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Campus de Castanhal
Disciplina: Fonética e Fonologia do Português
Prof. Alcides Fernandes de Lima
I. Alguns conceitos
1. alo (-grafia, -fonia, -morfia), em linguística, indica a variação da substância sem alteração (da
significação) da forma.
a) a, A, a, A, a: variação na grafia da letra “a” = alografia;
b) {}{}{}: variação do morfema {i-} ( i-feliz; i-legal; in-adequado) = alomorfia.
c) : variação na pronúncia do fonema /r/ posvocálico =
alofonia;
2.“A relação entre fonema e alofone é de realização: o fonema é „realizado‟ através de seus alofones.”
(Crystal, 1941).
a) ele pôde‟ /o/ (/o/ e /u/ são fonemas em posição tônica)
[eu pude‟/u/
Os segmentos [o] e [u] são fonemas em posição tônica (pôde/pude), devem ser escrito: /o/ e /u/.
Em posição postônica final (pato), /o/ ou /u/ pode ocorrer sem que implique em mudança de significação
(da palavra). Isso significa que /o/ e /u/ se neutralizam (perdem o caráter distintivo) em posição postônica
final, devendo ser representados por um arquifonema: /O/ (assim, /O/).
b) /d/: „dá‟ , „der‟ [, „dê‟ [, „dó‟ [, „dor‟ , „Dudu‟ [], „pedra‟ „de‟
, „dia‟ , „dividir‟
[d]
/d/
Variação ~ = alofonia (o fone mais recorrente é o fonema, o menos recorrente é o alofone.
Então: /d/, [).
A variação (alofonia) de /d/ está assim distribuída (condicionada): [ ocorre antes da vogal [i] e
[d] ocorre antes da consoante [e das demais vogais ([). Isso significa que quando não
ocorre [d], ocorre [para completar o paradigma de oposição do fonema /d/.
Ex.: „se‟ [
„de‟
A oposição entre „se‟ e „de‟ é feita pelos fonemas /s/ e /d/; mas não ocorre (foneticamente) [d],
ocorre uma forma complementar que é
Isto nos obriga a fazermos uma revisão da definição, inicial, de fonema: fonema não é a menor
unidade capaz de distinguir significado entre duas formas linguísticas (se não seria fonema); mas a
menor unidade capaz de distinguir significado entre duas formas linguísticas e que constitui um
paradigma de oposição (um padrão de recorrência). Neste sentido, o [d] é fonema, pois compõe um
paradigma de oposição: ocorre antes de [e das vogais [. O ocorre apenas antes da
vogal [i], portanto não compõe paradigma de oposição: é uma forma complementar que completa o
paradigma de /d/.
i u bala: /a/ todo: /o/ forma: /o/ pelo: /e/ mito: /i/
e o bola: // tudo: /u/ forma: // pelo: // mato: /a/
bula: /u/
a
3.1. Em contexto tônico antes de consoante nasal na sílaba seguinte, as sete vogais orais sofrem uma
redução para cinco (devido ao desaparecimento das médias abertas), com a vogal /a/ apresentando
uma variante alofônica: [].
i u pear: /e/; pesar: /e/ soar: /o/; corar: /o/ surtido: /u/ bolar: /o/
e o piar: /i/; pisar: /i/ suar: /u/; curar: /u/ sortido: /o/ balar: /a/
- -
a
As vogais médias abertas e fechadas se neutralizam (perdem o caráter distintivo, podendo ocorrer
uma ou outra sem alteração da forma linguística)1:
f[]rmoso r[]pórter
f[o]rmoso r[e]pórter
É válido ressaltar que (no dialeto de Belém, pelo menos) dificilmente ocorrerá em formosa, corar,
bolar e Belém, por exemplo, a pronúncia da vogal pretônica como [o] e [e], isto é, f[o]rmosa, c[o]rar,
b[o]lar e B[e]lém; mas quase sempre: f[]rmosa, c[]rar, b[]lar e B[]lém. O que se deve observar,
todavia, é que a ocorência dessas ou daquelas vogais não cria oposição distintiva em contexto pretônico.
i u límp[i]do
e - núm[e]ro
- - pér[u]la
a lâmp[a]da
A vogal posterior média fechada (/o/) neutraliza-se com a posterior alta (/u/):
pér[o]la2 íd[o]lo
pér[u]la íd[u]lo
1
Noentanto, temos ac[dar (despertar) e ac[dar (fazer o acordo).
2
Existem as duas palavras: pérola “conjunto das escamas que protegem as gemas dormentes de certas árvores”; perola
“Glóbulo duro, brilhante e nacarado, que se forma nas conchas de alguns moluscos bivalves” (Dic. Aurélio, 2008. Versão 6.0).
Às vezes o /i/ neutraliza-se com o /e/ (amáss[e]mos ou amáss[i]mos), outras vezes não (núm[e]ro,
mas dificilmente núm[i]ro; catastróf[i]co, mas dificilmente catastróf[e]co; límp[i]do, mas dificilmente
límp[e]do).
As vogais médias fechadas (/e/ e /o/) neutralizam-se com as vogais altas (/i/ e /u/) e as médias
abertas (// e //) desaparecem:
leit[e] tod[o]
leit[i] tod[u]
a) Do ponto de vista da realização (fonético), os segmentos [j] e [w] apresentam características de vogal;
b) Do ponto de vista funcional na sílaba (fonêmico), os segmentos [j] e [w] apresentam características de
consoante: são margem (e não núcleo) de sílaba;
c) Camara Jr. (1982: p. 46), apoiando-se na “possibilidade de se encontrar um /r/ brando [tepe alveolar:
[]) depois de ditongos”, como ocorre em Laura, eira, europeu, etc., descreve os segmentos [j] e [w]
como vogal (alofornes assilábicos de vogal). O argumento de Camara Jr. é que o /r/ brando ocorre
entre vogais e depois de consoante (em sílaba simples) só ocorre /r/ forte (como em Israel, honra,
genro, etc.).
8. Vogais nasais:
a) Para Camara Jr. (op. cit.: p. 47 ), “a vogal nasal fica entendida como um grupo de dois fonemas, que
se combinam na sílaba-vogal e elemento nasal.”
Segundo Camara Jr., não há, fonemicamente falando, vogais nasais em Português, como existe
em Francês que apresenta oposição entre vogal oral, vogal nasal e vogal + consoante nasal (beau [,
bon [, bonne [])3. Para Camara Jr., o traço distintivo das vogais ditas “nasais” em Português tem
explicações na constituição da sílaba: a vogal dita “nasal” seria um conjunto formado por uma vogal oral
mais elemento consonântico nasal.
3
Alguns autores citam como exemplo no Português, contrapondo o argumento de Camara Jr., as palavras “vi”/ “vim”/ “vime”
que seria []/ [/ []. Porém, pelo menos no Português do Brasil, dificilmente ocorrerá em “vime” uma sílaba travada
[] em vez de [].
manta/mata /N/ - //
senda/seda /N/ - //
linda/lida /N/ - //
bomba/boba /N/ - //
funga/fuga /N/ - //
1°) A sílaba com a vogal „dita‟ nasal se comporta como sílaba travada por consoante e quando
final e seguida de palavra iniciado por vogal não sofre crase (“lã azul”, “jovem amigo”);
2°) Após vogal “nasal” só se realiza o “R” forte ([]) e nunca o brando, próprio de posição
intervocálica (honra, genro; a exemplo de Israel, guelra);
3°) Não há em Português vogal “nasal” em hiato (bom → a = boa; valentão → a = valentona).
capa // mofo // amo // rota // assa // acho // mala // sono // caro // roca //
caba // movo // ano // roda // asa // ajo // malha //4 sonho // carro // roga
//
2. Consoantes que ocorrem como segundo elemento no grupo consonântico (que forma sílaba CCV):
a) Consoante //: broco, atras (fem. pl. de atro), crave, pranto, fruir, etc.;
b) Consoante //: bloco, atlas, clave, planto, fluir, etc.
b) Segundo Camara Jr., como já vimos, há um arquifonema nasal que ocorre travando sílaba
em palavras como: canto, manto, conto, tempo. Assim teríamos: /N/, /N/,
/N/, /N/;
1. A sílaba é a estrutura fonêmica elementar. A estrutura silábica pode ser descrita através do seguinte
gráfico (que é geral para a emissão da voz em qualquer língua):
ápice ou núcleo
margem margem
ascendente descendente
Segundo Camara Jr. (1982; p.53), na pronúncia da sílaba de uma palavra, há “um movimento de
ascenção, ou crescente, culminando num ápice (o centro silábico) e seguido de um movimento
decrescente, (...). Por isso é normalmente a vogal, como o som vocal mais sonoro, de maior força
expiratória, de articulação mais aberta e de mais firme tensão muscular, que funciona em todas as línguas
como centro de sílaba, embora algumas consoantes , particularmente as que chamamos „sonantes‟
[líquidas e nasais], não estejam necessariamente excluídas dessa posição.”
2. Se representarmos o núcleo da sílaba pelo símbolo “V” (de vogal) e as margens por “C” (de
consoante), teremos os seguintes padrões silábicos para o Português:
a) Sílaba simples: V: é, o, a, a.gora, ho.ra, etc.
b) Complexa:
travada: VC, CVC: és, ar.te, ar, es.te; mar, tes.te, cos.ta, etc.
livre: CV; (C) VV (melhor seria Vv e vV): fé, nó, me, pa.to; pei.to, eu.ro.peu, meu,
á.gua, etc.
3. Padrões gerais em Português: sílabas travadas e livres (cf. Silva, 2001; Luft, 1989):
O elemento “C” nestes dois últimos casos (água e quais), que constituem sílabas com ditongo
crescente, só pode ser [] ou [], segundo Camara Jr. Todavia, temos em Português (cf. Silva, 2001; Luft,
1989) outros exemplos de ditongo crescente:
série sério estacionamento
séria aéreo vário
cárie homogêneo tênue
Observação: Camara Jr., quando da análise dos ditongos, não cita o ditongo //, a que ele se
refere em outro momento, que ocorre em europeu. Também não refere o ditongo // que ocorre
em “céu”, “chapéu”, e (a exemplo do que acontece em “sol” com a vocalização do []) em “mel”,
“anel”, “papel”, etc.
Camara Jr. adverte que em Português não há, fonemicamente falando, ditongo nasal [], como
“bem”, “também”, etc. O ditongo que foneticamente aí se manifesta ([], []) não apresenta
oposição distintiva com a ausência da semivogal [], como ocorre em mãe/(ir)mã; mãe/mão; rum/ruim;
(cu)pom/põe; etc.
Em “bem” o que fonemicamente temos é uma vogal nasal – /N/ – como ocorre em “menta”
(/N/) que se opõe a “meta” (verbo meter) (//).
5. O problema dos vocábulos (“eruditos”) introduzidos através da escrita ao Português, a partir do século
XV, tomado de empréstimo ao Latim (ou ao Grego), como:
afta psicologia
amnésia ptose (traduz idéia de queda ou imobilidade)
aptar (tornar apto) rapto
áptero (desprovido de asas) ritmo
apto sintagma
compacto técnica
helicóptero tmese (mesóclise)
pacto toc-toc (onomatopéia)
pneu
“Na realidade há entre uma e outra consoante a intercalação de uma vogal, que não parece poder ser
fonemicamente desprezada, apesar da tendência a reduzir a sua emissão no registro formal da língua culta. Ela é /i/ na área do
Rio de Janeiro e /e/ ([a] neutro em Portugal). E não pode ser desprezada por dois motivos.
Em primeiro lugar, quando a primeira consoante vem depois de sílaba tônica, a sua redução não é menor do que a
que sofre a vogal postônica /i/, não-final, dos proparoxítonos. Um vocábulo como rapto só se distingue de rápido pelo caráter
surdo e sonoro, respectivamente, da última consoante, e, não, pela redução menos ou mais reduzida do /i/ penúltimo átono. Em
segundo lugar, mesmo quando pretônico, a redução do /i/ é precária e incoerente. Um nome próprio como Djalma, bastante
generalizado entre nós, é conscientemente pronunciado //, (...)”.
V. Bibliografia
CAMARA Jr., J.M. Estrutura da língua portuguesa. 12. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 1982.
CRYSTAL, David. Dicionários de Linguística e Fonética. 2. ed. Trad. Maria Carmelita Pádua Dias. Rio
de Janeiro: J.Z.E, 2000.
LUFT, C.P. Moderna gramática brasileira. 9. ed. Rio de Janeiro: Globo, 1989.
SILVA, T.C. Fonética e Fonologia do Português. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2001.