstâncias nas quais a autonomia das mulheres tende a ser exercida
ou negada quando da realização das cesáreas eletivas3.
Convém salientar que a produção deste texto não envolveu a
realização de pesquisa empírica. Sendo assim, não obstante haja o
emprego de fontes que fornecem informações e dados sobre a reali-
dade obstétrica brasileira (abarcando as razões pelas quais cesáreas são
amplamente realizadas, os processos de escolha pela via de nascimento
por parte de gestantes, entre outros aspectos), as contribuições ora
suscitadas são de ordem precipuamente normativa, isto é: visam a
indicar cenários em que o consentimento à realização de cesarianas
eletivas tem validade ou não.
Além do mais, destacamos, desde logo, que não pretendemos apon-
tar a solução definitiva para a problemática discutida, mas contribuir para
um debate qualificado. Inclusive, compreendemos que, para o exercício
do direito à autodeterminação de gestantes e parturientes durante a as-
sistência ao ciclo gravídico-puerperal, é preciso – muito além de analisar
a relação médico-paciente pelo prisma de uma ética da autonomia e,
ainda, de responsabilizar criminalmente a prática de intervenções médicas
arbitrárias – enfrentar questões materiais e socio-históricas, tais como o
machismo, como o racismo e como os interesses mercadológicos que
atravessam e que constituem a obstetrícia hegemônica no Brasil.

formal orgânico, restabeleceu-se a validade da Lei 17.137/2019. O debate segue em


aberto, contudo, visto que ainda é cabível recurso contra essa decisão.
3
Este artigo foi escrito com base nas discussões travadas na disciplina “Tópicos de
Direito Penal da Medicina: paternalismo médico, respeito à autonomia do paciente
e intervenções médicas”, ministrada no primeiro semestre de 2020 pela Profa. Dra.
Flávia Siqueira Cambraia, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Univer-
sidade Federal de Minas Gerais (PPGD-UFMG).
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Pontuamos também que, embora muitos fatos da assistência obstétrica


possam e devam ser debatidos com base nos termos propostos, fizemos
um recorte da temática para tratar apenas das cesarianas eletivas, com a
pretensão de trazer problematizações sobre a Lei 17.137/2019 para o texto,
o que será feito adiante. Portanto, no presente trabalho, consideramos que
a cesárea eletiva é aquela cuja realização é decidida na ausência de indica-
ções clínicas reais para o procedimento, antes do trabalho de parto ativo.
Nesse panorama, convém destacar que consideramos que as experiên-
cias de mulheres4 não são homogêneas, nem universalizáveis e, assim sendo,
reconhecemos que as pacientes brasileiras enfrentam diferentes violências
na assistência obstétrica, as quais costumam variar muito conforme as
discriminações sociais a que essas mulheres estão sujeitas. Por um lado, as
cesarianas acontecem de forma não uniforme entre as gestantes do Brasil,
sendo mais recorrentes, por exemplo, entre aquelas mais velhas e escola-
rizadas, assistidas na rede privada de atendimento e residentes das regiões
Sul, Sudeste e Centro-Oeste do país (DOMINGUES et al. 2014, p. 102).
Lado outro, nas discussões sobre as sujeitas que eventualmente
enfrentam percalços para realizar cesarianas eletivas, referimo-nos às
mulheres habitualmente assistidas no sistema público de saúde, muitas
delas discriminadas em virtude de raça e classe5 (LEAL et al., 2017, p. 5).
Por esses e por outros motivos, a problemática da eletividade de cesáreas
é mais recorrente entre as camadas mais privilegiadas da população. A
maior parte das pacientes a quem nos referimos neste artigo pertence,
portanto, a esses extratos sociais.
Isso tudo posto, apresentamos o presente texto que, contando com
esta introdução, está dividido em seis partes. Na segunda, desenvolvemos
um breve histórico dos modelos de assistência obstétrica, bem como
4
Gostaríamos de salientar que, ao nos referirmos a quem passa pelos ritos do parto
e do nascimento, falamos de mulheres apenas com o intuito de simplificar a escrita
e a leitura do texto. No entanto, isso não quer dizer que ignoremos que homens
trans e que pessoas não binárias também podem gestar, parir e, consequentemente,
viver as realidades discutidas.
5
Inserindo-nos no presente trabalho, pontuamos que as experiências no atendimento
obstétrico das mulheres menos privilegiadas da população são por nós acessadas de
forma principalmente teórica, o que, somado às nossas racializações na branquitude e
às nossas vivências enquanto pessoas de classe média, pode implicar em limitações no
entendimento do problema em questão. Especialmente diante disso, salientamos que
não temos a pretensão de falar por ninguém neste artigo; desejamos apenas produzir
uma contribuição teórica que, eventualmente, viabilize um diálogo com mulheres
diversas e que contribua para as lutas por melhorias dos cuidados obstétricos no Brasil.
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apontamos como a medicalização do atendimento influiu nas elevadas


taxas de cesarianas existentes hoje e tratamos dos processos de escolha pela
cesárea eletiva no Brasil. Na terceira, expomos as noções de autonomia
e respeito à autonomia do/a paciente na prática médica empregadas no
artigo, indicando como elas são tratadas dogmaticamente a partir da figura
do consentimento e, consequente, como podem perfazer tipos penais.
Na quarta, à luz, principalmente, de uma discussão sobre o cumpri-
mento do dever de esclarecimento nos termos propostos por Siqueira
(2019, 2020) e de Greco e Siqueira (2017), que apresentam o marco
teórico adotado, buscamos analisar circunstâncias que afetam a validade
do consentimento à realização de cesarianas eletivas e, a partir disso,
discutir sobre possíveis cenários de exercício ou negação da autonomia
dessas pacientes. Na quinta, desenvolvemos algumas problematizações
sobre a Lei das Cesáreas e tentamos indicar um cuidado a ser tomado
na elaboração das críticas a essa legislação. Por fim, nas considerações
finais, sintetizamos a discussão e salientamos a importância de seguir
pautando o debate sobre os problemas da assistência obstétrica brasileira,
bem como indicamos caminhos para possíveis pesquisas futuras.
2. O excesso de cesáreas no contexto de hipermedicalização
do parto e do nascimento no Brasil
Parir e nascer são importantes eventos da existência humana que,
no transcurso da história, foram vivenciados de variadas formas. Tem-se,
portanto, que, até as primeiras décadas do século passado, a assistência ao
parto e ao nascimento no Brasil era, em regra, prestada por parteiras e, na
maioria dos casos, mulheres pariam e bebês nasciam em suas casas. Merece
destaque o fato de que, na vigência desse modelo assistencial tradicional, as
mães e as famílias detinham o poder decisório sobre todo o processo que
resulta na chegada de uma pessoa ao mundo (CECHIN, 2002, p. 446-447).
Conquanto seja possível reconhecer aspectos positivos do paradigma de
assistência apresentado – pois parir e nascer eram experiências socialmente
compreendidas de forma não patológica, além de vividas coletivamente e,
quase sempre, entre mulheres –, ele também tinha os seus problemas. Havia,
por exemplo, a grave questão das mortalidades materna e neonatal. Afinal,
quando complicações e dificuldades ocorriam durante os partos, cirurgi-
ões-barbeiros (ou cirurgiões-parteiros) eram convocados a intervir, mas, em
regra, o faziam de forma tão ineficaz quanto as parteiras – normalmente,
esses profissionais se prestavam a retirar um/a bebê vivo/a de sua mãe morta
(DOMINGUES, 2002 apud BARA MAIA, 2008, p. 35-36).
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O modelo de assistência aos processos de parturição foi, então,


transformando-se ao longo do séc. XX, período em que o desenvol-
vimento tecnológico e científico se deu no marco do paradigma de
modernização industrial (PIMENTEL et al., 2014, p. 167). No campo
da saúde, a técnica tornou-se prevalente sobre o cuidado e a raciona-
lidade mecânica/industrial passou a ser aplicada a muitos dos aspectos
da atenção (RATTNER, 2009, p. 596). Nessa toada, os cuidados com o
parto e com o nascimento passaram a ser uma incumbência da medicina
(CECHIN, 2002, p. 447; RATTNER, 2009, p. 596), num movimento
de transição do modelo assistencial tradicional para o médico-hospitalar.
Mais especificamente no caso brasileiro, a profissão médica adquiriu
a autoridade sobre os processos de dar à luz a uma criança a partir da
década de 1920 (CECHIN, 2002, p. 447). De 1940 em diante, cresceu
a tendência à hospitalização de partos (RATTNER, 2009, p. 596); em
1976, o número de nascimentos em hospitais superou o número de
nascimentos em domicílios (informação verbal)6 e, já ao final do séc.
XX, 90% das mães tiveram os/as seus/suas filhos/as em estabelecimentos
hospitalares no país (RATTNER, 2009, p. 596).
Inegavelmente, o ingresso da medicina na cena da assistência ao
parto e ao nascimento trouxe avanços. Com as melhorias na atenção
pré-natal, com a antibioticoterapia, com a disponibilidade de tecnologias
para diagnósticos e para terapêuticas – tais como o uso de corticos-
teróides para maturidade pulmonar e como a qualificação do cuidado
intensivo ao/à recém-nascido/a – e com os ganhos nas condições de
vida da população, a mortalidade perinatal foi efetivamente reduzida
(RATTNER, 2009, p. 596; TESSER et al., 2015, p. 5).
A existência desse tipo de progresso, entretanto, não significa
que a referida transição de modelos assistenciais tenha sido isenta de
problemas. Isso se demonstra, por exemplo, pelo fato de que, desde a
década de 1980, a mortalidade materna brasileira se mantém alta e não
vem reduzindo tal como a de outros países, a despeito dos avanços do
conhecimento e da incorporação de novas tecnologias de suporte vital
(RATTNER, 2009, p. 596). Diante disso, importa compreender mais
profundamente alguns pressupostos do modelo médico-hospitalar de
cuidados com o parto e com o nascimento.

Informação fornecida pelo Dr. Bráulio Zorzella, no Congresso Nacional Nascer


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Direito, durante a palestra “Caminhos do Parto: por onde anda o nascimento Hu-
mano?”, proferida em 17 de setembro de 2020.
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A assistência obstétrica foi um dos âmbitos da atenção em saúde


em que, conforme exposto, a racionalidade mecânica/industrial passou
a ser aplicada. Nesse processo, metáforas fabris passaram a ser emprega-
das para a descrição do trabalho de parto, visto como o mero resultado
de contrações uterinas involuntárias. Além disso, corpos de gestantes e
parturientes foram concebidos como máquinas defeituosas e obstetras
como os/as mecânicos/as aptos/as a consertá-las. Tais ideias são fun-
dantes e fundamentais para a obstetrícia moderna (DAVIS-FLOYD,
2001; MARTIN, 2006 apud BARA MAIA, 2008, p. 39-40), cuja prática
[...] primeiro, elimina a mulher como sujeito do parto e coloca o
médico neste lugar, cabendo a ele fazer a condução ativa do parto;
segundo, impede os médicos de reconhecerem como legítimas
as situações nas quais o ambiente externo e o estado emocional
da mulher atuam dificultando ou facilitando o trabalho de parto
e o parto, mesmo quando sua prática lhe dá provas deste fato; e
terceiro, define e determina a atuação intervencionista do médico
quando ele achar que o músculo uterino não responde apropria-
damente [...] (MARTIN, 2006 apud BARA MAIA, 2008, p. 40).

A partir do exposto, é possível perceber que, no campo dos cuidados


obstétricos, o desenvolvimento industrial da medicina entrelaçou-se com
a opressão de gênero. Afinal, os/as profissionais da assistência passaram a
sujeitar gestantes e parturientes a um tratamento interpessoal precário,
que se caracteriza, entre outros7, por circunscrever essas mulheres num
lugar de passividade, por destituí-las da possibilidade de exercer o domínio
sobre a própria corporalidade e por impedi-las de manifestar necessidades
e desejos em relação ao parto e ao nascimento (CECHIN, 2002, p. 445).
Os pressupostos de gênero que orientam o atendimento obsté-
trico brasileiro resultam, ainda, em uma superestimação de benefícios
da tecnologia e em uma subestimação ou em uma negação de efeitos
adversos e desconfortos decorrentes de intervenções8 (DINIZ, 2009 apud

7
No que se refere à pobreza da relação entre profissionais de saúde e gestantes/
parturientes, é possível elencar, como outros exemplos, a oferta de um cuidado
não privativo ou indigno, o abandono, a negligência e a recusa de assistência e os
abusos verbais (TESSER et al., 2015, p. 3).
8
Exemplificam intervenções (no mínimo, potencialmente) desconfortáveis ou danosas:
o uso indiscriminado de ocitocina sintética; a imposição de posição de litotomia;
a episiotomia; a Manobra de Kristeller; as restrições à alimentação, ao consumo de
água e aos movimentos corporais (TESSER et al., 2015, p. 4) e a negativa de acesso
a analgesia e a métodos não farmacológicos de alívio da dor, quando requerido.
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PALHARINI, 2017, p. 4). Há, nessa conjuntura, a promoção de uma


visão pessimista sobre o parto normal: o discurso biomédico hegemônico
centraliza os seus argumentos numa ideia falsa dos riscos inerentes a esse
evento, a qual justificaria a realização de excessivos procedimentos como
algo imprescindível à boa prática obstétrica (PALHARINI, 2017, p. 4).
A hegemonia do modelo de assistência médico-hospitalar com os
traços indicados não se consolidou, todavia, sem tensões, contradições ou
resistências. Nesse sentido, os movimentos feministas de 1970 em diante,
sobretudo, passaram a questionar as condições opressivas de vivência
da maternidade. Na esfera dos cuidados obstétricos, isso significou o
confronto à compreensão das mulheres como “pélvis ambulantes” asse-
xuadas, aprisionadas à sacralidade da díade mãe-feto e à normatização
e ao controle dos corpos femininos pelo discurso médico-higienista
(CATTONI DE OLIVEIRA; MARQUES, 2020; DINIZ, 2001, p. 23).
Esses movimentos abriram o campo para os debates sobre as vio-
lências obstétricas que, no Brasil e em outros países latino-americanos,
denominam, em sentido amplo, um tipo de violência de gênero que
abarca as violações de direitos praticadas contra mulheres durante a
assistência à gestação, ao parto, ao pós-parto e ao abortamento (DINIZ
et al., 2015, p. 3). Para uma conceituação mais estrita, vamos adotar, no
presente artigo, a definição de violência obstétrica trazida pela Ley orgá-
nica sobre el derecho de las mujeres a una vida libre de violencia da Venezuela,
em virtude da ênfase atribuída à noção de autonomia no conceito:

Entende-se por violência obstétrica a apropriação do corpo


e dos processos reprodutivos das mulheres por profissional de
saúde que se expresse por meio de relações desumanizadoras,
de abuso de medicalização e de patologização dos processos
naturais, resultando em perda de autonomia e capacidade de
decidir livremente sobre seu corpo e sexualidade, impactando
negativamente na qualidade de vida das mulheres (REPÚBLI-
CA BOLIVARIANA DA VENEZUELA, 2007, p. 30 apud
DINIZ et al., 2015, p. 3).

Partindo da compreensão da transição do modelo de assistência ao


parto e ao nascimento tradicional para o médico-hospitalar, dos pro-
blemas decorrentes da hipermedicalização dos processos de parturição
e das relações dessa conjuntura com a sistemática prática de violências
obstétricas, iremos, então, tratar de uma realidade que é inseparável do
panorama apresentado: os elevados índices de cesáreas eletivas no Brasil.
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Nesse sentido, em 2019, cerca de 56,3% dos/as bebês que nasceram


com vida no país vieram ao mundo por meio da cirurgia cesariana9
(BRASIL, 2020). Esse é um indicador epidemiológico bastante grave,
visto que se relaciona, entre outros problemas, à já citada dificuldade
de redução da mortalidade materna brasileira. Afinal, segundo a Or-
ganização Mundial de Saúde (OMS), não há justificativas para que as
taxas globais de cesáreas superem 10% ou 15% (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, p. 437, 1985), pois a elevada ocorrência dessa ci-
rurgia, comprovadamente, não reduz a incidência de morbimortalidade
perinatal10 (TESSER et al., 2015, p. 5).
Ocorre que, para além de uma questão de saúde individual e
coletiva, a assistência obstétrica extremamente cesarista11 do Brasil é
um relevante problema jurídico. De modo geral, porque as altas ta-
xas de cesarianas refletem a falta de acesso das mulheres ao direito a
uma atenção humanizada12 ao parto e ao nascimento (BRASIL, 2000;
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 2014). Mais especifica-
mente – tendo em vista os objetivos da discussão proposta neste artigo
–, porque as circunstâncias apresentadas pela literatura de realização de
cesáreas em brasileiras indicam uma conjuntura hegemônica de negação
da autonomia dessas gestantes e parturientes.

9
Do total de 2.849.146 nascidos/as vivos/as no Brasil, 1.604.189 nasceram por meio
de cesáreas (BRASIL, 2020).
10
Quando necessárias, as cesáreas salvam vidas e reduzem morbidades de mães e bebês.
Todavia, ainda que a cesariana seja hoje uma cirurgia muito mais segura do que era
antigamente, os seus efeitos adversos são evidentes e persistentes. Em comparação
com mulheres que pariram por via vaginal, as cesariadas são mais propensas à
mortalidade, à morbidade severa, à internação em UTI, ao uso de antibióticos e à
necessidade de transfusão, histerectomia e tempo de permanência no hospital. Para
os/as bebês nascidos/as por cesarianas, por sua vez, as propensões à prematuridade,
à mortalidade neonatal, à admissão em UTI neonatal e ao uso de ventilação mecâ-
nica são maiores. Importa considerar, ainda, que a prematuridade iatrogênica e que
o nascimento eletivo antes de 39 semanas, provocados pela realização de cesáreas,
causam o aumento de internações em UTI neonatal e do número de óbitos. Em
razão desses riscos, não há que se defender que a incidência dessa cirurgia supere
o padrão preconizado pela OMS (TESSER et al., 2015, p. 5).
11
Caracterizada pela prática de cesarianas em índices elevados, descolada de reais
indicações clínicas de realização desse procedimento cirúrgico.
12
Nesta pesquisa, sobrepondo alguns dos sentidos do conceito de humanização mape-
ados por Diniz (2005), compreendemos que a assistência é humanizada quando se
baseia em evidências científicas, incorpora a defesa do protagonismo e dos direitos
das mulheres e qualifica a relação entre pacientes e cuidadores/as.
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Esse cenário, além de caracterizar a ocorrência de violências obs-


tétricas, permite questionar, pelo prisma do Direito Penal da Medicina,
a legitimidade de significativa parcela das cirurgias cesarianas realizadas
no país. Então, antes de adentrarmos em explanações sobre os contornos
das especificidades desse problema jurídico, vale apresentar melhor a
conjuntura de que tratamos.
O aumento da frequência de cesarianas é um fenômeno mundial.
Entretanto, nenhum outro país teve uma curva de crescimento dessa
cirurgia tão acentuada quanto a do Brasil (DINIZ, 2001, p. 12), o qual,
importa destacar, é a segunda nação mais cesarista do planeta (BOERMA
et al., 2018). Para compreender esse panorama epidemiológico no país,
é preciso considerar que as suas causas são múltiplas e complexas (TES-
SER et al., 2015, p. 5) e que, sendo assim, indicá-las de forma completa
e pormenorizada é uma tarefa que extrapolaria o escopo do presente
trabalho. Portanto, é de modo não exaustivo que serão apresentados
fatores que contribuem para as altas taxas de cesáreas no Brasil – com
ênfase naqueles que favorecem o acontecimento eletivo dessa cirurgia13
– os quais ilustrarão as discussões normativas adiante desenvolvidas.
Primeiramente, é preciso ter em mente que a maioria das brasileiras
tem preferência por um parto vaginal no começo da gestação. Em um
artigo desenvolvido a partir do estudo nacional “Nascer no Brasil”14,
identificou-se que 66% das entrevistadas desejavam parir normalmente
logo quando engravidaram. Porém, na maior parte dos casos, esse desejo

13
Cumpre destacar que as altas taxas de cesáreas no Brasil não decorrem apenas das
cesarianas eletivas. Tem-se que, na assistência a partos normais, as mulheres costu-
mam ser submetidas a uma “cascata de procedimentos” (MOLD; STEIN, 1986 apud
DINIZ, 2005, p. 629) em muitas das vezes em que o parto poderia transcorrer de
maneira fisiológica, sem a necessidade de intervenções. O resultado desse processo,
em alguns casos, é a realização de cesáreas que poderiam ter sido evitadas. Ademais,
há de se considerar que as deficiências da formação médica atual fazem com que
muitos/as obstetras só saibam lidar com complicações, com distócias e com variações
da normalidade em partos normais por meio da realização da cirurgia, inclusive
em situações em que ela poderia ser evitada, gerando benefícios para mães e para
bebês (TESSER et al., 2015, p. 6). Conquanto esses e outros fatores tenham de ser
considerados para uma análise mais aprofundada do fenômeno das altas taxas de
cesarianas no Brasil, isso por ora não será feito.
14
Nascer no Brasil foi um estudo nacional realizado entre 2011 e 2012, de base
hospitalar, composto por puérperas e por seus/suas recém-nascido/as. Durante
a pesquisa, 266 hospitais foram amostrados e 23.940 pessoas foram entrevistadas
(DOMINGUES et al., 2014, p. 102), o que permitiu delinear um panorama das
condições dos partos e dos nascimentos no Brasil.
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não se concretizou, seja porque essas mulheres passaram a preferir uma


cesariana ao longo da gestação, seja porque elas foram cesariadas apesar
da preferência pelo parto normal (DOMINGUES et al., 2014).
Nessa conjuntura, tem-se que informações sobre as vias de parto
não foram um critério preponderante na construção dos desejos das
entrevistadas. Em contrapartida, no artigo supracitado, identificou-se
que para preferir uma cesárea, o medo do parto normal foi a razão mais
prevalente (DOMINGUES et al., 2014, p. 111-112), temor esse que
possui muitas explicações.
Uma delas relaciona-se ao aludido paradigma de modernização
industrial na seara da saúde, pois há uma tendência cultural à idealização
da medicalização, a qual faz com que algumas pacientes concebam a
cesariana como um bem de consumo e como uma intervenção segura
(TESSER et al., 2015, p. 5), mais do que parir pela vagina. Há, também,
o receio da assistência violenta, muito intervencionista e, consequen-
temente, sofrida que é comum aos partos normais no Brasil, o que faz
com que certas mulheres vejam nas cesáreas eletivas uma saída para
prevenir esse processo penoso (DINIZ, 2005, p. 629).
Dito isso, apesar das altas taxas de cesarianas no Brasil, ainda é possí-
vel dizer que não há uma “cultura da cesárea” totalmente introjetada nas
brasileiras. Na verdade, a chamada “cesárea a pedido da mulher”, recorren-
temente relatada por médicos, é o reflexo mais de uma cultura médica do
que de uma preferência das parturientes (BARBOSA et al., p. 1619-1620).
Ademais, é muito importante salientar que os/as médicos/as têm
um papel bastante relevante na construção do medo do parto vaginal. As
cesarianas são uma cirurgia rápida que, quando previamente agendada,
é muito conveniente para o/a obstetra, uma vez que permite desdo-
bramentos econômicos com a possibilidade de melhor administrar as
suas outras atividades remuneradas e o seu tempo de lazer. Aliado a isso,
com o crescimento das taxas de cesáreas no Brasil nos últimos anos,
tem havido uma mudança na formação obstétrica, o que faz com que
profissionais provavelmente não estejam desenvolvendo, nem pratican-
do as habilidades clínicas para assistir partos normais sem intervenções
cirúrgicas (TESSER et al., 2015, p. 6).
Diante disso, a despeito das vantagens de nascimentos pela via
vaginal na maioria dos casos, os/as médicos/as tendem a não estimular
a concretização da preferência pelo parto normal que muitas mulheres
têm no começo de suas gestações. Mais do que isso, Domingues et al.
identificaram que, sobretudo na rede privada de atendimento, as pacientes
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recebem um aconselhamento favorável à realização da cesárea durante


o acompanhamento pré-natal (2014, p. 112), várias vezes com base em
diagnósticos parciais ou distorcidos de indicações clínicas da cesariana
(BOWSER; HILL, 2010 apud TESSER et al., 2015, p. 3).
Nesse sentido, vale ressaltar que a possibilidade de ter o/a bebê com
o/a mesmo/a profissional de assistência ao pré-natal e a preferência do
companheiro também são fatores para que essas cesáreas não desejadas
pelas mulheres e muitas vezes decididas pelos/as pré-natalistas aconteçam.
Destacamos, além disso, que, ainda que muitos/as médicos/as afirmem
que as pacientes preferem as cesarianas para prevenir os danos na vida
sexual supostamente causados pelo parto normal, essa é a preferência
de uma parcela mínima das gestantes (inferior a 2%) que não desejam
parir pela via vaginal (DOMINGUES et al., 2014, p. 109-110).
Assim, é possível concluir que, no que se refere à via de parto, ex-
pressiva parte das mulheres brasileiras não forma o seu desejo a partir do
acesso a informações, é ludibriada durante a construção das suas esco-
lhas pelos/as próprios/as obstetras e costuma concretizar a sua vontade
somente se ela coincidir com os pontos de vista e/ou com os interesses
dos/as médicos/as (PALHARINI, 2017, p. 18, 25). Profissionais que, no
Brasil, são muito cesaristas. Afinal, enquanto 58,4% das pacientes que
preferiam um parto normal no começo da gestação conseguiram realizar
o seu desejo, 96,5% das que tinham vontade de uma cesárea quando
engravidaram realizaram essa via de nascimento (DOMINGUES et al.,
2014, p. 113). Isso tudo posto, tem-se que, embora as cirurgias cesarianas
sejam amplamente realizadas no Brasil, elas não necessariamente refletem
o respeito à autonomia das brasileiras.
3. A prática médica fundamentada no respeito
à autonomia dos/as pacientes
De início, importa dizer que, tradicionalmente, a atuação médica é
orientada pela ética hipocrática (ou ética do cuidado). Em síntese, esse é
um referencial ético que, pautado pelo Juramento de Hipócrates, elege
a saúde do/a paciente como a lei suprema da medicina. Diante dela, os/
as médicos/as teriam o dever de cuidado como a sua obrigação central,
visando à oferta do melhor tratamento aos indivíduos de acordo com o
poder e com o juízo do/a profissional de saúde (GRECO; SIQUEIRA,
2017, p. 644; SIQUEIRA, 2019, p. 43).
Nessa concepção, pacientes são entendidos/as como pessoas ne-
cessitadas de ajuda e incapazes de tomar decisões médicas. Conferiu-se,
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assim, total primazia aos princípios da beneficência e da não maleficên-


cia, em detrimento dos desejos dos indivíduos sendo tratados – esses
tidos, inclusive, como meros “caprichos”. A relação médico-paciente
foi, desse modo, concebida de forma fundamentalmente assimétrica:
aos/às médicos/as, seria devido promover a saúde em total aniquilação
da autonomia e da autodeterminação dos/as pacientes (GRECO; SI-
QUEIRA, 2017, p. 644-5; SIQUEIRA, 2019, p. 43-46).
Conquanto o Juramento de Hipócrates ainda oriente a prática mé-
dica contemporânea, o decorrer do tempo fez ascender críticas contra
a ética hipocrática a partir da compreensão da sua natureza paternalista.
Afinal, assumia-se que, em virtude da posse de conhecimentos técnicos,
médicos/as sempre saberiam o que é melhor para o/a seu/sua paciente,
podendo ignorar as suas vontades livres e informadas e agir sem o seu
consentimento, ou mesmo contra as suas vontades expressas (SIQUEI-
RA, 2019, p. 46; 52-53).
Diante desse panorama, cresceu a adesão à necessidade de respeitar
a autonomia dos/as pacientes, traduzida no reconhecimento da existên-
cia de um direito à autodeterminação, o que deu ensejo à transição do
modelo de ética do cuidado/hipocrática para o da ética da autonomia/
pós-hipocrática. Com essa, os/as pacientes são emancipados/as do jugo
médico e tornam-se sujeitos/as das intervenções cirúrgicas, que podem
escolher a que tratamentos desejam se submeter (GRECO; SIQUEIRA,
2017, p. 648; SIQUEIRA, 2019, p. 53-55).
Nesse diapasão, para um entendimento dos reflexos dessa mudan-
ça paradigmática no campo do Direito Penal da Medicina, é preciso
compreender o conceito de autonomia, bem como a ideia de respeito
à autonomia. Destacamos, de plano, que muitas são as suas definições
e que o cerne do seu conteúdo é bastante disputado (SIQUEIRA,
2019, p. 56). Assim sendo, apresentar toda essa problemática conceitual
constituiria uma tarefa complexa e abrangente demais para o presente
trabalho, razão pela qual nos ateremos à exposição da concepção por
nós adotada, que foi desenvolvida por Flávia Siqueira e por Luís Greco
(GRECO; SIQUEIRA, 2017; SIQUEIRA, 2019, 2020).
Fundamentalmente, a ideia de autonomia pode ser depreendida
da própria etimologia do termo, referente à determinação de suas pró-
prias regras. Desse modo, autônomo é o indivíduo que define e que
orienta os seus próprios planos, realizando a sua vida conforme os seus
próprios ideais. No campo do direito, a autonomia é concretizada a
partir dos direitos de autodeterminação, autogoverno e independência.
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Para delinear o conteúdo substancial dessa ideia aplicável, em especial,


na esfera do Direito Penal da Medicina, Siqueira retoma diferentes
concepções desenvolvidas em obras de Kant, Feinberg e Beauchamp
e Childress (2019, p. 56).
Então, a partir de uma interpretação da filosofia de Kant, Siqueira
salienta que – para a elaboração da sua ideia de autonomia – os pontos
de maior importância desenvolvidos pelo autor são a desvinculação
temporária do indivíduo de seus desejos e de suas aversões parti-
culares (considerando a ideia de imparcialidade da decisão), o papel
de cada pessoa de ser legisladora de sua própria moral e a univer-
salizabilidade constante do imperativo categórico. Não obstante, na
medida em que se vincula à liberdade moral, a concepção kantiana
torna-se demasiadamente estreita para a discussão pretendida, pois
a autonomia não pode depender do conteúdo moral das decisões
(SIQUEIRA, 2019, p. 66-67).
Desse modo, a noção de autonomia deve ser referente à moda-
lidade de decisão ou conduta, não importando se ela decorre ou não
de uma análise imparcial. O que vale é o seu reconhecimento como
um direito, o de fixar para si as suas próprias normas. Além do mais,
diferentemente do proposto por Kant, a ideia de universalizabilidade
não deve perpassar a correção moral das ações de um indivíduo, mas
sim a não afetação da autonomia de terceiros. Ou seja, no que se re-
fere, em especial, aos tratamentos médicos, as escolhas em regra não
alcançam a autonomia ou a esfera privada de outras pessoas. Logo,
elas são decisões autorreferenciais, podendo ser, nesse entendimento,
consideradas universalizáveis e, ao menos a princípio, autônomas (SI-
QUEIRA, 2019, p. 67-68).
Em diálogo com Rawls, Siqueira afirma, ainda, que se afasta de
uma noção ética de autonomia e que se aproxima de uma noção polí-
tica, relativa à afirmação de princípios políticos de justiça e ao usufruto
da proteção de direitos e liberdades basilares na esfera pública. Por esse
motivo, ela é essencial para manter uma sociedade estável e justa a
despeito das divergências de doutrinas abrangentes que os indivíduos
possam ter (2019, p. 69).
Em se tratando de Feinberg, Siqueira reconhece que as quatro
dimensões da autonomia por ele delineadas – como condição de fato,
como ideal, como capacidade de autodeterminar-se e como direito
soberano à autodeterminação – são importantes para o campo da
bioética. Entretanto, a exigibilidade da cumulação de todas elas torna,
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no seu entendimento, a autonomia como uma ideia inalcançável e


sem relevância prática, motivo pelo qual elas devem ser vistas como
potências do indivíduo autônomo. No mais, para a dogmática penal,
Siqueira defende que são de maior valor as ideias de autonomia como
capacidade e como direito (2019, p. 70).
Por fim, a concepção de Beauchamp e Childress é, possivelmente,
a que melhor expressa o conteúdo da autonomia de pacientes na es-
fera da bioética. Contudo, a interconectividade entre autonomia, não
maleficência, beneficência e justiça apresenta nuances paternalistas, no
sentido que permite que a autonomia do indivíduo porventura seja
flexibilizada em razão dos outros princípios, com base no juízo do/a
próprio/a médico/a. Feita essa consideração, no que se refere apenas
ao respeito à autonomia, Beauchamp e Childress foram assertivos
no desenvolvimento de uma ideia centralizada nas características da
decisão autônoma e no desenvolvimento da teoria das três condições
(SIQUEIRA, 2019, p. 70-71).
Situada nos desenvolvimentos teóricos brevemente expostos, Si-
queira defende, então, que, para a bioética e para o direito, respeitar a
autonomia do/a paciente implica reconhecer o seu direito à autodeter-
minação sobre o próprio corpo e sobre a própria mente. Não se trata,
pois, de qualificar uma pessoa, mas sim de reconhecer e conceder o seu
direito de controlar certas questões referentes à sua vida privada. Pos-
suindo a autonomia uma dimensão política, respeitá-la é algo atinente
apenas à liberdade de decisão do/a paciente e não ao seu conteúdo
(SIQUEIRA, 2019, p. 71; 2020, p. 22-23).
Além do mais, nas relações médico-paciente, a autonomia é
traduzida como o direito deste/a de tomar as próprias decisões sobre
intervenções médicas – abrangendo, assim, o direito de não ser sub-
metido/a a tratamentos quaisquer contra a sua vontade ou sem o seu
consentimento, bem como de escolher as intervenções a que deseja
se submeter. Diante disso, a figura do consentimento adquire uma
relevância central: ele é indispensável e, na maioria dos casos, suficiente
para conferir legitimidade a um tratamento médico (SIQUEIRA,
2019, p. 72; 2020, p. 23).
Importa apresentar, ainda, que o respeito à autonomia deve ser
recíproco, isto é: somente pertinente quando não implicar a afetação
da autonomia de outras pessoas – ou, em outras palavras, quando
passar pelo teste da universalizabilidade. Tem-se, por fim, que a capa-
cidade é um pressuposto do exercício do direito à autonomia, sendo
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que ela significa a posse de um grau mínimo de habilidades para que


o/a paciente seja considerado/a competente, ainda que não preencha
os pressupostos da autonomia como um ideal (SIQUEIRA, 2019, p.
72-73; 2020, p. 23-24).
A elaboração conceitual desenvolvida por Siqueira encontra pro-
teção na Constituição da República de 1988 (CR/88), visto que a
autonomia é um componente indispensável da dignidade humana e
da liberdade individual. Nesse sentido, no art. 1.º, III da CR/88, está
a previsão da dignidade humana, que é um princípio unificador e um
alicerce das garantias e dos direitos fundamentais previstos no ordena-
mento jurídico e que é também inata e intrínseca a todas as pessoas
(SIQUEIRA, 2019, p. 75-76; 2020, p. 34-35).
No caso, defende-se uma compreensão da dignidade como au-
tonomia, a partir da qual se reconhece a individualidade das pessoas
e a existência de um núcleo intangível de suas vidas privadas. Assim,
é possível garantir ao indivíduo o direito de autodeterminar-se e
escolher os seus projetos de vida, como também de impedir o Estado
ou as outras pessoas de impor um modo de vida baseado em valores
que lhe são externos. A autonomia torna-se, assim, um pressuposto
do reconhecimento da dignidade humana (SIQUEIRA, 2019, p.
76-77; 2020, p. 25).
Já no art. 5.º, caput da CR/88 está prevista a liberdade geral de
ação, que serve de fundamento jurídico do respeito à autonomia. Nesse
panorama, Siqueira defende que mais do que compreendê-la como a
ausência de interferências externas – na baila do art. 5.º, II da CR/88
–, é preciso reconhecer a existência de um aspecto da liberdade como
autonomia. Essas duas dimensões, em conjunto, têm o condão de
reafirmar a importância do respeito à autodeterminação, resultando,
assim, num aumento do grau de liberdade do/a titular do bem jurídico
(SIQUEIRA, 2019, p. 78-79; 2020, p. 25-26).
Importa salientar que, na esfera das relações médico-paciente, os
recorrentes confrontos entre dignidade e liberdade com os direitos à
saúde (art. 6.º, caput, CR/88) e à vida (art. 5.º, caput, CR/88) devem
ser considerados a partir da ideia de que dignidade e liberdade como
autonomia asseguram o direito de o/a paciente determinar o próprio
destino de forma autorresponsável. Com isso, compreendemos que
ele/a é livre e intitulado/a a escolher as intervenções médicas pelas
quais deseja ou não passar, tendo o direito, inclusive, de recusar trata-
mentos vitais e de se submeter a procedimentos sem indicação clínica
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(SIQUEIRA, 2019, p. 79-80; 2020, p. 26). Partindo dessa fundamentação


normativo-constitucional, esboçaremos o tratamento dogmático para a
concepção de autonomia discutida.
Intervenções médicas atingem a liberdade e o corpo dos indivíduos.
Considerando que a integridade corporal é um bem jurídico individual
e que é vedado a qualquer pessoa intervir no corpo (compreendido,
aqui, como um todo harmônico e indissociável da vontade) de outrem
sem a sua anuência, o consentimento do/a paciente é, como já men-
cionado, o que confere legitimidade a intervenções cirúrgicas. Nessa
seara, qualquer direito do/a médico/a nada mais é que uma concessão
do/a paciente, dentro dos limites objetivos e temporais por ele/a fixados
(GRECO; SIQUEIRA, 2017, p. 651; SIQUEIRA, 2019, p. 169-172).
Não existe, então, qualquer direito originário dos/as médicos/
as de tratar. Nessa toada, à luz do Código Penal Brasileiro (CPB),
tem-se que a figura do exercício regular de direito, previsto no seu
art. 23, III, não justifica qualquer intervenção cirúrgica. Além do mais,
o estado de necessidade, previsto no art. 24, também é inaplicável
para legitimar lesões ao corpo e à liberdade das pessoas com base na
pretensa proteção de sua saúde ou seu bem-estar, pois essas situações
não contemplam conflitos entre interesses interpessoais, necessários à
caracterização dessa excludente de ilicitude (GRECO; SIQUEIRA,
2017, p. 652; SIQUEIRA, 2019, p. 320).
Consequentemente, a ausência do consentimento – real ou, quando
não for possível obtê-lo, presumido – de um/a paciente para a realização
de um tratamento médico perfaz, a princípio, os pressupostos típicos dos
delitos de lesão corporal, que tutela a integridade física, previsto no art.
129 do CPB, e de constrangimento ilegal, que tutela a liberdade geral
de ação, previsto no art. 146 do CPB (GRECO; SIQUEIRA, 2017, p.
652; SIQUEIRA, 2019, p. 172; 2020, p. 29).
Nesse panorama, vale destacar que a validade desse consentimento
depende do atendimento de dois tipos de limites: objetivos e subjetivos.
Aqueles se referem à observância de limitações que afetam o exercício
da liberdade de disposição; estes se vinculam à capacidade de consentir
do/a titular do bem jurídico e à sua liberdade na formação da vontade
e da tomada de decisão.
Essa última dimensão abrange o cumprimento do dever de escla-
recimento por parte dos/as médicos/as, pois, como pacientes, via de
regra, são medicamente leigos/as, os/as profissionais devem passar todas
as informações necessárias para que eles/as compreendam a dimensão da
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intervenção cirúrgica e dos valores que ela coloca em conflito (GRE-


CO; SIQUEIRA, 2017, p. 652; SIQUEIRA, 2019, p.172; 2020, p. 29).
O dever de esclarecimento, enquanto pressuposto de validade para o
consentimento, é, assim, um aspecto de fundamental importância para
a discussão sobre as cesarianas eletivas no Brasil.
4. Impasses entre as cesarianas eletivas e o respeito à
autonomia das gestantes e das parturientes no Brasil
À luz dos desenvolvimentos teóricos de Siqueira sobre o respeito
à autonomia do/a paciente na prática médica, vale tecer algumas
considerações sobre o que a literatura indica como o panorama das
cesarianas eletivas no Brasil. Primeiramente, apontamos que o fato
de a maioria das mulheres não pautar a sua decisão quanto à via de
parto por informações referentes a essa questão (DOMINGUES et
al., 2014, p. 112) é uma evidência de que, na maioria dos casos, a
escolha por uma cesariana não constitui um exercício da autonomia
das gestantes e das parturientes.
Afinal, entre os vários pressupostos de validade do consentimento
real15, estão a ausência de vícios de vontade, que são o erro, o engano
ou a coação (SIQUEIRA, 2019, p. 244), e o dever de esclarecimento
dos/as médicos/as para a autodeterminação dos/as pacientes que, em
síntese, se vincula “[...] à revelação do diagnóstico, da evolução do tra-
tamento, dos riscos que ele pode vir a gerar e das possíveis alternativas
a ele” (SIQUEIRA, 2019, p. 281). Destaque-se que esses pressupostos
são muito conectados, pois o mais importante aspecto dos vícios de
vontade para o Direito Penal da Medicina é o cumprimento pelo/a
profissional de saúde do dever de esclarecimento para autodeterminação
do/a paciente (SIQUEIRA, 2019, p. 244-245).
Nesse panorama, na discussão sobre cesarianas eletivas, têm-se o
engano e o erro como os vícios de vontade que mais frequentemente
invalidam o consentimento concedido pelas pacientes. Enquanto aquele
se refere às situações em que o/a agente ou um/a terceiro/a determina
o erro no qual incorre o/a titular do bem jurídico, este é relativo aos

Os demais pressupostos são a indisponibilidade da vida/da integridade física, a


15

anterioridade e a revogabilidade do consentimento e a capacidade para consentir


(SIQUEIRA, 2019). Ainda que sejam de grande relevância para discussão sobre
a tomada de outras decisões pela gestante/pela parturiente durante a assistência à
gestação, ao parto e ao nascimento, entendemos que, para o debate sobre as cesa-
rianas eletivas, um aprofundamento nesses pressupostos é prescindível.
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casos em que o consentimento é concedido sem que o/a titular conheça


todos os fatos relevantes para a sua tomada de decisão, em virtude de
um equívoco espontâneo (SIQUEIRA, 2019, p. 244).
Considerem-se, então, como circunstâncias ilustrativas do pro-
blema normativo posto, os casos de gestantes que escolhem a cesárea
como via de parto por causa do recebimento, por parte de seus/suas
obstetras, de falsas recomendações da cirurgia, como uma despropor-
ção céfalo-pélvica inexistente ou como a alegação de que a cesariana
é mais segura do que o parto normal para mulheres portadoras de
trombofilia. Ambos os exemplos são bastante frequentes na assistência
obstétrica brasileira e correspondem a situações em que o consen-
timento das pacientes é inválido em virtude de enganos. Afinal, os/
as médicos/as determinam que elas se submetam a uma intervenção
de grande porte induzindo-as a erros sobre a sua indicação e a sua
finalidade curativa (SIQUEIRA, 2019, p. 249).
Diferente é a situação em que gestantes elegem a cesárea por acre-
ditarem que, assim como todas as mulheres de suas famílias, não seriam
capazes de viver um parto vaginal por não “possuírem passagem”. Infe-
lizmente, dado que o “mito da ausência de passagem” ainda é bastante
comum no imaginário das brasileiras, de fato, muitas gestantes são levadas
a acreditar que necessitam de uma cesariana por esse motivo. Então, nos
casos em que a cirurgia se consuma, é possível afirmar a ocorrência de
um erro espontâneo que invalida o consentimento na intervenção, pois
os/as profissionais da assistência possuem o dever de afastar possíveis
equívocos do/a titular do bem jurídico (SIQUEIRA, 2019, p. 250).
Nesse sentido, como já mencionado, para além do propósito de
evitar vícios de vontade, o/a médico/a possui o dever de prestar escla-
recimentos sobre um procedimento para que os/as pacientes se auto-
determinem. Isto é: para que compreendam o significado e a extensão
do tratamento médico, sejam capazes de ponderar as suas vantagens e
as suas desvantagens e, por conseguinte, de fato exerçam o seu direito à
autodeterminação sobre o próprio corpo (SIQUEIRA, 2019, p. 251).
Antes de adentrar nas questões referentes ao conteúdo do escla-
recimento, vale tecer uma crítica à assistência obstétrica convencional
brasileira. Uma vez que o consentimento de um/a paciente tem como
pressuposto de validade o esclarecimento, evidentemente, o dever de
esclarecer deve ser cumprido pelos/as médicos/as e pelos/as demais
profissionais da saúde antes das intervenções (SIQUEIRA, 2019, p. 280).
Portanto, em se tratando do processo de decisão da via de nascimento,
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parece-nos especialmente absurdo que as mulheres não sejam devida-


mente esclarecidas pela maioria dos/as obstetras no Brasil, haja vista
que gestações duram, geralmente, uma média de nove meses – período
mais do suficiente para que o dever de esclarecimento seja exercido.
Além disso, as consultas pré-natais são oportunidades propícias ao
devido esclarecimento sobre as possíveis vias de nascimento, sobre as
fases do parto, sobre as intervenções e as intercorrências mais comuns
e sobre os seus riscos e os seus benefícios, para que as gestantes possam
formar e expressar sua posição frente aos diferentes cenários. No Brasil,
os dados do DataSUS demonstram um crescimento numérico da aten-
ção pré-natal: em 2019, 72,4% das gestantes contaram com pelo menos
sete consultas pré-natais, além de 20% que tiveram entre quatro e seis
consultas16. Taxas que, somadas, no início da série histórica, em 1996,
não chegavam a 60%17 (BRASIL, 2020).
Dada essa ampliação dos atendimentos de pré-natal, parece-nos
razoável que, como defende Zimmermann, seja exigível do/a médico/a
um reforço aos deveres de informação (prévia), ao menos em relação às
medidas mais frequentes ou às que gerem mais dúvidas e angústias na
gestante. Para o autor, a utilização de estandartes de informação dema-
siadamente baixos faz com que o próprio direito à autodeterminação
da gestante perca seu valor (2017, p. 97, 102).
No tocante ao conteúdo desse dever de informação, importa, por-
tanto, tratar, primeiramente, do esclarecimento referente ao diagnóstico.
No caso das discussões sobre a eletividade de cesarianas, entendemos
que essa dimensão não se mostra tão relevante, visto que ao/à médico/a
é devido informar a mulher sobre a condição clínica da gestação vi-
sando à sua autodeterminação (cf. SIQUEIRA, 2019, p. 282-284). Não
obstante, esse aspecto ganha importância com a já apresentada discussão
sobre os enganos no processo de decisão sobre a via de nascimento,
pois, se um/a obstetra faz um diagnóstico falso ou equivocado de uma

16
De acordo com o DataSUS, em 2019, houve um total de 2.849.146 nascidos vivos
no Brasil. Desse total, 2.063.669 gestações contaram com 7 ou mais consultas pré-
-natais; 577.170 tiveram entre 4 e 6 consultas pré-natais; 152.483, de 1 a 3 consultas;
43.406 gestações não contaram com nenhuma consulta pré-natal; e, para 12.418
gestações, esse número é ignorado.
17
De acordo com o DataSUS, em 1996, houve um total de 2.945.425 nascidos
vivos no Brasil. Desse total, 947.537 gestações contaram com 7 ou mais consultas
pré-natais; 744.125 tiveram entre 1 e 6 consultas; 3.124 de 4 a 6 consultas; 4.194
gestações tiveram de 1 a 3 consultas pré-natais; 185.676 gestações não contaram com
nenhuma consulta pré-natal; e, para 1.060.769 gestações, esse número é ignorado.
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indicação clínica de cesárea durante o acompanhamento pré-natal, ele/a


estará induzindo essa paciente a um erro que poderá invalidar o seu
consentimento à cirurgia.
Já os esclarecimentos referentes às alternativas terapêuticas e aos
riscos do tratamento são de suma importância para o debate proposto.
Ainda que, por uma perspectiva dogmática, seja importante diferenci-
á-los e analisá-los de forma separada – pois o esclarecimento quanto
ao tratamento e aos seus riscos diz respeito àquele que será executado
e não às terapêuticas alternativas –, haja vista as vinculações entre essas
duas formas de esclarecimento (SIQUEIRA, 2019, p. 284), elas serão,
neste trabalho, consideradas conjuntamente.
Para que uma gestante de fato tome uma decisão autônoma quanto
à via de nascimento, é necessário que ela saiba das possibilidades re-
lativas a um parto vaginal e à realização de uma cesariana, que são as
alternativas possíveis para o desfecho de uma gestação. Ocorre que, além
da apresentação desses caminhos, é imprescindível que o/a médico/a
esclareça a paciente quanto aos riscos, às chances de êxito, às vantagens
e às desvantagens de cada um deles (SIQUEIRA, 2019, p. 284). Con-
tudo, isso não costuma acontecer no cenário da assistência obstétrica
brasileira (DOMINGUES et al., 2014).
As cesarianas sem indicações clínicas (assim como as intervenções
rotineiramente realizadas durante partos normais no Brasil, em regra
sem necessidade) são associadas a uma maior morbimortalidade ma-
terno-infantil, como já indicado. Entretanto, as gestantes, via de regra,
não são esclarecidas sobre os riscos da realização eletiva dessa cirurgia
(PALHARINI, 2017, p. 4).
Além disso, o esclarecimento dos riscos de partos vaginais costuma
acontecer de forma bastante problemática, pois as mulheres são levadas a
acreditar que os partos normais são mais arriscados para elas e para os/
as bebês, quando, na verdade, muitos dos riscos não se referem à via de
nascimento em si, mas sim à iatrogenia18 da assistência (DINIZ, 2009,
p. 320 apud PALHARINI, 2017, p. 5). Na toada do exposto, essa é mais
uma ilustração de uma circunstância que possui o condão de afastar a
validade do consentimento à cesariana.

Derivado do grego, o termo “iatrogenia” refere-se a qualquer alteração patológica


18

provocada pela má prática médica, podendo ocorrer em todas as fases do ato médico
e derivar tanto de ação quanto de omissão no trato com o/a paciente (PEREIRA
et al., 2000, p. 75).
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Há, também, o esclarecimento referente à evolução do tratamento,


que abrange o dever de revelar ao/à “[...] paciente informações sobre
a modalidade, a essência, a dimensão e a execução do tratamento [...]” (SI-
QUEIRA, 2019, p. 286, destaques da autora). Num contexto em que
o medo do parto normal se mostrou a razão mais prevalente para que
gestantes optem por cesáreas (DOMINGUES et al., 2014, p. 111), essa
dimensão do dever de esclarecer ressai muito importante.
Primeiramente, porque o esclarecimento sobre efeitos colaterais ou
secundários de uma intervenção, integrante dessa acepção da obrigação
dos/as médicos/as (SIQUEIRA, 2019, p. 286), são superestimados em
se tratando de partos normais. Nesse sentido, mulheres acreditam, por
exemplo, que danos irreversíveis para a sexualidade são decorrentes do
nascimento pela via vaginal, quando, na verdade, esses efeitos colaterais não
costumam decorrer de partos normais, mas sim da realização de interven-
ções na região da vagina (DINIZ, 2009, p. 320 apud PALHARINI, 2017,
p. 5), fato que deveria ser esclarecido pelos/as profissionais da assistência.
Ademais, quanto ao esclarecimento sobre tudo o quanto envolve
a execução de uma intervenção (SIQUEIRA, 2019, p. 286), tem-se,
no discurso médico hegemônico, a defesa do manejo de excessivos
procedimentos durante o parto vaginal em face dos supostos riscos
desse evento (PALHARINI, 2017, p. 4). Entretanto, evidências cientí-
ficas demonstram que a “cascata de intervenções” a que as parturientes
costumam ser submetidas, em regra, é mais maléfica do que benéfica
(MOLD; STEIN, 1986 apud DINIZ, 2005, p. 629), fato que também
não costuma ser informado às mulheres.
Por último, visto que o dever de esclarecimento sobre a evolução
do tratamento implica o dever do/a médico/a de revelar ao/à paciente
tudo o que for necessário para a compreensão do significado e da afeta-
ção da intervenção na vida dessa pessoa (SIQUEIRA, 2019, p. 286), na
assistência obstétrica, é fundamental que as mulheres sejam esclarecidas
quanto à dor do parto. Afinal, ainda hoje, o que é compreendido por
muitas gestantes como essa dor é, na verdade, dor iatrogênica, provocada
pelas intervenções feitas durante a assistência.
Além disso, muitas mulheres desconhecem, por exemplo, como a
presença de uma doula ou como o usufruto de métodos não farmaco-
lógicos de alívio da dor – muitos deles recomendados, inclusive, pelas
Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal (BRASIL, 2016) –
podem aliviar os desconfortos sentidos durante a parturição e, por causa
disso, relacionam ao parto vaginal um sofrimento que pode ser evitado.
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Assim, pelo exposto e de acordo com os dados disponíveis, é possível


vislumbrar muitas circunstâncias que, infelizmente, compõem a cena
obstétrica brasileira e que podem afastar a validade do consentimento
à realização de cesáreas eletivas, particularmente quando representam
uma tomada de decisão alicerçada em vícios de vontade e na ausência
do cumprimento do dever de esclarecimento pelos/as médicos/as (que
não deixa de existir ou é atenuado por eventual manifestação da mu-
lher de desejo pela realização do procedimento). Em tais circunstâncias,
cesáreas eletivas refletem uma negação da autonomia dessas mulheres
e, em virtude disso, são consideradas violências obstétricas, de acordo
com a concepção adotada neste artigo.
Além do mais, tendo em vista que, no atendimento obstétrico,
muitas das intervenções – tais como a indução do parto, a analgesia pe-
ridural, a episiotomia19 e a cesariana, aqui especialmente tratada – afetam,
faticamente, a integridade física da gestante/parturiente, o seu consen-
timento válido é, igualmente, tal como salientado por Zimmermann, o
elemento20 passível de afastar a ocorrência do crime de lesão corporal
(art. 129, CPB, potencialmente na modalidade grave, por aceleração
de parto). Segundo o autor, é somente a partir de um esclarecimento
suficiente que se pode certificar a validade desse consentimento. Vale
lembrar, ainda, que intervenções terapêuticas que invadam a esfera física
do nascituro ou do/a recém-nascido/a também deixam de caracterizar
lesão corporal se forem baseados no consentimento válido da mãe, que
é quem o/a representa (2017, p. 82).
19
“A episiotomia é um procedimento cirúrgico que objetiva aumentar a abertura
vaginal por uma incisão no períneo, no final do período expulsivo, no momento
do desprendimento fetal. Foi inicialmente proposta por Ould, em 1742 (Apud
Frankman et al. 2009), com o objetivo de facilitar partos ‘difíceis’, e tornou-se
popular nos Estados Unidos (EUA) a partir dos anos 1920. A incisão teria como
objetivo proteger o períneo contra lesões por laceração desordenadas, além de
abreviar o tempo de desprendimento evitando sofrimento fetal. Embora tenha sido
procedimento cirúrgico muito comum no final do século passado, a episiotomia foi
introduzida sem evidência científica suficiente sobre sua efetividade” (FEBRAS-
GO, 2018). Entre 1995 e 1998, no Brasil, 94,2% das primíparas com parto vaginal
hospitalar foram submetidas à episiotomia (ALTHABE, F.; BELIZÁN, J.; BERGEL,
E., 2002 apud DINIZ, 2006).
20
Apesar de termos referenciado aqui o autor Zimmermann (2017), que defende
que o consentimento válido é uma causa de justificação que age afastando a ili-
citude de uma conduta típica, reafirmamos que este artigo se filia à concepção
de Siqueira (2019), segundo a qual o consentimento válido do paciente age para
afastar a tipicidade da conduta.
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Nesse cenário, por mais que a ausência de consentimento váli-


do também possa perfazer o tipo de constrangimento ilegal, como já
exposto, entendemos que esse não é o caso das cesarianas eletivas que
ocorrem em circunstâncias análogas às acima ilustradas. Isso não só
porque o bem jurídico violado nessas situações é a integridade física de
gestantes/parturientes, tutelado pelo tipo de lesão corporal, mas também
porque o delito de constrangimento ilegal tem abrangência limitada e se
vincula a uma aparente indiferença quanto aos pressupostos de validade
do consentimento (SIQUEIRA, 2019, p. 358; 2020, p. 40-41). Assim,
a conferência de um consentimento inválido em virtude da ausência
de cumprimento do dever de esclarecimento pelos/as profissionais de
saúde não torna as cesáreas eletivas fatos puníveis pelo art. 146 do CPB.
Não obstante todos os problemas discutidos, convém destacar uma
circunstância envolvendo as altas taxas de cesarianas no Brasil que, a
nosso ver, partindo da concepção de autonomia ora empregada, pode
representar uma decisão autônoma das pacientes. Conforme já men-
cionado, muitas mulheres elegem cesárias como uma forma de prevenir
o sofrimento provocado pela assistência obstétrica padrão no país (DI-
NIZ, 2005, p. 629). Nessa toada, embora idealmente seja desejável que
nenhuma decisão seja pautada pelo medo e pela perspectiva de sofrer
violência, escolhas são feitas a partir de condições não ideais ao longo
da vida. Não se deve ignorar, ainda, que a autonomia representa um
direito à ausência de heterodeterminação (SIQUEIRA, 2019, p. 74).
Portanto, se, por exemplo, uma mulher, ciente do contexto da
assistência obstétrica da sua região, bem como dos riscos, dos bene-
fícios, das decorrências e das indicações referentes às possíveis vias de
nascimento, faz uma hierarquização dos próprios valores e, preenchidos
todos os pressupostos de validade do consentimento, elege uma cesárea
por atribuir mais importância a não correr o risco de ser violentada
na assistência a um parto vaginal do que a não passar por uma cirurgia
de grande porte sem indicações clínicas, entendemos que essa escolha
representa um exercício da autonomia da paciente. Nesses casos, não
há que se falar em violação do direito à autodeterminação tão somente
porque o elemento fulcral da decisão foi o medo – uma argumentação
nesse sentido, como a desenvolvida por Sadeck (2020), pressupõe a
autonomia como um ideal, diferentemente do adotado por Siqueira
(2019) e por este trabalho.
Salientamos, por fim, que o reconhecimento da inexistência de uma
afronta ao direito à autodeterminação das pacientes nessas situações não
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elimina a gravidade do problema por elas representado. Nesse sentido,


acreditamos que a manutenção de um modelo agressivo de assistência
a partos vaginais como forma de induzir mulheres às cesarianas – em
outras palavras, “fazer parto violento para vender cesárea” – é uma
realidade brasileira que deve ser enfrentada, como defendem diversos
movimentos sociais (DINIZ et al., 2015, p. 4).
5. Algumas problematizações sobre a Lei das Cesáreas
Como dito na introdução, a Lei 17.137/2019 enseja críticas por
diversas perspectivas. Assim sendo, embora o presente trabalho paute a
discussão sobre as cesarianas eletivas no Brasil, adotando como referência
o paradigma da assistência médica pautado pelo respeito à autonomia
do/a paciente, antes de tecer considerações sobre a referida legislação a
partir desse referencial, acreditamos ser importante trazer algumas outras
críticas pessoais sobre a Lei das Cesáreas.
De início, salientamos que, em nossa concepção, taxas de cesarianas
superiores ao recomendado pela OMS são um problema de saúde pública
e, assim sendo, a elaboração de leis e a construção de políticas públicas
destinadas à redução desses índices são muito importantes. Visto que,
em 2019, aproximadamente 58,9% dos nascimentos de bebês com vida
no estado de São Paulo aconteceram por meio de cesáreas21, percentual
superior, inclusive, à média nacional, de 56,3%22 (BRASIL, 2020), ca-
beria ao legislativo, a nosso ver, a propositura de uma lei que buscasse
atenuar essa realidade e não a agravar. Nesse sentido, destacamos que a
Lei 17.137/2019 fez as taxas de cesarianas aumentarem logo quando
entrou em vigência (informação verbal)23.
Além do mais, as justificativas apresentadas no PL 435/2019 devem
ser rechaçadas. Primeiramente, porque muitas são informações apresen-
tadas sem quaisquer referências e porque outras tantas se baseiam em
fontes extremamente duvidosas. Em segundo lugar, porque a deputada
omite dados relevantes e distorce, de modo intelectualmente muito
desonesto, alguns fatos sobre a realidade obstétrica brasileira.
21
Do total de 584.621 nascidos/as vivos/as em São Paulo em 2019, 344.534 nasceram
por meio de cesáreas (BRASIL, 2020).
22
Do total de 2.849.146 nascidos/as vivos/as no Brasil em 2019, 1.604.189 nasceram
por meio de cesáreas (BRASIL, 2020),
23
Informação fornecida pela Dra. Daphne Rattner, no Congresso Nacional Nascer
Direito, durante a palestra “Lei das Cesarianas e o impacto na saúde”, proferida
em 15 de setembro de 2020.
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Exemplo disso, Janaína Paschoal fez referência à redução da mor-


talidade materna resultante do advento das cesarianas, porém não
mencionou outros avanços técnicos da assistência obstétrica, nem a
problemática da medicalização excessiva do parto e do nascimento,
nem o paradoxo perinatal brasileiro: o uso irracional de tecnologia
impedindo a redução da morbimortalidade materno-infantil (DINIZ,
2005, p. 629). Igualmente, a autora citou os casos de bebês que ficam
com anóxia depois de nascimentos pela via vaginal, mas não diz nada
sobre o fato de que essa falta de oxigênio, na maioria dos casos, resulta
do excesso de intervenções realizadas nos partos normais e da inabilidade
de profissionais de saúde para manejar quaisquer fugas da normalidade
durante esse evento (LANSKY et al., 2014).
A deputada falou, ainda, sobre o crescimento de um movimento
que prega a superioridade de partos vaginais às cesarianas, quando, na
verdade, as articulações pela humanização da assistência ao parto e ao
nascimento reconhecem e valorizam os benefícios das cesáreas, desde que
realizadas com o consentimento real das gestantes e, preferencialmente,
com indicações clínicas (DINIZ; DUARTE, 2004).
A despeito de haver muitos outros pontos problemáticos no projeto,
encerramos as críticas gerais apontando que, embora Janaína Paschoal
tenha alegado que as integrantes do referido movimento não vislumbram
a prática de violências obstétricas quando a analgesia e a cesariana são
solicitadas pelas usuárias do sistema público de saúde e negadas pelos/as
profissionais da assistência, isso não é verdadeiro. Há o reconhecimento
de que o atendimento obstétrico brasileiro deve passar por transforma-
ções que incorporem também a solução dessas realidades.
Nesse sentido, a preocupação com a necessidade de aumentar o
acesso às intervenções necessárias encontra fundamento, por exemplo, na
realidade descrita em Leal et al. (2017), trabalho que integra a pesquisa
Nascer no Brasil. A partir dos dados levantados em campo, identificou-se
um menor número de intervenções como ocitocina, episiotomia e cesa-
riana entre pretas. Embora, a princípio, isso possa parecer um indicativo
de cuidado mais alinhado às evidências científicas, os/as profissionais de
saúde filiados/as ao modelo intervencionista da assistência obstétrica
brasileira tendem a identificar essas práticas como adequadas e como
sinais de “bom cuidado” (2017, p. 10). Portanto, o que se tem, segundo
essa lógica, é a oferta de uma assistência descuidada a essas mulheres.
A pesquisa também denuncia a ocorrência de uma menor aplicação
de analgesia para os grupos étnico-raciais mais discriminados durante a
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atenção ao parto. Além disso, mulheres pretas e pardas têm seu direito
ao/à acompanhante mais desrespeitado, têm um pré-natal com menor
número de consultas e exames, recebem menos orientações e têm menor
vinculação à maternidade, levando a uma maior peregrinação para parir
(LEAL et al, 2017, p. 10) (o que resulta em uma menor assistência durante
o trabalho de parto, com mais riscos para gestantes e para nascituros).
Aproximando, agora, as considerações sobre a Lei das Cesáreas das
discussões trazidas ao longo deste artigo, vale destacar que a autora desse
instrumento legal fez, ainda em sede de projeto de lei, uma constante
referência à necessidade de respeitar a autonomia das mulheres, no
panorama do cumprimento dos princípios da bioética. Ocorre que, a
nosso ver e por tudo o quanto explicitamos até aqui, as proposições de
Janaína Paschoal tendiam a não contribuir para o respeito ao direito à
autodeterminação das gestantes e das parturientes de seu Estado.
Na toada do exposto neste trabalho, tem-se que os/as pacientes
exercem a sua autonomia quando podem decidir sobre as intervenções
médicas a que serão ou não submetidos/as (SIQUEIRA, 2019, p. 72).
Diante disso, para que uma decisão no campo da saúde seja válida, ela
deve ser precedida de um consentimento real do/a titular do bem ju-
rídico, o qual, por sua vez, tem como pressuposto o acesso a informações que
permitam aos/às pacientes compreender o procedimento e os valores que ele coloca
em conflito (GRECO; SIQUEIRA, 2017, p. 651-652, destaque nosso).
Dessa forma, considerando todas as circunstâncias componentes
da obstetrícia brasileira e relativas à falta de informações para que as
mulheres possam decidir, autonomamente, sobre a via de nascimento
de seus/suas bebês, a Lei 17.137/2019 não propôs nada que efetiva-
mente favorecesse a mudança dessa conjuntura. A afixação de placas
informando os direitos à cesariana eletiva e à analgesia nem de longe
alcança a possibilidade de esclarecer gestantes e parturientes sobre tudo
o quanto importa para a tomada dessas decisões. Além disso, não houve
menção a outras iniciativas com um potencial de efetivamente viabilizar
o acesso a informações suficientes e adequadas sobre partos normais e
sobre cesáreas, como programas educativos para a população ou como
estratégias para a qualificação da assistência de profissionais da saúde.
Reforçando o discurso de exacerbação dos riscos do parto normal
e minimização dos atrelados à cirurgia cesariana, a Lei 17.137/2019
também sugere defender, em seu art. 2.º, o respeito à autonomia da
mulher que optar pelo parto normal. Contudo, condiciona o respeito
a essa escolha à apresentação, pela mulher, das condições clínicas para
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tanto. Condicionante essa que não há no art. 1.º, que trata do direito da
parturiente a escolher pela cesariana eletiva a partir da 39.ª semana de
gestação, como que pressupondo inexistirem condições clínicas que tor-
nem a cirurgia cesariana desaconselhável, como há para o parto normal.
Importa destacar, também, que em se tratando de violações da
autonomia corporal resultantes do impedimento de realizar inter-
venções desejadas (FEINBERG, 1986, p. 53), no caso específico da
negação de cesáreas e analgesia em partos normais às usuárias do
sistema público de saúde, as proposições de Janaína Paschoal não ata-
cam pontos centrais do problema. Como mencionado pela própria
deputada, já existem normativas determinando o atendimento dos
desejos das gestantes e das parturientes, mas elas não são aplicadas na
rede pública de atendimento.
Isso acontece por diversos motivos, dentre eles: o racismo por de-
trás do uso diferencial de anestesia (HOFFMAN et al., 2016, p. 4.296-
4.301 apud LEAL et al., 2017, p. 10); a orientação, pelos/as profissionais
da assistência, da fisiologia e da anatomia femininas a partir do padrão
de consumo das mulheres (DINIZ, 2001, p. 213); e as dificuldades de
operacionalização da analgesia no Sistema Único de Saúde (SUS), de-
correntes da escassez de verbas para o pagamento de anestesistas (DINIZ,
2001, p. 95-96). Então, diante dessas complexidades subjacentes à forma
de violação da autonomia corporal das gestantes e das parturientes em
comento, parece-nos muito claro que o reforço dos direitos à cesariana
eletiva e à analgesia no parto normal por meio de uma legislação esta-
dual não seria capaz de resolvê-las.
Por fim, ressaltamos a valia de problematizar a Lei 17.137/2019,
mas acreditamos também na importância de registrar um alerta. A crítica
a esse instrumento legal não pode ser incoerente com uma proposta de
respeito à autonomia das mulheres na atenção ao parto e ao nascimento.
Com isso, queremos dizer que mesmo que acreditemos na neces-
sidade de reduzir as taxas de cesáreas no Brasil, compreendemos que a
luta por essa mudança não pode trilhar o caminho da crítica às cesaria-
nas eletivas por si só. Tal caminho deve passar, sim, pelo fortalecimento
do dever de informação do/a médico para o consentimento válido da
paciente, principalmente ao logo do pré-natal, mas, também, durante o
parto, bem como pela melhoria da qualidade da assistência obstétrica aos
partos normais, reduzindo ou erradicando intervenções desnecessárias,
dolorosas, indesejadas, arriscadas e sobre as quais não haja evidências
de benefícios associados.
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Sendo assim, parece-nos que criticar a Lei das Cesáreas apenas


porque ela visa a garantir a possibilidade de eleger essa cirurgia pelas
usuárias da rede pública de saúde é um equívoco. A realização eletiva
de uma cesariana deve ser um direito de todas as mulheres. A nosso
ver, negar isso com base no argumento de que partos normais são mais
vantajosos para mães e para bebês na ausência de indicações clínicas
para cesáreas é um posicionamento paternalista, aquele que, com base
em certos valores, impõe a terceiros/as um padrão de conduta visando à
promoção do seu “bem”, mesmo que contra a vontade desses indivíduos
(SIQUEIRA, 2019, p. 47). Como já salientado, se a pessoa autônoma
tem o direito à ausência de heterodeterminação (SIQUEIRA, 2019, p.
74), criticar a possibilidade de escolher uma intervenção médica apenas
em virtude da sua falta de indicação clínica não é compatível com o
modelo de respeito à autonomia dos/as pacientes aqui defendido.
6. Considerações finais
O modo de assistir partos e nascimentos passou por diversas alte-
rações no curso da história da humanidade. A virada do séc. XIX para
o séc. XX significou também um giro emblemático na assistência, que
mudou das casas para os hospitais, das parteiras para os médicos, da
tradição para a tecnologia. Por um olhar epidemiológico, os resultados
dos primeiros anos dessa transição foram muito positivos, visto que a
morbimortalidade perinatal caiu significativamente. Entretanto, o de-
correr do tempo trouxe consigo alguns problemas, pois parir e nascer
passaram a ser concebidos como patologias, frente às quais teve início
uma medicalização irracional que, atualmente, já se demonstra mais
maléfica do que benéfica, tanto numa perspectiva de saúde pública,
quanto para mães e para bebês individualmente.
O boom das cesarianas pelo mundo é um ônus desse processo. Es-
pecificamente no caso do Brasil, o segundo país mais cesarista de todos,
o crescimento das taxas dessa cirurgia tem uma série de explicações,
sendo que pesquisas anteriores apontam que, na minoria dos casos,
mulheres que elegem as cesáreas o fazem como uma escolha pautada
por informações sobre as vias de nascimento. Considerando também
as concepções de autonomia e respeito à autonomia dos/as pacientes
desenvolvidas por Siqueira e Greco e o seu tratamento na dogmática
penal, buscamos discutir como circunstâncias relativas à eleição de
cesarianas têm implicâncias nos processos de afirmação ou negação da
autonomia de gestantes e parturientes.
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Mais especificamente, debateu-se sobre fatores que, infelizmente, a


literatura aponta serem comuns na tomada de decisão por cesarianas no
Brasil e que impedem a validade do consentimento a essa intervenção
médica, haja vista que maculado por vícios de vontade e pela ausência do
cumprimento, pelos/as profissionais da saúde, do dever de esclarecimento
para a autodeterminação dos/as pacientes. Nessas circunstâncias, tende
a ocorrer o perfazimento do delito de lesão corporal (art. 129, CPB).
Não obstante, também tentamos apontar que as cesarianas eletivas
decorrentes do medo que gestantes e que parturientes têm de sofrer
violências obstétricas no atendimento a um parto vaginal são, desde
que preenchidos os pressupostos para um consentimento válido, um
exercício da autonomia dessas mulheres.
Diante dessa conjuntura, alguns comentários foram feitos sobre
a Lei 17.137/2019, a qual, embora já declarada inconstitucional pelo
TJSP, traz à tona questões importantes para a discussão empreendida
no artigo. Nesse sentido, compreendemos que essa legislação deve ser
criticada, porque não propôs alternativas para solucionar o problema –
além da alta taxa de cesáreas e da má qualidade da assistência a partos
vaginais – da negação da autonomia das mulheres, que marca a assistência
obstétrica no Brasil. Além disso, buscamos indicar a importância de não
se restringirem as problematizações da Lei 17.137/2019 a uma crítica à
possibilidade de gestantes pedirem as cesarianas, o que constitui, a nosso
ver, um posicionamento paternalista.
Sem a pretensão de exaurir as complexas discussões sobre as ce-
sáreas eletivas no Brasil, desejamos apenas propor uma lente de visão
para os debates sobre a questão, que é a do respeito à autonomia dos/as
pacientes, nos termos aqui pormenorizados. Acreditamos na importância
de se seguir pesquisando e discutindo sobre as violências obstétricas,
para que a luta pela garantia dos direitos das mulheres na assistência à
gestação, ao parto e ao nascimento seja progressivamente mais conhecida
e pautada de maneira mais assertiva.

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