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A criminalização do aborto e a repercussão midiática no caso da menina de 10

anos que foi estuprada pelo tio.

Túlio Aguiar Marques1

Enquanto não se chega a uma posição pacificada sobre a


descriminalização do aborto, o Brasil ainda vive com um debate extremamente
conservador e preconceituoso sobre o tema.

Não é novidade que existem diversos casos de estupro no Brasil,


muitos sequer são do conhecimento das autoridades competentes, contudo, no período
em que denominamos Pandemia, por causa do novo coronavirus, ou, Covid-19, nos
deparamos diariamente, com uma enxurrada, de casos deste tipo nos noticiários.

Recentemente, foi noticiado que uma criança de 10 anos, no


Espirito Santo, era estuprada pelo tio desde os 06 anos e que não o denunciou porque
era ameaçada.

Por um infortúnio, esta criança veio a engravidar, o que gerou mais


comoção na sociedade o momento em que foi informado sobre a possibilidade do aborto legal,
do que sobre o estupro contínuo de uma criança de 10 anos.

A discussão acerca da hipótese de ser realizado o aborto legal,


previsto na legislação vigente, tomou conta do cenário midiático, canais de televisão,
redes sociais, todas as mídias bombardeavam informações, tanto positivas, quanto
negativas.

Pois bem, neste artigo, temos a intenção de discorrer sobre esta


problemática no ponto de vista técnico-jurídico, passemos então as argumentações.

1
Advogado, Pós graduando em Ciências Penais – Curso Forum, Direito Público - Legale, Constitucional
Aplicado – Legale.
Como bem sabido, aborto é uma prática ilícita, por determinação
legal nos artigos 124 a 127 do Código Penal Brasileiro, mas esta pratica ainda é
corriqueira no Brasil, por isso pune-se a cessação da gravidez, tanto quando é provocada
por si mesmo, quanto quando provocado por terceiros.

Melhor sorte, já previa o legislador quando determinou


expressamente a exceção à regra, que é o chamado aborto legal, vejamos os requisitos
permissivos do aborto previsto no artigo 128 do Código Penal Brasileiro.

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:


(Vide ADPF 54)

Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro


II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido
de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal

O termo “não se pune”, impõe a sensação de que o fato é típico,


porém, deixa de ser punido, o que equivale a dizer que não há crime, tratando-se de uma
excludente de ilicitude.

Pela legislação atual o aborto é permitido em alguns casos, se


praticado por médico, quando o aborto for:

Aborto necessário ou terapêutico – ocorre quando há conflito


entre a vida da gestante e a vida do feto ou embrião, independe do consentimento da
gestante. Não há prazo para interrupção da gestação por risco de vida à gestante,
podendo ser feito até na hora do parto.
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro ou aborto
humanitário ou aborto piedoso – ocorre no caso em que a mulher que foi violentada,
assim o direito permite que pereça a vida do feto ou embrião.

Nos idos de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF


54, ampliou o rol, entendendo assim, que o aborto de feto anencefálico (sem cérebro)
também não seria crime. Até esta decisão, as mulheres tinham de pedir à Justiça
autorização para a interrupção da gestação.

Agora, pode ser feito em hospital após o diagnóstico médico e


multidisciplinar, a decisão final é sempre da mulher.

Neste caso, não há limite de idade gestacional para a interrupção


da gravidez, já que a descoberta da anencefalia pode ocorrer tardiamente.

Ministério da Saúde tem uma norma de atenção humanizada ao


abortamento, Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento, editada em
2005, estabelece que, em caso da violência sexual, a interrupção da gestação pode
ser feita até 20 ou 22 semanas, dependendo do caso – ou se o feto pesar até 500
gramas.

Neste caso em especifico, a criança estuprada no Espírito Santo,


chegou a ser internada no Hospital Universitário Cassiano Antonio Moraes (Hucam),
em Vitória, mas a equipe médica do Programa de Atendimento as Vítimas de Violência
Sexual (Pavivi) se recusou a realizar o procedimento. Com isso, ela teve que viajar
para Pernambuco para que o procedimento abortivo fosse realizado.

Na decisão que autorizou a interrupção da gravidez da menor, o


juiz afirmou que a norma do Ministério da Saúde "assegura que até mesmo gestações
mais avançadas podem ser interrompidas, do ponto de vista jurídico, aduzindo o texto
que é legítimo e legal o aborto acima de 20-22 semanas nos casos de gravidez
decorrente de estupro, risco de vida à mulher e anencefalia fetal".
O Juízo da Infância e da Juventude da Comarca de São Mateus emitiu
uma nota informando que a criança está recebendo acompanhamento e que “todas as hipóteses
constitucionais e legais para o melhor interesse da criança serão consideradas”, se
pautando na “legislação vigente, sem influências religiosas, filosóficas, morais, ou de qualquer
outro tipo que não a aplicação das normas pertinentes ao caso”.

Diante desta vitória, na proteção da vida da menor violentada, não


existe nenhum argumento minimamente lógico-cientifico que consiga dar conta de explicar a
repercussão negativa, com movimentos contra o aborto legal, que não sejam de cunho religioso.

No momento que estes grupos contra o aborto legal, se aglomeraram na


porta do hospital e proferiam discursos de ódio, nestes momentos descreviam a ideia de que a
real vítima era uma agressora (contra a vida do feto ou embrião).

A logica religiosa, moralista, ideológica, banhada pela cultura


machista-conservadora, com seus pseudos discursos de que defende a vida, não pode, nem deve
ser fundamento hábil para o debate sobre o aborto desta menor, pois ela sequer teria condições
fisiológicas de manter esta gravidez.

Noutro giro, falando de política criminal, devemos superar a premissa,


de fato hipócrita, de proteção à vida do feto ou embrião e prestar atenção na escolha sobre ter ou
não o filho, deve ser da mãe vítima, ninguém, muito menos o Estado, tem o poder para decidir
por ela.

Assim preceitos morais-religiosos, devem ser aplicados para orientar a


vida de cada um, porém nunca servir como parâmetros de politica pública de um Estado.

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