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eoc-UVeis

LEVI CARNEIRO

DO
M

POR
M. A. MACAREL.
k5"C"SÎ

>
Professor da Cadeira de Direito
Administrativo de Paris.
TRADUZIDOS EM VULGAR
PET.O

90ÜTOR CAZIWIRO ÎOZÉ" DE MORAES SARMEMfO,


ADVOGADO DOS AUDITÓRIOS DA CIDADE DO
RECÍFFE.

. ^7
KA. JTfp, IMPARCIAL DE ï,. U

1842. |
*~*~~~-^-i»$!©'0-^e$-<~»~~~~»

Ôffereeendo ao publico este iivrinho que à princípio na®


foi destinado a ver a luz , julgo necessário manifestar, o como
foi elle composto , e quaes os motivos que me obrigarão a dal-o
-to prelo.
Desde o mez de Julho de'1826, o viso-rei do Egypto conser-
va em França alguns moços para que se imbuaõ na civilisação eu-
ropea, ou pelo practica das nossas artes, ou pelo estudo dos diver-
«os ramos dos nossos conhecimentos, ou pelo espectaculo das noss
sas instituições.
Em 1828, Mr. Jomard , membro do Instituto, que na*
suas nobres , e suLlimes concepçoens encarregou-se de dirigir
os différentes trabalhos da missão Egypcia , confiou-me , em no-
me de Mehemet-Ali , o ensino de muitos d'estes moços, que
conforme as intençoens do seu governo , estavão destinados pa-
ra exercer os empregos civis , e diplomáticos.
Reflecti mu-itoja sobre a possibilidade d'esté ensino , eja
sobre o seu methodo , e extenção : conforme o plano que boa-
quejei, (1) o direito político , ou publico geral deveria necessa-
riamente faser parte d'elle. Hum texto para as licçoens à mim
mais do que à nenhum outro professor era necessário, pois os
meus discípulos sobre serem inteiramente hospedes nas abstra-
ções das sciencias moraes , e políticas , ainda não estavão bem
familiarisados com a nossa lingua. Comecei a procurar huna
Urro elementar que me servisse de bússola , mas bem depressa
reconheci que o nlo hivia absolutamente. Si alguns homem
talentosos, ou engenhosos teem lançado os alicerses da consti-
tuição das sociedades civis ou políticas , e lhes assignado as con-
diçoens da sua existência , ninguém ate hoje ( pelo menos qiae
(t) Vid ao appendice a nota A.
z •
IV
eu saiba ) tem euidado em redigir os .elementos d'esta sciencia
sem duvida pela conciderarem huma espécie de arcano, somen­
te reservado aos estadistas , e não huma sciencia para vulgarisa­
da. A lem d'isto , cumpre disel­o , as minhas indagacoens me
fizerão reconhecer que então (em 182S ) não existia obra algu­
ma , de qualquer forma ou extenção que fosse , que contrastasse
o estado actual da sciencia do direito publico, e marcasse o
ponto à que tem chegado nesta materia , os conheciraentos hu*
rnanos.
Assim que emprehendi recopillar dos principaes autores
que teem escripto sobre o direito publico as noçoens mais cor­
iwotós e mais úteis : ao depois dei­me ao trabalho de methodic
zahas e appt«aental­as em gradaçio razoável, tendo o cuidado de
passar do simples para o composto ; e finalmente de completar
as partes em que me pareceu haverem falhas. Nestes termed
exíbreei­me por abraçar toda a sociedade civil, e esplanal­a por
meio de divisoens claras e simpleces desde a sua constituição ate
as commoçÕes que a podem destruir. Si as ultimas paginas são
mais abstractas , he por que pensei que então os meus discípulos
ja terião a necessária aptidão para reflectirem com mais madure­
za , e eu queria de algum modo obrigal­os à isto , sem que elles
o'persentissem.
' urgido ptílU Ltiuipü1, ■■«. mil* piirtjwrímdo sinão a maior uti­
lidade dos meus discípulos , e à exemplo de Burlamaqui nos
seus Elementos, de direito natural não escrupulisei não so de
kaurir dos esoriptos dos publicistas nacionaes, e estrangeiros
tanto antigos como modernos , quer mortos , quer vivos°, to­
das as idéias , que me parecerão notáveis , mas ate de apropriar­
me , sem cital­os das expressões , que empregarão para manifest
tarem estas idéias.
Em quanto as minhas licçoens estavâo secretas , isto não
tinha inconvenientes, mas ora que publico o meu trabalho, por
ventura não me correra a obrigação de dar conta à cada hum es­
criptor do que lhes tomei emprestado? Talvez rigorosa justiça
assim o exisgisse , mas para isto era de mister cital­os à cada pa­
gina , e muitas vezes à cada linha , o que sobrecarregando o
trexto de notas, muito o desairava : preferi pois faser huma^
manda geral , ofierecendo a nomenclatura de todos os eseripto­
res , ou oradores cujos livros, ou discursos me fornecerão os
niateriaes para este litro, Esta taboada servirá de reais a mais
/

de catalogo dos livros que decern eompôr huma pequena biblio­


teca do Direito Publico.
As pessoas instruidas talvez sintüo algum prazer em reco­
nhecer assim de caminho, e sem outra ajuda mais, do que a
sua memória , as idéias, e ate o estilo dos autores em que se
teem cevado : quanto aos outros , que forem baldos desta dis­
ciplina , pouco lhes deve importar, que fulano ou sicrano te­
nha fatiado, ou escripto deste , ou d'aquelle modo ; basta­lhes
ter huma compilação de princípios tam certos quanto o permu­
te a materia , e hum todo congruente em suas deducoens.
Ernfira peço aos autores vivos, que, por amor do interesse'geral
à que me propuz, rae disculpem os furtos que lhes fiz. A cres­
ce que isto he mais huma vassalagera , que me apraz render k

mJ * 0 ensaio d'esté trabalho com os meus discípulos foi satis­


fatório. Homens , que attento aos seus conhecimentos , se po­
dem ter na conta de juizes competentes, pensando que este Ji­
▼rinho he sufficiente introduce Io para estudos maiores; e que
as pessoas do mundo , à quem fallesoe o tempo necessário para
aprofundar qualquer materia, podem­se contentar com elle ,
me pedirão que o publicasse. Encarregado de funeções que
me não permiuião rever o manuscripts tam completamente como
eu desejara , na o cedi à estes /íonrozos pedidos. Mas como quer
que chegasse ao meu conhecimento no fim do anno ultimo, que
existiâo muitas copias da obra , temi que ellas estivessem desfi­
guradas, sinão adulteradas, e d'esde ent­îo tive­me por obriga­
do de impedir toda e qualquer alteração , e tornar de ora avan­
te , innocente toda e qualquer infidelidade.
Dos antecedentes promenores , ja se vê que puz de parte
quasi todo o amor próprio de author pois não diligenciei íasei
prevalecer nem as minhas idéias , nem as rainhas opiniões. lie
certu que professo as que aqui exponho , mas si as expendo não
he­sinão por me parecer que s3o as que estão mais geralmente
assoalhadas, e acreditadas. Em sum ma eu quiz contrastar
posto que concisamente , o estado geral da sciencia. Muito me
pagarei si as numerosas passagens , que são obra minha . se
indentificarem sem contraste com os pensamentos dos mestre*
da sciencia, e si a ordem , e a divisão , que inteiramente me
pertencem , satisfizerem aos homens doutos.
He sem duvida que rro Iraetei , e nem si quer piquei
\

VI

■muitas questoens. Hum livro elementar nao pode conter tudo:


Quem quiser aprofundar as matérias , entrar nos promenores de *
cada objecto , deve 1er , e meditar os tractados geraes , e par­
ticulares em que as différentes questoens se achão desenvolvi.
das : os quaes desgraçadamente ainda sao rarissimos. Final­
mente si ommitti pontos capitães , rogo que tenhlo a bondade
de m'os indicai' ; por que ainda posso reparar estas faltas. St
este livro estiver destinado a viver , e merecer ser reimpresso ,
não deixarei igualmente de approveitar em liuma nova edicção
os progressos que por ventura tenha feito a sciencia do direito
publico , pois longe de mim suppôr que ella nao melhorara , e
<jue o espirito humano nio chegará a inventar outras garantias
sociaes , ou a aperfeiçoar as que ja existem.
Por ora não se tracta do que heide faser si o publico aco^.
lher o meu trabalho : exponho unicamente o que fiz. A gdr|^k
pois ja se sabe como este livrinho foi composto, e quaes as cir­
cunstancias que determinarão a sua public íçào. Os meus voto»
serão cumpridos si todo elle agradar, si dando noçoens justas, •
fazendo amar a sciencia , desafiar profundos estudos ; em suma
si cont ibuir para formar bons cidadãos , e servos úteis da lei.
Eis o alvo em quepuz a mira : si me enganei, ao menos não po.
deivi dizer.com o Poeta
Da veniam scriptís , q'uorum non gkrria nobis
Cauza , sed utiütas officiumque fuit ?
( Ovid de Ponto , lib 3» eleg. IX. )
Paris , 6 de A bril de i833.

P.S. Parece­me occioso prevenir, que compuz eskes


Elementos para r>s meus jovens Ègypcios , afim de lhes ensinar
us princípios , que regem os governos constitucionaes da Euro­
pa , mas nunca intentei offerecer­lhes hum systema de regras
igual e immediatamente applicaveis à todos os paizes. Sei, •
desejo muito insistir sobre este ponto no curso do meu ensino ,
isto he, que as instituições políticas para que prosperem, cabe
que sejão apropriadas aos costumes , e as luses d^ nação para
que sso talhadas.

-— «S&<#>«3e-
VIX

Nomes dos Autores,


at obras contribuirão para o livro que se segue,

~ís-ísto^ô»««£-<*-

Àristoleles.—A sua política.


Bacon.-~-Justica universal.
Odilon Barrot.—Discursos políticos.
Berenger.—Justiça criminal ena França, c Discursos po-
li ticos.
Berville,—Escriptos políticos.
Blackstone.—Gommentarios sobre as Leis Inglesas.
Blanqui,—Opusculo de E. Política,
Bodin.—Da Republica;
Duque de Broghe.—Discursos, e Escriptos politico*.
Buriamaqui-—Elementos de Direito natural.
Boncenne,—Tractado do Processo Civil.
Cícero.—Da republica , e dos Deveres.
Carré.—Das Leis de Organisação , e de CompeUBcia.
Comte.—Tractado da Legislação geral.
Benjamim Constant.—Curso de Política Constitucional e
Discursos Políticos.
Cormenin.—Questoens de Direito administrativo, • Dwi
cursos Políticos.
Daunou.—Das Garantias individuaes , e Discursos po-
líticos.
Decazes. (Duque)—Discursos Políticos.
De Gerando.—Licçoens ora es de D. publico e administrativo.
Delolme.—Constituição da Inglaterra.
Destutde Tracy.—Commeni^-io sobre o Espírito dai Lêiê
e Tractado de Economia Política.
Dunoyer.—Industria , e Moral.
Dupin ainé.—Escriptos , e Discursos políticos»
Duraaton,—Cnroo. de Direito Ciyií.»
VIÎ!
Favard.—Dicionário de Legislação e de Jurisprudent»
modernas.
Fritot.—Scieneia do Publicista.
Ferrand.—Theoria das Revoluçoens.
Guizot.—Escriptos, e Discursos políticos. _
Henriou de Pansey.—Da A utoridade judiciaria e do Poder
municipal.
Huet de Goetisan.—Do Poder Civil.
Isarabert.—Direilo publico , e das gentes.
Kerdtry—Artigos da Encyclopedia moderna.
Locke. — Do Governo ciyil.
Mably.—Direitos , e Deveres do cidadão.
Machiavel.—O Principe.
Merlin.—Repei torio de Jurisprudência.
Meyer,—Instituiçoens judiciarias, *.
Montesquieu.—Espirito das Leis.
J. P. Pagés.—A rtigos da Encyclopedia moderna.
Pigeau.—Processo civil.
Poncet.—Tractado dos Julgamentos.
Paillet.—Diccionario Universal do Direito Francez­
Portalis.—Discursos e rellatorios políticos.
Puffendorf.—Deveres do homem , c do cidadão.
I\éiloUai'U. ­TM TtuaumjiSu aeotmdaria.
Royer­Collard.—Discursos.
Rayneval,—Instituições do Direito natural, e das gemtes.
I . I. Rousseau.—CÒntracto Social, Governo da Polônia.
I. B. Say.—Tractado, e Curso complelo de Economia
Política.
Torombert.—Princípios de Direito Politico.
Toullier.—Direito Civil.
Vatel..—Direito das Gentes.
Wolf,—Direito da natureza e das gentes*

OBRAS PUBLICADAS DEPOIS DE COMPOSTO ESTE LIVRO.

Mahul,—Quadro da Constituição politica da Franga^


Hello.—Do Regimen Constitucional.
Massias.—Da Soberania do Povo.

^^^■^--*®s$-^-@$-e$^
llLlMlHt©
DE

DIREITO POLITICO.
«-^Ms»»®*»»**-*^

Assim como o direito das gentes não he outra cousa sinão


a lei natural applicada às naçoens entre s i ; assim também o di-
reito publico , ou político , não he outra cousa sin 3 o o direito
da natureza applicado à organisação part/cular, e interior de
cada sociedade civil.
O complexo dos princípios que regem esta organisação
constitue a sciencia do direito politico.
O fim d'esta sciencia he diffini? o que entender-se deve
sociedade civil, e o era que se ella discrimina da sociedade
natural.
Qual a origem , o fim , e os effeitos das sociedades civis;
Gomo se ellas estabelíecem ;
Que poderes residem no seio d'associaçâo ;
O que he soberania , e qual a sua extençao ; '
Quaes os deveres recíprocos dos soberanos } e dos subditos ;
Quaes as diversas formas das Sociedades civis ;
O que he governo , e como se elle institue ;
Quaes as respectivas rellações entre a authorídade , e^ os ci-
dadãos.
Qual o império do soberano no tocante a religião ;
Quaes os meiosfísicospostos a sua dispozição para que proteja
o estado , assim no interior , como tio exterior;
<#> 3<§>
Quaes os meios que elle pode empregar para instruir e melho-
rar os cidadãos.
Quaes os deveres de todos aquelles àquem se conh.to as fun-
ções publicas ; ,
* Qual h e , em particular a funcção dos magistrados da ordem
judiciaria. . , - . .
Quaes os meios por que devem de ser reprimidas as iniraeo-
ens das leis estatuidas para a manutenção da ordem social , e da
tranqüilidade publica , e à prol da segurança das propriedades
particulares, &. &.
Esta sciencia , em summa , tem por fim indagar as regras que
devem orientar os governos para que se conservem nas perlur-
bacoens intestinas , e nas guerras civis ; mostrar o como se elles
corrompem , e dissolvem , e a maneira por que se etfeituao , e
terminão as revoluções.

TITU.L

Das Sociedades Civist


CAPÍTULO i °
DA ORIGEM, FI&Ç, EBFEIYOS DAS SOCIEDADES CIVIS.

Sendo o direito político o complexo dos principies que re-


gem a organisação das sociedades civis , cumpre diffiniUa» , ex-
tremando-as da sociedade natural.
Releva porem antes disto lembrar o que entender-sa deve
por direitos , e deveres naturaes.
O direito he a facaldada'outorgada pela lei natural d* «xigir
<§»3#>
que as acçoens sejaõ praticadas, ommittidas, sofrridas,
O dever he o cumprimento daccão ordenada pela lei natu-
jal, ou a emissão d'acçao vedada por ella.
Os direitos absolutos, que o homem recebe da natmeza se
reduzem aos três seguintes : segurança, liberdade, epropriedade.
O direito êa segurança pessoal do homem consiste no go-
zo da sua vida , do sec* corpo , e da sua honra.
O direito da liberdade individual comprehende a liberdade
da pessoa , e das acçoens , a do pensa naento , e da sua manifes-
tação , a da consciência , e a do culto.
O direito de propriedade he a faculdade de gozar pacifi-
camente dos bens que possuirnos , sem que possamos ser cons-
trangidos a cedel-os contra a nossa vontade.
Estes direitos dimanaõ d 3 mesma natureza dos homens , e
com quanto se na(5 achem escriptos nos códigos particulares das
naçoens , nem por isso deixaõ de existir : a sua sancçào foi gra-
vada nos nossos corações pelo author de todo o creado com
caracteres indeléveis, os quaes assentaõ em mais sólidas bases
do que as em que se fundaõ todas as humanas instituições.
Isto posto : ha duas espécies de sociedades ; huma natu-
ral j outra civil ou política. A primeira sahe perfeita das maons
tia naturesa ; e he na verdade fácil de reconhecer que o homem
he essencialmente social, e que esta espécie de sociedade he que
o extrema de todas as de mais creaturas.
A segunda he huma sociedade mais perfeita, e com quan-
to tenha as suas raises no coração humano , todavia he feitura
do homem.
A sociedade civil he a reunião de indivíduos, que tem naô
só direitos necessários , recebidos da natureza , sinaõ também
direitos provenientes dos pactos celebrados entre s i , os quaes
sempre devem ser fundados nos direitos primitivos.
Destes diversos direitos nascera deveres correllativos, que
adiante exporei , pois agora vou indagar qual he a origem da so-
ciedade civil.

DA ORIGEM DAS SOCIEDADES CIVIS.

A historia dos povos da mai« remota antigüidade naõ uôs



•#>4#>
dà luz alguraa à este respeito : estamos reduzidos a conjecturas,
das quaes as mais prováveis saõ as seguintes.
O homem naõ podendo viver só , deu lhe Deos a mulher,
a qual foi a primeira companhia da sua existência : da uniaõ do
homem coma mulher resultou a família. A. mulher , e os filhos
necessitando da proteção do homem, este naturalmente tor-
nou se seo chefe.
Os filhos foraõ o tronco de novas tarailias, que forma-
rão huma reunião , hum povoado ; estes povoados se multipli-
carão , e os cabeceiras das casas reunindo-se por amor da segu-
rança commum formarão a cidade, isto h e , hum estado, hum
corpo politico.
Correndo os tempos, a organisação foi-se modifican
medida que os chefes assentarão que ou devião eleger hum úni-
co chefe , ou confiar o timão de todos os negócios communs aos
mais sábios , e distinetos , ou reservar para si o direito de deli-
berar em commum , ou por delegação , sobre os negócios mais
raomentosos, e sobre os m^ios de fose.r respeitar a vontade
commum.
AJgumas veses também homens ambiciosos, e ardid<
tendo conseguido conquistar o poder , o teera dividido entre si,
e assim -^ftwuaiiaceui..as cousas , ate que hum délies, aitula
mVis audaz, o usurpa , e perpetua em si a authoridade suprema.
Mas he de notar que a usurpação he sempre injusta , por
que a força não pode gerar o direito. A posse por mais longa
que seja, nem por isso deixa de ser injusta quando o seo prin-
cipio he vicioso. Soo interesse das nacoens pode sanear o vicio
d'esta origem.

D o fl2S DAS SOCIEDAOE5 CIVIS.

Bem que no estado da naturesa , isto he , na sociedade


natural, o homem tenha o pleno exercício das suas faculdades,
e que a sua liberdade de obrar naõ encontre outros limites sinaô
o exercício das faculdades dos outros; bem que elle seja o se-
nhor absoluto da sua pe3sòa , e de suas propriedades , bem que
seja igual ao maior, e que naõ esteja sugeito a pessoa alguma ;
todavia o gôso d'esté* Jireito^ he mui incerto , e está continia-
€>S^
damente exposto a invasão de outrera , por que he diffícil que
os homens observem sempre exactamente a equidade , e a justiça.
Por tanto não ha nada mais natural , do que que os homens se
tenhào resolvido a reunir , e compor hum corpo moral pars a
mutua conservação das suas vidas , dis suas liberdades , e dos
seos bens.
Assim que , o fim da sociedades civis naõ he outro sinaõ o
pacifico exercício das máximas do direito natural, ou era outros
termos, a paz, e a segurança de cada hum , d'onde resulta a fe-
licidade publica.

DOS EFFEITOS DAS SOCIEDADES CIVIS.

O primeiro effeito das sociedades civis he que a reunião


dos homens em corpo politico , dê à cada hum direito ao apoio
de todos ; sóentaõ he que elles tornando-se poderosos consegui-
rão amedrontar ao oppressor. Esta associação naÕ anniquilou
a liberdade natural do homem, antes cada vez mais a aperfeiçoou,
pois os abusos foraõ cerceados , por que como acabamos de ver,
os homens buscarão na sociedade civil hum remédio contra os
excessos da sua propria liberdade.
Mas :>i a liberdade natural naõ ficou anniquilada, ficou eir-
cunscripta , por que he necessário que o homem desista do im-
pério soberano que tinha s"»bre a sua pessoa , e sobre as suas ae-
çoens, em huma palavra he necessário que renuucie essa ple-
na independência que tinha.
Em verdade naõ se pode conceber sociedade alguma sem
que haja de hum lado o direito de mandar , e do outro , o de-
ver de obedecer ; sem isto fora impossivel attingir o fim da soc-
ciedade. A protecçiõ naÕ se poderia exercer sem huma tal ou
qual authoridade sobre aquelles à quem ella deve escudar.
Em fim a igualdade natural ou de direitos , que existia en-
tre já homens naõ ficou destruída pelo estabelecimento da so-
ciedade política, porque neste ultimo estado cessa o abuso da
força , e cora ella a desigualdade de facto. Pesapparece en-
tão a força individual, que se abate perante a força de todos ,
perante a vontadí comraum e perante o poder publico.

*»>%v% $»»#©££-* ^ , ~ « ~ -
C A P I T U L O 2°
D o ESTABEIXECIMENTO BAS S0CIEDADE5 CIVIS.

Paia conseguir-se o fim da sociedade civil, era de abso-


luta necessidade reunir para sempre a vonlade de todos os seos
membros, de sorte que d'entao em diante elles naõ quisessem
sinaõ huma só , e a mesma cousa em tudo o que dieesse res»
peito ao fim d'assoeiaeao.
Era de absoluta necessidade estabelecer ao depois hum po-
der supremo, sustentado pela força de todo o corpo politico, e
por cujo intermédio naõ só se podesse intimidar àquelíes que
quisessem perturbar a paz, mas também se inílingisse mal me-
sente, e sensivel à quem quer qu.; ousasse obrar contraia u t i i l 4 ^
dade commum.
D'esta união de vontades, e forças he que resulta o corpo
político, ou o estado o qual naõ se podia estabelecer sinaÕ por
meio de convençoens ; pois que esta uniaõ de vontades em hu -
ma só pessoa naõ se poderia effectuar de modo que a diversida-
de natural das inclinações , e dos sentimentos actualmente ficas-
se destruída , à naõ sev por esta forma ; por tanto foi de mister
hum çacta-^iiuiïLJpiirCiuiniento dado por cada hum de sub-
metter a sua vontade particular à vontade de huma só pessoa ,
ou de huma assemblea , de forma que todas as resoluçoens d'es-
té mandatário reîatiramente as cousas que concernem à segu-
rança , ou a utilidade publica , fossem consideradas como a von-
tade positiva de todos em geral, e de cada hum em particular,

Do PACTO , ou GONTRACTO SOCIAL

A primeira convenção necessária para formar huma socie-


dade civil, he aquella pela qual cada hum se obriga para com
todos os outros a reunir-se em hum só corpo politico , e i\ regu-
lar de commurn accôrdo o que respeita a conservação, a segu-
rança, e a utilidade commum. Esta convenção he o que se cha-
ma pacto ou contractu social • o qual ou he expresso , ou tacit >
He expresso f si as estipulacoens fõrão escriptas , o que he
rarissimo.
He tácito quando resulta do facto único da reunião dos
miens, que compõem a associação politic;».

33@$&©e> 33»
DA CONSTITUIÇÃO POLÍTICA

A segunJa convenção he aquella pela qual os membros


do corpo politico estabelecem a forma do seo governo : pois
presta deliberação , fora impossível tornar-se medida alguma
, . trabalhar util, e concertada mente à prol da segura »-
e do bem commum.
Iste lie o que se entende por constituição política de hum
povo.
Estas convenções expressas, ou tácitas, se fiseraÕ à princi-
pio ( segundo parece ) ao acazo , e sem princípios, as quaes he
de presumir que , da mesma sorte se tenhao ao depois modifi-
cado , melhorado , ou algumas veses deteriorado à muitos res-
peitos.
D'aqui nasceo a multidão quasi infinita das organisacoens
sociaes que existera entre os homens , e que bem pouca seme-
lhança teem entre si.

S3©f &^> 333»


DAS OBRIGAÇÕES RECIPROCAS DO PIUNCEPE E DOS CIDADÃOS.

Regulada a forma do governo deve de haver outra eon-


veaeaõ pela qual, escolhida huma ou muitas pessoas à quem se
confie o poder de governar , a quelles que saõ investidos d'esta
authoridade suprema se obrigaÕ a vellar cora toda a sollicitude
na segurançí, e bem commum dos povos , e o resto dos mem-
bros d'associaçaô lhes promette fiel obediência. Por esta con-
venção he que o chefe da sociedade se obriga a empregar o mais
que for necessário as suas forcas , e a sua vontade pessoal em
promover o bem commum. *,
Assim he que se forma hum estado regular.
Mas a formação regular das sociedades deve de ser ainda
•xaminada debaixo de duas reilações , phisica , e moral.

DA CONSTITUIÇÃO PHISICA DA SOCIEDADE.

Sob a reliaçaõ phisica , duas cousas se devem attender :


a extençaõ , e os limites.
Quanio ao primeiro ponto , devo notar que de qual quer
forma que hum estado seja governado, he de mister quelteji
nha huma certa extençaõ. ^
Si for mui pequeno, os cidadãos, parecendo-lhes , po- ^_
der-se hão ver todos os dias 3 efaser huma revolução por se-
mana. Era semelhante estado não poderia haver, nem liberda-
de , nem tranqüilidade segura , e nem duradoura felicidade.
He de mister alem d'isto , que o estado tenha força suffi-
ciente : mas si for mui pequeno, será fraquis^imo , e sendo
fraquissimo , nunca jamais gosárà de verdadoira independência ,
c naõ ieià-si não huma existência precária. Pode ser de repen-
te desmoronado não e pelas revolucoens que &e .operao
em s"eo grêmio , si não também por todas as que se forma o em
de redor de si.
Mas nem por isso convém que o corpo politico ultrapasse
certas proporçoens.
Não por que no estado actual da civilisação de grande pat-
te do mundo, e maxime da Europa custe mais , attento os soc-
corros da imprensa, e a facilidade das communicações, go-
vernar huma provincia grande do que huma pequena. A gran-
de extençaõ da base he incalculavelmante vantajosa , por que
quando ella existe, as perturbações interiores, e as aggressões
estranhas mui difficilmente podem derribar o corpo político,
visto que o mal naõ se podendo declarar ao mesmo tempo em
toda a parte , sempre ficâo alguns lugares sãos d'onde se podem-
tirar soccorros para as doentes.
Mas o que he de summa importância he que a extençaõ
do estado naõ seja tal que encerre em seo seio povos mui diffé-
rentes em custumes , em cpracter , e sobre tudo em linguagem,
c que tenhaÕ interesses particulares mui distinctos j extencaô
' tal , digo . que lhe naõ permitta reunir os seos meios de defesa
com a prestesa necessária para oppol­os ao attaque , onde quer
que elle appareça.
Quanto aos limites he essencial a felicidade dos habitantes
do paiz , que as fronteiras sejaõ de fácil defençaõ : que naõ es­
rejaõ sugeitas a contestações, e se achem collocadas de sorte
que não interceptem a exlraecão das mercadorias , e o curso que
o eommercio sôe tomar per si mesmo. Para isto he preciso que
o estado tenha os limites , que lhe assignou a natureza , e não
diques ahstractos traçados arbitrariamente em huma carta geo­
gráfica.
f ^ Debaixo de todas estas rellaçoes, o mar he o melhor de
^M ­TaoC ' s limites naturaes.
O mar he hum obstáculo à toda , e qual quer espécie de
mal, e hum canal à toda , e qual quer espécie de bem
Depois do mar o melhor limite natural he a cumieira das
mais altas montanhas , tomando­se por demarcação o ponto de
partida das águas que correm dos picos mais alcantilados , e por
conseqüência mais inacessíveis, o ponto de partida d'as águas
dígo , que também devem de fecundar o paiz.
Emfim na falta de mares , e de montanhas , devemo­nôs
contentar com grandes rios toraando­os em hum lugar onde fo­
rem ja aiquanto consideráveis, eseguindo­os se possivel for
até o mar­
Era summa huma sociedade política deve a bem da sua
felicidade trabalhar sempre em procurar os seos limites naturaes,
e nunca abalançar­se a ultrapassal­os.

DA CONSTITUIÇÃO MORA L DA S SOCIEDADES:

Sob a rellação social : cumpre notar que somente podem ser


boas para as sociedades políticas aquellas constituições em que os
poderes políticos podem ser exercidos á bem do povo, e por con­
seguinte aquellas em que o gôso dos direitos naturaes do homem
he sufficientemente garantido. •«,
■ - . 3
<#10#> *
Por quanto naÕ tendo os cidadãos contraindo obrigaçoens
para com a sociedade, sinão no tocante ao interesse commuai,
coartar-lhes a liberdade em tudo o que he extranho à este fim,
fora exceder as condiccoens do contracto, pois que quando os
homens se reunirão em sociedade outro intento não tiverão sinaõ
conservarem a sua independência real, e o exercício dos seos
direitos na t ura es em tudo o que não tivesse verdadeira rellaçâo
com o bem publico.
Em regra, a imperfeição das sociedades civis não se deriva
sinao de haverem ellas começado antes de se conhecerem os ver-
dadeiros interesses dos homens, e os justos limites dos sacrifício*
que o bem publico exige délies.
Demais nas constituições não ha bondade absoluta : tã
melhor he a que mais convém à nação para que foi estabr.^ciu.
e nenhuma ha que possa convir perfeitamente a cada nação
não aquella que he modelada pelo caracter, e pelos hábitos
da naçaõ , e calculada segundo a natureza , e extençaõ de suas
rellaçoens, e do seu território, emfim segundo os seos verdadei-
ros interesses, do sorte que seja de presumir que só o tempo e o
curso natural das cousas he que a tenhâo produzido.
Huma constituição não he hum acto de pura creaçao : por
mais puiante que seja o engenho d'aquelles que toraaô a peito
organisar as sociedades d'esta tonna, nao-fatrraro que elle* sobre-
vivão à sua obra.—
Alem d'isto, a constituição que mais convera à hum esta-
d o , certo não he amais forte absolutamente ; preferível he a-
quella q u e , guardadas todas as condições necessárias para a sua
duração, assegura melhor as garantias sociaes. Para isto he
preeiso que a constituição contenha medidas habilmente combi-
nadas a fim de que aquelles que estaõ encarregados de reprimir
o mal, naõ tenhío possibilidade defasel-o
Em fira, huma constituição será essencialmente mà , i °
sinaõ encerrar meio legal, e pacifico pelo qual ella possa ser mo-
dificada , ou mudada , 2 ° quando for de tal natureza que se não
adjective com os progressos do tempo , quando aspirar o cara»
cter de perpetuidade e de estabellidade , que não convém à ne-
nhuma instituição humana, pois era taes casos exporá a nação,
« o s seos ch&fea àrevoluçoeus cujas conseqüências são incal-
culáveis,
C A P I T U L O 3°

Dos PODERES ÍOCIAES.

Cumpre agora explicar o que se deve entender p o r / M -


deres sócia es.
O homem tem naturalmente dois moveis : a vontade, que
determina as suas acções} e & força , que as executa. D'aqui
duas espécies de poderes.
^ ^ O primeiro he poder de determinar , e estabellecer,
.udoi/que o homem julga acertado faser à bem da sua conser-
vação e da dos outros , de conformidade com o espirito , e com
a outorga das leis da natureza.
O segundo he o poder de punir os crimes commettidos
contra as leis, ou em outros termos, de faser justiça a si
mesmo. Ora , o homem se despoja de grande parte tanto de
hum , como de outro poder, quando entra em huma sociedade
política.
Despoja-9e do primeiro a fim de ser regulado, e admi-
nistrado pelas leis da. sociedade, isto he subraette-se à vontade
geral era tudo o que for relSativo ao interesse coramura d'as^
*0ciaça5.
Despoja se também do segundo, isto he renuncia o di-
reito de faser justiça a si mesmo , e obriga-se a naõ empregar
contra os outros as suas forças naturaes , sinão para auxiliar .
e fortificar o poder que se encarregou de proteger a socie-
dade.
Todavia he de notar, 1 ° que o homem só está obrigado
a sacrificar aquella porção d'estes dois poderes , que o bem , a
prosperidade, e a segurança d'associaçào política requerem j
2 ° que estes poderes naõ foraõ depositados nas maõs da socie-
dade sinaõ para serem empregados na felicidade do corpo políti-
co, e na conservação do que pertence como próprio aos aeo^'
membros,
Estes poderes, que se transmittiraõ à sociedadetoma6o
o nome de poder legislativo , e poder executivo.' Por <|UB O
«orpo politico-assiúvcomo o hotnemiieaitlois moveis necessária
^ 3»
<§>I2«§>
os à sua existência : file quer, e obra ; o primeiio exprime a su-
a vontade : o segundo a cumpre pela execução.
Examinemos, segundo este- primeiros dados, os ca-
ractères próprios de cada hum d'estes poderes.

Do PODER LEGISLATIVO.

O poder legislativo tem por fim prescrever as regtCá qu>


devera reger a associaçlo política , em tudo o que não he co
titucional.
D'aqui resulta que pertence ao poder legislativo regular a
maneira por que as forças do estado podem ser empregadas à
prol da conservação , e felicidade da cummunidade em peso , e
de cada hum dos seos membros em particular.
Veremos a diante à quem se deve delegar este , que he o
primeiro de todos os poderes spciaes.
Mas podemos desde jà observar que d'elle he que üepen-
de em geral a prosperidade dos estados, pois he com effeito em
conseqüência do bom , ou mau systema de legislação , 'que me<
drão , ou discahem os impérios.
Os actos que emanão do poder legislativo chamào-se leis ,
as quaes para bem appreciarraos convém examinar-lhes, e re-
conhecer-lhes a naturesa , o caracter, o fim , os effeitos , e a
sua diversidade , e determinar também o momento em que ellas
começão a ser obrigatórias,

§ I ° DlFINIÇAÕ DE LEI.

Da difinição do poder legislativo segue-se que a lei h* hu-


ma regra d'aeçao prescripta por huma authoridaae em quem »e-
conheceraos o direito de estatuil-a.
A lei he necessariamente o principio de ordem que preside
a sociedade civil.
Dice que a lei he huma^egra, e com isto quiz dar a enten-
<€>i3<#>
Jerque em virtude da obediência que prometteraos guando entra-
mos p.ira a sociedade , devemos conformar as nossas acçoens com
a vontade que a lei exprime.
Acrescentei que a lei deve ser prescripts por hum superior
legitimo , por que esta condição he com effeito necessária , pois
sem eiia a regra estatuída não he sinão huma ordem arbitraria ,
liuin acto de violência , e d'oppressao ; e não a vontade razoável
à que promettemos sugeição , e obediência.
te superior legitimo , que fax leis , chama-se legislador,
c
§ 2 CARACTERES DA LSI,

)s caracteres próprios das leis são estes :


'- v lei sempre he fonte de huma obrigação \ a lei na verda-
he que liga, que obriga, e por conseguinte que dispensa; a
lei foi que criou o dever externo do cidadão paraeom a sociedade.
2 ° A Ici statue de huma maneira geral. Não ha sitiáo huma
lei para todos : ella considera os homens em corpo , e as acções
como abstractas. Se a lei disposesse sobre interesses particula-
res , estabelleeeria exeepçoens , suppòria hum direito particu-
lai , fundaria privilégios , e d'esta arte dervogaria o principio
fundamental da igualdade perante a l e i , destruindo ao mesmo
tempo a anid.ide social.
Corre de plano que nas sociedades ha desigualdades neces-
sárias , mas nem por isso os direitos devem de ser menos iguoes
perante a lei, assim como o são aos olhos da razão , e da na-
turesa.
3 ° Em fim a estabellidade he outro caracter próprio das leis,
as quaes para que sejão imparciaes , he de absoluta necessidade
que não estejlo subordinadas à circunstancias de momento.
Elias devem cuidar no juturo ; pois só ao futuro governão.
He também na sua estabelhdade que se funda a confiança
nos direitos que ellas declarão , pois sem confiança não ha se-
gurança e sem segurança não ha felicidade, nem para o corpo
político, e nem tam pouco para os indivíduos.
Mas esta estabellidade não se deve tomar em sentido abso-
lutamente rigoroso. A lei deve-se amoldar ao estado da socie-
dade , e as condiçoens do facto , que a determinarão,
A lei pode até disapparecer inteiramente com as necessi-
dades socíaes , que se destinara à s^iisfaser.— « A naturesa das
<&>ii<&
«, lei*humana», diz Montesquieu , he estar sugeita a accidentes, %
« e a variar à medida que as vontades âos homens mulio. Bas­
« ta que esta mudança seja bem fundada, »

§3° FIM DA S LEIS.

O primeiro fim das leis se earecterisa , e define pelo fim


da mesma sociedade.
Ora a sociedade deve primeiro que tudo , propor­se a exis­
tir ou como sociedade humana em geral , ou como sociedade
particular constituída.
Em segundo lugar deve protecçaô à cada indivíduo no ex­
ercício dos seos direitos , em quanto este exercício não legate?*
direitos alheios , por quanto he este o eterno limite dolTnoss». ^
direitos sociaes. „,
Satisfeitas estas primeiras condiçoens , a sociedade tam­
bém tem por fim proporcionar à todos em geral, e à cada hum
era particular a maior quantia de felicidade possível, com o me­
nor numero de sacrifícios dos direitos década hum.
O Legislador deve por tanto em primeiro lugar assentar as
bases do edifício social, e as condicçoens da sua duração.
F. Pm «potiindr» torçar rnedidas geraes , e particulares de
protecção.
Para attingir estes fins , he necessário nao só que as leis
canstranjaÕ , mas também que ensinem , e persuadão.
Em summa pode­se diser com Cícero , « que as leis são
« feitas para a felicidade dos cidadãos , socego dos governos,
« e bem estar de todos. »
E com Loke « que he certo naõ ser o fim das leis proscre­
v e i . ou cercar a liberdade , mas conserval­a , e augmental­a. »

5­ 4 ° E F F E I T O DA S LEIS

O effeito geral das leis estabelücidas pelas sociedades poli­


tieas, he dar ás leis naturae* huma sancçâo sem a qual ellas se»
*ião pouco respeitada?.
O effeito especial das leis patentea­se ao depois nasaceocns,
e nos custume/t.
Quantoàsua influencia sobre asacçoens , a lei determina,
♦tt­prohibe % perinitte., outline. D'aqui se diz que­asleUsaô
<^>i5<Í»
imperativas , prohibitivas , permissivas, çpenaes.
Quanto á sua influencia sobre os costumes , pode­se di­
*er que as leis são a educação dos homens.
Naõ ha huma só de qual quer espécie que seja , que náo
inspire , on naõ reprima alguns sentimentos , que incline o ho­
mem paia certas acçoens, e naõ o arrede d'aquellas , que ihei
«aõ opposlas. Por isso as leis com o andar dos tempos , for­
ma õ os custamos, isto he os usos dos povos.
« Mas o mais poderoso de todos" os meios moraes, e pe«
« ran te o qual todos os outros saÕ quasi nullos, saõ as leis re­
« pressivas , e a sua inteira , e perfeita execução ( M. de
Tracy
c
§ 5 DIVISÃO DA S LEIS,

« Ha huma lei verdadeira , diz Cícero , ensinada pela re*


«Cla^fSSao, conforme com a natureza , universal imu­
« davel, e eterna 5 cujas ordens convidaõ ao dever, e cu­>
« jas proiúbições arredaõ do mal. Quer ordene , quef
­■< prohiba, as suas palavras naõ saõ nem vans para com os
« bons nem improficuas paracom os maus. Esta lei naõ poderia
'( ser nem eontradictada, nem modificada, e nem abrogada por
« nenhuma outra. Nem o Senado, nem o povo nos podem
«desligar da obediência, que lhe devemos. Esta lei naõ tem
« necessidade de novo interpetre, ou de hum novo orgaõ ; es­
« ta lei naõ sera huma em Roma , e outra em Athenas , e nem
« amanhâa sera différente de hoje. Mas esta lei única , indis­
« tructivel, eterna , e bussula commum reinará sempre, e
« em todos os tempos.
« O Rei de lodo o creado, o mesmo Deos he o seo au­
« tor: elle lhe dà a sancçaô , e a promulga 5 o homem naÕ a
« pode desconhecer sem arrenegar a si mesmo, sem desnaturar­
« se , e só por isto sem condemnar­se às mais duras expiaçÕes 3
« ainda quando evitasse o que se chama supplicios , ou puni­
« çoens legaes. »
Tal he o sublime quadro da lei natural, qne este grande
homem nôs debuxa : tal he por tanto a regra que domina to­
das as instituiçoens humanas.
Mas nas sociedades civis as leis se devidem evajundamen*
taes, e secundarias.
As leis fund&msntaes saõ aquelas que estabellecem, «
#>i6<^>
organisai) os podei es da sociedade , desde o \
timo degrau da escada social.
Por isso lie que elLis algumas veses se chamaõ leis orgâni-
cas ; também se àtnom\nm políticas por causa do seu objecto.
A primeira de todas as leisfuudamentaes lie a constitui-
ção , e loJos sabem que s constituição de hum estado não lie
outra consa sinaõ o complexo de regras que determinaõ a natu-
reza , a extençaÕ , e os limites das autoridades que os rec;e,m.
Qual quer que seja a forma do governo estabellecido pe-
la;, leis fundamenlaes o seo principio sempre se acha na lei
natural : ellas naõ podem desconhecer, ou aniquilíar os direi-
tos naturaes do homem : ellas só se destinaõ a regular estes di-
reitos em tudo o que diz respeito ao bem gera! da sociedad.
As leis secundarias saõ todas aqucHus que nao ie*^u:i
ctamente por objeclo o eslabellecimenlo das instituições gera\
sobre as quaes a sociedade repousa. ^*
Ellas se subdividem em leis civis, e penaes.
As civis saõ as que regulaõ as rellaçoens dos individuos
entre si.
As penaes saõ as que tem por fim a repressão dos diiictos
de toda , e qual quer espécie.
Emalmci;'; ; : c_ dicções , sem as quaes as leis secunda-
poderaõ ser boas ,""Sáo áK siiguuiU-s; ^***<«^^^«
• Em primeiro lugar todas as leis secundarias devem de
couformar-se com o espirito das leis- fundamentaes , sob cuja
protecçaõ se vem col locar. Elias dependem das leis políticas •
por que segundo observa Montesquieu , sempre saõ feitas pa-
ra huma sociedade. « Só saõ boas as leis diz RI. t l e n -
« rion de P a n s e j , que estão em harmonia com a na-
« tu reza do governo , e com o corpo da legislação. » Em
fiai segundo Bacoa j o direito publico, he a garantia do direito
privado.
Em segundo lugar nenhuma das leis secundarias pode der-
rogar o direito natural , do qual naõ devem ser por forma al-
guma sinaò deducções, e conseqüências. Assim pensa Wolf,
e Montesquieu que se se exprime nesta substancia : o legislador
deve 1er o maior cuidado em nao por alei em opposiçaô com a
natures a.
Cumpre também notar que sem esta condição ellas nao
mereceriaõ a approvaçaõ publica, e esta approyaçaÕ he só quem
constitue a foiça aiorai das leis ; o que em outros termos quer
dizer, que o primeiro dever do legislador lie ser justo, e razoável.
Terminarei as distinções, que acabo de fazer observando
que pode acontecer que huma lei desconheça, ou viole hum dos
direílos naluraes do homem ; mas neste caso a lei he injusta, e
deve ser permittido dizel-o, e demonstral-o ;. porque como
diz Cicero, he absurdo ter por justo tudo quanto está escripto nas
instituições, e nas leis dos povos.
Justo só he o que conforma com a lei natural, isto he
com a recta razaõ , e com a moral.
Mais adiante veremos, si huma lei ainda que injusta ,
exige a obediência.

r^ $. 6 ° DA PROMULGAÇÃO DAS LEIS,

ioda a lei suppoera hum legislador, e igualmente hum


povo que a observe , e obedeça.
Entre a lei, e o povo para quem ella he feita , he de
mister hnm meio , ou bum vinculo de communicaçaõ ; por
que he necessário que o povo saiba , ou possa saber que a lei
existe , e que exi&te como lei.
Antes da promulgação a lei está perfeita relativamente à
autoridade de quem he feitura- mas naÕ he obrigatória para
o povo , em cujo favor dispõem o legislador.
A promulgação naõ faz a lei , mas a sua execução naÕ
pode começar , sinao depois da sua promulgação.
Por tanto deve srr regra constante , e universal, que a
lei naó obriga em quanto naô foi promulgada,
A promulgação he a viva voz do legislador , e deve ser
feita pelo chefe do estado. Si a voz d'esté primeiro Magistra-
do podesse soar ao mesmo tempo em todo o recinto da socieda-
de civil, tornar-se-hia inutil qualquer ulterior precaução,
mas a mesma natureza das cousas repelle esta supposiçaõ.
Por tanto importantíssimo he , que a promulgação seja ,
ou possa ser conhecida : d'aqui as diversas formas de publica-
ção , que os povos teem adoptado. Eis as reflexões geraes que
se podem faser no tocante à este objecto.
Certamente naõ he necessário que a lei seja notificada à
cada hum indivíduo.
A lei toma os homens em massa , *e falia naõ á cada hum
4.
<^>i8<#>
era particular, mas ao corpo inteiro da sociedade.
Basta que os particulares tenhão podido conhecer a lei :
si a teem podido e devido conhecer, e a ignoraÕ , a culpa he sua.
Assim que he principio corrente em todas as naçoens civilisa-
das, que a ignorância de direito não desculpa a ninguém.
A lei, fora disto , naõ deve ser arcano até a sua forma-
ção. O legislador nunca se deve embuçar : o seo pensamento
antes de ser reduzido à preceito deve de ser conhecido. Perni-
cioso fora , que a lei chegasse ao conhecimento dos cidadãos ,
como o relâmpago , que rompe a nuvem.
Discutir a lei, e resolvel-a com solemnidade na presença
do publico sempre attento quando se tracta dos seos interesses,
he preparar a autoridade moral, e lançar os alicerces d a ^ j b ^ ^
diencia que lhe he devida. *^
Depois disto só resta ao chefe do governo prQigrr
momento em que se ella acabar de fazer, e proferil-a publi-
camente.
O meio mais simples, e mais digno , he a remessa da lei
à todas as autoridades , e a assignação do praso dentro do qual
alei deve ser executiva. Assim apoz a publicação de facto,
acha-se huma publicação de direito que produz a obrigação ,

O registro da lei em livros provinciaes , e a sua leitura ao


povo reunido , devem-se considerar como meios secundários,
e precauções auxiliares. A lei naõ deve com effeito ser aban-
donada ao capricho dos homens : a sua marcha deve ser segu-
ra , e imperturbável. Imagem da ordem eterna , ella deve ,
para assim dizer ser suficiente à si mesma : e a sua independên-
cia ficará salva , si lhe naõ subordinarem .a execução si naõ à
termos , e à precauçoens ordenadas pela mesma natureza.
Do que precede , resulta outra regra geral, e he que a
lei so se julga conhecida do dia em que se preencherão as con -
diçoem requeridas pelo legislador para que a sua notoriedade
se repute constante , e universal.
Ha com tudo huma lei que naõ precisa de facto humano ,
e conseguintemente de promulgação para existir , que he a
lei natural, a qual be stricta, eformalmente obrigatória pa-
ra todos os homens, qualquer que seja a sua posição social.
Ginguem se pode desculpar à pretexto de ignorância , por qu©
ÍsVjfòca o raesm-) que confessar de plano naõ ter recebido do
, oreador . a intelligencia necessária para conhecer o justo , e o
injusto.

Do P O D E R EXECUTIVO E M G E R A L .

O segundo poder social he o poder executivo.


Tendo as leis apenas saõ promulgadas, virtude constan-
te , e duradoura que obriga os homens a respeital-as , e à ellas
I se submetterem continuamente , he força que haja na sociedade
hum poder que faça executar estas leis , e que torne sensível
aforçamje cada hum dos membros do corpo politico entregou
nas mãos do chefe do estado.
Em verdade de que serveriaõ à hum povo as mais bellas
leis do mundo , si ellas naõ fossem fielmente executadas! Ellas
se reduzirão então à sentenças vans ; e na reallidade nenhuma
utilidade prestariaõ a sociedade.
A execução deve por tanto seguir a vontade.
O poder à quem está confiada esta alta missão he o poder
executivo, o\x executador.
Ora por dous modos se pode obter e conseguir a execu-
ção das leis: por via d'aeçao, e dapersuaçâo , ou por via da
decisão, e do constrangimento. D'aqui resulta que o poder
executivo se divide em dous ramos ; a saber, hum que toma o
nome de poder administracüvo , e que he o Poder executivo
porpriamente dicto , e outro que se denomina poder judiciário.
A funeção propria d'esté he applicar a lei aos factos par-
ticulares , julgar as dissençoens , que se suscitarem entre os ci-
dadãos , e punir as infracçoens das leis penaes.
Vejamos como cada hum d'estes poderes se manifesta , e
qual he o caracter particular dos seos actos.

5. I ° D o PODER EXECUTIVO PROPRIAMENTE DICTO, OU


DO PODER ADMINISTRACTIVO.

O poder administracüvo he aquelle que por meio de or-


dens , prove á execução das leis, à segurança do estado, à ma-

<%>20^

nutençaõ da ordem publica , e às diversas necessidades da so-


ciedade.
Alei he à fonte das obrigaçoens, cujo cumprimento he
promovido pela execução.
D'aqui resulta , que o poder executivo lie para o poder le-
gislativo , o que o Jacto he para o direito. O segundo depende
por tanto do primeiro , e lhe he subordinado.
Assim que os actos do poder executivo naõ podem ser ou-
tra cousa sinaõ conseqüências dos actos do poder legislativo , e
qual quer que seja o nome que se dê à estes actos do po-
der executivo , quer se chamem decretos , quer ordens, o seo
object o he t" o somente promover a execução das leis.
O poder executivo ou administractivo cruza-se com o po-
der legislativo em que os actos emanados d'elle , teem igualmen-
te que as leis , o cunho d'autoridade publica , e merecem a
mesma obediência.
O poder legislativo diffère do administractivo em naò o-
brar sinaõ por meio de preceitos geraes, e permanentes , pelo
menos na intenção do legislador , sendo que os actos do poder
administractivo apenas saõ medidas particulares sempre relativas
às circunstancias , e tara movediças como ellas.
Outra differença existe , e he que o poder adm c ractivo
obra unis do que deliberai
O poder legislativo pelo contrario , círcumscripto somen-
te à deuberaçoens, pertence-lhe exclusivamente o domínio do
pensamento.
Hum he a cabeça , outro o braço do corpo politico.
Em fim naõ he necessário nem conveniente que o poder
legislativo esteja sempre em exercício : mas he de rigorosa ne-
cessidade que o executivo , ou administractivo esteja de continuo
em actividade, pois naõ sendo preciso fazer sempra leis , he
sempre preciso promover a execução das que forao feitas.
Leis que se naõ executaÕ cahem em despreso , e o despre-
so das lois be o signal da dissolução dos governos.

$ 2.° D o PODER JUDICIÁRIO.

O poder judiciário consiste como acabei de dizer no direito


de punir os oriraes, e de regular os interesses privados pela ap-
plicaçaõ das leis civis , e penaes.
<%>2l^>

Os funccionarios à quem este poder está confiado chamao-,


ss juizes: ósseos actos charaaõ-se julgamentos, ou decisoens ju-
diciarias.
Assim que o poder judiciário he hum dos órgãos do poder
legislativo , ao qual também reduz á accão.
Este poder h e , que fazendo prevalecer os direitos do mais
fraco sobre as pretenções do mais forte , assegura o reinado da
paz, e da lei entre os cidadãos.
Este poder he também que cstabellece a moral publica es<
tigraatisando as acçoens deshonestas , e fulminando penas pro -
porcionaes contra aquelles que commettem crimes ou delictos.
Em huma palavra esla autotidade tutelar he quem dâ a
cada hum cidadão essa opinião da sua segurança, sem a qual o
homem inquieto sobre a sua liberdade, sobre os seus bens , e
f sobre a su£Lmesma existência, nao se esforçará por adquirir por
issoqTreiaïïecedhe a certeza de conservar , mas antes appressar-
se-ha em consumir o que possue , visto qne teme ser despojo-
do , visto que emfim considera-se como estrangeiro em sua
patiia. .j
Ta es são os principaes caracteres d'esté poder : fcaes saõ
>eoa os resultados do seo exercício.
He de notar finalmente, que elle obra assim como o poder
administractivo n'huma esfera de dependência quanto as suas
rellacões com o poder legislativo. Ora sendo o poder judiciário
hum dos ministros da lei, as juizes devem ser os seus primeiros ,
e mais rigidos observadores.
Elles podem sem duvida alguma , explicar a lei , e sup-
pril-a nos casos omissos , mas nunca jamais as podem fazer.
Em iüm a actividade do poder judiciário deve ser t a l , que
nunca os cidadãos implorem debalde o seu soccorro.
Eis aqui agora as differenças mais notáveis entre o poder
administractivo, e o judiciário.
O poder administractivo ordena, e dispõem ; as decisões
dos juizes apenas saõ declaratorias, isto he, o poder judiciário
limita-se a declarar que existe tal facto , que tal acto encerra tal
disposição, que tal direito pertence à aquelle que o requer,
ou que tal dever incumbe à aquelle outro que o contesta.
O poder administractivo resolve sobre as rellaçoens dos
cidadãos com ò estado, e sobre as diffieuldades que se deci-
dem pela lei politica,
«&32#>
' O poder judiciário resolve sobre as reüaçÕes dos cidadãos
entre si, sobre negócios , cuja solução depende das disposiçoens
do direito civil, dos títulos das convençoens,e da posse das partes.
O poder judiciário só dispõem sobre as contestações actual-
mente existentes , sobre os processos que nascem de hum direito
litigioso , ou de hum facto que causa prejuiso à hum indivíduo
determinado, e que só interessa a sociedade secundariamente ,
e pela sua influencia sobre a ordem publica.
O administractivo tem huma esfera de actividade mais am-
pla ; pode dispor para o futuro : pode obrar sem ser provocado,
pode dar decisões que lhe naõ saõ pedidas , e tomar medidas de
conservação, e previdência sobre objectos, que pela sua natureza,
pelo seo destino , e pelo habito e necessidade de usar d'ellas, in-
teressao a todos os cidadãos.
Era suraraa a organisaçaõ interior de todas as^sociedades -
políticas assenta n'estas duas principaes bases : a admimSr^çao',
e a justiça. Ordem publica . segurança interior , liberdade ci-
vil , propriedade , tudo está sob a égide d'estes dous poderes :
o que se naõ acha nas attribuicões de hum , está necessariamen-
te nas de outro.
Sobranceiro porem à elles está sempre o poder legislativo ,
o quai.organisa as particularidades da sociedade ; de sorte que
(para exprimir o meo pensamentô~poTrtroma figura ) a sua reunião
forma hum triângulo , cujo vértice he occupado pelo poder le-
gislativo , e os dous outros ângulos por cada hum dos outros
dous poderes ; entre elles , e de baixo da sua proteeçao se acha
collocada a sociedade civil.

TITULO 2*
Da Soberania.
Do que precede fácil he concluir que a soberania he a reu-
nião de todos os poderes sociaes : he a omnipotencia humana ;
ou em outros termos hï o direito exlusivo de mandar na socieda-
de civil, a fim de conseguir o fim social , que he a salvação do
estado , e a felicidade commum dos seos membros.
O Soberano he a pessoa publica , à quem está confiado o
exercício deste direito.
Existe porem outra soberania , que he a de Deos.
De data anterior às convenções são os direitos e deveres ,
o mal, e o bem, o vicio, e a virtude.
Estes direitos , e deveres sào prescriptos pela iei natural,
obra do mesmo Deos, lei reconhecida por todos os homens ,
proclamada por todos os sábios como o typo necessário de todas
as iri5tituiçoens humanas , lei que não se pode modificar , e nem
mudar, sem mudar ao mesmo tempo o destino moral do ho-
mem»
Por tanto os verdadeiros alicerces da ordem moral » e so-
c i a r v - ^ 6 f Deos fordo lançados ; logo só elle he o verdadeiro
soberano.
Mas dotando Deos ao homem da razão , e do sentimento
do justo , deu-lhe o poder necessário para estabellecer os meios
conservadores dos seus direitos naturaes , e este poder he que
os homens chaniaõ soberania.
Por tanto ha duas soberanias huma Divina, que só a Deos
pertence , e cuja vontade he revelada pelas leis naturaes : e ou«
tra humana , que reside nas sociedades politicas , e cuja vonta-
de se manifesta pelas leis que estas taes sociedades dedusem do
direito natural, a fim de legislarem o que deve manter a ordem
moral e social estabellecida por Deos mesmo.
A difiniçaõ que dei da soberania humana demonstra assaz
o que a constitue : indaguemos agora qual he a sua fonte immé-
diat» , e ao depois veremos si elli he aliecaVel , edivizivel.

-&&®&&G

CAPITULO i °
DA. FONTE WMEDIATA DA SOBERANIA.

A autoridade soberana resulta immediatamente das mes-


mas convenções , que formao a sociedade civilj
<#>24^
No estado primitivo do homem , os nomes de soberano ,
e de subdicto saõ desconhecidos pela natureza , a qual fazendo-
nos simplesmente homens , todos iguaes , todos igualmente li-
vres , e independentes huns dos outros , quiz que todos aquelles
à quem dotou djs mesmas faculdades tivessem também os mes-
mos direitos. Por tanto he incontestável, que n'este estado
primitivo e da naturesa, nenhum homem tem por si mesmo di-
reito originário de mandar aos outros, e de se arrogar a sobera-
nia,* <i'onde se segue que naõ se poderia sem crime privar o ho-
mem contra a sua vontade d'esta liberdade, e independência.
Mas , si isto he assim , e si com tudo ha entre os homens
reunidos em sociedade huma autoridade soberana, donde po-
derá ella provir , à naõ ser de convençoens que os homens fize-
rao à este respeito ? Como cada homem tem o direito de se re<
gêr, pode-se dizer que cada homem tem em si sementes de sobe- • /
rania. A. associaça5 política reunindo-as pelo espontau^s-^n-
sentimento de todos os seus membros, torna-se entaõ possuidora
do direito de lhes reger as acçoens em tudo o que for rellativo
ao bem commum , e por conseqüência do de mandar, e fazer-
se obedecer, e n'isto consiste a soberania.
Si o corpo politico em pezo conserva este poder , e o
quer exercer per si mesmo , fie e fica sen io soberania.
Si coufra-n -excrcTCTf» n hum , ou à muitos chefes, so estes
se chamaõ soberanos : mas he claro que n'este eazo, a soberania
nao he sinao hum deposito , huma alta magistratura , a qual
he tam somente possuida por delegação que da à aquelles que a
acceitaÕ o direito de indagar, e exprimir a vontade geral.
Assim que , quando si dà à estes soberanos o titulo de vi-
earws , ou lugares tenentes de Deos , isto naõ quer dizer que
elles recebaõ a sua autoridide immediatamente de Deos ; sig-
nifica simplesmente que por meio do poder, que teem nas maõs,
e que os povos lhes confiriraõ, entretem conforme a vontade
de Deos , a ordem , e a paz nas sociedades civis , e d'esta arte
procuraõ a felicidade dos homens.
Por tanto releva ter por certo : 1 ° que a convenção ex-
pressa , ou tácita, que forma , ou compõem a sociedade civil ,
he a fonte immediata da soberania ; porem que no seio do corpo
politico he que^ vem-se reunir todos os elementos d'esta sobera-
n i a , que tínhaõ os pirticuhres em si mesmos: 2 ° que he d'es
te o r p o que a soberania dimam , quando he transmittida aos
<#>2,5<#>

chefes , que a sociedade julga acertado escolher.


Mas com quanío eu diga que o principio da soberania re-
side essencialmente no corpo politico, ou na nação , d'aqui nao
* se deve concluir que cada hum dos seos membros, possa exer-
cer esta soberania per si só , ou que só hajão governantes , e
nao governados. Isto significa somente que os depositários da
soberania a recebem dassociação política e não de si ou de huma
autoridade estranha.

C A P I T U L O 2°

DA INALIENABILIDADE DA SOBERANIAI

Do que precede , concluo que a soberania he inalienável.


He inalienável da parte do corpo politico , por que ella lhe per-
tence tanto como à cada hum dos indivíduos que a compõem.
Pode-se por ventura conceber que hum homem possa ven-
der ou dar a outrem a faculdade de querer por elle, e de dirigir
as suas próprias acçoens? Por ventura não he a vontade o attribu»
to mais essencial do homem ? Sem vontade naõ ficaria o homem
redusido ao estado de bruto , e mais abaixo ainda si he pos-
sível ?
Ora por ventura também nao ficaria aniquilado o corpo
politico, si se despojasse para sempre da vontade que he so o
que lhe pode servir de guia, da vontade , que he a parte mais es-
sencial da soberania ?
Hum povo tem plena liberdade de dizer a hum , ou a
muitos chefes : ;=; Eu vôs confio os meos interesses , e vos invis-
to do poder de administrar os meus negócios. =í Isto porem naô
passa de hum mandato em cuja execução o povo tem direito de
velar , e até de revogal-o si a sua execução se tornar verdadei-
ra , e continuamente tyranica.
Cumpre agora saber si o chefe uníco , ou múltiplo que a
sociedade escolheu pode alienar a soberania ? A negativa he
«conseqüência necessária do que acabei de dizer , pois que na»
«^26^
maons d'esté chefe, a soberania não he mais do que hum depo*
sito , e a mais sublime de todas as magistraturas.
Por tanto a soberania he inalienável : isto he o corpo po-
litico em pêzo naõ pode despojar-se da soberania nem por facto
seu , e nem por facto de ou trem.
Resta-me agora examinar si a soberania ho diviziveî.

CAPITULO 3 e
DA DIVIZIBILIDADE DA SOBERANIA.

Nap ha duvida que se pode sustentar que a soberania


he indivizivel era seu principio ; esta proposição he verdadeira
por que naõ se pode conceber vontade sem unidade.
Mas outro tanto naõ se pode dizer do exercício da sobera-
nia. Debaixo d'esté ponto de vista, ella he essencialmente di-
vizivel, por que jà vimos que ella naõ he sinão a reunião dos po-
deres soeiaes , os quaes se dividem em poder legislativo , e exe-
cutivo , .ftflsje em qdministractwo , e judiciário.
Ora não ha impecilrio algum em-que estes différentes po-
deres se achem reunidos em diversas mãos : a razaõ mostra que
hum sábio , ou muitos homens distinetos podem ser encarrega-
dos de fazer leis „ e que o cuidado de lhes dar execução , pode
ser confiado a outros mandatários , ou esta execução se possa
obter pela autoridade sem coaecão , isto he pela força moral,
ou seja necessário o emprego da força material para serem exe-
cutadas as decisões judiciarias.
Isto que a razaõ indica he comprovado pelos factos ; por
que as constituiçoens de muitos poyos civilisados attest^o que es-
ta divizão tem todo o cabimento.
De mais : esta divizaõ onde quer que tem tido lugar , tem
aido tam somente para estabellecer garantias contra os abusos
d'estes mesmos poderes. Adiante este ponto será tópico de exa-
me especial.
Por ora convém indagar o que seja o governo de hum es-
tado , e quaes as suas diversas formas.
~-«<^SS» — »
T I T U L O 3o

Do Governo,
Entende-se algumas vezes por governo , o corpo , ou o in-
divíduo , à quem em hum estado se confia o poder executivo : e
lie neste sentido que se toma esta palavra , quando se falia do
governo em contraposição dos outros corpos da nação.
Mas também muitas vezes estas palavras, constituição ,
governo , se empregão para exprimir a mesma idéia , isto he a
maneira porque- a soberania he exercida em cada estado ; e n'es-
te sentido he que nôs servimos d'ella agora.
Governar, segundo a intelligencia que dou aqui à esta
palavra he exercer a autoridade suprema.
Ora em todo o governo existe hum principe, como chefe
vizivel da sociedade ; este principe he a pessoa, ou pessoas, que
estão encarregadas do poder executivo. Assim que he fácil de
eomprehender a differença que ha entre sobei'ano, e principe : o
primeiro faz as leis , e o outro as executa.
Povo h e , depois do príncipe, todo o resto da nação.
O governo foi instituído para garantir a felicidade da nação;
e os homens revestidos da autoridede devem sempre usar d'ella
em pró da mesma nação, e nunca dos seos interesses particulares.
Aristóteles dà por base de todos os governos regulares a
moral, a qual he , segundo entendo , a justiça, a liberdade, e
a igualdade politica. Elle quer que todo o governo seja estabel*
lecido para utilidade não dos governantes , mas dos governados.
Conforme Cicero he falso que a republica não possa ser gover<
nada sem os soccorros da injustiça , mas ao contrario he de eter-
na verdade que ella não pode ser governada sem a mais rigoroza
justiça.
Taes saõ pois os deveres geraes de todo o governo para
cora o povo que rege.
Nas ultimas classes do povo da sociedade civil acha-se tam-
bém a plebe.
Entende-se por esta palavra , os indivíduos que naõ exer-
cendo industria regular, e só tendo hábitos viciosos, e custu-
mes grosseiros , estaõ privados dos benefícios da educação pri-
5. »
<#»a8<^
maria. O devei do bom governo he esforçar-se a fim de dimi-
nuir-lhe o numero favorecendo o derramamento das luzes, e
propondo leis justas que animem o desenvolvimento de todas as
faculdades humanas. Estes indivíduos merecem com mais ra-
zão o nome de plebe, quando se reúnem tumultuariamente a
fim de perturbarem a ordem publica , e offenderem as leis.
Entre o povo em massa , e a plebe que se distingue pelos
caracteres que acabei de referir, achão-se os cidadãos , os quaes
sao aquelles membros do estado que gozaõ dos direitos politieos ,
isto he que tomaõ parte seja por que modo fôr no governo do
paiz.
Debaixo d'esté ponto de vista , o resto do povo se com-
põem de particulares , de indivíduos , que contem em si o ger-
men da qualidade de cidadão , mas que naõ saõ admittido? a ex-
ercerem os seos direitos.
Só as leis constitucionaes he que crião os cidadãos : ellas
os formão, concedendo-lhes o direito de votar sobre os negócios
políticos , quer se tracte de concorrer para a nomeação das au-
toridades , quer os chame a lei para exercer qualquer parte dos
poderes sociaes.
Interesse, e capacidade : taes sao aqui as condiçoens que
exigem a. T^at^yej.a das cousas , e a experiência dos séculos.
Quem naõ tem interesse ha republica naõ deve ser admittido a
deliberar sobre ella : d'aqual também devem ser arredados aquel-
les a quem o vicio ou a fraqueza natural, ou a falta de luzes inca-
pacitao de appreciar as necessidades do estado social.
Todo o governo deve disvelar-se por conhecer a necessi-
dade de augmentar o numero dos cidadãos. A equidade lhe im-
põem este dever : mas a salvação publica exige que elle empre-
gue n'isto a maior prudência , e proceda gradualmente : este he
hum. dos problemas mais difficeis da arte social. Cada passo
nesta estrada modifica o principio da constituição do estado.
—v. ^-&^s^)WB^^$-
CAPITULO io
Divizaõ DOS GOVERNOS.

Os governos teem sido geralmente divididos era quatro gran-


des cathegorias :
^ 2 9 ^
Os governos republicanos, ou as republicas ;
Os governos raenarchicos, ou as monarchias ;
Os governos mistos ;
E os governos federativos.

Convém examinal-os separadamente.

Dos GOVERNOS REPUBLICANOS.

Chamaõ-se republicas , ou governos republicanos , aquel-


3es em que o poder soberano he exercido pelo povo.
Ora a mesma republica (r) toma diversos nomes segundo
a maior ou menor porçaõ do povo que participa do governo.
'D'aqui provem a divizaõ das republicas em democráticas ,
e aristocráticas.

§. i ° DA DEMOCRACIA.

O governo democrático he aquelle em que todo o povo ,


ou a mor parte do povo exerce a soberania, de sorte que ha mais
eidadios magistrados, do que cidadãos simplices particulares.
Também se chama governo ãopôvo, ou popular : aqui pois o
soberano he o povo.
A tomar-se o termo no rigor d'accepçao, nem nunca hou-
ve e nem jamais haverá verdadeira democracia.
He contra a ordem natural que o grande numero gover-
ne, e o pequeno seja governado. Também he inconcebivei
que o povo esteja incessantemente reunido para tractar dos ne-
gócios públicos , os quaes se forem confiados ao cuidado de com-
raissoens, estas ou mais cedo, on mais tarde adquirirão a au-
toridade suprema, e neste caso está mudada a forma do go-
verno, que passará a ser aristrocratica.
Para que possa haver hum governo verdadeiramente de-
mocrático he necessário hum estado raui pequeno , onde o povo

(x) Em sentido próprio , republica quer dizer cousa publica e entaõ ton<
Tem à todos os estados , qual quer que seja a forma do seu governo.
se possa reunir com facilidade , e onde cada cidadão possa co-
nhecer facilmenta todos os mais.
He de mister grandíssima simplicidade de costumes que
previna a muítidco dos negócios, e a:> discussões espinhosas.
Alem disto , he necessária muita igualdade nas classes , e
nos haveres; sem o que a igualdade nosdireiíos, e na autori-
dade não poderia subsistir por muito tempo.
Emfim he mister que nao haja luxo , ou que este seja mui
diminuto ; por que o luso ou he o effeito das riquezas , ou as
torna necessárias : o luxo corrompe ao mesmo tempo o rico , e o
pobre , a hum pela posse , a oulro pelo desejo : o luxo vende a
pátria àmolleza , e á vaidade ; tira do estado todos os seus cida-
dãos , e os sugeita huns aos outros-
Devo acrescentar que não ha governo que esteja tam su-
jeito à guerras civis , e a commoçoens intestinas : que não ha
nenhum outro que tenda tanto , e tam conlinuadamente a mu-
dar de forma , e nem que requeira mais vigilância , e coragem
para manter-se.
Emfim esta forma de governo suppoem nos homens tanta
virtude, tanta força, e tanta constância, que com toda a ra-
são se duvida si pode convir-lhes.
O abuso deste governo chama-se ochlocracia, ou dema-
gogia , a qut>V apprrrece tjuanrio todo o mundo quer governar , e
ninguém obedecer.
§ 2Ô DA ARISTOCRACIA.

O governo aristocrático heaquelle em que o poder se acha


circunscripto nas màos de pequeno numero de indivíduos de sor-
te que ha maior quantidade de simplices cidadãos do que de ma-
gistrados.
Também se chama governo dos notáveis , ou nobres ,
os quaes as mais das vezes se denominaõ senadores ( sêniores ).
Aqui pois o soberano s^o os grandes, ou os nobres.
He prtfvavel que fosse este o governo das primeiras so-
ciedades. Os chefes das familias deliberavão entre si sobre os
negócios públicos : os moços cedi Io sem difficuldade a autori-
dade à experiência.
A idade suppoem geralmente mais sabedorh.
Mas à medida , que a des'guald'de da instituição predo»
<^>3i#>
miaou sobre a desigualdade natural , a riqueza , ou o poder
foi preferido a idade , e a aristrocacia tornou-se electwa. Em
fim o pod. r transiniuido junctamente com os bens aos filhos,
tornou as famílias patrícias , e o governo hereditário , e entaõ
viraõ-se senadores com vinte annos de idade.
Por tanto lia trez espécies de aristrocacias a natural, a
elecüva } e a hereditaria.
A primeira só convém à povos simpliees ; a terceira he o
;r de todos os governos, porque desde logo saõ tanto
tyranos , quantos os magistrados.
A segunda , a electiva , parece ser a melhor ; e he a aris-
trocacia propriamente dicta. N'esta os magistrados saõ tirados
por elleiçaõ de hum numero diminuto de pessoas , meio pelo
qual a probidade, as luzes , a experiência , e todas as outras ra-
zões de preferencia e d'estima saõ outros tantos penhores de que
ser-se-ha sabiamente governado.
De mais as assembleas se formao mais coramodamente , os
negócios se discutem melhor, e expedem-se com mais ordem , e
diligencia : o credito do estado he nuis bem sustentado contra
os estrangeiros por veneraveis senadores do que por huma
multidão desconhecida , e desprezada.
Em huma palavra , o melhor e o mais natural, he que os
mais sábios governem a multidão , quando ha certeza de que
elles a governarão uaõ para o seu , sinaÕ so para o bemd'ella.
O principio d'aristocracia porem tem quatro fontes de
corrupção.
i ° O poder dos nobres pode tornar-se arbitrário: apenas deixa-
rem de observar as leis , seraõ outros tantos déspotas ; entaõ a
republica existe entre elles , e o estado despotico está no go-
verno.
i ° Os nobres podem-se tornar hereditários : entaõ o poder
communicando*se à maior numero de homens , introduz-se
hum estado de preguiça , e de deleixo , que tira ao governo toda
a energia.
3 o As leis podem dar à conhecer aos nobres as delicias do go-
verno mais do que os seus perigos, e as suas fadigas: e este na ver-
dade he o effeito d'elias quando só impõem deveres ao povo : os
nobres em breve se esquecem de que os seus títulos ssõ hum en-
eargo , à custa i o qual somente goveruaõ.
4 ° Em fim o governo aristiocatico corrompe se, logo que o
estado está exteriormente seguro.
He de mister que nunca deixe de haver hum certo temor
exterior, por que do contrario o estado se entorpecerá. De mais
este temor obriga os nobres a manterem as leis por amor da sua
propria segurança , e d'esta arte o seu interesse redunda era pro~
veito do estado.
O abuso d'esté governo chama-se oligarchia , a qual existe
quando o poder está monopolisado por mui diminuto numero
de pessoas , d'entre as quaes ou mais cedo , ou mais tarde hade
surgir infalível mente hum usurpador.

3â@§&©9 33»
Dos GOVERNOS MONARCHICOS,

Chamaõ-se monarchias , ou governos monarchicos, a quel-


les em que os poderes soeiaes estão reconcentrados nas mãos de
hum só magistrado , do uual todos os outros recebem o seu
poder.
Até aqui tenho considerado o soberano como huma pes
soa moral e colleetwa , unida pela força das leis , e depozitaria
do poder legislativo , e do executivo.
Agora porem vou considerar estes poderes reunidos nas
maos de huma pessoa natural, de ham homem real, á quem
compete exclusivamente o direito de dispor délies.
Esta pessoa chama-se monarcha , ou rei.
As monarchias se dividem em simphces, temperadas , des-
potieas , electivas , e hereditárias. Examinarei o que he que os
publicistas tem entendido por estas denominaçoens.*

§ 1 ° DA MONARCHIA SIMPLES.

A monarchia simples he aquella em que hum só homem


governa , mas com leis fixas , e estabellecidas.
Ora poÍ9 aqui hum sò indivíduo reprezenta hum ente col-
lectivo , isto he , a sociedade inteira. Todas as faculdades tan-
<®>33<§>
to fisicas , como moraes , no tocante ao bem do estado , estão
reunidas em hum centro commum.
Assim a vontade do corpo politico, a do chefe, a força
publica ão estado , e a particular dos magistrados , tudo corres*,
ponde ao mesmo movei , todos as molas da maquina estaÕ na
mesma m£c , tudo se encaminha ao mesmo fim : naõ ha ahi mo-
vimentos encontrados , que se choquem , e mutuamente se des-
truaõ : e naõ se pode imaginar espécie alguma de constituição
em que hum esforço menor produza effeito mais considerável.
Mas si he certo que naõ ha ahi governo que tenha mais vigor,
também naõ ha nenhum em que a vontade particular de hum
só homem tenha mais império , e domine mais facilmente as dos
outros. Verdade he que tudo se dirige ao mesmo fim , mas es-
te fim naõ pode ser sinaÕ o da felicidade publica.
He difficil que hum rei tendo a faculdade de fazer quasi tu-
do o que quer, naõ se deixe atoar pelas cousas , que fundem em
prejuiso do estado.
NaÕ ha duvida que elle poderá conseguir que se lhe diga
que a força do povo he a sua força , que o seu maior interesse
consiste em que o povo seja florescente , nurnerozo, e formidá-
vel , mas também he mui possível , que infames cortezãos lhe
digaõ j e elle pense que tudo isto he falso, e que muito convém
aos seus interesses pessoaes , que o povo seja fraco , miserável,
a incapaz de rezistirlhe.
D'aqui os perigos reaes , que correm os povos , e a neces<
sidade que teem de algumas garantias ; e eis o que produz as mo-
narchias temperadas. •
§ a ° DA MONARCHIA TEMPERADA.

A monarchia temperada he aquella em que o poder do


monarcha está circrunscriplo dentro de limites determinados.
Estes limites consistem ordinariamente em algumas leis
anteriores, bazeadas nos costumes dos povos, em algumas an-
tigas liberdades que constituem , e dirigem o espirito politico da
nação , pairaõ sobre o throno , e soberanizüo ao soberano.
Estas liberdades consistem em corpos de magistrados ina*
moviveis , hereditários , e independentes , os quaes affanao por
oppôr baterias á todas as uzurpacoens , que lhes destroem
o poder.
6
<§>34<^
Em corpos de notáveis , ou nobres, cujas prerogatives se-
riaõ destruídas por huma autoridade illimit.ula.
No Clero, embora os principes as mais das vezes lancem
mão delle para ministros de suas damnadas tençôes , visto que o
clero tendo p.mca força phisica , e muita moral , pode ser fa-
cilmente reprimido. Mas quando o clero deffende , ou attacj
hum poder , ordinariamente he para fundar o seu poder sobre
a fraqueza d'aquelie que proteje, ou sobre as ruinas do que
foi por elle debellado.
Assim estes limites, que aveixiõ o poder , o conservaÕ
obstando-o de degenerar em poder absoluto. Servem ao rei
de antemural contra os seus povos, e á estes de valhacouto con-
tra os seus reis,
Quando porem estes limites naõ se achaõ firmemente esta-
belecidos, o poder , que sempre tende a ensanchar-se , emfim
desloca-os ou ultrapassa-o=>, e entaõ o povo cabe muitas vezes
nas garras do despotismo,

3
§. 3 Do DESPOTISMO.

U desp.QLisnw he o estudo de huai pau cm que aquelle que


governa sem lei , sem regra , e nem limites , arrasta tudo apoz
<ia SUT vontade , e dos seus caprichos.
He da primeira intuição que o despotismo não pode ser
hum governo regular. Todo o estado em que se professa esta
maxima —• o príncipe está acima das lew, e as pode mudara
seu bel-prazer— he hum estado vicioso , por que nelle naõ ha
verdadeiras leis , sinaõ a arbítrio de hum só homem.
Por tanto o despotismo naõ he nem mais nem menos do
que a corrupção da monarchic , ou como mui energicamente diz
hum publicista moderno ( M. Destutt de Tracy ) : « O despotis-
« mo naõ he mais do que a monarchia no estado de estupidez.»
Ou emfim como outro (Lmjuinais) « O despotismo he huma
* moléstia aguda e chronica das nações e dos governos. » ( En-
saio sobre a Carta ).
Seja como for, o despotismo possue ao mesmo tempo a
soberania , que faz as leis, o poder que as interpetra , e as ap-
plies , e a força publica que as faz executar, e respeitar.
O déspota possuindo exclusivamente a vontade, e a força :
«i>35<#>
pode tudo o que quer. A sua palavra he lei cjue ordena } e poder
que constranje a obedecer.
Mas si a vontade e ü tá sempre na cabeça do déspota , a for-
ça nem sempre está nas suas mãos s e toda a scienda do despo-
tismo consiste em organizar esta força de maneira que elle nada
tenha que temer , e o povo tudo : a arte ao depois consiste em
assenhorcar-se delia , eem icrnal-a respeilavel , e duradoura.
Só na força se bazea o despotismo ; só ella pode subjugar
huraa naçaõ inteira aos caprichos de hum homem. Mas esta for-
ça , COMI o dice , naÔ existe no déspota , mas forma no eslado hum
corpo separado , sugeito ao soberano , superior ao povo , por
cuja obediência responde : ella só lie quem o submette ao jugo.
Pur lanlo o primeiro cuidado do déspota he criar huma
força , que lhe ponha a vida em segurança.
Ora esta força naõ pode existir nem na jusliça das leis, cou-
za movediça , e muitas vezes odiosa à huma vontade arbitraria ,
e caprichoza ; nem no amor do povo , que arrasta com horror
encubado hum jugo oppressive , nem no exercito consagrado
á defeza do estado , o qual tirado do povo eomparte os seus sen*
timentos.
Esta força de ordinário rezide n'huni corpo militar espe-
cialmente dedicada à defeza do principe.
Taes éno antigamente na Russia , os Sterlitz } antes de
Pedro i ° , na Turquia os janizaros , antes de Mahmoudt.
Esta força também rezide no clero, que vem consagrar
em nome doCto hum poder , que a razão humana desapprova.
E finalmente no corpo dos magistrados, e dos funeciona-
rios públicos, gente à quem o despotismo paga liberalmente,
que naõ tem outra vontade que a dos déspotas e que he interes-
sada em embuçar com a capa da justiça legal , as injustiças do
arbítrio.
Uzualmente estes trez elementos do despotismo se reúnem
para lhe darem forças.
Mas por isso mesmo que a vontade do déspota he impoten-
te , quando naÕ lie sancionada por huma força estranha e de-
pendente dos sens caprichos , o despotismo se divide , e se en-
fraquece.
A vontade passa toda inteira do chefe para os seus agentes
mediatos , para os seus generaes , para os governadores das pro-
víncias , mas he limitada p-los temores do chefe da religião, pe-
ja raterpetraçao dos magistrados , e p.do interesse d.i guarda do
principe.
A contece ^ntaõ que estes corpos , em que verdadeiramen-
íe rezide a forca , as>euhoreaõ-se do pod::r soberano, desarapa-
rao inteiramente o senhor , e o despotismo existe em toda 2 par-
t e , except'j no déspota.
O déspota posto que nomea e depõem o chefe da religião,
todavia I13 seu escravo , e por i s o naõ ousaria prescindir das
preces publicas; prizioneiro dos seus próprios guardas, repar-
te o seu tempo entre as ceremonias religiosas , e os praseres : e
pouco se lhe da com o seu império.
No meio deste estado de couzas , e*te corpo especial, des-
tinado a proteger o despotismo, he com effeito o seu zeloso de-
fensor , por que so permanecendo esta forma de governo po-
derá gozar de tantos privilégios.
Assim que , quando o czar Pedro quiz suavizar o despo-
tismo russo , viu-se obrigado à piincipio a exterminar os Ster-
litz , que tinhaô todo o interesse em manter este despotismo.
Por tanto he evidente quo no despotismo o senhor he o
primeiro escravo de facto. Os corpos em q i e a forca rezide as-
segurão ao principe a obediência do povo : mas o déspota não
tem garantias contra este? corpos, que reciprocamente se achão
nos termos~Uo'esEado""natava\. Despot* com elles, e não os
podendo açairaar, necessita affagal-os incessantemente, e tolle-
rar-lhes a demazia e fartar-lhes a cúbica
Basta o grito de hum soldado , ou o anathema de hurn
padre , para concitar os povos á huma sedicaõ : a vida pois do
déspota está á cortezia de todos os instrumentos do seu des-
potismo.
Com tudo tal he a sê Je de dominar que os déspotas para
mandarem sem obstáculos, se poem sob a tutella e debaixo do
punhal dosdispensadoresdo seu poder , e para terem escravos ,
se sugeitaõ ao mais vil , e perigoso captiveiro.
Os principes, ainda da mais curta capacidade que se teem
achado n'estas conjuneturas , lêem reconhecido , que apenas
possuem as insígnias de hum poder , cujas honras , e lucros o»
seus satellites partilhaõ entre si, e o cuidado dos seus dias , e
da sua dignidade os tem forçado a mudar a forma do seu gover-
no , desembaraçando-se dos seus guardas.
Oxalá que se resolvessem à isso por amor dos povos !
Damais , as commoçoens , e a s revuluçoeas tant fréquen-
tes ^ob o despotismo , nunca fundem proveito á liberdade. A
existência do corpo, em que rezide a forca, demonstra a razão
por que tantos déspotas, são trucidados, sem que o despotismo
pereça. Os povos fulminaÕ ao déspota , por que padecem pela
sua avarez3 , ou pela seu orgulho: mas conservaõo despotis-
mo , por que lucraõ com os seus excessos.
Esta forma de governo naõ se pode estabíllecer sinaõ
quando hum estailo ainJa se acha na fraqueza , e impericia in-
fantil , ou quando ja eslá na corrupção da velhice. O despotis-
mo interdiz com cuidado o seu tenitorio aos estrangeiros , e os
terriíorios estrangeiros aos seus subditos. Por esta razaÕ he
que os povos escravos estão persuadidos que o despotismo he o
uniro typo de governo qus pode haver ; e naõ podem empregar
as suas revoliçoens em beneficio de huma liberdade que naõ
conhecem.
Neste pi se conservaõ, até que por fim avizados pelo pro-
gresso da civilísaçaõ dos povos que os circumdaÕ , coraecaõ a
instruir-se na sciencia do poder e a ensayar alguns melhoramen-
tos. Felizes esses taes povos , si em taõ arriscada crise alguns
legisladores igualmente firmes e moderados, gozaõ na sua naçaÕ do
huma autoridade moral suficiente para lançar de repente os
alicerces de huma organização social á longo tempo meditada ,
e adaptada com os costumes , com as relações , e com os diver-
sos interesses da sua naçaõ !
\ mais grata , e a mais solida de todas as glorias he a que
então cabe á esse sábio legislador : a sua memória he conserva-
da, e abençoada de secuio em secuio, até pela mais infima
plebe.
$. 4 ° DA TJZURPAÇAÕ , E DA TYRANIA.

A uzurpaçaô he o exercício de hum poder à que outros


teem direito.
A tyrania he o exercício de hum poder excessivo, ao qual
ninguém certamente tem direito, seja quem quer que for. Taõ
bem he o uzo de hum poder de que estamos investidos , mas que
exercemos naõ para o bem d'aquelles que à esse poder estaô
sugeitos : mas para o nosso próprio, e particular, e aquelle
(seja qual for o nome que lhe deem , ou seja qual for a ra-
<®>38#>
zaô que alleguem) que propõem naõ as leis, porem a sua vontade
como regra, e cujas ordens, e acçosns não se dirigem a conser-
var o que pertence de direito aos que estão debaixo do seu do-
mínio, mas a satisfazer a sua ambição particular, á sua vingan-
ç a , à sua avareza, ou á qualquer outra paixão desregrada, he
hum verdadeiro tyrano.
Por tanto a differença entre tyrano , e déspota consiste
cm que a uzurpaçaõ do déspota abrange todo o poder de que el-
le uza, sendo que a do tyrano naõ lem a mira siuaÕ em alargar as
raias do que jà possue.
Assim pois onde quer que as leis são suspensas , e viola-
das em prejuizo de outrem , a tyranid começa, e se realiza.
Todo aquelle que revestido de autoridade , excede o poder que
lhe foi conferido pelas leis, e emprega à força que está á sua
disposição para praúcar em detrimento de seus subditos , ae-
cões que as leis naõ permittem, he hum verdadeiro tyrano , e
como entaõ elle obra sem a menor sombra de autoridade razoá-
v e l , podem-se os povos oppôr , e rezislir-lhe coin o mesmo di-
reito com que se poderiaõ oppôr à qualquer hum particular
que á força invadisse o direito alheio,
Por quanto a tyrania demazia-se a ponto tal que os mem-
bros da sociedade estaõ n'hum verdadeiro esuido de guerra para
com o príncipe.
Eis aqui o retrato que de hum tyrano nos debuxou Cicero.
« A imaginação não pode conceber monstro mais teme-
M rozo, mais funesto , mais digno de ser detestado dos homens,
« e dos Deoses , do que o tyrano, que debaixo da humana fi-
« gura , sobreleva em crueldade as mais truculentas feras. E
« na verdade merecerá o nome de homem aquelle que naõ ad-
« milte entre si, e os seus concidadãos , entre s i e a h u m a n i -
« dade inteira, nem a menor coramunidade de dereito , e nem
« a menor partilha da sentimentos humanos ?
Attesta a historia de todos os povos que de tempos em
tempos surgem monstros que taes, cuja insaciável avidez, só se
julga feliz no meio de proscripçoens , mortes, e confis»
caçoens ! !
He o maior flagelo com qu£ a cólera de Deos pode casti-
gar os povos, e p.tra apagar os vestígios dj sua sanguinolenta
passagem saõ necessários muitos reinados suecessivos de bons reis.
Assim poií como se não empenharão as nações por lhe
bargarem a reapparisçfío ! Desgraçadamente( e he huma ver-
dade bera triste) todos os dique* por ellas construídos , tem si-
d o , e serão sempre derribados pe!a violência !

5 5 ° DA MONARCHIA ELECTIVA.

\ monarchia electwa he aquella em que o soberano depois


da morte do seu antecessor recebe por toda a vida a autorida-
de suprema , pela livre escolha da associação política.
Pelo que já se vê que neste cazo a realle/a he pessoal.
Logo que o principe he eleito segundo as leis , toma posse
de todos os direitos inhérentes á sua dignidade.
Tem vindo em duvida, diz Vattel, si os reis, e princi-
pes electivos saÕ verdadeiros soberanos. Restribar-se na circuns-
tancia da eleição he ter huma idéia por extremo confuza da so-
berania. A maneira por que hum principe alcança a sua digni-
dade naÕ tem influencia alguma sobre a classificação da natureza
delia. Deve-se attender. i ° Si a nacaõ forma huma sociedade
independente : e 2 ° qual he a extençao do poder que ella confia
ao seu principe. Todas as vezes que o chefe de hum estado re-
prezenta verdadeiramente a sua naçaõ, devemos consideral-o
como legitimo soberano , embora a sua autoridade se ache li-
nutada a certos respeitos.
Eis aqui finalmente os inconvenientes d'esta monarchia.
Morto o r e i , he necessário outro : as eleições occazionão peri-
gozos interregnos : as quaes podem ser , e quasi sempre s3o tera-
pestuozas ; e si os cidadãos não são de hum desinteresse, de
huma integridade , que não se compadece com este governo , a
caballa , e a corrupção hão de apparecer necessariamente.
Difficil, sinaõ impossível he que aquelle á quem foi
vendido o estado , naõ o venda também , e não se indemnise ,
extorquindo dos fracos o dinheiro que os poderosos lhe arran-
carão.
Ou mais cedo ou mais tarde tudo se torna venal em seme-
lhante administração , e a paz de que se goza nos reinados
de principes eleitos, he peior do que a desordem dos inter"
regnos.
No parágrafo seguinte veremos quaes as precauções que
t°em sido tomadas para prevenir estes males.
<#>4o<#
§ 6 ° DA MONARCHIA HEREDITARIA.

A monarchia hereditaria he aquella em que opoder sobera-


no hè delegado á huma familia , segundo a ordem de suecessaõ
determinada.
Esta ordem de suecessaõ , fixada de antemão lie o que
previne Iodas as disputas na morte dos reis.
« O direito de suecessaõ , observa Vatlel , nem sempre
« he primitivamente estabellecido pela nação : pode ter sido
« introduzido pela concessão de outro soberano , e ainda pela
« uzurpaçaõ. Mas quando este direito funda-se em huma longa
K posse prezumese que o povo consente nellèj e este consenti-
y> mento tácito o ligitima, posto que a sua fonte seja vicioza. »
« Entaõ assenta na mesma baze a única ligitima , e incon-
« cussa , e à qual sempre nôs devemos reportar. »
Eis pois as vantagens da monarchia liei editai ia ; e eis aqui
também alguns inconvenientes , que lhe saõ inhérentes pela
mesma natureza das couzas.
1 ° O acazo do nascimento assim como pode dar bons
reis , também os pode dar maus : a mais disvellada educação po-
de ser inelücaz ou para vencer huma indole vicioza , ou para
desenvolver huma inteligência curta.
2 o A hereditariedade das monarchias produz necessaria-
mente as regências : e as regências offerecem quasi tanto? pe-
rigos quantos a eleição de hum monarcha.
O regente possuindo a coroa , durando a minoridade âo
rei, que pode ser longa , raras vezes cuida em tornar o es-
tado mais prospero j e he para temer que o depozitario transi-
tório do poder, cure mais do seu interesse pessoal do que do bem
do p o v o , e que accéda mais ás roga ti vas dos seus cortezaõs do
que ás exigências do bem publico.
Todavia, e sem embargo destes inconvenientes, as van-
tagens da monarchia hereditaria teem prevalecido geralmente, e
as nações se teem unicamente esforçado por enfraquecer, sinaõ
destruir os perigos que acabo de assignalar.
Instituições meditadas com cuidado, e combinadas com
sabedoria , teem creado garantias contra os abuzos ; e d'estas
necessidades e abuzos nasceu o governo reprezeatativo de que
vou agora tractar.
<&íl<@>
Mas antes d'isto, convém examinar a ultima questão sobre
a monarchia.
§ 7 ° DOS REINOS PATRIM02ÏIAES.

Haverão reinos que se possão considerar como proprieda-


de dos principes que os governaõ ?
O estado não he , e nem pode ser hum patrimônio : pois
o patrimônio he feito para o bem do senhor , e o principe naÕ
lie estabellecido sinaõ para o bem do estado. Por tanto com
mais fundamento se poderá dizer que os reis saõ patrimônio dos
povos.
A' sociedade compete o cuidado da sua salvação , e o di-
reito de governar-se embora o tenha ella delegado , sem esta
salva expressa, á hum monarcha , eaos seus herdeiros.
A este respeito acontece o mesmo que nas monarchias
electivas.
Hum reino eleclivo naõ he hum reino patrimonial, visto
que a soberania naÕ he delegada sinão em quanto viver o prin-
cipe eleito. Ora no reino electivo , e no hereditário , ceteris pa-
ribus , a fonte do poder soberano he a mesma , o qual he con-
fiado à hum principe para o mesmo fim , e com as mesmas con-
dicções. Toda a ãifferença consiste em que no reino electivo ,
confere-se o poder soberano ao-principe, durante a sua vida
tâo'soraente , sendo que no reino hereditário para evitar os in-
convenientes inhérentes ás eleicoens, delega-se ao principe , e
à sua família.
A diversa duração de huma cousa não lhe muda a natureza.
Por tanto , dizer que hum reino , he a herança de hum
principe , como o seu campo , e os seus rebanhos , he estabei-
lecer huma maxima injurioza á humanidade, contraria a razão ,
e a justiça , e que só pode ter appoio na forç?, e na violência.
De balde recorrerão á conquista para sustentar tal preten-
ção ; por que já vimos que a conquista, ainda quando tivesse hu-
ma causa justa , jamais pode dar a soberania sem o consenti-
mento , pelo menos tácito, do pôvo: e este consentimento,
não tem outro effeito sinão delegar ao vencedor o direito que
a sociedade possuia.
Ora também já provei que delegação não he alienação.
Chegamos a terceira divizâo dos governos.
7-
si
Dos GOVERNOS MISTOS

Ciiama-se governo misto aquelle em que as trèz prihcipaes


formas de governo se achão reunidas , e combinadas, isto h e ,
aquelle que apprezenta huma mistura de democracia , d'aristo-
cracia , e de monarchia.
Este lie o governo hoje preferido por todos os povcs civi-
lizados. Mas desde os tempos mais remotos , que se lhe haviâo
sentido os úteis. Tenho por acertado referir o que á este res-
peito pensarão os publicistas antigos.
Eis aqui asrazoens, que dá Cicero para preferir este
governo.
« Na monarchia tudo o que não he o monarcha está pri-
u vado do direito , e do poder publico ; na aristocracia , a ple-
. be mal participa da liberdade , pois está privada de todo o po-
« der, e de toda a deliberação publica; e nos estados em que
u O povo rege t u d o , ainda suppondo-o justo, e moderado , a
« mesma igualdade se torna iniqua , por que ella não suppor-
« ta grau algum de honra , e de dignidade » ( Da Republ. liv.
i c cap. 27 )
A esta approvação Iam fundamentada , juntarei o jui^o
do pythagorico Flippodamo, expresso no seu livro da Repu-
blica (extracto conservado por Stobé, e incerto na Anthologia ,
p, 254- ) « As leis diz elle , produzirão a eslabellidade por to-
« da a parte , si o estado fôr de natureza mista , e cómposla de
« todas as outras constiluiçoens políticas , isto he de todas
« aquellas que forem conforme com a ordem natural das
couzas. »
« A tyrania por exemplo , assim como a oligarchia , nun-
<c ca he util aos estados. Por tanto o que releva estabelie-
« cter em primeiro lugar he a realeza, e em segundo a aris-
1 tocracia. ,>
a A realeza com effeito , he huma espécie de imitação da
Providencia Divina. »
« Mas he assaz difficil á natureza humana conservar-lhe
« este caracter, o qual o tempo, e as violências desnaturão lo-
go. Não se deve portanto uzar da realeza sem q u e seja
^>43<€>
iiitacta. Couvem recebel-a lam poderoza quanto for ne-
H cessaria , c na proporção mais util ao estado. De igual
« importância he admiltir a aristocracia , por que d'ahi rezulta
« hum combate de emulação entre muitos chefes, e huma fre-
« quente locomoção de poder. A prezença da democracia ta m
« bem he necessária : o cidadão que he huma porção de lodo o
« estado , tem o direito de receber o seu quinhão de honra :
H mas lie mister prestar-se áisto com moderação, porque o
« povo be emprehendedor , e precipitado. » ( Willemain, p. 38,
trad da Republ. de Cicero. )
Não ha duvida que estes trez modos de constituir hum es-
tado , a monarchia , a aristrocacia , e a democracia são igu
mente bons todas as vezes que convém á nação que os recebe ,
on que os adopta ; mas como ja observei, por huma fatali-
dade que he impossível desconhecer pois está comprova-
da pela experiência de todos os séculos , cada hum d'esté? go-
vernos contem em si hum germe u de dissolução que desenvo-
vendo-se com maior , ou menor lentidão , segundo as circuns-
tancias . corrompe-lhe a natureza , e os leva por hum pendor
irresistível á hum estado de couzas tam viciozo , que o governo
á que elle corresponde hc bom em si mesmo. Estes correiat;-
vos sào o despotismo para a monarchia limitada , huma oligar-
ch.! a tyranica para a aristocracia , e a anarchia , ou huma tur-
bulenta ochíocracia para os governos populares:
Para assegurar a estabellidade de cada hum d'estes go-
vernos primiltivos , convinha soffocar o germen da dissolução
inhérente á cada hum délies. Mas por que meio ? Este heo
problema que se tem de rezolver. Os legisladores , e os publicis-
tas de todos os séculos tem affanado esta solução , eos seus ex-
foreos tem sempre sido baldados. « Por que parece que não ha
') precaução alguma que possa atalhar que cada huma d estas
« trez espécies reputadas boas , não degenere na espécie que lhe
•i corresponde : tanta affinidade , e semelhança tem o bem com
« o mal ! » ( Machiavel, Discurso sobre Tito Livio cap. 2. c )
Percorrer este circulo dos governos bons , e maus : da
monarchia por exemplo , passar ou para huma forma de repu-
blica j ou para o despotismo real; d'aqui precipitar-se nas vo-
ragens d'anarchia , e ahi perecer , ou hir de novo esbarrar, ten-
do percorrido hum longo e doloroso estádio de desgraças e cri-
mes na monarchia , que se tinha deixado , e que sempre com-
7. »
<#>44<€>
batida pcîos mesmos princípios de dissolução , era força que
degenerasse algum dia em hum dos seus correllativos : tal era
o deplorável destino das nações , destino que ainda hoje suffre-
ri3.o , se engenhos trauscedentes arredando-se do sediço car-
r i l , não houvessem concebido a idéia dè reunir em huma mes-
ma constituição a monarchia , a aristocracia , e a democracia.
Esta idéia he na verdade luminozissuua por que ligando
a existência , e a conservação d'estes trez elementos á condiccão
deque nenhum délies ultrapassará os seus limites constitucio-
naes , estabelleceu entre elles huma reacção necessária , que
neutraliza quanto he possivel o principio da dissolução inhéren-
te á sua natureza.
Digo, que pela natureza das couzas estes elementos rea~
gem huns sobre os outros , se contem e se equilibrão mutuamen-
te • por que si a parte democrática predominar o governo de-
generava em huma espécie de republica turbulenta , e facciosa,
e em breve o principe, e as summidades sociaes serão victimas
da tirania popular , tyrania mil vezes mais insuportável do que
o despotismo de lium só.
Da mesma sorte a constituição seria destruída , e a liber-
dade perdida , si o ramo aristocrático si pozesse sobranceiro aos
cutros dous.
Em üra tudo que o principe acrescentasse á sua autorida-
de diminuirá a dos outros dous ramos da constituição-
Mas para que estes trez elementos se conservem reagindo
as^m hum sobre o outro , he de absoluta necessidade que os p o -
deres sociaes não estejão reunidos nas mesmas mãos. Por tanto
esta divizaõ he lambem buma das condicções do governo misto.
Em fim cumpre notar que este governo he susceptível de tantas
formas quantas sao as combinações que dos governos simpliccs
se podem fazer : assim que : he o principio democrático , ou o
principio aristocrático ou o principio monarchico , que domi-
na em cada hum governo misto : e he pelo elemento domina-
dor que deve ser determinado o valor nominal d'estas espécies
de governos, isto he, que devem ser chamados , republica ou
monarchia.
Os governos reprezentativos modernos naõ sao mais do
que governos mistos aperfeiçoados ; em França o principio
monarchico ainda hoje he o que domina ; na Inglaterra he o
arislocraiico , na Suécia e nos Estados Lnidos d'America Se-
ptentrional he o democrático.
Vejamos agora mais circunstanciadamente o que se en-
tende por governo representative

Do GOVERNO REPREZENTATIVO.

O governo reprezentativo he aquelle em que o pôvo , os


grandes , e o principe são chamados ao mesmo tempo , e neces-
sariamente para tomar parte na feitura das leis.
O pôvo aqui não ha duvida que he especialmente repre-
sentado pelos deputados , que livremente escolhe , que renova
periodicamente , e que são por elle encarregados de concorrer
para a factura das leis , e por conseqüência para manter o prin-
cipio democrático.
Os interesses das classes elevadas e das antigas superiori-
dades nacionaes também neste governo são representadas por
huma assemblea de patrícios hereditários , ou vitalicios , iguaes
entre si quanto aos direitos, e naturalmente dispostos a manter
o principio aristrocatico.
Em fim nas monarchias reprezentativas , o primeiro , e o
mais augusto dos reprezentantes he o monarcha , eleitor dos
ministros , e de todos os mais funccionarios responsáveis : dis-
pensador de graças , arbitro supremo dos negócios interiores , e
exteriores do estado, e em cujo nome as leis são muitas vezes
propostas , e sempre promulgadas, e executadas.
A reunião dos primeiros reprezentantes de ordinário se
chama câmara dos communs, ou dos deputados dos departa-
mentos , ou Províncias, divizões politicas do império.
A reunião dos segundos chama-se câmara dos pares , ou
dos lords , ou dos Senadores , ou dos nobres.
O terceiro rcprezentante he geralmente chamado rei, ou
monarcha ou imperador : também se poderá chamar Sultão , si
o governo representativo algum'dia houver de ser estabellecido
na Turquia.
<^>46<^
Estes trez poderes se vigião reciprocamente. Mas esta
vigilância seria occasião de debates intermináveis, si cada hum
dos poderes , que a exerce não estivesse investido de huma
autoridade capaz de conter no mesmo instante , e pelo só effeito
da sua ^vontade , os desvarios , e uzurpações que lhe parecem
dignas de reprimidas. Esta força existe no governo reprezenta-
tivo, e he o veto , ou em outros termos a faculdade de impedir ,
faculdade que dando á cada hum dos trez ramos da constituição ,
o direito e o poder de annullar tudo o que poderia arriscar não
somente a sua existência , mas as mais diminutas prerogativas ,
assegura á esta espécie de governo huma estabellidade, hum
assento que falta á todos os outros.
Porem com isto só , o equilíbrio não ficaria cabalmente
estabellecido.
A câmara dos deputados escolhidos pela nação , composta
de cidadãos de todas as classes , depozitaria das queixas do po-
vo , e guarda da sua liberdade , tem pela natureza das couzas ,
tamanha popularidade , que mal intencionada ou seduzida por
theorias falsas poderia corromper a opinião publica , a ponto de
pôr o tbrono em perigo, Esta ciàze foi prevista : e o seu reme*
dio he tam prompto , quanto effieaz : a constituição dà ao rno-
narcha a faouldade de prorogar esta assembíea , e até de a dis*
solver , faculdade esta de que elle uza com a mais perfeita ii
pendência , sem outro regulador, que a sua vontade , sem
outro juiz , que a sua consciência.
Nem se cifra só n'islo a sollicitude da lei constitucional :
ella declara a pessoa do rei inviolável, e sagrada : ella apregoa-o
chefe supremo do estado ; ella poem a sua disposição todas as
forcas de mar, e de terra: ella o faz arbitio da paz, e da guerra :
ella annexa á sua coroa o direito de nomear todos os juizes , de
despachar empregados para todos os lugares civis, e militares ,
de formar regulamentos relativos a boa execução das leis : em
sumnia confere-lhe todas as attribuições do poder executivo,
cuja influencia he incalculável. Tal he a phisionomia , taes são
as condicções do governo reprezentativo em geral, e da monai-
chia reprezentativa em particular.
Adiante desenvolverei as suas vantagens, pois agora vou
terminara exposição das différentes formas de governo. .


Dos GOVERXOS FEDERATIVO;.

Ate aqui tenho supposto o corpo social umco eindependi


te. Mas governos ha que regem muitos corpos sociaes unidos
em hum só, os quaes são mutuamente dependentes quanto a
união j sendo que á outros respeitos cada hum d'esses corpos
sociaes lie separado , e independente , e obedece à hum governo
particular.
Tal he o governo federativo.
Podem-se citar por exemplo , o governo actual da Suissa ,
o dos Estados-Unidos d'America do Norte , e anteriormente o
das Províncias unidas : e antigamente o governo da Grécia
até a Aüiança particular de Sparta , e Athenas na guerra do Pe-
íoponeso. Passarei a fazer algumas succinlas reflexões sobre as
vantagens , e desvantagens d'esta forma de governo.
No tocante aos seus inconvenientes , he de notar que com
quanto esta espécie de governo offereça sem contradicção algu*
ma mais força do que que poderia aprezentar cada hum estado
separado , he com tudo mais fraco do que o governo único.
Não padece duvida que hum estado medra em forças sempre que
se liga a outros , mas muito mais ganharia si se unisse de sorte
que formassem huma só nação. Subdividindo-se perde muitas
partes por mais estreitamente que estejão unidas.
Huma das vantagens da federação he que ella favorece a
igual destribuição das luzes , e a perfeição do systeroa adminis-
trativo ; por que dá nascimento a huma espécie de patriotismo
local, independente do patriotismo geral, visto que as legislatu-
ras particulares conhecem melhor os interesses particulares dos
seus pequenos estados. Isto he na verdade o que se observa
n'America do Norte, De mais Montesquieu , e Mably com razão
observão , que huma federação deve de ser composta de estados
que tenhão quazi a mesma força, e que sejão regidos pouco mais
ou menos pelos mesmos princípios. Este he o unieo meio que
teem para se conservarem em harmonia.
Montesquieu reflecte ainda com igual exactidão , que as
monarchîas pequenas não são tam azadas para formarem huma
federação como as pequenas republicas.
E a razão he obvia : por que sendo o effeito de huma fe-
deração exaltar huma autoridade commum acima das autorida-
des particulares , os reis que tentarem formar da monarchia
huma federação , ou deixarão de ser soberanos, ou não serão
verdadeiros federados.

S-r

C A P I T U L O 2°

DA BONDADE INTRINSICA DOS GOVERNOS»

Ja dice que SJ he bom aquelle governo em que os pode-


res sociaes são exercidos á bem do corpo politico , em que por
conseguinte o gozo dos direitos absolutos que o homem recebe
da natureza, são sufficientemente garantidos.
Examinemos por tanto quaes são as garantias necessárias
para assegurar a felicidade dos homens em sociedade.

DAS GARANTIAS SOCIAES.

#
Entende-se aqui por garantia a segurança estabellecida
para cumprimento do dever de fazer , ou de deixar gozara al-
guém de hum direito determinado.
Assim que este dever suppoem necessariemente hum di-
reito correspondente.
Vou por tanto indagar quaes são os direitos ou interesses
privados para os quaes os homens podem legitimamente pedii
«#>49^
garantia , á sociedade , e à aquelles que a regem , e indagarei
depois qual he a distribuição dos poderes sociaes mais azada
para dar-lhes estas garantias.
Ora como o poder publico impede que estejamos conti-
nuamente expostos ás aggressões, e ás violências de outrem ;
como elle tende a preservar de todo e qualquer attentado particu-
lar , as nossas pessoas, os nossos bens, a nossa industria, e o
exercício razoável das nossas faculdades , em summa, como o
poder publico he nosso protector , e sem que elle tãobeni esti-
vesse seguro , não poderia cumprir este dever , indagarei junta-
mente como se poderá assegurar esta peifeita obediência , e
este íespeito inviolável, que são os penhores da tranquiilidade ,
e da felicidade do estado social.
Fallarei por tanto das garantias individuaes , ou privadas,
e das garantias publicas : a reunião de humas ; e outras forma
as garantias sociaes,
§ i ° DAS GARANTIAS PRIVADAS.

Quando estrelamos o estudo d'esta sciencia , eu lembrei os


direitos absolutos, que o homem recebe da natureza , os quaes
se podem reduzir á estes :
1 ° Segurança de pessoas , e de propriedades ,•
2 ° Liberdade de industria, de opiniões, e de consciência.
Vejamos agora até onde o exercício de cada hum destes
direitos se extende na sociedade civil.

N° í ° DA SEGURANÇA PESSOAL.

A historia nôs dá a conhecer dous modos de existir em


hum estado ; pode-se ser possuído , ou governado : no primeiro
cazo o homem he escravo , ou servo , no segudo subdito, ou
cidadão.
Estas quatro palavras formaO huma espécie de progressão
desde a extinção absoluta de todo o direito individual, até ao
pleno exereicio dos direitos de cidade.
He ta m induhitavel que nenhum homem quer ser essravo ,
assim como he certo que si alguns que estão no captiveiro , de-
zejão permanecer n'este estado, he por que nunca Conhe-
cerão as dilicias da liberdade pessoal;
8
<^>5o<^
Ser subdiclo, he estar sugeíto ás leis do seu p a u . ma
he pôr a sua pessoa á iivre disposição dos que estão revestidos do
poder publico.
Ser governado, he ser protegido contra os atten
reprimido quando se commette algum crime , e obrigado a con-
tribuir ou por meio de serviços , ou por meio de trabalhos para a
protecção geral.
Ser cidadão, como 3a dice , he gozar dos direitos políticos,
ou em outros termos he tomar parte immediata , ou directa na
feitura das leis , na eleição dos homens públicos que admitustrão
? sociedade , ou que a reprezentão.
Não me occuparei aqui sinão do cidadão propriamente
dicto ; quanto ao governado , acabamos de ver pela sua difini-
cão , que o primeiro beneficio da sociedade he prover á nossa
segurança , reprimindo os insultos que lhe fizerem os nossos ini-
migos particulares.
Mas he evidente que este beneficio uão he possível sinão
poi que a pessoa de cada subdicto fica sugeita á acção da autori-
dade publica , no cazo de attentado contra a segurança alheia ,
e mais geralmente no cazo de hum crime, ou de hum delicto
previsto pelas leis.
Hum sugeito por tanto não tem o direito de queixar-se ,
si tendo sido prezo , foi logo processado : si se verificou com
exactidao imparcial o facto de que elle he aceuzado ; si huma lei
anterior â este faeto , e em vigor quando elle teve lugar , o clas-
sificou delicto ou crime, e lhe marcou pena. Estas medidas
longe de offenderem a segurança pessoal , bem se está vendo que
são de urgente necessidade para estabellecel-a.
Mas si a autoridade publica , prescindindo das formulas
judiciaes, de defeza livre , e de julgamentos regulares, prende,
encarcera a quem quer que lhe parece , prolonga indifinidamen-
te as detenções , arroga á sí o direito de degradar , e de banir á
todos aquelles que lhe dezagradão, emfim si dispõem das pessoas
â seu bel-prazer, obra como hum senhor para com escravos
que possue, e não como hum chefe para com subdictos que go-
verna : tal autoridade attenta contra a segurança que tinha
promettido manter, e commette em seu próprio nome os abuzos
que tinha tomado á seu cargo reprimir.
Pouco importa que estes actos rezultem de ordens particu-
lares , ou secretas , que se appellidem medidas geraes ou publi-
Cã*. , ou ainda ieis. He claro que o nome sagrado de lei, posto
em actos que laes, por forma alguma lhes muda a natureza ,
antes pelo contrario os torna ainda mais criminozos.
Puuco importa emfim , que estas violências sejão exercidas
por hum só homem , ou por hum conselho de ministros , ^u
por huma as.iemblea nacional, ou pelo concurso dos maiores
corpos do estado , nem por isso ficarão legitimados , e merece-»
rào ser chamados actos legislativos , parlamentares , soberanos ,
ou mesmo nacionaes. Ainda a sociedade em pezo não pode exer-
cer direitos que taes sobre cada hum dos seus membros. Ella
pode sugeitaí-os á pronuncia , á accuzação , mandal-os julgai ,
e condemnar conforme as leis geraes estabellecidas , e promul-
gadas d'antemao ; mas a pretendida vontade soberana que fere
immediatamente, sem ter ameaçado , e nem julgado, he huma
injustiça solemne queatropella a innoeencia, ou faz do mesmo
culpado huma victima.
Caprichos±áes, longe de promoverem a salvação
ca , a poem em risco , não só por que cada cidadão ou cada suo-
dicto fica exposto a estes tractamentos arbitrários, pois he ab-
surdo imaginar segurança commum , oirde não existe a indivi-
dual • mas também por que ella substitue a força ao direito ,
desorganiza a associação , e tende a dissolvel-a.
Não esqueçamos por tanto que todo o systema politico que
permitte prender , degradar , banir, e malar sem forma de pro-
cesso , contem em si o germen das revoluções, e ou mais tarde ,
ou mais cedo as produz.
Por taiito este syslema he ao mesmo tempo prejudicial aos
particulares, á sociedade , e á autoridade.
Assim que convém muito que hum subdieto não possa ser
prezo , e nem perturbado na propriedade de sua pessoa , salvo
si for afim de ser apprezentado á justiça; ou em execução de al-
guma sentença.
Kão somente he precizo que haja huma sentença mas tão-
bem que esta sentença não exprima sinão o grito da consciência, e
nunca a vontade dos ministros , ou de outros agentes da autori-
dade suprema.
Ora por mais independente que possa ser o poder judiciá-
rio , por ventura os seus membros não terão sempre que esperar
do governo algum favor , ou alguma graça > que de facto tornem
esta independência illuzoria ?

<#02#>
Mas ainda qusndo ella fosse real, ha outra precaução que
se deve tomar para que a segurança individual se conserve intacta
que he , nunca encarregar aos juizes de verificar , e declarar os
factos em materia de dehctos.
Certo que esta funcção não he nem huma funcção jurídica
nem huma magistratura permanente ; he hum serviço particu-
lar , eventual, passageiro , como o das testemunhas ; por tanto
he natural, que seja rezervaùo para pessoas particulares estra-
nhas á administração ordinária da justiça ; e não escolhidos pelos
agentes do governo, e nem pelos chefes dos tribunaes de
justiça.
Sgo denominados jurados os cidadãos accidentalmente en-
carregados d'esté serviço , os quaes sendo de algum modo os
pares, os iguaes do reo reprezentão a sociedade inteira , e são
empregados, afim de que este reo se não possa capacitar de que
cahe nas mãos de pessoas inclinadas a fazer-lhe violência.
A- sua decizão chama-se a sentença do paiz.
Depois de proferida , não compete aos juizes sinão appli<
car a lei ao facto verificado , e declarado constante pelos jurados.
Por isso 'direi em summa, que a segurança das pessoas
suppoem por huma parte que nunca ha prizÕes s e nem deten-
ções , sinão em razão de crimes , delictos, e contravençoens
que devem ser punidas, ou reprimidas : e por outro que as ac-
cuzações , e condemnações judiciarias se operão regularmente,
e pela intervenção de verdadeiros jurados , isto he pela inter-
venção de pessoas dezignadas pela sorte , d'entre os cidadãos
unicamente que a lei declarou dignos de preenxer esta funcção ,
ou antes de supportar este encargo publico.
Toda a accão exercida sobre as pessoas por meios contrá-
rios â estas duas máximas , he oppressão, violência , e attenta'
do. Nesta materia arbitrário, e injusto são inteiramente syno-
nimos.
Vejamos agora o que requer a equidade á respeito das
propriedades.
N ° 2 ° DA SEGURANÇA DAS PROPRIEDADES.

O ,homem civilizado, senhor da sua pessoa, taobern


o entende ser dos fructos do seu trabalho, isto he dos
productos que por suas forças, ou artificio, tem obtido


<#53<§>
da natureza. Elle os consome para manter ou melhorar a sua ex-
istência ; e si ha sido taõ hboriozo ou hábil, taõ feliz ou eco-
nômico , que ten In produzido alem do que pode ou deve con-
sumir , guarda o excedente.
Em huma sociedade que vai medrando , os producios
assim accumulados, tomão différentes formas : alguns ficão taes
quaes o trabalho os obteve ou modificou , e segundo os seus di-
versos U20S , elles sechamão, victualkas, combustíveis , vestuá-
rios , moveis, utencilios , machinas. &
Por trocas destes productos, cada productor adquire os
que não erãoimmediatamente seus, e nem lhe pertencião. Bem
de pressa se estabellece huma espécie que serve de medida com-
muai a todas as mais , e cuja troca e accumulaçaõ são mais com-
modas. Alguns ate se dispensa de accumular , por que cedem
vantajozamente o seu uzo o aquelles que a empregão em repro-
duzir , e rezervaÕ partes periódicas nesses productos fu-
turos.
Em fira, tractos de terra , ja productivas , ou susceptíveis
de cultura, cobertas ou por cubrir de habitaçoens , entrão n'es-
te systema geral de permutas.
Fundos territoriaes , rendas, e lucros pecuniários, som-
mas de dinheiro, productos manufacturados , ou naturaes , taes
são as principaes formas debaixo das quaes hum homem possue
aquelies dos fructos do seo trabalho , que não consome, e
accumula.
Todos estes productos seja qual fôr a forma que haja o to»
rnado na accumulaçaõ, são riquezas, berus, capitães, pro-
priedades.
Rezervar este ultimo nome só aos domínios territoriaes
he empregar huma linguagem perigoza , e inexacta ; todos os
gêneros de propriedade tem a mesma origem : todos são igual-
mente invioláveis.
Para garantir , e dar a ultima de mão ao systema geral
das propriedades, as leis determinarão o modo , e as condiçoens
das permutas, das acquiziçoens, das transmissoens , e suc-
cessões ; de sorte que quazi que não existe couza alguma mo-
vei ou immovel, e d'algum valor, cujo proprietário se não pos-
sa assignar
Este systema pelo qual a ordem social se tem des-
envolvido , e apperfeiçoado he hoje o mais estreito dos laços que
unem ântro si os habita nées de hum mesmo paiz , e au-
de diversos.
A propriedade funda a independência , por que o medida
que oboinem accumula efecunda os fiuctos do seu trabalho ,
mais dispõem das suas faculdades pessoaes, íizicas , e moraes ,
desprende-se do jugo das vontades particulares dos outros ho-
mens , e si poem em estado de obedecer somente a? leis geraes
da sociedade. Por instinctu, ou reflexão , todos aspiramos
chegar ã esta meta , e posto que seja impossível que o maior
numero a alcance , mais sabia , e mais prospera he aquella socie-
dade em que se daõ mais passos para isso.
Por tanto he natural que aquelles que se teem tornado pro-
prietários dezejem que os seus bens estejão seguros.
Naõ ha pessoa alguma â excepçaõ dos ladroens de profis-
são que não peça a repressão dos roubns particulares, e áisso
se inderessão innumeraveis leis.
Ora não he de crer que ao passo que se tomavão medidas
tam vigorozas , e justas contra estes attentados se tivesse queiido
conferir á autoridade publica o direito de coromettel-GS impu-
nemente.
As palavra propriedades particulares dizem assaz _me as
couzas por ellas indicadas nao estão á disposição dos poderes
públicos. •*►­
Por tanto á este respeito o princpio primordial he que a
propriedade he inviolável , e que si ella he util ao estado , o
estado não pode exigir o seu sacrifício sinão quando este interes­
se fôr ligitimamente provado , e o proprietário plenamente in­
demnizado.
O moíivo que reprova esta espécie de espoliação se appl*­
ca a todas as mais que igualmente respeitão a propriedade , por
exemplo . as banca­rotas publicas, as alteraçoens de moeda ,
os impostos excessivos . ou mal repartidos , e os empréstimos
públicos.
I o Quanto as banca­rotas , si o poder supremo centrahe
dividas para com os particulares, como se julgará dispensado
de as pagar , elle , á quem corre obrigação de empenhar todos
os seus esforces em fazer cumprir todas as mais obrigaçoens ?
Esta necessidade rezulta não só das maissimplices nocoens da
equidade natural , sinão lambem dos perigos inhérentes á todí>
a deslealdade.
#>55#>
Oatfá fraude não menos perigoza fora alterar o valor da
moeda , ou o que vem a ser o mesmo , dar curso forcado a hum
■■signal, que não tenha vaiar intrínseco. O papel seja qual fôr
o seu abonador, nunca será huma moeda, e no monento em
que por qual quer que seja a razão elle se não pode trocar á
vontade, e sem prejuízo pela moeda } cuja he reprezentante, a
força empregada para obrigar o povo a acceital­a em troca de
valores reaes , he hum roubo de mio armada , tanto mais odio­
so , quanto a arma, que o protege , he huma lei.
3 c Toda a associação suppoem despezas communs , para as
quaes devem de contribuir todos os associados­ Por tanto a ne­
cessidade dos impostos he incontestável. Mas he assaz diffioil
assign ir os limites alem dos quaes não devem passar. Todavia
a razão publica condemna naÕ só as despezas super/luas, que
não correspondem á serviços públicos , rigorozamente indispen­
sáveis j ou pelo menos de summa utilidade , mas também as re­
ceitas pre/udiciaes , que produzem hum d'estes dous effeitos ,
ou não deixarem á huma parte dos contribuintes os meios de fa­
zerem as despezas strictamente requeridas pelas suas necessida­
des fizicas ou diminuírem progressivamente o excedente das pro­
duecoens sobre o consumo , impedindo por conseguinte toda a
accumulação.
O único meio de garantir que o imposto não ultrapasse os
seus verdadeiros limites he estabellecer que seja votado annual­
mentepor huma assemblea de reprezentantes dos contribuintes ,
cujas necessidades, e faculdades pecuniárias lhe são conhecidas.
Alem disto convém acrescentar que quaes quer que sejão os tribu­
tos, devem ^ser sempre proporcionaes ás propriedades e aos go­
zos , e exemptar d'elles em todo ou em parte certos proprie­
tários ou certos consumidores, he fazer com que huns paguem
as dividas dos outros : verdadeiro roubo , que assim como qual
quer outra injustiça tende a dissolução das sociedades.
4 ° Em fim he obvio , que nem os credores do estado ,
e nem os contribuintes lerião garantias , si os empréstimos , que
augmentão a divida publica , e que ou mais cedo ou mais tarde
augmentarão os impostos, se podessem contrahir sem o consenti­
mento de huma assomhSea de reprezentantes tão interessados na
boa ordem da receita , como da despeza.
Os embaraços financeiros soem disparar nos mais calami­
tozos multados.
<|>56€>
Ora estes embaraces nascem ou do augmento progressivo
da divida publica , ou das banca-rotas feitas pelo estado , ou da
alteração das moedas metálicas, ou das lezoens eauzadas á pro-
priedade , sem justa indemnização , ou em fim das despezas des-
arrazoadas , edos impostos excessivos, ou mal repartidos , que
ellas oceazionão.
A propriedade nunca lie plenamente garantida sinão pela
auzencia ou pela repressão effieaz de todas estas desordens.
C
N ° 3 D A LIBERDADE DA INDUSTRIA.

Entende-se por industria a faculdade d'aîma pela qual damos


valor, ou maior valor as couzas que possuímos. Chamâo-se in~
duslriozos os que se dedicão á applicação d'esta faculdade.
Eu poderá ter falia d o da industria antes de tractai*'da pro-
priedade pois a propriedade he frueto do trabalho , e filha da
industria. Mas quando encaramos a sociedade no estado actual,
a propriedade he a primeira couza que vemos logo [ao depois
das pessoas : ao primeiro volver d'olhos so vemos os homens , e
e as couzas, que elles possuem , e he para estas duas ordens de e-
lemenlos do corpo social, que se requerem as primeiras garantias.
A industria porem he necessária não so para que come-
cem a existir producios , mas para que as pessoas á quem elles
pertencem os gozem , e conservem. A industria fornece aos
proprietários os objectos do seu suecessivo consumo : e he so-
mente quem dá volòr aos seos capitães empregando-os para ob-
ter novos fruetos. As propriedades adquiridas > e os gozos dos
proprietários decrescem á medida que o trabalho diminue,
Destinguem-sG trez industrias, 1 M a industria agrícola,
ou extractiva : 2 M a manufacturera : 3 p a commercial.
Todas estas industrias para que prosperem necessitão de li-
berdade , e segurança. Sobre estes objectos eisaqui as regras.
1 ° Não ha duvida , que algumas vezes se podem prohibit
como perniciozas , certas industrias mui pouco numerozas, cu-
jos processos acarrelarião imminentes perigos.
Cumpre porem, que estas prohibicões sejão rftuirestri-
ctas, por que sendo possível , como he , empregar abusivamente
os processos ou produetos de quazi todas as artes, rara seria a que
ficasse á abrigo dos caprichos de hum poder arbitrário , si para
proscreyel-as nada mais fosse prçcizo do que prever os maus cf-
<Í5>")T<§>
feitos , que as artes podem accidentalmente produzir.
2 ° Fora igualmente abuzar do poder, limitar o numero
das pessoas á que fosse perrnittida qual quer industria.
Não ha couza mais simples do que que a autoridade fixe o
o numero dos officiaes que instue ; mas por que direito lhe per-
tenceria a instituição dos manufaetureiros, dos carreiros , dos
obreiros, e artistas ?
O direito de abraçar estas profissuens com todos os seus
riscos , e perigos , he commuai à todos os homens. He da na-
tureza de qual quer industria particular, ser livre , e indepen-
dente , salva a repressão dos crimes, ou delictos commettidos
na sua practica.
3 = O poder supremo também excede o mandato de pro-
tecção, quando arroga a si o direito de monopolizar a industria.
Si rezerva para si excluzivamente certos gêneros de exploração ,
si he só quem manda vender tabaco, sal, salitre, ou qual quer
outro producto natural, ou manufacturado , commette huma
injustiça por que impede que os cidadãos facão legitimamente os
lucros , que elle houver de fazer.
4 ° Em fim cumpre ter muito cuidado em não empecer a
industria por meio de leis fiscaes, ou de impostos indirectos , o
que ainda quando â principio não offenda sinão aos consumido-
res, á final recahirá infallivelinente sobre a industria.
He incontestável que a autoridade publica tem que cum-
prir funcçÕes a fim de garantir a fidelidade das permutas.
Deve determinar os pezos, e medidas , declarar o valor
das moedas , contrastar os metaes preciozos, cujo conhecimen-
to fora impossível a mor p3rte dos compradores : em fim deve
manter os tribunaes encarregados de repararem as injustiças, e
de reprimirem as fraudes.
Mas hir alem, he despojar a industria da sua indepen-
dência , e das suas garantias , tolher-lhe os movimentos, coar-
ctar-lhe os progressos, e sustar o curso de actividade, e pros-
peridade universal.
Felizes dos povos cujos soberanos tiverem a linguagem
que teve o nosso rei Luiz lí° no preâmbulo dehuro Edicto
eml7-6! !
« Devemos garantir á todos os nossos subditos o ple-
« no e inteiro gozo de todos os seus direitos , e esta protecção
a he principalmente divida á essa classe de homens que não ten-
9"
^>58<^
« do outra propriedade si não o seu trabalho, e a su:.
« das tria, teem urgente necessidade , e pleno direito de em»
« pregar inteiramente o único recurso , que lhes resta para sub-
« sistirem. Deos dando ao homem necessidades, tornanüc-
« lhe aecessario o recurso do trabalho, fez do direito de traba-
« lhar propriedade de todo o homem, a qual he a primeira, a mais
« sagrada , e a mais imprescreptivel de todas. O temor de qae
« hum tropel de artistas uzem da liberdade concedida para ex-
<( ercerem officios queignorão , e que a sociedade seja innundada
« por obras mal feitas, não nos tolhera por certo de practicar
« este acto de justiça, A liberdade nào tem produzido estes ca~
« Iamitozos effeitos, onde quer , que á tempos imrneronaes se
« acha estabellecida. »
Eisaqui os verdadeiros princípios sobre a materia , e he
mui grato achal-os no pensamento .de hum rei verdadeiramente
amigo do seu povo ! !
Por tanto deve-se á industria plena , e inteira liberdade,

N° â° DA LIBERDADE DAS QPINIOENS.

Entende-se por opinião, o juízo que se profere com con-


vicção sobre huma couza , que â principio parecia duvidoza.
Considerado o pensamento em si mesmo , tal qual he em
nossa consciência, depois de huma serie de observaçoens } e re=
flcxoen» he falso dizer que o pensamento he livre„
INão depende de nós pensarmos , em hum estado determi-
nado do nosso espirito, por modo différente do que pensamos r.
á este respeito obedecemos sempre a huma conviccão intima } da
qual não somos senhores,
Esta verdade he averiguada , e corrente.
Ora he justamente por que não são livres as opinioeus^
no sentido methaphizíco, que acabo de explicar 9 que éllas o
devem ser no outro sentido , isto h e , não ter que temer cens-
trangirnento algum exterior. Obrigar nôs a professar opimoens
que não temos, ou a dissimular as que professamos fora da parte
de hum particular tam estranha aggressão , que apenas a teem
previsto as leis.
N'este ponto os governos não teem mais direito do que os
particulares.
N'huai paiz onde houvesse penetrado o mínimo resquício
i
<&0Q<&
âe luz , si a tyrauîa obrigasse os cidadãos a professarem opî-
nioeas que não tivessem, depravaria, quanto em si estava as
primeiras classes da sociedade para illudir, e ferropear as Ínfi-
mas ou inferiores. Ella fomentaria no mundo hum comraer-
cio forçado de mentiras. Onde se ordena á todos, que fiojão
crer o que muitos com effeito naõ podem crer, certo na5 se de-
ve esperar sinaô corrupção, ou cobardia era h uns , inércia ou
sandice em outros , e degradação da espécie humana era toda3 as
classes da sociedade.
A nobreza , e a energia dos caracteres depende , mais do
que se pensa , da fraqueza , e constância das opinioeus cujo des-
envolvimento o poder longe de aniquilar deve de favorecer ; de-
ver que ainda quando a equidade lhe não impozesse , o seu inte-
resse lh'o aconselha.
Todavia cumpre não confundir aqui duas couzas tam'dis-
iinctas. Não he de crer que nos forcem a dizer o que não pen-
samos : por tanto releva saber á que ponto a sociedade , ou
aquelles, que a regem nôs podem impedir que manifestemos os
nossos pensamentos;
Appressemo-nôs em reconhecer , que a linguagem toma
algumas vezes o caracter de huma acçaõ. Manifestar huma opi-
nião injuriozaá huma pessoa 3 he huma aggressão; e ooffendi-
do , quando se lhe oppoem, não faz mais do querepellir hum in-
sulto. Â calumnia, e ainda a simples injuria devem de ser severa-
mente punidas , por que são acções nocivas ao bem-estar , á segu-
rança dos indivíduos , e algumas vezes até átran^uillidade geral.
Tão bem he certo que coopera para o crime ou diiicto aquel-
le que o aconselha , ou o excita , ou indica os meios de o com-
metter ; e si discursos que jandos são actos de cumplicidade, sem-
pre puniveis quando se tracta de attentados contra os particula-
res , o que não será si a ameaça si dirigir á ordem publica ? Nes-
te ultimo cazo , o acto toma o nome de sedição , gênero em que
estãj comprehendidos , não as theorias, ou doctrinas políti-
cas de qual quer natureza q i e sejão , mas as provocaçoens ex-
pressas , e directas á desobediência ás leis , os insultos feitos pu-
blicamente aos depozitarios da autoridade , e as maquiuaçoens
tendentes a destruir iramediatamente o systema politico esta-
bellecido.
Eisaqui delictos ou crimes nunca excuzaveis , eisaqui
opmioens que nunca deve exprimir ainda aquelle mesmo que
9* °.
t
<S>6o<§>
realmente as concebeu , embora pela mais deplorável revolução»
houvessem sido julgadas verdadeiras, ou legitimas.
Estas porem são as únicas que he justo , e util prohibir :
devendo ficar intacta a liberdade de todas as mais, e á abrigo de
toda a espécie de embaraço, de impedimento prévio, de prohibi-
ção , e repressão.
Todos nós quem quer que sejamos , chamamos sans, as
doctrin-ís que professamos , e eivadas as que não são nossas : es-
tas expressões reduzidas ao seu justo valor, nunca sigaificaõ
outra couza. Não lie por que entre estas différentes crenças não ha-
JSo com efíeito algumas verdadeiras, outras falsas, humas sólidas y
e outras furteis, mas cada hum de nós as adoptamos como as en-
tendemos , pornossa conta e risco. Sustentar huma propozi-
ção , e jnlgal-a razoável he huma , e a mesma couza , regeital-a
he deelaral-a infundada.
Para estabellecer distincção constante entre as boas, e as
mas doe trio a3 , fora de mister , que houvesse no seio da socie-
dade hum symbolo politico histórico , e filozofico, ou então
huma autoridade encarregada de proclamar em cazo de neces-
sidade , a verdade, e a falsidade em todas as matérias ; e talvez
fossem precízas ambas as instituiçoens, as quaes serião igualmen-
te monstruozas;
Hum corpo de doctrina suppoem que o espirito humano
tem feito todos os possíveis progressos, atalha todos os
que lhe resta fazer , traça hum circulo em roda das noções ad-
quiridas j ou recebidas 3 encerra n'elle muitos erros inevitáveis ,
exclue muitas verdades , e se oppoem ao desenvolvimento das
sciencias, das artes , e de todas as industrias. Qaai quer que
fosse a epocha da historia em que se houvesse estabellecido tal
symbolo elle teria contido absurdos , e rechassado as luzes que
com o andar dos tempos começarão a allumiar o mando,
A. autoridade , que , ou interpetrando e^te symbolo , ou
per si mesma decidisse todas as questoens que se houvessem de
suscitar , seria hum flagello ainda mais funesto, por que ou el-
la seria distineta do poder civil, ou em breve o dominaria , ou
entaõ confundindo-se com elle, certo o transformaria em hum
despotismo absoluto , em cujas garras cahirião todas as pessoas s
e todas as couzas indistinetamente.
Não se tendo ainda publicado hum código geral, e con-
cizo : das doctrinas publicas ,y como he que havemos desabei
quaes as opinioens , que nos he vedado professar ? Onde hau-
rirá as suas opinioens o tribunal encarregado de nos condem -
nav 1 Ainda que sustentasse que tínhamos errado não faria
mais do que oppòr a sua opinião particular a nossa. E que jus-
tiça ou humana , ou divina lhe poderia dar o direito de qualifi-
car delicto ou crime hum facto que nao houvesse sido previsto
por lei alguma ?
Quando se rastreão as cauzas que mais teem propagado ,
e perpetuado o erro , e retardado a verdadeira instrucção dos
povos, reconhecemo«las era instituiçoens semelhantes ás de que
acabo de fallar.
O espirito humano pende per si mesmo pari a verdade , a
quai si algumas vezes não attinge, sinão depois de desvarios , e
illuzoenSj jamais deixa de entrar no verdadeiro caminho , saivo
si o governo se empenha ou consegue cortar-lhe os passos. A
mesma actividade que o fez desvairar he quem o torna a metter á
caminho : a sua marcha não he nem rápida, nem directa ; mas
com passos vacillantes , e incertos vai sempre avançando, e de-
corridos alguns séculos , maravilha ver o espaço que tem vinga-
do , huma vez que não tenha sido demorado ou repelhdo pela
violência. Esta actividade vai incessantemente aperfeiçoando á
sociedade , limando as cadeias dos povos , descenando os olhos
dos seus tyranos , e fazendo resaltar do seio das efêmeras con-
troversas em que a nação se tem cevado , eternos raios de luz.
Mas entre os erros não haverão por ventura alguns que
sejão pengozos ? Sem duvida, ha alguns ; e talvez todos.
Não ha erro algum por mais leve que seja , que não seja per«
niciozissimo : não ha nenhum, quer era fizica , quer em his-
toria , quer em filozofia , quer em política , ou era qualquer outra
materia , que não arraste a agricultura > a medecina , a todas
as mais artes, e ainda a mesma administração, á praticas per-
niciozas. Toda a illuzão do nosso espirito , todo o engano ,
todo o dezacerto, redunda em prejuízo da vida humana, seja
em que circunstancias íôr. O medico que se engana cercêa ou a>
tormenta os dias que pretendia prolongar. Os padres , que ainda
hoje desaconselhào a vaccina enganâo-se em detrimento de mi-
lhares de indivíduos , aos quaes conservão expostos á numerozis-
simas probabilidades de morrerem de bexiga. Bias em balde pro-
curarião as leis indigitar os erros perigozos : só o tempo , e
as luzes , que elle traz os podem destruir ; por que he impossível
L
ínapôr ao homem a condição de não dizer sinão o que íôr utii,
€ verdadeiro , pois só Deos he izento do erro.
Por tanto deve ser licito á cada hum manifestar as suas
opinioens.
Deve ser permittido fallar das leist Dotar-lhes os deffeitos ,
propor-ihes reformas , em summa examinar-lhes os motivos e
effeitos : este he o único meio de esclarecer a autoridade sobre
o bem publico , e de melhorar a legislação.
Com maior razão deve sei* permittido raeciocmar sobre o
estado social em geral , ainda quando estas reÜexoens abstractas
houvessem de disparar em applicações , e se assemelhassem á
censuras. Por este modo he que se aperfeiçoao os systemas po-
líticos , e se funda a felicidade dos povos.
A mesma liberdade deve de haver a cerca de certos dog-
mas políticos , e particularmente daquelles , que são concernen-
"es a origem, e fundamentos do poder supremo. Quaesquer que se-
jão á este respeito , as opiniões dos publicistas, não ha para
que os governos se arreceera. Não he impondo silencio sobre
estas matérias , que elles hão de augmentar o seu poder , cuja
verdadeira força consiste nos benefícios que faz , nos sentimen-
tos que inspira, na veneração , no reconhecimento , e no
amor á que nòs obrigão as suas luzes , a sua vigilância , e a sua
equidade , e nunca por certo em não sei que idéia vaga e secre-
;a , que pretendaõ dar da sua origem. Basta-lhes que sejão hum
poder tutelar e necessário.
Deve ser permittido censurar os julgamentos proferidos
pelos tribunaes. Certo he necessário que estas censuras sejão
comedidas, e que nunca se tolerem setas injuriozas disDaradas
contra as intenções , o caracter, e a pessoa dos magistrados,
Mas pensar que se elles illudirào , adverlil-os dos seus erros , he
o único meio de garantil-os dos mais graves perigos das suas ter-
inveis funcçoens.
Tentar obstar a execução de huma sentença, he acto se-
diciuzo, mas publicar que ella he justa ou injusta, não he sinâo o
o uzo legitimo de huma liberdade necessária , e sem a qual tanto
os direitos públicos como os individuaes ficarião privados de
.garantias.
Fora bem frustanea a segurança que o poder pretendesse
obter prohibindo todas estas faculdades I
No meio de huma nação que não he inculta o maior peri»
go que o governo corre , he ignorar o que pens3 o povo , he
separar-se d'elle por meio de hum cordão tenebrozo de cortezaõs,
he não consentir que se elle queixe de modo que lhe chegue aos
ouvidos , e indignar-se contra os progressos que não quer fazer.
So o governo he quem torna temerozos esses progressos, que
á seu pezar, e sem sciencia sua se fazem : sendo que pelo con-
trario si todas as opinioens particulares fossem examinadas e con-
trovertidas livremente , d'ellas surgiria a opinião publica qüe he
a mais tranquilla , ea melhor á todos os respeitos : por opinião
publica , está visto, que não se deve entender sinão a razão com-
mum dos homens instruídos , e a consciência commum dos ho-
mens de bem.
Digo : a razão commum dos homens instruídos , por que
a opinião á que pertence hum 'poder real e moral no estado,
he a que se funda somente em huma convicção reflectida.
Acrescento : a consciência commum dos homens de bem
não so por que nas couzas relativas aos interesses geraes da so--
ciedade , a verdade nunca se separa da justiça , sinão também
por que aqui não se tracta tão somente de propoziçoens abstrac-
tas, mas de regras applicaveis, as quaes na sua applicação de-
vem encontrar os direitos de todos, e de cada hum dos ci-
dadãos,
A opinião publica por tanto he aquella , que mais do que
as opinioens particulares , admittindo os rezultados de observa-
ções exactas , de experiência segura , e de raciocinios bem de-
duzidos , carecteriza as classes elevadas da soeiedade.
 primeira necessidade do governo , e o seu maior inte-
resse está em eonhecel-a bem, e por conseguinte em não pôr
obstáculo arbitrário á manifestação das opiniões individuaes de
que se eila compõem.
Ora os meios pelos quaes as opiniões individuaes se mani-
festão, e concorrem para que se forme a opinião publica , sãa /
as conversaçoens ; as correspondências epistolares, e as obras,
ou opusculos manuscriptos ; os livros escriptos , ou impressos ;
e eis publicações periódicas ou não periódicas :
Vejamos qual deve ser a liberdade dos cidadãos nestes
abi ectos.
s ° He pela linguagem que ordinariamente os homens cora-
munição os seus pensamentos. As conversações particulares são
hamas das mais poderozas molas da vida social, as quaes pela
I
;;;:, clandestinidade , mobilidade, e multiplicidade eseapâo quazi
sempre á vigilância , e coacção , salvo si huma tyrania descon-
fiada as cerca de mercenários espiões , e de delatores j symptoms
certo da mais profunda depravarão possível tanto dos governan-
tes, como dos governados.
2 o O homem porem descobriu a arte de fallar aos auzentes,
de encher as distancias, e de endereçar a todos os séculos , e
lugares, a fiel expressão dos seus pensamentos: emsummain-
ventou a escripta.
Cumpre que nos demoremos hum pouco no mais simples
uzo d'esta arte, isto he , nas cartas missivas.
Poderíamos entregal-asá qualquer messageiro , á qualquer
emprezario particular, que nòs merecesse confiança. Si o go.-
verno se encarrega de transportal-as , he por que tãobem con-
fiamos uos seus cuidados e prezumimos , que se elle não que-
rerá nivellar com os correios infiéis.
Assim pois si o governo abre as nossas correspondências, e
deste modo viola as communicações de que o fizemos depozita-
rio , commette a mais vergonhoza das iofidelidades. Tão atroz
attentado não pode entrar no numero das suas prerogativas ; elle
viola a liberdade dos nossos dezabafos e segredos.
Mas a arte de escrevei- estende-se muito alem dos interest
ses privados , e das correspondências particulares. Ella cria ,
ou dezenvolve as sciencias , illustra todas as artes , reforça o
tronco , e aperfeiçoa todos os ramos da sociedade : exerce co-
bre a opinião publica, ja precedendo-a, ja preparando-a, e ja pro-;
pa "ando-a , influencia sempre salutar, pois a opinião publica
nâò tem força per si mesma , sinão so pelas luzes que derrama.
Si se desvaira não embaie sinão a diminutissirao numero de ho-
mens, ou apena° inspira enthuziasmo efêmero. So em pró
da verdade pode cauzar impressões vivas e duráveis na parte
mais ülustrada de huma nação.
Por tanto o governo não tem interesse algum verdadeiro
em conservar-se em atitude hostil contra esta arte, e nem tem
pouco em ameaçal-a , em atormentada, em embaracal-a, ou em
affanar corromp°ei-a. Todos os esforços da autoridade ai não
surtiria o , sinão enfraquecer-se , e deprimir esta arte sublime.
3 ° Ha trezséculos e meio , que huma nova arte, a ipipren-
sa , se veio associar á esta , afim de que se dissiminassem infini*
tamente as produecoens j e?la innundou a Europa , e o mundo
<§>65<#>
de livros , e instilou a luz em todas as habitaçoens , alquando
nas mesmas cabanas, e até nos palácios.
Mas a imprensa não he sinão hum meio mais aperfeiçoado
de manifestarmos, e communicarmos as nossas idéias : por
tanto em thêze não ha para que se avexe a liberdade d'aquelles ,
que a empregão ; mas tão somente para que se reprimão , e
punâo os abuzos que d'ella fizerem. Ora isto se applica á todos
os gêneros de escriptos , quer tenhão o nome de livros , quer
se chamem gazetas , ou jornaes , por que a periodicidade não
he mais do que huma circunstancia commercial que não muda
nada a natureza da couza vendida ou comprada.
Verdade he que a circulação mais rápida d'estas folhas, e
a infinidade de exemplares , que se vendem , aggravão o mal ,
que ellas podem produzir, mas estas circunstancias somente
devem fazer aggravar as penas , e aconselhar que se tomem cer-
tas precauçoens afim de que os culpados não escapem á punição ,
por que as taes não são sinão escriptos privados , e compilações
de opiniões individuaes.
A' trezentos annos , que na Europa se empregão contra a
imprensa , muitos e diversos obstáculos, e que successo se tem
obtido ? Os impressores , e livreiros teem sido arruinados ;
os escriptores teem sido atormentados, proscriptos , e immola-
dos : os talentos , e os ingenhos tem sido obrigados a expiar
os benefícios, que se esforçavão por derramar sobre a es-
pécie humana : livros, autores , e leitores teem sido queimados :
e por ventura tem o publico enxergado menos ? Por ventura
tem-se triumfado dos progressos da razão ? Por ventura tem-se
coarctado os vôos do pensamento ? Por ventura tem-se dezarma-
do a verdade ? Nem por sombras, pois que ainda hoje se tra-
balha neste empenho.
Quem ha hi que não saiba , que no discurso destes três
séculos , e sobretudo do ultimo , os conhecimentos não teem
deixado de progredir , e de apurar-se, e que a opinião publica
tem continuado a esclarecer-se , e affoutar-se. Estigmati-
zando obras excellentes , e alguns livros maus , as censuras teem
recommendado tanto huns como outros , as quaes certo ficarião
esquecidas si o estigma não fosse titulo de celebridade litteraria.
Assim pois todas essas condemnaçoes , todas essas prohi-
biçôes , sendo como são impotentes contra a verdade , são inú-
teis ao poder que as decreta.
IO.
Por tanto a maior bemfeitora das artes, e a mais precioza
das industrias deve ser respeitada pelas leis pozitivas.
Todavia, repito, que estas leis nunca serão demaziado
severas no tocante as diffamaçoens.
Si fosse possivel que nera hum sò crime, ou delicto d'esta
espécie, ficasse impunido , era o maior serviço que se podia
fazer aos particulares, ao estado , e as letrtas : aos particulares
por que a honra, e o socego deixarião de estar expostos ás setas
dos deslinguados: ao estado, por que as satyras pessoaes ati-
çãò , ou ateão em seu seio as discórdias , fomentão as révolu»
çoens , e alimentas, ou revivem as perturbaçoens : as lettras
emfim não só por que a licença he o seu opprobrio, como por
que o melhor meio de acatal-as , he prezerval-as de tara funesto ,
e vergonhozo desvar io.
Não sei que motivo possa haver para que se uze de indul-
gência com. o autor de hum escripto calumniozo , ou in-
juriozo. Quem o obrigou a fdllar das pessoas ? Que direito tem
elle sobre a reputação moral de hum homem vivo ? E por que
razão ha-se-de permittir antes imprimir palavras injuriozas, do
que proferil-as de viva voz em hum lugar publico ?
Bem longe de cuidar , que se devera ter menores resguar-
dos para cora os magistrados, depozitarios , ou agentes do go-
verno-y ao aontraria pansn, cuia as injurias ou calumnias irro-
gadas aos homens públicos , teem tal ou qual caracter sediciozo,
o qual aggrava o crime ou delicto. ^ A sediçaõ he hum acto es«»
sencialmente attentatorio do império das leis, da manutenção do
governo , e do exercício dos poderes. Si o governo he uzurpa*
dor ou tyrano, a sediçaõ tenha o norae que tiver , he huma
guerra, e os que a emprehendem, he sem duvida que lhe cor-
rem o risco. Si o governo he legitimo , os que o guerreaõ com-
raettera o mais enorme attentado contra toda a sociedade. Seja
porem em que cazo for, a revolta , tramada , ou consumada , si
naõ triumfa , he classificada crime , e por conseqüência todos
os actos incluzive os-escriptos ou impressos, que para ella hou-
verem directamente concorrido , saõ dignos de punição.
Assim que toda a opinião comedida , reportada , e casta ,.
que naõ offender nem a moral , e nem aos magistrados, e as
suas intenções , e que só versar sobre princípios, deve ser pro-
ferida livremente , e sem perigo , por que alias haverá tyrania.
Era sumraa , aceuzaçaÕ , e julgamento aos escriptos pu-
blicados , si assim o merecem ; mas nenhum obstáculo aos que
ainda o naõ foraÕ : sejaõ reprimidas as acções criminozas, mas
haja plena liberdade de manifestar as opiniões de viva voz , por
escripto, e pela imprensa.

N ° 5 DA LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA.

Entende-se aqui por consciência, o sentimento , que se


tem da verdade, e bondade d'esta ou daquella religião.
O homem he naturalmente religiozo : a religião he para
elle huma necessidade. Na religião he que está a sua grande-
za , a sua felicidade , e indizivel consolação. Ella he o alicerce
da sociedade. Assim que a mór parte dos homens ainda exteri-
ormente professão huma religião commum.
Mas perante as leis , deve cada qual ser juiz supremo da
verdade da religião, que professa , e da falsidade relativa das
outras.
Burlamaqui, nos seus Elementos da Direito natural, cap.
i ° do liv. a ° estabellece mui bem, que cada homem tem direito
natural, e primitivo de escolher a religião que julgar ser a ver-
dadeira , direito que os outros teem rigoroza obrigação de
respeitar.
Pois que todo o homem he obrigado a ter huma religião
razoável, e digna de Deos , ninguém poderia sem commetter
hum crime, renunciar o direito natural de exame, e de liber-
dade de consciência , por que pÔr-se»hia na impossibilidade de
cumprir os seus deveres para com Deos.
Por tanto a sociedade não tem direito de ordenar a nin-
guém huma crença religioza. Pode somente obrigar os indiví-
duos a respeitarem os direitos dos cidadãos , e punir os de-
linqüentes.
Ora que mal faço eu aos meus concidadãos não crendo o
que elles crêem ? Si a principio professei os mesmos dogmas , e
a minha razão me obrigou a renegal-os , que culpa tenho eu ?
Isto não he mentir perante as leis, he render vassalagem á ver-
dade , que he anterior ás leis humanas ; he render homenagem
à Deos , por que he uzar da razão que nos elle deu para nos al-
lumiar.
Eis aqui o que respeita ao homem. Como legislador ? ou
magistrado , o homem , á fallar a verdade, não deve ser nem
IO »
loierante , e nem intolerante , nem sceptico, nem eclectíco , e
nem atheu , por que revestido de tal caracter não julga das re-
ligioens no tocante a verdade ou a falsidade d'ellas , mas declara
igualmente livres todos os cultos reconhecidos sociaes , e a t o -
dos protege igualmente. Gomo protector assalaria algumas
vezes os seus ministros, os quaes conserva sempre sugeitos s
policia exterior : permittindo-lhes somente a autoridade do en-
sino , e do serviço religiozo , recebidos no estado, afim de que
elles não venhão a servir de pretexto , e nem de meio de oppri-
mir , e de perseguir os particulares, ou de perturbar a decência
e a ordem publica.
Eis aqui os princípios : na practica as leis relativas aos
cultos religiozos podem-se dividir em trez systemas.
i ° Ligar huma religião ás instituições politicas de hum povo,
mandar a todos os habitantes que a professem , pohibindo -
lhes todas as mais , eis o primeiro regimem , e he o que tem
sido uzado por mais largos annos, e vai sendo restaurado em al-
guns paizes, que se pretendem emancipar.
2 ° O segundo consiste em dezignar a religião do esta-
do , e em mantel-a á custa do thezouro , ou do dominio publi-*
c o , permittindo-se o exercício dos outros cultos, ou o estado
se encarregue taõbera de assalariar-lhe os ministros , ou se dis-
pense—tttrstot -rniçii^. ^
3 ° Algumas vezes emfim , todas as religioens teem sido in-
distinetaraente adoptadas sem desfavor , nem privilegio , e sem
que o thezouro dispenda com nenhuma d'ellas.
Este ultimo systema estabellece immediata, e plenamente a
liberdade de consciência.
O primeiro a destroe radicalmente : para que o segundo a
mantenha , cabe que os privilégios , que elle concede á hum só
culto , não arrastem nenhuma conseqüência nem contra o livre
exercido dos outros , e nem contra a perfeita independência das
opinioens em materia religioza.
O ultimo systema pois offerece todas as garantias dezeja-
vejs. Vejamos como o primeiro, isto h e , o de huma religião
excluziva , he sempre funesto.
Conforme este systema , nos ensinio que todas as reli-
gioens , excepto huma , são falsas. Assim que entre as princi-
paes religioens ja numerozissimas, entre as diversas seitas, e
suas infinitas subdivizoens, só lia huma excepçlo : tudo o mais
he idolatria , impiedade , blasfêmia , ou pelo menos \ erro,
devaneio, e desordem. E esta linguagem a teem tanto para
com os christãos, como para com os musulmanos. Assegurao-nôs
que todos os povos antigos, salvo h u m , teem abraçado reli-
gioens mentirozas, ou defeituozas.
Por conseguinte quando se encara a sociedade sob o as-
pecto geral que apprezenla a historia de todos os tempos , e lu-
gares , he força confessar que o systems que prescreve hum so
culto j excluindo todos os outros , as mais das vezes, prohibe
o verdadeiro , desorienta a razão , e a fé, falsea as instituiçoens
politicas, subjuga e deprava 03 homens , sem que alias honre
a Divindade , pois antes, quanto pode, os obriga a desconhe
cel-a3 desfigural-a, e ultrajal-a.
Portanto este systemahe essencialmente irreligioso , Ím-
pio , sacrilego, ou ao menos tem cem probabilidades contra
huma para naõ ser, e applicado á religião, que hum governo
declara verdadeira , nem por isso virá a ser a melhor.
Em primeiro lugar , este systema induz a duvidar da r e -
ligião ordenada } pois suppoem que be necessário sejamos corpo-
ralmente obrigados para crermos que ella he verdadeira , e que
naõ brilhará assaz com o esplendor das suas provas, eda sua
doctrina.
Em segundo lugar a despoja quanto pode âos caracteres
da justiça e da mansidão, que deve ter para assemelhar-se a
Deos , a quem adora. Elle a reveste com as armas da tyrania ,
e a transfigura em poder exterminador.
Emfim poem-na em contradicçao com o surto das facul-
dades humanas , com a franqueza das relações sociaes , com os
interesses, e com as condicções pozitivas das associaçoens poli-
ticas , tolhendo os progressos que a sociedade poderia fazer.
A coacção de que necessitou este systema , quando o qui-
zerão estabellecer , requereu atrozes perseguiçoens sobre as
quaes não podemos lançar os olhos sem horror. De tara selva-
gem fanatismo estavão os crentes imbuidos, que parecia-lhes
correntissimo , que a herezia ou a incredulidade devião de ser
expiadas nas chamas : os proscriptos so inspiravão compaixão ,
quando havia duvida si com effeito tinhão professado opinioens
condemnadas : confessado porem este facto , ou mal parecia ve-
rificado , o ceo ( dizião esses energúmenos ) deve ser vingado
com supplicios ; e os povos, os reis , os padres se arrebanha-
vão ao redor das fogueiras afimde immoiarem , ou verem ex­
tirar victimas humanas , bem ou mal convencidas de hum erro.
Í sto he o que ainda hoje se practica nos lugares em que a inqui­
rição subsiste ; e por mais horrorozos, que sejão taes sacrifi­
cios , elles são necessários onde quer que huma só doctrinajtheo­
logica intenta prohibir todas as outras. Confesso que não ha
ahi barbaridade, que possa exceder a esta. Estes at tentados
commettidos em nome da Divindade são por certo os que mais
escandalosa , e horrorozamente a ultrajaõ : mas ás atenças délies
he , que o clero se conserva excluzivo , e que , embora não es­
tirpe as seitas, que teme, estende, e perpetua o seu domino.
A' vista do exposto , os mais ponderozos motivos urgem
para que se regeite este systema.
Os mesmos motivos também militão , e aconselhaõ aos
que estabellecem huma religião priviligiada , mas não excluzi­
▼a , para que circrunscrevâo o seu systema nos mais estreitos li­
mites , e não deixem nada por tentar afimde que elle não de­
genere em intolerância.
O principio fundamental n'esta materia deve ser —igual
protecçaÕ á todos os cultos—
O facto de huma religião priviligiada nunca deve deixar
de ser huma excepção particular. He o único meio de obstar
>%Í\IC esUi ímAo o«* eowfctU ­ata direito absoluto , isto he 9 que a
religião priviligiada degenere em dominação absoluta , e ex­
cluziva.
Para isto porem he de mister que a liberdade da impren­
sa, tal como acabamos de encarar á pouco , se estenda indis­
tmctamente e sem restricção á todas as opinioens religiozas.
Não he por que d'estas discussoens lheologicas se devaõ es­
perar grandes vantagens; mas também nac ha para que se
tema que ellas se prolongem em demazia sob hum sábio regi­
men. Certo quando as consciências são inteiramente livres, to­
dos os escriptos desta laia perdendo para logo o seu calor , e i n ­
teresse , o espirito humano se dedica á estudos mais pacíficos.
Os dogmas religiozosdeixão de ser contestados , e impugnados ,
logo que annunciados , e não ordenados, offerecidos, e naõ im­
postos , não ameação nem aos direitos individuaes , nem aos i n ­
teresses civis j e nem as reüaçoens politicas. A perseguição po­
rem força, e algumas vezes dá o talento de escrever, e nada se
tem ganho era proscrever.
<^>Jl<&
Havendo tolerância , todos os cultos contribuem para a
manutenção da ordem moral sobre a terra : a verdadeira religião
tem sobre as outras a vanlagem de ensinar melhor o caminho
do ceo , interesse sagrado, sem duvida , mas cujo cuidado de-
ve-se deixar correr por conta das nossas consciências, a fim de
que huma religião benéfica iiaõ se metamorfozeie em tyrania ex-
terminadora,
Pois que a fé he hum dom da bondade divina , he visto
que não pode ser huma lei imposta pelo poder humano.

REZUMO DO P À R A G J R Á P H O .

Em rezuino eis-aqui ao que se reduzem as garantias indi-


viduaes, das quaes não ha ninguém que não tenha precizão na
sociedade.
1 ° Que ninguém possa ser prezo 5 e nem detido sinão pa-
ra ser regularmente julgado , o mais breve que possa ser.
2 ° Que as propriedades consagradas pelas leis, estejâo
abrigadas de qualquer lezão , ou extorsão arbitraria.
3 ° Que a induslria seja livre de estorvos, ou pelo menos
que não tema os que forão abolidos.
4 o Que a calumnia , a injuria, e a sedição accazadas co-
mo delietos ou crimes, mas que qual quer outra opinião publi-
cada de viva voz, ou por escripto, ou pela imprensa, seja
izenta de censura previa , ou subsequente, assim como de qual
quer outra direcçao administractiva.
5 ° Que todos os cultos reconhecidos sociaes sejão íguak
mente livres, ou que á haver na sociedade hum culto privile-
giado , mantido á custa de todos os cidadãos , induzi ve os que
o não professão , esse culto não restrinja por forma alguma a li-
berdade das crenças religiosas, sejaõ ellas quaes forem, salvo si
tenderem a perturbar o estado.
Ora só por meio de boa9 inslituiçoens he que se podem
obter estas garantias.
Vejamos agora as que são necessárias para a manutenção
e exercício da autoridade , que prezide a sociedade.

§. 2 ° DAS GARANTIAS POUTICAS.

O podei' publico he instituído para proteger,- eaperfeí-


«#>r,2<#

coar a sociedade : e estes deveres sociaes deriváo necessariamen-


te dos direitos.
Os deveres do poder consistera i ° em conservar-se,
uzando para este fira de todos os meios que a sociedade lhe con-
fiou : 2 o era dar as direcçoens moraes proprias para formar
homens illustrados , e bons cidadãos.

NUMERO 1 ° D A CONSERVAÇÃO DA SOCIEDADE.

Pomos a segurança do estado na cabeça da lista dos di-


reitos do poder publico ; e n a verdade he obvio que si o pri-
meiro cuidado d'esté poder não fosse a sua propria conserva*
cão, elle não poderia cumprir o seu mandato para com os
membros ús sociedade : a proteccaô naõ he possível sinaõ aos
que saõ fortes.
Trez saõ os meios de conservação que em qual quer esta-
do se ccstumaõ pôr á dispoxiçaõ do governo.
1 ° A força publica.
2 ° A fazenda publica.
3 ° A policia.
Vejamos por tanto o emprego , que se pode fazer d'estes
teg^meios. _ _ * _
w
ARTIGO 1 £)A FORCA PCBWCA.
*
Á força publica he huma reunião de indivíduos armados
para garantir a tranqüilidade do estado tanto interna , como ex-
ternamente.
Costumaõ também chamal-a simplesmente, força armada.,
He obvio , que a creaçaÕ de huma força armada he a
primeira necessidade de huma naçaõ.
A sua organização deve ser tal que seja sufficiente para
proteger.
Mas não deve cauzar inquietação nem ao povo , e nem as
naçoens vizinhas , por que no primeiro cazo , assusta , e abate
os cidadãos , ameaça a liberdade publica , e pode facilmente in-
duzir a actos arbitrários. No segundo cazo excederia o princi-
pio da propria conservação, e até poderia lezal-o , provocando
desconfiança, e ainda actos hostis.
De mais não he boa política fomentar muito geral-
mente o espirito militar entre os cidadãos , e ensinar-lhes desde
<®j3&
o berço , a arte da guerra , por que isto pugna no mesmo gra\i
que favonear o estabelecimento de hum governo puramente mili-
tar j isto he j arbitrário ou anarchico.
Não ha meio termo ; por que si o cidadão obedece como
soldado, lie huiu instrumento cego nas mãos do chefe : si re-
conhece pelo contrario a sua utilidade , a sua importância, e a
sua força destroe o governo , ou dispõem d'elle á seu talante.
Foi o espirito militar , demaziadamente desenvolvido, que
innoculoa a funesta mania de exércitos numerozos : esta mania
cevou a ambição , a ambiçlo alimentou a guerra , e a guerra
despovoa, e arruina os estados.
O verdadeiro patriotismo deve diligenciar mais defenso-
res da pátria , do que exercicios militares.

ARTIGO 2 ° D A FAZENDA PUBLICA.

Toda a nação tem encargos , e não ha nenhuma que se


possa governar sem despezas , para as quaes deve contribuir to<
to o povo , pois he para o bem de todo o povo que se governa.
O povo contribue por meio da fazenda publica , a qual se
eompoem ordinariamente i ° Dos domínios territoriaes, que se
ehamão domínios do estado 2 ° Das contribuiçoens publicas.
Os primeiros são bens que toda a nação rezervou , e aos
quaes deu por este modo hum destino publico.
Os segundos são huma porção que cada cidadão dá dos seus
bens, para ter a outra porção segura , ou para dispor d'ella á
sua vontade.
As rendas dos bens do estado , e as contribuiçoens entrão
para o thezouro publico , cujo depozitario he o principe. O
ministro à quem o principe o confia he responsável por elle.
Eisaqui sobre este ponlo algumas regras geraes,
1 B Si huma nação tem bens , o seu producto deve ser a
primeira renda do estado e si esta he insufficiente , cumpre recor-
rer ás contribuiçoens , as quaes todos os membros da socieda-
de estão obrigados , como ja vimos.
2 B Eítcts contribuiçoens devem ser geraes isto he , deve ca-
da hum concorrer com o seu contingente em proporção das
suas faculdades , edas vantagens , que colhe da sociedade,
3 B As contribuiçoens devem ser exactamente calculadas
pelas despezas , assim como as despezas devem ser rigoroza-
ii.
mente calculadas pelas necessidades reaes do estado. Todo o
excedente exigido, ou desviado, lie huma depredação , e o
abuzo mais criminozo da confiança nacional.
4 o As contribuiçoens devem ser em exacta proporção com
as faculdades dos contribuintes por que alias prejudicaõ a agricul-
tura e a industria era geral ; excitaõ descontentamento , e niur-
rauração j tornão a administração , e o governo odiozos , e
correndo o tempo poem o estado na aresta do precipício ; neste
ponto he que está a difficuldade , cuja cauza principal lie ou a
ignorância dos estadistas , ou a sua negligencia, ou em fim as
delapidaçoens dos agentes do poder executivo.
5 o Tanta moderação, e economia he necessária na perce-
pção da receita como na fixação das despezas.
Huma administração dispendiosa he cauza de ruina tan-
to para as sociedades políticas , como para todas as outras : a
mais econômica he sempre a melhor.
Também he necessário evitar o rigor e as vexaçoes , as
quaes em geral são mais odiozas do que as mesmas contri-
buições.
Segundo estes princípios geraes he que a fazenda publica
deve ser formada , e administrada.
O direito de lançar tributos ordinariamente he regulado
pela constituição d o astado. t tudo o que se percebe directa , ou
indirectamente, não sendo pela forma prescripta , he hum abu-
zo de autoridade , e huma espoliação.
« Evidentissimo h e , diz Locke , que os governos não po-
tt derião subsistir sem grandes despezas , e sem impostos ; ou-
« tro sim he de razSo que aquelles que participão da protecção
« de hum governo , paguem alguma couza , e contribuão á
« proporção dos seus bens para a defeza , e conservação do es-
ic tado. Mas não se pode prescindir do consentimento do
u maior numero dos membros da sociedade , os quaes o dão ou
« per si mesmos immediatamente, ou por meio d'quelles
« que os reprezentão , e que forão escolhidos por elles ; por
« que si alguém arroga o poder de lançar , e de arrecadar tri-
« butos de sua propria autoridade, e sem o consentimento do
« povo esse tal violaria a lei fundamental da propriedade das
«e couzas , e destruiria o fim de todo o governo. »
Segundo a regra geral, o direito de fixar a quota dos im-
postos , pertence á autoridade legislativa que reprezenti a na-
eão em massa. Este he hum dos seus primeiros attributos , as-
sim como he o meio mais efficaz para obstar as uzurpaçoens do
poder executivo , que forem contrarias ás leis estabellecidas.
Conhecem-se principalmente duas espécies de impostos :
1 ° O directo que se divide em pessoal e real (ou territorial)»
2 ° O indirecte
Eisaqui as reflexoens geraes que á respeito délies se po-
dem fazer.
I o Os impostos pessoaes são os que se pagão ou pelos ser-
viços da pessoa , como antigamente a alcavala , ou por huma
somma de dinheiro imposto por cabeça de habitante , reprezen-
tando hum certo numero de dias de trabalho.
Estes impostos , maxime o primeiro , teem vizos de ser*
vidão , e são inadmissíveis nos estados , que gozão de constitui-
ções Jiberaes. He corrente que o arbitrio , e por conseqüência
as vexações , e as exacçoens são inseparáveis das contribuiçoens
pagas pelos serviços da pessoa. Por tanto estas contribuiçoens
são por sua natureza odiozas, e a experiência o comprova,—
- ° O imposto real ou territorial he a porção que se toma
dos fruetos da propriedade , ou da utilidade do gozo da herança ,
quer se tracte das propriedades ruraes , quer dos edifícios. Em
outros termos he hum avanço que o proprietário faz ao governo
por conta do consumidor.
Este imposto apprezentã huma baze determinada ; assim
de todos os tributos he o mais simples, o mais claro , o mais
fácil, e o menos dispendiozo de perceber ; cumpre porem que
haja circunspeção para que se nãe avexe n e m ao cultivador , e
nem ao consumidor : e nisto consiste a grande sciencia do im-
posto real, e he onde naufragão a mór parte dos financeiros.
A difficuldade está não só em conhecer bem as différentes
elasses de bens que servem de baze áesta irapoziçaõ, mas tam
bem em achar pessoas que naõ sejão interessadas em desconhe-
cer estas differenças.
Si o imposto he moderado, o inconveniente da dispro-
porção, rezulta da differenca das propriedades, naõ vai nada
por que o povo conservará o necessário. Si he excese
sivo, pelo contrario a menor disproporção será da maior
conseqüência , por que o povo não terá sinão o estricto ne-
cessário.
O estado deve proporcionar quanto mais poder, o seu
iv. »
#96+
cabedal ao dos particulares ; quanto mais se augmentai- a eoaf»
modidade d'e,teí , tinto mais avaliará o cabedal do estado.
Acertadissimi couza he limitar o imposto real, esup-
pril-o pelos impostos inclirectos.
3 ° O imposto indirecto lie aquelle qae se lança so'ne as
mercadorias, quer seji p^lo monopólio , e venda exclusiva , ou
ainda forçada , como outr'ora na França sobre o sai, e sobre o
tabaco , quer seji no momento da produção , como os direitos so-
bre as salinas , e minas, parte dos direitos sobre os vinhos em
F r a n ç a , e sobre as fabricas de cerveja na Inglaterra , quer seja
no momento do consumo , quer seja no transporte , desde o pro-
ductor até o consumidor , como as alfândegas, interiores e exte-
riores , como os tributos sobre as entradas , portos , canaes , e
portas das cidades , &c.
Os direitos sobre as mercadorias são os mais commodos,
e os que o povo sente menos. A, melhor maneira de tornal-os
inteiramente insensíveis he exigil-os directaraenle dos mercado-
res , por que então são confundidos com o preço pelo com-
prador. No cazo porem em que este imposto he pago directa-
mente pelos compradores , parece-lhes muito mais onerozo.
Demais para que o comprador os pague , são necessárias
continuas pesquizas em. sua caza , e uaô ha nada que seja mais
infeUSO" & WTn A n \ r , - «^ - r m d ^ M ^ ^ ^ ^ ^ ^ ,
Assim que, quando o imposto mdirecto he lançado, e ar-
recadado com moderação , he quazi imperceptível ao consumi-
dor por cauza da sua divizão : este imposto apprezenta menos
não-valores do que a contribuição territorial.
Si estes impostos empecem a industria , ou influem sobre
o valor das terras , he essencialmente mau , por que então vicia
todo o systema da economia política e do commercio.
A grande dificuldade do imposto indirecto consiste na per-
eepção , assim como a do imposto real, na justa distribuição.
O estado também pode prover ás suas necessidades por
meio de empréstimos ou de impostos extraordinários.
Mas todas sabem que elles devem ser mui raros.
Alem d'isto devem ser regulados pelos mesmos prin-
cípios , que os primeiros impostos. O estado da economia po-
litico he que nôs ensina si os empréstimos sã j úteis , ou perigo-
sos aos estados.
Finalmente ei->aqui as judiciozas reflexões que Montes-
rjuieu fex sobre os impostos em geral.
Nos estados despolicos, onde não ha proporção alguma
entre os sacrifícios dos subditos e a? vantagens, que colht-ráõ d'el-
les , os tributos devem de ser mui leves.
O excessivo poder do principe , e a nimia fraqueza do po-
vo exigem grande estabellidade nos impostos , a fim de preve-
nir todo o arbítrio da parte dos que os lanção.
Fm fim pede o interesse do commercio que se conceda
certa protecção aos negociantes , a fim de que não sejão de con-
tinuo esmagados em suas discuFSoens com os mandatários do
príncipe.
Quanto a natureza do imposto , Montesquieu observa
que o imposto por cabeça, ou pessoal, recahindo directamente
sobre a pessoa} he mais natural á servidão ; e pela razão con-
traria o imposto sobre as mercadorias he mais natural á li-
berdade. ( Livro i3. )
Em fim observa o mesmo escriptor que quanto mais li-
berdade ha em humpaiz, tanto^mais sobrecarregado de impostos
esse paiz pode ser, e tanto mais severas se podem tornar as
leis fiscaes 9 ou seja por que a liberdade deixando a actividade,
e a industria obrarem, augmenta os meios , ou seja por que
quanto mais amado he hum governo, tanto mais exigente po-
de ser sem que alias corra risco.
Resta-nos fallar do terceiro meio de conservação , que se
poem á dispoziçaõ do poder publico.

ARTIGO 3 ° DA POLICIA.

A palavra policia no sentido mais lato significa o regula-


mento da cidade , e sabido he , que a cidade he o estado.
h.policia encarada assim , pode difinir-se : a practíca de
todos, os meios de ordem , de segurança, e de tranquillidade
publica , e debaixo d'esté ponto de vista , ella se divide em po-
licia civil , e criminal, militar, religioza , e econômica.
A policia por conseguinte tem a vereação de tudo o que
diz respeito a segurança , a tranquillidade , a boa ordem , a a
coramodidade publica : compreende o culto , os costumes , a
salubridade, assubsistencias, as estradas, os servos , os obrei-
ros, os pobres, osespectaculos, os conderanados.

I
D'esta breve nomenclatura ja se vê que também a policia
lie hum meio de conservação para a sociedade.
A seiencia administrativa cabe mostrar-lhe as particu-
laridades.
A policia quando he feita com exaclidão tranquilliza não
só os bons cidadãos contra os roubos e assassinatos , mas tam-
bém ao estado á cerca das perturbaçoens e conspirações.
Quando he negligenciada não se vê sinão immundice ,
desordens , scandalos , embaraços, roubos , assasinalos , fo-
m e , e sediçoens.
Quando he inquieta , cavilloza , suspeitoza , arbitraria ,
e3€m escrúpulos, offende as leis., e a liberdade : á pretexto
da segurança publica , atormenta , e expulsa os cidadãos como
estrangeiros. Em summa nas mãos de hum governo tenebro-
zo he hum instrumento secreto, e pérfido de delaçoens, de
perseguiçoens , e de tyrania.
A policia porem sob hum governo sábio, moderado , ami-
go das leis , he huma mola profícua , e o melhor meio de pro-
tecção activa.
As regras que a policia prescreve nunca devem ser minu-
ciosas ; cumpre que nôs abstenhamos de assustar-nôs facilmen-
te da sua actividade, a qual quando he exercida contra os dis-
culos cot» tan.to qu« os pcezos sejão immedialamente remettidos
aos tribunaes, não pode ser perigoza , principalmente si as
autoridades supremas do estado saõ bem constituídas : com estes
prezervativos não ha inconveniente em deixar-lhe ampla liber-
dade de prender. Eu antes a quero incommoda , do que pa-
ralitica : por que mima das bazes da moral , certo he difficul-
tar quanto fôr possível, o bom successo da malvadeza e do crime.
O
NUMERO 2 DO APERFEIÇOAMENTO DA SOCIEDADE.

O poder publico não he instituído somente para proteger


o corpo politico era geral, e cada hum dos seus membros em
particulate : cumpre-lhe também trabalhar no seu aperfeiçoa-
mento. Por que ja vimos não só que a sociedade tem os mes-
mos deveres qne o homem individualmente , sinãc também que
o aperfeiçoamento de cada hum he huma das leis absolutas da
natureza.
Daqui lhe vem o direito de dar direccões moraes proprias


<^>79^
á formar homens iliustrados , e bons cidadãos.
De dous meios com effeito pode o governo dispor.
I o A Religião.
2 ° A educação publica.
Huma , e outra couza produzem o patriotismo.

ART. I ° DA RELIGIÃO.

À religião lie o meio mais poderozo para suavizar os eos«


lumes dos homens , e debaixo d'esté ponto de vista he eviden-
te , que as religioens estabellecidas pela persuazão tão somente,
são as que devem produzir os melhores rezultados, por que essai
são formadas para fallar ao coração , e não para esterrecer a
imaginação.
Quaes quer que sejão as religioens , o governo deve pôr
todo o empenho em fazel-as respeitar ; por que como se ellas
abraçao quazi sempre com a moral , são em toda a parte o me-
lhor garante que se pode ter da moralidade dos homens.
Attesta porem a historia que o espirito geral dos ministros
de todas as religioens tem sido sempre invadir o poder publico,
afim de o exercerem. O poder corre este perigo.
Assim que todas as nações illustradas teem adoptado como
principio fundamental, separara religião do governo, estabel-
iecendo assim a incomptabilidade do sacerdócio com os negócios
temporaes.
He sem duvida que os ministros da religião devem ser res-
peitados, condecorados, e honrados , mas as funcções tempos
raes lhes devem ser estranhas. O seu império sobre as consci-
ências não ha mister para manter-se, sinão das virtudes mo-
raes que o seu caracter lhes prescreve , e com ajuda d'estas vir-
tudes elles podem ser mais úteis aos governos, do que com a$
mais elevadas qualificações politicas.
Ora , que o governo seja distincto da religião he verdade
que se deriva da natureza das couzas , necessária á liberdade ,
e á segurança dos cidadãos do estado, á pureza da fé , da moral,
e da disciplina , por que como ja observei, si o legislador tives-
se domínio sobre a consciência relígioza dos cidadãos , haveria
tyrania sacerdotal , ou tyrania politica, e talvez huma e
outra.
Dice também que em materia de opiniões reügiozas ou an-

J
<^>8o<§>
tereiieiozas . 0 legislador , e o magistrado mio teem direito al-
e m p a r a punir a auzencia , ou manifestação d'ellas salvo s
P
Prova r qu'e esta manifestação foi feita com « g ~ « ^
constituem hum delicto , ou hum crime , isto h e , hum
deiro attentado contra a ordem e a paz da sociedade
Mas d'isto mesmo rezulta , que apenas a religião pracüca
qualquer huma accão , fica sugeita á autoridadeÎ publica.
9 4
E por esta razão he que todo o governo deve ter a inspec
cão dos hvros dogmáticos, e do culto exterior c I B . j m e n c » a
dos seus ministros: a historia das guerras provoeadas em nome
epor abuzo da religião , isto he pelo fanatismo , e pela hypo
crizia , demonstrai a necessidade , e importância d re igwo.
O culto consiste na homenagem exterior rendida a di
vindade.
O culto ou he publico , ou prwado.
O culto privado deve ser tão livre como a mesma crença ,
CUJa e S S
r t od0osheo's paizes , e em todos os tempos ta sempre
^ t ± f S S ; VüSSSí ^ ^ ( c o n i o
í^ri^xsLS
onde a tranquillidade publica corre perigo.
o^urLtrp^ro
_
O culto exige ministros : as suas funeçoens sao tanto mais
importantes, quanto o ensino tem sempre feito parte essencial
d'ellas.
o eilas. : . *-, i,«
No systema de plena liberdade de consciência , n.iolus
mister que os ministros aejão da escolha do poder publico, e s -
taque esteilo debaixo da sua inspecção. #
No systema porem de huma religião excluziva , e privai-
giada , he precizo de mais a mais , que os ministros sejao esco-
lhidos pela autoridade. . ,
A instituição dos ministros da regilião traz comsigo o de
hum salário , o qual lhes deve ser garantido. .
Onde quer que as religioens são admittidas indistintamen-
te , este salário naõ deve ser supprido sinaõ pela comunhão
que o ministro prezide. Entaõ ja naõ he hum encargo publico ,
e sim hum encargo commun. . „oran
Nos outros dous cazos, este salário nao poderia ser garan
üdo, sinaõ tanto quanto for considerado como hum encargo pu-
»
-#>8i<#
Mico : seria mui precário se dependesse de cada huma vontade
individual. Alli era de assencia huma despezi geral, como
todas as que exigem a manutenção da ordem social .• pelo que
deve ser supportada por todos os cidadãos, pertençaõ a que
seita pertencerem.
Mas em quazi todas as partes, os ministros da religião, e
os estabelecimentos , que elles formaõ , alem dos salários , e de
certos direitos cazuaes , taõ bem teem bens de raiz, doados
pela piedade dos fieis , ou pelos mesmos governos. Estas doa-
çaões de bens de raiz teem grandes inconvenientes; e sobre have-
rem occazionado numerozos abuzos, naõ apprezentaõ utilidade
alguma verdadeira para a sociedade.
Podemos ate consideral-as como nocivas, so por que ti-
rao do commercio as propriedades territoriaes, em que ellas
consistem , e que se denominão bens de mão morta. Ora he
evidente ao menos para os homens versados na economia politi-
co , que a circulação dos bens de raiz he de summa importância ,
tanto para o estado , como para os particulares.
Por tanto cumpre ao poder publico obstar a grande
accumulação destes bens, ou si necessário, for, inhibil-a intei-.
ra mente*
ART. 2 ° D A EDUCAÇÃO PUBLICA.

Nunca será sobeja a importância que as naçoens houverem


de dar a instrucção da mocidade. Assim que os pães se vêem
reproduzidos nos filhos, e os povos revivem pela educação.
" Este he o único , e o verdadeiro modo de se perpetuarem, * Os
povos, á fallar a verdade, não continuão, sinão por que os hábitos
dos lares domésticos, as artes, as sciencias, os interesses , as af-
feicões , e ate os ódios , tornando-se hereditários passão de ge-
ração em geração. Quebrai, si podeis , os elos d'esta cadeia d*
I transmissão , e no mesmo solo , em breve os homens tornan-
do-se différentes-, as nações dezappareceráõ com a mesma
presteza.
Por tanto he natural que o poder publico se occupe com
os meios de por este modo perpetuar, e ao mesmo tempo
melhorara nação : isto he o cumprimento de hum dever.
De mais sem educação , hum estado pode contar ha*
bitantes , mas não cidadãos. A educação he só o que ps affei-
çoa á sua patrta , e ao seu governo.
t\
<®>8Q.<&

Mas que meios se deverão empregar para a consecução


ã este fim ?
Em i ° lugar cumpre notar, que na educação se observão
duas couzas distinctas : a educação propriamente dicta , e a
instruecão.
Pertence â educação sobretudo formar o coração do
homem, e ageital-o para as virtudes publicas , e privadas. A
instruecão allumiando-lhe- o espirito , torna-se poderozo auxili-
ar da educação, e lhe pregara , e facilita a tarefa.
A melhor escola para a educação são os lares domésticos.
A autoridade do chefe da familia , a confiança que inspira a ter-
nura paternal, o exemplo das suas virtudes, predispõem mara-
vilhozamante o filho para receber e guardar as boas impres-
sões, que se lhe quizerem inculcar. Alem de que pode-se descan-%
sar no pae sobre o cuidado de lhe dezenvolver as boas inclina»,
ções, e de lhe combatter as más : o seu interesse, e o seu amor
abonão o seu zelo e intelligencia á este respeito.
A vista do exposto , ja se v ê , que os deveres do governo
era materia de educação, me parecera simplicissimos. Cuido
que se reduzem a não escrever nas leis , ou a não fazer na sua
execução couza que se encaminhe sinSo a dar o exemplo dos ha»
bitos que os moços devem contrahir na caza paterna.
ISo tocante a ÍTistrticção ainda he mais fácil a sua tarefa.
Os pães de familia confundindo-a com a educação, ou a daõ
aos seus filhos per si mesmos, ou por meio de mestres e á sua
vista. Isto naõ se pode exigir do governo , e nem mesmo se
lhe deve conceder nenhuma acçaò directa á este respeito. Os la-
res domésticos são hum azilo em que o poder publico naõ poderia
tocar , sera que perigassem os direitos mais sanetos.
Mas a instruecão privada não pode deixar de ser huma ex-
cepção rarissima. Os pães de familias por milhares de motivos
que se estão mettendo pelos olhos de todos , não podem conser-
var os seus filhos em caza, A instrução publica « eis a regra
geral,
Ora a instruecão publica impõem ao governo importantes
Jeveres j que se podem encerrar n'estas duas palavras ; impulso ,
e superintendência.
Em i ° lugar o governo deve curar que a instruecão seja
accomodada ás diversas idades da vida , e que esteja á la par
das.luzes da epocha, e das formas políticas do estaclo»

\
<$>83<%
Depois deve velar era que se não eüsme couza que seja
contraria á moral, ao pacto fundamental do estado , e ás leis
do paiz.
Para que o governo n'hura estado de civilização bem orde-
nada satisfaça o primeiro destes deveres basta que favoreça
a indagação e o emprego dos melhores methodos de ensino ,
a compozição , e a propagação de bons livros elementares para
as escolas de diversas ordens , installadas por associações parti-
culares , ou pelas câmaras municipaes. Depois d'isto deve
criar, e pôr á dispozição do publico esses estabelecimen-
tos , que posto não offereção como as escolas, hum ensi-
no propriamente dicto , todavia não contribuem menos eficaz-
mente para a instrucção do povo. Taes são as academias, e as
sociedades scientificas , as bibliotecas , os muzeos, os jardins
botânicos, e as colleccões scientificas.
Para satisfazer ao segundo dos seus deveres, o governo
deveria exigir dos professores garantias de moralidade e ca-
pacidade , alem de superintender o ensino das escolas.
Desgraçadamente, a civilização da mor parte dos povos
modernos ainda não chegou a hum ponto em que o governo se
possa limitar a reprezentar o papel de que acabamos de fallar.
O governo he por exemplo obrigado a criar, e a organizar
escolas para os différentes graus de instrucção , as quaes não se
supponha , que são alguns modelos de estabelleeimento que o
estado funda para dar allôV aos estabellecimentos privados: não ,
elle he obrigado a manter todo ou quazi todo o systema de ins-
trucção publica. Este estado de couzas argue a imperfeição da
civilização actual '. por que he próprio da verdadeira civilização,
simplificar a acção do governo. A sua perfeição fora mostrar
os cidadãos provendo ás diversas necessidades sociaes , debaixo
somente da protecção, e vigilância da autoridade publica. O
I- páe mal seu filho chega a virilidade não cessa de velar em sua
sorte, deix-ando-lhe com tudo plena liberdade para obrar.
Seja conio for, vejamos quaes são no estado da civilização
moderna , os deveres do governo quanto as escolas publicas.
Devem haver escolas para cada hum dos graus de instruc-
ção. Era geral ha trez :
O ensino elementar ou primário.
O ensino secundário,
£ o ensino superior.

V
V
Ǥ>84<i>
O ensino elementar deve abranger os conhecimentos que
são indispensáveis á todo o homem para o pôr em estado de de-
zenvoiver as faculdades , cujos germens n'elle plantou o Creadôr,
Nenhum membro da sociedade por conseqüência deve ser balde»
destes conhecimentos , ao menos por culpa da sociedade. He
por esta razão que os pobres teem ingresso gratuito nas
escolas. O estado proporcionando-lhes este ensino não só pre-
enche os dizignios da Providencia , mas tão bem trabalha á prol
da paz e da prosperidade publica.
O ensino secundário deve-se dividir em dous ramos r
hum deve ser destinado ás pessoas que se quizerem exercitar na-s
artes mecânicas, e nas profissões industriaes : ihe mister que a '
outrase dirija áaquelles que se destinão ás lettras.
A industria que nos nossos esfcados modernos se tem com-
plicado com mil relações, a industria, cujas correspondências, tra-
balhos, e especulações abração ambos os mundos , exige d'aquel-
les que as quizerem exercer com honra, e proveito, conhecimen-
tos pozitivos e variados. Por conseguinte he necessário hum en-
sino especial, não só para que a industria nacional possa rivalizar
cora a estrangeira, sinão tão bem para que as classes arremedia-
das não se dediquem inconsideradamente aos estudos clássicos ,
com provável detrimento da ordem social, por que certa pertur-
bação he inevitável no estado , quando elle encerra em si huma
massa de cidadãos preparados para profissoens que não teem ao
depois occaziao de exercel-as, •
Alem d'isto he necessário que as fontes do ensino clássico
sejaõ liberalmente abertas : as profissoens litteratas contribuem
para a prosperidade, e gloria do paiz, esobretudo influem mais
do que as outras sobre a sorte, dos estados , pois que fornecem
quazi excluzivamente os instrumentos dos poderes sociaes.
O ensino superior, dezenvolve , e amadurece os conheci-
mentos distribuídos- no ensino secundário , do qual he cumpri-
mento obrigado. Elle se dirige aos espiritos mais avançados ,
aos cidadãos que teem precizaõ de huma instrucçaã mais substan.
ciai para profissoens especiaes. Este ensino se justifica pelos
motivos que expuz sobre o ensino secundário.
As medidas que se devem tomar sobre o estabellecimento
das escolas , sobre a preparação cios mestres , sobre a extençaÕ
da instrução em cada gráo de ensino , sobre a escolha dos me-
thodos, sobre a policia das escolas, saõ da alçada dos regula-

)
^So^
men tos administractivos. Direi aqui somente que a vereaçaó
tal qual a expliquei , he direito ,- ou antes dever do governo ,
tanto para as escolas privadas, como para as publicas:
por que quando se instala hum estabellecimento que se di-
rige ao publico , he de mister que o governo , mandatário da so-
ciedade , a prol dos seus interesses, e mormente dos seus
interesses moraes, intervenha a fim de obstar que ahi se faça
couza que seja contraria á estes interesses.
Os governos que mais se teera disvelado pela educação pu-
blica , muitissimas vezes teem negligenciado huma parte essencial
d'ella . a educação das mulheres, a qual todavia merece disve-
lada solicitude. As mulheres são importantíssima ametade do gê-
nero humano , e esta ametade influe considerável e continua--
mente sobre as determinações da outra. A máe he quem dá fei-
ção ao tenro cérebro do filho ; elle lhe deve as primeiras
idéias . cujo sello conservará toda a sua vida. Mais tarde , como
irmans j como espozas , e por outros muitos titulos, as mu-
lheres exercem sobre as nossas vontades hum império sempre
poderozo , e algumas vezes absoluto. Por tanto he necessário
que eilas tenhão idéias exactas sobre os deveres públicos e priva-
dos do homem. He necessário que conheção pelo menos , a fi-
zionomia geral do governo, e as obrigaçoens, que elle impõem
aos cidadãos para que nunca desviem por meio de supplicas, la-
grimas e caricias nem aos seus filhos , nem aos seus maridos ,
e nem aos seus amantes do cumprimento d'estas obrigaçoens , e
para que em cazo de necessidade lh'os saibão lembrar. Todavia,
devo concordar , que as mulheres por nossos hábitos sociaes , e
talvez por sua organização , sendo destinadas aos cuidados do in»
terior da caza, e á practica das virtudes familiares , os deveres
do governo no tocante a sua educação são muito menos compli-
cados , do que à respeito da educação do outro sexo.
Demais , os legisladores , e os governantes são os verda-
deiros preceptores da massa do gênero humano , os únicos cujas
licçoens teem verdadeira efficacia, A instrucção moral princi-
palmente , nunca será sobejidão repetir , pertence toda aos lev
gisladores e administradores.

ART. 3 ° Do PATRIOTISMO.

Chama-se patriotismo , ou amor da pátria o sentimento*


<t>86^>
que affeiçòa hum cidadão ao seu paiz com preferencia ã qualquer
outro , e o leva a servil-o com zelo , e si necessário for a sacri-
ficar-se por elle.
A classe em que os povos cuja civilização não está avançada
achão mais patriotismo, lie a dos proprietários territorial. A
sua sorte segue mais a do paiz ; elles estão de algum modo
adscriptos á gleba : n'esta classe he que se encontra maior nume-
ro de cidadãos. Por tanto he essencialmente entre os sobredi-
cíos que o governo de hum estado se deve abster de derramar o
descontentamento , e o desalento.
Nos paizes mais policiados, a propriedade industrial não
prende menos os cidadãos ao solo da pátria , e nem os interessa
menos pela sua prosperidade.
Dos que occupão dignidades, empregos, que saõ aecumula-
dos de graças e honras , ha muitos que fazem consistir o seu pa-
trimônio n'estes objectos. O seu interesse ou o seu amor pró-
prio he o que lhes serve de bitola.
Nem se deve esperar, e nem exigir patriotismo algum da
classe cosmopolita , porque o seu interesse está em toda a parte.
O que affectaõ os estrangeiros naturalizados deve sempre
ser mais ou menos suspeito.
O patriotismo mais solido he o que os filhos herdaõ dos
seus páes, o qual a educação primaria he que lhes deve infiltrar
e arraigar nos corações : sem esta primeira cultura, naõ se deve
esperar sinaõ hum patriotismo factício , interessado , e hypo-
crita.
A fonte do verdadeiro patriotismo saõ o governo e as íeis.
Por tanto o meio de obter esta virtude cívica he estabelecer
bum governo que offereça garantias , para que á sua sombra
possaõ todos viver felizes , e sentirem a necessária dispoziçao
para deffendel-o.
Estas garantias he o que nos resta indagar na distri-
buição dos poderes sociaes , e em algumas instituições accesso-
rias.

DA DISTRIBUIÇÃO DOS PODERES SOCIAES.

As garantias sociaes saõ sempre rezultas da organisaçaô


<#87<^>
pomica ; por tanto indaguemos os elementos , e as melhores
combinações que esta organização pode offerecer.
A liberdade política era hum cidadão he a tranquiilidade de
espirito que provem da opinião que cada hum tem da sua segu-
rança , e para que se tenha esta liberdade, he necessário que o
governo seja tal que hum cidadão não possa temer a outro ci-
dadão.
Quando o poder legislativo esta reunido ao poder execu-
tivo na mesma pessoa ou no mesmo corpo de magistratura não
ha liberdade, por que pode-se temer que o mesmo monarcha
ou o mesmo senado não faça leis tyranicas para executal-as tyra-
nicamente.
Assim falia Montesquieu , eis como Rousseau exprime a
mesma idéia.
« Si fosse, possível que o soberano, como tal tivesse o
« poder executivo, o direito e o facto por tal forma ficarião
« confundidos , que não se poderia saber mais o que era lei
« ou o que não era ; e o corpo politico assim desnaturalizado,
« em breve seria victima da violência contra a qual elle foi insti-
« tuido, » ( Contractu social cap. J 6 . )
Também nao ha liberdade , continua Montesquieu si o
poder de julgar naõ está separado do poder legislativo , e do
executivo { administrativo propriamente dicto ) Si o poder
juciario estiver juncto com o poder legislativo j o poder sobre
a vida e liberdade dos cidadãos será arbitrário , por que o jura
será legislador. Si estiver juncto ao poder executivo ( admi-
nistrativo ) o juiz poderá ter a força de hum oppressor.
Tudo estaria perdido , si o mesmo homem , ou o mesmo
corpo dos principaes , dos nobres , ou do povo , exercer estes treat
poderes : o de fazer l e i , o de executar as rezoluçoens publicas,
e o de julgar os crimes , ou as contestaçoens dos particu-
lares. O mesmo homem, ou o mesmo corpo leria, como
executor das leis todo o poder , pois o delegaria á si na qualida-
de de legislador. Elle poderia destruir o estado por meio das
suas vontades geraes, e como também tinha o poder de julgar ,
poderia destruir a cada hum cidadão por meio de suas vontades
particulares.
Por tanto vejamos qual deve ser a distribuição dos pode-
res sociaes a fira de evitar estes perigos, e comecemos pelo po-
der legislativo.—
<&8S<§>
§ 1 ° ELEMEXTOS DO PODER LEGISLATIVO.

Assim oorao era hum estado livre , todo o homem que he


julgado ter huma alma livre deve governar-se a si mesmo , seria
necessário , que o povo em massa tivesse o poder legislativo ;
mas isto he impossível nos grandes estados , e sugeito á muitos
inconvenientes nos pequenos. Por que em huma nação compos-
ta de muitos milhoens de almas , todos os membros do estado
não podem votar na praça publica : alem d'islo he certo que o
povo em massa he incapaz de manifestar huma vontade sabia ,
p o r q u e he mais susceptivel de impulso do que de reflexão , e
as leis naõ são meros actes de poder , mas de sabedoria , de íus-
tica , e de razão.
Por tanto seja qual for o numero dos cidadãos, o
povo pela mesma natureza das couzas , he forçado a delegar
hum poder que lhe fora impossível exercer per si mesmo.
Mas como se fará esta delegação? Isto he o que cumpre
examinar.

NDMERO 1c Do Povo.

O povo não pode participar do poder legislativo sinão por


meio de reprezentantes : o ponto está em que esta escolha seja
feita com dicernimenlo e madureza.
Qual deverá ser o caracter dos seus concidadãos á quem
os membros do corpo politico hão de confiar assim o cuidado
de votar por elles sobre as medidas legislativas ?
Simplices commissarios, mandatários, procuradores,
delegados, não reprezentão exactamente aquelles cujos negó-
cios traetão , os quaes são obrigados a conformar-se com as
instruções , e ordens que receberão; as suas opinioens ? as suas
"vontades t com pleno direito não se julgão ser aquellas cujos m- -•»,
ieresses elles teem que estipular.
Pelo contrario , o caracter essencial dos reprezentantes
nao terem nem mandato , e nem responsabilidade, os quaes
por tal forma se devem suppôr designados ou escolhidos , que
per si mesmos, e do seu próprio fundo tenhao as opinioeni, cs in-
teresses , e as vontades dos reprezentados. Os que os nomearão
não podem destiluil-os , e nem modificar-lhes as instrucções.
A grande vantagem dos reprezentantes he que elle?
<&8$<ê>
jao rapazes de discutir os negócios, couza para o que o povo he
absolutamente impróprio.
Fora disto não he necessário que os reprezentantes , que
receberão d'aquelles que os escolherão instruccâo geral , recebão
huma particular sobre cada negocio peculiar. Verdade he
que desta maneira a palavra dos deputados reprezentaria me-
lhor a voz da nação , mas isto traria infinitas delongas , e tor-
naria cada deputado senhor de todos os outros , e nas as occa-
zioens mais urgentes , toda a força de huma nação seria refrea-
da por hum capricho.
Em fim o único serviço que a nação espera dos seus re-
prezentantes he que elles preservem as suas garantias dos erros
ou dos abuzos do poder executivo.

NUMERO 2 ° Dos NOTÁVEIS , ou NOBRES.

Não basta porem ,~que o povo , isto h e , o elemento de-


mocrático entre por este modo no poder legislativo : também
he necessário que por bem da segurança do estado o elemen-
to aristocrático ahi seja admittido.
Em todos os estados , sempre ha pessoas distinctas pelo
nascimento, pelas, riquezas, pelos honras, ou pelas luzes,
as quaes se fossem confundidas com o povo , si só tivessem hum
\-oto como as outras , havia para que se temesse que ellas ca-
ptivassem a liberdade comraum , pois nenhum interesse tinbão
em deffendel-a , porque a mór parte das rezoluçoenslhes se-
riao infensas.
Admtttil-as separadamente para a formação da vontade
^eral j nada mais he do que consagrar em direito, superiori-
dade* , que ja existem de facto.
• A parte pois que devem ter na legislação cumpre que seja
proporcionada ás outras vantagens , que teem no estado , e isto
he o que acontecerá si formarem hum corpo que tenha o direito
de obstar as emprezas do povo , assim como o povo deve ter o di-
reito de obstar as d'elles.
Assim o poder legislativo deve ser confiado não só ao cor-

S o dos nobres , ou notáveis, mas também ao corpo que for esco-


ado para 1 eprezentar o povo , cada hum dos quaes terá as suas
assembleas, e deliberaçoens, assim como certas idéias, e interes-
s separados.
i3.

/
NDMERO 3 ° Do MOKARCHA

Em fim si o estado he monarchico, he indispensável que


o monarcha seja admittido no poder legislativo ; por que sem
isto 5 elle nem si quer seria igual aos dous corpos de que aca-
bei de fallar : e o governo de monarchico , se transfiguraria em
republicano.
Por tanto o monarcha deve concorrer para a factura
das leis , e sobre as vantagens inhérentes á sua qualidade de
chefe do estado, terá a faculdade de impedir, a qual deve
achar-se também nas mãos dos reprezentantes do povo } e dos
notáveis, ou nobres.
Assim se organizará o poder legislativo ; e os seus diver-
sos elementos sendo contidos huns pelo outros, haverá neste
ponto ? equilibrio , que he so o que pode offerecer as garan-
tias sociaes , que indagamos.
Vejamos o que ellas exigem quanto ao poder executivo.

§ 2© Do PODER EXECUTIVO

poder executivo deve ser confiado á huma sò pessoa ,


por que a execução ha mister de acção rápida , e debaixo d'es-
té ponto de vista , este poder he mais bem administrado por
huma só pessoa do que por muitas : o que depende perem do
poder legislativo as mais das veies he mais bem determinado
por muitas pessoas , do que por huma só.
Si o poder executivo fosse confiado á hum certo numero
de pessoas, tiradas dos diversos ramos do corpo legislativo , dei^
xaria de haver liberdade , por que n'este cazo os dous. poderes
Ccarião unidos , e os perigos d'esta uniaõ ja ficão indicaoos,
Si o governo he monarchico , o poder executivo não po-
de ser confiado sinâo ao monarcha , o qual como também par-
ticipa do poder legislativo, pode de algum modo ser considera-
do como soberano. He soberano não por que rezida n'elle só
iodo o poder soberano de fazer as leis, pois só rezide huma par-
te 5 mas em primeiro lugar, por que n'elle esíá o poder sobe-
rano de fazer executar as leis j e d'esté poder derivão os diffé-
rentes poderes dos magistrados , que lhe são subordinados : e
em segundo por que acima d'elle não ha legislador algum supe-
ríor , e nem i g u a l , sendo que n a o se pode fdzer lei alguma, sem
o seu consentimento.
isto he e x acta m en te. o que constitue a monarchia consti-
tucional , ou o governo reprezentativo com hum só chefe here-
ditário. Este governo he e será por largos annos , não obstan-
te algumas imperfeiçoens , o m e l h o r de todos os governos p o s -
síveis não só para todos os povos da Europa , mas principalmen-
te para a F r a n ç a .
O poder executivo deve de ser inteiramente subtraindo
ás mãos do p o v o , por que o povo h e absolutamente incapaz de
de tomar rezoluçoens activas, e que requeirão alguma execu-
ção. E x p e r i m e n t a i , e os rezultados serão t u m u l t o , e dezor-
dem. O povo não deve ter outra ingerência no governo s i n a s
a de escolher os reprezentantes dos seus diversos interesses , cou-
jsa que está rauito ao seu ajcance ; por que si ha poucas pessoas
que conheção exactamente o grau de capacidade dos homens ,
n ã o ha quem não seja capaz de saber e m geral si a q u e l -
le a quem elegeu he mais instruído do que a m o r parte dos
ou tros.
O corpo dos reprezentantes t a m b é m não deve exercer o
poder executivo, p o r q u e b e t a m incapaz como o povo de t o -
mar rezoluçoens activas : elle deve ser escolhido ta m somente
paraíazer leis ou para e x a m i n a r si as q u e votou forão bem e x -
ecutadas , tarefa que pode desempenhar optimamenle , ou que
ningem o pode fazer também como elle.
Ora o poder executivo se compõem de dous elementos dis-
tinetos : a administração e a justiça , os quaes ja vimos q u e d e -
vem de estar divididos. Mas á que mão3 deverão ser confiados
os supra dictos elementos , de sorte que os interesses geraes se-
jaõ bem garantidos?
C
ARTIGO 1 DA AUIORIIJA.DE ADMIJÍISTRACTIVA.

A autoridade administractiva nao pode ser exercida sraaõ


pelo chefe supremo do estado , p o r que ella se confunde com o
poder executivo , e naõ he outra couza mais do que a acçaõ
deste poder em tudo o que diz respeito as rellações dos governa-
dos com os governantes.
P o r tanto ao chefe do estado h e que deve p e r t e n c e r c o m -
mandar as forcas de terra , e mar , declarar a guerra , concluir
> i*<

t
os traclados de paz3 d'alliança, e de eommercio , nomear Io-
dos os empregados, fazer regulamentos , e expedir as ordens
necessárias para a boa execução das leis , e segurança do estado.
Digo que ao chefe do estado he que pertence nomear todos
os empregados d'administraçao publica por que os agentes en-
carregados em cada lugar da execução das leis, saõ indubita-
velmente instrumentos do poder executivo , e não reprezeatan-
tes dos governados. Dispor que estes agentes sejão escolhidos
pelo povo , he ideia que nãu poderá ter cabida sinão em huma
constituição federativa , salvo si se tractar de enfraquecer , ou de
abolir algum antigo system a federal. N'huai estado que con-
serva , ou recobra perfeita unidade , os agentes de que tracto
são sempre, seja qual fór o nome que tenhão., as mãos. e
os braços da autoridade central, e suprema ; á esta pois deve
pertencei escolhel-os.

NUMERO-2 ? DA AUTORIDADE JUDICIARIA.

A autoridade judiciaria como também não he siuào hu-


ma emanação do poder executivo, he obvio que ninguém a
pode exercer sinão em nome e sob a inspeccão do chefe do es-
tado j e como seu mandatário.
N'este ponto a autoridade judiciaria está no mesmo cazo
que a administractiva. Ja mostrei os perigos da sua reunião :
agora vou fazer outras reflexoens igualmente importantes :
Nos estados despoticos , o principe pode julgar per si mes-
mo , por que ahi tado depende de sua vontade, e do seu ca-
pricho. Nas monarchias porem não o pode fazer : a constitui-
ção seria destruída , e os poderes intermediaries dependentes,
aniquilados; cessarião todas as formalidades dos julgamentos :
o terror se apossaria de todos os espiritos j a pallidez repassaria
todos os semblantes; a confiança, a honra , o amor, a segu-
rança , a monarchia , tudo se esvaeceria.
Alem d'isto, nos estados monarchicos, o princepe he a
parte que persegue osreos, e os manda p u n i r , ou absolver.
Ora si o principe os julgasse per si mesmo 5 seria juiz, e parte
ao mesmo tempo.
Demais perderia o mais bello attributo da soberania, que
he o de perdoar. Absurdo fora que elle mesmo reformasse as

«
suas sentenças, e nem die rruerern estar em coutradicção
:ooisigo.
Acresce que isto confundiria Iodas as idéias , poU naõ se
poderia saber si hum homem seria absolvido , ou condemnado.
Os julgamentos proferidos pelo principe seriaõ huma fon-
te perene de injustiças , e abuzos : os cprtezãos á força de im-
portunaçoens Jhe extorquiraõ as sentenças. Os reinados dos
imperadores romanos, que tiveraõ a mania de julgar, forão os
que mais assombrarão a universo com injustiças. As leis são
os olhos do principe, por meio das quaes vc o que não poderia
ver sem ellas. Si elle quizer exercer as funeções dos ti ibu-
naes 3 trabalhará não para si, mas -para os que em seu damno o
leiTET.
Por tanto oprincipe nunca.deve exercer per si mesmo a
autoridade judiciaria, da qual deve ser fonte, mas não orgaõ :
a justiça deve ser administrada em seu nome , mas não deve ser
elle o administrador 5 deve ser a fonte, mas as partes não a
devem receber d'elle iramediatamentc : a justiça deve ser derra-
mada sobre as partes , mas por canaes intermédios.
Por consequçncia , lie mister que oprincipe institua, e
escolha juizes, A necessidade d'esta delegação deve de ser hum
preceito immudavel.
Estes juizes deverão ter alçada em todos os litígios entre
os cidadãos,' mas quando se tractar de pronunciar sobre cri-
mes, o poder de julgar naõ devera ser confiado somente à h u m
corpo permanente j cumpre que este poder seja partilhado poi
pessoas tiradas do povo em certos tempos do anno , e pela for-
ma preacripta nas leis : estas pessoas formarão hum tribunal
que só durará quanto a necessidade o exigir , e pronunciará so-
bre a existência do facto ao qual ao depois o juiz permanente
applicará a lei.
D'esta maneira o terribilitsimo poder de julgar naõ estando
ligado nem á hum certo estado , nem á huma certa profissão
torna-se para assim dizer , invizivel, e nullo. Gomo os juizes
naõ estaõ continuamente diante dos olhos , temer-se-ha a ma-
gistratura, mas naõ os magistrados.
Posto que em geral o poder judiciário naõ deva estar reu-
nido com nenhum dos ramos do poder legislativo , com tudo
ha trez excepções , todas fundadas no interesse particular do
que tem de ser julgado.
<&qí<%>
Os grandes estão sempre exDOStosá inveja ; ora si
fossem julgados pelo povo , corrião perigo , e não gozarião do
privilegio que em hum estado livre tem ainda o mais ínfimo ci-
dadão livre , que lie ser julgado pelos seus pares.
Por tanto he mister que os nobres , i.-to he , os membros
do segundo corpo que participa do poder legislativo, sejão cha-
mados não perante os tribunaes ordinários da nação , mas pe-
rante essa mesma parte do corpo legislativo , que he composta
de nobres.
2 ° Podendo acontecer que a lei que he ao memo tempo
perspicaz e cega , fosse em certos cazos demaziado rigoroza , e
não sendo os juizes da nação, como dice sinão a bocca que pro-
nuncia as palavras da lei, sinão entes impassíveis, que lhe não
podem mitigar a força , e rigor, importa que huma das partes
do corpo legislativo , seja em taes cazos, tribunal necessário;
pois á sua suprema autoridade cabe mitigar a lei em favor da
mesma lei, pronunciando menos rigorozamente , do que ella.
Este direito chama-se direito de perdoar e commutar as
penas.
Si o governo he monarchico , he evidente que este direho
não pode competir sinão ao monarcha , que he a mais conside-
rável , e augusta das diversas partes da legislatura.
3 ° Erafiiu , pode tãobem accontecer, que algum cidadão
no exercício das altas funcções publicas viole os direitos do povo,
e commetta crimes, que os magistrados pernnuenleo não po-
deriâo, ou não quererião punir. Ora , em geral, o poder ie»
gislativo não pode julgar , e ainda menos no cazo particular em
que reprezenta a parte interessada que he o povo. Por tanto
este poder não pode ser sinão accuzador. Mas perante quem
accuzarâ ? Ir-se-hã abatter perante os tribunaes da lei , que lhe
são inferiores , e de mais a mais compostos de pessoas, que
sendo povo , como elle, deixar-se-hião sem duvida arrastar
pela autoridade de tamanho accuzador ? Não : he mister , para
que conserve a dignidade do povo , e. a segurança dos particu-
lares , que a parte legislativa do povo accuze perante a parte le-
gislativa dos nobres , a qual não tem nem os mesmos interesses ,
e nem as mesmas paixoens , que ella.
Em summa , em toda a organização política de qualquer
estado , ha grande perigo em reunir nas mesmas mãos o poder
legislativo com o executivo , e não menor risco em reunir os

*
dous elementos deste uliimo podér, ÎSÎO he s autoridade" ad
nistractiva , e judiciaria.
Releva pois separal-os.
O poder legislativo deve ser delegado ao corpo [dos repie
zentantes do povo, e aos nobres : hum terceiro poder, o mo-
riarcha deve tâobem participar d'elle , cazo o governo seja mo-
narciíico. He do concurso das suas deliberações separadas ,
que a lei deve sahir,
2 ° O poder executivo deve ser delegado á huma só pessoa
publica , e na monarchia ao monarcha.
i ° A autoridade judiciaria deve ser delegada pelo mo-
narcha a hum corpo de magistrados da sua escolha, aos quaes
conferirá o direito de administrar justiça em seu nome..
í c Emfim todas as acçoens crimínozas devem ser previa-
mente verificadas, e declaradas por jurados , que não tenhão
sido'escolhidos , e nem mandados escolher pelos seus agentes.
Assim que , a divizão dos poderes políticos ; a divizão do
poder legislativo cm trez ramos ; a unidade na'execução ; a de-
legação necessária da autoridade judiciaria ; e o jury em ma-
teria criminal , são as primeiras garantias que podem consti-
tuir hum bom governo , ou em outros termos assegurar a felici-
dade do corpo social.
Mas para que hum estado seja bem organizado não basta
que os poderes sociaes sejão assim divididos : cumpre que a di-
vizão seja tal que nenhum d'elles possa invadir o poder d e
outros , e desta sorte mudar a forma do governo.
Isto he o que vou explicar estabellecendo as regras que
devem prezidir a organização de cada hum d'estes poderes em
particular.

DOS OBSTÁCULOS A ' INVAZAO RESPECTIVA DOS PQDEHE:,

Não ha couza mais simples do que a organização oe hum


governo despotico : hum homem quer , e os outros obedecem.
Mas governo regular, forte , e estável só he aquelle em que os
poderes são definidos , divididos, e limitados. Ainda que a di-
vizão houvesse sido feita com sabedoria , nem por isso deixaria
de haver anarehia , logo que elles frustando a mente do legisla-
dor, exhorhitassem o circulo em que a acção de cada h u m devesse
estar circunscripta. Estes poderes , huma vez deslocados, e
excêntricos á sua oi bita , chocar-se-hião , e mutuamente em-
batidos pela necessidade de augmentar-se , haveria entre elles
continua reacção. Estes movimentos irregulares , cauzariàó ao
corpo social, vexame habitual , e os cidadãos alfim ignorarião
em que mãos rezidia a autoridade â que elles devem de obede-
cer , e qual a que os deve proteger.
Ora todo o poder affana augmenlar-se : esta verdade he
attestada pela historia de todos os tempos e l u g a r e s : tal h e a
tendência do homem que segundo Montesquieu , -vai ate onde
encontra limites.
Assignarei estes limites aos homens revestidos-dos diffé-
rentes poderes da sociedade , e para isto cumpre que entremos
nos promenores da organização particular destes poderes.

c
§ ; P A ORGANIZAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO.

Sendo a divizão dos poderes sociaes de ora cm diante 3 r e -


conhecida como a mais efficaz das garantias , que pode dezejar ,
e obter o corpo politico , e sendo o poder legislativo a primeira
dtiilas , cumpre examinar quaes os caminhos que a mesma natu-
reza indica para chegar-se a mais satisfatória organização deste
grande p o d e r , e visto como ja lhe reconhecemos e analyzamos
os elementos , justo he que voltemos agora a sua divizão natu-
ral , e estabelleçamos limites a cada h u m d'elles.

N ° í ° D A CÂMARA POPULAR.

Trez couzas devemos considerar aqui.


i rt O direito de eleger , ou o eleitorato.
2 " A eligibilidade ou as condiçoens para ser eleito.
3 S O numero das pessoas que devem ser eleitas.

ART. I ° Do DIREITO ELEITORAL.

O direito eleitoral he aquelie em virtude do qual o povo


escolhe os seus reprezentantes. He principio geral, que todos
os cidadãos ; salvo os que se aehão era tal estado de abatimen-
to , que são julgados não terem vontade propria nas diversas
porcoens do território , devem ter o direito de dar os seus votos
para escolherem os reprezentantes. He mister que elles possão
dar á sociedade algumas garantias do seu espirito de sabedoria ,
e de prudência.
Por tanto he necessário i ° que elles possuaõ huma pro-
priedade territorial de certo valor , ou que justifiquem ter bens
moveis equivalentes á propriedade territorial exigida.
2 ° Que gozem no estado da qualidade de cidadãos , isto
he , que pertençâo á pátria , e que sejão senhores de suas pes-
soas , e direitos,
3 ° Que sejão de maioridade, e que debaixo d'esté ponto
de vista, offereção huma garantia irrecuzavel d-e alguma expe-
riência , e de madureza dejuizo rellativamente ao conhecimento
e a appreciação dos homens.
O direüto de eleitor, ou a faculdade de eleger os reprezenían-
te do elemento democrático deve ser inhérente á estas condiçoens.
Os membros da sociedade que se achao revestidos deste
poder politico são os primeiros cidadãos ; todos os mais se cha-
mão proletários, isto he , entes que se limitâo a dar membros
ao estado.
Facilhe de comprehender que si o numero dos eleitores ,
comparado com o resto da nação, lie infinitamente pequeno ,
o governo orça mais para a aristocracia j e para evitar os peri-
gos que algum dia este estado de couzas poderia occazionar , ^
previdência do legislador deveria estabellecer medidas taes que
este resto imroenso de proletários , entre os quaes necessaria-
mente se acharião muilas pessoas riccas de cabedaes moveis ,
e pessoas distinetas pelas suas luzes, e virtudes , possa tomar
parte, seja porque modo fôr, nos negócios públicos.
Este o verdadeiro meio de interessal-os na manutenção da
ordem publica estabellecida, e de inspírar-lhfi qfficaz patrio-
tismo.
ART. 2 ° DA ELIGIBILIDADE.

A eligibilidade he a capacidade política em virtude da qual


se pode ser escolhido reprezentante.
As condicoens que acabo de estabellecer para os eleitores
i4
^ Q S ^
..pucâo com maioria üe razão aos elegiven.
Assim, as garantias requeridas para que se possa sereileiiu,
devem ser mais consideráveis; e como de necessidade são precizas
mais luzes s e experiência para fazer leis do que para escolher
hum deputado , idade hum pouco mais avançada deve de ser hu-
ma das condiçoens da eiigibilidade.
O mesmo acontece á respeito de haverei, cuja quantidade
deyer-se-ha augmentar em consideração ao mais alto grau da im-
portançtf das tunccoens , por quanto os rr.omentozos interesses
que teem de ser discutidos, exigera de huma parte a prezump-
de que o fogo das paixoens esteja amortecido , e de outra
que o reprezentante possa sustentar a sua pozieão com dignida-
de sem que todavia os seus interesses pessòaes, e os da sua i a -
padeção demaziado , e eroflm que a corrupção tenha menos
en cia sobre elle.
Mas ha outro ponto essencial á eligibilidade , o qual con-
siste nesta questão. Onde se poderá ser eleito:' Poder-se-ha
ser eligivel na província onde temos o nosso domicilio, e as
nossas propriedades?
Para bem podermos appreciar ?.s necessidades alheias ,
cabe que experimentemos as mesmas necessidades , ou pelo me-
no* que estejamos em pozição de sentir as mesmas : he sobretu-
do essencial que não tenhamos interesses oppostos que deffender.
Assim, quando o território está dividido em muitas provincias ,
ou coraniarcas , cujas riquezas, producçoens , gêneros de indus-
tria , e commercio teem différentes origens, e cujos interesses,
e precizoens , era muitas circunstancias são oppostos , não
convém que a raór parte dos-reprezentantes de huma d'essas
commareas , seja escolhida dentre os habitantes de outra di-
vizào politica.
« Conhecemos melhor , diz Montesquieu , as neeeasida-
<< des da nossa cidade, do que das outras, e julgamos com
« mais acerto da capacidade dos nossos vizinhos , do que da
« dos outros nossos compatriotas; portanto, em regra não he
« necessário que os membros do corpo legislativo , sejâo tirados
<• do corpo da nação , mas convém que em cada cabeça de com^
« marca, ou em cada capital, os habitantes escolhão hum repre-»
« zentante. »
Seja como fôr, os deputados assim escolhidos nem^stào
desligado^ dos interesses geraes do paiz, e nem devem por for-*

r
^99
ma aiguma trabalhar por que prevaleção os interesses íoeaes.
Também não se podem individualmente chamar os repre-
zentantes dopaiz , por que a câmara inteira he que reprezenta a
nação : assim pois, a qualificação de reprzeniante he collectiva ,
e abu/.o fora applical-a individualmente á cada hum dos mem-
bros d'assemblea, os quaes tão somente são os deputados do paiz.

ART. 3 ? D o N U M E R O DOS R E P R E Z E N T A N T E S .

Huma bôa reprezentação depende muito menos do grande


numero dos reprezentantes do que da sua sabedoria . das suas
luzes , e sobretudo da sua perfeita independência.'
As asseinbleas reprezentativas chamadas para tomar parte
essencial no exercício do poder legislativo, para meditar, e
aprofundar as questoens mais árduas , e complicadas , necesM-
tão de reflexão , e de socego , de imparcialidade , e de mode-
ração. He mister que estejão completamente garantidas do tu-
multo , e da perturbação , do espirito de desordem , e de parti-
do ; he mister que cada hum dos seus membros possa no seio
délias dezenvolv£r, e discutir livremente a sua opinião ; he
mister que a declaração dos votos, e o rezultado das deliberações
possão ser verificados facilmente , e sem escândalo ; isto porem
certamente não acontecerá si as assembleas forem mui numero-
zas ; por que então , a sua agitação torna-se semelhante a o.e
huma assemblea popular , o espirito que as anima roça pela
violência , e pela paixão , e por isso não podem ser tidas i*a
conta de assembleas de legisladores , e sábios.
Assim que deve ser moderado o numero dos reprezentan-
tes , e estar em harmonia con: a extensão superficial, e ei
•roportancia da população do paiz.
Demais , para bem organizar esta parte das rodas da gran-
de maquina politica , está claro que he mister ter pleno conhe-
cimento do estado dos homens , e das couzas , de que se com-
põem em cada lugar , o corpo social. He porem de notar,
que alguns leves erros, alguns inconvenientes quazi ine-
vitáveis nesta materia não são de tamanha importância como
se poderia suppôr. As garantias individueas á este respeito
serão firmissimas , si por ventura as condições necessárias, e
iufficientes para ser eleitor, ou eligivel houverem sida fixadas
a lei fundamental. si nenhuma outra lei nem as poder raodi-
«4 »
<^>I00<®>
ficar , nem estender, e si fora d'isto , forem taes que hum cor-
po de reprrezentantes assim eleitos , nunca possa ter interesseá
contrários aos do corpo inteiro da nação.
Emfim as eleições são sempre o thermotnetro das luzes
publicas , e decidem da sorte das garantias. Huma assemblea
realmente nacional , erabreve extirpará, corroborando asbazes
do poder legislativo , o ultimo germen do poder arbitrário ; nun-
ca terá pretenções nem de ameaçar as autoridades superiores , ou
inferiores , nem de dimittir os ministros , e nem de alargar o
circulo das suas attribuições , e nem de uzurpar huma parte do
governo : saberá com inflexível rigor cumprir o seu dever es-
sencial , que he repellir toda e qualquer lei contraria aos direi-
tos individua.es dos governados.

N ° 2 ° DA GAMARA, ARISTOCRÁTICA.

Nos estados modernos , os interesses sociaes , generalizan-


do-os , podemo-los reduzir á dous.
i ° O interesse de progressos, e de aperfeiçoamentos.
2 ° O interesse de ordem, e de conservação
Ambos os quaes interesses devem de ser sinceramente re-
prezentados no governo do estado.
O primeiro acha üel reprezentante em huma assemblea
de deputados eleitos por certo tempo determinado , como aca-
bei de explicar, pela porção do povo que tem interesse , e ca-
pacidade para a elleiçaõ.
A duração temporária , e a renovação pella elleição , cot*
loção n'este corpo o principio do progresso, e lhe dão aquella
actividade que provoca , e prepara todos os melhoramentos.
Onde porem se acharáõ reprezentantes para o interesse de
conservação r Parece que estes reprezentantes se encontraõ na-
turalmente nas superioridades sociaes, cuja existência he huma
das condições das sociedades politicas. Ja expliquei que por
superioridades sociaes quero dezignar as altas pozições adquiri-
das por todas as espécies de titulos : serviços políticos, o es-
plendor dos talentos, a gloria das armas , a illustração do nas-
cimento , e a mesma riqueza , quando for tal que se tenha tor-
nado hum poder , deduzido de grande patronato.
Todas estas notabilidades que saõ essencialmente conserva-
doras ? podem formai; yantajozaw,erite a cascara aristocrática.

f
^ I O I ^
Esta cam.ira porem , comquanto reprezente as su/n-
vudades sociaes, todavia também représenta o paiz que sepa-
rar-se não pode das iüustraçoens , dos serviços , e das recorda-
çoens que constituem a sua honra , e gloria.
Com razão se dezesperaria de huma naçaõ tão ingrata que
desconhecesse os serviços feitos á pátria , tão inimiga da sua
propria grandeza , que não honrasse aquém a honra, e fizesse
reprezar nos coraçoens essa nobre e salutar ambição de fama , e
de elevação , qne tem sido parte para que os homens tenhão
obrado tantas façanhas , e exaltado tanto as naçoens.
Por tanlo este he o elemento da câmara aristocrática , a
qual deve servir de contrapezo a acção da câmara democrática.
Assim quando huma voz poderoza , órgão das urgentes necessi-
dades , e dos votos alquando irrefleetidos cora que essa voz es*á
em rellaçaõ , pugna denodadamente á prol do paiz, outra voz
mais grave , retumba , a qual guarda das doctrinas de ordem , e
de conservação , cujo depozito lhe está confiado , mitiga o ar-
dor das reformas, esperando que o fructo amadureça para en-
tão aconselhar que o colhaõ : a sua previdente sabedoria asse-
gura d'esta arte á sociedade as vantagens que huma precipita-
ção imprudente poria em perigo.
Mas como deverá ser organizada esta reprezentação par-»
ticular ?
Segundo alguns publicistas a câmara aristocrática deve
necessariamente ser hereditaria : só a hereditariedade lhe pode
imprimir o caracter de força moral, de estabellidade , e de in-
dependência. Na verdade para a opinião o poder nunca se se-
para da duração , a idéia de experiência , e de habilidade se
liga nos espíritos ao que se perpetua : o que termina com o h o -
mem não pode ter aos olhos do vulgo hum caracter real de es-
tabellidade. Alem d'isto a hereditariedade dá aos corpos po-
liticos aquelle instincto de conservação, aquelle espirito de pro-
cedimento , que se transmitte de idade em idade , como tra-
dicçaõ familiar , e tornaÕ a sua experiência , os seus princípios ,
e a sua política hereditaria como os títulos dos membros que
os compõem.
Acresce que para que a câmara aristocrática naõ pertença
sinaõ a s i , e tenha força para reprimir ao mesmo tempo os es-
forços temerários do principe, e da democracia , he mistei
que se ella perpetue por hum meio que lhe seja próprio*
De mais a hereditanedade da câmara aristocrática lie par..
assim dizer o cürollario da hereditariedade cia corôa , que nao
ria bem perigo ficar destacada ;io meio de iustituicoene ,
que nao livessem nada de comirmm com o seu principe.
Em fim a iiereditariedade concedida á huma câmara aris-
tocrática naÕ constitue hum privilegio propriamente dicto: os
privilégios saõ fayocee (.-stahellecidos ã prol de alguns : aqui he
pa magistral ura que nau conferindo preeminence alguma
legai se torna hereditaria por bem do publico.
Em summa , na monarchia reprezentantiva he necessário
D terceiro poder , que sirva de arbitro entre os outros dous ,
e cuja acção seja essencialmente moderadoura. A existência ,
e a iorca d'esta instituição he a primeira condição d'esté gover-
no. Fora do pezo dos poderes, não ha sinâo os perigos da
monaichia , e para que este pezo seja bem exacto , he misxer
que. cada hum dos trez poderes pertença a si , e não possa ser
ideado pelos laços de huma ailiança que não estaria em suas
mãos quebrantar : a hereditaiiedade deste poder moderador ne
o único meio, e por isso deve ser estabellecida, e mantida como
principio de segurança , e da tranquillidade.
Outros publicistas porem combattem a heredilanedade
(\à câmara aristocrática , por que ao seu pensar, ella he incon-
ciliável com a igualdade constitucional dos cidadãos , pois teern
por absurdo que a funcção mais importante do estado , qual he
s fazer leis, seja conferida ao acazo , e sem que se possa co-
cer a moralidade, ou a capacidade do legislador ; porquan-
to Isuma assemblea composta de superioridades verdadeira-
mente nacionaes quer seja yiíalicia quer temporária, podereu-
ciscondiçoens de foiça moral, deestabellidade , e de inde-
pendência que são para dezejar-se. A necessidade de conser-
var huma poziçâo immimente torna a aristocracia indepen-
dente e conservadora : o esplendor dos talentos, e os seivicos
prestados dito consideração 5 em fim a hereditariedade concedi-
da á coroa basta para garantil-a das tempestades , quando e
principe se appoia nos verdadeiros interesses do povo. È demais
M O ihrono he hereditário he sobretudo por bem do estado , e
esle mesmo .bem aconselha que se repila outro qualquer poder
hereditário , cuja tendência será sempre para o angmento des
seu^, prnilegiçs. E na verdade os homens que d'elle estives-
em revestidos convergirião a sua ambição para o melhoraraer.-
<§>Iûi<§>
sqrte dé .-eus ulhos , e amigíss^ e a qui. m pensar qáe a sua
hereditariedade sera a garantia du seu espirdo de ordem e cériWr-
vacio , podt-se responder, que elles o levariâo à ponto de uï-
cessantemeute defíet:der<mi os seus privilégios, com o peru J
provocar sanguinolentas revoluções.
Sobre tudo isto cumpre notar que no» paizes oïicfe
não existe aristocracia íéudaí, e onde os seus últimos vestígio»;
forâü apagados pela razSu publica , a heredilariedade do poder
da câmara aristocrática, parece inútil, e perigoza : mutin por
que ja não existem os interesses,cuja reprezentação còttVíèssê
ser feita por senadores hereditários ; perigoza por que não ha
quem possa calcular o alcanse e traçar os limites da sua influ-
encia sempre crescente pelos lugares obtidos, e peio poder
augmentado em virtude dos raorgados , e das substituições ,
lhes ^aõ inhérentes,
Esta heredilariedade taõ bem seria repellida pelos costu-
mes públicos , e pela consciência esclarecida da naçaõ, si as
leis do paiz tendessem a propagar a divizão das propriedades ,
e si a sua influencia a favorecesse, e na reallidade a multi-
plicasse
Era tal paiz , a única baze da câmara aristocrática cîe'vè
se compor de talentos , de virtudes , de serviços feitos ao esta-
do , e do patronato honrozo que dão riquezas colossaes bem
empregadas.
Pox quanto naõ he de suppòr que em semelhante pau ,
se cuide seriamente era supprima* este terceiro poder. He mis-
ter que as superioridades sociaes abi sejaÕ reprezentadas : o go-
verno reprezentativo consiste inteiramente no equilíbrio dos po-
deres que o compõem , e a aristocracia que inevitavelmente re-
sulta d'estas summidades he hum d'estes elementos,
A constituição de hum d'estes poderes naõ pode ser posta
em duvida sem que a dos outros dous também o seja , e com èí-
la , toda a sociedade tal qual está organizada.
Assim que duascouzas restaÕ para regular : a escolha çtos
pares ou senadores , e o seu numero.

ARTIGO I o DA ESCOLHA DOS PARES,

Será necessário que a câmara aristocrática dependa de hum


scrutinio popular mais ou menos amplo ?
« ->
^>io4^
A eleição popular directa ou indirecta aqui he por tal
forma contraria ao principio da divizão dos poderes, ao fim , e
espirito do pairado , que este modo de nomeação seria des-
truidor da mesma instituição. A câmara electiva de algum
modo ficaria eclipsada si a violência podesse sahir como ella da
urna eleitoral , e reprezentar a naçaõ com os mesmos títulos ,
com o mesmo poder augmentado pela independência que lhe
asseguraria a inamovihüidade. Por tanto este modo de ellei-
ç?õ naÕ se poderia applicar a composição do senado , sem que
a raonarchia reprezenlativa soffresse alteração nos seus fun-
damentos.
Sendo cada câmara destinada á reprezentar interesses dif-
férentes , deve ter origem diversa. O povo não pode sentir a ne-
cessidade , e nem ter o direito de confiar a manutenção das suas
liberdades ao elemento que por sua natureza deve tender a res-
tringil-os.
As familias notáveis também não podem proceder á esco-
lha dos membros d'esta câmara por que aconteceria que muitas
familias se pretenderião nobres e nenhuma só haveria que não
reclamasse o direito da n'ella sentar-se ao menos hum dos seus
membros.
Pov tanto esta escolha naõ pode pertencer sinaõ ao prin-
cipe , que alias , estando no pinaculo do edificio social, está
mais habilitado do que ninguém para compor esta câma-
ra de todas as imminentes 3 e verdadeiras illustracões na-
cionaes.
Qualquer candidatura que por ventura se apprezentasse ao
principe nâo seria huma elleição disfarçada , que em vez de
propor , ordenaria a escolha?
Cathegorias de notabilidades , estabellecidas de antemão
pela lei, nas quaes a nomeação real se podesse cirerunscrever,
podem occazionar , que se substituão utilmente á hereditarieda-
de das familias , a suecessão dos serviços.
He incontestável que pôr a câmara aristocrática de-
baixo da influencia da coroa , deixando-lhe o excluzivo
cuidado da sua compozição , he couza , que não carece de pe-
rigo. Mas entre este perigo , e o de formar a câmara dos se-
nadores de elementos populares j entre este perigo , e o de pòr
o throno á frente de dous poderes semelhantes, não ha que
hezitar.
^>io5<#>
ART. 2 O D O NUMÉRO DOS PARES.

Si este numero fôr excessivo augmentará muito a influen-


cia das familias , que occuparem este alto posto, podendo di-
minuir ao mesmo tempo a consideração publica , que será a
sua partilha.
Si este numero for diminuitissimo , e muito inferior ao
numero dos deputados, o elemento aristocrático ficará mui re-
concentrado, e poderá tornar-se perigozo tanto ao monarcha,
como ás liberdades publicas ; ou então o principe que pender
para o despotismo , facilmente corromperá os membros d'esté
poder.
Assim que cumpre estabellecer hum meio termo , em
cuja escolha o principe pode dirigir-se ou pela extenção do ter-
ritório , e da população , ou pela enormidade de certos eabe-
daes territoriaes , ou pela necessidade de recompençar relevan*
tes serviços feitos ao estado , ou finalmente pelo dezejo louvá-
vel de excitar as familias generozas a continuarem a distinguir-
se cm antigas virtudes civicas } e militares.
Huma câmara de pares assim composta se esforçará por
conter dentro dos seus respectivos limites o elememento demo-
crático , e o monârchico , e longe de ameaçar as garantias so-
ciaes j se tornará hum dos seus sustentaculos , e com este titulo
merecerá a mais profunda veneração publica , depois da que he
devida ao throno
Ainda huma reflexão me occorre sobre a materia, e he que
alem do patriciado, nobreza política, e parte integrante do poder
legislativo , tãobem pode existir nas monarchias huma nobreza
puramente nominal, que carecendo absolutamente de privilé-
gios , não deve excitar a mais leve suspeita. E na verdade esta
nobreza cifra-se em nomes , prenomes, e sobrenomes, os quaes
fora sem razão recuzar , ou invejar aos que se julgão felizes por
havel-os adquerido. Ha quazi tanta vaidade em quem se irrita
contra estes titulos innocentes, si os não tem , como em quem
se ensoberbesse si os possue. Cuidado : a vaidade não he hon-
ra , nem mesmo orgulho , mas he hum dos mais activos dissol-
ventes da sociedade.
N ° 3 ° Do PRINCIPE.
O principe não pode ser agente passivo das vontades so«
>5.
<%>w6<§>
beranas. Na mesma democracia não se pode privar o príncipe
da parte da soberania que lhe compete , sem arrancar-lhe ao
mesmo tempo o direito de Cidade ; pois do contrario os cidadãos
serião governados por hum ente , que não era cidadão, Assim
como a vontadade deve-se regular pela força , pois antes que se
queira cumpre saber si se pode o que se quer : assim o soberano
nunca deve foliar sem ter primeiro consultado o principe.
Que parte devera ter o principe no poder legislativo i
intiativa ,' e a sanccão.

ART. I ° DA. INICIATIVA.

Cliama-se iniciativa a faculdade de propor directamente


as leis aos outros dous ramos do poder legislativo : he o im-
pulso sem o qual a vontade nunca jamais poderia ser co-
nhecida.
Gom-effeito , do principe mais do que de qualquer outro
poder , he que se deve esperar a organização , ou melhoramen-
to de todas as particularidades de que se compõem as leis, e a ad-
ministração. Só elle he quem pode saber , e appreciar bem o
que falta , o que he superíluo , o que retarda , ou o que em-
baraça. A. este respeito a sua expeiiencia he a mais viva e a
mais segura de todas as luzes. Todas as nocoens relativas ao
que se não faz bem, e aos meios de fazer melhor, ou elle as pos-
sue , ou se apropria d'ellas, assim que lhe apraz.
Ninguém he mais próprio do que elle , para propor as
medidas legislativas que devem satisfazer as diversas necessida-
des da sociedade.
Todavia este direito de iniciativa não deve ser excluzivo :
importa tãobem deixar ás outras duas porçoens do poder legisla-
tivo , a faculdade de chamar a attenção dos co-legisladores
sobre leis novas , pois fora dezarrazoado , e perniciozo não aco-
lher d'onde quer que venha , as propoziçoens úteis , sendo alias
t i o natural esperar outras igulmente boas da parte d'agnelles ,
cuja missão he trabalhar em pró do bem geral.

ART. 2 ° D A SANCCA-5.

A sancwo he a approvacio solemne dada pelo príncipe ás


medidas legbiffitWas adoptadas pelos outros ramos do corpo
legislativo.
A sancção se effectua pela assignatura que o principe poem
Tobre o autografo da lei.
Esta sancção he necessária para dar aos rezultados das de-
liberaçoens do corpo legislativo, o caracter, e a força de lei ;
por quanto si não se requeresse a sancção , não só não se poderia
oontar com huma execução fiel, e exacta, mas tãobem o princií
pe não seria mais do que o agente passivo das vontades do ou-
tro poder , das duas câmaras , de quem dependeria sempre des-
conhecer-lhe a autoridade , arrancar-lhe das maons o poder
executivo , e finalmente mudar a forma do governo.
Por conseqüência as propoziçoens feitas em nome do prin«
cipe , posto que acceitas pelas duas câmaras , ainda não são
ieis , e nem o serão, em quanto o principe não houver por bem
sanccionaUas,
Pode na verdade acontecer , que huma lei, urgente no
dia da sua propozicão deixe de ser necessária no momento em
que se tractasse de saccional-a , e promulgal-a. Tal seria , por
exemplo , huma lei feita em tempo de guerra, que hum tracta-
do de paz de então em diante tornaria inutil.
Dada porem a sancção , ha lei, e nada mais cumpre do
que fazel-a executar.
Advirto que a promulgação he o primeiro acto da
execução.
N ° 4 D A R E C S I A Q PERIÓDICA DAS CÂMARAS.

As câmaras deveráõ ser permanentes ? E si não devem .


que intervallo convirá haver entre as suas sessoens ?
Estas questoens taõbem saõ importantes ; e eisaqui o que
se deve considerar á este respeito.
i ° Si o corpo legislativo levasse muito tempo sem reunir-
se , deixaria de haver liberdade, por que de duas couzas huma
aconteceria necessariamente , ou naõ haveriao mais rezoluçoens
legislativas , e o estado se precipitaria nas voragens da anarchia ,
ou essas rezoluções seriaõ tomadas pelo poder executivo , o qual
se tornaria absoluto.
2 ° Seria porem inutil que o corpo legislativo estivesse sem*
jjre reunido ; o que sobre serincommo^o aos reprezejjtantes 8
i5,^
<€>io8<®>
occuparia demaziado o poder executivo , que então não cui-
daria em executar], mas em deffender as suas prerogativas, e ao
direito , que tem de executar.
3 ° Demais , si o corpo legislativo estivesse constantemente
reunido , poderia acontecer que não se fizesse outra couza si
não supprir com novos deputados aos que fossem morrendo ; e
neste cazo huma vez que o corpo legislativo estivesse corrompi»
do , o mal seria irremidiavel. Quando diversos corpos legislati-
vos se succedem huns aos outros : o povo si tem em má conta
o corpo legislativo actual, com razão libra as suas esperanças
no vindouro ; si fôr porem sempre o mesmo , o povo,
vendo-o corrompido , desesperará das suas leis , e ou se enfure*
cera ou cahirá na indolência.
Acresce que as necessidades de hum povo, variâo segun-
do os diversos acontecimentos da sua vida politica ; pelo que
he necessário que aquelles , que yivendo no meio d'elle, devem
conhecer melhor as suas necessidades, venhão expol-as , e pro-
por medidas capazes de salisfazel-as.
Por tanto releva que o corpo legislativo não esteja sempre
reunido , mas que as suas sessoeus se reproduzaõ periodica-
mente.
Emfira também he de mister que os deputados sejâo re-
novados com intervallos de curta duração.
Todos es>tes pontos devem ser estabellecidos pela consti-
tuição.
NUMERO 5 ° Do VOTO DO IMPOSTO.

Ja dice que ao poder legislativo he que compete votar


os impostos, pois o thezouro publico não se compondo sinao
do contingente das rendas contribuídas pelo povo , he justo
que o povo seja consultado antes de ser decretada a quan-
tidade desse contingente : os seus reprezentantes são encar-
regados de responder pela extenção dos sacrifícios que elle
pode fazer.
Demais , o imposto he o preço das garantias, e não he de-
vido sinão por aquelles que as obtém. Pertence pois aos re-
prezentantes dos diversos interesses da sociedade julgar si estas
garantias çãg obtidas j e não he pïoyayel que as duas câmaras
<§>iog<&
combinera em recuzar o imposto sem as mais ponderozas
razoens.
Outra consideração importante.
Si o poder legislativo eotatue não para cada anno, mas
para sempre , sobre a arrecadação dos dinheiros públicos, ar-
risca-se a perder a sua liberdade, por que o poder executivo en-
tão não dependerá d'elle : e quando temos igual direito para
sempre, he assaz indifférente, que o tenhamos de nós ; ou
de outrera.
O imposto por tanto deve ser votado annualmente. Isto
he huma garantia da fiel execução das leis, e da moderação na
receita , e despeza publica , cujo excesso poem em risco não só
as propriedades particulares , sinão também todas as garantias
tanto publicas como particulares,

NcKEao 6 DA LIBERDADB DAS DISCUSSOENS , E DELIBERA-


ÇOENS NAS CÂMARAS.

A* que fim se propõem as câmaras legislativas reunidas ?


A discutir as leis propostas , e aprestar-lhes o seu consentimen-
to , cazo lhes parecão sabias , e conformes com as necessidades
reaea do paiz.
Ora para que este consentimento seja verdadeiro , he ne-
cessário que seja livre.
D'aqui se segue que se deve considerar como attentado
contra esta liberdade, todo o meio directo ou indirecto , fran-
co , ou clandestino , pelo qual o principe ou os seus ministros
procurem fazer predominar a sua vontade nas discussoens, ou
nas deliberaçoens das câmaras.
Os únicos meios permittidos são a autoridade ou o credi-
to que sempre obtém os talentos, e a boa fé desenvolvida nos de-
bates legislativos, e nos promenores d'estas altas e difficeis
funcçoens.
Os meios geralmente àdoptados para lhes garantir a inde
pendência são estes.
Os regulamentos , a vigilância , e a policia interna das câ-
maras lhes pertencem excluzivamente.
Os seus prezidentes, questores, secretários, escrutadores
escolhidos d'entre 06 seus membros primeiramente são designa-
das pela ançiarjidade , e ao depois pela eleição.
AS suas importantes rtzolueoens são adoptadas por es-
crutínio secreto.
O principe e os membros da família real não podem ter
assento nas câmaras , salvo unicamente tia abertura das sessoens.
Algumas constituiçoens levaõ o rigor apondo de proiubi-
rem o ingresso das câmaras aos ministros, e aos outros agtr.ter
do poder executivo, querendo que todas as commnmcaçoens
lhes sejaò feitas por escripta, e as discussoens sustenta
oradores do governo : estas precauçoens porem me pareqern ex-
cessivas , e mal concebidas para os interesses geraes.
Era todos os cazos, mormente quando as câmara-,
verem de ser convocadas extraordinariamente , o numero do?
seus membros prezentes para que haja deliberação j nunca de-
ve ser menor de dous terços,

A U MERO 7 DA. PUBLICIDADE DAS DISCÜS90EHS NAS CÂMARAS.

A publicidade das discussoens nas câmaras funda-*


inapreeiaveis vantagens de patentear todos os motivos da legis-
lação , de inspirar d'est a arte o respeito, e a confiança , cíe fir-
mar o credito publico, de dar direccão a opinião, de inocuiar
a instrucção em todas as classes , de abi preparar d'antemào le-
gisladores instruídos , e sobre tudo de pôr em practien , e de
vulgarizar esta precioza maxima —Que a boa fé lie a única baae
de huma boa política , e de sabias instituiçoens.—
Esta publicidade eru fim tem a grande vantagem de fdzer-
que os eleitores de algum modo assistão ao exercido dos p* deres
por elles confiados aos seus reprezentantes, edeofferecer-lh.es
hum meio seguro para que julguem do seu procedimento , e da
sua sabedoria , de sorte que por meio da publicidade toda a
nação pode conhecer sieste ou aquelle deputado he firme , in-
tegro , e illustrado , e si convém reelegei-o.
Acresce que esta publicidade consiste mais na facilidade
offerecidá aosjornaes para tomarem os debates das duas câ-
maras, do que na admissão de grande numero de espectadores
ás suas sessoens, admissão que poderia cauzai? gravíssimos in-
convenientes.
NUMERO 8 J)AS INCOMPATIBILIDADES.

O principal, e talvez o único meio de obter garantias


II<#
reaes ., onde só âs ha factícias ou de conservõl-^s nos palzes,
que leerrt á felicidade de as possuir reaes, he huma optima esco-
lha de reprezenlantes. Para isto he de misler que haja huma
ir.biea de homens que as reclame , ou as man lenha energi-
aente, e que rido tenha á seu cargo interesses políticos di-
versos d'aquelles de cuja defeza esíá encarregada.
Por tanto importa muito reflectir sobre a inoompalibili-
d-3 de certas funcçoens publicas, com e cargo de legislador.
Quanto aos deputados, dispõem algumas constituiçoens ,
••>; ministros , e conselheiros de estado , os empregados das
secretarias, os cortezãos, e os assalariados pela coite, não
possão ser eleitos reprezenlantes.
Esta dispozição he demaziadamente rigoroza , e oííende a
Jade dos suffragios pnhlicos : pode excluir da urna eleito-
ral .hoiueos tanto mais dignos da confiança do povo guaiilo elles
a.leem sabido captar em postos onde he mais difficil conserval-a.
N'este ponto parece suficiente que a nação seja dirigida pelo sen-
dos seus iuteresses. Si ella quer realmente &é6 repre-
sentada , comprehenderâ per si mesma , que huma assernblea
em que affluissem os empregados na administração do paiz , isto
he , os delegados do poder executivo, do elemento monarchico ,
üode deixar de ser mal reprezenuda.
Por tanto, hum povo illuslrado nunca escolherá os seus
ienrezenfantes com preferencia , d'entre os funccionarios públi-
cos , mas não os excluirá absolutamente ? si estes lhe parecerem
dignos da sua confiança.
D'estas idéias também he conseqüência natural, que si o
deputado escolhido pelo povo , em huma classe independente ,
aceda no decurso da sua missão legislativa , hum emprego pu-
blic , tique sugeilo á huma reeleição. Si os que o elegerão pa-
ra deputado teem tanta confiança na independência ds seu ca-
racter j, que se persuadem que a sua nova poz;ção não lhe faiá sa-
cdricar os interesses do povo, de novo lhe darão os seus suffra-
gios : no cazo contra tio elegerão outro.
O deputado, que durando a sua missão , não acceita func-
ção alguma publica, dá irrefragavel pi ova de nobreza de ca-
racter , e colloca-se em poziçao de conservar inteira indepen-
da em todas as oecazioens em que se tractar de examinar os ac-
tos dos ministros.
O sentimento porem que induz á tão nobre sacrifício he
<^>H2«#
talvez exagerado , mormente nos tempos em quê se tracta de
reformar a moral de huma nação : o seu rezultado he impedir
que homens estimaveis fortifiquem com o seu assenso a marcha
ministerial, quando esta acertar de ser conforme com os inte-
resses hem entendidos da massa da nação.
Os mesmos perigos , porem , não se podem assignalar
quanto aos membros da câmara aristocrática, pois que não re-
prezentando ella os interesses geraes do povo , mas tão somente
os de huma pequena fracção, não he para temer tanto, que o seu
concurso entre os agentes do poder executivo seja prejudicial
a nação.
Sem embargo porem d'isto os senadores nunca se devem
esquecer , que sendo elles os cidadãos mais elevados , não
lhes pode convir preencher funcçoens subalternas, assim como
que he contrario â razão e á dignidade da sua alta missão, que
homens que podem ser chamados para julgar os ministros, sejão
pela mór parte seus subordinados.
Contra este grande perigo publico cumpre que toda a
constituição preserve a sociedade.
c
N 9 ° DAS PREROGATIVAS PESSÔAES DOS MEMBROS DO CORPO
LEGISLATIVO

He natural , e justo , que os membros,do corpo legislati-


vo , como taes , pois participão da mais importante porção do
poder soberano , gozem de certas prerogativas pessôaes.
Os pares , ou chefes das familias patricias , possuindo o
seu poder á titulo vitalício , e não sendo nunca despojados da
sua alta dignidade , ainda mesmo nos intervallos das seasoens
devem as suas pessoas gozar de maiores prerogativas.
Estas prerogativas consistem geralmente :
i ° Em não poderem ser prezos sinão por autoridade da câ-
mara á que pertencerem , isto he sera que os seus pares o or-
denem.
2 ° Em não poderem ser julgados sinão por elles era materia
criminal. Ja expendi os motivos d'esta garantia de sua seguran-
ça pessoal, e da sua independência.
A dignidade dos deputados ou reprezentantes , sendo tem-
porária , tem geralmente recebido garantias mais fracas ; as
quaes apezar d'isto são as seguintes :

ti
<#>ii3<#
1 ô Que durando a sessão , nenhum deputado pode ser per*
seguido , ou prezo por cazo crime sem que a sua câmara tenha
decretado a accuzaclo.
A única exeepçao á esta regra he o cazo de flagrante de-
licto ; e todos sahem , que neste cazo , nenhuma garantia ex-
traordinária deve abroquellar a hum cidadão tenha a qualifi-
cação que tiver, cujo crime não pode ser contestado.
2 ° Que nenhum membro da câmara pode ser prezo nem du-
rante a sessão, e nem durante certo lapso de tempo anterior
á ella.
Esta dispozição funda-se em que havendo plena faculdade
de prender ainda debaixo dos mais sólidos pretextos , ella poderia
empecer a marcha das deliberações , e ate impedir que a câmara
cumprisse os seus deveres , si por ventura não reunir o numero
de deputados necessário para que haja caza. Acresce que he
necessário deixar decorrer, ainda depois de encerradas as câ-
maras , certo espaço de tempo , para que seja licito descarregar
golpe tão grave contra a pessoa de homens que acabão de pre-
encher funcçoens augustissimas , como são as de legislador.
Quanto as prerogativas da 3 w parte integrante do corpo
legislativo , isto he 3 quanto as prerogativas do piincipe , expol*
as-hei d'aqui a pouco quando fallar do poder executivo.

N ° 10 As FUJYCÇOENS DOS MEMBROS DO CORPO LEGISLATIVO DE-


VEM SER 'GRATUITAS.

A excepçab do monarcha , cuja throno , he a primeira


instituição publica , as funcçoens de todas as ordens de repre-
zentantes , quer electivos , quer vitalicios , são essencialmente
gratuitas. Dar-lhes honras , salários , retribuições ou indem-
nizações , ou quaes quer outras vantagens pecuniárias pugna
em igual grau que alterar-lhes, ou destruir-lhes o caracter.
Talvez me venhais dizendo que não convém que estas
funcçoens sejão onerozas.
E por que não ? Não ha duvida que ellas são cargos : este
he o seu antigo e verdadeiro nome , e he o que as discrimina
honrozamente dos empregos propriamente dictos, que são outra
espécie de funcçoens publicas.
Alem disto , cumpre que nôs guardemos de crer na utili-
dade do luxo , e fasto dos reprezentantes ; n'isto ha extremo
ï6,

1
^II/J^
perigo tanto para elles, como para o pôvo.
A couza mais pernicioza que ha ao dezenvolvimento,'e á ma-
nutenção do systema reprezentativo , he essa supposta conside-
ração , que ao dizer do vulgo , se adquire pelo facto , em subs-
tituição da estima que se obtém por meio de serviços honrozos;
O membro de huma câmara de deputados não he mais do
que hum cidadão , hum subdtcto , hum governado , escolhido
entre os seus pares para accidental, e temporariamente occu-
par-lhes o lugar : este serviço não o exclue da classe commum.
Quanto aos pares , aos chefes das famílias patrícias, he na-
tural suppôr que nao precizão receber estipendio algum , por
quanto em geral reprezentio a grande propriedade territorial.
Ora si o monarcha julga conveniente elevar á este immi-
nente cargo hum cidadão distincto por serviços relevantes pres-
tados ao estado , e esse cidadão nào tem fazenda suficiente para
sustentar a sua nova dignidade, cumpre ao estado inteiro á
quem elle pertence, dar-lh'a , e a nação certo nunca recuzará
deferir a provocação que o seu rei lhe fizer á esle respeito,
todas as vezes , que os serviços que elle tractar de por este meio
recompensar, forem realmente dignos de tal signal da munifi-
cencia nacional.

N ° I 1 DA OPPQMÇA.Õ SYSTEMATICA.

Todo o cidadão , e mormente o que tem a missão de re-


prezentar os interesses geraes deve clamar contra toda a violação
ou antiga , ou moderna das garantias , estabellecidas pela lei
fundamental. Taes reclamaçoens são justissimas , e honrozissi-
mas , e por isso não podem deixar de triumfar , com tanto que
se'jã.o enérgicas , decentes , pacificas , e porfiadas.
Assim que a oppozição nas câmaras não deve consistir si-
não em repellir todas as medidas legislativas , cujo rezultado
fosse destruir as garantias , e lezar os interesses que cada huma
das câmaras está encarregada de deffender.
Homens públicos , ou particulares rezolvidos de antemão a
contradizer em todos os pontos , ao poder executivo , sãoinfal-
livelmente ou inimigos da tranquillidade do estado, ou ambi-
ciozos ligados contra os ministros , aos quaes almejão succéder,
ou então intrigantes que mendigão empregos por meio de araea-
cas , pedindo favores ; para assim dizer, com mão armada»

fc
<§>u5<^
Iilude-se grosseiramente quem preconiza este systemacomo
huma das garantias sociaes. Sâo inconcebíveis as desvantagens
de huma oppozição cujo principal empenho he repellir as pro-
pozicoens dos ministros , sendo que o seu único fim he destruir
os próprios ministros. Em quanto a oppozição nao tira a limpo os
seus dezejos , os abuzos, e a discórdia subsistem ; mas quando
de minoria passa a ser maioria e repelle algum importante pro-
jecto de lei, os ministros, que o propozeraõ, cahem ; os seus
successôres são tirados da oppozição, os quaes per seu turno di-
rigem o timão dos negócios ate que huma nova oppozição , que
em breve se formará consiga derrotal-os.
Si o systema reprezentativo houvesse de consistir n5este
mizeravel jogo de intrigas tão somente j por certo não valia a
iena que os povos fizessem tamanhos sacrifícios para estabel-
Í ecel-o.
Que importão estas mudanças aos homens sensatos e pací-
ficos que só aspirão viver em segurança , e com liberdade. Elles
se propõem a eleger deffensôres dos seus direitos , e interesses
privados , e não candidatos á dignidades publicas.
A manutenção , ou a obtenção das garantias deve de ser
o único fim de huma nação. Mas o único meio profícuo de
querer estas garantias he não dezejar nenhuma outra couza,
nem catástrofe , nem mudança de homens e de couzas , nem tri*
umfo de seitas , nem constituição nova , nem reforma ou emen*
da alguma de nenhum dos artigos da constituição existen-
te , embora lhe enxerguem deffeitos, nem emfim nenhu-
ma outra administração geral, sinão a que houver solemne-
mente renunciado ao arbítrio , e efficazmente se abstido do pe-
rigo de lhe renovar o scandalo.

REZUMO DOS ELEMENTOS DO PODER LEGISLATIVO.

Em sumraa , a organização do poder legislativo em todas


as monarchias reprezentativas , deve ser de tal natureza , que
offereça os seguintes rezultados.
Primo , huma câmara popular composta de reprezentan-
tes escolhidos por aquella porção do povo que pertence deveras á
pátria , e que á liberdade da pessoa , e dos direitos reúne huma
propriedade de certo valor , raadureza de idade, e ceito grau
de iilustracão.
16 »

4
#>n6<#>
Reprezentantes , que per si mesmos offereção com maior
grau de intensidade , estas garantias de patriotismo , d'espirito
de sabedoria , e de prudência , e que escolhidos por certo tempo
nas diversas dívizoetis políticas do império , conheçâo á fundo
as suas necessidades , e os seus recursos , e nào tenhão interest
ses oppostos aos que forem encarregados de deffender.
Ernfim , eleitores, e eleitos , que não sejão em tão dimi-
nuto numero , que á respeito dos primeiros, a constituição do
estado deixe apoz d'elles , huma excessiva quantia de proletá-
rios , constituindo assim huma verdadeira aristocracia debaixo
dapparencia do elemento democrático , e que quanto aos se-
gundos , isto he quanto aos eleitos , a sua reunião não possa re-
prezentar com dignidade hum paiz vasto , e huma população
importante.
Secundo, huma câmara aristocrata composta de todas as
grandes illustrações nacionaes , que á principio para ahi sejão
chamadas pela livre escolha do monarcha , mas que recebão esta
sublime magistratura á titulo vitalício , devendo o seu numero
ser tal que esteja em harmonia com o dos deputados, e com as
necessidades do paiz.
Tercio , hum monarcha hereditário , que pela sua expe-
riência practica do governo da sociedade, allutnie as outras duas
porçoens do poder legislatativo sobre a possibilidade de applicar
as suas theorias ; proponha directamente as leis , e as sanccione,
isto he, lhes dê vida.
A reunião periodica , e necessária das câmaras legislati-
vas , depois de intervallos determinados pela lei fundamental.
Outro sim a certeza dada por esta lei , de que os impostos
serão votados annualmente, e que o poder executivo náo pode-
rá deixar de convocar ás câmaras , cuja continua vigilância he
preciozissima ás liberdades publicas , e cujos conselhos são
proveitozissimos aos verdadeiros interesses da coroa.
A. cerca das discussoens , e dehberaçoens das câmaras ,
plena liberdade , que garanta a independência dos votos e a ma-
dureza das rezoluçoens.
A admissão do publico ás discussoens d'estas câmaras, a
fim de preparar a autoridade moral das leis , e lançar mais se-
guros fundamentos da obediência , que lhe ha de ser devida.
A declaração d'esta regra que todo o deputado ,
que durando o curso da sua missão acceitar qual quer era-

fc
<^>II 7 <^>
prego dependente do poder executivo, seja obrigado a su-
geitar-se á nova elleiçaõ, afim de que os que o escolherão
oulr'ora , julgemsi elle conserva independência suffieiente para
naõ sacrificar os interesses do povo , á sua ambição.—
Prerogativas concedidas aos membros das câmaras por bem
de sua dignidade, e da sua segurança pessoal, e pela utilidade
publica j que rezulta da tranquilia factura das leis.
Completa gratuidade das altas funcçoens dos membros das
câmaras , para que se lhes naõ altere o caracter essencial, que
he o de hum cargo publico, e por conseguinte o cumprimen-
to de hum dever para com a sociedade civil.
Huma oppozição emfim, que so tenha a mira em defíender
os direitos, e os interesses geraes,

§ 2 ° DA ORGANIZAÇÃO DO PODER EXECUTIVO.

Em todas as sociedades civis, que se constituem , feita a


lei constitucional, e regulada a forma do governo , resta insti-
tuir o poder executivo.
O homem , ou os homens á quem a naçaõ investe d'esté
poder naõ devem ter outra vontade , sinão a da lei, a qual,
quando elles acceitão o poder, seobrigão ou expressa ou tacita-
raente a fazer executar , e a Jhe serem fieis. A. nação também
promette obediência á l e i , e aos actos do poder executivo ; e he
de notar que obedecer aos preceitos d'esté poder , não he mais
do que obedecer alei , pois a sua execução deve ser sempre
o objecto dos seus actos.
Nesta instituição do poder executivo, a nação não se sub-
mette â hum senhor, pois este poder he tão sugeito á lei , co-
mo todos os outros cidadãos , e não he estabellecido sinão para
velar á prol da sua execução : a nação sugeita-se á hum , ou á
muitos chefes, que a administraõ, os quaes em regra saõ res^
ponsaveis isto he devem sempre dar contas da sua gerencia.
O rei naõ he outra couza sinaô o protector de toda a na-
ção. He absurdo dizer que elle he o seu senhor. Todo o se-
nhor pode uzar ? e abuzar. Ora os reis naõ teem direito de
uzar e de abuzar nem dos indivíduos , e nem das propriedades
que constituem a sua riqueza. Só as leis teem o poder de dis-
por da liberdade , e da fazenda dos particulares , e as mesmas
leis que abuzassem d'estes objectos , seriâo tyranicas".

*
<#-ii8<#>
Reconhecido este caracter do poder executivo, vejamos
quaes são as suas prerogativas.
I a A pessoa do monarcha deve ser inviolável e sagrada :
o, seus ministros porem , e os outros agentes seus devem ser
lesponsaveis.
2 ~ Só o monarcha deve ter o poder de convocar, e pro-
vocar as câmaras.
^ 3 " Só o monarcha deve ter o direito de dissolver a dos de-
putados.
4 P Também só elle deve dispor das forças de mar, e
terra.
5 a Só elle deve ser o arbitro da paz , e da guerra.
6 ° Só elle deve fazer os regulamentos rela th os a execução
das his.
7 M Só elle deve nomear todos os empregados civis, e mi-
litares , pagos pelo estado.
8 * Elle deve ter hum thezouro independente do da naç3o.
Islo he o que constitue o poder real propriamente dicto ,
ajunetando-se-lhea iniciativa , e a saneção das leis.
Para melhor appreciarmos estas prerogativas, convém
tractar cada huma délias de per si.

NUMERO 1 ° DA INVIOLABILIDADE DA PESSOA DO MONARCHA , E


DA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES DO PODER EXECUTIVO.

Não he mister que o poder legislativo tenha a faculdade


de impedir a acção do executivo , o qual sem plena liberdade
como poderia attingir o fim que lhe he disignado ? Demais co-
mo o poder executivo se exerce sobre couzas momentâneas,
tem mais necessidade do que qual quer outro , de livre arbítrio.
Mas si em hum estado livre o poder legislativo não deve
ter o direito de impedir a acção do poder executivo, tem, ede*
deve ter a faculdade de examinar de que maneira os leis que
See são executadas.
D'esté direito de exame , e da severidade com que fôr ex-
ercido , depende a fiel execução das leis , e por conseqüência
o bom governo.
Seja porem qual fôr este exame, o corpo legislativo u5o
deve ter o poder de julgar a pessoa e por conseguinte o proce-
dimento do que executa as leis, A sua pessoa deve ser sagra-

i
<^>Iig#>
J a , e esia prerogative he necessária ao estado , para que o
corpo legislativo se não torne tyranico , o que por certo acon-
teceria desde o momento em que o monarcha fosse acuzado,
ou julgado, deixando por conseqüência de haver liberdade.
D aqui o seguinte rifâo político , admiltido por todos os
governos constitucionaes : — o rei não pode fazer mal; a sua
pessoa he in -violável, e sagrada.—
Mas como o que executa não pode executar mal sem 1er
conselheiros maus , queaborreção as leis como ministros, pos-
to que ellas os favoreção como homens, os ministros podem ser
perseguidos, e punidos.
. E d'aqui esta outra maxima — Os ministros são respon-
sáveis.—-
Os ministros pois estão entre o rei , e a lei, afim de con-
ciliar-se a inviolabilidade da pessoa sagrada do monarcha, com o
que este mesmo monarcha deve a autoridade das leis. ( i )
Por conseqüência todas as vezes, que pela violação das
leis , o estado foi traindo , ou que hum cidadão recebeu algum
damno em sua pessoa, ou em seus bens, e que o culpado he
o poder executivo , só os ministros devem soffrer o pezo d'ac-
cuzação , e reparar o que for reparavel.
No primeiro cazo , isto h e , si se tracta de hum crime,
que importa ao estado perigo ou damno, pertence á sociedade
toda, por bern do interesse geral accuzar, e punir por meios
extraordinários o ministro traidor, ou concussionario.
D'aqui esta dispozição, eslabellecida em todas as consti-
tuiçoens dos governos reprezentativos , — que os ministros só
podem ser accuzados pela câmara popular , e julgados pel?
aristocrática.-—
Si se tractar de delictos commettidos pelos ministros no
exercicio das suas funcçoens , contra particulares ?
IS'este cazo pode-se admittir que o ministro fique izento
d'applicaçâo das penas ordinárias : o decoro, sinão a necessi-
dade d'esta prerogativa política, não he difficil de justificar.
Todavia si hum ministro commelter huma morte , ou qual quer
( t ) « Os conselheiros da coroa respondem por todo o mal , assim co-
* mo vemos os conductores attrahirem á si o elemento das tempestades, des-
« carregarem a nuvem d'elle , e preservarem do raio a soberba cupula dos
« nossos monumentos. » (Dupiu , o moco , processo de Figaro , á s8 de Agosto
de 1829.;
<#I20<#
ouíro crime d'esia natureza, e gravidade, na pessoa de bum
cidadão , nem a mesma autoridade real deve poder subtrahir
o culpado á vingança das leis, salvo si for depois do julga-
mento , e por meio de perdão.
Comeffeilo a garantia do ministro procede unicamente das
suas funcçoen".
Ora não se pode dizer que funeçaõ alguma ponha hum
ministro na obrigação de commelter huma morte , por exemplo.
Logo he razão que o ministro n'este cazo seja considerado como
simples cidadão , e como tal accuzavel, e punivel perante os
juizes e pelos meios ordinários.
Em todos os outros cazos em que hum ministro oíTende ,
e arrisca por hum diîicto commetlido no exercício das suas
funcçoens , a honra , a liberdade , e a fazenda de hum cida-
dão , pode estar sobranceiro a acçaõ penal, sim, mas deve
ao cidadão huma indemnizaçaÕ , que será demandada , discuti-
da , e sentenciada pelos meios civis.
NaÕ se pode comprehender bem a natureza do poder real „
em quanto naõ se reconhece que o fim d'esla admirável combi-
nação poütica , he conservar a inviolabilidade real, tirando-lí>e
os seus instrumentos logo que esta inviolabilidade ameaçar os
direitos, ou a segurança da naçaÕ. IVislo está todo o segredo.
Si para consagrar a inviolabilidade real , se exigisse que
a vontade do rei estivesse á abrigo de îodo e qual quer erro , a
inviolabilidade seria huma chimera. Combinando-a porem
com a re.-ponsabilidade dos ministros , faz-se que ella possa ser
respeitada realmente, por que si a vontade real se desvairar,
naõ será executada.
Demais he de notar que o principio da responsabilidade
he favorável aos ministros, pois he huma espécie de refugio
contra as vontades arbitrarias , e injustas do principe.
NaÕ ha duvida , que os ministros são os que as mais das
vezes excitaõ os reis a ultrapassarem as raias da sua autor idade,
a fim de se apossarem do poder absoluto. Mas por outro lado
que valente predominio a vontade de hum rei não exerce sobre
a conducta de hum ministro , agente subordinado , e depen-
dente por sua pozição, por seus deveres, e algumas vezes até
por sentimento !
Por tanto he por bem não só do ministério , mas também
do principe, e de toda a sociedade , que as conslituiçoens le*»
<%>12Î<%>

yantSo hum baluarte , que proteja os ministros das freqüentes ,


e perigozas seduçoens ; desorfe que lie verdade corrente — que
a responsabilidade ministerial defende o principe contra o minis-
tro j e o ministro contra o principe, e a nação contra osabuzos.—
Alem d'is to , he força confessar que nunca se viu minis-
tro algum violar os direitos pessôaes, sinao quando as leis lhe
offerecem ou Jhe indicão os meios. Contra esta espécie de cri-
mes públicos, de todas a mais grave , o remédio está muito mais
na pureza da legislação , na rectidão , e energia da opinião pu-
blica , do que n'esses processos d'estado , onde de ordinário a
a forca substitue a equidade , e onde ou accvizados , ou aecuza-
dòres , os culpados são sempre os que triunfáo;
Huma responsabilidade ha , conseqüência necessária da
ministerial, muito mais importante para os particulares,
que he a responsabilidade material dos agentes inferiores do po-
der executivo.
Os cidadãos naverdade estão muito mais sugeitos á elles ,
mil contractus diversos os submettem á sua autoridade : inu-
meráveis occazioens se offerecem para os abuzos , os quaes se
multiplicai) á medida que nôs alongamos do poder supremo.
He verdade geralmente reconhecida , que. os maiores tyranos
do povo se achão entre os mais somenos agentes do poder.
Por tanto he necessário que em todas as cidades, em t o -
das as povoacoens , e ainda nas mais pequenas aldei§6 , situa-
das nos confins do império, o mais obscuro cidadão violenta-
do na sua pessoa , insultado na sua honra , perturbado ha sua
propriedade por hum agente secundário, que o tenha damnin-
cado illegalmente no exercício das suas funcçoens , possa obter
directamente contra este administrador , perante os juizes do
lugar sem despezas , sem perigos, e sem delongas , a reparação
civil, que lhe fôr devida.

NUMERO 2 ° D A CONVOCAÇÃO , E DA PROROGAÇAÕ DAS C Â -


MARAS NACIONAES.

O corpo legislativo nâo se deve reunir per si mesmo : por


que só se julga que hum corpo tem vontade , quando está reu-
nido , e sinaÕ se reúne unanimemente , naõ se pode dizer de
que parte verdadeiramenle está o corpo legislativo, si da que es-
tá reunida, si da que naõ está.
»7,
Si o corpo legislativo se podesse prorogar per si mesmo ,
podia acontecer , que isto nunca tivesse lugar , o que fora pe»
ricTozo , cazo quizesse attentat" contra o poder executivo.
Fora d'isto , tempo ha mais conveniente que outros para a
reunião do corpo leg slativo.
Por tanto deve pertencer ao poder executivo o direito de
regular o tempo e a duração d'estas assembleas, segundo as cir-
cunstancias que forem do seu conhecimento.
Acresce que o direito de convocar as assembleas legislati-
vas naõ dá ao poder executivo, superioridade sobre o legislati-
v o : este direito funda-se unicamente na confiance que a naçaõ
depozita no principe no tocante a salvação, e utilidade do
corpo politico. A incerteza , e a variedade dos negócios hu-
manos em geral impedem que se possa prescrever de antemão ,
e de hum modo util, a epocha em que as assembleas podem ex-
ercer o poder legislativo.
Ora d'aqui he que nasce a questão de saber o que se deve-
rá fazer si o poder executivo , tendo nas suas mãos todas as for-
ças do estado , se servir délias para ob^tar que se reunão e o-
brem os membros do poder legislativo , quando a constituição
primitiva da sua assemblea, e as necessidades publicas o re-
querem.
Sobre este delicado ponto eis o que diz Loke : « Respondo
« que os qqe teem o poder executivo, obrando como se acaba
« de dizer , sem autorização , e por hum modo contrario a
« confiança, que nelles se depozitou , estão em guerra
« com o povo , que tem o direito de restabelecer a assemblea
« que o reprezenta , tornando a pol-a no exercício do poder
« legislativo. Por que tendo o pôvo estabellecido esta assem-
« blea , destinando-a para exercer o poder de legislar em cer*
« tos tempos designado^, ou quando o bem da sociedade assim
« o exigir , si acazo for impedida por meio da força de fazer o
« que he taõ necessário á sociedade e aquillo em que a seguran-
« ça e a conservação do povo consistem, o pôvo tem o direito
n de destruir este obstáculo , por meio da força.»
O direito de convocar n'este cazo não encerra o de não
convocar ; antes he evidente que o poder executivo deve reu-
nir as câmaras nacionaes tantas vezes quantas determina a lei
fundamental.
A necessidade de obter o voto da lei do orçamento, be

/
<è>l2o<ê>
mais huma excellente garantia da convocação periodica das ca*
maras.
o
NUMERO 3 Do DIREITO DE DISSOLVER A CÂMARA POPULAR

Era bum paiz vasío , não pode haver liberdade , sem


assembleas representativas, revestidas de prerogatives legaes ,
eforles. Estas assembleas porem não carecem de perigo ; e á
prol da mesma liberdade , he mister preparar meios infalliveis
de prevenir os feus desvarics.
Quando a autoridade reprezentaviva não tem limites, cs
représentantes do povo , em vez de serem deffensôres da liber-
dade , são candidatos da lyrania. Ora quando a lyrania está
constituida , he talvez tanto mais horroroza quanto maior he o
numero dos tyranos. Sob huma constituição de que faz parte a
reprezentação nacional , a nação só he livre , quando os seus
deputados teem hum freio,
A assemblea que não pode ser nem reprimida , e nem con-
tida , he de todos os poderes o mais cego nos seus movimen-
tos , e ornais incalculável nos seus rezultados ainda mesmo pa-
ra os membros que a compõem. Rompem em excessos que á
primeira vis»a parecião impossíveis. Huma aelividade indiscre-
ta sobre todos os objectos, huma descomedida multiplicidade
de leis, o dezejo de agradar á parle apaixonada do } ovo , en-
tregandç-se-lhe , ou prevenindo-lhe o impulso, o despeito que
lhe inspira a resistência , que encontra , ou. a censura que sus-
peita , a oppoziçãoao senso nacional 3 e a obstinação no erro 9
o espirito depaitido que não deixa escolha sinão nos ex-
tremos , o espirito de corporação, que só dá força9 para a
Ozurpaçaõ , a temeridade , a indecizaõ , a violência , ou a
fadiga , a condescendência para com h u m , ou a desconfiança
pura com todos, o arrastamento por sensaçoens puramente fí-
sicas , bem como o entbuziasmo , ou o terror ; a auzencia de
toda a responsabilidade moral á vergonha da cobardia , ou ao
perigo da audácia , taes saõ os vícios das assembleas , quando
senaõ achaõ circunscriptas dentro delimites alem das quaes
naõ possaõ passar.
Humá assemolea cujo poder he illimitado he mais teme-
roza do que o povo. Os homens reunidos teem impulsos gene-
rozos. _ Elles saõ quazi sempre vencidos pela compaixão, ou
encaminhados pela justiça, e isto por que estipulaõ craseupro-
17. »
^ 1 2 4 ^
pno norne. A turba pode sacrificar os seus interesses ás suas
commoçoens, mas os reprezentantes do povo naõ estaõ autori-
zadas para impôr-lhe tal sacrifício. A violência de huma reu-
nião popular combina-se n'ellas com a impossibilidade de hum
tribunal, e esta combinação naõ consente excesso , salvo o do
rigor. Em huma assemblea ordinariamente dá-se o nome de
traidores aos que reclamão medidas indulgentes. Os homens
implacáveis saõ algumas vezes vituperados, mas nunca suspeitos.
Embalde se contará com a força de .huma maioria razoá-
vel , si essa maioria não tiver garantia era hum poder constitu-
cional, excêntrico á assemblea. Huma minoria compacta,
quêtera a vantagem do attaque, que assusta, ou seduz, ar-
gumenta ou ameaça alternadamenle ou mais cedo ou mais tarde
ha de dominar a maioria. A violência reúne os homens , por
que os cega á cerca de tudo o que naõ he o seu fim geral. A
moderação os divide, porque deixa-lhes o espirito exposto à to-
das as consideraçoens parciaes.
Deste quadro talvez concluaõ que saõ desnecessárias as as-
sembleas reprezentativas? Mas entaõ o povo deixaria deter agen-
tes, o governo, a p p ô i o , e o credito publico, garantias. A na-
ção separar-se-ha do seu chefe , e os indivíduos da naçaõ , de cu-
ja existência naÕ haverá prova alguma. As assembleas repre-
zentativas saõ a única couza , que dá vida ao corpo po-
litico.
Verdade he que esta vida tem seus perigos , cuja imagem
certamente naõ enfraqueci. Mas quando os governos para se desa-
pressrem d'estes perigos , tentaõ suffocar o espirito nacional, e
suppril-o por mecanismo , apprendem a sua custa, que ha outros
riscos contra os quaes o espirito nacional he o único refugio t
em cujo damno o mais bem combinado mecanismo naõ pode
conjurar.
Por tanto he necessário que existaõ assembleas reprezenta-
tivas livres , respeitáveis , e animadas , com tanto porem que os
seus desvarios possão ser reprimidos. Ora a força repressiva d&-
ve ser collocada fora das assembleas, pois as regras, que ellas
se impõem por sua propria vontade , saõ illuzorias , e impro-
ficuas. A mesma maioria que se deixa ençadeiar em formu-
las , quando lhe parece, quebra essas formulas, e reassume o
poder depois de o haver, abdicado.
O veto real necessário para as leis circunstanciaes, he in»
sufficiente contra a tendência geral : irrila , e naõ desarma
a asseuiblea hostil,
A dissolução d'esta assemblea he o único remédio.
A dissolução n to he como se tem dicto hum ultraje aos
direitos do povo ; pelo contrario sendo livres as elleiçcens he
numa appellação interposta para os direitos do povo d favor dos
seus interesses.
O monarcha ainda aqui he o protector do povo, e jun-
tamente do seu throno. Digo , sendo livres as eleições j por
q u e , não sendo , não ha systema reprezentativo.
Entre huma asseuiblea que se obstinasse em não fazer lei
alguma , em não provera necessidade alguma , e hum governo
que não tivesse o direito de a dissolver , que meio de adminis-
tração haveria ? Ora quando este meio não se acha na organi-
zação política , os acontecimentos o coliocao na forca. A forca
vem sempre em appoio da necessidade.
Sem a faculdade constitucional de dissolver as assembleas
reprezentativas, a sua inviolabilidade será sempre chimeri-
ca, Elias seráõ íeridas na sua existência , por que os seus
elementos naõ poderão 6er renovados.
A díssolueão offerece o meio para esta renovação , e tende
a restabellecer o equilíbrio em todas as partes , por que taõbem
he a única via pela qual o monarcha pode conhecer os votos , e
os verdadeiros interesses do paiz , quando em seu espirito se
levantar a mais grave duvida sobre a fidelidade com que a assem-
blea dos deputados pretende exprimilos.

^ ° 4 D A DISPOZIÇAO DAS FORÇAS DE TERRA , E MAR.

Pensa Montesquieu que por bem da liberdade he mister


que o exercito seja povo, e que tenha o mesmo espirito que o
povo: para inspirar-lhe este espirito propõem que aquelles que
houverem.de ser empregados na milícia tenháo bens, que lhes
abonem a condueta, e não sejào arrolados por mais de hum anno.
Estas condicoens parecem inexequiveis, ao menos na
pozicão do mundo moderno , e nos estados hum pouco extensos.
Exercito de proprietários he impossível , salvo quando
a nação está circunscripta á limites mui estreitos. Neste eazo
os soldados desta nação podem ser obedientes, e todavia
raciocinar sobre a obediência. No seio da sua pátria natal ,
<#>I2Í]<#>
nos seus îares , entre governantes , e governados , por eues
conhecidos, a sua iotelligencia toma alguma parte na sua sub-
missão.
Mas em hum império vasto esta hypntheze he absoluta-,
mente chimerica. Hum império vasto ha mister que os solda*
dos sejâo tão subordinados , que se tornem em agentes passivos
e irreíÍectidos. Logo que são destacados , perdem todos cs dados
anteriores que Mies podião esclarecer o juizo. Des que hum
exercito se acha á frente de desconhecidos , quaes quer que sejão
os elementos , de que se elle componha , não passa de huma
força que tanto pode servir , como destruir.
Por conseqüência empregal-a habitualmente no interior
do paiz, he expor este paiz á todos os inconvenientes com que
huma grande força militar ameaça a liberdade , e isto he o que
tem perdido tantos povos livres.
Depois destas reflexoens sobre o exercito propriamente
dicco , vejamos a maneira porque a força aimada em geral deve
ser organizada. Examinarei ao depois de quem he que ella deve
depender.
A força armada tem por fim trez objectos différentes : i c
repellir os estrangeiros: 2 c reprimir os delictus particulares,
eommettidos no interior : 3 ° reprimir os delictos públicos , isto
he , abafar as perturbações e sediçoens.
Si se tractar de repellir os estrangeiros , não ha nada mais
natural, do que postar as tropas destinadas á este'fim , o mais
perto que for possível d'elles , isto he nas fronteiras, pois nao
ha necessidade alguma de deffeza contra o inimigo onde o ini-
migo não está.
Asssim , a princeira classe da forca armada deve ser com-
posta de soldados propriamente dictos , estacionados nas fron-
teiras , ou proximo á ellas, que garantão a defeza exterior. Esta
força deve ser distribuida em différentes corpos, sugeita á che-
fes , que não tenhão rellacaõ entre si , e disposta de modo que
possa formar hum todo , no cazo de aggressaõ. Isto hfi o que
se chama hum exercito de linha.
2 ° Si se tractar de punir delictos privados eommettidos
no interior, a força destinada para esta repressão deve ser ab-
solutamente différente do exercito de linha. Os Americanos
tem reconhecido esta verdade. Nenhum só soldado con-
sagrado a manutenção da ordem apparece sobre o seu vasto ter-

/
<#> 127 <#»

ritorio ; alii lodo o cidadão he obrigado a prestar soccorro ao


magistrado no exercício das suas funcções.
Esta obrigação porem tem o inconveniente de impor aos
cidadãos deveres odiozos. Na Europa , nas suas populozos ci-
dades . com as suas multiplicadas rellacoens, com a oclividade
da sua vida , cpm os seus negócios , com as suas occupaçoens ,
com os seus prazeres, a execução de semelhante lei , fora vexa-
tória , sinaõ impossível : Iodos os dias cem cidadãos seriaÕ
prezos por haverem recuzado ajudar a capturar hum so homem :
por tanto he de mister que tropa assalariada se encarregue volun-
tariamente d'estas tristes funcçoens. He certo que criar huma
classe de homens para dedical-os exeluzivaruente á perseguição
dos seus semelhantes he huma desgraça ; mas este mal he me-
nor do que o de estigmatizar todos os membros da sociedade,
forçando-os a prestarem soccorros á medidas , cuja justiça as
mais das vezes elles naõ podem appreciar.
Por tanto esta parte da força armada será destinada a ap-
póiar a policia.
Ella naõ terá os perigos de huma grande instituição mili-
tar , pois deve ser desseminada por todo o território , visto que
se permanecesse reunida em hum só ponto , os criminozos fica-
rião impunes em todos os mais. Esta tropa sabeiá per si mes-
ma qual he o seu destino. Acostumada antes a perseguir do que
a combater , a vigiar antes do que a conquistar , nunca tendo
provado a embriaguez da victoria , o nome do seu chefe nunca a
arrastar! a faltar os seus deveres , e todas as autoridades do es-
tado serão sagradas para ella.
A' esta segunda classe da força armada pode-se dar o nome
quesequizer; na França chama-se gendarmerie , ou o corpo
dos gens-d1 armes,
Si se traclar de reprimir perturbaçoens , e sediçoens nem
a gendarmerie será sufficiente, e nem taõbem convirá recorrer
a tropa de linha. Pode-se formar outro exercito , composto de
proprietários, e de cidadãos. Muito pouca moralidade, ou fe«
licidade cabe que tenha o povo para que esta força seja favorá-
vel aos rebeldes, ou répugne charaal-os á obediência le-
gitima.
O motivo que torna a gendarmerie necessária contra os
delictos privados , não subsiste quando se tracta de crimes pú-
blicos» O que dóe na repressão do crime r não he nem o atta-
que , nem o combate ; e nem o perigo , mas a espionagem , a
perseguição , a necessidade de serem dez contra h u m , e de se
prenderem , e agarrarem os crimino/.os, quando se achão iner-
mes. Contra dezordens porem mais g r a v e s , contra sedi-
cões , rebellioens, os cidadãos que amarem a constittuição
do seu paiz ( e nenhum haverá que a não ame , huma vez
mie as suas propriedades , e liberdades sejão garantidas por ella )
pressurozos correrão a lhe prestarem soccorro.
Ainda mais: os cidadãos nunca se furtão a defeza da pátria,
quando a possuem : voão á prol da sua independência no exte-
rior , qnando no interior gozão liberdade : si ficão quedos então
lie por que não teem nada que perder.
Debaixo deste ponto de vista , esta força armada , com-
posta de proprietários , e cidadãos pode reunir-se vantajozamen-
te ao exercito de linha para deffender o território.
Esta terceira classe da forca publica chama-se em toda a
parte , guarda civica ou guarda nacional, p o r q u e na verdade
ella não pode ser composta sinão de cidadãos, e a sua missão h e
proteger a nação no interior. Voltemos agora ao exercito pro-
priamente dicto.
Criado o exercito á quem pertencerá o direito de com-
rnandal-o ?
O exercito não deve depender immediatamente do corpo
legislativo , e sim do poder executivo; e isto pela natureza da
couza , pois consiste mais em obrar do que em deliberar.
H e modo vulgar de pensar , que a coragem he mais digna
de consideração do que a timidez, , a activiclade, do que a pru-
dência , a força do que os conselhos.
O exercito desprezará sempre a h u m senado , e respeitará
aos seus officiaes 5 naõ fará cazo das ordens que lhe dirigir h u m
corpo composto de pessoas, que elle julgar fimidas , e por isso
indignas de o commandarem. Por tanto logo que o exercito de-
pender unicamente do corpo legislativo , o governo se tornará
militar.
Ora si o exercito sendo governado pelo corpo legislativo ,
e m virtude de circunstancias particulares naõ se tornar militar ,
rezultaraô outros inconvenientes; de duas , huma : ou será ne-
cessário , q u e o exercito destrua o governo , ou que o governo
enfraqueça o exercito , e este enfraquecimento terá huma cauza
mui fatal, p o r que nasíiçrá da fraqueza do próprio governo.
<^>l2g<§>
O meio de prevenir estes tristes rezultados , he conferir ò
commando das forças de terra , e mar ao depozitario do poder
executivo , ao principe.
Cumpre porem fazer algumas restricções ao direito que
tem o monarcha de commandar pessoalmente o exercito.
O principe , que fòr fiel cumpridor dos seus deveres,
n5o deve fazer d'esté commando a sua principal occupação. Ou-
tros muitos pontes importantes reclaroão tanto mais a sua vi-
gilância em tempo de guerra , quanto a guerra importa sem-
pre dezarranjo ao mecanismo , e á marcha dos negócios or-
dinários.
Si o principe larga por mão o manejo d'estes, para ex-
clusivamente applicar-se aos cuidados que exige o commando de
hum exercito", s i , para assim dizer , desce do throno , ( onde
todos os ramos d'adtninistraçao civil , e militar devem estar de-
baixo dos seus olhos , para entregar-se somente ás particulari-.'
dades de hum d'elles ) e não ser, sinão hum dos agentes se-
cundários do poder supremo , a forma do governo soffrerâ cho-
que , e ficará combalida. O exercito longe de ser hum corpo
essencialmente obediente, e protector, pode tornar-se huma
força tirânica , e oppressiva ; e talvez que em substituição do
paternal e moderado governo monarchico , venha hum governo
militar absoluto , o mais perigozò de todos para quem o exer-
ce ) e o mais cruel para o povo que o soffre.
Outra consideração poderoza he esta : o principe que se
encarrega de commandar o exercito contrahe para com elle
huma obrigação incompativel, e para assim dizer , contradic-
toria com os deveres á que esta obrigado para com a sociedade
toda. Si elle soffrer hum revez , vêr-se-ha na necessidade ou de
arriscar gravemente a segurança do estado , ja em demaziado
perigo pela sua auzencia , ainda no meio dos triumfos, e dps
mais brilhantes suecessos , ou de fugir vergonhozamente, sa«
crificando o exercito , e acarretando sobre si a suspeita de huma
cobardia infame.
Em regra o chefe de huma monarchia bem constituída não
commanda o exercito pessoalmente.
Esta regra só tem huma excepção , cuja infracção pode
trazer dezastrozas conseqüências : que he no cazo de imminente
perigo ; quando por exemplo , huma parte do território he in-
vadida por estrangeiros, Então a salvação da pátria consiste in*
18,

\
<#>i3o^>
teiramente ná victoria. O corpo do estado tem interesse em
soccorrer huma das suas partes, que está em perigo. Não ha
hum só cidadão , que podendo pegar em armas , não se dera
reunir debaixo das bandeiras , e voarão combate. Portanto
o orincipe podendo com o seu exemplo sustentar a coragem ,
excitar o enihuziasmo , atalhar os effeitos perigozos das rivali-
dades entre os generaes, não deve ficar ao longe mudo e quedo
espectador dos estragos , e da distruição das suas províncias ,
nem tão pouco cobardemeute encerrado nos muros da capital,
esperando que o inimigo o venha ferir no seu throno.

N ° 5 DA PAZ , E DA GUERRA.

O direito de fazer a paz, e declarar a guerra em huma


monarchia não pode ser attribuido srnãoao monarcha. Hum
povo governado monarchicamente interessa que a sua dignidade
esteja segura e o único meio que tem para isto he confial-a ao
monarcha, cujo nome ao menos por este modo se identificará
com os successos gloriozos , e honrozos que acontecerem, du-
rando o seu reinado.
Mas n'este governo , a responsabilidade do direito de paz ,
Í de guerra deve recahir , como em todos os outros cazos ,
sobre os ministros , os quaes podem ser accuzados por terem
aconselhado a declaração da guerra, ou a acceitação da paz,
sendo qué estes actos tenhão o caracter de traição ao estado. O
conselho provar«se-ha exhuberanternente pela conservação dos
seus lugares, e pela continuação dos seus serviços. Da mesma sor-
te o ministro da fazenda, que em huma monarchia constitucio-
nal, quizesse lançar tributos sem o concurso do poder legislativo,
Seria punivel, como responsável pelos actos inconstitucionaes
que houvesse practicado para transigir com a vontade do
principe.
Em huni governo reprezentativo em que domina o ele-
mento democrático , cazo em que deve tomar o nome de repu-
blica , o direito de paz, e de guerra, não deve ser conferido,
sinão ás câmaras nacionaes , por que so ellas reprezentão a na-
ção , e podem determinar o que mais convier aos seus inte-
resses.
Em huma monarchia constitucional pelo contrario, em
que o monarcha he o protector natural da sociedade, só elle

/
#>i3i<#>
tem sufficiente conhecimento dos factos , que podem dar lu»ar
ao exercício do direito de paz , e da guerra ; conhecimento,
que fallesce ás assembleas nacionaes , pelo que não podem ser
juizes de hum tractado de paz, ou de huma declaração de
guerra.
Quanto as regras que determinão a justiça ou injustiça das
guerras , impossível he dal-as positivas.
A opinião publica quazi nunca se engana sobre a legiti-
midade das guerras que os governos emprehendem : preceitos
determinados á esle respeito he impossível estabellecer.
Dizer que o governo se deve circunscrever a guerra de-
fensiva , e não dizer nada , he huma , e a mesma couza.
He fácil ao chefe de hum estado , reduzir por meio de
ameaças , e de preparativos hostis , o seu vizinho a atíaeal-o .;
e neste cazo o culpado não he o agressor , mas aquelle que o
obrigou a lançar mão das armas como meio de salvação.
Assim que a deffensiva pode não ser algumas vezes , sinão
astuta hypocrizia e a offensiva precaução de legitima defeza.
Prohibir que os governos continuem as hostilidades alem
das fronteiras , tãobem he huma precaução illuzoria- Quando
o inimigo nôs altacou gratuitamente , e os expulsamos para
fora das nossas fronteiras , convirá que detendo-nôs era huma
"linha ideial, lhe demos tempo para reparar as suas perdas, e
tornar de novo á carga ?
A única garantia possivel contra as guerras inúteis , ou
injustas j he a energia das assembleas reprezentativas.
A' ellas , e ao sentimento nacional he que nos devemos
reportar quer para appoiar o governo, quando a guerra he justa,
embora seja feita Lra do território nacional, huma vez que o
seu fim seja inhabilitar o inimigo de nos fazer mal, quer para obri-
gar o mesmo governo a fazer a paz , conseguido o objecto da
defeza , e firmada a segurança , sendo que o único meio que ha
para constrangel-o á isso , he recuzar-lhe o dinheiro necessário
para continuar a guerra.
He porem necessário pôr limites ao direito excl-uzivo de
fazer a paz , ou a guerra : estes limites consistem em que em
tractados com potências estrangeiras , não se possa inserir clau-
zula, que influa sobre a condição ou sobre os direitos dos cida-
dãos no interior do reino.
Si as clauzulas dos tractados estiverem â disposição do
18 »
<®>l32#>
poder executivo , si elle poder tornar obrigatórias para a nação }
clazulas que influão na sua poziçao interior , nenhuma cons-
tituição poderá subsistir.
Hum rei supersticiozo contractaria com algum dos seus
vizinhos , supprimir a tolerância religioza. Outro rei inimigo
da liberdade da imprensa , contrataria com outrera que tal sub-
nietter os escriptôres ás mais oppressivas restrições; e deste modo
todas as garantias concedidas pela constituição seiião cassadas ?
e aniquiladas sem discussão , e com hum simples traço de pena.
Demais estes limites não offendem nem de leve a inviola-
bilidade do monarcha , o qual íica inviolável, mas ninguém o
pode servir assim n'este como em todos os outros pontos alem
dos limites constilucionaes , o que se reduz â isto —- que o mi-
nistro que em virtude de hum tractado olfendesse a integridade
do império , a liberdade dos cultos , e da imprensa seria tão pn-
nido j como aquelle que allegasse a vontade real para a execu-
ção de prizoens arbitrarias , ou para arrecadação de impostos
não decretados.—i
Si em huma monarchia reprezenlativa os tractados de paz
devessem estar sugeitos ás câmaras nacionaes, o seu exame nun-
ca poderia ter por fim regeital-os , ou admittil-os , mas unica-
mente rezolvey si os ministros teem cumprido com os seus de-
veres nas negociacoens. A desapprovação do tractado n'este ca-
zo ; não tem outro rezultado sinão a demissão , ou a accuza-
eão do ministro que servio mal ao seu paiz.
He fácil conceber quanto esta faculdade deve conter os
ministros antes da concluzão dos tractados.

NUMERO 6 Dos REGULAMENTOS RELATIVOS A EXECUÇÃO DAS LEIS.

Ja dice , e nunca será demaziaJo repetir , que a primeira


de todas as garantias , que se podem e&tabellecer á favor dos di-
reitos privados , e dos absolutos que o homem recebe da.natu-
reza , he a divizão dos poderes sociaes. O poder que faz a lei,
e o que a executa devem ser devididos : a lei e a sua execução
devem ser inteiramente distinctas.
Este deve ser o principio fundamental de toda a cons-
tituição.
Não ha duvida que a l e i , e a sua execução se encadeião ,
como a conseqüência se encadeia ao principio ; mas são cotizas
<®>r33<Í>
iistîncïas, como o principio he diaUncto da coasequencia.
A lei dirige a execução , e a execução fornece á lei as lu-
zes da experiência. Por tanto ha entre ellas a mesma rellação ,
que ha entre a theoria , e a practica. Em huma palavra a lei
o direito , a execução he o facto. Mas^ para que o jacto ,
que he a conseqüência seja conforme com o direito, he mister
que a lei seja bem entendida não só por todos os funccionarios ,
que devem de concorrer para a sua execução, mas também
pur lodosos cidadãos a quem a lei impõem deveres.
D'aqui certos actos pelos quaes o poder executivo deve-se
propor a promover a execução das leis.
Estes actos chamaõ-se regulamentos a"administração pu-

Por tanto os regulamentos d'adrainistraçao publica saõ


a pelos quaes o principe determina, applicando a lei , de
hum modo geral, com prividencia e para o futuro.
Estes actos impõem preceitos sobre o que para se conforma-
rem com a lei, devem fazer os cidadãos e funccionarios públicos
era huma ordem de couzas , e debaixo de certas e determinadas
condiçoens.
Os regulamentos se assemelhaõ as leis em ordenarem a to-
dos os cidadãos , e em todos serem obrigados a obedecel-os.
Sem embargo porem d'isto ha algumas differenças essen-
icuaes entre as leis propriamente dicias, e os regulamentos.
A lei que deve ser haurida na natureza das couzas, e cu-
jo objecto he estabellecer a melhor ordem possível, he per-
petua ao menos na intenção do legislador.
Os regulamentos d'adrainistraçao publica > cujo único fim
he promover a execução da lei, devem-se accomodar aos luga-
res , e as circunstancias , e variar com ellas ; pois a inexecuçaõ
da lei pode ter conseqüências mais graves n'este do que naquel-
le lugar.
2 a As leis devem estabellecer em cada materia as regras
tundamentaes, e determinar as formulas essenciaes ao exer-
cício dos direitos.
Ospromenores da execução; as precauçoens provizorias ,
ou accidentaes , os objectos instantâneos, ou variáveis, em hu-
ma palavra todas as couzas ; que requerem antes vigilância da
autoridade , que administra , do que a intervenção do poder
legislativo, que institue, ou cria, saõ da alçada dos regulamentos.
Os regulamentos são actos de magistratura ; as leis da so-
Lera nia.
Assim pois Òs regulamentos naõ podem erear poderes pú-
blicos, nem- autoiizar i m p o s t o s , nem definir c r i m e s , n e m es-
tabellecer p e n a s , ntem coarctar os direitos públicos do-, cida-
dãos; nem estatuir seja no quer que for sobre os seus direitos
privad s , salvo si for para desenvolver os piincipios cuias con-
aequéticias as leis lhes cdnfíaõ.
3 c Q u a n t o a foríilülá , os regulamentos differem tfas leis
em que a sua formula he inteiramente estranha ás que sào n e -
• cessarias para fazer Ins , pois à autoridade d'onde elles emanüu»
não lie legislativa sinão com a cooperação das câmaras nacionaes.
4 ° Devendo ser continua a vigilância do poder executivo ,
o qual deve apparecer onde quer que o chamem as necessidades
da sociedade , está claro que deve por meio de regulamentos
obrar com actividade igual ao do curso dos acontecimentos.
Pelo contrario l o n g a s , e profundas meditàçoens devem
amadurecer as deliberaçoens do poder legislativo, e a sua mar-
cha , posto que naturalmente assaz lenta , ainda he mais r e t a r -
dada ctelo apparato que deve cercar as suas deliberaçoens.
õ ° Ernfim he de notar , que os regulamentos d'administra-
ção publica , estão sob a vigilância das câmaras , e podem dar
lugar a accuzacão e ao julgamento criminal dos ministros , ca-
zo esses regulamentos contenhão violação das leis existentes ,
ou aiteslem que o poder executivo nzurpou attribuiçocns do
poder legislativo : estes actos então são considerados como fa-
ctos de traição pelos quaes são necessariamente responsáveis o
ministro ou ministros , que os referendào.
D'estes caracteres he fácil concluir que só ao piíneipe de-
ve competir a faculdade de fazer regulamentos d'adtr.inistraeao
publica. P o r t a n t o todos os outros funccionarios públicos em
regra devem ser excluídos d'esta prerogotiva. Estes actos são de
tão alta importância que não podem ser attribuidos á magistra-
dos inferiores ; alem d e que he evidente que não ha pessoa al-
guma no estado mais propria para Lzer regulamentos do que a
pessoa política , que t o m a n d o a mais activa p a r t e na feitura das
leis , e tendo-as longa e profundamente meditado , necessaria-
m e n t e hade conhecer melhor a sua intelligencia, acrescendo qire
coilocado na cupula do edifício social, e junctando as luzes da
practica á sciencia da theoria , deve saber melhor que pinguem 3

quaes as medidas que convém prescrever , quaes os precuios
que convém dar a fini de eonseguir-se regulai-, e pacifi-
ai» execução das leis , seu único movei, e seu. invaiiavo] norte.
Com tudo convém fizer huma distinceao. Os regula-
mentos, e sobra ludo os regulamentos de policia são de duas
espécies; huns são relativos a generalidade dos cidadãos : ou-
tros só dispõem para tal localidade , para tal divizaõ do tei-
ritorio.
Os regulamentos geraes naõ devem , e nem [iodem ema-
n a r , sinão do principe : isto lie da natureza das couzas.
Mas da sua sabedoria está delegar o direito de fazer regu-
lamentos locaes , e particulares.
São fáceis de comprehender os motivos d'esta distinção.
O principe não pode saber tudo , e nem estar em toda a
parte, por conseqüência he impossível, que elle proveja per
si mesmo á todas as oceurrencias , que sobrevem em todos os
lugares do império, e que quasi sempre deraandaõ celeridade.
Por tanto neste cazo he acertado que o principe permitia aos
seus agentes darem as providencias necessárias.
Mas regulamentos que taes devem ser provizorios , para
que soffraõ a revizão do principe que os pode revogar , ou an-
nullar.
Acresce, que para isto ha huma x-azão hera .obvia, que he
poder cada hum d'estes actos dar lugar àapplicacaõ do princi-
pio da responsabilidade ministerial, pelo que cada hum dos mi-
nistros deve necessariamente ter o direito de exercer severa ins-
pecção sobre todos os actos dos agentes, que lhe saõ subordi-
nados , a fim deque evitem ainspecção mais elevada das câma-
ras legislativas , ou se preparem para soffieha.
Tal he pois o limite das faculdades do principe a este res-
peito. O principe não pode delegar esta porçaõ das suas altas
altribuiçoens, sitiaõ nos cazos em que os regulamentos que se
houverem de fazer, devaõ ser fundados em cousideraçoens par-
ticulares aos Ingarés para que elles são destinados.
Em todos os mais cazos, o principe he só quem deve
estatuir.
He necessário alem disto preservar o estado de,hum ver-
dadeiro perigo.
As leis nunca devem ser feitas de sorte que o seu texto
consista em algumas linhas, e se confie ao poder executivo o

cuidado de as desenvolveu por meio de regulamentos. Isto se-
ria hum artificio do despotismo., huma formula traidora , cuja
tendência seria reduzir as câmaras legislativas a vãos simulacros.
A isto he que nos últimos annos do reinado de Napoíeao , se
chamava pontas de lei.
Em toda , e qualquer materia a lei deve enunciar os prin-
cípios , e asprincipaes conseqüências, por que alias haveié
confuzão dos dous grandes poderes sociaes, e destruição das ga-
rantias publicas.
Por mais cazuistieas , e minuciozas , que sejão as dispozi-
çoens legislativas , sempre appareceráo cazos imprevistos pelo
texto , os quaes terão de ser decididos pela analogia , pelo es-
pirito da lei, e por todos os motivos tirados da razão natural, e
da utilidade publica; haverá sempre, principalmente em ma-
teria de administração, différentes modos de execução , e h u -
ma infinidade de medidas ommitlidas rellalivamenle ao tempo ?
ao dia , as horas , e a escolha especial dos agentes da execução.
Eis aqui a alçada dos regulamentos, dos avizos eainda
mesmo dos actos dos funccionarios encarregados da applicaçâo
especial das leis.
As leis pois nunca devem deixar á prudência do podei
execuiivo , sinaõ o que esiá nos limites razoáveis da autoridaot
regulamentar.
Fmfim cumpre notar que os regulamentos da administre-
cão publica , sejão quaes forem, e diraanem deque autorida-
de dimanarem , devem de ser publicados, assim como as leis 9
que elles teem por fim fazer executar. Si os ministros conser-
vassem occultas estas decizoens geraes, podião haver distin-
ção de pessoas , excepçoens de favor , ou de ódio , subver-
são secreta da constituição do estado; a porta estaria aberta á
todos os abuzos.
A publicação esclarece os subordinados , estabellece as
vantagens da uniformidade , proscreve a corrupção, e o arbí-
trio, desvia o perigo do poder executivo uzurpar o domínio das
leis , que elle deve sempre respeitar com escrúpulo proporcio-
nal adhezão aos interesses geraes.
NUMERO 7 D A NOMEAÇÃO DE TODOS OS EMPREGADOS TAKTO
CIVIS COMO MILITARES.
Logo que o poder executivo he instituído , e o cuidado ãt
fazer executar as leis lhe he confiado por Inima delegação geral,
indica a razão que o puder soberano não tem mais que fazer ,
ao menos quanto as pessoas.
Na verdade só ao poder executivo pode competir tanto a
indagação dos meios pelos quaes ha de desempenhar este alto
mandato , como a escolha dos homens que o haÕ de ajudar
n'esta vasta tarefa.
He iucontestavel pois qne os funccionarios da ordem ci-
vil e militar naõsao mais do que auxiliares dos ministros , e por
conseqüência, agentes, delegados do poder executivo, em
todos os ramos d'administraçào de hum estado.
Só o poder executivo os deve escolher, e os motivos são
evidentes.
Primo: elles sSoosseus instrumentos, e he impossível
conceber hum obreiro , que possa ser privado do direito de es-
colher com plena liberdade os instrumentos com cujo socorro
deverá executar o seu trabalho.
Ora, os funccionarios públicos tenhaõ o nome que tive-
rem , e estejaõ em que degrau da escada social estiverem, sao
verdadeiramente braços , e mãos da autoridade central, e su-
prema ; a qual sem elles , e^tá visto que naÕ poderia prover ás
taõ diversas, e multiplicadissimas necessidades da sociedade,
cuja protecção , e felicidade es taõ á seu cargo.
Demais , fácil he de comprehender , que para conseguir
a bôa execução das leis , cabe que os agentes empregados pela
administração naõ só estejaõ iniciados no pensamento do gover-
no j mas também que se lhe conservem fieis.
Ora como se poderiaõ esperar estes rezultados cora auxi-
liares, que o poder executivo naõ tivesse o direito de escolher
e nera taõ pouco a faculdade de destituir ?
Emfim estes fuccionarios obraõ em todos os pontos do im-
pério sob a responsabilidade do poder executivo ao qual podem
empenhar , e até mesmo comprometter.
Por tanto sobre ser de rigoroza justiça, he indespensa-
vel á bôa ordem da administração , que o poder executivo seja
só quem tenha o direito de escolher órgãos prudentes e fieis.
Ora , a faculdade de escolher , e nomear como acaba-
mos de ver traz comsigo a de demittir, e naverdade he princi-
pio incontestável, que o poder executivo tem o direito de cas-?
«ar os poderes á aquelles á quem os houver delegado.
<^>i38<^>
Com tudo certas funcçoens ha á respeito das quaes se de-
ve restringir o direito do poder executivo. As garantias necessá-
rias á sociedade lhe impõem este dever. Examinarei este pon-
to quando tractar mais especialmente da autoridade judiciaria»
Assim que o principe só deve gozar em toda a sua plenitude da
prerogative que faz n'este momento o objecto do nosso exame,
para com osfunccionarios administractivos propriamente dictos,
• Todavia não quero com isto dizer que as leis do estado
nào possão decretar certas regras para o exercício d'esta sublima
prerogative. Algumas ha mesmo , que todo o estado bem or-
ganizado deve admittir. Tem o primeiro lugarja que he rellativa
a admissão dos estrangeiros ás funcçoens publicas.
He obvio , que a segurança do estado 3 e a sua indepen-
dência requerem que se não entregue o cuidado de protegel-o ,
sinão á mãos iiocionaes , isto he á homens interessados, em
mantel-o e defendel-o , e que estão ligados á palria por todas
os laços que prendem hum cidadão ao seu paiz.
Por tanto os estrangeiros , não devem ser admittidos ao
exercício das funcçoens publicas , e,n quanto não offerecerern
ao estado , que os quizer empregar ? penhores de interesse , e
de verdadeira, adhezão.
Em segundo lugar pode-se estabellecer como regra , a ma-
xima que aconselha que se separem as funcçoens sacerdotaeb das
civis , e por conseqüência que não se confiem aos ministros da
religião , funcção alguma administractiva , seja ella qual for.
Ja demonstrei este perigo suíücienteniente.
Em terceiro lugar naõ se deve entregar nas mesmas mãos
os empregos civis , e os militares.
A' este respeito eis as principaes reflexoens.
Nas republicas fora assaz perigozo fazer da profissão mili-
tar hum estado particular, distincto do que exerce as funcçoens
civis. Nas republicas ninguém pega em armas sinão para def-
fender as leis, e a pátria. Si houvessem dous estados distin-
ctos , aqueile que no campo si julga cidadão persuadh>se-hia
que naõ era sinão soldado.
Por tanto nas republicas he necessário reunir estes dous
Cotados. Nas monarchias , os militares ordinariamente naõ as*
piraõ sinão á gloria , ou pelo menos á honra, e ás riquezas»
A' homens deste jaez não se devem dar empregos civis, os quaes
pelo contrario he mister que sejão contidos pelos magistrados ei-
vis, por quanto deve-se acautelar muito que as mesmas pessoas
não tenhaõ a confiança do povo , e junetaraente a força para a-
buzar d'ella.
Vede em huma nação em que a republica se occulta sob a
forma monarchies , quanto se teme a milícia , e como os mili-
tares são sempre cidadãos ou magistrados , para que estas quali-
dadea sirvaõ de penhor á pátria , que jamais se deve esquecer
d'ellas. Assim pois he da natureza do governo monarchico, que
os empregos civis estejão separados dos militares : cumpre poi
tanto separal-os.
Em quarto lugar he util estabellecer certascondiçoens de
saber , e certo tempo de provança , a fim de que a capacidade ,
e a moralidade dos homens á quem o poder se ha de confiar , te-
nha garantias.
Tal he , por exemplo , a necessidade de certa idade, que
annuncie a madnreza do espirito : tal he a necessidade de passar
por postos inferiores aquelle que quer obter os primeiros em-
pregos militares: talhe finalmente a necessidade do estudo, e
do conhecimento geral das leis , n'aquelles á quem se hão de
encarregar as funeçoens da ordem judiciaria. Tudo isto ( juneto
a outras dispoziçoens análogas) pode vir a ser objecto de leis se-
cundarias; e ao poder executivo cumpre conformar-se rigoroza-
mente com este dever.
Hum principio porem ha , que não deve estar consagrado
nas leis secundarias tão somente , mas na mesma constituição ,
que he o da admissibilidade de todos os cidadãos aos empregos pu»
blicos. Na verdade não ha couza que offenda, e desanime tanto
aos cidadãos , como o privilegio , e a parcialidade na destribui-
çaÕ d'esta espécie de favores : por conseqüência o unico meio
que tem o governo para chamar á si homens dignos, e capazes ,
he naõ entregar os empregos sinaõ á quem offerecer mais talen-
tos e virtudes.
Desgraçadamente attesta a experiência que o principio sa-
lutar da admissibilidade de todos os cidadãos aos empregos, al-
gumas vezes soffre restrição , ou quando menos interpetrações,
que as reduzem a huma pura abstração metaphizica.
Releva com tudo que este principio seja exarado na cons-
tituição , para que se saiba que ha legisladores taõ sábios que
o dezejaõ em theoria , e que podem haver governos taõ justos,
que o ponhaõ em piactica.
<§>i4o#>
Cumpre notar , alem disto , que sejaõ quaes forem as re-
gras estabellecidas em hum estado para a conferência dos luga-
res , e das dignidades, e por mais vasta que seja a sua preroga-
tiva ã este respeito ha limites indirectos e de outra natureza que
as leis.
Com effeito si o poder executivo he só quem pode dar lu-
gares , e dignidades, não pode pagar os ordenados sem as câ-
maras nacionaes. Faltando o dinheiro que he o nervo de todas
as couzas, o governo ha urgente necessidade de cortar pelos abu-
zos , e conservar-se no circulo do util , e do possível.
Assim que he com perfeita exactidâo, que de Lolme no
seu livro sobre a Constit. da Inglaterra ( titulo i ° pag. 69 ) diz
que o poder real y destituído do direito de lançar impostos, he
hum grande corpo , que não tem em. si o principio dos seus movi-
mentos. Çompara-o ao depois com hum navio completamente
esqui pado, sim, mas ao qual o parlamento , isto he , as duas câ-
maras , podem si assim lhe approuver , tirar-.lhe a agoa , e pol-o
em seco, ou á nado, concedendo-lhe , ou negando-lhe subsídios.

N ° 8 DA DOTAÇÃO DO MONARCHA.

Si he conveniente , e importante', que o poder executivo


para todas as despezas publicas dependa da nação pelo voto
obrigado das comaras , as quaes convém que tenhão os cordoens
üa bolsa, não menos conveniente, e necessário h e , que o prin-
cipe para as suas despezas pessoaes não dependa da necessidade
de esperar as suas rendas annuaes , da boa vontade dos seus
subdictos.
D'aqui nasce a creaçâo de huma Dotação.
Por esta palavra se entende a somma que o estado dá todos
os annos ao rei para as suas despezas, e para as da sua caza
real : tãobem significa o gozo dos palácios, castellos, herda-
des , e objectos preciozos attribuidos ao rei para que mantenha
o esplendor da sua coroa.
Esta instituição funda-se em duas ordens de idéias diffé-
rentes.
Primo : todo o funccionario publico deve de ser pago pelo
estado. Ora o rei he o primeiro funccionario , o chefe supre-
mo da nação 3 logo deve tractar-se com pompa correspondente
não só a importância , e magestade das suas funcçoens 3 mas
<^>I4I<#
tãobem a riqueza do povo, que o reconhece por soberano,
Emürn o monarcha deve de viver , quanto as suas necessidades,
em completa independência.
Secundo : a delapidação dos dinheiros públicos he huma
dao cauzas de descrédito, e de ruina : o seu mau emprego pode
destruir, ou quando menos contrariar os effeitos das melhores
instituieoens : por tanto convém que huma dispozicao constitu-
cional distingua as rendas publicas , das que são inhérentes á
coroa, e tolha que aquellas estejão á dispozicao arbitraria do
monarcha, e dos seus cortezãos.
Por conseqüência a creação da dotação he em tudo , e por
tudo não só hum acto de justiça , e de respeitoza deferencia para
com o principe , mas tãobem huma garantia importante assim
para a fazenda publica como para a particular.
Da definição de dotação rezulta que ella se compõem de
duas eouzas inteiramente distinctas.
i s Da somma votada tanto para a despeza annual do rei ;
como para a da sua caza real.
2 fl Do uzo e fructo dos objectos moveis, e immoveis que
constituem a dotação da coroa.
Sobre tudo isto convém que a dotação seja votada pela
i ° legislatura que se reunir depois da exaltação do rei ao thro-
no , isto he , n'essa espécie de extazi que tem lugar entre hum
rei , eoseu primeiro parlamento , para que seja estável duran-
te todo o reinado do monarcha , e lhe seja mais facii regular as
suas despezas.
He de saber que o estado não deve "perder a propriedade
dos palácios, castellos, herdades, e objectos jpreciozos , por
que os vincula a coroa , pois o monarcha não deve ter mais do
que o uzo , e fructo.
A conservação da fazenda publica, e o interesse dos suc-
cessors do príncipe imperiozamente exigem esta medida.
Outro sim he grande acerto estabellecer que esta dotação
não he imnmtavel, e pode ser renovada em cada huma exal-
tação.
Na verdade concebe-se que ou pelo desperecimento ( ine-
vitável condição de todas as eouzas humanas ) ou por qualquer
outro motivo , he possivel que de hum reinado á outro , os pa-
lácios , ou castellos, e as herdades annexas á coroa deixem de
estar em proporção cojn as necessidades do esplendor do throno»
<#>Ï42<§>
Por tanto ninguém ha mais azado do que a primeira legislating j
que se segue á exaltação do monarcha , par.i appreciar as co
deracoens nascidas de circunstancias capazes de influir sobre a
determinação das câmaras á respeito das propriedades do estado
que o monarcha deve uzufruir.
A' estas pede a prudência que se ajunctem mais duas me-
didas especiaes.
A primeira he que sejão inalienáveis os bens de
composer a dotação.
Segunda , que não possão ser adquiridos por prescripção.
Huma'vez que o estado perde o gozo , e a administrara)
dos seus bens , he de razão que não tenha o menor receio a cerci
da propriedade d'elles ; e estas medidas a protegem de todo
modo.
Emfim a dotação da coroa deve estar izenta de toda e
qualquer contribuição publica , afim de que não haja couza que
possa cauzar a menor afílição ao monarcha , ou a menor dimi-
nuição nas suas rendas.
Taes pois devem ser, em summa , as prerogativas attri-
huidas ao monarcha , e todo o homem que quizer meditar r.a
importância d'ellas, reconhecerá que em nenhuma outra fo^ma
de governo , os reis podem ser tão grandes , tão riecos, tão po-
derozos para o bem , tão acatados, tão firmes em seus thro-
nos, como no governo constitucional reprezentativo, cuja jamoz
parte do quadro he formada pelos principios precedentes. K'esta
ordem de couzas não ha duvida que o rei só por só forma huma
verdadeira potência , armada de todos os meios d'acçâo , coad-
juvada por todas as forças exteriores para que possa manter os
direitos individuaes e os públicos. Todas as demais instituiçoens
publicas são meros poderes , isto he , autoridades de direito ,
legalmente desprovidas de força fizica.
Por tanto este he o estado mais dezejavel para o principe
verdadeiramente animado dos sentimentos que estabellecem a
felicidade dos povos, e fazem com que a memória dos reis seja
eternamente abençoada.

§ 3 ° D A ORGANIZAÇÃO D'AUTORIDADE JUDICIARIA,

Primeiro que tudo-convém reconhecer bem os ©tememos


#>i43<§>
de que se compõem a autoridade judiciaria ; veremos ao depois
o como deverá ser ella exercida,

IN ° I ° DOS ELEMENTOS DA AUTORIDADE JUDICIARIA.

A autoridade judiciaria se compõem de dous elementos:


jurisdicção ? e mandamento.
A palavra jurisdicção se compõem de duas palavras latinas
jus , e dicere , dizer direito.
Ora, a lei confere huma jurisdicção todas as vezes , que
dit o direito de applicar as leis geraes aos cazos particulares ,
por meio de decizoens cujas formulas regula , e se obriga a fazei
executar : assim a acção da jurisdicção começa no momento em
que o juiz toma conhecimento do negocio que lhe he sugeito ,
e termina logo que pronuncia definitivamente. Em huma pala-
o poder jurisdictional consiste na faculdade de conhecer, e
julgar; de conhecer, isto lie, no direito de ordenar tudo quanto
he necessário para esclarecer a religião do magistrado ; no que
se curnprehende a vocação , ou o que he a mesma còuza o di-
reito de chamar todos aquelles cuja assistência na cauza pode
utilizar á justiça ; de julgar, isto he , de dar decizoens em
cazos particulares.
O que seria porem huma sentença sem meio de execução ?
Hum simples conselho , sempre desprezado por aquelles cujos
interesses contrastasse.
Esta reflexão tem occorrido á todos os legisladores, e to-í
teem ajunctado o mandamento á jurisdicção , e esta união ,
como acabei de dizer , he o que constitue a autoridade judiciaria.
A palavra mandamento tomada em accepção absoluta ,
ahfange todos os gêneros de poderes , e caracteriza emmiuente
monte a soberania ; applicada porem ás autoridades secundarias
ten» significação muito mais restricta.-
Debaixo d'esté ponto de vista o mandamento judiciário se
e em dous ramos : a coerção , e a execução.
A coerção consiste no direito que pertence á todos os jui-
zes de punir com penas leves , como multas pouco consideráveis,
ou prizao de curta duração, as injurias que lhe forem feitas no ex-
ercício das suas funcções.
Todo o Juiz , seja qual fór o grau que occupe na jerarchia
judiciaria , deve ter este direito de coerção : e este he o uuico
<§>i44<^
meio que ha para destruir os obstáculos que por ventura se oppo-
tessem ao pacifico cumprimento das suas funcçoens.
A coerção he huma parte mui tenue da ordem judiciaria.
O outro ramo , isto he o mandamento propriamente dicto , he
muito mais importante.
Este mandamento porem unindo-se com a jurisdiccão se
tempera , e modifica de maneira que nem tem a mesma liberdade
em seus movimentos, nem a mesma esfera d'actividade que rezide
nas mãos dos principaes agentes da ordem administractiva.
Eôra impossivel sugeitar á regras invariáveis o poder con-
fiado á estes agentes administractivos } por quanto obrigados a
prever , e prevenir tudo quanto possa perturbar a ordem publi<
ca, na o podem tomar conselhos sinão momentâneos.
Não acontece porem o mesmo com o mandamento unido á
jurisdiccão. Ora como esta união só se funda na necessidade de
assegurar o reinado da lei, o juiz não pode ordenar sinão em
nome da lei, e na forma por ella estabellecidl para a execução
das ordens que o autoriza a dar. O juiz porem não pode deter-
terminar sinão por dous modos; por mandados para citar, e
fazer comparecer em sua prezença ; e por julgamentos para
prescrever , ou prohibir , condemnar ou absolver.
Para preencher o voto da lei, e o fim d'esta instituição
basta que o direito de julgar se annexe huma porção da força pu«
blica sufficiente para assegurara execução de todos os mandados,
e julgamentos, em huma palavra, de todos os decretos da justiça;
pois à execução d'elles he que se limita o mandamento judiciário.
Assim que a autoridade judiciaria tem duas partes rouidis-
tinctas; a Jurisdiccão, e o mandamento. A jurisdiccão encerra-se
no direito de conhecer os processos , e lerminal-os por meio de
julgamentos. O mandamento unido á jurisdiccão se modifica de
maneira que todos os seus movimentos são regulados pela lei,
pelo que não pode obrar .sinão para fazer executar os decre-
tos da justiça,

N°2 Do EXERCÍCIO DA AUTORIDADE JUDICIARIA.

^ Estando agora bem conhecida a natureza da autoridade


judiciaria, he mister saber como se deve ella exercer em ham
çstado.
Ora nósja vimos que a primeira baze de todos os princi-
<^>i45<t>
pios á este respeito he que o principe não a deve exercer per si
mesmo , e que a boa ordem da sociedade exige , que elle dele-
gue o seu direito á juizes da sua escolha, que em seu nome ad-
ministrem a justiça. Agora por tanto não se tracta sinão de in-
dagar as condiçoens de cujo cumprimento depende a boa ad-
ministração da justiça.
Ora huma longa experiência tem demonstrado, que na
cabeça da lista destas condiçoens se devem pôr as seguintes.
A independência dos juizes ;
Recurso contra os seus erros possíveis ;
Punição das suas prevaricaçoens j
A creação de hum promotor publico perante todos os tri-
bunaes.
A certeza de que ninguém será julgado sinão pelos seus
juizes naturaes ,•
Escolha imparcial dos jurados em materia criminal ;
Publicidade de todos os debates judiciaes j
Obrigação de motivar os julgamentos ;
Liberdade de defeza ;
A simplicidade das formulas judiciarias ;
Emfim uniformidade da jurisprudência , e o menor nu-
mero possível de juizes ;
Examinemos agora separadamente a importância de cada
huma d'estas garantias.

ART. i ° Da I N D E P E N D Ê N C I A , DOS J U I Z E S .

As funccoens judiciarias podem ser delegadas de trez ma-


neiras : como commissão , como cargo, ou como officio.
As commissoens são revogaveis á vontade.
Os cargos, tãobem são temporários , mas o seu tempo he
determinado pela l e i , e no decurso da sua duração são irre-
vogáveis.
Os que são providos era ofãcio são inaraoviveis , e não po-
dem ser demittidos sinão por prevaricação, previa, e regular-
mente julgada.
A primeira questão que se offerece be saber á qual d'estes
dous modos se deve dar preferencia.
A resposta he que cada hum d'elles he preferível aos ou-
tros d o u s , segundo a natureza do governo estabellecido.
90
<^i46<^>
Si o governo be despotico não devem e nem podem haver
sinSo simpliees comraíssoens. Com effeito n'esta espécie de
governo a idéia de inamovibiiidade , a idéia de qualquer direito
não pode apprezentar-se ao espirito. Para que o exercício
d'esté direito podesse estar seguro por certo espaço de tempo
mais, ou menos longo, erâo necessárias garantias contra os
caprichos do déspota, couza que iria de encontro 'a natureza do
governo.
Nas republicas a lei he que confere os poderes , e não ha
autoridade que possa destruir a sua obra , por conseqüência não
pode haver demissão arbitraria : acresce que si os funccionarios
fossem inamoviveis o habito do poder lhes despertaria a ambi-
ção , e a liberdade publica correria perigo.
Nas monarchias porem onde as dignidades por mais subli-
mes que sejão distão incalculável mente da dignidade suprema,
onde a lei do estado oppoem entre o principe , e os seus sub-
dictos barreiras , que as mais audazes ambiçoens são forçadas a
respeitar, não somente a estabellidade do governo não he amea-
•çada pela inamovibiiidade dos lugares , mas he necessário que
os officios de judicatura gozem d'esta prerogativa , na qual prin-
cipalmente he que consistem as monarchias temperadas.
Si assim não fosse , si o temor das demissoens pairasse so-
bre os tribunaes , havia para que se temesse que o príncipe se
ingerisse no exercido da autoridade judiciaria , por que aquelle
que dispõem dos juizes facilmente incorre na suspeita de dispor
das sentenças.
Ora á este motivo de inquietação ajuntar-se-hia outro»
Onde quer que ha hum principe, ha huma corte; isto he intrigas,
egrandes, que ao seu nascimento , ás suas dignidades, e aos seus
serviços, associão o exercício do poder supremo do qual bem po*
dem abuzar. Este pensamento está sem duvida muito abaixo d'el-
les, e os juizes muito acima de temores que taes, mas a opinião se
assustará , e dirá.—Gomo he possível que o homem só , o homem
sem prestígios, ouze luctar contra hum adversário que tem nas
suas inaons os destinos d'aquelle á quem pede justiça ? E qual
seria a pozição do próprio juiz , si a sua existência podesse ser
compromettida â cada momento pela calumnia , e pela intriga ?
H Então qual seria o subdicto , que o respeitaria , que o teme-
<i ria , e que o obedeceria ? Si porem o seu estado for perpetuo,
« o juiz se sustentará , e mandará com dignidade , terá cara aos
4 / ^
maus , appoiará aos homens oe bem , vingará os ultrajes dos
« afflictos , rezislirá desassombrado á vio'encia dos tiranos sem
« temor , e nem susto de ser despojado do seu emprego , salvo
« si commette? crime, ( i )
Por tanto , relativamente as funcçoens judiciarias , o
principio he que ellas devem ser conferidas como commissões,
isto he revogaveis á vontade, nos governos despoticos ; como
cargo , isto lie , temporárias , mas irrevogáveis durante todo o
tempo fixo pela lei, nas republicas ; como officio , isto he , vita­
lícias , irrevogáveis, nas monarchias temperadas.
Assim que a inamovibilidade do juiz he a primeira ga­
rantia da sua independência. Ha porem meios indirectos pelos
quaes o arbitrio poderia invadir esta independência. • Cumpre
que a lei atalhe este inconveniente.
Por exemplo , o poder executivo poderia querer alargar s
ou restringir a extençâo do território assignado á cada jurisdi­
ção , poderia querer modificar o numero dos juizes de cada tri­
bunal ; poderia querer diminuir o ordenado , em que repouza a
existência do juiz e da sua família , poderia em íitn querer ne­
gligenciar ou desprezar as condiçoens necessárias para a eügibi­
lidade dos juizes.
O legislador deve prever todos estes perigos e estabelíecer
regras , que o poder executivo não possa violar sinão expondo a
responsabilidade ministerial. Por que não basta que a inamovi­
bilidade dos juizes seja certa , tãobem he necessário que as suas
funcoens não possão soffrer alteração alguma.
Si o prineepe poJer diminuir as vantagens, as prerogati­
vas, as considerações inhérentes a os empregos públicos, pôrát
os que somente os occupão por amor d'estas vantagens, na neces­
sidade de se curvarem ás vontades d'elle, podendo deste modo
mdirectameteobter,o que abertamente não lhe forpossivel pedir.
Por que a dependência eoi que o temor de perder arbitraria­
mente o lugar conserva a hum juiz não he maior do que o susto
que lhe he inspirado pela possibilidade de lhe cercearem as pre­
rogativas, que lhe fizerão sollicitar o emprego , e lhe recom­
penslo o zelo , e as fadigas» O juiz que fluctua na incerteza do
que virá a ser o seu lugar, não pode, salvo si possuir huma força
.. ■i . . . . . i ■ - I —nu II Klll.il-'

(i) Bodinrepubl. liv, 4. cap. 4 o


ao *
<#>i48<#>
de caracter rarissima , ter a mesma independência , que aquelie
cujas vantagens são seguras,-
A mesma razão milita para que cada magistrado tenha a
liberdade de recuzar as promoçoens ou remoções que lhe forem
offerecidas : e ainda quando o queirão promover para hum em-
prego mais honrozo , e lucrativo, elle pode temer quebrar as
suas rellacoens, mudar os seus hábitos, apartar-se dos seus bens,
dos seus amigos , da sua família , e de huma terra que ama.
Por tanto a sua vontade deve ser inteiramente livre. Só a lei
deve ter o poder de lhe impor sacrificios. Ha hum paiz onde o
escrúpulo à este respeito chegou á ponto que veio em duvida si
o princepe podia promover a hum juiz extraordinariamente , no
oazo de vagar lugar mais imminente : houve quem opinasse que
o uzo tendo estabeliecido a promoção pela antigüidade , elevar
á prezidencia hum juiz mais moderno com pretiriçaõ de hum mais
antigo, era ferir as prerogativas do officio. Temerão pela in-
depencia dos juizes, e diceraõ que aquelie mesmo que fosse so-
hranceiro ao temor de perder o seu lugar, podia ser influenciado
pelo dezejo de captar a benevolência para hum cazo de accesso.
Eu porem creio que sobre desnecessário he inutil este ex-
cesso de precaução , pouco lizongeiro ao caracter dos magistra-
Si o juiz for susceptive! de ser peitado ou subornado , mil
outros meios ha impossíveis de prevenir, e que se encaminhão
ao mesmo fim : não se pode vedar , que hum juiz se demitta do
seu lugar ; e si a esperança remota de accesso pode influir em
sua consciência , o offerecímento de hum emprego mais vanta-
jozo , em lugar do seu officio , terá o mesmo effeito : huma
pensão , melhoramentos aos seus filhos , aos seus próximos pa-
rentes , e amigos,- huma distinção honorífica ; a influencia do
amor, da vaidade , da ambição, da avareza , do mesmo modo
lhe poderão abalar a imparcialidade j e tenho por impossível
resgatar aos juizes das tentaçoens , que talvez lhe sejão offereci-
das , salvo si os obrigarem a viver vida monastica, e seqües-
trada da sociedade civil.
Demais a promoção pela antigüidade , singularmente fa-
vorece a preguiça , e a indolência ; entretanto que a emulação
incessantemente excita o zelo d'aquelles que vendo em hum ac-
cesso possível, a recompensa do seu saber, e das suas vigílias es-
forçar- se-hão para se tornarem cada vez mais dignos das altas fun-
coens que lhe estão confiadas.
<^>i49^
Acresce que para assegurar a independência dos íuizes ,
cumpre que se lhes marquem ordenados consideráveis. Regra
geral — Marcai as funeçoens publicas salários , que deem consi-
deração a quem as oecupar , ou entaõ fazei-as absolutamente
gratuitas.-—
Ora as funeçoens dos juizes naõ dando nos olhos, elles naõ
devem esperar a gloria propriamente dieta, por isso naõ saõ da na-
tureza daquellas, que devem ser exercidas gratuitame nte. Ás
funeçoens judiciarias exigem o emprego de todo o tempo d*aquel-
le que as preenche ; toda a sua vida deve ser consagrada ao e£
do , á meditação , e ao cumprimento dos seus deveres. Por
tanto he mister recompensal-as bem , pois todo o emprego , que
necessita de salário, he desprezado, si este salário he mui
módico.

ARTIGO 2 ° Do RECURSO CONTRA os ERROS DOS JUIZI

Os tribunaes podem exercer o poder de julgar ( ou o que


se chama jurisdição) como autoridades superiores , ou inferio-
res, segundo asdecizoens dehuns saõ ou naõ saõ susceptíveis
de serem revistas ou reformadas pelos outros.
Saõ estas reüaçoens de inferioridade , ou superioridade ,
que constituem o que se chama grau de jurisdição ou em ou-
tros termos huma instância judicial.
Assim, diz-se que hum tribunal pode conhecer de
negocio em primeira ou segunda instância para significar-se que
esse negocio he decidido em primeiro ou segundo grau de juris-
dição , ou por outra, em tribunal superior , ou inferior. Por
isso tantos graus de jurisdição haverão quantos forem os diffé-
rentes tribunaes em que se possa suecessivameute pleitear o me:-
mo negocio.
Em todos os paizes civilizados o recurso interposto do juiz
inferior para o superior tem sido autorizado como o meio mais
seguro para se conseguir exacta administração da justiça. Por
conseqüência esta instituição he justificada pela experiência dos
séculos.
Naõ ha duvida que todo o honrem está sugeito ao erro , e
os juizes naõ estão mais izentos d'elle do que os demais homens.
Fora d'isto a espécie humana he feita de sorte que entre
homens probos, e justos, ha pessoas injustas e más, e os juizes
<É>I5G<§>

podem ser (Testas. Submetter os julgamentos a revizaõ de jui-


zes superiores , está visto que he prezervar os cidadãos dos erros
ou da iniqüidade possiveí dos primeiros juizes , e dar-lhes huma
garantia de que os primeiros julgamentos serão proferidos com
mais eserupuloza aüençaõ.
Gsrto que o juiz de primeira instância temendo a censura
do juiz de instância superior empregará mais cuidado na forma-
ção , e julgamento dos processos ; e o juiz superior consideran-
do o recurso interposto perante elle, como huma espécie de de-
nuncia contra o primeiro julgador examinará 'com respeito para
assim dizer, religiozo , o negocio ja sentenciado, o qual não lhe
apprezenta sinão factos simplices sobre os quaes a decizaõ pode
por conseqüência ser proferida de hum modo mais perfeito.
Alem d'isto, quem naõ vê que os primeiros juizes necessa-
riamente mais próximos das partes, podem ter motivos de in-
teresse , de preferencia , e quiçá de ódio ? Prohibir o recurso
fora expor os cidadãos sem regresso aos effeitos , que estes
motivos soem produzir. O juiz superior mais afiastado que os
inferiores, mais facilmente escapa á seduceaõ, e as demais
paixoens que se podem suscitar em derredor d'elles.
Etnfim a justiça distribuiliva he a primeira necessidade
dos povos , pois he o valhacouto da honra , e da propriedade.
Por tanto basta que este recurso seja mais huma garantia de que
ella será administrada , para que esta forma de processo se
adopte.
Este recurso tem o nome particular d/appellação.
A appellação pois he hum recurso interposto para que o
tribunal superior reforme os erros do inferioi*.
Ora em rigor lie possiveí que o mal que nos importou a
sente»ça seja frueto da prevaricação do juiz; o qual também
pode recuzar fazer-nos a justiça que lhe cumpre administrará
cada cidadão, por isso he necessário que a lei offereça meios
para a reparação do damno n'estes dous eazos.

ARTIGO 3 ° DA PREVARICAÇÃO.

A principal accepçaõ da palavra prevaricação he a trans-


gressão de deveres commellida pelos empregados de justiça.
Ha muitas espécies de prevaricação, a qual tem différer.-
<%lpI L <^>
ies cóuzas : o interesse , a ignorância , e * paiciai idade , á C!
passo desgraçadamente lhe tíaõ nascimento.
A prevaricação mais odioza , e vil que pode comractter
huro juiz lie pôr em contribuição a solicitude do litigante , ex-
torquindo-lhe por meios directos 3 ou indirectos, dinheiro, ou
raimos.
As mãos de hum juiz devem ser taÕ puras como as suas in-
tençoens» E que necessidade tem hum juiz de ser rico ? A
simplicidade, a modéstia saõ os mais bellos ornamentos da equi-
dade : quanto menos opulento he o magistrado tanto maior no-
breza mostrará si fôr incorruptível j e quando não fosse smão pa-
ra dar a entender , que nunca se tinha rendido ás soiicitaçoem
das riquezas , todo o magistrado deveria fazer consistir o seu or-
gulho nos exteriores da mediocridade.
O rico, e o pobre devem ter o mesmo accesso em sua ca-
za , e si lhe fosse dado prestar mais attençSo á hum do que a ou
tro , era razão que desse preferencia á aquelle que tem ma; s
cessidade de vencer a demanda j mas ã verdadeira justiça consis-
te en» cerrar os olhos ás apparencias , e naõ dar ouvidos sinão a
questão suscitada perante o tribunal, sem dar preferencia a ne-
nhuma das partes.
Si , como dizem á huma todos os criminalistas , hum juiz
he criminozo quando absolve por peita a hum re'o, ainda mais
criminozo será si pelo mesmo motivo der á hum o que pertencer
a outrera.
A prevaricação porem he muito mais escandaloza , r.
ha penas que não sejão leves para aquelle juiz que se deixa
subjugar por prezentes , ou por esperança de recompensa
para atormentar ao innocente , ou para aggravar as penas que as
leis decretarão contra o culpado.
Por tanto a prevaricação do juiz dere ser punida com pe-
nas pecuniárias , ou pessôaes , ou si possivel fôr com a perda etc.
emprego.
Esta he a única garantia de facto qne se pode oppôr á es<
ta espécie de delicto.

ARTIGO 4 ° DA DELEGAÇÃO DA JUSTIÇA.

A denegaçaÕ da justiça, dá-se quando o juiz recuza fazer


a justiça , que lhe he pedida.
<ê>í52<#>
O juiz que naõ faz justiça nos cazos em que ella he devida ,
como que commette huma injustiça ; pelo menos trahe hum dos
;euã mais essenciaes deveres, falta aos seus concidadãos , illude
a boa fé do soberano , que descansa nos juizes que escolheu ,
quanto ao exercício da mais nobre porção da sua autoridade,
qual he a de fazer justiça.
Bem se vê que a qui se tracta de huma espécie de prevari-
cação , igualmente criminoza , e contra a qual he indispensável
preparar hum remédio.
N'esta , assim como nas outras espécies de prevaricação
em que o juiz violou , ignorou , ou negligenciou os deveres do
seu emprego , pode-se considerar pessoal o acto do juiz , o
qual então , nao como juiz , mas como homem deve reparar o
mal que houver cauzado ; por quanto o juiz que abuza das suas
funeçoens , perde o seu caracter . dá azo á que se ponha contra
el\e huma acção individual, e á que a lei o possa despojar ins-
tantaneamente da sua dignidade para entregal-o á perseguição
das partes offendidas , e á toda a animadversão da justiça.
O
ARTIGO 5 DA PRO.MOTORIA. PUBLICA,

A sociedade pode ter necessidade de sujeitar a decizaõ dos


juizes , difficuldades , que lhe não digão respeito , sinaõ em ge-
ral , e sem que interessem directamente a hum indivíduo.
Ella pode sentir a necessidade ou de deffender os bens ,
que formaõ o patrimônio do estado , ou de manter a ordem pu-
blica , ameaçada ou lezada por crimes mais ou menos graves,
ou de fazer cessar perturbaçoens menos serias que inquietao a
sociedade.
Ella pode ter necessidade de prestar o seu appôio , à aquel-
les cidadãos cuja fraqueza reclama proteção especial, ou de obs-
tar que se comproraettaô os interesses das instituiçoens publicas,
as quaes da unidade da sociedade he que dependem.
Em todos estes cazos, ella deve constituir-se parte e velar
assim na manutenção , como na applicaçaõ das leis. Mas a so-
ciedade em pezo não pode obrar per si, e por isso he obrigada
a substituir-se. Todas as vezes que a sociedade tem direitos que
reclamar , deve-se fazer reprezentar perante o juiz , e esta he a
origem de huma magistratura conhecida pelo nome de promotoria
publica.
<#>Î53<#>
He evidente que a instituição de huma parle pul
hlica , isto h e , de hum funccionario obrigado pelo titulo do
seu cargo , á velar sobre as accoens de todos os cidadãos
em sua reliaçaõ cum as leis , de denunciar aos tribunaes tudo
quanto possa perturbar a harmonia social, de chamar a attençaõ
dos juizes, e de invocar a vingança das leis sobre todos os crimes ,
e ate sobre os menores delictos, he evilente , digo, que esta
instituição he hum dos maiores passos que os homens teem da-
do para a civilização ; esta instituição pertence aos tempos mo-
dernos , e he divida a França.
Os nossos maiores conhecerão , que a sociedade deve des-
encarregar os juizes propriamente dictos do cuidado de velar na
manutenção dos seus direitos: a justiça devendo ser neutra , e
não lhe cabendo intervir sinaõ nas dificuldades, que lhe forem
sugeitas , os direitos do estado poderiaõ ser negligenciados, e
os indivíduos sacrificados ao que se julgasse muitas vezes contra
a razão , convir a mesma sociedade, que por estes motivos
rezolveu-se a confiar os seus interesses a funccionarios excluzi-
vamente dedicados a defendel-a.
Por tanto cumpre que os promotores públicos os deffen»
dão , e ao mesmo tempo prestem appôio á aquelles a quem a so-
ciedade deve proteger de hum modo especial. Emfim elles são
obrigados a fazer á prol da sociedade o que os advogados devem
de practicar á bem dos indivíduos cujas cauzas deffendem.
A sociedade pode ser mais ou menos directamente interes-
sada , esta differença deve influir nas rellaçoens da promotoria
publica para com a ordem judiciaria.
Si a segurança publica he perturbada , ou ameaçada, si
a tranquillidade geral está em perigo , si a vida, honra, e fazen-
da dos cidadãos estaõ expostas , si os mais caros direitos, aquel-
les pelos quaes os homens se reunirão em sociedade teem sido
violados , a sociedade está offendida^Jiiectamente , e não só tem
o direito , mas a obrigação de armar-se com a espada vinga-
doura da justiça , contra aquelle , cujo attentado abala os fun-
damentos da felicidade publica , cujo pacifico gozo a naçaÕ d e -
ve garantir, por que he concedido pelas leis. Assim que o
promotor publico que he o orgaõ da nação deve desenvolver
toda a sua activiJade , e sollicitar tudo quanto possa servir pa-
ra estabellecer ou classificar o facto , descobrir o culpado , e
eotregal-o ao rigor das leis. Não he somente nos crimes con-
2T.
<§>i54<i>
tra a ordem publica , que a sociedade he direct une .Le interes-
sada : cada nação tem direitos, bens, rendas, que possue co-
mo qual quer hum particular : toda a nação pode , como hum
cidadão ter obrigaçoens que cumprir , ou que requerer , pro-
cessos que sustentar, ou imploranio o appòio da justiça , ou
defendendo-se de demuidas injustas. Pertence também ao pro-
motor publico reprezental-a , e velar nos interesses geraes. As
cauzas que versão sobre o domínio do estado , ou sobre o fisco
também sao hum ramo das atlribuiçoens necessárias do pro-
motor publico , e em nome da sociedade toda , he que ellas de-
vem de ser exercidas perante os tribunaes.
Independente d'esté interesse directe* , importa igualmen-
te á sociedade que a justiça seja bem administrada. Toda a sen-
tença proferida contra as leis he hum golpe descarregado con-
tra a segurança geral, e contra as garantias , que a reunião so-
cial offerece. Quanto mais patente he a violaçío , tanto mais
offensiva he doi direitos da nação. Este abnzo ainda se tor-
na mais sensivel, quando se tracta dos direitos de pes-ôas ou
de corporaçoens que gozao de especial protecçaõ do estado : e
era tal cazo principalmente he que a sociedade pode e deve
intervir á prol da manutenção do bém , que ella garante mais
especialmente.
Pode muitas vezes convir que a sociedade mesma appre-
zente ao juiz consideracoens mais sub'imes do que as que es-
tão ao alcance dos particulares : tãabem pode querer explicar o
fira , o sentido , e as conseqüências de huma lei : pode ter ne-
cessidade de procurar esclarecimentos occultos ou desprezados
pelas partes , e todavia convenientes ao bem publico : n'estes
cazos cumpre ao promotor publico apprezentar-se perante o
juiz como interpetre da mesma sociedade.
Taes são os principais caracteres d'esté importante em-
prego publico.
Resta-me agora examinar si devem ser inamuviveis,
e independentes os que o occuparem.
Parece-me fácil a solução : sendo os promotores públicos
órgãos da sociedade civil, e por conseguinte do principe, que
he quem a reprezenla em tudo , e por t u d o , está visto, que he
era nome d'elle , e segundo as suas intençoens , que estes func-
cionarios devem fallar : devem ser imparciaes para com os par-
ticulares , e nunca jamais aberrarem da trilha que lhes traça^
<§>i55<#>
rem as suasmsiruçotns, para se entregarem ás suas opiriioens
particulares ; podem sublrahir-se , á isso assim como podem rezi-
gnar o lugar, cazo naõ queiraõ practicar couza que seja op-
posta as suas consciências. Não se podem porem arredar das
instruçoens. Assim que o promotor publico deve requerer ao
juiz a applicaçaõ da lei no sentido que lhe foi indicado pelo mi-
nistro da justiça , agente supremo do principe n'esta parte.
Cabe em a m n o t a r , que o promotor publico deve esfor-
çar-se por fornecer aos juizes todas as luzes , que tiver para si
podem esclarecel-os; e n'isto se cifra a influencia que podem
exercer acerca da determinação dos mesmos juizes , não tendo
por ferma alguma o direito de dictar-lhes as sentenças.
Si a sua opinião podesse encadeiar o juiz , si este não con-
servasse a faculdade de adoptar ou regeitar o que requerer o
promotor publico , a independência dos tribunaes seria des-
truída , e a justiça ficaria de facto á dispoz:ção arbitraria do p o -
der : e os direitos tanto públicos como privados não terião ga-
rantias.
He para evitar estes rezultados que onde quer quê se teem
estabsllecido promotores públicos , os juizes conservão plena
independência , e cabal imparcialidade.

ARTIGO 6 ° DA CERTEZA QUE TODO O CIDADÃO DEVE TER


DE SER JULGADO POR SEUS JUIZES ÍÍÂTURAES,

Quando o legislador provendo aos promenores de huma


bôa administração da justiça, estabelleceu em toda a extençâo
do império o numero de tribunaes necessários áprompta ad-
ministração da justiça ^ logo que o principe executando o voto
do legislador , compoz estes tribunaes de magistrados , que es-
colheu , e instituiu , cada cidadão de então em diante fica co-
nhecendo os seus juizes , e sabendo qual a autoridade á que es-
tá entregue não só a espada que pune os culpados, mas tara
bem a balança em que se hão de pezar a bôa , e a má fé das
trausaçoens particulares. Os cidadãos não só se acostumao com
o exercicio do poder d'estes magistrados, mas até compenetraõ-
se logo da estima, e veneração, que as suas virtudes lhes podem
inspirar, pois vivem junto á elles, e algumas vezes aos seus
olhos para assim dizer. A' estes magistrados he que elles te-
mem , e n'elies he que confião.
si. »
<€>i56<§>
Assim que he por huma serie de idéias fáceis de conceber ,
que cada cidadão chega a considerar os juizes , que alei, e o
principe lhe derão como osuuicos cuja proteção, ou severidade
podem extender-se á elle ; taõ magistrados que os cidadãos co-
mo que recebem da natureza , e chamão seus juizes naturaes.
Si os cidadãos forem obrigados á vir de longe apprezentar-
dea juizes, que lhes sejão inteiramente estranhos, estarão mui-
to tempo auzentes do lugar dos í-eus negócios , e os seus bens
exgotar-se-hão em viagens , e despezas inhererentes á huma re-
zidtncia longiqua. A mesma innocencia , arrancada talvez ar-
b.trariamente do meio d'aquelles que podem responder pela
pureza da sua vida , não se podeiá deffender do terror que lhe
ha de incutir a appariçao de juizes improvizados , cuja impar-
cialidade , e independência lhe são desconhecidas.
Estas, e outras reílexoens pois teem feito pensar que pri-
var os cidadãos do beneficio de serem julgados pelos seus juizes
naturaes , fora de algum moJo impôr-lhes huma pena.
P o r t a n t o , os legisladores humanos , e sábios teera con-
sagrado constantemente este principio: — que nunca se deve
privar a ninguém dos seus juizes naturaes,—
Ora si a observação d'esta regra fundamental he util em
materia civil, com qnanta maior razão não he necessária em
materia criminal ? Aqui principalmente he que convém di-
zer : — Nada de commissoens, nada de tribunaes extraor-
dinários !
O principe que subslitue juize^ forçados aos órgãos ordi-
nários da lei mostra dezignio de satisfazer as suas vinganças ; e
a única differença que se pode descobrir entre estes commissa-
rios nomeados, e os assassinos , he que aquelles se encarregão
de dar a morte, precedendo a ceremonia de huma senlença, e
estes a dão de seu raotu próprio , e de repente.
Nas maons dos tyranos são arma infallivel para se desfaze-
rem dos homens que os assustão.
Estes tribunaes extraordinários tãobem servem não só de
auxiliares as revoluçoens,das quaes vera a ser o sello, quando não
tenhão sido a principal alavanca, sinão tãobem de arma para ferir
mais seguramente o partido vencido.
Seja qual fòr a cor com que os apprezentem , seja qual
fôr o nome que lhes deem , seja qual fòr o pretexto com que os
instituão, devera ser olhados como tribunaes de sangue , que
<#>ID7#>
deshonrào o principe, que d'elles se serve , e mancharião ainda
a revolução emprehendida á prol da cauza mais justa.
A única doetrina de semelhante tribunal he cumprir a
missão para que foi estabellecido. Não se deve esperar d'elle
nem piedade, nem humanidade , nem sentimento de justiça ;
não se deve repozar no caracter que por ventura possão ter
mostrado ate então os indivíduos que os compõem.
Todo o homem que tem a cobardia de acceitar huma mis-
são que o habilita para punir acçoens , que não são reputadas
crimes, sinão por que dezagradâo a hum tyrano , ou a huma
facção , sacrifica a sua honra , e desde esse dia a injustiça con-
seguiu alistal-o nas suas bandeiras.
A sua crueldade he a conseqüência do seu odiozo minis-
tério , no qual huma vez empenhado , não pode mais recuar ,
pois está em voga a lei, ou a ordem barbara que pune huma
palavra , hum pensamento , e he mister que elle a applique , si
não quizer incorrer na desgraça , e na sanha do seu partido , ou
na do seu senhor.
Perante estes tribunaes , as virtudes , a probidade, os
serviços feitos à pátria, ou no campo, ou no gabinete, não
merecem consideração alguma e em vez de serem titulos de fa»
vòr, ou de indulgência ; pelo contrario irritão a juizes desdoi-
rados pela sua missão ; o poder que os assalaria , lhes dezignou
as victímas: elles jurarão obedecer , e so lhes resta ferir......
Eisaqui, repito, toda a doetrina dos tribunaes excepcio-
naes.
Quanto ao seu modo de proceder de ordinário he simple
cimo. Para julgarem os desgraçados , que lhe cahem nas
maons, calção aos pez todas as formulas estabellecidas para a
defeza dos reos ordinários. Sentem que ha nas formulas hum
não sei que magestozo , e restrieto que força os juizes a se res-
peitarem , e a seguirem huma marcha recta , e regular.
Este porem «não he o seu fim : elles querem marchar aco-
dadamente , e sem obstáculos ; parece que teera horror á missão
que receberão , e que são urgidos a se desempacharem delia,
cumprindo-a.
Ora as formulas são huma garantia*, hum valhacouto: a
abreviação délias he a diminuição , ou a perda d'esté valhacou-.
to : por tanto á abreviação das formulas he huma pena j e que
raz3o ha para impola a hum simples reo? Que razão ha para pri-»
<^>i58<#>
val-o por mera suspeita do beneficio cornaram á todos os mem-
bros do estado social ?
Antes de reconhecer estes, ou aquelles homens por saí-
teadores, siccarios , e conspiradores , não se deverão por ven-
tura verificar os factos ? Ora o que são as formulas , sinão os
melhores meios de verificar os factos ? Si existem melhores
meios, ou mais breves , lancem mão délies, mas lancem maõ
era todas as cauzas. Por que razaõ haverá huma classe de fac-
tos sobre os quaes se observarão delongas supérfluas , e outra
sobre a qual se decidirá com psrigoza precipitação ? O dilemma
he claro. Si a precipitação naõ he perigoza* as delongas sao
supérfluas, si as delongas naÕ saõ supérflua';, a precipitação he
pericoza. Ninguém dirá que se possaÕ distinguir , por signaes
exteriores , e infalliveis , antes do julgamento , os homens in-
nocentes dos culpados ; os que devem gozar das prerogativas
das formulas, e os que devem ser délias privados. Ora naõ existin-
do estes sinaes as formulas saõ indispensáveis; pois são o único meio
que ha para discernir o innocente do culpado, razão por que to-
dos os povos livres e humanos teem reclamado a sua instituição.
Por mais imperfeitas que sejaõ as formulas , ellas tem hu-
ma faculdade protectora , que naÕ he possivel arrancar-lhes, si-
não destruindo-as : ellas saõ inimigas natas , e inflexiveis ad*
versarias da tyrania popular , ou de qualquer outra.
Eisaqui por que os tribunaes excepcionaes se dezempa-
chão d'ellas.
Quanto a compozição destes tribunaes, he verdade ave-
riguada, e attestada pela historia, que quando os principes ou as
facções querem assassinos , sempre os achão assim como achão
juizes quando ha necessidade de revestir de formulas as vingan-
ças que teem projectado exercer.
Si o soberano he quem quer soceorrer-se á elles , o ouro ,
hum pouco de favor , o exercido de algum poder , eis o prêmio
pelo qual as almas vis abjurão todo o sentimento de humanida-
de , e se encarregão de accarretar sobre as suas cabeças a infâ-
mia , de que o príncipe que lhes compra os serviços não poderá
por mais que faça , dejxar de cobrir-se.
Si taes satellites , durante as revoluções são de mister para
favorecerem o triumfo do partido, este partido contem sempre
outros homens apaixonados , que achão nos seus corações ul-
cerados motivos para encarregar-se deste -odiozo ministério.
<^>ï5,9#>
Assim os governos tyraniccs nunca achaõ embaraços em
compor estas commissoens especiaes ou temporárias*
Qual porem não he o quadro que a mente nos figura , si
consideramos o destino commum d'estes juizes excepcionaes !
O déspota serve-se d'elles como de vis instrumentos , que
arrebenta assim que lhe não são mais necessários. A iniqüida-
de dos seus julgamentos tendo enchido de indignação os h o -
mens , si o principe conserva algum sentimento de pudor, apres-
sa-se em lançal-os de si e em sacrifical-os ao ódio nacional.
Nas revoluções os membros dos tribunaes que teem servido
de arma a huma facção para lhe tirar a limpo os furores, tem
destino ainda mais prompto e mais terrivel. O seu poder cessa
com a revolução , e começa então o seu supphcio. Contra elles
d'entâo em diante he que o partido vencedor descarrega os seus
£oIPes- , • , • -
Algumas vezes mesmo esta terrível justiça não espera para
exercer-se, que o poder cabia das mãos que tam funesto uzo
fazião d'elle ; o horror que inspirão ás almas honestas apparece
com toda a severidade , e começa então para elles esse combate
interioi*á que se expõem o homem que se empenha no crime ;
o remorco os devora por que elles mesmos se collocarão fora da
sociedade por seus attentados judiciários.

ART. 7 ° Do JURY EM MATERIA CRIMINAL.

Si a compozição da ordem judiciaria merece a attençno do


legislador, ha huma parte delia que sobre todas pode ser consi-
derada , como o palladio das liberdades, e da felicidade publica
que he a instituição do jury em materia criminal'
Lancemos hum volver de olhos sobre os motivos que a fi-
zerão adoptar pelas naçoens livres , e civilizadas.
Não he por meio de regras fixas que se pode estabellecer a
convicção , e hum legislador debalde se exforçaria por sugeitau
á preceitos o que he independente ainda da vontade d'aquelle
de quem se exigisse a obediência. Não ha mandar ao juiz , não
ha fazer violência á esse sentimento innato , o mais bello orna-
mento da natureza humana ; nem a autoridade do soberano, e
nem tão pouco o temor do supplicio faz calar n'aima a persua-
são , e a fé: o mais absoluto déspota não pode'couseguir fazer
crer o que he falso , ou duvidozo. Demais nem todos os espí-
ritos são igualmente fáceis de convencer : nem todos teem a
mesma desconfiança : mas heimpo.-sivel fazer crer , ou duvidar
á vontade , e esti verdade he reconhecida por todos, e de-
monstrada pelas perseguiçoens exerridas por cauza de opinioens.
Em ultima analyze , a convicção intima he independente
da lei , e não pode rezidir sinão na consciência do juiz.
Não cabe na alçada do legislador estatuir sobre a força
das provas , que em todos os objectos dependem das leis fizicas
e moraes da natureza : o legislador pode sanccionar preceitos ,
mas aquelle que os observasse rigorozamente, que se houvesse
de conformidade com essa pretendida certeza legal distincta da
que rezulta da convicção intima : quem diligenciasse illudir a
sua consciência , não seria sinaõ hum insensato , ou hum
bárbaro.
Que bornera ouzaria dizer na cara de hum accuzado « A
« minha consciência te absolve , eu sei que naõ hes culpado ;
« mas apezar disto eu te condemno á pena ultima , afflictiva ou
« infamante por que existem contra ti provas que a lei declara
« sufãcientes ? »
Assim que a lei se deve abster de toda e qualquer dispozi-
çao sobre a força das provas.
Mas logo que a convicção não tenha por objecto sinão o
reconhecimento de hum facto , e não ja operação alguma do es-
pirito sobre a intelligencia e interpetraçaõ de hum texto da lei,
todo o homem tem a mesma capacidade que o juiz para pro-
nunciar sobre a existência d'esté facto. Desde então o ministé-
rio do juiz he inutil 5 basta que se chame para tomar conheci-
mento d'esté facto a todo o cidadão honesto , e dotado de ordi-
nária intelligencia.
Examinemos como procederá o juiz de facto.
1 ° Aquelle que he encarregado de examinar hum facto ,
e suas circunstancias, deve appreciar as provas, não (como acabo
de dizer ) conforme regras fixas e determinadas , mas segundo a
impressão que ellas houverem feito sobre a sua consciência ; a
convicção do juiz de facto forma-se pelo gesto, e pelo accento da
voz d'aquelles á quem elle v ê , e ouve : a menor circunstancia
pode produzir esta persuazão , algumas vezes pessoal e indepen-
dente do que outrem possa ter percebido: por tanto à nós be diffi-
cillimo, e aos outros impossível, que ass'gnemosa razao,ou as cir-
<#i6i<#>
cunstaneias que "nos fízerão calar a convicção n'aima. A reunîao
das provas he que fere o espirito.
Assim os jurados devem iustruir-sè per si mesmos , e par
este motivo a discussão deve ser feita aos seus olhos. Este he o
primeiro elemento da sua convicção. Por tanto naõ fora suf-
iiciente , como alguns legisladores lêem querido , somente sub-
melter á estes Juizes de facto, processos verbaes quencotivessem
a narração doquepriesse produzir-lhes a convicção. Decom-
por as provas, he destruir-lhes o effeito : desacredital-as , he
desnatural-as. Naõ ha couza que possa substituir na mente dos
jurados , a impressão, e as sensaçoens que a assistência aos d e -
bates pode produzir n'ella.
2 ° He util que os que saõ chamados para julgar huma
questão de facto sejaõ em grandíssimo numero ; e esta utilidade
ainda mais sensível se torna, si as conseqüências do facto saõ
importantes.
A convicção depende muitas vezes das mais miúdas cir-
cunstancias , pois o que escapar a penetração de hum po-
de ser cuidadozamente apanhado por outrem : assim que
quant as mais pessoas reunidas houverem, tantos mais elementos
de certeza moral haverão.
Fora d'isto , a prevenção de que he tam difficil, para nao
dizer impossível , que o homem se izente inteiramente , pode
cegar a poucos juizes j este perigo desapparece em hum tribu-
nal mais numerozo; porque sendo cada juiz necessariamente
preoccupado de hum modo différente, e recebendo impressoens
diversas , a sua convicção quando he simultânea , he huma pro-
va indubitavei da certeza do facto.
Emfim só o numerozo concurso das opinioens he que dá
força moral à sentença ; só esta coincidência he o que garante a
sociedade contra a possibilidaJe dos abuzos. Assim que deve-se
estabellecer a regra : —que os jurados não tomem decizão por
simples maior ia.—
A utilidade que rezulta de grande numero de pessoas pro-
nunciarem sobre os factos , he huma das mais poderozas cauzas
da instituição do jury.
He indubitavei que em toJa a sociedade bem organizada ,
o numero dos juizes deve ser ornais pequeno possível: d'a-
qui procede a mor parte do prestigio , que deve rodear a mi-,
gistratura e que he a sua maior recompensa.
s s.
<^>l62^
Ora naõ era impossível conciliar e ao mesmo tempo sa­
tisfazer ambos estes interesses , e isto foi o que se executou, dis­
tinguindo os que examinaõ o facto dos que são encarregados
de applicar as leis. Separando a questão de facto da de direito ,
dando attribuição de julgar os factos á juizes , que não são ma­
gistrados , chamando os particulares para o exercício desta por­
ção de autoridade judiciaria , he que se podem reunir as condi­
ooens oppostas que exige o interesse geral.
Eisaqui o jury considerado nas suas rellaçoens judiciarias.
Debaixo das rellaçoens políticas , esta instituição lambem lie de
summa importância , por que associa os cidadãos á bôa admi­
nistração da justiça , e por conseqüência ao exercício de huma
porção da soberania
Todo o cidadão , que toma parle activa no governo , que
exerce huma porção posto que fraca da autoiidade geral , facil­
mente se identifica com o governo ; tudo o que atlaca a forma
•do poder , e altera o estado dascouzas para as quaes elle tem
■concorrido, e concorre diariamente, leza os seus mais caros ,
e mais sagrados direitos ; lodo o cidadão q' conhece a sua inde*
pendência , vê respeitar os seus direitos, e tributar homenagem
as suas qualidades se julga seguro dos caprichos da autoridade
suprema, quando exerce liuraa porção do poder soberano , e
naõ pode temer a oppressão de mdividuo algum ; a sua qualidade,
os seus direitos saõ garantias da sua independência, da sua igual­
dade perante a lei, e até de huma certa inviolabilidade , que r e ­
zulta da mesma lei.
Soberbo por ter parte no governo, nada Conhece a cima
da sua pozição , e nada lhe custa manler­se n'este estado :
ludo o que augmenta o esplendor da sua nação reflecte necessa­
riamente sobre elle , e á si reffere tudo o que he honrozo á sua
pátria.
Tal he hum dos effeitos da parle activa que a nação pode
tomar por meio do juiy no exercício da autoridade judiciaria.
Mas como será composto este j u r y ? Tal he , particula­
rizando a materia , a primeira questão que naturalmente se ap­
prezenta ao espirito.
O primeiro principio que se'deve estabellecer aqui he que
sejSó invariáveis, e independentes do capricho da autoridade
as condiçoens para ser jurado. Elias não devem sersuscepti­
<#>i63#>
veis de outra discussão , do que a que hum exame material
podeoccazionar.
Por conseqüência parece razoável que ellas sejão de irez
espécies , e que se reffirão 1 ° á qualidade de cidadão a ° a
idade 3 ° aos haveres ou a profissão.
Qnanto a qualidade he claro que encarando-a debaixo do
ponto de vista judiciaria, ou política ? o jüry deve compor-se
de pessoas direefamente interessadas na conservação da or-
dem social, isto he de homens que gozem da plenitude dos seus
direitos , e taes saõ em todo o estado os cidadãos. Os quaes
si elles amaõ realmente a sua pátria , esta naõ lhes pedirá
debalde ta m leve sacrifício , cazo considerem como tal
o exercício de hum direito tam honrozo para elles quam util
para os seus considadãos ; e a sua dedicação augmentará si este
cargo civico for repartido de maneira que nao cauze muilo em-
baraço e deslocação t e nao comprometta o repouzo , os traba-
lhos diários , os interesses particulares dos que saõ chamados a
desempenhal-o \ e o único meio he fazer que tenha parte
n'elle o maior numero possível.
A idade he a segunda condição para ser ser jurado ; e
bem se pode fixar a de vinte cinco á trinta annos. Esta he a
época da vida em que a razão chegou a°sua madureza , e em que
o espirito por jtouco cultivado que se ?upponha , tem adquiri-
do assaz de solidez para discernir a verdade, do erro , e para ap-
preciar os factos cuja existência he a única questão que os ju-
rados teem de rezolver.—
Quanto aos haveres bastão aquelles que sao exigidos para
que se possa ser eleitor ; pelo que todo o cidadão hábil para go-
rar d'esté direito , deve ser incluido na lista dos jurados.
Naõ he por que na classe indigente dos povos civilizados ,
se naÕ possaõ encon'rar pessoas capazes de dignamente desem-
penharem o officio de jurado; naõ he por que o cabedal, a je-
rarquia e a educação sejaÕ abonos infalíveis da capacidade; nao
he por que hum artista , reduzido ao seu trabalho manual naõ
possua muitas vezes qualidades mais imminentes do que aquelle
que para gozar de tod»3 as vantagens da sociedade, apenas
tenha tido o trabalho de nascer ; mas hum legislador deve-se li-
mitar 4s dispoziçoens geraes, e as classes, e naõ pode attender aos
indivíduos , e nem pode dar sinão regras sem fazer exeepcoens
pessôaes , e entaõ he força convir que a commodidade de que se
22 *
<^>i64#>
goia na sociedade he huma prezumpção favorável ás classes
superiores.—
Estes raciocínios applicão-se por inteiro a condição rel-
1 ativa a profissão.
Por conseguinte he mui fácil reconhecer a capacidade suf-
ficiente para ser jurado nos cidadãos que posto naÕ paguem a
contribuição necessária para serem eleitores , todavia exercem
huma profissão liberal, bem como a medecina , a jurisprudên-
cia, as sciencias , e as lettras , e todos aquelles em fim que se •
suppoem possuir huma razão livre , e hum juizo esclarecido.
Por tanto todo o homem que he cidadão , que tem de 25
a 30 annos de idade , que paga certa contribuição, ou exerce hu-
ma das profissoens acima dezignadas, deve ser classificado jura-
do da divizão territorial de que fizer parte.
E como só a autoridade administractiva he quem pode co-
nhecer exactamente os cidadãos que na extençaõ das diversas di-
vizoens territoriaes, satisfazem ascondicoens determinadas, só a
elia he que deve pertencer no principio de cada armo, a formação
da lista geral dos jurados , a qual deve mandar imprimir, e affi-
xar j afim de que cada cidadão possa verificar os erros de que
tenha sidoobjecto, e reclamar cazo haja lugar.
Mas deixando a administração o cuidado de formular a lia-
ta annual dos jurados, importa muito que se naõ deixe a sua von-
tade a compoziçaõ d'esta lista. Assim que releva que os que de-
vem ser n'ella inscriptos sejaõ dezignados pela lei com exa-
clidão , que naõ dê azo ao arbítrio , que a administração por
exemplo, naõ possa escolher em quazi todas as classes da socie-
dade. Alem disto si para facilidade do serviço , ou para assegu-
rar igual repartição das funcçoens do jury entre todos os cidadãs
que a lei chama para exercerem estas funcçoens , julgar-se neces-
sano fracionar a lista geral em listas parcieas he necessário
entaõ que se siga regularmente na compoziçaõ d'estas listas ,
a ordem de inscripçaõ da geral.
Em huma palavra , a compozição da lista do jury deve
estar sobranceira a toda e qualquer influencia da parte da admi-
nistração.
P o r q u e , comoja declarei, a baze fundamental da orga-
nização do jury he a sua inteira independência de qualquer au-
toridade. Si os jurados forem escolhidos pela autoridade , esta
exercerá grande influencia nas suas decizoens , e em todas as cau=
<^>i65<§>
zas me que possa influir o espirito de partido , elia poderia com
certo grào de probabilidade , dirigir a declaração do jury.
Esle abuzo distruiria , não somente huma das maiores
vantagens de processo , a imparcialidade mais certa de cidadãos
não funcionários públicos ; mas também diminuiria a confiança ,
que inspira o julgamento de muitos cidadãos respeitáveis e aba<
lana a segurança da nação inteira.
Depois da eleição direeta , e immediata dos deputados da
nação , a compozição independente do jury á sorte ou ao acazo ,
he o melhor meio naõ só de fazer com que o povo participe o
mais possivel dos poderes sociaes, como de garantir a af-
feiçâo , a adhezão , e a união mais franca d J cada indivíduo com
o seu governo.
Por tanto os jurados que houverem de tomar parte no jul-
gamento das cauzas crimes devem ser tirados á sorte , e pelos
próprios magistrados.
Mas qual será o numero de cada conselho que houver de
decidir os negócios ?
He fácil de ver que não deve ser nem muito grande , e
nem muito pequeno.
Si se exigir o concurso de hum jury muito numerozo , so-
bre haver a difíiculdade de apprezentar as provas a tantas pes-
soas , de sorte que todas possão ficar em estado de pronunciar
com conhecimento de cauza , correr-se-há o perigo de encon-
trar individuos cujas idéias serião tam divergentes que fora im-
possível de chegar a hum rezultado : emfim a freqüência das
cauzas que exigem a intervenção do jury chamaria mui repetidas
vezes os mesmos cidadãos , e tornaria o exercício deste dever
mui gravozo.
Demais he o accordo da cidade inteira , reprezentado por
alguns dos seus membros , que leva a convicção á todos os
corações , que garante a innocencia aos olhos do publico , que
dissipa as suspeitas sobre a imparcialidade da administração da
justiça. Ora confiar a dicizão das questões de factos importantes
e delicados, que por ventura possão apparecer , á muito poucos
individuos , he dar materia a inculpações, e deixar aos con-
demnados o recurso de attribuir esta condemnação á animozi-
dades , ou a prevenções individuates.
He yerdade que he impossível assignar o numero exacto >
de que se deverá compor o jury , mas tal ou qual differenca á
<^>i66<i>
este respeito não teria influencia alguma sobre os effeitos da ins-
tituição.
Como porem o numero doze foi fixado pelos Inglezes,
ciue forão os primeiros que organizarão este processo , e como
este numero tem á seu favor antigas tradições, a França
também o adoptou , e não havendo motivo algum plauzivel para
substitui-lo , não será dezacei lado adoptal-o.
A instituição do jury cm fim he recommendavel principal-
mente pela sua imparcialidade, e pela segurança que inspira :
assim pois he indispensável lançar mío de todos os meios para as-
segurar-lhe a mais absoluta neutralidade.
He evidente que quem tem interesse directo em huma
questão , não he competente para julgal-a : por tanto deve-se
considerar como direito natural a faculdade de recuzar todos
aquelles á quem se pode imputar huma cauza determinada de in-
teresse pessoal , de rellações de familia ou d'amizade , de ódio,
ou simplesmente de saliente animozidade.
Mas he difficilimo ás vezes provar as cauzas de recuzacão,
ou mesmo precizar os factos , que revelaõ huma prevenção nas
opinioens de hum jurado, que cauza temor mais ou menos
fundado á aquelle que lhe vai submetter a sua sorte. Cumpre
desviar do conhecimento de hum negocio , naõ so o cidadão
cuja decizaõ poder-se-hia suspeitar por motivos fundados, mas
também aquelle cuja opinião seria vagamente suspeita : convém
também tranquillizar toda a cidade sobre a influencia , que con»
^ideracoens individuaes, paixões , prejuízos poderíaõ exercer
sobre a declaração do jury ; e hum accuzado obrigado a moti-
var , e provar as cauzas das suas suspeitas , poder-?e-hia quei-
xar que a falta de provas lhe embaraça de fazer as suas recuza»
ções, pelo respeito devido aos seus juizes , pelo temor de of-
fender-lhes o amor próprio , cazo fosse regeitada a sua recu-
zaçaõ.
He para obviar estes inconvenientes , e tirar ainda o me-
nor pretexto aos que fossem declarados culpados, que se imagi-
nou a faculdade das recuzações não motivadas, as quaes sem
exigir allegaçoes muitas vezes injuriozas , provas escandalozas
ou difficeis j discussões occiozas , permittem aos accuzados re-
jeitar tal jurado que elles creiãò não convir ao interesse da sua
cauza.
He igualmente obvio , que o Promotor publico , que per-
<#<I67 *#>
segue os criminozos em nome da sociedade , deve ter o mesmo
direito de recuzar.
As.sim que a recuzaçâo he da essência do jury , a qual as-
segura aos aceuzados o favor de não serem julgados por aquel*
les, que elles sabem ou crem que eslão inclinados a lhes fazer
mal : a recuzaçâo alem de não deixar refugio as reclamações dos
que se houvessem de queixar das dicizões dos jurados , garante a
cidade a mais perfeita imparcialidade nos julgamentos ciimi
naes.
Todavia a lei deve limitar o numero das recuzaçõesnão
motivadas , por quanto hum reo podia abuzar delia para illudir
as dispozicões legislativas , e tornar inexequiveis as funções dos
jurados. Ella porem deve proclamar ao mesmo tempo a liber-
dade destas recuzações.
Rezumamos agora o que acabamos de dizer sobre o jury."
O fira desta bella instituição he dar ao reo juizes, que
lhes conheçaõ perfeitamente a moralidade , e que sendo da
mesma condição, não mostrem no exame da sua cauza nem a
indilferença que os grandes consagrão aos de huma ordem infe-
rior , nem as prevenções , que as mais das vezes tornão as dif-
férentes classes da sociedade injustas humas «ira com as outras.
São estas vantagens , sem duvida cte alta importância ,
que motivão a preferencia ta m decidida , que certos povos dão
ao julgamento por pares ou o que he o mesmo , por jurados.
Cumpre porem não dissimular que homens estranhos as
formulas judiciarias , e que tem de lameutar os momentos , que
requerem os seus negócios domésticos, mostrarão nos julgamen-
to dos processos crimes menos sagacidade, menos conheci-
mento do coração humano , e talvez menos aturada altençao ,
do que os juizes que fazem do estudo das leis , objecto de me -
ditacaõ durante a sua vida toda , e que huma longa experiência
tem familiarizado com todos os recursos do crime com todas as
manobras , que a cahimnia pode empregar ; mas estas conside-
rações não tem prevalecido sobre as vantagens de que acabamos
de fallar.
E com effeito, que maior consolação para hum cidadão do
que poder dizer : « Si hum destino fatal me arrojar debaixo da
« espada da justiça , terei por juizes os habitantes da minha
« província, os companheiros da minha infância , as testem u-
« nhas de toda a minha vida ; terei por juizes homens que sa-
<§>i68«i>
h bem j que eu poderá , e ainda posso ser seu juiz : juizes em
« fim , que terão commigo todas as rell.içoes . que levão os lio*
« mens a mutua benevolência. »
He principalmente quando a accuzação he intentada em
nome da coroa , e á prol dos interesses dos depozitarios da au-
toridade , que se reconhece todo o valor de huma instituição,
que transportando o poder judiciário a m.áor distancia possível
do governo , confia a espada da lei a homens estranhos ao aceu-
zador , e ao accuzado-
Ou o julgamento que intervier nestas espécies de accuza-
ções exprima o voto d'hum jury , ou a opinião de hum tribunal,
será o mesmo sem duvida : mas pode-se perguntar n'estes dons
cazos j si esse julgamento será igualmente sanccionado pela opi-
nião publica , se exercerá a mesma influencia nos espíritos , si
inspirará igual respeito a malevolencia , e a critica ; erafim si em
ambos os cazos o reo se apprezentará ante os juizes com a mesma
confiança, esegurança?
A resposta não he duvidoza. Entretanto he necessário
acautelar que não se tenha hum julgamento por jurados, só por
que foi dado por cidadãos aos quaes se deu esta qualificação : os
rezultados d'esta instituição , tam gabada , e tam digna de o ser,
saõ principalmente^subordinadas a maneira por que he composta
a lista dos jurados.
Ja explicamos ao que se deve reduzir o officio d'administra*
caõ neste ponto : como a lei deve determinar com precizaõ as
pessoas que saõ chamadas a exercer as funcções de jurados, co-
mo a lista huma VÔZ concluida deve ser invariável : como
deve ser escrupulozamente guardada nas listas parciaes a or-
dem da lista geral.
Em summa ja vimos que he mister que a organização do
jury seja completamente satisfatória ; que os jurados era cada
negocio sejaõ dezignados pela sorte : e que haja numero assaz
considerável de recuzaçoens peremptórias.
Finalmente o modo de julgamento por jury em materia
criminal , quando naõ apprezenle todas as garantias que
acabamos deassignalar , ainda assim deverá ser censiderado co-
mo huma instituição precioza, só por que assegura aos réos huma
vantagem inaprcciavel, a de hum processo publico. Mas a
questão da publicidade dos debates judiciários demanda attençaÕ
especial.
AaTIGO 8 ° D A PüBI»lCIDADE DOS DEBATES JUDICIÁRIOS.

A publicidade das audiências , e dos debates judiciários ,'


he taõ necessária , como a independência da magistratura ; até
he hum dos meios de garantil-a.
Esta publicidade he sempre , e em todos os cazos , o pri-
meiro , e o mais seguro penhor da imparcialidade dos julga-
mentos , da integridade , e cipacidade dos juizes.
Em geral, o meio mais certo de corregir a quem despre-
za os seus deveres he pol o de continuo á face d'aquelles á quem
maior interesse tem em oceullar a sua conducta. A prezença
do publico he hum freio que poucas pessoas ouzaõ quebrar.
A mor parle dos que negligenceião a moralidade das suas
acçoens , amaõ a sua reputação : temem a opinião geral, e os
olhos dos seus concidadãos. Si o juiz es'á constantemente na
prezença do publica , si vè os olhos de toda a nação fitos na
sua conducta, si sabe d'ante não que cada hum dos seus
actos pode ser levado ao formidável, e incorruptível tribuual
da opinião geral , si não pode embuçar os seus passos no se-
gredo , que ordinariamente occulta todos os vicios , e deffeitos,
, « houver de dar contas, pelas suas mesmas acçoens, do
modo por que preenche as funcçoens do seu emprego, corn ra-
tão se devem temer raenos abuzos da sua autoridade , do que
quando/, encerrado no seu gabinete , profere as suas decizoens 9
como si foraõ oráculos , quepasmaõ, e impõem a obediência,
mas que não podem convencer , ou empenhar a submissão.
Em todos os tempos o segredo sempre andou de parceria
com o arbítrio j aquelle que não dirige a sua conducta sinão con-
forme as regras que lhe saõ prescriptas , não ha mister d'esté
prestigio: portanto a publicidade da conducta he o mais se-
guro garante da observação das regras. Por conseqüência a p u -
blicidade he o remédio mais natural, ejunctamentê mais effi-
caz para assegurar a subordinação da ordem judiciaria á lei e á
todas as dispozicoens que ella contem.
He incontestável que a prezença do publico impõem res-
peito a aquelle que si estivesse livre d'esté censor , não teme-
ria manifestar as suas paixoens. E aquelle juiz que se deixasse
atrelar pelas suggestoens da parcialidade, do favor, e do ódio,
que mostrasse negligencia ou desgosto no exercício das suas
funcçoens , que por ventura só procurasse informaçoens de me-
r*

< # 170 # >

ra curbzldade 5 e c^gip&tbes^e ou/ros excessos da fnesma Iftia .


si estivesse s > , ou unicamente na piczenea das p a r l e s , guar-
dará os foros a decência , abstor-se-ha üe tudo quanto possa
aventurar a sua dignidade , ou m a n c h a r a sua repulaoaõ , si
pessoas eslranhas ao processo estiverem présentes ou podei em
ostar em qualquer cpoeha AL\ discussão.
Por tanto a publicidade c o u t e m y j u i z na orbita dus seus
deveres pela mesma ibrça das conzas e independente d e preceito
algum que os deslustre aos olho= da n a ç ã o ; subme'.te os tri-
hunaes a huma censuia p e r p e t u a , i m p a r c i a l , e severa, e sem
exortação individual : e ladea-os de h u m censor i n c o r r u p -
t í v e l , cujos olhos eslão sempre IÍKOS no exercício dos suas
funcçoens,
Mas lie principalmente nos negócios criminaes que se deve
exigir a publicidade dos debates. E naverdaJe que motivo de
segurança não acha o innocente n'esta publicidade ? Q u e fia-
dor mais seguro de que a intriga , e a calumma não hão tie pre-
valecer nunca contra a innocencia?
O dia terrível , o dia do julgamento chegou. Huma scena
mais pathetica do que todas as ficçoens lheatraes } h u m a scena
verdadeiramente dramática se rompe. O publico ávido por tu-
do quanto o pode commover , para alli corre de tropel. Ain-
da n ã o se v ê o r é o , e ja a sua sorte interessa. Apparece : os
seus olhos á tanto tempo fitos no chão , emíim s e l e v a n l ã o , e
enxergão parentes e a m i g o s : os do publico o convidão a que
n a õ abandone a sua defeza. O apparato que rodea os seus jui-
zes então lhe parece menos terrivel : os terrores que o agitão
na n o u t e das euxovias, cessão de assuntar-lhe a imaginação ;
si he innocente recobra assaz de tranquillidade para repellir a
aceuzação , e si he culpado , hum raio de esperança leva lhe ao
coração a ultima consolação, q u e e'le tem d e r e c e b e r , e
quando o juiz houver pronunciado a fatal sentença 3 sentirá m e -
nos o h o r r o r da sua situação , vendo a compaixão que inspira.
Não. são só estas as vantagens da publicidade. Q u e in-
fluencia naõ tem ella sobre as testemunhas , e sobre os mesmos
espectadores ?
As testemuuhas ! Si alguma se apprezenta cora a inten-
ção do perjurar, aterrada pelo apparato a m e a ç a d o r , e lugubre
de q u e se vê rodeada 5 abandonará o seu terrivel dezignio , mas
si p o r ventura levar a audácia á ponto de consuma? o crime ? as
4
<^> I T 1 <^>

pergunta* do aecuzctdo. do seu advogado, dos jura los , dos mes-


mos juizes , e o murmúrio do indignação , cf«e i e levantará na
asseniblea apenas ella deixai' entrever o menor embaraço , lançará
em suasideids desordem tal, que revelará logo os seus crimino-
zos manejos : nunca hum trama urdido nas trevas aturará o
sulendòr de luz Iam viva!
Emíim qual será o homem , que naõ lendo necessidade do
crime, e nem havendo perdido o senlimento da sua conserva-
ção , testemunhando as angustias do réo durante os debates ,
e prezenciando a sua ccudenmaçaõ e o seu dezespero não entre
em seus lares com vontade mais firme de trilhar constantemente
a senda da honra , e da virtude.
Ainda por outras consideracoens deve-se dezejar que o
publico seja admittido ás sessoens dos tribunaes. Ha huma clas-
se de homens que se dedicão excluzivamente á direcçaõ dos ne-
gócios contenciozos, e cuja bôa condueta e sciencia pode favore-
cor muito a administração da justiça. Os advogados, e todas as
outras pessoas dedicadas ao foro, formaÕesta classe auxiliar. O
meio de obrigal-os a desempenharem as suas funeçoens de hum
modo honrozo , he chamar o publico a testemunhar os seus
debates, a julgar dos s.eus talentos, e da sua probidade , a re-
conhecer os que tecm mais direitos á estima geral, e assignalar
os que devera ficar abaixo da sua profissão.
Em parte alg.uma o foro he taõ respeitável, e respeitado
como no paiz onde o publico he admittido a julgar pelos factos,
principalmente quando a nação toma interesse nas eauzas le-
tigiozas
EmfiDi , outra vantagem tem a publicidade , que he esta.
Quanto mais plena lie a faculdade que os cidadãos tem de
conhecer a legislação , tanto mais penetrão o verdadeiro espirito
d'ella, e quanto mais lhe reconhecem a autoridade , tanto mais ap-
prendem a lhe terem adhezão. Toda a lei que hum sábio legisla-
dor assentar que deve promulgar, ganhará em ser conhecida, e o
melhor meio que ha para isto , he chamar os cidadãos para ve-
rem com os seus olhos as leis postas em execução pelas deci-
zoens dos juizes.
O publico, que assiste ás audiências não se lhe dá nem
dos pleiteantes, e nem dacauza, que oceaziona os debates; mas
admira a marcha respeitável da justiça; approva , ou censura o
modo de decidir os interesses individuaes, e cada julgamento
=3 .

I
s-
<#>I72<^>
lhe inspira amor ás instituiçoens do paiz. S J he verdadeiramen-
te amigo da sua pátria aqueile que toma vivissima parte em tudo
o que dii respeito a naçaô á que elle pertence ; e debaixo d'esté
ponto de vista , a publicidade das audiências dos tribunaes uti-
liza á toda a cidade.
Acresce , que esta publicidade seria frustanea , si se limi-
tasse a formalidade da abertura das portas da sala , em que se
reúne o tribunal , e a audição do rellatorio do juiz , ou da sen-
tença do tribunal.
Para que seja efficaz , cabe não só que o publico tenha in-
gresso nas sallas das sessoens do tribunal, mas lambera que pe-
rante elle se faça a averiguação de todos os factos tendentes a
informar o juiz do verdadeiro estado da questão j que perante
elle tenhão lugar as opefaçoens preliminares , as inquiri-
çoens , os interrogatórios , os arrazoados ; emfim tudo quan-
to pode instruir o tribunal, deve ser patente ao publico, e fazer-
se de modo , que elle possa saber , o que convém que cada indi -
viduo, que se der ao trabalho de seguir os passos de hum ne-
gocio , possa julgal-o per si mesmo , e appreciar o procedimento
dos magistrados.
Ora cora quanto a publicidade seja optima em s i , pode
com tudo algumas vezes cauzar males. Cumpre que em aiien-
ção a honestidade , a decência , ou a outras graves considera-
coens, o juiz tenha a faculdade de ordenar , que o processo
seja formado á portasJeichadas , isto he na auzencia do publico.
A' prudência pois do juiz he que se deve deixar este cui-
dado , cora tanto porem que as portas Jeichadas não sejaõ sinão
huma excepção á regra geral.
Taes são as vantagens, as condiçoens, e os limites de
huma verdadeira publicidade.

ART. 9 ° D A OBRIGAÇÃO DE FUNDAMENTAR OS J U L G A M E N T O S :

Outra publicidade ha tão indispensável como a admissão


do publico as .audiências dos juizes, e tribunaes, a qual he
o enunciado dos fundamentos , que determinarão os juizes a pro-
ferirem as suas decizoens, e do texto da lei, que julgarão ap-
plicavel á cauza,
Havendo esta publicidade particular, que se pode cha-
mar interior, todo o individuo pode examinar si os racioeinios do
<€>i73<§>
juiz são conséquentes , e si elle religiosamente observou a lei.
Assim esta garantia he summaraenle precioza aos interesses
privados.
O juiz, que quizer favorecer huma paite á custa da outra,
encontrará na necessidade dejundamenlar a sua sentença , hum
freio j que quando não possa prevenir inteiramente esta parcia-
lidade , a difficultará muito mais.
Fora disto, o juiz verificando a citação da lei , que quer
appiicar , allegando as proprias palavras do legislador, sentirá
tentações de examinar»lhe o sentido per si mesmo , e muitas ve-
zes terá occazião de reconhecer , que a lei dispõem de huma ma-
neira diametralmente opposta á que elle suppunha encontrar.
Emfim o juiz que conhecendo a lei quizesse deixar de ap-
plical-a , he chamado aos seus deveres todas as vezes, que moti-
va a sua sentença , pois n'ella tem obrigação de inserir o texto da
lei, cuja observação he do seu rigozo dever.
As mesmas razoens , que debaixo de outras reliacoens
fazem dezejar a publicidade das audiências , militão á favor da
necessidade de tundamentar as sentenças, pois he sem duvida que
a nação apprende melhor a conhecer, e a appreciar as leis, quan-
do o juiz em todas asoccazioens em que as applica dá conta dos
motivos d'esta applieação. As sentenças que evidentemente d e -
monstrão , que a cauza foi examinada á fundo , e a lei impar-
cialmente executada , são muito mais respeitadas.
O juiz que cumpre os seus deveres, que não excede os limi-
tes da sua jurisdicção, que não admitte outra regra, que não seja
a lei, que nunca se arreda das suas dispozicoens , folga de dar
eonta dos fundamentos das suas decizoens; por que está certo que
hade merecer a approvaeão d'aquelles que examinarem com im-
parcialidade, que hade convencer aquelles que duvidarem da sua
capacidade , e rectidão , e confundir a aquelles que o increpa-
rem. Por tanto o juiz acha no dezenvolvimento das razoens
que o decidirão a proferir a sua sentença , huma recompença
honroza , e huma cabal justificação.
Demais : a necessidade de allegar o texto da lei, e de
fundamentar as sentenças , impõem ao juiz a obrigação de estu-
dar , e d'explicar este texto , e esta consideração he muito pode-
roza a favor d'esta instituição.
Não somente estas explicaçpens servem para fixar o que
por ventura possa ser duvidozo , mas tãobem para suppriros
<ê>ijí<&
defeitos que houverem , conciliar o que parecer contradietorio ,
ou na realidade o fòr , e por conseguinte serve para completar
o systema da legislação , e da jurisprudência : sobre estas vanta-
gens ainda letn a de allumiar o legislador á cerca dessas antimo-
nias, d'esses defeitos, dessas falhas da lei , afim de que elle fi-
que habilitado para as sanear.
Emfimos mesmos pleiteantes tem grande interesse em sa-
ber quaes os motivos da sentença que julgou o seu litigio. Si
não he possível recorrer da sentença, a parte que decahiu , senti-
rá certa satisfação vendo que os seus interesses não fòraõ negligen-
ciados e nem sacrificados a considerações particulares. Si pelo
contrario , a lei dá ás partes a faculdade de appellar , os fun-
damentos da sentença podem servir para convencer a parte que
foi condemnada , e desvial-a de hum recurso , que não lhe of-
ferece probabilidade alguma favorável : e ainda mesmo que a
obrigação de motivar as sentenças , seja occazião para que os li-
tigantes récalcitrantes renovem , ou prolonguem o processo ,
este inconveniente naõ deve prevalecer sobre as vantagens , que
acabei de assignalar j pois o interesse do principe, do* subdic-
tos em geral , dos magistrados da ordem judiciaria , eda mesma
legislação deve ser anteposto a considerações individuaes, que
por ventura pareção contrarias a esta instituição.

ART. I O . D A LIBERDADE DA DEFFEZA.

Reprezenta-se a justiça como huma divindade tutelar,


cujo templo sempre aberto e franco , offerece em todos os tem-
pos , refugio certo ao pobre contra o rico , ao fraco contra o
foi te , e ao opprimido contra o oppressor.
Os magistrados são os sacerdotes do templo.
Ora para que lhe tributemos o respeito necessário , cabe
que elles cumpraõ com inabalável constância, a sua augusta
missão , observando com regularidade as formulas , e solemni-
dades prescriptas pela lei.
Estas formulas, que nos cazos civis ordinários, saõ sim-
plesmente conservadoras , vêm a ser sacramentaes em matérias
cri mina es , por que então ja se não tracta somente da fazenda ,
mas da honra , e da vida dos cidadãos.
Huma regra ha principalmente, de que não se pode près-
<#>i 7 5#>
cindir bem concu;c:xr todas as leis da justiça; e esta regra con-
siste em ouvir anis de julgar.
£ com efteito he hum principio , que ninguém pode s
iemnado sem ser previamente ouvido.
D'esté principio nasce a obrigação que tem o juiz de inter-
rogar ao reo dando-lhe toda a liberdade dezejavel para que se
eile possa deífender tanto verbalmente como por e=cnpto ; por
/ quanto tão bem ha outra maxima , que á força de ser repetida ,
he trivial, convém á saber, que a dejeza he de direito na-
tural.
* Esta lei he verdadeira na ordem fizica : he permittido fe-
pellir a força com a forca. O mesmo homicídio deixa de ser
hum crime , quando he commettido em justa defeza.
Esta lei he verdadeira na ordem moral ; e aquelle que
geme sob o pezo de huma accuzação tem o direito de aparar o
golpe, que lhe esta imminente, deffendendo-se pelos meios que a
1 sua intelligencia lhe suggère ,• isto he , pelo raciocínio , e pela
.palavra , prendas que não nòs furão dadas pela bondade divina ,
sinâo para a p p r e n d e r m o s , e n s i n a r m o s , d i s c u t i r m o s , commu-
nicarmo-nos , estreitarmos os laços da sociedade civil, e fazer-
mos com que a justiça reine entre os homens,
Esta lei da detfeza natural não t e m excepçào : he de todos
os tempos , de todos os paizes , para todos os cazos , e para to-
dos os homens»
O juiz d e r e s e r d e caracter b r a n d o , e paciente. Elle h e
quera sustenta a balança entre o accuzado , e o accuzador , en-
tre o crime e a pena. Não se deve irritar contra os que julga
culpados , e nem enternecer-se da sorte d'aquelles , cujos quei-
xumes lhe abalão a sensibilidade. O seu dever he conservar-se
impassível; e indagar inperturbavelmente a verdade. Por tanto
deve escutar cora a maior indulgência ainda as menores circuns-
tancias da justificação do reo.
Assim o juiz tem obrigação de interrogar o reo com auste»
r i d a d e , mas sem desabrimento , com rectidão , e sem que se
desvaneça com a vangloria de illaquear por meio de perguntas
capcioaas , a h u m infeliz que de ordinário preeiza mais de ser
orientado do que erobaido.
O juiz tâobem deve fazer ás testemunhas todas as pergun-
tas pró , e contra a accusação ; assim como todas as interpela-
x
cões , que o reo ; e os seus advogados julgarem necessárias.
Quando o magistrado interroga pode e deve exigir respos­
tas cathegoricas. Mas logo que o advogado do reo principia a
refutar os artigos da accuzaçuo , e a discutir todas as imputações
feitas ao accuzado, ao magistrado cumpre impor­se a lei de não m­
terrotnpel­o ; porque si a defeza dos accuzados deve ser respe­
peiloza , tãobem deve ser essencialmente livre , e tudo o que a
avexa, obsta que eila seja completa , e por eonsequencia aventura
a sorte do reo.
Assim que, a excepção do que offende as leis do estado,
e aos bons coslumes, o accuzado, ou o seu advogado pode dizer
tudo, e o juiz deve ouvir tudo , sem dar signal algum que lhe
revele os movimentos d'alma. E ainda quando d'istorezultas­
se alguma perda de tempo , este tempo não deve pezar a justiça :
pois para condemnar nunca falta tempo.
Emfiin , nos paizes civilizados , a deffeza he tão essencial ^,
á administração da justiça criminal, que o reo não pode renun­
ciar o direito de deffender­se, e cazo elle não queira escolher
hum deffensôr , o juiz he obrigado a nomear­lh'o ex­officio. /
Sem isto , não se poderia dizer que a justiça foi feita : ha­
verão sempre tentacoens de crer, que si o reo foi condemnado ,
foi por que não teve a necessária aptidão para deffender­se : e
este modo de pensar he tão geral, que pode­se dizer , que a de­
feza he exigida tanto por bem da justiça , como do accuxado.

A R T . I I D A SIMPLICIDADE DAS FORMULAS JUDICIARIAS.

As leis tem para sanccional­as a autoridade judiciaria, isto


he, o poder encarregado de applical­as.
E>ta instituição porem não poderá attingir bem o seu fim ,
si o legislador não determinar ao mesmo tempo , o modo por
que os cidadãos, poderão requerer ao magistrado , a justiça ,
que lhe he devida , e fazer chegar a elle a verdade.
Não he menos necessário encerrar a autoridade do ma­
gistrado dentro de justos limites, traçar­lhe huma forma de
processo regular, emfim indicar quaes as vias , que se ha(5 de
.■•eguir ja para recorrer das suas decizoens, e ja para fazei*as ex­
ecutar.
D'aqui em todos os povos, cuja organização social he ou
tem sido mais ou menos aperfeiçoada , o estabellecimento de
formulas judiciaes , cuja reunião forma o que se chama processo­.
'S- <§>i;7#>
O processo não he mais do que a forma segundo a quai as
partes , e os juizes devem de obrar , «quelles para obterem , e
estes para administrarem justiça.
As regras, e as formalidades do processo, em geral, devem
ter por fim arredar d'administraçâo da justiça, a desordem , o
arbítrio, e a c i i r f u z i o , e impedir , que os cidadãos sejao le-
vados perante juizes , que lhes naõ são dados pela lei.
As formulas do processo se devem esforçar por prevenir os
perigos dos erros judiciaes, dando a formação do processo tanto
sobre o facto, como sobre o direito, largueza sufficiente para que
o juiz se possa instruir: ellas devem procurar garantir o repouzo
das famílias por meio de preceitos utcis, e de sabias prezumpçoens.
Ellas devem dar toda a necessária amplitude a legitima defeza,
ee assegurar a propriedade por meio de dilaçoens exactas, e deso*
Ie
*k lemnidades, e recursos tutelares; emfim devem obstar a precipita*
^ c ãcão dos julgimentos, presci\ívsndo*lhes prudentes dilaçoens ba-
nindo o arbítrio, e fazendo com que o juiz sinta a cada momento ,
império da lei , debaixo de cujas ordens elle obra , e cujos ira*
pulsos deve seguir.
Ora ao mesmo tempo que o legislador dá estes preceitos,
deve empregar todo o cuidado em simplificar as formulas o mais
que for possível , pais multiplicando-as alem de huma sabia
medida , prolongaria cs debates judiciários de sorte que podia
acontecer que os negócios nunca tivessem fim.
Assim que a multiplicidade das formulas contrastaria o fira
das mesmas \e',s, que as houvessem estabellecido , pois as leis
devem propjr-se fazer com que se obtenha bôa , e prompta
justiça.
Demais; o rezultadocomezinhoda multiplicidade das for mu»
Ias judiciarias he tornar tão difficil o conhecimento délias , que a
massa dos cidadãos naõ possa nutrir esperanças de adquiril-o;
e então nasce , e multiphca-se huma classe de homens , cuja
profissão seria mui util si se limitasse a apprendel-as para ajudar,
e soccorrer aos cidadãos ; mas cujo interresse tíobem seria uzar
d'ellas demaziadamente ; cazo em que ã deplorável duração dos
processos , ajunctar-se-hião inúteis despezas , as quaes talvez
arrastão a ruina das famílias.
Outro perigo ha que tanto diz respeito a ordem geral da
sociedade , como aos individuos , que he este.
A propriedade dos bens , no meio das delongas de hum
»4
processo, sobrecarregado de formalidades, seria incerta, e durante
este lapso de tempo, a sorte das famílias não teria estabellidaJe :
os bens não receberião melhoramentos ; e as deteriorações po-
denúo ser taes , que as famílias empobrecidas levariio séculos
para repararem o mal. .
Ora com quanto seja para dezejar a simplicidade das
formulas judiciarias, todadavia releva n~io rezumil-as desmezura -
daraente.
« Ha sempre demaziadas formali lades si se consultão os
« pleileantes de má fé á quem ellas avexão : ha porem mui pou-
« cas si se attendem aos homens honrados á quem ellas prote-
gera j a sua multiplicidade, as delongas, e os gastos,
« que ellas occazionão , são o preço para assim dizer , que ca-
., da indivíduo paga pela liberdade da sua pessoa , e pela segu-
ei rança dos seus bens. » (Montesquieu).
Si o favor de huma demanda legitima reclama celeridade ,
e simplicidade de formulas , o perseguido , ou aceuzado , talvez
injustamente , deve encontrar n'ellas proteção , e segurança, f
Si a procrastinacão das lutas judiciarias he hum mal, a
imprudente celeridade prejudica a indagação dos títulos , a des-
coberta da verdade , e ao sagrado direito da defeza.
a Si não se deve dar á huma das partes sem exame , o que
< pertence a outra ; tão bem a força de examinar não se
. deve arruinar a ambas. » ( Montesquieu.)
Taes são pois era poucas palavras os interesses que hum
systema de processo deve conciliar. A sua perfeição consiste
em esclarecer a marcha da justiça sem todavia embaraçal-a , e
nem retardal-a. Não prescrever couza, que não seja util, nem
omittir o que for necessário , taes devera ser as suas bazes : mi-
nistrar os meios de chegar , no menor tempo , e com as meno-
res despezas possiveis, ao descobrimento da verdade , e da jus-
tiça , tal he o seu fira : quem o conseguir será o mais hábil.
ART, I2 DA. U N I F O R M I D A D E DA JURISPRUDÊNCIA.

Não somente a lei deve ser geral, e dispor para o futuro,


mas tâobera deve ser uniforme ,^ e abranger todo o território,
que se achar sugeito ao legislador.
Com effeitoalei ou he boa , ou he má ; si lie má cumpre
que onde quer que ella existir se empregue todo o empenho em
<#i79^
leformal-a , si he bòa não ha motivo algum para privar dfrs
vantagens, que elia proporciona, as porcoens do império que
d'ellas não participât).
E ainda quando a vaiiedade do clima e dos hábitos sociaes
fosse tão diversa , que apprezentasse importantes contrastes, fS-
davia a lei pode ser uniforme , neste sentido , pode definir de
antemão , e com invariável estabellidade , qual o direito corn*
mum a todo o estado , c quaes as excepçoes concedidas em ra-
zão de circunstancias particulares á cada huma das partes.
A uniformidade da lei he necessária ao soberano , que não
pode com justiça sugeitar huma parte só da nação , á devores
que não convém a todos os habitantes collocados na mesma ca-
thegoria, e nem tão pouco conceder a huns direitos que recuza á
outros.
Não menos necessária he aos subdictos, que não podem
ver n'huma lei que varia de lugar a lugar, o cunho d'essa alta sa-
bedoria, a qual íie o oaracter distineto do legislador, e he d'on te
depende o grau de confiança que se poem nas suas leis.
Não basta porem haver estabellecido a uniformidade da
legislação , cumpre tãobem preparar a uniformidade d'appîi-
cação.
Aapplicação da lei he o que influe mais directamente $©«
bre as turbas ; e esta applicação pode fortificar, modificar, e ate
destruir todo o system a do legislador , quando não he velado
por elle !
Si o juiz que está encarregado de fazer executai* as leis en-
tre os particulares , não comprehende o espirito do legislador ,
si preocupado por outras idéias , as quer introduzir em leis dic-
tadas por idéias différentes ; si se atreve a substituir pela sua
vontade a do soberano , e adoptar quanto lhe parece bom, e
util era lugar do que lhe está prescripto, desnaturaliza a l e i , e
fal-a dezapparecer aos olhos da nação ; impoem-se em legis-
lador tanto mais poderozo quanto as suas sentenças servem de
regra á todas as diffieuldades, que lhe são sugeitas,
Este grave perigo pois exige huma garantia , e o legislador
deve procurar os meios de estabellecer com certeza o império ,
e a preeminencia da lei sobre a autoridade do juiz.
Toda a inlervenção directa ou seja do legislador , ou do
poder administractivo , ou executivo , no exercício da autorida-
de judiciam , he inadmissível, pois hum estado bem constituí-
B
Î4.
<^>i8o#>
do deve necessariamente dividir os différentes poderes, de cuja
reunião se corapoem a soberania. Por tanto , huma vez que
he contra a natureza do poder legislativo fazer leis , que dispo-
nhão sobre cazos individuaes com força retroactiva ; huma vez ,
que a ordem administractiva não pode semtperigo , invadir as
funcçoens judiciarias ; huma vez que os tribunaes devem cir-
cunscrever-se dentro dos limites das cauzis , que lhes são sugei-
tas ; está visto, que he na esfera mesma do poder judiciário ,
que se deve procurar as instituiçoens proprias para garantir a ap-
plicação uniforme das leis.
Ora a idéia mais simples he a creaçao de hum tribu-
nal ou corpo supremo de magistratura , cuja compoziçao lhe
abone a sabedoria , e a imparcialidade; e cujos membros
sejão escolhidos d'entre os que mais se tenhão estremado na
applicação de lei , isto he , d'entre os magistrados, e ad-
vogados.
Reunindo este tribunal no centro do império, fazendo-o
juiz supremo d'applicaçao das leis , constituindo-a de hum modo
digno da cathegoria , que elle occupa , habilitando-o para re-
prezentar todas as localidades , pode-se esperar que haja hum
tribunal augusto , que mantenha a uniformidade conveniente
n'applicaçao , e execução das leis.
Cumpre todavia tomar algumas precauçoens contra tam
poderosa autoridade , como ha de vir a ser o corpo que em si
contiver todo o poder judiciário ; o qual podia tornar-se perigo-
zo á propria autoridade legislativa.
Hum fatal accordo entre os seus membros bastaria para
dar as leis direcção opposta á que lhes foi dada pelo legislador;
por meio e sob o pretexto da inviolabiliJad e das suas decizoens
judiciarias-, este tribunal destruiria todos os diques , que se lhe
quizessem oppôr, e por fira conseguiria arrogar á si grande
parte dos poderes que os outros ramos da autoridade soberana
são chamados a exercer.
Para prevenir este perigo imaginou-se dividir o exercido
da autoridade judiciaria, e eis o modo p o r q u e se tem pro-
cedido.
Toda a questão sugeita ao juiz, toda a decizão emanada
da sua autoridade , se compõem de duas partes inteiramente
distinctas , huma dds quaes pertence a individualidade do pro-
cseso , e outra se reffere a considerações geraes de huma ordem.
«#>i8i<^
niais eievada: a primeira diz respeito ao facto , a segunda ao
direito: ambas ettas partes se enconlrão necessariamente em
cada negocio ; ellas naõ podem , e nem devem ser confundidas :
a sua ligação , a sua rellação , e combinação lie só o que com-
põem asfuncçoens judiciai ias ; por tanto he impossível destacai-
os : sem questão de facto , n".o se pode recorrer ao juiz ; e sem
questão de direito , não pode haver applicaçâo de lei.
Este duplicado modo de encarar qualquer contestação,
offere ce hum meio fácil de coarctar a autoi idade de hum tri-
bunal supremo cujas uzurpaçoens, ou abuzos se podessem
temer.
A instituição deste tribunal não tendo lugar sinão paro
conservar a unidade e pureza da legisíação , naõ se deve occu-
pai' sinão com o exercido d'essa poição de autoridade judicia-
ria, que he concernente a applicaçâo da lei geral, ou paia dizer
tudo de huma vez , que he concernente ao direito ; entretanto
que aquillo quefôr individual á cada espécie , e d'onde se não
^uossão deduzir conseqüências para outros cazo» semelhantes ,
Çmfim o que respeitar ao Jacto , não he de tamanha importân-
cia que deva merecer a atttnção de magistratura tão elevada.
D'aqui o principio que não he util attiibuir á este supre-
mo tribunal, jurisdicção que não seja sobre questoens de direito,
isto he sobre violação de lei. A faculdade porem deste exame ,
attribuida á hum tribunal supremo , não he couza de mera cu-
riozidade : he de mister , que quando se reconhecer que huma
sentença he contraria a l e i , ella possa ser annulada , e que se
applique remédio á hum tibiizo descuberto.
Oi a de dou* modo pode ser exercido este poder : ou cor-
rigindo a decizão errônea, e fazendo o que o tribunal inferiror
deveria ter feito , ou reduzindo a cauza ao eslado em que estava
antes de ser attacada a decizão , salvo o direito de appellar de
novo para o juiz que a lei houver designado.
O direito porem de julgar do merecimeuto da cauza cuja
decizão foiannullada pela violação da lei, he incompatível com
o fim da instituição de hum tribunal supremo, que só he ins-
tituido para uniformizar a execução da lei.
Emfim não se concedendo á este tribunal , sinão a facul-
dade de onnullar as sentenças proferidas com violação da lei,
sem que possão julgar do merecimento da cauza , conhecimento
que devem ter obrigação de devolver a outro tribunal, só se da
«#>l8'2<^
à este tribunal o poder suftïcienle para prevenir o estabellecí-
menfo das jurisprudências locaes ou pai tieulan s que por ventu-
ra fossem allentatorias dos direitos do legislador , esubvirsivas
da uniformidade necessária a toda a legislação ; e sem que to-
davia tenha possibilidade de fundar humsystema de applicação
contraria ao espiiito da lei.
Assim que o exercício das funeçoens d'esté tribunal pelo
modo por que acabo de indicar naõ he mais do que hum pre-
zervativo, incapaz de produzir os inconvenientes , que foi des-
tinado prevenir.
Os tribunaes inferiores posseiros doadireito deapplicar
activamente a l e i , são contidos , e seus excessos repiimidos pe-
la superintendência do'tribunal regulador, o qual nlo tem
espontaneidade bastante para transtornar a legislação.

ARTIGO 13 Do NUMERO DOS JDIZES-

Hum ponto ha da mais alta importância para a bôa admi-


nistração da justiça , que he saber si convém que o numero dos
juizes seja grande, ou pequeno ; n'esta questão gemi se
achão comprehendidas : 1 = a extencão das jurisdicçoens , isto
he a multiplicidade dos tribunaes ; 2 ° a composição dos mes-
mos tribunaes.
Quanto a extencão das jurisdicçoens eis aqui o que o bom
senso indica :
As grandes alç.idas de jnrisdicçaõ exigem muitas vezes des-
locaçoens dispendiozus, as quaes nlo poderião stipportar os c da-
daos pouco abastados. Cumpre pois approximar quanto mais for
possível do î>eu domicilio 3 o juiz que lhe lia de reparar a lezãi
dos direitos : este conselho he dado pela equidade.
Convém pois estabellecer a'çadas taes que em hum dia
o cidadão que tenha de pedir justiça possa apprezentar-se pe-
rante o sen juiz ? e sendo que haja necessidade possa, recebida
a justiça que esperava , recolher-se a sua caza.
Comtudo este system a de organização não be util sinSo
para o estabellecimento dos juizes de primeira instância ; pois
como ja dei a entender, a imparcialidade dos juizes superiores
será mais segura si estes estiverem affastados do theatro em que
os negócios tiverqpi origem . por quanto es'arâo sobranceiros
ás pcruozas SUggêsioebs do ódio, eá todos os mais affectos de
localidade.
Os deslri, tos de jurisdicção pois devem de ser içircuns-
ciiptos para o estabelecimento dos tribunaes de ; rimeira ins-
tância , isto h e , o seu numero dever-se-ha multiplicar segundo
ã extençào do paiz , eda população , e os deslriclos de jurisuic-
çào para o estabellecimento dos tribunaes de appellaçâo devei-
se-hão estender*, isto lie , o seu numero se deverá diminuir se-
gundo as mesmas necessidades, e as precedentes conside-
racoens.
Quanto a compoziçaõ dos mesmos tribunaes , a quesía\>
he naverdade difficillima , e huma das mais controvertidas
prezeutemente.
Dizem huns , que hum só juiz he mais sugeito ao erro , e
^ ^ á influencia das paixoens ; aflirmão outros que estes perigos são
menores quando a lei exige o concurso de muitos magistrados.
J^ Quanto maior he o numero das pessoas chamadas para examinai
^ o negocio , tanto menos se deve temer a parcialidade , e a cor-
rupção , a indolência , e a precipitação.
Alem d'isto a pluralidade dos juizes offerece probabilida-
des favoráveis a que se encontrem homens dotados de grandes
talentos , que adquirem logo preponderância nos corpos de que
fazem parte , e asseguraõ a bondade dos julgamentos.
Fora d'isto hum tribunal composto de muitos membros
infunde mais respeito não só aos pleiteantes mas até ao publico.
Emfiin o concurío de muitos juizes em hum mes-
mo tribunal excita entie os magistrados , emulação tanto
maior , quanto mais numeroza he a sua reunião , acrescendo
que então grangeaiá muito maior honra aquelle que ahi se dis-
tingue.
Respondem os partidistas de hum só juiz, que a mani-
festa preponderância que alguns magistrados exercem sobre os
tribunaes de que fazem parte he huma prova da inutilidade de
muitos juizes , pois que, de facto saõ elles os que proferem a sen-
tença , sendo que talvez fuse util desempachaUos d'aquelles ,
quesóvotaõ porjormula.
NaÕ julgando os tribunaes sinaõ pelo voto da maioria ,
a iiupericia , ou a imparcialidade ' de hum só juiz muitas ve-
zes podedeerdir da sorte da cauza , por maior que seja o nume*
rod'aquelles que concorrerão para julgal-a.
<§>i84<§>
A cor.upç.iÕ e a indolência se ensinuaõ mais facilmente •
em huma assemblea , do que em hum indivíduo.
Os juizes quejulgaõ em tribunal podem-se desculpar de
de qual quer sentença errônea , ou abuziva lançando a culpa so-
bre a maioria.
As vantagens assim de ordenado , como de consideração
j:odem ser augmentadas , sendo pequeno o numero dos
j j izes. i
Em fim a principal razaõ por que repeljem a plura'idade
dos juizes he esta.
Dizem queignoraõ si ha ramo algum dos conhecimentos
humanos em que se possaõ contar os sábios aos milhares ; naõ
sabem si ha algum em que dado que se contem milhares de sá-
bios se podem contar entre, esses sábios, milhares de homens
de juizo recto, de caracter firme, imparcial, e i n t e g r o . . . .
O que porem he evidenle he que não ha scieocia algum cuja
acquizíçaõ custe mais trabalho , e dinheiro do que a jurisprudên-
cia. Pode existir em hum páix } grande numero de magistra-
dos pobros , e dedn'eressados ; pode existir grande nomeio
de advogados babeis em deffenJer huma cauza ; mas q lautos
jurisconsultes se acharão , que sejaõ capazes de desempenhar as
delicadas funeçoens de julgar a honra, a vida, e a fazenda dos
seus concidadãos ? . . . . Naõ temem pois afíirmar que quanto
mais pequeno for o numero dos juizes tanto mais fácil será de
elevará magistratura homens cujos talentos , e caracter offere-
çaõ verdadeiras garantias de sua sabedoria , e in-dependência.
Taes são , em rezumo, os raciocinios dos que sustentão
tanto hum , como outro systema.
Eu porem creio com o sábio Meyer, que o que mais im-
porta he que os lugares judiciários sejão dignamente preenchi-
dos , para o que se deve empregar o mais escrupulozo cuidado
nas nomeações ; (i) que o numero dos tribnaes _, e dos membros
de cada hum destes tribunaes , seja pequeno , para que as van-
tagens dos magistrados possão ser consideráveis , e certas as
consideraçoens, cujo prestigio decrescerá na razão direct»
da largueza com que forem prodigalizadas : que seria pre-
ferível não attribuir , em cada desiricto , sinão a hnm só juiz
a dicção das cauzas , ao menos em primeira instância ; mas que

{i) No Brazil hayerá e»te escrupuloio cuidado ? 1 0 Tradutto*.


^ #>i85<§>
em geral he indispensável que o numero dos magistrados seja
o mais pequeno possível.

REZUMO DOS ELEMENTOS D'AUTORIDADE JUDICIARIA.

Assim pois, em rezumo, para que a organização d'autori-


dade judiciaria, em huma monarchia constitucional, repre«
zentativa, offereca todas as garantias reclamadas , e obtidas
ate hoje, cumpre que se estabelleça.
* i ° A independência completa dos juizes , por meio da
inamovibilidade , e de grandes ordenados ;
Que haja recurso contra os erros, e iniquidades pos-
síveis dos juizes.
0 Certeza legal de que as suas prevaricaçoens ou a denega-
ção da justiça será punida.
A instituição da promotoria publica , grande, e util func-
gão por meio d'aqual toda a sociedade he reprezentada perante
\
os tribunaes , e ahi levanta a voz ou para pedir a punição dos cri-
mes que a perturbão , ou para deffender os interesses d'à quel-;
les cuja tutela lhe está confiada.
Leis , que prohikão a creação de commissoens , e de tri-
bnnaes extraordinários , e prescrevao, que os cidadãos naõ se-
jaõ privados dos seus juizes naturaes-
Leis , que estabelleção a publicidade das audiências , e dos
debates judiciários, salvo nos cazos em que esta publicidade pre-
judicar a ordem publica e aos bons costumes.
Que os juizes sejão obrigados a declarar os fundamentos
das suas sentenças.
Jurados, que em cazos crimes , pronunciem sobre o facto
imputado , eque sejão escolhidos somente ásorte , conforme á
lista em que estiverem inscriptos os cidadãos , que preencherem
as condições determinadas pela lei.
Leis que concedão plena liberdade á defeza, e que tracem
as raias dos deveres dos juizes à este respeito.
Forma de processo que concilie o interesse de prompta
justiça com a necessidade de hum maduro exame das cauzas.
Hum tribunal supremo , que mantenha a uniformidade
n'applicaçao das leis, cassando as sentenças , que por ventura
as tenhaõ desconhecido, ou violado.
k 95.
<#>i86<#-
Emfim em toda a extenção do império , juizes de primeira
instância, que estejão em contacto com as partes -, e de se-
gunda , que estepo mais retirados d'ellas : e em toda a parte
o mais diminuto numero possivel de magistrados em cada hum
d'estes tribunaes,
Xaessão as principaes condições de huma bôa organização
judiciaria»
§ 4 ° D l ORGASizAç.võ D'AUTORIDADE ADMINISTRACTIVA.

A autoridade administractiva , tem , como vimos, huma


funcção geral, que he a de prover por meio de regulamentos ge-
raes á execução das leis, a manutenção da ordem publica , eas
différentes necessidades da sociedade ; e duas funeções especiaes ,
que saõ :
i w Exercer sobranceira administréeiõ sobre certos estabel-
ecimentos públicos ;
2 * Administrar com sollicitude o patrimônio publico.
Ora os governados sobre quem a sua quotiana accaÕ se
exerce estão derramados por toda a superficie do império ;N o
mesmo pode acontecer á respeito de todos os estabellecimentos
públicos , e das couzas communs , que ella deve soccjrrer por
sua tutela , ou conservar por sua gerencia.
Gomo porem em tamanho espaço, as suas ordens seraõ
exoctamente transmittidas, e fielmente executadas ?
Tal he , quando se organiza hum paiz , a diffiouldade ,
que naturalmente se apprerenta ao espirito.
A necessária reunião de trez meios, pode conduzir a
este fira.
i ° Dividir o território em grandes províncias.
2 ° Collocar hum agente do poder executivo em cada huma
d'ellas.
3 ° Manter estes agentes em huraa dependência salutar.
Examinemos ca'da hum destes meios de organização em
particular.
N ° 1 °DADIVIZAÕDO TERRITÓRIO.

Da divizaô administractiva do território, sendo bem feita,


rezultaô , economia, e celeridade na expedição dos negócios }
e bôa , imparcial justiça nas suas decizões,
Os interesses dos cidadãos mais bem emgrupados se unem
mais facilmente para se sustentarem , e se deffenderem ; e a
sua associação ao mesmo tempo que dá á acção do poder exe-
cutivo , grande força , concorre mais efficazmente para a pros-
peridade , e bem-estar do estado , pela facilidade com que se
podem commetter, ou favorecer os grandes trabalhos de utili»
dade publica.
Por tanto o legislador deve dividir o paiz de maneira que
fiquem satisfeitos os interesses geraes.
He obvio porem que em hum território de certa extençío,
a divizão SJ por só , não bastaria para que se conseguisse o fim
geral d'acçaô administractiva; cumpre por tanto fazer subdivizoens.
Tanto o estibellecimento de huma , como de outra couza
deve ser regido por princípios différentes.
Quanto a primeira divizaõ, isto he, a que deve estar mais
próxima ao governo, convém que a circunscripçaõ adoptada não
se restrinja a limites mui estreitos. Cumpre ter muito cuidado em
v,
essiminar, em derramar muito os centros d'acçao pela superficie
do paiz : o seu grande numero , e por conseqüência , a sua pe-
queníssima extençaõ , produziria o effeito de destacar demaziada^
mente huns dos outros paizes, que podem ter affinidade entre s i ,
e que requerem hum laço cora mum que os una.
Estas divizoens políticas ordinariamente se c\i&vtâo provin,-
cias ; em França chamaõ-se hoje departamentos.
Ellas podem ter sido originariamcnCe formadas por diffé-
rentes fraçoens de hum mesmo povo, ou por pequenas tribus
de origens diversas. Quando por«ra, decorrido muito tem*
po , ellas se tenhaõ reunido debaixo do mesmo dominio , os seus
limites primitivos jamais servirão de obstáculo para que se faça
melhor divizaõ territorial : o legislador pode ate emprehender
destruir certos privilégios particulares á estas provincias , efun-
dil-os para assim dizer em huma legislação mais homogênea.
A sua sabedoria , com tudo , nas novas circunscripções }
evitará o mais que as localidades o perraittirem , compor huma
provincia dos pedaços de diversas províncias antigas : cila exi-
girá que as novas circrunscripçjes naÕ sejaõ formadas sinaÕ por
cidadãos d'huma mesma origem , e ja ligados por mil rellaçoens :
emSm ella quererá que a mesma linguagem, os mesmos costu-
mes , e os mesmos interesses geraes não deixem de os prender
reciprocamente.
26 »
- ^
<ê>i88#>
D'isto a administração deve colher grandes vantagens.
Quanto a segunda divizão eis aqui o que cumpre observar.
Em todos os paizes existem agglomerações de habitantes ,
o ; quaes teem ediíicado cidades, ou formado povôaçoes ; ou
entào, posto que tenhão espalhado as suas habitações peloter»
ritorio afim de melhor o poderem cultivar , nem por isso se de-
ve inferir que elles se tenhão querido segregar huns dos
outros.
Estas aglomerações formão tantas pequenaa sociedades,
quantos são os seus distinctos interesses , as suas rellaçÕes par»
tículares, e sempre hum território , que lhes he próprio, e
que ellas cultivâo.
Não está na alçada do legislador destruil-as ; a única ta-
i efa , que lhe resta pois he organizal-as o melhor possivel, res-
peitando a sua existência individual, A. primeira divizão está
v.sto , que he toda artificial , e pode variar ate certo ponto em
sua extenção. Esta pelo contrario he natural, e naõ poderia
ser destruida, sera se destruírem os fundamentos da sociedade^
Assim , onde quer que houver huma cidade , ou huma po-
voação , he força admittir huma divizaõ particular na qual se de-
vers comprehender a porção do território cultivado pelos traba-
hios dos habitantes , ou necessária ás suas diversas necessida-
des.
Estas divizões inferiores teem nome particular em todas as
partes: são chamadas communes (tnunieipios) porque os habitan-
tes que as ccfmpoern teem na verdade interesses communs ; e
este he o motivo da sua estreita uniaõ.
Os seus limites pois devem ser os que indicarem os interes-
ses locaes bem apreciados.
Pode porem acontecer que estas duas espécies de divizoens
territoriaes naõ bastem para a bõa administração da sociedade ,
e que seja necessário estabellecer pequenos centros d'acçao inter-
mediários entre as províncias, e os munieipios, (communes.)
Si porem esta outra divizaõ fôr julgada necessária , ao me-
nos he necessário que as cabeças das eommarcas, tenhaõ mais
importância do que os munieipios que os rodeaõ ; que offereçaõ
mais recursos em todos os gêneros , e sobre tudo que se eseolhaõ
os lugares do território particular de cada província , onde fei-
ras , e mercados mais consideráveis facão delle o ponto de reu-
rnais habitual dos municípios do arre^or.
^189^
N ° a Dos AGENTES D'EXECUÇAÔ.

Seja qual for a pessoa á quem se confie o poder executivo ,


naõ pode admini&trai-o per si mesmo : cumpre por tanto , que
o delegue á diyersos agentes, collocados em huma jerarquia ,
da qual o prezidente na republica , e o rei na monarchia repre-
zentativa serão o supremo grau. Vejamos qüaes devem ser estes
agentes.
ART. I ° DIVIZAÕ DOS AGENTES.

Estes agentes são de duas espécies , directos ou auxiliar es:


Os agentes directos d'admiriistraçao são aquelles á quem o
poder executivo he directamente confiado , estejaõ em que grau
estiverem da jerarquia administractiva.
Estes se dividem em agentes supremos, em agentes su-'
periores , em agentes intermediários , e em agentes inferiores.

» 1 Dos AGENTES SOPREMOS.

Estes agentes não podem ser sinao os ministros.


Hum ministro he hum íunccionario publico responsável ,
que o chefe do governo admitte á sua confiança para adminis-
trar algum ramo dos negócios do estado , apontar-lhe os que
exigem ordens especiaes da sua parte , receber directamente as
suas ordens , e fazei-as axecutar.
Assim que d'entre os agentes encarregados de dar movi-
mento ao corpo politico são os ministros os primeiros.
Do principe he que elle3 recebem directamente a acçaõ ,
que devem communicar. Elles formaõ o seu conselho de govei-
TIÜ : e possuindo assim o seu pensamento , podem dar com faci-
lidade direcções convenieutes ás diversas rodas da grande maqui-
na politica.
Huma das prerogativas do principe he determinar o nu-
mero, e as attribuições dos ministros. Esta prerogativa deve ser
inteiramente livre, pois deriva do poder executivo, do quai
elle só está revestido , e em cujo exercicio , os outros poderes do
estado naõ se podem iutrometter sem que se perturbe a ordem
social.
Bem que o legislador naõ deva ter o direito de estatuir sobre
o numero, adivizaõ- e a demarcação dos ministérios, toda-
via a recta razão dá alguns conselhos que cumpre seguir como
regras quazi invariáveis á este respeito.
Huma das mais importantes porçoens do poder executivo
certo he aquella que joga com o direito das gentes, isto h 5, eotn
o direito de enviar, e receber embaixadores , concluir tiacíaelos
de paz j d'alliança , e de commercio , declarar a guerra ; em
huma p ilavra de fazer tudo o que exige a manutenção ou o resta -
bellecimenlo das rellaçoens de hum povo para com os seus vizinhos
Por tanto indica a razão que o principe deve crear hum
ministério de estrangeiros ou das rellaçoens exteriores , que se-
rá assim o depozitario do que dicer respeito ár segurança exte-
rior e a gloria da nação.
He pois natural que este ministério tenha á sen cargo as
seguintes attribuiçoens.
A manutenção , e a execução dos tractados, e convençoens
de política e de commercio ;
A correspondência com todos os ministros , rezideutes. e
cônsules , quer sejaõ das potências estrangeiras juncto ao mo-,
narca , quer do roonarcha , juncto aos governos estrangeiros.
A demarcação dos limites do território nacional;
E muitos outros objectos de menor importância , que
se refferetn a esta espécie de attribtreoens
2 ° Outra porção ainda ha mais importante do poder execu-
tivo, he a que tem por fim regularizar todos os movimentos
da sociedade no inteiior do estado, e prover á todas astie^essi-
dades materiaes , e intellectuaes.
D'aqui a necessidade de hum ministro do interior.
O agente superior que d'elle fôr encarregado deverá ter as
seguintes attribuiçoens.
A nomeação de todos os agentes inferiores dadministra-
ção directa;
A manutenção do regimen politico estabellecido ;
A. execuçSo das leis rellativas á policia geral, a tranqüi-
lidade , e a segurança interior j
A divizao do território , e as mudanças que houverem de
sejr necessárias nas circrunscripçoens adoptadas;
A guarda nacional , as prizoens e cazas de recluzão.
Os hospitaes civis, os estabelecimentos , e cazas de ca»i-
cladej a a repressão da mendecidade.
O acoroçoamento ás acçoens generozas ;
«^191^
Todas as particularidades rellativas á instrução publica , ás
sociedades sabias, e lilterarias, ás bibliotecas publicas , aos ar-
chivos do estado, á conservação dos monumentos', e ás escolas
das bellas-artes.
A construcção , e conservação das estradas , pontes, ca.
uaes , e outros grandes trabalhos públicos ;
As minas , e pedreiras j
A navegação interior ;
A agricultura , o seu alento , e aperfeiçoamento ;
A supei'intendencia tanto sobre as colheitas, como sobre o
preço dos graons ; a sua importação , e exportação j a circulação
das provizoens , e osbastimentos de rezerva.
O commercio, e a industria, as invenções ,e aperfeiço-
amentos das artes industriaes.
E muitos outros pontos que seria demaziado longo enu-
merai-os,
3. A terceira porçaõ do exercício do poder executivo deve
nec.ssariaraente entender em tudo o que dicer respeito a fa«
lenda publica : e d'aqui o estabelecimento do ministério da fazenda.
As attribuições deste ministério deverão ser.
A reunião dos elementos do orçamento do estado, tanto da
receita como da despeza: a sua formação , e a sua apprezenlacaõ
assim ao rei, como as câmaras nacionaes ;
Os projectos de lei , e regulamentos gera es que tem «por
ííin a impoziçaõ , a repartição , e aaFrecadaçaõ das contribuições
directas, e o estabellecimento das contribuiçoens indirectas ;
A suprema direcçaõ do thezouro publico , e do movimen-
to geral dos fundos para a sua applicaçaõ ás despezas publicas
nos lugares onde o serviço as reclamar.
A superintendência de todas as adminislraçoens fiscaes ;
a fundição , e refundiçaõ das moedas.
Os estabelecimentos , as repartições 6scaes , e empresas
que daõ hum producto ao thezouro do estado.
A administração dos próprios nacionaes.
Os estabellecimentos das alfândegas e a receita de seus
productos ;
Emfira a renniaõ do que interessa directa , ou indirecta-
oiente a administração fiscal do estado.
4 ° A quarta porçaõ do exercício do poder executivo deve
necessariamente applicar-se á boa administração da justiça em
todo õéstado. D'aqui o estabellecimento de hum ministério
da justiça , cujas attribuieoens deverão ser :
A organização e a superintendência de todas as partes do
po der judiciário ;
A apprezentaçaõ ao rei de todos os sujeitos próprios para
desempenharem as importantes funeçoens da magistratura.
As ordens , e instruçoens , que se deverem transmittir aos
tribunaes de justiça para a boa execução das leis e dos regu-
lamentos 5
A correspondência habitual cora os officiaes do ministério
publico, sobre tudo quanto está sugeito á sua acçao, ou conGado
à sua vigilância :
As despezas do poder judiciário ;
O depozito dos selos do estado , os quaes devem ser im-
pressos em cada huma das leis deliberadas pelas câmaras, e san-
cionadas pelo -principe.
5 P A quinta porça5 do poder executivo dererâ exercer-se
aindfrmais especialmente sobre tudo o que tender a preparar, ou
a sustentar as guerras a que o estado pode ser arrastado; e d'aqui
o estabellecimento do ministério da guerra , cujas attribuieoens
devem 6er.
O recrutamento : a vigilância , a disciplina , e o movi-
mento dos exércitos de terra.
A artilharia , a engenharia , as fortificaçoens , e praças de
guerra ;
A gendarmerie, a justiça , e a policia militar j e osprizio-
neiros de guerra j
O trabalho sobre os postos, promoções , e recompensas ;
às pensões , soecoros , esoldos de reforma.
As ferragens } viveres, e outros bastecimentos para os ex-
ércitos de terra ;
Os hospitaes militares ;
Os transportes, comboís, e equipagens militares.
6 p A sexta porçaõ do poder executivo deverá necessara-
mente applicar-se a outra parte da força publica, a qual
por cauza da sua importância, "e especialidade, necessita da
direcçaõ e de huma administração particular : quero fallar da
marinha.
O pessoal, e o material da marinha ;
A conservação, e o movimento das forças navaés ;


<§>i93<#>
A conservação dos postos mílifares;
O recrutamento não só de marinheiros para oseiviço dos va-
zos de guerra nacionaes, mas também de obreiros para os traba-
lhos dos arsenaes marítimos ;
As forjas, e fundiçoens marítimas.
Os hpspitaes ;
Os Iribunaes marítimos.
A polícia das navegaçqena, e das pescas marítimas.
O maniciamento dos arsenaes marítimos.
Emfim a administração militar , civil, judiciaria, e a d e -
feza das colônias , cazo o estado as possua.
He sem duvida que ainda ha algumas matérias, que pela
sua importância poderiaõ dar lugar ao estabellecimento de al-
guns outros ministérios especiaes: taes serião por exemplo a
instrução publica , os negócios rellativos a religião, o coramer-
cio , a industria , e a policia geral. Mas , esíá visto , que es-
ta creação he essencialmente dependente , quer do systema po-
litico adoptado por este ou por aquelle governo, quer das ne-
cessidades , que mais se fazem sentir nesta do que n'quella epocha.
Propuz-me somente a indicar com algumas circunstan*
cias, os ministérios cuja existência parece inseparável de huma
bôa e regular administração geral, no meio de huma nação cuja
população he florescente , e cujo território extenso.
Termino observando i ° que o principio da responsabili~
dade ministerial obriga os ministros a referendarem todos os a-
ctos reaes , que regulão o que se comprehende nas attribuicões
do seu ministério , pois estes actos não podem ter effeito sinão
quando se achão revestidos da assignatura dos ministros : e a °
que os ministros no curso das suas augustas funccoens admi-
nistrativas , o que teem que fazer per si mesmos he menos do
que dirigir a execução , e obetel-a dos administradores, que lhes
sac subordinados.
2 DOS AGENTES SÜPERIORBS.

Acabamos de ver os agentes directos d'acçao administra*


ctiva no centro do império : examinemos agora a agencia á que
a administração suprema pode confiar a execução das medidas,
que julga dever tomar á prol da segurança geral, e da manu-
tenção da ordem publica.
Estes agentes seraõ aquelles que prezidirem as grandes di*
2 6.

0
<S>i94^
vizoens do território, e pouco importa, que se chamem, g.y-
vemcuLoies , intendentes , prefeltçs , beys , ou bachds.
Estes agentes, sendo como saõ scnlin ilas des3.'m'nada>
por todos os prineipaes pontos do reino ou império, nao devem
ser estranhos â nenhum dos moyimentos do corpo saciai.
Encarregados de instruir ao governo , devem vi;r tudo e em
tudo velar. Guardas da paz publica, devem prevenir os delictos
por todos os meios que as leis poem á dispoziçaõ da policia admi-
niatractiva. Debaixo d'estas différentes rellações elles devem fazer
com que todas as classes sintão a sua acçâo , e estar em
contacto com todos os cidadãos. Emfim tal he a natureza
das attribuiçoens , de que devem estar revestidos , que a sua ac-
çâo , quazi sempre subordinada ás circunstancias, deve variar
com ellas, pois traçar com preçizão os limites au te os quaes elles
devem parar, fora impossível.
ISão se pode dissimular que no exercício de hum poder taõ
difficii de deffinir , o abuzo eslá mui vizinho do uzo. Apezar d'is-
to , estes imminentes funccionarios devem evitar com cuidado
todos os actos arbitrários : por que não ha nada , que eutibie
mais a affeiçaõ que os cidadãos consagraõ ao seu governo , do
que os abuzos do poder.
Cumpre notar huma difíerença essencial que ha entre a
natureza da autoridade , que hão de exercer estes agentes e a
que deve pertencer aos ministros. A. do ministro tem sempre
huma certa especialidade ; encerra-se n'huma esfera determina-
da e distineta do seniço publico.. Ü governo , ou o prefeito ,
pelo contrario deve corresponder-se com todos os ministros,, e
executar todas as medidas, que dicerem respeito a extençaÕ da
sua circunscripção , seja qual fôr o gênero de serviço , i que
ellas pertenção.
3 Dos AGENTES INTERMEDIÁRIOS.

Si o território lie tão extenço , e a divizão foi feita de sor-


te, que contenha tão poucos governos, ou prefeituras , que seja
necessário adoptar o syslema dos agentes intermédios de execu-
ção afim de que aacçaõ adtainistractiva possa chegar mais fa-
cilmente aos mu,nicipios, isto he ao povo, qual deverá ser o cara-
cter d'estes nqv,os agentes ?
A mesma natureza das couzas o indica : naõ ha duvida,
que devem ser inchados na classe geral dos administradores ,
<^>i95<^>
mas a sua funcçao seiã transmitir, e informar antes do que or-
nar , velar anles do que obrar ; seraõ antes os ollios do que os
braços d'administraç õ.
Nenhuma autoridade propriamente dieta dever-lhe-há ser
confiada sinaõ no cazo em qne o interesse da cauza publica exi-
ja rápida determinação, e haja necessidade de irnmediatarnenle
' Verificar certos factos , ou emfim para a nomeação de certos
agentes inferiores, cuja capacidade elles melhor podessem conhe-
cer é cujas operações melhor vigiar , e dirigir.

4 DOS AGENTES INFERIORES.

Eisaqui finalmente o poder executivo em contado coto o


povo : as suas prescripçoens forao descendo de degrau emdegi'au
ate o município, que he onde principalmente a sua voz deve
soar ; as suas ordens, ahi devem achar obediência, por que
este poder falia em nome da sociedade inteira cujo órgão he.
Ahi porem se encontra outro poder de que ainda não faí-
!ei, e cuja origem , natureza , e organização heu'il explicar.

I D ò PODER MUNICIPAL , E DA SÜA ORIGEM

Naó ha povoação , que no momento da sua formação ,


não tenha reconhecido a necessidade de huma administração ,
e de huma policia local. Esta administração, esta policia exi-
giaõ acção , e vereação , e a razão mostra , que os homens mais
sábios deverião ser aella encarregados. Estes reguladores, es-
colhidos á principio entre aquelles cuja idade lhes garantisse a
sabedoria , teem sido sueceasivamente conhecidos pelo nome de
anciãos, de gerontes , de edis , de duumviros , de cônsules , de
echevins, de mairs , e de officiaes municipaes.
Foi sobre esta primeira fiada que os legisladores das na-
co eus levantarão o edifício social. Tendo sido elevado a sua
altura este edifício , e reunindo-se muitas povoaçoens para for-
marem huma nação, acima das municipalidades levantoü-se hu«
ma municipalidade geral, a qual se deu o nome de governo.
A reunÜo d'estes pequenos povoados em hum só feixe, os
cotlocou em huma poziçaõ inteiramente nova. Cada hum d'elles
existiu como família particular , e junetamente como fracçto de
a6 »,

*
^>i96<^
huma familia mais considerável, e debaixo destas duas rellacões,
ellas ficarão subordinadas á dous regimens muito distinetos :
a lei municipal, e a lei política.
O regimen municipal sahiu como de si mesmo, dos cos-
tumes , dos hábitos e sobre tudo das necessidades dos habi-
tantes.
A organização geral demandava maiores combinações. Era
mister , de diversos elementos , e algumas vezes disparatados for-
mar hum todo regular : era mister regular as rellaçoens das dif-
férentes municipalidades entre si, e as suas rellaçoens com a au-
toridade superior ; em huma palavra , era mister constituir hum
governo, dar-lhe forma, e chefe, e a grande arte de organi-
zar as sociedades ainda estava nas faxas. Em tanto o proble-
ma foi rezolvido de huma maneira mui simples.
Os chefes, os officiaes municipaes das diversas tribus se
reunirão em conselho nacional. Lá cada hum expoz o modo es-
tabellecido em seu município , e o regimen municipal mais ge»
ralraente adoptado , veio a ser o typo do novo governo.
Assim, quando na maior parte das communs , a adminis-
tração estava concentrada nas mãos de hum só homem, o go-
verno foi monarchico. A democracia prevaleceu, quando na ge-
neralidade das povoaçoens, o poder estava dessiminado por todos
os individuos que o exercião collectivaraeute , e em assembleas ge-
raes. O rigimen aristocractico emfim estabelleceu-se nos paizes
onde maior numero dos municípios estava sugeito á conselhos
compostos dos mais notáveis habitantes,
D'esta maneira se formarão as Irez espécies de governos
que os publicistas teem concordado em chamar simplices. Pelo
menos he assim que se pode conceber que passarão as couzas
onde quer que a força nao dictou a lei.
D'estas nocoens rezulta que o rigimen municipal naõfoi
nem organizado per publicistas, nem imposto como quazi to-
das as instituiçoens da meia idade, pela ignorância armada ; mas
que esta arvore antiga he huma producçaõ do terreno , que el-
le cobre dos seus ramos , e que espontaneamente , eimpeilidos
pelo dezejo da sua conservação he que os homens se reunirão de-
baixo da fua sombra tutelar.
Aqui pois ha hum verdadeiro poder natural^ que naõ po-
de ser desconhecido salvo por quem for insensato : e d'elle so se
deve cuidar era tirar proveito para o paiz.
•^197^
Adoptado o governo representativo, ojegislador , si he de
boa fé , verá claramente as suas conseqüências. A mais suc-
cinta reflexão lhe fará conhecer , que o principio vital do gover-
no reprezentativo lie que todos os interesses , os dos municípios,
e dos departamentos ou provincias , sejão igualmente reprezen-
tados que os da nação toda.
Supponhamos pois huma organização na qual os interesses
geraes sejão os únicos reprezentados, em que a administração se-
cundaria fosse excluzivamente confiada aos agentes do poder, á ho-
mens quaze Iodos estranhos aos indivíduos , e aos negócios dos
municípios: não he evidente que em igual estado de couzas , em
vez de hum governo reprezentativo, que se ciesse ter, não se teria
na realidade, sinão huma reunião extravagante de inslituições he-
terogêneas , sinão hum syslema incohérente , que como todos
os edifícios , construídos em terreno movidiço , não terra soli-
dez alguma ? !
Pelo contrario com eleições periódicas tanto para as func-
ções municipaes, como para as que fôr util crear junto a agen-
tes superiores d'administraçao , em cada huma grande divizão
do território , todos os direitos terão garantias, todos os cida-
dãos deffensores , e na epocha das reunioens para a eleição
dos deputados , como os notáveis de cada subdivizão teraõ suc-
eessivamente percorrido todos os graus da jerarquia administrac-
üva , os eleitores teraõ dados seguros e os eleitos conhecimentos
necessários. Huns, e outros teraõ (o que ainda val mais, do que
conhecimentos ) viva adhezão a constituição do seu paiz : elles
a amarão , por que a conhecerão.
Mas si o governo , que naõ pode ver tudo , quizesse fazer
tudo , si professasse altamente , que a cauza publica naõ
pode ser bem servida , sinaô por homens da sua escolha ; os
cidadãos desherdados da sua cjnfiança , lhe recuzariaõ a délies :
as vaidades se initariao, e ninguém teria adhezão á huma or-
dem de couzasá que fosse constantemente estranho.
Em tal estado de couzas , nunca jamais haveria espirito
publico , por que nunca haveria espirito de família e o que ain-
da seria mais deplorável, estabellecer-se-hia huma luta continua
entre as liberdades garantidas pelo pacto fundamental, e pelo
regimen administractivo. Qual seria o êxito desta luta ? S o a
duvida faz recuar de espanto.
<&>ig8<&
D A N A T U U E Z À D O P O D E R M U N I C I P A L ;

Depois d'estas considerações geraes , lancemos hum volver


d'olhos sobre a natureza do poder municipal , e sobre as func-
çoen , que lhe saõ proprias.
Os cidadãos considerados , debaixo do ponto de vista das
rôllações locaes que nascem da sua reunião sobre o mesmo pon-
to , tal como huma cidade , huma povoaçaÕ (bourg) urna villa ,
(village) formaõ , como vimos , municípios.
No momento era que se estabellece esta reunião, duas es-
pécies de interesses se manifestaõ , huma pessoal , e particular ,
outragerai, e commum.
A primeira concentra-se nos direitos próprios á cada indi-
víduo ; a segunda se compõem de todos aquelles que pertencem
á generalidade dos habitantes como corpo moral , e politico. Es
tes abraçaõ todas as propriedades communs.
Cada indivíduo , arbitro supremo dos seus negócios do-
mésticos , rege-os como lhe parece. O mesmo porem não po-
de acontecer á respeito das propriedades communs, taes como
direitos , que he mister delfender , pastagens , cujo uzo convém
regular , bosques , cuja conservação exige huma vigilância con-
tinua , propriedades que he de mister caltivar , ou aforar.
Si todos os habitantes fossem chamados p.ira velarem na
manutenção destes différentes objectos , si tantas vontades obras-
sem simultaneamente, e com poderes iguaes, ou naõ se faria nada,
ou tudo se faria mal.
Os membros d'estas associações foraô pois levados pela
força das couzas, a reunir em huma só vontade todas as vonta-
de individuaes , a confiar d'aquelles que julgassem mais dig-
nos , o direito excluzivo de concorrer para a administração do
patrimônio commum ,• em huma palavra , a escolher mandatá-
rios , que obrassem por elles , em seu nome , e sobre tudo á
bem dos seus interesses.
E nem a sollicitude dos membros d'estas novas associações
devia parar nisto. Si importava a todos que os negócios com-
muns fossem bem administrados , cada hum d'elles naõ era me-
nos interessado em que huma sabia previdência arredasse do re-
cinto das habitacles tudo o que podesse comprometter a segu-
rança dos cidadãos, perturbara sua tranquillidade, corromper
<^> i 9 9 < ^
a salubridade do ar e incomodar x> tranziio nas ruas , e nas
praças publicas.
O mandato , que confere á poucos a administração dos
negoqios communs , taõbem lhes deve impor a obrigação de
fazer com que os habitantes gozem das vantagens de huma bòa
policia , ou o que vera a sei" o* mesmo, de manter no recinto
das habitações a segurança , a tranquillidade , o aceio , e a sa-
lubridade.
A estes mandatários das câmaras municipaes he
que se dá o nome de officiaes, ou conselheiros munici-
pals.
Acabei de dizer , que estes officiaes er~o em hum cei to
numero. A que perigos a cauza publica naõ estaria exposta,
si a direcçaõ d'ella fosse confiada naõ a muitos indivíduos, mas
á hum funccionario que deliberasse por si, e fizesse executar
as suas deliberações ? Si elle naõ ajunctasse á hum espirito es-
eiarecido o mais vivo dezejo de fazer bem , o encanto do poder
o deslumbraria , para logo se esqueceria de que era cidadão , e
o homem appareceria todo inteiro com os seus prejuízos, pai-
xoens, e vicios.
Assim de todos os modos de organizar as municipalidades ,
a mais vicioza , ou antes , a mais dezastioza fora confiar a hum
so homem a administração dos bens communaes , e o direito de
regulara policia interior dos municípios. Pelo contrario chamai
todos os habitantes para deliberar , e tereis a maior probabili-
d a d e possivel de que o bem geral se^á, o rezultado da deli-
beração.
As grandes reunioens porem abrem a porta á grandes de-
zordens. Este inconveniente esla remediado por huma concep-
ção , datada dos tempos modernos e que consiste em obrigar os
habitantes dos municípios, e as mesmas nações a se absterem da
direcçaõ dos seus próprios negócios, e a confiai.os á mandatá-
rios j ou reprezentantes.
Esta medida , determinada aos grandes povos pela forca
das couzas, não he tão n cessariamente applicavçi aos mu-
nicípios , ainda aos mais populozos. Mas o principio nem por
isso he menos salutar.
Resta saber qual deve ser em cada cidade , villa, ou povoa-
cão , o numero d'estes mandatários , ou o que he a mesma
cauza , dos pfficiaes municipaes.
#>âoo^>
Do NUMERO DO? OFFICIAES MUNICIPAES.

Acabei de dizer que quanto mais numerosas sao'as assem -


bleas délibérantes, tanto mais provável he que o interesse pu-
blico prevaleça ; e acrescentei qu» as grandes reuniões dão a-
miudadas vezes lugar á grandes dezordens. Tal he pois o pro-
blema que se deve rezolver : compor as municipalidades de ma-
neira que o bem-estar do município tenha huma garantia no nu-
mero dos officiaes municipaes , sem que a ordem e sabedoria das
deliberações fiquem compromettidas.
Parece razoável fixar o mínimo á nove , e o máximo a
cem , e compor os corpos municipaes de números intermédios,
segundo a importância da população , e o espirito do município
que SP tractar de organizar.
Mas accidentes imprevistos, acontecimentos furtuitos,
espiritos turbulentos , e facciozos , podem compromelter a se-
gurança , a tranquillidade , ea mesma existência de hum mu-
nicípio , e será tal a natureza do mal , que só o remédio mais
prompto será capaz de lhe cortar o passo ao pogresso. Entretanto
ainda mesmo sendo a municipalidade tão somente composta de
nove membros , he necessário tempo para os reunir , e para de-
liberara Si nesta crize , a acção do poder municipal estiver su-
geita ás formulas ordinárias, as mais das vezes acontecerá , que
quando erofim a deliberação chegue a encerrar-se , o momento
de obrar efficazmente tenha passado á muito tempo,
O chefe da câmara municipal nos municípios , assim como"*'
o poder executivo nos governos , deve por conseqüência ser au-
torizado a tomar por si as medidas urgentes , que circunstancias
imperiozas possáo por ventura tornar absolutamente neces-
sárias.
Eis aqui o arbitrio, pelo menos o caminho para elle : e
elle he de absoluta necessidade, pois que a lei não pode prever
tudo o que a administração he encarregada de prevenir.
Vejamos agora á quem pertence a escolha dos officiaes
municipaes.
DA ESCOLHA DOS OFFICIAES MUNICIPAES.

O poder municipal não he creatura da lei : existe pela


pura força, das couzas; existe por que não pode deixar de existir \
^>201-#>
existe por que he impossível que os habitantes de hum mesmo
município que sacrificaõ huma parte dos seus bens , e das suas
faculdades, afim de ciiretn direitos, e interesses communs,
sejão tão imprevidentes , que não deem guardas á es!e depozi-
to , e não encarreguem a alguns d'entre elles que velem na sua
conservação , e que lhe dirijaõ o emprego.
Si porem he assim , si o poder municipal he da essência
de todas as corporaçoens de habitantes , nada podendo as leis
contra a natureza das couzas , he de mister que ellas não possão
nem supprimír os corpos municipaes, e nem privar os municipi'
os do direito de os eleger.
Entretanto , todas as vezes que hum governo inquieto , e
ciozo arroga á si o poder municipal, e o exerce administrando
os municípios por meio de funccionarios da sua escolha , e revo-
gaveis á sua vontade, tenhão a denominação que tiverem estes
commissarios , não ha offíciaes municipaes.
Isto he huma verdade , mas cumpre que se não illudão :
no cazo de nao haverem officiaes municipaes tão bem os habi-
tantes não existem em corpo de communidade.
Digo que os habitantes privados do direito de eleger os
seus officiaes municipaes deixão de existir em corporação : por
que na verdade estes habitantes , estranhos aos negócios dos seus
municípios , e sem laços , que os unão entre s i , nao são mais
do que aggregações de homens. Haverão cidades , villas , e po«
voações , mas não corpo de cidadãos-
As cidades são de duas espécies : soberanas , e subdictas-,']
As cidades soberanas , são as que se impõem leis , e não as
recebem de ninguém. Semilhantes ás cidades livres d'Al lemas
nha , são outras tantas republicas.
Para fazer-se justa idéia de huma cidade subdicta, he mis-
ter consideral-a debaixo de dous pontos de vista : como hum
todo , e como parte de hum todo ; ou era outros termos , como
huma familia, huma corporação particular, e como hum dos
elementos da grande familia, da corporação geral.
Encarada debaixo deste ultimo ponto de vista , a cidade
(cité) he tão sugeita ao soberano como os particulares , e igual-
mente que elles subordinada á todas as leis do estado.
Mas debaixo da autoridade deste mesmo soberano , e so-
mente com a condição de obedecer á leis geraes, eleva-se em
eada município hum poder conservador de todos os interesses
»7-
^ 2 0 2 ^

communs (Testa família ou corporação particular.


D'estas difinições , résulta , que sob huma constituição
iivre , cada huma reunião de habitantes deve formar huma cida-
de (cité) , e por conseguinte ter o direito de escolher os seus ad-
ministradores , pois o contrario s*ó pode ser tolerado sob o
reinado de hum principe absoluto,

D A ESCOLHA, DOS MAIRES , ou CHEFES DAS MUNICIPALIDADES.

Apezar d'isto a natureza do poder municipal he tal que


não ha obstáculo algum para que os que o exercem sejão encar-»
legados de funcçoens estranhas ás que lhe são proprias.
O governo tem a liberdade de delegar«lhes alguns ramos
d'administraçâo geral. Da mesma sorte a lei pode habilital-os
para o exercicio de alguns dos actos pertencentes á autoridade
judiciaria.
Assim he que na organização da França, os prezidentes das
câmaras municipaes, sãoofficiaes de policia judiciaria, e do estado
civil, e a administração lhes confia a inspeção d'arrecadaçào dos
impostos, e a execução de medidas rellativas ao recrutamento do
exercito.
Encarados debaixo de todos estes pontos de vista , ou so
debaixo de alguns , os maires podem ser mandatários dos seus
municipios , e junctamente agentes da lei, e delegados do
governo. ^^
Mas a reunião d'estas diversas funções não se pode operar
nem pela vôndade do poder executivo somente , e nem somen-
te pelo facfo das câmaras, sem que se ponhão em oppozição
dous princípios aos quaes he igualmente impossivel cauzar a me-
nor lezão.
Ora em i ° lugar o bom senso diz que o maire não pode
ser escolhido sinão pelos habitantes , e isto por hum raciocínio ,
que fere ainda aos mais ordinários entendimentos : e he que
o mandatário, e o mandante são correlativos necessários, e répug-
na ás noções mais simplices que o que não recebeu manda-
to algum de hum município estipule em seu nome , e delle se
diga agente e mandatário. Por outro lado ja vimos , que huma
das pi erogativas do poder executivo he o direito excluzivo de
prover os empregos d'administraçâo publica.
Assim a prerogativa real ultrapassaria os seu? limites, si
<£>2o3#>
attribuisse as funcçoens municipaes á aquelies á quem eiia julga
acertado encarregar de algumas partes da a d ministra cã-) geral.
Da mesma sorte , e com maior razaõ ainda os habitantes de
hum municipio estão impossibilitados de conferir áaquellesá
quem elles houvessem eleit^prfzidente da câmara municipal, o
exercicio do mais insignificante ramo d'admini^traçâo geral.
Não se pode porem dissimular que a accnmulação das
funcçoens administrativas e municipaes ordinariamente appre-
zenta algumas vantagens. Com effeito he de crer , que os ha-
bitantes vendo o seu eleito honrado com a confiança do principe,
tributem mais consideração á sua pessoa , e mais submissão <is
ordens, que lhes elle intimar ou seja como maire, ou na ejus
dade d'administrador ou agente do principe.
Por tanto o interesse publico reuae-se ao interesse parti-
cular dos municípios afim de provocar huma espécie de transa-
ção entre os dous princípios , hum dos quaes quer que todos os
officiaes municipaes incluzive o maire sejão escolhidos pelos ha-
bitantes , e o outro que nenhum ramo da administração geral
possa ser exercido sem especial delegação do rei.
Esta tranzação não he de todo impossível , tanto assim
que pode effectuar-se de trez modos.
i ° O'governoapprezenta poucos indivíduos para preenche-
rem as funcçoens de maire , e os habitantes escolhem.
a ° O direito de apprezentar he conferido ao municipio , e
o de escolher , ao governo.
"*^^ 5 ° Todos os habitantes que gozão dos direitos civis, legal-
mente reunidos em assemblea geral , nomeião os seus officiaes
municipaes. A lista d'estes he apprezentada ao governo , que
aponta aquelle á quem ha por bem de dar a sua confiança ; e o
indivíduo , assim dezignado , he de direito revestido de ambos os
títulos , tanto do de commissario do rei, como do de prezidente
da câmara municipal.
D'estes trez modos o ultimo parece preferível. Tem mais
dignidade que o primeiro, e dá mais largas â escolha do governo
do que o segundo.
Demais estes trez modos conciliâo igualmente os dous
princípios que acabei de mencionar , e qualquer que se adopte,
não ha duvida que se pode dizer , que o administrador he esco-
lhido pelo governo , e o maire recebe o poder municipal, por
escolha dos seus concidadãos.
^>204^
3
2 DOS CONSELHOS PROVINCIAES.

Feita a divizão politica do território , nao he somente no


município, que se encontião interesses distinctos que satisfazer,
bens particulares que administrar ,^rfjertas despezas communs
que fazer , e certos cargos que repartir.
A associação formada por cada huma das grandes divizoens
políticas experimentará estas necessidades, e terá estas funcções
que preencher. Ahi tãobem , e em esfera mais vasta de inte-
resses , se apprezentão igrejas que construir, presbiterios,
tribunaes de justiça , escolas, e prizoens centraes; ahi haverão
estradas , e canaes que abrir : ahi sobre tudo , haverão que re»
partir entre as divizoens politicas inferiores, ja os impostos vo-
tados pela legislatura , e ja os que forem necessários acrescentar
para pôr fim áos grandes trabalhos particulares de que acabamos
de fatiar : será necessário pois que a execução das leis geraes ,
confiada ao agente superior do poder executivo , seja combina-
do com o interesse das localidades.
O único meio he chamar os cidadãos comprehendidos n'es-
ta associação para tomarem parte na determinação de todas estas
medidasí e nem ha possibilidade de se elles recuzarem áisto no go-
verno reprezentativo; por que tratar-se-ha de distribuir cargos, e
he principio que os cidadãos devem convir n'isso.
Assim ao lado do administrador delegado para prezidir a
província, deve-se collocar hum conselho, huma assemblea com-
posta de cidadãos escolhidos em toda a extenção dessa provincíST"
Mas como se fará a sua escolha ?
A solução he fácil. He tãobem hum principio nos gover-
nos reprezentativos que todo o corpo , que vota impostos , seja
eleito : por tanto as assembleas provinciaes deverão ser for-
madas por eleição,
Ora importa que nòs não illudamos sobre o principio da
elleição : não he somente como medida de sábia administração
que a eleição he bóa ; ella he hum direito , e hum direito sagra-
do , e não huma simples formula administraetiva mais ou menos
conveniente , mais ou menos opportuna.
Mas quem nomeará, quem escolherá os membros das as<
sembleas provinciaes ?
Tal he a difficuldade que em seguida se apprezenta.
Poder-se-hia confiar esta escolha á aquelles que no eitado ,
teem direito de nomear-os deputados, os reprezentantes j mas
he de notar que o seu numero he sempre e necessariamente res-
tricto , e queá medida que se desce para a classe do povo he
bôa politica admitiu' o maior numero possível de cidadãos a
deliberar sobre o que os interessa , e a tomar parte para assim
d'zer na administração geral ü.i estado.
E^tas consideraçoens naturalmente nos Ie^ão a reconhe-
cer que o direito de elK-ger membros das assembleas proviu-
ciaes quando menos pertence aos cidadãos inscriptos nas listai
organizadas para o j u r y , onde são admittidos naõ somente os
eleitores pi opriamente dictos , mas lambem todos os que teem
huma profissão honroza , e cuja instrucção adquirida, he huma
garantia su Eficiente.
Quanto ao numero dos cidadãos eligiveis para compor es-
tas assembleas provinciaes , he obvio que he impossível estabel-
lecer em theze, de huma maneira absoluta : o mais que se pode
dizer he que deve ser proporcionado a exteaçaõ, e a popula-
ção da província , e que por conseqüência deve ser tal que pos-
sa verdadeiramente reprezentar os interesses d'estas grandes lo-
calidades.
Qual será pois emfim , a vantagem das assembleas provin-
ciaes assim formadas.
Não he difficil concebei-as. Elias saõ destinadas a servir de
contrapezo a oppressão administracliva, assim como as câma-
ras nacionaes são instituídas para servirem de contrapezo a op-
"pfessâo política : e estes dous rezultados não podem ser con-
seguidos , em quanto o paia não goza de instituições livres : por
tanto he necessário que as localidades , isto he as províncias e
os municípios , sejão providos deste remédio , assim como o
mesmo estado. He necessário em huma palavra , queellasre-
produzão em miniatura a organização que faz a sua forca e a
sua felicidade.
Todavia he claro que deve haver immensa differenca entre
as funcçoens das assembleas nacionaes, e as dos corpos que de-
vem ser estabellecidos na província, e no município. Aqui ia se
não tracta de fazer leis: estão feitas, só resta executal-as. A ü^em-
blea provincial, ou a cagara municipal não deve ter o direito de
oppor rezstencia alguma ao agente encarregado de as adminis-
trar , salvo si este quizer executal-as de hum modo arbitrário
e oppressivo : a tua inspecção, em huma palavra não se appii-'
iãià sinão a gerencia dos interesses secundários da sociedade ,
de sorte (jue a sua influencia possa modificar , corrigir e ainda
igir até certo ponto a acção dos administrado!es; circuns-
tancias em que , a sabedoria nacional poderá supprir a incapaci-
dade do poder. >-«»
ART. 2 Dos ACERTES AUXIUARES.

E I D administração distinguern-se dous gêneros de serviço ,


e esta distinção procede da mesma natureza das couzas.
Ha hum serviço interior , e outro exterior,
O principal íim do serviço interior, he preparar , elabo-
ï ar os actos d'administraçâo.
O serviço exterior so cuida em promover a execução
destes actos ; o movimento he o seu caracter p r ó p r i o .
Ora devem de haver agentes auxiliares tanto para h u m co-
mo para outro serviço.
Os primeiros compõem o que se tem concordado em cha-
mar mezas ; elles são essensialmente sedentários ; os segun-
dos podem-se chamar ambulantes.
O trabalho dos primeiros consiste principalmente , em
ejtame , r e l a ç ã o , rellatorios, e expediente.
O dus segundos comprehende as opeiaçoens sobre as cou-
zas , operaçoens , que se fazem sobre os lugares , e qoazi so-
bre o t e r r e n o .
Os trabalhas dos agentes interiores , e sedentarioa iem
hum caracter de generalidade , que nasce de serem elles collo^
cados p e r t o dos centros administraefivos: os da segundo tem h u m
caracter de especialidade , para assim dizer technico , por isso
que quazi sempre se refferera á applicaçoens reaes immediatas.
Todavia estas couzas na practica nâo devem separar-se ,
assim como nas noçoens abstractas , que forma o entendimen-
to. O serviço exterior , e o interior devem estar em correla-
ção reciproca: h u m deve ser para o o u t r o , o que em huma
si ande manufactura o guarda-livros he para o s o b r e i r o s , e \ i -
je-versa. Devem pois haver n'esta grande fabrica d'administra-
ção 3 en»pregos em' que estes dous gêneros de serviço venhão
r e u n i r - s e , harmonizar-se, trazer os seus tributou c o m m u n s , e
os seus diversos produetos.
D'aqui rezulta naverdade a necessidade de hum terceiro
gênero de emprego? que sirva para m a n t e r a harmonia entre
*
os dous primeiros: esta terceira espécie a-..: -.<\i!;are.i
pode-se chamar chejes de serviço.
Examinemol-os»todos em particular..

I DOS CflE 'ES DE SEEVIÇO.

Ha na administração de todos" ospaizes, serviços distm-


ctos pela sua natureza , e que precizão de organização , e dire-
ção especial ; taes são quazi em toda a parte , os próprios nacio-
naea , os correios , as pontes, e.calçadas, as minas , as contri-
buiçoens indirec'as, e as alfândegas.
A* especialidade de cada hum d'estes serviços, exige
hum agente paiticular , que o dirija , e que se chama mui na
(ura! men te chefe ou director do serviço.
As suas íuncçoens devem de consistir em determinar as
hazes das medidas que se houverem de tomar , a$ dirccoens que
se houverem de dar aos ageales inferiores , as instruções , e es-
clarecimentos , que se lhes houverem de fornecer sobre as du-
vidas , que elles por ventura expozerem , e as explicações
que se lhe houverem de transmittir sobre o espirito das medidas
ordenadas. D'isto se segue que á estes chejes ou directores de
serviço lie que pertence dar ordens aos seus subordinados , pres-
cievtr-lhes que se apprezentem em certos lugares, e que facão
taes operaçoens ; também compete-lhes approvar ou impu-
gnar a sua condueta.
Mas da natureza destas funeçoens segue-se que elles não
podem crear direitos ou obrigaçoens sinão só para os seus su-
bordinados.
Após d'estes chefes de serviço que devem ser collocados
no centro d'administraçâo , afim de que melhor lhe conhecão o
espirito e melhor recebao as instrucções , devem vir os chefes
de serviço estabellecidos nas localidades , isto he nas províncias.
Elles devera ser o foco d'aeçao do seu serviço particular.
Assim por exemplo, concebe-se que abaixo do inspeclor
da.i alfândegas collocado na capital do impei io , subordinado ao
ministro da fazenda , se achaõ repartidos úlveclores particulares
onde quer que a necessidade do servíçu pode exigir na circuns-
cripçjo interior das províncias.
Estes chefes de serviço locaes naõ devem ter , ( mais do
<^>208<t>
que qual quer outro agente auxiliar ) nenhuma espécie de auto*
ridade propriamente dieta.
Sem esta indispensável condição , deixaria de haver uni-
dade n7acção ádministractiva.
Assim que, elles poderão, e ajôjieveraõ provenir, e advertir
os cidadãos; seraõ chamados par < verificar certos fados , para
darem o seu pareœr sobre cer? -s questões 5 terão direito de
inspecçâo , e de mandamento sobre os seus subordinados ; cum-
pre porem que nunca deem aos seus actos formula impe-
rativa para com os que forem estranhos á estes actos : si houver
necessidade de huma ordem , dp huma decizão, que dê direito,
ou crie deveres, he de mister pelo motivo que acima expliquei,
que elles se dirijâo ao governador da província , único" agente
directe do poder executivo.
Esta restricção he toda a prol dos administrados, os quaes
com razaõ temerão, que chefes de serviço , acostumados a não
olhar para aquelle de que estío encarregados sinlo na sua espe-
cialidade , não considerassem que tudo deveria ser sacrificado á
sua vantagem , e não fossem arrastados pelo dezejo de parece-
rem cumprir bem os seus deveres com a esperança de obterem
mais prompto avanço.
Assim que he acertado collocar como moderadores entre
os cidadãos e os chefes do serviço , os agentes diiectos d'admi-
nislração , isto h e , o poder administrativo , que estando acos-
tumado pelo contrario a considerar as couzas debaixo de hum
ponto de vista mais elevado , e mais extenso , e a ver toda a es-
fera dos interesses públicos, deve saber que huma grande sol-
licitude he devida á todos os interesses privddos , pois elles
compõem pela sua reunião os interesses geraes.
Aos governadores das províncias pois he que os chefes do
serviço deverão dirigir-se para os actos de autoridade , que po-
de fazer a administração local , e aos ministros quando estes a-
otos forem d'admiuistraçao geral.

2 Dos AGENTES INTERIORES.

Estes agentes formão huma classe laborioza e pacifica :


ella occupa os empregos nas secretarias dos diversos ramos da
administração.
He obvio que estes funecionarios em geral não gozaõ da*
<^>209#>
honras , e distinçoens, concedidas aos agentes que exercem a
autoridade propriamente dicta , e que não podem achar indem-
nização sinaõ na estima publica , a qual constitue assim outra
recompensa do seu zello , e trabalho , outro motivo de aco J
rocoaraento.
Tal indemnizaçio toda m oral, e só por isio superior a qual
quer outra para quem lhe sabe conhecer o vabr , tem a vanta-
gem de attrahir á estes modestos empregos , e conservar n'el-
les, homens virtuozos , delicados , e instruídos , de animar o
talento, de fomentar o zelo, e de efficazmente contribuir,
posto que em segredo , para o'bem do serviço publico.
A probidade necessária, esufticiente nos negócios com-
muns , não he a única qualidade de que hajão m'ster estes em-
pregados do serviço interior ; os quaes alem d'isto se devem saber
precaver de hum gênero de seduceão desconhecida as outras pro-
fissoens sociaes : devem possuir essa integrida Je adminislractiva,
que sabe conceder aos interesses públicos o favor que merecem ,
sem todavia faltar ao respeito devido aos direitos privados; fi-
nalmente devem ser de huma imparcialidade imperterrita que os
façarezistir as sollicitaçoens de seus amigos, da sua família ,
e fitar os olhos taõ somente no que he recto , e verdaieiro.
Grande discrição he muitas vezes para elle3 hum dever.
He necessário que rezistaõ as instâncias do credito , aos pe-
didos do poder , as exigências desse interesse excluzivo taõ acti-
vo , e taõ cego ; he necessário que se rezignem á desconten-
tamentos , e algumas vezes á humiliacoens ; por h i m lado o
que obtém reffere tudo ao chefe ; elle tem obrigação , e algu-
mas vezes naõ he obrigado á ninguém , por que elle crè que
tudo procede do seu próprio merecimento; por outro lado
aquelle que nao obtém desbravando o seu mau humor contra
o subalterno , por isso que lie mais comtnodo, e menos peri-
gozo derramal-o sobre este, do que descarregal-o contra o ho-
mem revestido do poder; nunca este homem reconhecerá que
elle na5 era digno do que pedia : ha outra razão que vem de
molde para explicar a recuza, que he o erro , ou a malivolen-
cia dos empregados ; e tanto mais facilmente será admittida a
a explicação , quanto as mesmas formulas da administração naõ
per nittem que se lhe demonstre a falsidade: tudo está envolvi-
do na pasta e ahi deve jazer encerrado.
Honra pois á esses homens que sobranceiros ás seduções s
a8.
«#>2I0#>
que superiores aos que zombaõ délies, le m o mérito dos gran-
des trabalhos administrativos que ornaõ os no mes mais cele-
bres. Honra á esses homens sem os quaes a administração naõ
poderia obter o seu fim, e naõ seria mais do «pie huma força
cega e por conseqüência tao perigoae^uanto deveria ser util.

3 Dos AGENTES EXTERIORES.

Em certas espécies de serviço, pode ser util organizar os


empregados, e constituil-os em ^çorpo , que tenhaõ regras ? e
disciplina propria , e interior.
Diversos motivos podem aconselhar , sinaÕ exigir taes
Oíganizaçoens.
Por exemplo, os funccionarios necessários para a
administração civil do exercito de terra , da marinha , e to-
dos os agentes d'administracâo nos portos, e á bordo dos
navios, sendo associados as operações dos exércitos , compar-
tindo muitas vezes os seus nobres perigos , achando-se á la par
do soldado em huma infinidade de circunstancias, he acer-
tado dar-lhes huma patente e hum uniforme , que lembre a
autoridade militar , afim de grangear-lhes, ainda no meio do
tumulto dos acampamentos a segurança de que teem necessi-
dade , e a consideração que lhes he devida.
Da mesma sorte na administração civil os empregad< s da
alfândega sendo destinados a repellir o contrabando, que mui- - s
tas vezes se faz á força e de mão armada devem ser organizados
em brigada , andar armados , e ter os seus officiaes. Em eon-
juneturas meiiudrozas até devem estar em estado de pro-
var quanto pode a sua coragem á prol da defeza do estado*
A guarda das florestas , e a repres-aõ de toda a laia de
desordens e invazoens á que ella está exposta também saõ
huma espécie de guerrilha que nunca será assaz sollicitamen'e
vigiada , por huma sabia administração.
Aos agentes inferiores d'administracao he que se deve con-
fiar o cuidado de sustentar esta espécie de guerra , e para este
fim elles devem andar armados.
Com o mesmo dizignio devem andar armados os guar-
da-inattas destinados á defeza das propriedades ruraes.
Consideraçoens mais momentozas, e de mais alto grau
de interesse devem prezidir a organização de outra classe de
ngenles exteriores.
Certos ramos de serviço publico lêem li ura caracter te»
cisnico , e scientifico , os quaes exigem como preparatório
longos , e árduos estudos i—nira a execução experiência con-
sumada, e hum espirito rapino para assegurar o sucesso. Tal
heo manejo dos grandes trab- Ihos públicos , a construção das
pontes , e diques , a abertura uos canaes, o estabeltecimento
dos portos , e a exploração da.s minas.
Ora para estes serviços pode ser util crear, e organi-
zar duas classes especiaes de en.?enheiros.
A experiência de alguns povos tem provado quam úteis
saõ estas inslituiçoens , que sobre todos os pontos de hum vasto
território , emp.'egaô nos trabalhos públicos os rezultados de
todas as seiencias, e esse grau de aperfeiçoamento , que ta m
bem fazem parle das riquezas nacionaes.
A. administração da caudelaria la nbem he hum objecto
technico , e o seu serviço pode receber hum caracter particu-
lar. A conservação das boas raças de cavallos, e o melhora-
mento de outras saõ mui dignas de particular attençaõ.
Muitos interesses estaõ com este intimamente ligados e
entre outros os da defeza do estado , da agricultura , e dos trans-
portes commerciaes.
A venda das madeiras de construção naõ he de menor im-
portância , e pode também fazer dar hum caracter próprio a
sua administração.
Ponderaçoens de igual consideração poderiaõ applicar se
à> adminislracoens dos próprios nacionaes , das contribuições di-
rectas, e indirectes , dos correios, das cazas de moedas dos pe-
zos, e medidas , e da contabilidade publica.
Basta ter mostrado alguns exemplos da necessidade de or-
ganizar alguns ramos da administração em serviços distinctos
com agentes interiores , e exteriores, á testa dos quaes devem
estar necessariamente eollocados chefes, ou direetores.
O resto naõ he sugeito sinSo á regras circunstanciaes.
Vejamos agora quaes são os caracteres próprios à todas
as funcçoens administativas.

i
38. >
NUMERO 3 o CARACTERES BSSENCIAES A'S PUHCÇÕES
ADMINISTR ACTIVAS.

Quatro caracteres são da essência d'estas funcçoens, a


saber : a unidade , a responsabiljílíule , a dependência , e a
rezidencia.
i ° A unidade he da essência das funcçoens dos agentes di-
rectos , e auxiliares d'admmïsiraçTio. Com effeito sem unida-
de , ja expliquei que não ha bôa administração possivel. He
necessário que em cada grau dajerarchia, hum só homem di-
rija a execução das leis : n'este sentido foi que se estabelleceu
esta maxima : administrar he tarefa de hum só homem.
Na administração activa , a vontade deve ser huraa , por
isso que duas pessoas naõ perceberiaõ os objectos debaixo do mes-
mo ponto de vista : e posto que a intenção de cada huma d'el-
les podesse ser bôa , ellas poderiaõ muitas vezes defferir entre
si. D'aqui collizoens , e embaraços, que perturbariaõ a m a r -
elo 6'adminislraçaõ.
Bias si a vontade do administrador deve ser huma , nem
I isso deve ser cega. A força naõ exclue a justiça , e todo o
l.umeni que quer ser justo, tem necessidade de contrastar na
pedra de toque da sua consciência e da sua razaÕ , a bondade
das rezoluçoens , que vai tomar.
2 ° O segundo caracter próprio á es^a ordem de funcçoens
he a responsabilidade.
Ora esta responsabilidade, como ja observei, tem por Gm
forçar a administração a ser órgão fiel das leis : esta he a única
garantia real da sua bôa execução : e ninguém ignora que de-
pois da obtenção de leis justas, a sua bôa execução he a primei-
ra necessidade dos povos.
3 ° O terceiro caracter das funcçoens administractivas he
a dependência.
Cada funecionario administractivo deve ter funcçoens
proprias, e attribuiçoens particulares , mas todos , desJeopre-
zidente da câmara até o ministro , devem estar sugeitos a ins»
pecção da autoridade superior. O monarcha deve ser o su-
premo grau d'esta jerarquia.
Assim pois o movimento deve partir do centro e para el-
le retroceder , a fim de que a execução possa ser inspeccionada.
Acresce que a independência 'em si mesma não he sinão
1

<^>2l3<#>
huma conseqüência do principio da revocabilidade , cuja justi-
ça ja demonstrei , quando fiz menção das prerogativas do poder
executivo : ella está intimamente ligada com a responsabilidade.
4 o O quarto caracter commum ás funcçõens administra-
ctivas he a rezidencia ou a obrigação de morar na cabeça do lu-
gar a que se dever extender o exercício da funcção delegada. A
bòa e prompta execução das^eis, e regulamentos da adminis-
tração publica ; a exacta , e quoTíuíana' vigilância á que devem
e^tar obrigados á este respeito os funccionarios de que falíamos ,
lhes impõem o dever de se não auzentarem dos seus lugares , sal-
vo si íõr por bem do serviço publico.
As funcçõens publicas certo naõ são , como commumen-
te se imagina , nem occazião para satisfazer pretençoens priva-
das , nem arranjo para as conveniências defamilia , nem assen-
to para a vaidade, nem leito de repouzo para a molicie , nem
mesmo couza de commodidade , e de prazer.
Estas funcçõens saõ serviço rigorozo , e ardi:o para a-
quelles á quem saõ confiadas , e demanda mais dedicação do que
as profiçoens independentes.
A administração pois deve ser possuída do zelo do bem
publico. A administração he essencialmenfe activa, pois he
velando que ella conserva a republica , e si a produz, também
he trabalhando.
Portanto hum principio de acçaõ lhe he necessário , e
este principio naÕ se pode deduzir sinao do fim que lhe he pro-
posto. O zelo será o haüto , que o inspira , o motor, que
o anima, a seiva que lhe circula no seio , a sua vida , ea sua alma
inteira : o zelo será para eîla o fogo que nunca se deve apagai.
Por tanto a prezença , e a prezença activa he hum dos ca-
racteres communs d'esta classe de funcções administractivas.
Agora que ja dei a conhecer os diversos instrumentos d'ad-
ministração, cumpre que me detenha em algumas considera-
ções , que lhes são communs , e como ja vimos o que os agentes
administractivos devem ao estado, vejamos agora o que em re-
tribuição tãobem o estado lhes deve.

N ° 4 DAS OBRIGAÇOEKS DO ESTADO PARA COM OS ADMI-


NISTRADORES.

Podem«se encerrar em trez : promoção, salário , epensas


<#>2l4 < ^ >
í ° A classificação, que acima estabelleci , mostra assaz que
h i mister distinguir cora cuidado as funeções administractivas ,
que dão direito de mandar, das que são auxiliares , e de mera
execução.
As primeiras, como acabaijius.de vet , são essencialmente
amoviveis , e revogaveis : a justiça quer que as segundas tenhão
certa estabillidade , que todavia não degenere , cumpre dizel-o ,
em inamovihilidade. CéTuTque estes empregos auxiliares como
que se confundem com as profissoens ordinárias. Elles deman*
dão huma educação especial, dirigida quazi excluzívamente para
esse fim, e as mais das vezes esta educação he dispendioza.
Os titulares contrahetn obrigações ; em conseqüência das quaes se
estabellecera ; cazão-se n'este estado; a sua família repouza sobre
elle, os «eus filhos esperao delle o pão de cada dia, e as espe-
ranças do futuro. A sua segurança no emprego he o fiador da
sua delicadeza , a qual os anima a se entregarem excluzivamen-
te às suas funeções, e n'ellas permanecendo largos annos , apro-
veitãose da propria experiência , podem communicar os re-
zultados á novos empregados , transmittir-lhes boas tradicções
e essa instrucçao especial, que ainda he mais necessária, do que
o talento. Por tanto em quanto estes empregados não prevari-
carem , em quanto não forem reconhecidos incapazes, em
quanto não houverem graves motivos para demittil-os, fazel-o
fora commetter sem utilidade , huma couza injusta , e cruel.
Mas não basta naõ privar arbitrariamente dos seus lugares
os agentes administrativos , he necessário promovel-os quando
elles o merecem.
A promoção he hum meio de ser-se bem servido , e sem
custo : a promoção chama , e conserva nos empregos superio-
res , e fomenta o zelo em todos os graus. He natural ao homem
viver mais do futuro do que do prezente : a esperança dá forças.
Acresce que não se sabe bem dirigir sinão aquelle que tem obra-
do por si, e da administração bem se pode dizer como do esta-
do militar : os que commeçarão obedecendo , são os melhores
para mandar.
Por tanto a promoção gradual he huma condição essen-
cial para o hora serviço.
A promoção deve girar sobre dous eixos : o merecimento ,
e a antigüidade, Esta só por só não pode servir de regra ; porque
não se tracta somente dos direitos que he justo respeitar nosindivi
duos : importa muito atténuer ao bem do serviço e do estado. (V;
No merecimento se distinguem duas couzas : a capacidade
scientifica , e o caracter moral ; p o r q u e si a capacidade he hu-
ma condição , o caracter dos agentes he outra. Si ÙC deve at-
tender a habilidade , que ní ? ~ouzas technicas contribue para o
bom successo das opperações, deve-se tão bem levar ern conta o
zelo , que supera os desgostos"f~ ««-obstáculos , e a j une ta ao
cumprimento do dever todos os rezulcados da boa vontade,
A appreciação do merecimento he alias couza delicadíssi-
ma. Os que saj encarregados delia tem que deffender-se das se-
duçoens e s t r a n h a s , das sollicitaçoes dos seus a m i g o s , e paren-
tes , e igualmente das suas affeiçoens , e dos seus sentimentos
pessôaes, pois do contrario o seu juizo naõ receberá a sanceaC da
opinião d'aquelles, que taõbem estaõ no cazo de appreeiarep... o
m e r e c i m e n t o , posto que não tenhão o direito de o declararem
de h u m modo efíicaz,
Erafira a promoção nem se m pie pode seguir a jerarehia.
Ha certos limites , que o interesse publico tem julgado dever tor-
n a r insuperáveis. Assim que h u m empregado do service activa nem
sempre h e próprio para hum emprego mais elevado no service
s e d e n t á r i o , e reciprocamente. Entretanto fora para ífezej
que assim fosse , e quando isto he possivei . cumpre approved
tar , por que o serviço ganha cora isso.
2 ? O que diz respeito ao salário dos empregados Be
assumpto delicado , sugeito á infinitos prejuízos , que teèín
objecto de muita critica. Isto b e huma razaõ para que eu me
detenha a q u i , afim de mostrar a verdade , e dar ás idéias a
exactidaõ conveniente.
Algumas noçoens de economia política se applicão Û es-
ta materia. Começarei apprezentando-as.
imaginemos hum individao , que no seio de huma s
dade organizada, achasse hum thezor.ro em dinheiro, e que
desfruetal-o naõ fizesse mais do que tirar huma por huma das
edas üe que se elle compozesse a fim de supprir as sua<; despezas
durante t >dootempo que durasse o seu thezouro , e a sua \
Isto he a imagem do modo por que se estabtlleee a exis
lencia econômica dos indiriducs.

(i) Quem dera que se attendesse para estes bellos princípios no Brawl •
çntão as couzas não hirião como v5o de'fcz em fora .' ! O îratîuetor
<S>2l6<^>
Naõ ha ninguém que possua este thezouro , mas tia socie­
dade ha duas couzas , que teem lugar ; capitães , e trabalho.
Ambas ellas saõ emprestadas a outrem por aquelles que as
possuem : e isto he o que forma o grande objecto do com merci o
social. '■*­ *
O capital se compõem ou de couzas materiacs , como as
propriedades territuriaes_­o<*­^—e valores reprezentativos , como
as nossas moedas , ou emtim de huma capacidade propria d ca­
da hum.
Este capital assim corno o indivíduo que o possuir , tam
bem pode ter diversas origens : pode ser adquirido por hum
acazo, como na hjpotheze figurada á pouco , ou extorquido
por força , e por violência, ou herdado , ou erufim pode ser
rezultado de trabalho pessoal.
Deixemos de parte as duas primeiras origens, pois a
terceira desaparece per si mesma , por quanto he de mister que
remontemos á aquelle que formou o capital : por conseguinte ,
cahimos ria qu.irta , de sorte qire emfím pode­se dizer, qus
todo o capital tem a sua origem no trabalho.
Ora este trabalho pode ser productivo para os outros , e
naõ assim para aquelíe que á elle se entrega : tal he o tempo
que os homens caridozos empregaô em acudir as desgraças
alheias : taes saó as consultas gratuitas dos advogados , e dos
medicos. Por outro lado o trabalho poderia ser improductivo
para aquelle que á elle se entregassa : tal seria por exemplo ,
o cazo em que hum homem fosse pago por outro para batter
agoa , simplesmente, e sem fim algum util.
Ora o products do trabalho pode ser tao passageiro , co­
mo o salário , ou entaõ pode gerar hum cjpital , assim como
as especulaçoens commercials , ou as economias feitas no sa­
lário diário ogeraõ.
O homem pois pode alugar para a util idade social , ou o
seu capital, ou o seu trabalho , ou huma e outra couza juncta­
menle. O capitalista aluga o seu dinheiro , e o lucro que tira he
o preço da locação; o proprietário aluga a sua terra , a sua ca­
za ; o juriscousulto , o advogado , o pintor o medico , aluga'5
outra espécie decapitai: alugaõ a capacidade que lhe he pro­
pria e que era algarismos pode ser av^luada na quantia dispen­
íiida com a sua educação.
Pode acontecer, que huraa farnilia venda huma terra ,
<#2Î7<#
huma caía, para dar a hum menino huma educação que pela
capacidade intellectual cuja acquizição lhe proporciona, substi-
tua , o capital que ella julgou dever alienar.
Vê-se pois quanto teem desconhecido o estado da socle da*
d e , aquelles que a te£n?~ dividido em duas classes, á
saber: os quepagSo, e não são pagos , e os que são pagos, e
n ão .pagão. — «, _,,—
Ninguém paga sem ser pago j os capitalistas , os proprie*
tàrios territoriaes sã > pagos pelo aluguel do seu capi-tal : os o atros
que alugão o seu trabalho tambe/n são pagos.
Longe de mim o pensamento de estigmatizar aquelles qua
alugão o seu trabalho pesssôal. O trabalho he mandado pela
providencia ; o trabalho he a grande mola da vida social : o
trabalho he o creador das artes ; foi o trabalho que estabelleceu
o commercio, e deu nascimento á toda a espécie de luzes;
foi o trabalho que fundou as cidades, abriu a navegação dos
mares, e r i o s . . . . Erofim não ha ahi poder-se dizer todo o bem
que o trabalho ha feito , e que certamente ainJa fará.
Ora , que differenca pois ha entre os que alugão a sua
capacidade intellectual y e os que alugão o seu trabalho ? En-
tre os que se consagraõ ao serviço da sociedade , e os que se de-
dicaõ á hum serviço privado ? Nenhum: por conseqüência fo-
ra tão injusto estigmatizar a huns como a outros.
Por tanto he necessário que aquelle que consagrou o seu
tempo, e os seus suores, ao serviço da sociedade, receba a
recompensa , assim como a^uelle , que osdispendeu no serviço
de hum p irticular.
Todavia hã huma differenca importante , c que he toda
em favor do galardão devido aos empregados do estado ; as pro-
íissoens privadas offerecem a perspectiva de formar hum capi-
tal , que poderá ser e npregado, por aquelle que ja não for
mais capaz de aug nental-o , e que assim poderá ser deixado á
sua mulher, e aos seus filhos : em huma palavra offerecem a
esperança de constituir hum patrimônio , ou o que ss chama
numa fortuna.
Esta perspectiva fallesce aos empregadas da estado ;
quanto mais fieis, e probos os suppomos, menos possibilidade
teem elles de crear hum capital para seus filhos. Quanto
mais avançarem em idade , tanto maiores serão as suas neces-
.si Jades , e tanto meios fruetiferos serã3 os seus serviços . ainda
<&2l8<&
mesmo que as suas enfermidades os nlo forcem a abandonai-os.
Assim que he justo , e econômico instituir hum syslema
de apozentadorias para os empregados do estado , isto he , fazer
em seu favor a especulação de precaução , que podem fazer os
outros membros da sociedade , ecaiupensar dü alguma sorte a
idade das necessidades , e enfermidades, com a da actividade ,
e do trabalho. _^_
Gumpie lambem distinguir na organização social d'entre
os diversos gêneros de empregos, os que absorvem toda a vi-
da , e todas as faculdades dos empregados , dos que não exi-
gindo siuão huma porção dolempo , podem ser hum orna-
mento , hum gozo , e huma consolação.
Cumpre lambem distinguir os tempos, e os lugares.
Paizes haverá em que a disproporçaõ dos haveres fará com que
vivão na abasiança assaz de famílias , de sorte que crescido nu-
mero de cidadãos possa dispor do seu tempo á prol do serviço
publico : demais numa repartição mais igual das riquezas di-
minuirá muito o numero das pessoas que podem viver commo-
damenie se'm trabalho algum , e limitará o numero das esce-
pçoens que poderiao fornecer funccionarius gratuitos.
Estas diversas circunstancias exigiaõ medidas différentes.
Assim pois , em rezumo , si não ha ninguém que cen-
sure , e na verdade naõ se pode censurar que hum manufactu-
reiro transforme huma materia bruta e iuforme em instrumen-
to util ou preciozo , e que lire d'ella hum justo lucro , da mes-
ma sorte naõ se deve estigmatizar aquelle que receber o preço de
seu suor , pelo serviço prestado ao seu paiz.
Justa proporção deve ser estabellecida entre os serviços ,
e a retribuição.
JNo governo reprezentativo ainda ha huma ullima consu
deraçào mui importante ; que h e , si os empregos do estado
naõ fossem renumerados por hum salário proporcionado ao
trabalho , e as lidas que elles occazionaõ , seriaõ por huma
conseqüência necessária excluzivamente devolvidos á classe opu-
lenta da sociedade ; esta carreira ficaria interdicla á classe me-
dia . ordinariamente taõ fecunda em talentos e em conhecimen-
tos , mas que ha necessidade desempregar o seu tempo de huma
maneira produetiva ; e a constituição seria assim violada.
3 o Us mesmos princípios se applicaõ ás pensoens em remu-
neração dos serviços publicosl
<&ZIÇ)<&
Cumpre deixar de parle as pensoens de mero favor , eas
que são disproporcionadas aos serviços porque a justiça as re-
pelle. Deve-se porem conceder as pensoens merecidas ; ellas
saõ recursos olferecidps á aquelles que tendo consagrado a sua
mocidade e as suas forças* âo. serviço do estado , achão na ve-
lhice , e na idade das enfermidades, meios de satisfazer ás suas
necessidades. O estado naÕ poderia-^era a mais atroz injustiça
abandonar os seus antigos servidores.
Ora dous meios podem ser empregados para o cumpri-
mento d'esté acto de justiça : istp he, as pensoens podem ser pa-
gas ou pelo thezouro publico, ou pelas caixas de rezerva.
Não ha difficnldade alguma á cerca das pensoens que lêem
de ser pagas pelo thezouro publico.
As rezervas são economias que a admi-nistraçiõ faz dos
ordenados annuaes dos empregados, para délias formar hum
fundo commuai, destinado ao pagamento das pensoens devi-
das áaquelles que são apozentados , e ás viuvas , e filhos dos que
morrem.
As caixas de rezerva pois saõ huma espécie da associação
formada entre os empregados do mesmo serviço'
Ao legislador pertence regular estes dous modos de pen-
soens , escolher entre elles ; ou adoptal-os ambos.

NUMERO 5 Dos CONSELHOS ADMINISTRICTIVOS EM GERAL.

Com quanto a administração seja essencialmente activa ,


p íde muitas vezes convir-lhe instruir-se sobre as difíiculdades ,
que por ventura haja de encontrar , e tomar conselho sobre os
meios mais adaptados á boa execução das leis.
POE tanto he mui natural que ella chame para o pé de si
homens eujt rectidto , e luzes conheça , e cuja experiência lhe
possa prestar util coadjuvação em todas as partes do serviço.
Ella formará d'elles conselhos deliberativos ; mas he de
mister estabellecer como regra invariável, que as deliberações
destes conselhos não teem força de obrigar , e nem encadeião
aos administradores, os quaes poderão regeital-os ou adoptal-os
à sua vontade.
Esta regra he indispensável para manter a liberdade da
execução sem a qual os administradores nio poderião tirar
promptamente á limpo o fim que lh?s he indicado. Do principe
»9»
^ 2 2 0 ^

âj he que os agentes a Iminiitractivos de todos os graus devem


leceber o seu impulso , e direção , mas assim não aconteceria
si fossem obrig idos a confermor-se coax as deliberaçoetis de hum.
conselho de que cada hum d'elles fosse assistido.
Por mais Util que sejaõ taes/deübei accès , não devem tec
ouíro caracter que naõ seja de hum simples conselho.
Emfira a lei pode esiabell.ecer como principio que a ad-
ministração seja obrigada a pedir este conselho , a provocal-o,
e a acolhel-o, ao mesmo teqrtpo. que pode e deve declarar,
que o administrador naõ fique ligado pelo3 seus rezultados.
Mas esta necessidade legal não deve ser supposta sináõ
para certos ramos do serviço publico nos quaes o administrador
tem sempre necessidade de ser socorrido pelas luzes da sciencia :
taes por exemplo como a administração das minas , e dos gran-
des trabalhos públicos.
Em todos os demais ramos do servie} he de mister que
a intervenção dos conselhos não seja si não officioza , e que o
administrador possa pedil-os, ou deixal-os de pedir, segundo a
irtiíidade publica parecer ou na5 parecer ter interesse nisso.
Ora he tão obvio, que tenho por oceiozo insistir n'este
ponto , que o caracter essencial d'esta funeção consulíiva de-
ve ser o da revocabilida.de. N'isto a sorie dos conselheiro?
administrativos não deve ser différente da dos agentes directos
ou auxiliares d'administração. He de notar, que conforme a
natureza das couzas, a administração deve ser sempre se-
nhora de chamar para conselheiros pessoas cujos conselhos
lhe 'pareçaÕ úteis, e arredar aquelles, cujos conselhos pelo
contrario lhe pareçaõ perigozos ou insufficientes; pelo que as
funeções d'estes conselheiros devem ter hiim caracter ainda
mais precário do que o dos agentes administrativos, propria-
mente dictos.

D E H U M C O N S E L H O D E S T A D O E M P A R T I C U L A R .

Entre estes conselhos, naturalmente occupa o primeiro


lugar o conselho do principe ou do estado.
Pode-se definir todo o conselho d?estado, huma assem-
blea de homens chamados pelo principe para lhe darem con-
selho sobre as matérias do governo, e d'administraçao.
Hum conselho d'estado, considerado era íu&s reilacõef
<#>22I<^>

com os governos segue a différente natureza de cada hum délies.


Hum conselho d'estado fora inutil nas republicas d anti-
güidade, por isso que não havendo n'ellas sinào hum mui di-
minuto numero de cidadãos, elles podiaõ tratar os negócios
em assembleas geraes, „ e.^ serem òs seus próprios conse-
lheiros.
Hum conselho d'estado he util no governo dispotico , a
fim de dar as suas execuções a*ppat*íncia legal.
Hum conselho d'estado he indispensável n'huma monar-
chic! absoluta, pois ajuda o principe a carregar o pezo do go-
verno : elle allumia-lhe a religião: raz-lhe ouvir as queixas,
e conhecer as necessidades dos seus subditos : prepara as leis,
que então ja não parecerão ser ahi , como nos estados- des-
poticos, a expressão da vontade súbita, e caprichosa do prin-
cipe, mas a manifestação da sua vontade refleetida, e deliberada ;
era fim ve'Ia por bem do soberano e do povo , sobre os actos
dos ministros , e lhes reprime os abuzos da sua administração.
O povo que n'esta espécie de governo, tem tão poucas
izenções, e garantias, deve dezejar que o conselho d'estado
ahi seja revestido d'autoridade , porque ao menos 'n'esta au^
thoridade elle achará alguma proteceio, e algum refugio.
No governo reprezentativo porem o conselho d'estado
naõ be indispensável. Fora perigozo que elle entrasse na cons-
tituição como poder , porque permanente por sua natureza ,
collocado no centro do governo, e quaziaos degraus do thro-
no poderia ligar-se com o poder executivo , e invadir pou-
co á pouco todos os outros poderes j e quando não aniquil-
lasse a liberdade , ao menos a inquietaria muito.
Mas elle pode existir utilmente sinão dentro, ao menos ao
lado da constituição., como conselho do governo, para ajudai-o
no exercício do poder executivo, e regulamentar, que lhe perten»
ce todo inteiro, e para diminuir os accidentes da responsa-
bilidade dos ministros, preparando os regulamentos geraes da
administração, e os projectos de leis, que devem de ser sub-
mettidos ás câmaras nacionaes.
O ministério em huma monarchia absoluta pode até certo
ponto deixar os seus actos fluetuarern no arbítrio; mas sob hu-
,ma monarchia constitucional, todas as suas propoziçoens saõ
combatidas, todas as suas faltas reveladas, todos os seus pas-
sos vigiados pelos olhos perspicazes da oppozição. Nao se po-
<^>222<#
de desviar h u m só momento da senda das leis , sob pena de res-
ponsabilidade.
Esta responsabilidade naõ recahe sinaÕ sobre os actos
executivos : ora naõ-se deve crer que seji menos difíicil execu-
tar as leis do que fazel-as. Em rmrh reino extenso , e popu-
lozo , em hum estado adiantado em civilização, as luzes, a li-
berdade, a propiiedade, ewj^eorgmcrcio tem multiplicado infi-
nitamente as rellacões dos cidadãos , ]a para com o governo, ja
entre elles, estabelecido direitos e interesses, que lie mister
garantir, e opinioens, que - c u m p r e resguardar. Em ca-
da ministério apprezentaÕ-se á cada momento mil difficuldades
de execução, que hum so h o m e m , seja elle qual for, nem pode-
rá cbmprehendel-as todas, e nem bastará para rezolvel-as to'dasi
Os ministros por tanto naõ podem prescindir de conselheiros.
A reunião dos ministros forma, he verdade, h u m conse-
lho de governo, e h e o único que a constituição pode r e c o n h e -
cer. Mas no meio dos graves interesses, • de que os minis-
tros estaõ sempre encarregados , naõ teem tempo para per si
mesmos redigirem as leis : pois naõ podem consumir no seu
exame as horas que a gerencia dos negócios reclama : porque
estas demandaõ profunda meditação, indagações, variada* dis-
eussoens, e a applicaçaõ de todas as forças do espirito.
Abandonarão elles este cuidado aos primeiros empregados
que estaõ ás suas ordens ? Mas estes agentes auxiliares naõ teem
o espirito mais livre do que os ministros, sendo que alias so
dirigem huma parte dos negócios : de ordinário vivem acabru-
nhados pelo pezo dos p o r m e n o r e s , de sorte que naõ se p^dêm
• Jevar as idéias geraes que a redacçaõ das leis exige.
A deliberação dos projectos de lei naõ pode ser confiada,
sinaõ á h u m conselho de estado, onde a reunião de homens ver-
sados em todos os ramos d'administraçao, e do governo
fazer com que a verdade abrolhe de todas as partes por meio
do choque das opinioens. Os ministros podem hir n'esta câ-
mara d'ensaio, provar a tempera das a n u a s de q u e se deverão
servir nas câmaras legislativas. Cada projecto pode -*er
nhi examinado por todas as faces, e he provável que sahido do
c o n s e l h o , naõ soffia objeccÕes, que naõ tenhaõ sido de
a n t e m ã o àprezentadas e refutadas. Os ministros esclarecidos
c o m essas diseussoens graves e s o î e m n e s , podem modificar, e
m e l h o r a r os seus projectos, ou abraçar outro systema mais con-
<ê>220<&>
Forme com os interesses do principe, e do povo, os quaes de-
vera ser sempre combinados.
A deliberação previa de hum conselho de estado não lie
menos util ás ordens, e regulamentos da administração publica.
Os gabinetes de cada ministério podem muito bem col-
ligir as particularidades, e preparar a materia d'estes regula-
mentos ; cumpre porem que elles sejaõ deliberados em hum
conselho d'estado. He raro na'verdade, que hum regulamen-
to dadministração publica , ou ajnda que huma simples ordem
naÕ toque pela sua execução em buma iramensidade de interesses
diversos , e que estes não correspondaÕ por alguma tangente a
mais de hum ministério. Assim que cada ministério interessa ,
em vigiar na redacção ainda d'aquelles mesmos actos que na appa-
rencia, e pelo seu titulo, e objecto principal, pareçuõ os mais
estranhos possiveis. A deliberação de hum conselho d'estado
tende pois a garantir cada ministério dos accommetimentos in-
voluntários dos seus collegas, e dos seus próprios erros. Ella
pode rectificar-lhe as idéias falsas, desemolvendo por todos os
lados os inconvenientes da execução.
Emfim deliberando o conselho d'estado sobre as ordens
e regulamentos d'administraçao publica , os quaes saõ a exe-
cução das leis para cuja preparação elle houver assim con-
corrido , offerecerá aos cidadãos as mais fortes garantias, e os
mais urgentes motivos de obedecer á estas medidas, as quaes
virão a ser com ajuda d'esta nova deliberação, a expressão
mais universal, mais segura, e mais justa da lei.
O governo ainda pode achar outros recursos e ou-
tras vantagens na existência de hum conselho d'estado. Po-
de para ahi chamar os chefes das différentes reparticoens,
que virão rectificar pelas luzes da sua pratica os defeiLos que
por ventura tenhaõ ainda as mais sabias theorias.
Elle pode formar n'esta escolla a melhor de todas, esses
estadistas, que na5 se nutrem em abstracçoens, e puras theo-
rias, mas n'essas experiências, e regras pozitivas , que dirigem
os negócios humanos. Elle pode mesmo d'ahi lirar o minis-
tério, no caao de vagas.
O lugar de conselheiro nas raaons do governo pode ser
hum poderozo meio de emulação.
O governo pode apprezental-os aos magistrados dos tribu-
naesjudiciários, aos administradores collocados á testadas divi-
<&'22Í^t>

zoens terriloriaes , ao^ chefes de todas as repartiçoens publicas,


como fim, e recompensa do seu z e l o , e dos seus trabalhos.
O governo t i m b e m pode escolher no seio do conselho ,
os oradores mais capazes de fazerem triunfar os seus projectos
na arena dascamaras, e contrabalançar pelo vigor da sua dia-
l e c t i c s , e pela autoridade da sua eloqüência, os oradores p o -
líticos Î para com os quae» estas assembleas naturalmente teem
mais cxydescendmcia.
Os ministros privados d.7*ste soccorro succumbiriaõ talvez
sob o pezo d'adniinislraçao geinl, e debaixo da fadiga d a s - e s -
soens. Acresce, que ainda quem he dotado de talento para
os negocio-;, pode não ter o dom da palavra, que só a natu-
reza dá.
Acrescentarei que a freqüência das câmaras pelos deffen-
sores escolhidos no conselho d'eslado , pode fazer com que
e n t i e n'elle a liberdade das opinioens, as liçoens da tr.buna ,
e a verdadeira intelligencia das leis,
Não devo deixar em silencio huma das principaes v a n t a -
gens de hum conselho dVstado.
ÏSm huma maquina tão vasta, q tão complicada, como a
do governo, onde todas as rodas tendem naturalmente a se re-
laxarem e disconjunclarem , he mister que huma força conti-
nuamente impulsiva communique , e distribua de h u m modo
i g u a l , e u n i f o r m e , o movimento do centro para as extremi-
dades.
N'esta centralização he que consiste lodo o segredo, e
Ioda a forca de huma boa administração.
Ora hum conselho d'estado lie mais do que nenhum ou-
tro c o r p o , próprio para manta- esta c e n t r a l i z a d o . A simplici-
d a d e , a r a p i d e z , o vigor, e a unidade d'esté systeriia dão
grande força ao poder executivo , que ver-se-ha ir sempre en-
languecendo, e consumindo até perder-se nas raaons dos mi-
"IÎÏSÎÏOS.
Esta vívaciJade d'ucçio governamental tem maravilhozos
'efrèitos sobre a prosperidade de hum grande estado. Como
porem, nos continuados e rápidos encontros com a propiieda-
d e , com os direitos, com as opinioens, e liberdades dos cidadãos
pode acontecer que ella os off en da algumas vezes, as duas câma-
ras , pela sua vigilância, pelas suas sabias delongas, pelas suas
'"tüíveítencias , e queixas, pela sua cooperação ás leis, corrigirão
*^>225<f>
os abuzos d'esta accão, e he por esta combinação de força na
administração , e de sabedoria nas câmaras, que hum governo
represent ativo deve tornar-se o melhor do mundo, e o mais
appropriado aos costumes, aos hábitos, ao caracter, ãs neces-
sidades , aos interesses, e á.prosperidade de huma naçaõ.
Assim, emrezumo, hum conselho d'estado he util para
obrar sob a direcçaõ, sob a prezidencia , e sob a responsabili-
dade ministerial. "••
Para discutir os projectos dp lei, as ordens, e os regula-
mentos d'administraçaô geral ; J
Para aliviar, esclarecer, reprezentar, deffender, e forti-
ficar o governo, sem o encadear.
Para tranquillizar os cidadãos contra o arbítrio da exe-
cução.
Para derramar a ordem, a luz, a unidade d acçaõ e das
doctrinas, em todas as partes do serviço publico.
Para corroborar erafira a prerogativa da coroa,
Fora d'isto, he mister que o conselho d'estado seja assaz
numerozo a fim de que n elle todas as opinioens se possaõ des-
envolver com mais liberdade, e no seu choque offereçaõ aos
ministros huma imagem mui semelhante aos combates da
tribuna.
Emfim he mister que os conselheiros d'estado sejaõ pagos
proporcionalmente á importância das suas funcçoens e dos ser-
viços , que prestaõ.
Tudo o que acabo de dizer sobre a utilidade de hum con-
selho no centro da administração, pode applicar-se de
alguma sorte aos conselho» que se devem estabellecer nos de-
graus inferiores da escala administrativa : onde quer que elles
sejaõ instituídos o effeito do seu concurso pode ser esclarecer
e soccorrer os agentes directos do poder executivo.

N / 6 — D H Ü M A JURISDICÇA.Õ ÀDMIRISTRAÏIVA.

Sendo a administração a acçaõ do governo, como acaba-


mos de vêr, está claro que ou esta acçaõ deve ser viva e ins-
tantânea ou ha mister de ser esclarecida pela deliberação.
Também pode acontecer que no curso da sua acçaõ,
3o.
<#226<^>
ella. offenda alguns direitos privados, os quaes então lhe hão
de oppòr rezistencia. D'aqui nasce huma natureza mui particu-
lar de contestaçoens, chamadas administraiwas por causa do
caracter dos actos, que lhe dão nascimento.
Ora n'estes cazos o debate he entre o interesse publico ou
social ( cujo defensor he a administração ) e o interesse privado
dos particulares, que registem, e reclamam.
A autoridade judiciaria propriamente dieta será apta pa-
ra decidir este ietigio ? Es65 ponto he digno de mui serio
exame. *m
Em primeiro lugar cumpre notar que a autoridade ju-
diciaria não tem outra missão, que terminar por meio de jul-
gamentos, as contestações entre as partes.
Ora aqui vemos de hum lado , a sociedade cujo órgão
he a administração, e do outro hum particular: as con-
seqüências ja naõ saõ as mesmas ; logo deve cessar a com-
petência da autoridade judiciaria.
Alem disto o litígio sempre he suscitado por hum acto
administrativo, e estes actos não podem caber na alçada da
jurisdição dos Iribunaes: assim o exige o grande principio que
deve prezidir a separação das autoridades judiciaria, e adminis-
trativa.
Demais o principio das leis administrativas, ou de inte-
resse geral, he que no cazo de duvida cumpre decidir segun-
do a maior ou menor importância dos interesses discordes: por
ü*so que o interesse publico sempre deve ser anteposto ao
particular. Este principio he da essência d'estas leis, tanto
assim que si alguma vez o legislador aberrasse d'elle, as leis dei-
xariaÕ de sair com o seu fim, que he a manutenção da ordem
social. E na verdade como se poderá conservar esta ordem sem
fazer que todas as vontades particulares se dobrem á vontade
geral, e todos os interesses individuaes ao interesse commum ?
O principio porem das leis de interesse privado he não
attender a nenhum dos interesses contestados, não indagar
quem ficará lezado pela applicação da lei, e pelas decizoens dos
juizes, por isso que então não se tracta sinão de dar á cada
hum o que he seu, de conformidade com as regras invariáveis
do justo, e do injusto.
Assim que não se poderia applicar á leis de huma ordem
différente, princípios que são próprios á cada ordem em par-
ticuiar , sem desnaturalizar estas leis, e hir contra o espirito
da sua instituição. O interesse publico quer imperiozamente
que o cidadão contribua cora todas as suas forças para manter
a sociedade, e este principio nasce das obrigações que contra-
hiu para com ella ; o qual he util á todos por isso que asse-
gura a cada hum a garantia 'social, que institue. Este prin-
cipio porem fôra injusto, se fosse, applicado ás leis de interesse
privado , que por sua naÉïïréza exclue toda a excepção de pes-
soas , e de interesses.
A decizaõ das contestaçóens administrativas pois per-
tence exclusivamente á administração , e não aos tribunaes ju-
diciários, os quaes não são collocados de maneira que percebia ,
ou pelo menos appréciera as razoens d'estalo, e de interesse
publico , que podem muitas vezes dominar semelhantes ne-
gócios.
Demais os tribunaes judiciários estão acostumados á regras
eáformulas, qae a mesma natureza da sua instituição os obri-
ga a observar, as quaes elles introduziriãó nos negócios admi-
nistrativos.
A justiça administrativa pelo contrario devendo ter mais
amplidão na instrucção, mais rapidez na acçio, e na execução,
necessita de huma jurisdicção particular, e especial, que não
pode ser collooada sinão no seio mes ao da administração,
por isso que ella conhecendo melhor os motivos pelos quaes
os administradores obrarão, e as cauzas que determinarão
estas decizoens,- certo estará nuis habilitada para pôr
em equilíbrio o interesse publico, e o particular, e fazer pre-
valecer, no cazo de necessidade, a equidade, e o interesse so-
cial, que, ao cabo, he o interesse de todos.
As dilaçoens que as formulas da instrucção judicial pres-
crevem SÍÕ algumas vezes o salvo conducto dos cidadãos, e o
garante da imparcialidade des tribun les : mas, em administra-
ção estas dilaçoens comprometteriaõ o interesse pablico , e mui-
tas vezes poderiao empecer ao privado. Primeiro que tudo he
necessário que a acção administrativa nunca jam tis po;sa ser
entibiada pela mi vontide, ou pilas paixoens.cbs cidadãos , e
nem a sua mirchi embaraçada p e b interessa de alguns ad*
ministrados.
D'esta arte se demonstra a necessidade que ha de reco-
a':a3;er o direito qua te n a administração para estatuir sobre os
♦aa8<#
litígios produzidos pelos actos, que ella practica como autori­
dade publica.
Desta arte também se demonstra a necessidade de dar a
instrucçio destes negócios hum caracter bem assellado de sim­
plicidade, e de justa presteza. *
Mas de ser a administração revestida do direito de esta­
tuir sobre as contestacoens., qufi.se suscitaõ por occazião destes
actos entre o interesse publico ^ e o particular, seguir­se­ha que
esta jurisdicção pertença aos agentes directos d'administraçâo ?
A recta razão, e a equidade respondem que isto não po­
de ser.
Com effeito desde o ministro até o chefe da câmara mu­
nicipal , cada agente directo d'administraçâo he o deffensôr na­
to dos interesses geraes, pois que a autoridade publica naõ
lhes he delegada sinão a fim de proverem á tudo o que estes
interesses exigem em todos os ramos do serviço publico ; era
huma palavra, he a sociedade toda que obra por meio do seu
agente intermediário.
Ora não se vê claramente que o deffensôr nato dos inte­
resses geraes julgaria a sua propria cauza, ou para fallar mais
exactaraente , julgaria a cauza laquelle de quem recebe o
mandato, cazo elle estatuísse por via de julgamento enlre es*
tes interesses geraes , e os particulares?
Por tanto he conforme cora Iodos os princípios da moral,
e da san politica confiar á outros juizes , que nunca á estes agen»
tes directos, o cuidado de proferir decizoens sobre os debates
administrativos.
Porquanto os cidadãos se amedrontariaõ de ter por juiz a
mesma parte contra a qual teriaõ de discutir os seus interesses.
A' este respeito pois o principio deve ser que o juiz admi­
nistrativo seja disHncto do administrador ; ou em outros ter­
mos, que a justiça administrativa deve ser feita por homens qua
não sejaõ administrados por ninguém.
Por tanto onde quer que houver necessidade devem ins­
tituir­se tribunaes : estes tribunaes deveráô ser especiaes para
as matérias administrativas, e investidos do direito de estatuir
entre os administrados, e os administradores sobre todos os
negócios contenciozos, que os actos d'estes hajaõ de produzir.
Demais n io basta que estes tribunaes sejaõ instituídos:
he mister alem d'isto que offereçaõ aos cidadãos assim, como ao.
♦ 2 2 9 ^
estado as garantias por elles reclamadas.
Assim por huma parte os tribunaes administrativos deve­
rão ser compostos de juizes inamoviveis a fim de que o gover­
no naõ os possa conservar debaixo da sua dependência , e nem
possa haver suspeita de que dispõem dos julgamentos, e os
dieta só porque em suas mãos esta demitlir os que os pro*
ferem. .­ /­
Por outra parte os juizes, administrativos assim como os
da ordem judiciaria nomeados pelo principe com pleno exercí­
cio do seu poder, cora a condição de escolhel­os principal­
mente d'entre os agentes da mesma administração a fim de que
tenha em geral por juizes homens experientes, e illustrados pelo
manejo dos negócios públicos sobre tudo o que exige o interes­
se geral j emfim homens compenetrados pela applicação diária
das leis administrativas da verdadeira intelligencia do seu espirito.
Demais : pode ser acertado dar huma nova garantia a
administração, it>to he ao interesse social de que ilLt lie o ór­
gão, fazendo preencher, em cada hum dos tiibunaes adminis­
trativos, as funeçoens de promotor publico pelo agente directo
que prezide a administração em cada huma das divizoens terri­
toriaes onde estiverem coilocados estas tribunaes. Este agente,
conhecendo , ou devendo conhecer melhor do que ninguém os
interesses d'administraçao fallará sempre em seu nome, esfor­
çar­se­ha por fazel­os prevalecer } todas as vezes que lhe parecei
que as leis exigem o sacrifício dos interesses privados.
Alem d'isto he obvio que nesta esfera de juizes especiaes
à administração, tãobem são necessários graus hierárquicos,
a fim de que os erros dos juizes possaõ ser reparados, ou os seus
excessos de poder reprimidos : e esta via de recurso e d'appel­
laçào sera huma garantia para o estado, e junetamente para
os cidadãos.
Emfim o supremo tribunal deverá necessariamente ser col*
locado no centro do mesmo governo não só a fim de que o
pensamento d'administraçao ahi seja melhor comprehendido ,
mas tambera para que os membros d'esta sublime magistratura
vendo de hum ponto mais elevado o conueto, e a collizâo dos
interesses públicos com os privados possaõ satisfazei os recipro­
camente , de conformidade com a mente das leis , e com as
necessidade^ do estado.
Ainda tenho qáe fazer uma observação util , que he , que
<&2Ô0<&
a importância d'esté ou d'aquelle serviço pode necessitai da créa*
câo de hum tribunal inteiramente especial j de sorte que no
interior mesmo da esfera administrativa , existirão muitos tri-
jjunaes , conhecendo cada hum em particular , de hum certo
gênero de negócios determinado peías leis : taes como tribn*
Tiaes que oonheçaõ das capturas dos navios aprezados no mar ,
ou em tempo de guerra, • ou rtn-iejjipo de paz por cauza de
pirataria, ou de depredação. .Jíle claro, que n'estas espécies
de negócios, sendo a materia de interesse publieo , e politico,
pois que se tracta sempre de applicar as máximas do direito das
naçoens, e de interpretar os actos e tractados de governo á
governo, ha necessidade de confiai' o julgamento de negócios
de tamanha importância á jurisdicçoens inteiramente espeeiaes.
Tal será também o tribunal que receber a missão de estatuir no
seio mesmo das corporações d'instrucçâo, quer sobre a infra cef'o
dos professores aos seus deveres, quer sobre questoens rellativas a
policia, a contabilidade , e a administração geral dos collegios ,
quer sobre os abuzos da autoridade de superiores para com in-
feriores na ordem hierarchica das funcçoeris universitárias ,
quer emfim sobre as faltas , contravençoens ou delictos coin-
mettidos pelos alumnos , que recebem o beneficio da insíruerão
publica.
Conhece-se que todas estas couzas devem depender do
regimen interior da mesma instrucção publica, e que he de
mister que ahi haja huma jurisdicçâo especial que seja ao mes-
mo tempo paternal , e disciplinar.
Mas huma jurisdicçâo ha, cuja utilidade parece dominar
todas as outras, e he a de hum tribunal de contas: assim que
convém fazer d'elle o objecto de hum exame particular-

D ' H U M TRIBUNAL DE CONTAS.

Os dinheiros públicos, isto h e , em primeiro, iugar as


quantias percebidas por meio de impostos directos , ou in-
directes, e em segundo, as rendas, provenientes dos próprios
nacionaes, devem necessariamente passar por huma infinidade
de mãos, desde o collector, que as recebe do povo, até ao
thezoureiro, ou ministro da fazenda, que he o seu ultimo de-
pozitario. ~-__
Ora cada hum d'estes agentes he obrigado pela sua ge-
rencia, isto h e , deve dar conta do manejo dos dinheíros,
que recebeu, e dispendeu ; isto quer dizer também que he res-
ponsável.
Por conseguinte, o_ numero das contas que devem sei
verificadas he immenso, -e as suas minuciozidades serão tão
multiplicadas, que só hum corpo especial poderia proceder
á taes operacoens. __ _
Este corpo especiafque ,de facto exercerá jurisdiceãu,
pois que tractará sempre de reg ilàr os debates de contabilida-
de entre a administração , e os seus agentes, este corpo espe-
cial , digo eu , pode chamar-se — Tribunal de contas.
Ora a missão d'esté tribunal deve ser examinar a geren-
cia , e julgar as contas de todos os responsáveis pelos dinheiios
públicos em receita , e despeza , isto he dos recebedores, e pa-
gadores.
Deverá verificar por bnm lado si as receitas estão confor-
5 ás leis j e si as contas, que IJie são sugeitas contem todas
as que forão effectuadas; e por outro lado , si as despezas são
conformes aos créditos legaes , e si se fundão em documentos
justificativos , e regulares.
O effeito dos seus decretos será estabellecer si os q tie dão
conta estaõ quites , são credores , ou devedores.
E si por ventura acontecer que os que devem dar con-
tas retardem apprezeatal-as , ou satisfazer os decretos do tribu-
nal , ou emfim apurar , e saldar os seus débitos, será necessário
que este tribunal tenha na esfera dos seus poderes, boas vias de
execução , bem como multas , o seqüestro, e a veada dos beus,
segundo as circunstancias e a pozição paiticular dos que teem de
dar contas ; a fim dè obrigal-os a cumprir os seus deveres.
Mas ha hum limite muito importante , que se deve pÒL
aos poderes d'esta jurisdição : cumpre que ella não tenha o di-
reito de julgar do mérito dosactos adminisactivos , que houve-
rem dado lugar as receitas , e as despezas. Era huma palavra
a sua jurisdicção não se deverá extender aos ordenadnres : por
que alias ella poderia uzurpar o poder administractivo propria-
mente dicto ; far-se-hia o juiz da conveniência d'esta ou d'a-
quelia despeza ; e em todos os cazos tomaria il'uzoria a res-
ponsabilidade ministerial, e a dos agentes secundários d'admi-
traçao. _^. *._•.
Pelâsmesmas razoens o tribunal não poderá recuzar Sits
^>l32<^>
pagadores a abonação dos pagamento? por elles feitos em virtude
de ordens revestidas das formalidades prescriptas pelas leis , e
acompanhadas dos recibos das partes que receberão , e das pe­
ças que o ordenador houver determinado que se lhes ajunctc.

/
NUMERO 7 T)A MA NUTENÇÃO DA S A TTRIBUIÇÕES ENTRE AS
AUTORIDADES A DMINISTRA TIVA S, E JUDICIA RIA S.

Acabei de expor com cuidado as principaes condiçoens de


huma boa organização das autoridades administrativa, e judi­
ciaria , mas para completar os princípios geraes quedominão
esta materia , resta­me indicar os meios de prevenir as invazões
de h uma autoridade contra a outra.
O perigo mais urgente está do lado da ordem judiciaria ,
porque o corpo de judicature, sendo composto de juizes inarao­
viveis , e independentes , a divizão dos poderes poderia ser des­
truída , e as bazes da constituição do estado arruinadas , si a
autoridade judiciaria emprehendesse arrogar á si insensivel­
mente todas as matérias do governo , e d'administraçao.
Para obslar estas invazões lia hum meio , que he reivin­
dicar para a auloridade*adininistrativa a decizao do negocio ,
que sendo d'alçada d'administraçao , os tribunaes tenhaõ arro­
gado á si.
Este acto se chamará hum conflicto de jurisdição por que
com effieito a reivindicação suscitará hum debate ou conflicto en­
tre as duas autoridades , huma das quaes ha de sem duvida que­
rer reter, e a outra arrogar á si o conhecimento da difficuldade,
de que se tractar.
O conflieto será pois instituido por bem da ordem publi­
ca , isto he para manier a distinção, a separação, e a indepen­
dência plena e reciproca das matérias, e das funcçoens admi­
nistrativas , e judiciarias.
Mas suscitado o conflicto á quem pertencerão direito de
pronunciar, isto he, de regular os juizes, e depor conseqüên­
cia declarar á que autoridadde a decizão deve ser pedida ?
Não pode ser si não ao principe, ao principe que collo­
cado no cume de todas as jurisdições , sustenta com mão igual,
e firme a balança de ambos os poderes. Si ejle^os não contiver
na esfera respectiva da sua acçaõ legal , a boa ordem da socie­
dade , sobre a qual elle deve velar , seria perturbada. Assim
que he por esta mesma razSo que debaixo de mais alto ponto da
\ ista , o exercieio real do conflicto não be hum direito para o
monarcha sinaõ por que he hum dos seusdeveres.
Fora perigozissimo coraraetter a decizão dos conflictos á
corte de cassação. Por mais imparcial, que ella possa ser,
pertence á ordem judiciarj^ . e h.e composta dos mes-
mos elementos , e em materia d^» attribuiçoens terá os mesmos
interesses : emfim, e sobre tud ), naõ haveria meio algum de
reformar os seus ares tos.
Toda a dispoziçaõ que reconhcer ao monarcha o direi-
to de julgar os conflictos sera pois huma conseqüência mathe-
raatica do estabellecimento do governo reprezentativo.
Ora admittamos huma dispoziçaõ contraria : insensivel-
*nente os tribunaesjulgarão dasquestoens administrativas: apos-
jar-se-haõ da policia , embaraçarão ao governo : e finalmente por
meio dos seus arrestos faraó leis.
Os ministros naõ cessaràÕ de repetir que naõ podem respon-
der por operações , em que a sua acção não he livre. E
que poderá fazer o mesmo corpo legislativo ? Será sempre mu-
do perante as decizoens judiciarias.
Pelo contrario supponha-se que o governo abuza, que
oriva os cidadãos dos seas juizes naturaes, que transtorna as
jurisdições, os ministros poderão, á cada momento, ser- .chama*
^ dos para responderem perante as-câmaras. Para o abuzo d'es-
té remédio , haverá outro remédio sempre prompto , a accuza-
cão dos ministros.
Por tanto a raziío, a. natureza das couzas querem que o
julgamento dos conflitos pertença ao monarcha.
Todavia, ha,como acabei de indicar, outro perigo no abu-
zo possível deste meio extraordinário.
Gom-effeito a administração poderia querer arrogar à si
o julgamento de certos negócios civis, sobre que as leis naÕ hou~
vessemdado attribuições sinaõ áautoridade judicariapropriamen*
te dieta , e lezar assim o livre exercício d.\ jurisdicção dos tribu-
naes , e está bem claro que posto que isto possa ter lugar em
theoria , todavia os ministros não serião facilmente persegui-
dos e aceuzados pôr hum tal abuzo.
Cumrjje^pqir-f.ant.n regular o conflicto das attribuições de
maneira \ue se não oiTenda á estes tribunaes, e sem necessidade
3i«
ííão se arrastemdesapropo2Ítadamenteos cidadãos perante aauto-
ndade administrativa em matérias judicwes : nada ha mais jus-
t o , e nada junctamente mais util á consex'vaçSo de huma pre-
rogative necessária , e garantidora dos interesses privados.
Par tanto ao legislador compete pôr raias , e traçar os li-
mites da exten cão do direito de dieidir o conflicto, e declarar
as circunstancias ^em que esta--"ma legal não poderá ser em-
pregada,

^REZUMQ DA ORGANIZAÇÃO D'AUTORIDADE ADMI-


NISTRATIVA.

Assim em rezumo,, a autoridade administractiva só será


bem organizada si.
O território nacional fòr divido de huma maneira acomo-
dada ã sua população , e extençaõ ;
Si os agentes de execução foren coliocados pelo monar-
cha á testa d* cada huma d'estas d i m i ns ;
Siestes agentes forem dividos e n agentes directos , e au-
xiliares.
Si os primeiros d'estes agentes ( jrem exclusivamente en-
carregados de dirigir a administração em cada hum grau da
}erarchia.
Si o poder municipal fôr reccihecido , verificado, e os
habitantes forem admittidos a escolher per si mesmos os ofíi-
ciaes municipaes.
Si as assembleas provinciaes também forem formadas pela
livre acção dos cidadãos, e que d'esta arte a forma do governo
seja introduzida até nas ultimas classes da jerarchia adrai-
nistrativa ;
Si os agentes auxiliares d'administraçao forem divididos
em duas espécies, á saber, agentes interiores , que reprezentem
os trabalhos d'administraçao , e agentes exteriores, que exe-
cutem nas di?ersas locallidades as operações administraclivas.
Si emfim á frente de todos estes agentes auxiliares forem
eollocados chefes de serviço que dirijão a administração par-
ticular de que elles estão encarregados.
Si estiver consagrado que a administração ^ t ^ y a , em ca-
da hum dos gráos deverá ser confiada á hum so homrtb ; que
&rtò4P
todos seraõ responsáveis , revogaveis, e obrigados a rezidir no
lugar das suas funcçoens.
Si o estado cumprir fielmente as suas obrigações para
com elles , as quaes couiistiraõ em promoção , salários , e
pensoens proporcionadas aos serviços prestados ;
Sijuncto a cada hum dos agentes directos d'administra-
çaõ , em todos os grãos da e^aala administrativa , for colloca-
do hum conselho encarregado de>instruir o administrador a cer-
ca das difficuldades , que a sua .a 3caÕ possa encontrar, mas cu-
jos votos não sejaõ obrigatórios para com elle.
Si em particular hum conselho d'estado fór instituído nao
s 5 para aj udar, e alli viar os ministros no exame e ua solução dos
altos negócios do governo , e d'adrainistraçaô, mas também
para preparar os projecros de l u , redigir os regulamentos
dadministraçaõ publica , e formar hum núcleo de homens d'es-
tado úteis ao principe , eaopaiz.
Si huma jurisdicçaõ especial for estabellecida no seio -mes-
mo d'administraça5 , afim de estatuir por via dejulgatnento
sobre todos os litígios, que os actos da administração occazio-
narem , e ai esta jurisdicçaõ offerecer garantias á sociedade,
e principalmente a os cidadãos, isto he ao interesse geral, s
ao particular.
Si por exemplo, hum tribunal de contas fôr creado afim
de examinar, e apurar por meio de arestos, as contas de to-
dos os responsáveis do estado-, e de v-ellar assim á prol da con-
servação do.thezouro publioo.
Si emfim se conferir ao poder executivo -odireito cie
revendicar os negócios administrativos cujo conhecimento-fosse
uzurpado pela autoridade judiciaria , e decidir a qual das duas
autoridades o julgamento do negocio pertence.
E si ao mesmo tempo medidas legaes forem tomadas û&œ
Je restringir o exercício d'esté direito-nos mais rectos-b*
mites , e impedir o abuzo que d'elle poderia sev- ieito.
Taes me parecem ser as principães condiço^ns de huma
organização d'autoridade administrativa.
C A P I T U L O . 3«

DA CORRUPÇÃO DO PRINCIPIO DOS GOVERNOS, E DA SDA


DISSOLUÇÃO/

indaguei , deffini,' e exanifoSi as diversas espécies de


governo; nppliquei­me ao depuis a reconhecer as condiçoens
essenciaes à bondade destes governos ; a6signalei como fim ge­
ral , a manutenção das garantias sociaes , e como meio , a di­
vizão , e a distribuição dos poderes sociaes : vou agora mostrar
como os governos se corrompem, e dissolvem.
Parece­me que seis são os factos , ou acontecimentos prin­
cipaes que devem produzir este rezultado , a saber : a desobe­
diência ás leis, asfacçoens , as sediçoens , a guerra civil, a
anarchia , e a dictadura*
Examinarei todos estes factos successivamente > tractando
cada hum de per si.

i ■ *

DA DESOBEDIÊNCIA A 'S LEIS.


*
Ja dice , q u e , conforme Cicero, be absurdo ter poi
justo tudo quanto está escripto nas instituiçoens , e nas leis dos
pó vos.
Ha com tudo bum principio , que os cidadãos d« todos os
palies devem ter sempre diante dos olhos , e he, que a força
não está somente na justiça ­, mas tam bem consiste na auto­
ridade do legislador.
A desobediência ás leis, permitta­se­me a expressão, he
huma moléstia epidêmica que rapidamente se communies á to­
das as partes de hum estado , e o arruina. Logo que al­
guns indivíduos podem desobedecer impunemente, o resto da
naçaõ torna­se indócil.
A lei naÕ deve ser promulgada sem razoengsolidas , sem
se conformar, assim como observei, com a lei na tSteft e jun­
ctauWlilïTcom a fundamental do estado ; mas huma vez pro­
mulgada de conformidade com as formulas eslabellecidas pela
mesma constituição, impõem obrigação absoluta, e exige exe­
■ cução exacla, e fiel. <
Enaverdade, que "couza haverá mais perigoza , do que
que cada particular tenha o direito de examinar a bondade das
leis , e só seja obrigado a observal­as si as approval­ ? He obvio
que a adopção d'esté prirfbipio produziria a mais estranha con­
fuzão , e reduziria o poder politico a hnma pura chimera.
A sociedade civil he oTezultado da uniaõ de todas as
vontades era huma só. Por tanto a obediência dos particula­
res á sociedade ou á aquelles, que a reprezentão he o que 3
constitue. O soberano ( isto h e , na monarchia reprezentativ"
omonarchra , e as câmaras) quando dào leis , submettem naõ
a intelligencia dos seus subdictos , mas a sua vontade particular.
Deve­se­lhe obediência , só por que elle manda.
Naõ ha duvída que hum subdicto pode consultar a sua ra­
zão para julgar os actos do legislador : he hum direito natural ;
mas a opinião que elle formar naÕ o pode autorizar para que
se subtrahia ao império da vontade do legislador , sem romper
os laços da sociedede, sem dividir o estado , e sem o destruir.

t
Si lhe parece que a lei estabellecida viola a lei natural ,
e a fundamental ; o direito do cidadão reduz­se a dizel­o , a
escrevel­o e a demonstral­o por meio da imprensa.
Isto pode fazer o objecto de huuia petição ás câmaras na­
cioíiaes , ahm de levar­lhe o tributo individual das suas luzes ,
e de esclarecei­as" por suas queixas.
Si a lei com effeito , fôr tal qual pensa o cidadão , si o
legislador houver desconhecido as regras do justo , e violado a
constituição, naõ he possível que essa lei permaneça por muito
tempo em vigor, pois ha de baquear ao poder da opinião pu­
blica , e ás corajozas exhortações de huma reprezentaçaõ verda­
deiramente nacional.
Mas atéentaõ , nunca será demaziado repetir, a lei obri­
ga : cumpre obedecel­a, ou preparar­se para sofíier a pen.*
que deverá seguir­se a desobediência.
Mas por ventura será igualmente rigorozo o dever do ei
dadaõ , cazo a obrigação imposta pela lei seja inteiramente con­
traria ao direito^ natural P Nao he de presumir que os legisla­
dores esêabeUecao deveres que taes j mas si assim acontecer o
­
!
<^>a38<#>
cidadão longe de estar obrigado, deve rezistir, isto he , recu>
zar a obediência.
Taes me parecem ser os deveres dos cidadãos para com as
leis geraes. Acontecerá o mesmo á cerca das ordens do prin-
cipe ? Este ponto também merece ser profundamente meditado.
Ja dice , que os actus do principe exigem obediência .
por que tendo elles por fim a exepucaõ das leis , tiraô- d'elles a
força obrigatória.
Em theze obedecer as ordens do principe he obedecer
ás leis.
Pergunta-se porem si hum sugeito pode executar inno«
centemente huma ordem injusta do seu soberano, ou si deve
recbzar constantemente obedecer , ainda com perigo de per-
der a vida.
Alguns publicistas, a cuja frente se podem pôr Hobbes ,
ç PuíTendorf , dizem que he mister distinguir si o principe nos
manda obrar em nosso próprio nome , humaacçaÕ injusta , que
seja reputada nossa ; ou si elle nos ordena, que a executemos,
etn seu nome, na qualidade de simples instrumento } e como
huma acçaõ que reputa sua.
N'este ultimo cazo , pretendem os taes publicistas, que se
pode sem temor executar a acçaõ ordenada pelo principe, que
entaõ deve ser considerado como o único autor , sobre quem
*oda a culpa deve recaliir. Os soldados por exemplo , dizem el-
les, devem sempre executar as ordens do seu principe, pois
naõ obrão em seu nome , mas como instrumento , e em nome
de seu chefe.
Mas nunca será permiltido, proseguem os mesmos escn-*
ptorés, practical* em seu próprio nome huma acção injusta , di-
rectamente opposta ás luzes de huma consciência esclarecida :
assim pois , hum juiz nunca devei á , qual quer que seja a or-
dem que lhe desse o principe , condemnar a hum innocente ,
e nem tão pouco huma testemunha depor contra a verdade.
Outros publicistas porem , á testa dos quaes estaõ Bar-
oeyrac, eBurlamaqui, respondem : que esta distinção nâ"o
corta a difficuldade ; por quanto seja qual for a maneira por
que se pretenda que hum sugeito obre, n'este cazo , ou em seu
próprio nome ou em nome do principe , a sua vontade de al-
gum modo sempre concorre para a accão inj^sja^e-çriminoza ,
que elle executa. Assim ou sempre.se lhe deve jraputífr parte
de tttHtíU e outra acçâo , ou nunca se lhe deve imputar ne-
nhuma d'ellas.
Por tanto o mais seguro he distinguir n'este cazo a ordem
evidente, e manifestamente injusta, d'aquella cuja injustiça
he duvidoza , e apparente. Quanto a primeira cumpre susten-
tar geralmente e sem restricção , que as maiores ameças nun-
ca devem acabar comnosco que aiutia por ordem , e em nome
do soberano , pratiquemos liuma acção que nôs parece injusta ,
e criminoza , e suposto que mereçamos toda a desculpa nos tri-
bunaes humanos, por havermos succumbido á tamanha pio-
vança , todavia não merecemos desculpa alguma perante o tri-
bunal da consciência , e de Deos.
Assim que he incontestável que deve recuzar obedecei :
—hum ministro á quem o prineipa quize^se obrigar a expedir ,
ou a faxer executar huma ordem iniqua , ou tyranica ; h u m
embaixador á quem o monarcha desse ordens inanifestamer.te
injustas; hum official a quem o rei mandasse matar- hum ho-
mem cuja innocencia fosse mais clara do que a luz mere-
diana.—
N'estes cazos, cumpre mostrar nobre coragem e rezís*
tireom todas as forças á injustiça á despeito de tudo o q;
nosso procedimento nos possa acarretar. Quando se jura fiel
obediência , ao soberano lie sob a implícita condição de que ei-
le nunca ordenará couza que seja manifestamente contraria ás
leis naturaes.
Si se tractar porem de huma ordem que nos pareça imuô-
t a , mas cuja injustiça seja duvidoza , neste cazo, o mais seguro
sem duvida será obedecer : pois sendo o dever da obediência In;
ma obrigação clara e evidente, deve vencer ; por que alias si a
obrigação que teem os subdictus de obedecerem as ordens do
seu soberano lhes permittisse furtar-se á execução até que se ei»
les convencessem da sua injustiça , a autoridade ficaria reduzi-
da á nada , e tudo seria aniquilado. Fora necessário que os
soldados, os beleguins, e os próprios carrascos entendessem
de política , e de jurisprudência : sem o que elles se podenaõ
furtar á obediência , sob pretexto deque não estavão inteira-
mente convencidos da justiça das ordens que se lhes dessem, o
que inabilitaria o principe para fazer executar as leis. Por
tanto c u m p r e , a ^ subdictos obedecerem nestas ciscunstancias :
e si a acçio em si mesma for injusta ninguém lhes poderá com
^ 2 4 0 ^
lustici fazer a menor imputação : toda a culpa recahirá sobre
o principe , ou antes sobre os ministros que são responsáveis.
Cumpre porem observar que a obediência tem seus limi­
tes, e que si a ordem do principe encerrar huma evidente in­
justiça , não somente não ha obrigação de executal­a , mas até
a recuza de obedecel­3 torna­se indispensável, pois he me­
lhor desobedecer ao principe $0. que violar os preceitos do di­
reito natural ensinado por De.os mesmo.
Ninguém conclua porem d'aqui que se pode rezistir ao
principe, empregando a força } pois huma couza he sim­
plesmente recuzar obedecer aos mandados injustos do princi­
pe , outra he rebel!ar­se contra elle.
Verdade he que confundir a revolta com a simples recuza
■le obediência , he erro mui corriqueiro : devo porem repetir
que estas duas idéias são mui différentes ; pois como acabama*
iie ver , a recuza á obediência pode ser legitima era certos cazos r.
mas a revolta jamais he permettida.
A recuza á obediência não attaca a baze da autoridade do
■superior. Reconhecemos a autoridade no mesmo tempo em
que nos não curvamos ao que ella manda , ou por que pensamos
que excede ao seu poder , ou por que consideramos como
iiiicita ou injusta a couza mandada ?
A revolta pelo contrario tende directamente a destruir
o poder do superior : ella o desconhece , e quebra os laços da
obediência.
Ha com effeito duas obediências: a activa, e a passiva.
A obediência activa consiste em fazer o que manda o principe í
a obediência passiva consiste em soffrer o que se não pode
obstar.
A obediência activa nem sempre he devida , a passiva em
todos os cazos.
As>im como ha duas espécies de obediências assim tam­
bém ha duas espécies de desobediência ; a activa , e a passiva,,
A desobediência activa que consiste em obrar contra as
ordens do soberano, he criminoza , a desobediência passiva^
que consiste em não obrar he algumas vezes legitima.
Revoltar­se lie empregar a força para subtrahir­se ao po­
der do príncipe: he o crime de hum subdicto que attaca os of­
ûciaes do principe, injuriando­o ou pondo­^IJje^mjíos violenta?.
Penas rigorozas devem ser fulminadas contra os quer»*
<§>a4i^
correrem em semelhantes excessos.
Ha porem hum delicto que não se poderia imputar
âaquelle, que, sem irrogar injuria ou commetter violências,
se limita a não executar-huma ordem que recebeu, e que he
evidentemente injusta.
Eis o que tenho a dizer sobre as leis naturaes : fallarei
agora acerca das fundamentaes.
Sob a monarchia absoluta-, todos os autores ensinavaõ
que si o soberano mandasse ^ouza que fosse contraria ás leis
fundamentaes, os subditos nao estavaõ obrigados a obedecer-
lhe : que o soberano era obrigado a observar as leis fundamen-
taes , que o governo lhe fora confiado com esta condição ; que
estava subentendido não haver obrigaçío de obedecer, quan-
do elle contraviesse á estas leis; que elle nao poderia exigir
obediência mais ampla, do que a que se lhe quiz promener:
que neste cazo j í não havia obrigação de executar a5 suas
ordens, pois estava em conlradicção com as leis funda-
mentaes.
Com maior razão devem estes princípios ser admittidos
na monarchia constitucional , e reprezentativa, forma de go-
verno esta em que o principe não exerce de facto toda a so-
berania, em que as leis não emanao somente da sua delibera-
ção, e era que he reconhecido que o mesmo legislador ordi-
nário nao teria o direito de modificar, ou de mudar as leis fun-
damentaes.
Cumpre comtudo notar que com quanto os subdictos naõ
sejaõ obrigados a obedecei n'este cazo, todavia podem fazei-o ,
por que todo o homem pode renunciar ao direito que tem de
naõ fazer huma couza'.
Esta he a differença que existe entre às leis fundamen-
taes , e as naturaes. Os homens nem podem subtrahir-se ao im-
pério d*estas, por que nao saõ os autores délias, nem taÕ pou-
co jamais lhe será permettido offendel-as. As leis fundamen-
taes pelo contrario saõ obra do povo, que pode raudal-as , abolil-
a s , ou derrogal-as em huma occaziaõ particular, hurai vex
que se queiraõ prestar a o que lhes for contrario.
Todavia esta facilidade he de mau exemplo, e prova fra-
queza : attesta, n'aquelle que cede a auzencia dessa coragem ci-
vil que fa/ os verdadeiros cidadãos.
Todo o indivíduo , a nação em pezo , ou ao menos os
3J.
seus principaea órgãos teem o direito de rexistir ás ordens sub-
versivas da constituição do estado, cuja tendência fosse o es-
tabelecimento do despotismo : cumpre que se opponhaò por
meio de reprezentaçoens, de reclaraaçoens, e de protestos. O-
ia nao ha ninguém que duvide de que seja permittido aos sim»
plices cidadãos procurarem remédio na paciência, e antes ex-
porem-se á padecimentos do que. obedecer a actos do poder exe-
cutivo somente, que os despojassem dos seus mais preciozos
direitos, c lhes anniquiilassem todas as garantias.
A historia da França offerece , mesmo sob a monarchia
absoluta, uutnerozos exemplos de cidadãos illustres que po-
zeraÕ em practica estes principios sobre a rezistencia âs von«
tades arbitrarias dos soberanos.
Estas passagens históricas são a prova de grande cora-
gem civil, virtude muito mais rara, e muito mais util do que
a coragem militar !

-ââ®®&©a a&
Dos PARTIDOS, B DAS FACÇOEBS,

Não he somente pela desobediência habitual dos cidadãos


ás leis, que hum estado pode ser perturbado ; também pode
ser amotinado pelos partidos, pelas facçoens, pelas sediçoen*,
e pela guerra civil.
Tecm-se confundido em todos os tempos os partidos com
as facçoens : mas ha realmente entre estas duas couzas notável
difterença.
Chama-se partido a reunião de muitas pessoas, que teem
a mesma .opinião, ou os mesmos interesses, em oppoziçao á ou-
tras pessoas, que teem igualmente hum interesse ou huma
opinião contraria,
A^àcçSo suppoera actividade, e maquinação secrela , o p
posta ás idéias d'aquelles que as não compartem»
Partido oâo exprime simto huma partilha nas opinioeni ;
em si mesmo nada tera de odiozo : entretanto que huma/ac-
câo o he sempre.
Nos governos absolutos ordinariamente não ha sinão par-
tidos; os quaes só tem a mira em empregos, no valimento^ no
credito, e na influencia.
Nos governos moderados, os partidos teem o mesmo mo-
vei , e de mais a mais hum effeito palitico : elles se observaõ,
se contem mutuamente, servem, de freio á autoridade , e de
antemural á liberdade.
N'esta forma de goverfto os partidos degeneraõ em
facetes, quando não contentes cora intrigarem para se apo-
derarem dos empregos e das honra*, dirigem os olhos para o
mesmo governo, ou para sacudirem o seu jugo, ou para d'elle
se apossarem, ou emfim para o tornarem odiozo.
O verdadeiro foco das facções está nos governos repubii-
canoSt Elias teera toda a sua extensão e energia nas democra-
cias , porque como ahi os direitos são iguaes , cada hum se ju*«
ga apto para tudo *. assim todo o mundo quer mandar , e nin*
guera obedecer. Quando as facçoens são moderadas estabele-
cem huma espécie de equilíbrio , e são úteis á manutenção da
emulação, e da liberdade, quando porem são exaggeradas,
cauzaÕ tumulto, perturbacoens, e guerra civil; e em ultimo
rezultado, a anarchia , o despotismo ou a dissolução.
Nas aristocracias, o espirito facciozo está concentrado nas
familias que sïo senhoras do governo : os subditos nem se quer
formaõ partidos, porque naõ podem ter a ' menor parte
nem no governo, e nem nos empregos; obedecem, e pagaõ ,
assim como sob o despotismo , e n'ista consiste toda a sua
existência politica.
As facções onde quer que se declarem são sempre pen*
gozas : e se alguma ha que nodera produzir algum bem , o mal
que podem fazer he muito maior.
Por tanto aquelle ou aquelles que governaõ devem em-
penhar-se em destruil-as : a violência porem seria mà conselhei-
ra : o melhor meio que ha para derroeal-as he manter a mais
perfeita igualdade entre as diversas classes dos cidadãos. Não
ha duvida, que para tirar á limpo este empenho, he mister
hum braço forte , e sobre tudo a mais rigoroza justiça.
3t •
DAS SEDIÇOENS.

Asjaceoens geraõ muitas vezes sediçoens. Dá-se gerais


mente este nome á toda aassemblea turbulenta , e numeroza ,
não autorizada pelo magistrado , ou reunida em menoscabo
da sua autoridade , cujo fim he irtlacar a autoridade legitima , e
perturbar violentamente a paz interior do estado.
Às sediçoens teem lugar tanto nos governos onde ha de-
sigualdade de direitos , como n'aqueîles onde existem corpos
intermédios : assim he que o povo romano foi muitas vezes se-
diciozo : assim he que em huma monarchia a nobreza pode
sec sedieioza : o mesmo succède com os corpos militares nos
governos absolutos.
As sediçoens tem cauzas mui diversas : muitas vezes o seu
fim he a reparação de alguma injustiça, o que também pode
ser hum pretexto para attacar o governo, e até para derribal-o.
Em geral quanto mais absoluto he hum governo, tanto
mais perigozas são as sediçoens.
Na Turquia osjanizaros eraõ senhores do Sultão, e do
império. O mesmo se viu na Russia a respeito dos Sterlits,
iião obstante a opulenta , e numeroza nobreza que abi havia :
mas a razão he.porque essa nobreza não tem existência politica ,
e por conseguinte não tem sinao hum interesse precário na ma-
nutenção do governo, que á mingua de contrapezo, pode op>
primil-a.
Nas monarchias bem reguladas , as sedições são difficeis ,
porque nesta forma de governo a nobreza tem hu*ma existência
ceita, e todos os gozos que lhe podem satisfazer o amor pro»
prio : acerescendo que como intermediária entre omonarcha,
e o povo , ella o contem nos limites da obediência por bem da
sua propria segurança.
Nos governos populares, não ha , e nem pode haver se-
díçao , pois a liberdade, e a igualdade são a sua baze, e ob-
jecto : mas pode haver nas aristocracias , porque os subdictos
podem cansar-sede obedecer ás familias previlegiadas, que hou-
verem arrogado á si huma autoridade exclusiva.
"" Às sedições são sempre acompanhadas de tumulto , pois
a desordem he a sua companheira inseparável. Por tanto lie
de mister -a força publica paru reprimil-as, e para isto he que
principalmente a guarda nacional está destinada nos govesnos
constílucionaes, a qual he composta de cidadãos proprietários e
commerciantes igualmente interessados em que o- tumulto se
applaque, e em que tudo seja restituido á ordem o mais depres-
sa possível. Fora d'isto a guarda.nacional obra com menos vio-
lência, que o exercito de hnha , e o seu emprego tende a pou-
par , ou a sustar o derramamento de sangue.

DA GÜ£BRA CIVIL.

SI apparece resistência , quando a força publica tenta ap-


placar as sediçoens, os sediciozos então tornaÕ-se rebeldes, e
d'aqui nasce no mesmo instante , a guerra civil, o maior fla-
gelio que pode affligir a huma nação.
A guerra civil he huma guerra de paixão, de furor, e
de raiva , a qual destroe os principies da ordem social, e rom-
pe os laços da natureza ; he huma mãe que devora seus próprios
filhos.
A guerra civil se estabellece entre o povo , ou grande
parte do povo , e o governo j ou entre o povo só, dividido em
muitas facçoens.
Si a nação inteira se sobltva , não existe nem governo , e
nem soberano : ha regresso para o estado da natureza selvagem.
Em taes conjunctures, não ha outro recurso sinão a concilia-
ção : a força seria huma uzurpaçlo , pois huma nação não pode
haver autorizado o seu cabeça á empregal-a contra si.
Si huma parte somente da nação se subleva , o governo
deve lembrar-se que a conservação da sociedade, cuja direcção
lhe está confiada, he o primeiro e o mais essencial dos seus
deveres, e de conformidade com este principio he que elle de-
ve dirigir o emprego dos meios necessaiios para applacar os
* ^>a46<^
espíritos , restabellecer a ordem, e tranquillidade, e a conser»
var-se a si mesmo.
Concordaô todos, que no cazo de que as hostilidades civis
seiajj-inevitaveis, devem seçuir»se as regras ordinárias da guer-
ra : si a justiça rigoroza não o exige , ao menos a prudência o
aconselha, porque he mister temer, e reprimir as reprezalias.
Pareee-me ociozo advertir que não quero fallar dos re-
beldes , que fazem a guerra como salteadores; porque he hum
dever perseguil-os até a ultima,' por isso que elles violaõ as leis
sociaes, em vez de deffende'1-as.*
Si os homens sublevados teem queixas fundadas, não se
deve punir a ninguém : mas no cazo contrario , importa a tran-
quillidade publica , e a manutenção da ordem social dar hum
exemplo notável nos cabeças da sedição , salvo si se houver
sido obrigado a dar-lhes quartel.
As conseqüências funestas que pode ter a guerra civil ,
qualquer que seja a sua origem , devem esclarecer os governos
sobre as precauções, que tal previdência exige da sua parte.
Elias devem fazer sentir a autoridade a necessidade de prevenir
estes horrorozos rezultados. Hum simples partido he sem du-
vida que nenhum perigo apprezenta em sua origem ; mas si en-
grossa j pode degenerar em facção, e a audácia impunida dos
facciozos os conduz naturalmente a sedição : em taes cazos a
indulgência pode vir a ser fatal. Por aqui pode julgar-se quam
perniciosa he a maxima —> « Que hum governo para gozar de
* tranquillidade, deve atiçar os partidos oppostos , isto h e , de-
« -ve dividir para melhor mandar. » A experiência tem provado
muitas vezes que estes pequenos incêndios podem cauzar hum
abrazamento geral. O methodo mais seguro , e efficaz para pre-
venir as sedições he ser justo, e sábio, e tão firme em susten-
tar o bem , como proropto em reparar os erros. Si a perversi-
dade as provoca , como he tão trivial, não ha a hi pactuar.
Quando huma naçio, destruído o seu governo , se divide
em facções, que disputaõ entre si a autoridade, resulta d'aqui
hum gênero de guerra civil, cujos horrores são incalculáveis :
he hum verdadeiro estado de dissolução ; não existe mais na-
çSo , nloha mais laço social, apenas ha indivíduos abandonan-
do-se desenfreadamente ao furor das suas paixões. Si o excesso
do mal não abre os olhos aos chefes das différentes facções, e
n l o os põe emum no caminho da razão, opaiz, depois de de-


<$>247^
vastado, e despovoado , cahe nas garras estrangeiras, e os es-
trangeiros certo não hão de crer que podem sustentar a sua au-
toridade sinão á força. Eis o resultado natural, e quazi certo
da licença popular.
Emfim pode-se dizer que as sedicçõès , e as guerras civis
são quazi sempre ou directa , ou indirectamenle , obra do gover-
no. Elle as provoca verdadeiramente, quando tendo commet-
tido hum acto arbitrário , despreza reparal-o , e por este meio ob-
star o descontentamento, e os qufcixumes. Gonducta que tal, pro-
va ou deleixo , ou desprezo : muitas vezes he fundada sobre a
falsissima maxima que os governantes nunca devera ter erro , e
por conseqüência nunca retrogradar , como se hum ministro , e
os seus agentes fossem dotados de infalibilidade : como si a sua
demissão arrastasse a ruina do governo.
O director de huma nação tãobem vem a ser a cauza indi-
recta das sedicçõès, si as não previne , ou as não abafa no nasce*
douro.
Pretendidos discontentes, facciozos, ambiciozos, espirito$
vertiginozos , e inimigos da ordem podem imputar a autoridade
erros imaginários ; podem tomar a peito propagaUos, e à surdi-
na formarem hum partido, Si o governo os deixar obrar, a cre<
dulidade lhes grangeará logo adhérentes : e assim que se elles jul«
guemassaz fortes , tirarão a mascara, ínsurgir-se-haõ , perturba-
rão por toda a parte a tranqüilidade publica , e entregarão a sor-
te do estado ao azar dos acontecimentos. Nada d'isto porem
accontecerá , si o governo, cuja vigilância deve extender-se a to-
dos os lugares fôr fiel a maxima , que he principalmente no prin-
cipio do mal, que se lhe deve rezistir.
Si o mal se aggrava , e se propaga , e si a voz da autorida-
de pouco á pouco vai deixando de ser obedecida em toda a parte ,
a sociedade achar-se-ha então em hum estado que vamos exami-
nar.
Este estado he a anarc/iia.
DA ATÍARCHIA..

À. anaixhxa ne a auzencia do governo.


Ella tem lugar, como ja dice , quando todos querem man-
dar , e aiinguem obedecer.
He erro apprezentar-se a anarchia como rezultado ordinário
do estado democrático regular.
Neste estado o cidadão está desamparado, está so contra
todos , e não pode oppôr sinâo a sua vontade privada às leis ge-
raes de huma cidade senhora de convidar, e de constranger a
obedecer. As republicas giegas , e a romana não oflerecerão em
quanto forão democráticas symptoma algum de anarchia.
Quando hum cidadão pelo só ascendente da sua vontade
ada, lucta contra a vontade geral, ha oppozição: este estado he
a conseqüência necessária do systema reprezentativo, isto he, do
governo das maiorias. Os governos em que os cidadãos são admit»
tidos a deliberar mais ou menos sobre os negócios públicos offe-
recetn huma lucta perpetua de opiniões e de vontades : mas sup-
posto que esta lucta muitas vezes seja tumultuoza, todavia nunca
he nem perigoza , e nem anarchica.
A anarchia não existe sinaõ quando o desprezo da auto-
ridade que governa tem chegado a ponto que o primeiro cidadão
ambiciòzo tem o poder de perturbar o estado ou de lhe destruir
a constituição.
A liberdade tal qual se pode , ou se deve dezejar n huma
sociedade publica , he a obra prima , e o maior beneficio das leis.
O seu abuzo he o maior ultraje , que se lhes pode fazer quando se
servem do seu próprio beneficio para destruil-as , quando decom-
põem a sociedade , voltando contra ella a pacifica felicidade que
ella quer proporcionar á cada hum dos seus membros— Ora he
'sto o que gera a licença , que he o abuzo da liberdade.
 ordem irrezistivel da natureza quer que a licença produ-
za a anarchia , e que esia traga infalivelmente o despotismo.
Pela anarchia , a sociedade degenerada cahe em hum esta-
do de dissolução , d'onde não pode mais sahir per si mesma. El-
la desconheceu as vantagens de huma sabia liberdade ,'repelliu a
<#>249^
protecção das leis , substituindo a força e a independência de to-
dos : e a sorte inevitável d'esta independência ante social he sob-
. raetter-se à força de hum só : sorte cruel, e vergonhoza para a so-
ciedade , mas a única , que a pode prezervar do total aniquuV-
mento.

;
DA DICTADORA.

Chamava-se dictadura , na republica romana , huma magis-


tratura suprema e temporária , á que se recorria no momento do
perigo.
A inflexibilidade das leis , que as impede de se dobrarem aos
acontecimentos, pode em certos cazos, tornai-as insufficientes ,
e até perniciosas, e por esta razão cauzarem era huma crize
a ruina do estado. A ordem e a lentidão das formulas demandão
hum espaço de tempo que as circunstancias recuzaõ algumas ve-
zes. Mil cazos podem apparecer que naõ tenhão sido providencia-
dos pelo legislador : e previdência mui necessária he conhecesse
que naõ se pode prever tudo.
Por tanto cumpre naõ levar o dezejo de consolidar as insti-
tuições politicas à ponto de tirar todo o poder de suspender-lhes
os effeitos.
Ora só os maiores perigos podem contrabalançar o de
alterar a ordem publica ; e nunca se deve suspender o poder sa-
grado das leis , salvo quando se tractar da salvação da pátria.
Era sem duvida por estas razoes , que entre os Romanos,
quando o perigo era tal que o apparato das leis empecia a sal-
vação da republica , que se nomeava hum chefe supremo o
qual fazia calar todas as leis, e por hum momento suspendia a
auctoridade soberana : em cazos taes a vontade geral naõ era du-
vidoza : he evidente que a primeira intenção do povo era que o
estado naõ perecesse. D'esta maneira a suspençao da auctoridade
legislativa naÕ abolia a soberania : o magistrado que afazia calar,
naõ a podia fazer fallar : dominava-a , mas naÕ a reprezentava j
podia fazer tudo , excepto leis,
<^>25o<§»
Demais : os Romanos conhecerão que o emprego d'esté meio
extraordinário exigia grandes precauções : elles tinhaÕ visto que
importava marcar­lhe hum prazo mui curto de duração que nunca
podia ser prorogado. Has crizes, que fazem estabellecer a dicta­
dura , o estado he logo destruido, ou safvo : e passada a urgen­
te necessidade, a dictadura ou torna­se tyraniea ou van. Quan­
to mais longo fòr o prazo , tanto maiores tentaçoens terá o dicta­
dor de prolongal­o ainda mais. ^ '■
Eis o perigo , que conduz clirèctamente ao despotismo , o
que na realidade naõ he outra coíiza sinao huma dictadura perpe­
tua.
Acresce que em theze , adraittir a dictadura ainda que seja
por hum só dia he reconhecer o poder absoluto : ora ja demons­
trei que este poder he perigozo tanto para os cidadãos como pa­
ra aquelle, que o exerce.
Si este poder he legitimo durante hum mez , seis , hum
a n u o , porquê razaõ naõ será sempre ?
Fora d'isto he certo que em conjuncturas melindrozãs , ca­
da cidadão, cada magistrado he obrigado a expor ate a sua vida
para salvar o paiz : para isto nem he de mister huma dictadura ,
e nem taõ pouco que se estabeliesa por huma lei , a suspençaô
momentânea de todas as leis.
Demais o emprego d'ste meio extremo naõ he necessário
no governo reprezentativo , e isto mesmo prova a sua excellen ­
ciai Com a sua combinação que reúne , e mistura n'huma mesma
acçaõ , e para o mesmo fim , a realeza 3 a aristocracia, e a de­
mocracia ; com esta feliz combinação, digo , nunca se ficara re •
duzido a recorrer á insurreição para reconquistar a liberdade ,
e nem taõ pouco será necessário lançar­lhe hum veo para resta­
bellecer o poder. Basta que a opinião publica , fortemente pro­
nunciada, destrua os ministros, e obrigue aos que os substituem
a seguir hum systema que salve o estado da crize era que se
acha.

­ ­*­fe£Stt5»*«4SMS»*'Cfr"
«I»251 <#»
CAPITULO. 4o
à
DAS RsvoLtrçoBirs»>

Em política , a palavra revolução significa toda a mn-


dança considerável ou absolula quer na forma do governo de
hum estado, quer nos governantes, quer nos governados;
As revoluções políticas podem-se fazer principalmente de
Irez modos.
i ° Pelo lapso do tempo ;
2 ° Por autoridade legal ;
3 ° Por abalos, e meios violentos ;
Assim que as revoluções ou são successivas , ou íegaes ,
ou violentas.
O primeiro modo he o mais seguro, por que segue a
marcha da natureza , que continuamente vai fazendo mudanças
graduaes , de sorte que á principio saõ pouco sensíveis ; mas
á este mesmo mo Io naõ se pode deixar de ajunctar o segundo ,
isto he huma autoridade legal para legitimar o que se opera.
A segunda, a que se faz por huma autoridade le-
gai , naõ ha necessidade indispensável de ser preparada de
antemão, huma, vez que os costumes, e os interesses do povo
naÕ tendaõa repelil-a.
Mas a autoridade legal que quizer fazer huma revolução,
nunca deverá lançar maõ de meios violentos, salvo no cazo
de absoluta necessidade , por que do contrario corre risco de
perder em força real e duradoura , o que julgasse ganhar era
celeridade.
O terceiro modo de operar,hama revolução , isto he , a
que se faz á força , exclue absolutamente a primeira , e nSo
preciza da segunda , ames sempre a teme, e muitas vezes a
destroe.
As revoluçoens successivas são sempre úteis , e até ne-
cessárias , pois são o inevitável rezultado de mudanças anterio-
res , operadas pouco á pouco nas couzas , e nas pessoas.
As revoluções Íegaes- bem calculadas corroborão a au-
toridade , e durão tanto eomo ella : de acordo com o pôfc> ai
observa ou as sustenta.
33, »
<§>252<§>
As revoluções violentas são sempre perigozas ás pessoas,
e ás propriedadesj e muitas vezes menos duráveis do que as
duas primeiras. *■•
As revuluções successivas seguem a marcha insensível da
natureza : as revoluções legaes â marcha grave da lei, as revo­
luções violentas a das tempestades.
As primeiras offerecem nas suas mesmas mudanças, o be­
neficio da conservação : as segundas a continuidade da repro­
dução ; as terceiras o vazio daoestruição.
Ás duas primeiras nacTrhudaÕ sinão quando coatão de
certo substituir : as terceiras abatem as mais das vezes sem que
teahão plano para reconstruir o edifício.
Íías duas primeiras a principal idéia versa sobre o que se
vai levantar , na terceira a principal, e algumas vezes a única
idéia , versa sobre o que se vai destruir.
Entre os effeitos das duas primeiras revoluções, e os ÚJS
terceiras, a dihvrença deve muitas vezQs ser grande ; por que
não teem nem a mesma origem , nem n ; mesmas Causas , e
nem os mesmos meios.
Não basta ter por este modo extremado as revolucoens
quanto aos seus meios ; cumpre ainda notar que ellas podem
ser geraes ou parciaes.
Podem­se chamar geraes as que mudão completamente a
existência política de hum estado.
E parciaes as que só mudão algumas porções , seja qual
fòp o modo por que esta mudança se opere.
Devo emfim notar que as revoluções paliticas se fazem nos
governos , nos governantes, e nos governados.
Ás revoluções dos governos são âs que lhe mudão o prin­
cipio , ou ainda a forma. São estas as mais dignas de ser ob­
servadas, por que atacáo tudo o que viviíica , ou corrompe o
corpo social : bera como huraa republica que se transforma era
monarch ia.
As revoluções dos governados são as que conservando as
leis , os estabelecimentos , as pessoas, as propriedades , nSo
raudao sinaõ o corpo ou o individuo que governa : bem como
na monarchia hereditaria huraa dynastia que he substiuida por
outra , ou a determinação que chamasse a succéder no throno
as mulheres que até entaõ houvessem sido excluídas, . •
As revoluções dps governados «aõ de hum gênero particu­
<^>253<§>
lar ; arrastão necessariamente a dos governantes, e alga*
nias vezes em lodo ou em parte a dos governos. Comecaõ por
violências, e se consumaõ ou pela oppressaõ , ou por hum
amalgama politico. Assim fazem todos os povos conquistadores,
que se estabellecem em paizes novos.
Fora d'isto todas as vezes que hum povo invade huma
terra estrangeira, isto lie , todas as vezes que ahi vai fazer
huma revolução de governados,, só ha trez partidos que tomar :
a destruição , o captiveiro , o u a amalgama.
O primeiro he iniquo e bárbaro. O segundo , uzado an-
tigamente , violava as sanclas leis da natureza, e hoje fora
contraria ao direito publico das nações civilizadas ; acrescendo
que deixa ao vencido n'huma dispoziçaõ incommoda ao vence-
dor. O terceiro he o partido que approvaõ , ou antes que re-
clamaõ ao mesmo tempo a razão a justiça , e a política , quan-
do a obra iníqua da conquista he consumada.
Hum quarto partido he indicado na historia nas épocas
d'essas grandes emigrações do norte, que avançavão sempre
para os nossos climas. Estas massas enormes deslocarão as
que acbavaõ estabellecidas , e às obrigavaõ a hir amotinar outra
regiaõ : assim foi que foraõ feitas muitas dasinvazões, que
destruirão o império romano.
Este partido poií pode ser indicado por estas palavras —
Expulsão dos indígenas.—
Passo agora a fallar das cauzas das revoluçoens.
As revoluçoens , e sobre tudo as revoluçoens violentas ss
mais das vezes são cauzadas por aquelles que governão.
Para que hutna nação se abale, e agite , cabe que t e -
nha algum motivo real de queixa : quando os interesses parti-
culares estão plenamente garantidos , o* povo em geral he pou-
co disposto a crer que o interesse publico corre perigo. Por
tanto onde quer que se vejaõ subsistir partidos, facções, sedi-
çoes ha lugar de crer que reslão garantias individuaes que esta-
beüecer, ou que consolidar , das quaes ou não se goza ouse
está ameaçado de perder , o que vai quazi o mesmo que tel-
as perdido.
Mas attacar a mesma constituição do estado he hum cri-
me capital contra a sociedade , e si os que incorrem n'elle são
empr,#ga,dos públicos acrescentão ao delicto o pérfido abuzo
do poder , e nío ha couza que exaspere mais o povo , e crie
^254^
rev oiuçoens mais horrorozas.
Hum governo constitucional deixa de existir de direito ,
logo que a constituição deixa de existir , e huma constituição*
deixa de existir logo que he violada. O governo que a quebrau-
ta rasga o seu titulo ; e desse momento em diante he irapossivel
que .subsista pela constituição.
Violada a constituição que mais resta? A. segurança , e
a confiança estão destruídas. Qa governantes tem o sentimen-
to da uzurpação : os governados teem a convição de que
estão á corteaia de hum podei* que sacudiu o jugo das leis. To-
do o protesto de respeito á constituição feito pelos governantes
parece huma irrizão : toda a appeilaçaõ interporta pelos gover-
nados para a constituição parece huma hostilidade. De balde
aquelles que dominados por hum desvairado zelo teem concorri-
do para este movi mento desordenado quererão suspender-lhe as
deploráveis conseqüências. Este remeiio está fora da alçada
dos homens : rompeu-se o dique , o arbítrio desencadeiou-se ;
e com quanto se admiltaõ as mais puras intenções, todos os
•esforços hão de ser infrucluozos.
Os depozilarios da autoridade sabem que elles teem pre-
parado huma espada tao forte que só espera hum braço
assaz forte para dirigii-a contra e l l e s . . . . . Este braço em bre-
ve os ferirá com efteito , e lie por meio de huma revolução
qua elle descarrega os seus golpes : mas Deos sabe que desgraças
se seguem à esias violentas revoluções ! O cahos está para re-
nascer , eooin> surgir.4 d'elle a ordem!
Huma nação porem niõ deve emprehender dar-se huma
nova constituição , sinao depois de haver confiado tados os po-
deres da sociedade á huma autoridade favorável á este dezignio.
Esta he a preíeminar rrecessaria.
Ora qual será esta autoridade constituinte ?
Esta difficuldade por certo he gravíssima.
. A naçaõ pod»? abraçar hum dos trez seguintes partidos.
i ° Ou encarregar as autoridades que a governaõ que se
arranjem entre s i , quereconheçaõ reciprocamente a sua exten-
çaõ , eos seus limites, e que determinem claramente os seus
direitos, e os seus deveres.
2 o Ou dirigir-se a hum sábio e pedir-lhe qvie:Organize o
pia tio completo de hum novo governo. . ^*V
S ° Qvj coíi6ar este cuida io áhuma assemblea de deputa-
#>255Ǥ>
•­.■■■:•■> para este fim , G que xiaõ lenha outra missaõ.
O primeiro d'estes partidos foi poueo mais ou menos o
jjge tomarão os Inglezes em i 6 8 8 , quando consentirão ao me­
nos tacitamente que o parlamento expulsasse do throno a Jacques
n. ° , e recebesse Guilherme i ° e fizesse com este huma con­
vençaõ que elles chamaõ a sua constituição, e que ractificaraõ
de facto pela sua obediência , e ainda pela sua adhezaõ.
O segundo partido he o que abraçarão muitas naçoens
antigas.
O terceira foi o que preferirão os Americanos, e os Fran­
cezes em 1789 quando sacudirão o jugo dos seus antigos
monarches.
O primeiro meio he o mais simples , o mais prompto , e
o mais fácil na practica ; mas deve esperar­se que elle naõ pro­
duzirá sinaõ huma espécie de transação entre as différentes au­
toridades j que os limites dos seus poderes, tomados em massa ,
naõ serão circunscriptos com exactidão e que os direitos da
nação à seu respeito não serão nem bem estabellecidos ,­e nem
bem reconhecidos.
O segundo promette renovação mais inteira , e legislação
mais completa , e dá esperança de que o novo systema de go­
verno sendo fundido de hum só jacto, e saindo de huma só ca­
beça j será mais homogêneo , e mais bem combinado.
Mas independente de achar hum sábio digno de tal con­
fiança­, e do perigo <Je concedel­a á hum ambiciozo, que
d'ella se servisse para os sens fins : he de temer que hum
plano concebido por hum só homem , e que não foi sugei­
to á discussão alguina , não seja assaz adaptado ás idéias nacio­
naes , e não concile solidamente o favor publico.
Quanto ao terceiro modo de fazer huma constituição ,
he necessário considerar primeiramente qae essa assemblea sen­
do composta de membros acreditados nas différentes partes do
território , e conhecedores do espirito que n'ellas reina , o
que eiia decidir será muito próprio para $e pôr em pra­
ctica , e será recebido não só sem esforço , mas com prazer ; e
em segundo lugar que as luzes d'essa assemblea de homens es­
colhidos seraÕ sempre superiores as da massa do povo ; e sen­
do todos o^pj^igriaes discutidos madura e seguramente no seu
seio , jgjjíqotivov das suas determinações seraõ conhecidos, e
pesados , e ella formará a opinião publica ao mesmo tempo
<&i56<&
d su., ; de sorte que e lia contribuirá paderozatnenle.pa'i*a a
rectificaçio das idéias geralmente derramadas , assim co no pa-
ra os progressos da sciencia social. Ora estas vantagens são"
bem superiores ao grão de perfeição na lheoria da organização
social que ha de ser adoptada.
De mais não he difficil conceber que a autoridade pio-
vízoria á quem a naeãa houver conferido todos os seus pode-
res, convocando huma assemblea encarregada de fazer a cons*
tituição nova, deverá rezervar" para si o direito de fazer a
maquina marchar sempre atéTmoraento da sua completa r e -
novação ; pois a marcha da sociedade he couza que nlo
soffre interrupção alguma -• he necassirio sempre hum provizo-
rio entre o estado antigo , e o novo.
Mas até aqui tenho supposto huma nação ja coastituida
em republica ou emancipada do jugo dos seus reis, e
ent&o facilmente se concebe que nenhum obstáculo ruverá pa-
ra a sua regeneração politics.
Os meios que acabo de indicar não poderiaõ ser empre-
gados si no momento em que a necessidade de mudar defor-
ma de governo he urgente, a naçaõ ha dirigida por hum rao-
narcha hereditário. He â toddâ as luzes evidente que entre o
monarcha, e o povo poderüõ suscitar-se debates extremamen-
te desagradáveis , e que até produziriaõ rezultado3 gravíssimos
sobre a forma por que a mudança deveria effeituar-se. —-
Feliz enião do povo , si o seu monarcha reconhecen-
do a grandeza dos seus deveres ,- appreciando os effeitos do» pro-
gressos sempre crescentes das luzes , as novas rellaçoens, que
estes progressos houverem introduzido na sociedade, a direcçaõ
dada aos espíritos , e reconhecendo que o voto dos seus subJictos
he a expressão de huma necessidade real, concede â este povo
huma constituição propria para fazel-o feliz.
Fora sem duvida mas conforme com os princípios , que
o povo , por meio dos seus deputados houvesse sido almittido
a tomar parte na redacção d'e*ta lei fundamental ; mas si ella
satisfaz aos s ms interesses ; si ella cerca os seus direitos nalu-
raes de sufficieutes garantias , si ella forma a justa alliança do
poder e da liberdade , o povo então ratifica pela sua obediên-
cia á este grande conlracto , que huraa ves que^sej^esecutado
de boa fé , torna-se tão soliJo , como se !ôra o r^z .'^ajjta de
huma deliberação commum.
CAPITULO. 5°
DAS REACCOENS.

Acabei de passar huma vista d'olhos tanto sobre o que


precede as revoluções, como sobre os différentes modos por
que se ellas fazem : resta-me agora investigar as suas conseqüên-
cias , e principalmente qual o perigo das reaccoens. Chama~
se reacção a vingança que o partido opprimido toma 9 logo que
s€ torna mais forte.
Para que as instituiçoens de hum povo sejão estáveis ,
cabe que estejão ao nivel das suas idéias. No paiz em que isto
acontecer nunca haverão revoluçoens propriamente dietas : po-
dem haver choques, destruicoens individuaes ; homens apea-
dos por outros homens, partidos; mas emquanto as idéias es-
tiverem ao nivel das instituiçoens , estas haõ de subsistir.
Quando a harmonia entre as instituiçoens e as idéias se
acha destruída , sao inevitáveis as revoluçoens , as quaes ten-
dem a restabellecer esta harmonia. Este nem sempre he o fim
des revolucionai ios, mas he a constante tendência das re-
voluçoens.
Quando huma revolução do primeiro jacto tira a limpo
este propozito , para n'este ponto , e não vai alem, na5 pro-
duz reacção, por que huma revolução não he mais do que hu-
ma passagem, e o momento da chegada também he o do re-
pouzo.
• Quando porem huma revolução transcursa este termo ,
isto he quando estabellece instituiçoens, que estão alem das
idéias reinantes, ou destroe as que lhe são conformes , inevi-
tavelmente produz reaeções, por isso que deixando de existir
o nivel, as instituições naÕ se podem sustentar sinão por hu«
ma successão de esforços, cessando os quaes, tudo se ha de
relaxar, e retrogradar.
Quando huma revolução arrojada deste modo aljem dos
seus limites , pára , fazem-na à principio circunscrever-se á elles,
mas nao contentes com isto, obrigãa-na a retrogradar tanto quan-
to havia^vaTr^do : acaba se a moderação, e começâo as reao-
34.
<#>258<§>
Ha duas espécies de reaccoes : a que se exerce sobre os
homens , e a que tem por fim as idéias.
Eu naÕ chamo reacçlo a justa punição dos culpados , e netv
a conversão ás idéias sans : d'estas duas couzas, huma pertence a
l e i , e a outra á razaõ. Pelo contra ríy o que distingue essenci-
almente as reaccoes, he o arbítrio substituído a l e i , a paixão
em lugar do raciocínio : em vez de julgaremos homens , proscre-
rem^nos, em vez de examinarem as idéias , rejeitaÕ-nas.
As reaccoes contra os homens eternizão as revoluções , por
que eternizão a oppressão que-^e o seu germen. As reaccoes
contra as idéias tornão as revoluçoens- infructíferas , por que dis-
pertão os abuzos. As primeiras devastão a geração que as soffre ,
as segundas pezao sobre todas as gerações ', as primeiras ferem de
morte aos indivíduos, as segundas ferem de estupor a todo o gê-
nero humano.
Para obstai* a successio das desgraças' cumpre reprimir
humas ; para colher , si he possível , algum fructo dos dezastres
inevitáveis , he mister amortecer outras.
i. ° As reacçoens contra os homens, résultas d'acçao pre-
cedente , são cauza da reaccoes futuras. O partido que foi oppri»
mido tüo bem opprime , o que se vê illegalmente victima do furor
que mereceu , affana reconquistar o poder j e quando trium-
pha , tem dous motivos de excessos em vez de hum : a sua dis-
pozição natural, que lhe faz commetter os primeiros crimes, e
o ressentimento dos attentados que foraõ a consequ»ncia , e o
castigo das suas iniquidades.
D'esta sorte amontoao-se as cauzas de desgraças, que-
braô-se todos os freios, todos os partidos vem a ser igualmente
culpados, ultrapassaõ-se todos os limites : os attentados sâó" pu»
nidos por attentados : o sentimento da íunocencia, este senti-
mento que faz do passado garante do futuro ja não existe em
parte alguma : e toda huma geração pervertida pelo arbítrio
arroja-se muito alem das leis por todos os motivos, pelo temor
e pela vingança, pelo furor , e pelos remorsos.
Assim as reaccoes apanhaõ alguns criminosos, he verdade,
mas eterniza5 o reinado das iniquidades; asseguraõ a impunidade
aos mais depravados , e áquelles que cão materia disposta para
toda a laia de vícios. _ ^
%° As reacçoens contra as idéias são rn^rus sa.^srujno-
lentams, mas nâo menos funestas ; por cauza délias os mates in-;
^siog^
dividuaes não produzem fructo, e as calamidades geraes ficaõ
sem compensação. Depois de grandes desgraças destruírem nu»
^ ^ J p e r o z o s prejuízos, ellas restauraõ estes prejuízos, sem reparar
as desgraças , e restabellecera os abuzos , sem levantar as ruinas :
restituera ao homem os seus ferros, mas ferros ensangüentados.
As reacções , que de revoluções dezastrozas, fazem ainda
revoluções inúteis, nascem da tendência do espirito humano para
abranger, nos seus pezares tudo quanto rodeava o que elle la-
menta. Os mesmos inconvenientes , e abuzos se lhe tornaõ pre-
ciozos , porque ao longe, lhe pafecem intimamente ligados com
as vantagens cuja perda deplora.
Esta dispoziçaõ naõ somente se oppoem ao melhoramento
do novo systema , mas prohibe o aperfeiçoamento do antigo.
Tributaõ veneração supersticioza á hum composto , cujas par-
tes nSo ouzão examinar temendo desconjunctaKas. Esquecem-
se de que devem julgar o que não existe, como si nunca hou-
vera existido , e que si quando tractarem de destrui», não devem
destruir sinão o que fôr funesto, quando tractarem de levantar t
so devem levantar o que for util, e segundo esta reincidência nos
prejuízos ainda á pouco destruídos , a sugeiçSo he mais completa,
a submissão mais illimitada do que se nunca se houvessem descap-
tivado delia.
Nào basta pois ter conquistado a liberdade, ter feito triun*
far as luzes, ter comprado á custa de grandes sacrifícios estes
dous bens inestimáveis j e nem tão pouco ter posto ponto por
meio de grandes esforços , á estes sacrifícios, cabe alem d'isto
ob5tar que o movimento retrogrado , que inevitavelmente succè-
de a hum impulso excessivo , não se prolongue alem dos seus ne-
cessários limites , não prepare o relabelledtnento de todos os
prejuízos , einfim não deixe por vestígios da mudança que se
quiz operar , sinão destroços , lagrimas, opprobrio , e sangue.
Portanto importa examinar os deveres dos governos , em
huma , e outra reacçïo-
Estes deveres slo mui différentes n'estas duas espécies:
i. ° Contra as reacçoens cuj.o fira são os homens , o go-
verno s 5 tem hum meio , que he a justiça. Cumpre que ogover*
no se apodere das reacçoens afim de não ser arrastado por ellas.
A -n-r-^pàn j n i crimes pode tornar-se eterna, si elle nâase après-
s.i ajp^ustar-.he o curso.
"^1"—' ' O governo porem cumprindo este dever , deve abster-se de
34. »
■#•260^
hum escolho perigozo, que he o desprezo das formulas, e o c
mamento dos opprimidos contra os oppressores. Cumpre­lhe
conter e junctamcnte vingar a aquelles.
Hum governo fraco procede de hum modo diametralmen­
te opposto. Teme encruecer­se , e tolera que se commetão mor ­
íicinios. Por huma deplorável timidez, desejando que os sce>
íerados morrSo, quer que o perigo d­i sua severidade não re­
caia sobre elles : deixa commelter vinganças , e deste modo crê
conservar­se n'huma neutralidade , que appraz 6 sua fraqueza.
Engana­se porem n'esta ignóbil esperança. He erro erer
que grangea hum partido , concedendo a impunidade à aquelles
3. quem recuza a justice. Estes homens irritão­se porque o go*
verno os força a deverem ao crime o que as leis lhes havião pro*
mettido.
D'esta arte o governo reúne contra si todos os odíos : o
dos culpados os quaes abandona a hum castigo illegitrmo , e o
do innocente, que faz culpado. Perde o merecimento da seve­
ridade , sem que todavia lhe evile o odiozo»
Quando a justiça he substituída por hum movimento po­
pular, os mais exaggerados, os menos escrupulozos, os mais
ferozes se poem à frente d'esté movimento. Homens sanguise­
dentos se apoderão da indignação que se levanti contra os ho­
mens sanguinários, e depois de haverem obrado contra os Indi­
víduos era menoscabo das leis, volta o as armas contra as mes­
mas leis.
O governo impassivel, mas forte , deve fazer tudo com a
sua propria força , e nSo soccorrer­se á força alguma estranha ,
conservar immovel o partido que o protege contra o partido que
fere, e encruecer­se igualmente contra o homem que quer to»
tnar a dianteira da vingança da l e i , e contra o que a mereceu.
Para isto porem cabe que elle renuncie à fascinadora li­
îonja,­ e repilla a reminiscencia revolucionaria, que o índuz «
procurar approvaçâo fora da lei. Elle deve eneontrar o seu
elogio, onde os seus deveres estão escriptos, na constituição
que he immudavel, e uao nos applauzos passageiros de opi­
nioens versáteis.
2. ° Si nas reacçoens contra os homens o governo neces­
sita mais que tudo de firmeza , nas reacçoens con^rA —«^ idéias ,
preciza principalmente de rezerva. Em humas hu mi&*^ que
elle obre, etn outras , que perseverei Nas primeiras import?"
<&>2bl<%>
que elle faça tudo quando ordena a lei, nas segundas, comem
que não faça nada do que a lei não manda.
j| As reacçoens contra as idéias versão sobre instituicoens ,
ou sobre opinioens. Ora as instituicoens psra que se consoli-
dem só demandão tempo", e as opinioens liberdade.
Entre os individuos, o governo deve coilocar huma força
repressiva, entre os individuos , e as instituicoens, huma for-
ça conservadora; e entre os indivíduos, e as opinioens , não
deve pôr força alguma.
Huma vez estabelleciJa hu-na instituição não vos irriteis
porque a desapprovão. Não vos esbofeis para que nSo decla-
mem contra ella : não exijais a submissão sinão de conformidade
com as formulas, e perante a lei. Feichai os olhos a oppozi-
eão, supponde a obediência : mantei a instituição com as leis,
com as formulas, e com o tempo, que a instituição hade triunfar.
Huma vez destruída (naõ direi estabellecida , porque Deos
vos livre de semelhante tentação) a pujança de huma opinião ,
que outr'ora era hum dogma, naõ-vos assombreis de que a las-
timem : n.iõ prohibais a expressão d'estas lastimas : naõ lhe de-
creteis as honras d i intollerancia : fingi que ignorais até a sua
existência: opponde à sua importância o vosso esquecimenxo ;
deixíd o cuidado de combatei-a a quem quer que seja. Naõ rev
freeis sinao asaccoens, e em breve a opinião examinada, ap-
preciada , e julgada, soffrerá a sorte de todas as opinioens que
a perseguição naõ enobrece, e descerá para sempre da sua
dignidade de dogma,
A justiça prescreve ao governo esta conducta, e a pru-
dência também lh'a prescreve.
As reações contra os homens só tem hum fim , que he a
vingança , e hum meio que he a violação da lei : por tanto o go-
verno só tem que prevenir delictos classificados de ante raüo.
As reacçoens contra as idéias são infinitamente variadas ,
e os meios ainda mais variados são. Si o governo quer ser acti-
vo , em vez de ser simplesmente preservador, condemna-se a
hum trabalho infinito : cumpre que obre contra nuanças, e
se abata abalando-se por objectos quazi imperceptíveis. Os
seus esforços incessantemente renovados parecem pueris ;
va cillant seu systema, e arbitrário nos seus actos : tor-
na-i^mjuslo, porque he incerto, e he illudido , por-
î e n e injusto
<#>a62<^>
Demais , aòs homens que pelas suas luzes dirigem a opinião
he que compete oppoF-se ás. reacçoens contra as idéias: ellas
sa.0 o domínio do pensamento } somente a lei nunca as devot—^,
invadir.
O melhor meio que o governo , *e os escriptores teem pa-
ra se opporem ás reacçoens he cingirem-se aos princípios.
Hum principio he o rezultado de hum certo numero de
factos particulares.
Todas as vezes que a reunião destes factos soffre algu-
mas mudanças o principio que*d'ahi rezulta se modifica , e neste
cazo a modificação vem a ser principio.
Ora no universo nüo ha couza que não tenha os seus
princípios ; isto he , todas as combinações , quer de existências ,
quer de accontecimentos, trazem hum rezultado, e este rezul-
tado he sempre igual todas as vezes que as combinações são as
mesmas : a este rezultado he que se chama principio. Concluí-
das as revoluçoens só os principios devem servir de bússola.
Hum principio, huma vez reconhecido verdadeiro , nun«
ca deve ser abandonado, quaesquer que sejaõ os seus perigos
apparentes. Elle deve ser escripto, definido , combinado com
toaos os principios que o cercaõ, até que se tenha achado meio
dereraediaraos seus inconvenientes, e applical-o como elle deve
ser applicado.
O esquecimento ou o desprezo dos princípios conduziria
ao arbitrio.
O arbitrio supposto tenha effeitos mui pozitivos, todavia
he huma couza negativa : he a auzencia das regras , dos limi-
tes, das definieoens, em huma palavra he a auzencia de tudo
quanto ha exacto.
Ora como as regras , os limites , as diffinicoens , são cou-
zas incommodas , e affadigozas , he bem possivel que haja quem
lhes queira sacudir o jugo, e por esta forma cahir no arbitrário,
sem o pensar.
Os que regeitaõ os princípios sao sectários do arbitrio ,
porque tudo quanto he determinado, quer nos factos, quer
nas idéias, deve conduzir a principios: e o arbitrio sendo a
auzencia de tudo quanto ne determinado, tudo quanto não he
conforme com os principios he arbitrário. ^^-SL.
O arbitrio , como instituído política he í perwjyle to-
da a instituição política , porque estas instituieocns são ocSffi***
<^>263<§>
pîexo de regras, com as qua es os indivíduos devem poder contar
ero suas rellaçoens como cidadãos: e onde estas regras não
jexistem deixao de existir instituiçoens politicas.
O arbítrio he incompatível com a existência de hum go­
verno considerado sob a rellação da sua instituição.
He perigozo para hum governo , ■ debaixo da rellação da
sua accão.
NaÕ dá garantia alguma a existência de hum governo ,
debaixo da rellaçaõ da segurança dos indivíduos que compõem
o estado.
Justas três asserçoes saô fáceis de provar.
i . ° A s instituições politicas naõ saõ nem mais nem me­
nos do que contractus. A natureza dos contractus he estabelle­
cer limites fixos: ora sendo o arbitrio justamente o contrario
do que constitue hum contractu, allue pelos fundamentos to*
da a instituição política.
Bem sei que aquelles mesmos que repellindo os princípios
por incompatíveis com as instituiçoens humanas , abrem larga
porta ao arbitrio , quererião mitigal­o, elimital­o: mas esta
esperança he absurda por que para mitigar , ou limitar o ar­
bítrio , fora mister prescrever­lhe limites exactos, e então
deixaria de haver arbitrio.
Do seu natural he estar em toda a parle ou não estar em
parte alguma. Elle deve estar em toda a parte não de facto, mas
de direito, e d'aqui a pouco veremos quanto vale esta differença.
O arbitrio he destruidor de tudo quanto alcansa , pois aniquila
todas as garantias ; ora sem garantias não existe nada sinão de
faclo, e o facto não he sinão hum accidente. Em instituições
só he permanente o que existe de direito.
D'aqui se segue que toda a instituição que se quer esta­
bellecer sem garantias , isto h e , pelo arbitrio he huma institui­
ção suicida , e que si huma só parte da ordem social he entre­
gue ao arbitrio , a garantia de todo o resto se aniquila.
Por tanto o arbitrio he incompatível com a existência
de hum governo considerado debaixo da rellação da sua ins­
tituição.
O arbitrio he perigozo para hum governo sob a rellaçaõ
da sua "irjrwu ._
«ftu T rft tíomquanto precipitando a sua marcha, elle al­
­guSàas Vezes dê hum ar de força , todavia tira sempre á sua ac­
^264^
çaõ a regularidade , e a duração.
Os governos que recorrera ao arbítrio , dao os mesmos
direitos que tomão ; por conseqüência perdem mais do que ga*
nhaõ ; perdem tudo.
Dizendo ahum povo. As voss'as leis são insuffícientes
para vos governar — autorizão este povo a responder. —• Si as
nossas leis são insuffícientes , queremos outras leis ; e a estas
ialavras toda a autoridade legitima de hum governo cahe : naõ
Í he resta sinão a força : ja não he governo. Porque seria neces.
sario crer demaziadamente na frolUce dos homens para dizer-lhes
« Consentisteis em que se vos impozesse este ou aquelle iucom-
« modo a fim de que se vos assegurasse tal protecção. Nos vos ti-
« ramos esta protecção, mas vos deixamos este incommodo.
« Supportaieis por hum lado todos os incommodos do esta-
it do social, epelo outro vos exporeis á todos os azares does-
« tado selvagem. »
Tal he a linguagem implícita de hum governo , que re-
corre ao arbitrio.
O povo, e o governo estaÕ sempre em reciprocidade de
deveres. Si a rellação do governo para com o povo está na
lei, na lei também estará a rellaçaõ do povo para com o gover-
no : mas si a rellação do governo para com o povo está no ar-
bitrio , a rellação do povo para com o governo igualmente es-
tará no arbitrio.
3 ° Emtim o arbitrio não presta soecorro algum ao go«
verno sob a rellação da segurança dos indivíduos que compõem
o estado ; por que o arbitrio naõ ofíerece aos indivíduos azilo
algum.
O que fdzeis pela lei contra os vossos inimigos , os vos-
sos inimigos não podem fazel-o contra vós pela lei, por que
a lei abi está preciza , e formal : ella naõ vos pode attingir ,
pois sois innocente. Mas o que pelo arbitrio fazeis contra os vos-
sos inimigos, os vossos inimigos poderão fazel-o contra vós
pelo arbitrio : por que o arbitrio he vago e sem limites, ou
sejais innocente , ou culpado , elle vos alcançará.
X) arbitrio naõ he funesto somente quando d'elle nos
servimos para o crime. Ainda empregado contra o crime
he perigozo. Este instrumento de dezordem hejgjJi^meio de
reparação. s.^
A razaõ d'isto he simples. Ainda no tempo "èrn u S*-
^aôò^
se faz alguma couza por meio do arbítrio , conhece­se que o
arbítrio pode destruir a sua obra , e que toda a vantagem
/ ^ 'devida á esta cauza he illuzoria , por que o arbítrio altaca a
baze de todas as vantagens , que he a duração. A idéia de igu­
aldade , de instabellidade , accompanha necessariamente tudo
o que se faz assim. Tem­se a consciência de huma espécie de
protesto tácito assim contra o bem como contra o mal, c
IÍÒO que hum e outro parece ferido denullidade na sua baze.
O que prende os homens ao bem que fazem he a espe­
rança de que será duradouro. Ora os que fazem o bem por
meio do arbítrio na5 podem conceber esta esperança : por
que o arbítrio de hoje aplaina o caminho para o d'amanha ,
c este pode ser em sentido opposto ao outro , isto he , pode fa­
zer mal em lugar de bem.
O caracter do machavelismo he antepor o arbítrio á tudo.
O arbítrio adjectiva­se melhor corn todos os abuzos do poder do
que alguma outra instituição fixa , por mais defeitoza que
possa ser.
Assim os amigos da liberdade devem preferir as leis de­
■feiiuozas ás leis que se prestso ao arbítrio , por que cora leis
deffeituozas pode­se conservar a liberdade, mas o arbítrio tor­
na toda a liberdade impossível.
Por tanto o arbítrio he o maior inimigo da liberdade , o
vicio corruptor de todas as iustituiçoens, o germen de morte,
que não se pode nem raoflificar nem mitigar , mas que he ne­
cessário destruir, afim de obstal­o á que dê os seus fructos­
Si não se podesse imaginar huma iustituiçaÕ sem arbí­
trio ou depois de havel­a imaginado, se naõ fosse possível Fa­
zel­a marchar sem arbitrio, convinha renunciar a todas as
instituiçoens , repellir todo o pensamento de melhoramento ,
abandonar­se ao acazo , e segundo as suas proprias forças as­
pirar a tyraunia ou rezignar­se com ella,
O que sem o arbitrio, seria hum» simples reforma , por
; elle torna­se huraa revolução violenta , isto he, hum desman­
telamento.
O que sem o arbitrio , fora huma reparação > por elle
torna­se reacçSo , isto h e , vingança e furor.
n,
" " ; i 4° reacções saÕ couza terrível e funesta , evitai o
^ arbi^rja^, pôr que elle traz necessariamente a poz de si as reac­
­
ç%2ns7si o arbitrio he hum flagello destruidor , evitai as reac­
35.
<^>266<^>

eoens, por que elias consolidas o império do arbítrio : emfím si


vos quereis garantir contra as reaçoens e junctamente conüra
o arbítrio, entrincheirai-vos nos princípios, por que s
princípios vos podem resguardar d'aquelles dous males.
Sô o systema dos principios bfferece soccego durável.
So elle apprezenta ás paixoens políticas hum baluarte inexpu-
gnável. Este system^ he a reunião da felicidade publica com
a particular. Elle dá largas ao ingenho , e deffende a proprie-
dade do pobre. Pertence aos séculos , e as convulçoecs tno-
raentaneab não lhe fazem moça. Rezistindo-se-lhe, he sem du-
vida que lhe podem cauzar abalos desastrozos. Mas des que o
espirito humano estreiou a carreira dos melhoramentos e que
a imprensa lhe registra os progressos , nem invazoens de bár-
baros, nem coalizão de oppressores , nem evocação de prejui-
aos, o poderáõ fazer retrogradar. He força que as luzes se
derramem , que a espécie humana se iguale, e se exalte
que cada geração , que a morte traga , deixe á poz de si huir
rastilho brilhante, que assignale a senda da verdade.

FIM.
-#2o; " #

W W Tft> *î> ' ' - • ^ *?*^9i> "^""'^ *£s ' • V ' Ç - ? •

Nota-A.
A dez de Abril de 1828 M. Jomard , membro dolo>-
lilulo , e director, dos estudos dos moços da missão egypcia ,
entregou-me seis aluemos para serem iniciados j segundo a in-
tenção do seu governo no conhecimento das regras da adminis-
tração civil, e da diplomacia.
Estes alumnos eraÕ os Senhores Muhurdar Abdi-Effendc,
a dos chefes da missão , Stephan-Effendi, Artyn-Éffendi,
Chosrew-Effendi, irmão de Artyn , Selini-Effeiidi, e Hosrof-
Mohammed os quaes toei )s posto que rnuvesssm sido educados
no Egypto , to Ia via não tinhaõ nem a mesma origem , e nem
a me^ma educação primaria. Três eraÕ Coiistantinopolitanos,
dous Georgianos, e hum Anatdiano , três erao mahometanos,
dois Christãos Gatholicos, e hum Armeuio. Dous haviaõ
feilo parte do corpo dos mamolucjs ; dous tinhaõ vivido alguns
annos no captiveiro ; differiaÕ todos em idade , a qual varia-
va de vinte até trinta e hum annos. EsUs moços eslavu5 em
França á qucui dous annos , e únluõ-se oecupado, nas diversas
pencoens da Capital no estojo da lingua Franceza , das math; ~
maticas , e do dezenho.
Ao depois , hum novo alumno Emyn-Effendi, irmlo
de Hosrof-Mohammed, como elle Gregoriano , como elle sahHo*
do corpo dos mamelucos , e finalmsnte secretario de hum dos
ministros da guerra deMemehemet-Aly foi admitlido ni seccão
da administração civil.
Eis o plano de estudos que assentei dever formar para Os
meus discípulos. Atarefa era immensa e de'extrema difficul-
dade : e como era possível , em pouco tempo , iniciar nos se-
gredos da civilização Europea , e na ordem das nossas socie-
dades políticas , espíritos taõ novos , e junetamente taõ satura-
Tos de prejuízos ? ! Pensei que era impossível fazer hum bom
35, »
<^268^
administrador, e estadista daqueîle que I e não estuda
o homem em si mesmo , a sua natureza , as suas inclinações,
o* seus deveres para com Deos, para com sigo, e para com os
outros ; pois que he sobre o homem, pelo homem , e para sua
felicidade , que em toda a parte o administrador exerce as suas
iunccõe» D'aqui o estudo necessário da philozofia mo-
ral ,'ou por outra do DIREITO NATURAL.
2 ° D'aquelle que se naõ applica a conhecer as regras na-
turaes que regem as rellacoens das diversas naçoens entre si ;
d'aqui o estudo do DIREITO DAS GENTES.
3 c D'aquelle que se não esforça por saber cotno se cons-
tituem as sociedades civis , e as divercas formas do seu gover-
no ; d'qui o estudo do DIREITO PUBLICO GERAL.
4 ° àD'aqnelle que não procurar cuidadozamente conhecei
a? regras que prezidem a formação , a distribuição , e o consu-
mo das riquezas das nacoens ; d'aqui o estudo da ECONOMIA
POLÍTICA.
5 ° D'aquelle que se não penetrar da necessidade de co-
nhecer com a exactidão possível, os ellementos materiaes e
moraes do poder das nações , e por conseqüência d'aquelle que
não apprender as regras que devem dirigir esta indagação •, d'aqui
o estudo da ESTATÍSTICA GERAL.
6 c Emfim d'aquelle que não conseguir a intelligencia exa-
cta e perfeita das regras que em toda a sociedade civil devem
prezidir as reilações respectivas dos governantes para com os
goverados, e ter por fim satisfazer á estas três necessida-
des g era es : subsistência publica, instrução publica, esegu-
j anca geral, d'aqui o estudo profundo da ADMINISTRAÇÃO
GERAL.
A reunião d'estes seis ramos dos conhecimentos humanos
forma o que eu chamo sciencia social.
Desenvolverei estas idéias n'hum discurso preliminar, es-
pécie de programma em que este vasto plano foi desdobrado.
Comecei o meu ensaio aos io de Abril i828 e terminei em No-
vembro de x83i; por conseguinte a minha tarefa durou 43 Ine-
zes , durante os quaes o trabalho foi repartido por este modo
Direito natural, 3 mezes ;
Direito das gentes, 2 mezes ;
Direito publico , 3£ mezes*j
Economia politica, af mezes ;
<^>269^>
Estatística , a mezes ;
Administração , 21 mezes.
Pot tudo 34 mezes ou perto de trez a ri nos.
As ferias necessárias ao professor para repouzar - , ajun-
c t a r , e coordenar os seus materiaes sobre hum ensaio laó no-
vo pela sua extençaõ , e por algumas das suas partes , o tem-
po indispensável para os preparatórios dos exames , e o curso
administractivo ( sobre o qual mais abaixo se acharáõ alguns
promenores ) absorverão os outros nove mezes , que completai)
o total do espaço que decorreu de abri! de 1828 a novem-
bro de Í 8 3 I »
Permitla-se-me acrescentar algumas particularidades,
que talvez sejão dignas de altençaõ ; por que uaô he inutil
mostrar o como eu pude conseguir ageitar a civilização e-uro-
pea homens, que eraõ taõ estranhos á ella. Não será por. ven-
tura huma espécie de creaeâo moral, cujos prinerpaes desen-
volvimentos quem for curiozo não desgostará de saber ?
Quando tomei conta dos meus seis primeiros discípulos ,
quazi todos elles com quanto rezidissemera França cerca de dous
anuos j todavia ainda estavaõ pouco familiarizados com a nossa
língua. Vi-me obrigado a servir-me para compêndio de Di-
reito natural de hum livro impresso ( Burlamaqui ) e lel-o fraze
por fraze em voz alta , feito o que, tornei a começar , explican-
do o sentido das palavras menos uzuaes j depois diato ainda foi
necessário commentai', desenvolver, rectificar , e justificai
o pensamento do autor.
Foi mister fazer o mmeso trabalho em Felice para o t*iu-
do do Direito das Gentes.
Quando chegamos ao Direito publico , os meus alumnus
felizmente estavaõ tão adiantados na intelligencia da língua
franceza , que ja não precizarão ter hum compêndio â vista.
E demais onde o teria eu encontrado ? Em fraucez
não existe tractado algum d'esta sciencia verdadeiramente ele-
mentar : pelo que era-rae necessário compor hum depropozi-
to para este fim : raetti mãos á o b r a , eorezultado he o que
precede a esta nota ; o modo por que procedi á redacção está
explicado no meu prefacio. (1)
(1) A' 3o de Abril de 1819 os meus discipulos passarão por buro esamfc
publico sobre o direito natural, o direito das gentes , e o direito publico ge-
T^ry^A Gazeta dos trihunaet d'essa época da conta do lefferido exame.
♦270 ♦
Não live o mesmo embaraço quanto & Economia Politico.,
pois são abundantes os tractos d'esta sciencia : não tive traba­
lho sinão de escolher. Ora a sciencia he tão difficil sobre tudo
para os espíritos que eu tinha de formar , que não hezitei hum
•ô momento sobre o partido que devia tornar. Havia pouce
po que tinha sabido á luz hum livro claro, esuccinto,
composto por Mr. Droz : metti­o nas mãos dos meus alumnos ,
e si me não limitei ao que se continha n'elle , ao menos to­
mei­o como texto das minhas licçoens : para expozitores soc­
corri­me ás obras de Smith ,.Sismondi , Ganilh , Destutt de
Tracy, Mallhus , Stoik , Skarbeck , Du noyez , Mill, Rlan­
. e sobre todos do curso completo de Mr. J. B. Say.
Quanto aos princípios geraes da Estatística , a pòzição
de püofessèr ainJa era mais penoza do que para o ensaio do
direito publico. Ha falta absoluta da livros elementares, ou
para melhor dizer de quaes quer obras que tractem d'esta scien­
cia em si mesma. Verdade he que possuímos estatísticas par­
­:.aes, algumas das quaes com razão gaba Ias ; mas carece­
mos de obras que tractem da estatística em geral ; e direi de
passagem, que as bares d'esta sciencia ainda não estão bem
Ias , e os seus elementos ainda são incertos.
Foi por tanto forcez­> aventurar­me a bosquejar
. i nsaio trilhando huma estrada tão nova, e tão cheia de
'idades, Estabelleci algumas regras sobre o objecto d'esta
sciencia , sua utilidade , os factos que se ella propõem a reco­
nhecer , e os melhores meios de conseguil­os. Enfim para of­
ferèòer aos meus discípulos a practica ao lado da theoria , escre­
vi­lhes n'hum tratadinho especial a estatística doF.gyptoeda
França.
Mas a tarefa mais árdua , e em que era necessário fazer
mais aturados esforços estava rezervada para o ensaio d'Jdrni*
nisiração geral; faltava­me também aqui hum guia: verdade
he que eu tinha á mão materiaes preciozissinos , mas era preci­
• •: nàiruir o edifício desde os seus alicerces: n'este trabalho
on sag rei dous annos inteiros , e a minha obra offerece a ma­
a de perto de 5 volumes em 8 ° ! . . . .
Como este era o fim , e objecto principal dos nossos estu­
dos. ­!ei mais dezenvolvimento ao ensino desta sciencia , e mui­
; ­ _>zes tive a doce certeza de que as minhas licções erao ouví­
50'tti attenç.+õ , e retidas com feliz succe^so.
•^271^
Accrésce que eu estava ligado a execução de hum piano
:jue julgava ter acabado sem coadjuvaçaõ de pessoa alguma , o
qu=tl devia deixar profundos vestígios na memória dos meus jo-
vens Africanos, e tinha a immensa vantagem de lhes fazer
ver no mesmo instante a âpplicação das theonas que eu lhes en-
sinava . . . . ViziLunus em Panz ou n'huin recinto de sei>
legoas, quazi todos os estabellecimentos de utilidade publica eu-
tretidos ou protegidos pelo eatado. Eu havia obtido do govei -
no as autorizações necessárias ; e como éramos acolhidos em to-
da a parte com polidez exquizita., e perfeita cordialidade , es-
tes cursos administrativos lhes agradavao extreraozamente. Que
estima pela França lhes-não inspirarão ! Quanto não adrni-
:avào elles a grandeza , e a utilidade das nossas instituições !
Na volta eu travava conversação com elles, afim de obri-
gal-os a recolher as suas lembranças : vi muitas vezes esses es-
píritos , ordinariamente taç tranquillos , encherem-se de enthu-
ziasmo pelo que acabavaõ de ver , e repetidas vezes conven-
ci-me que nenhuma particularidade importante havia escapado
aos olhos observadores da mór parte délies.
Foi pois esta huma das couzas mais úteis , que creio ter
feito aos meus caros alumnos : a qual he hum remate necessá-
rio de toda a educação política e administrativa que tendo sido
amplamente concebida, tenha sido firmemente executada.
Eis agora alguns proraenores sobre o mechanismo do meu
ensino em si mesmo.
Durante os meus Irez annosde professorato dei constante-
mente ti ez liccões por semana : cada liccão durava pelo menos
hora e meia , e algumas vezes duas , e meia.
A primeira parte era consagrada era rezurair succinta-
raente a liccão precedente, a segunda em explicar matérias no-
vas , e a ultima era empregada pelo modo seguinte : leva-
va para a aula todos os dias huma serie de thezes ( de dez a
vinte ) que rezuraião toda a liccão e assignalavaõ os seus pon-
tos capitães : eu as lia, e me dedicava a rezolvel«as com pre«
cizão e clareza : e para certificar-me si a liccão tinha sido bem
comprehendida, interrogava circularmente aos meus discipu-»
los, fazendo-os rezolver alternadamente as thezes assim es-
tabelecidas.
Alem d'isto cada hum d'elles era obrigado a escreve }
a solução que houvesse de dar sobre estas perguntasr
^ 2 7 2 <#
e no intervalo das nossas sessoens he que elles se appucavaô
.i este trabalho, ajudando-se das notas que tomavao durante a
îicào oral. Estas redacçoens me eraõ entregues no principio
dalicção seguinte , e eu Ih'as restituia para logo com as minhas
reccoens , e observaçoens escriptas. Só o curso d'adminis-
-2çào geral não abraçou menos de três mil thezes princi»
pães : portanto fácil he fazer huma idéia da immensidade dos
trabalhos á que nos entregamos.
Isto porem não he tudo : temendo não obter sinão re-
sultados insufficientes por meio das perguntas rezumidas
que se faziaõ no fim de cada sessão , e pelas soluções escriptas
que estes moços me davaõ, querendo que cada licção deixasse
os seus vestígios, não me demorei em consagrar em cada semana
huma sessão inteira ao exame dos meus discípulos sobre todas
as matérias ensinadas nas licçÕes precedentes. Por este modo
deparei com o meio de reprezentar lhes ao espirito cinco vezes
os mesmos objectos dos seus suecessivos estudos : a saber : pela
liecão, pelorezumo, que se lhe seguia, pelas interrogações
finaes, pelas redacçoens escriptas, e pelos exames hebdoma-
.TÍOS.
Estes exercícios he sem duvida que eraõ muito repetidos,
mas como eraõ distinetos na forma, nunca percebi que o espi-
rito dos meus alumnos se houvesse fatigado.
Rogo que me perdoem a minuciozidade , e aridez d'estes
pormenores, pois persuado-me que n'hum ensino tão novo,
ne util expor até o mecanismo por meio do qual pa-
receu-me que eu podia chegar a caplivar a attenção , e entreter
profundamente o espirito dos meus ouvintes.
Praza á Deos que os meus cuidados algum dia produzaÒ
fruetos! OEgypto victoriozo, tendo consolidado a sua inde-
pendência á força d'armas, sentirá sem duvida a necessidade
de dar á sua organização interior algumas das garantias sem as
quaes não ha império seguro , e nem prosperidade durável ?
" Os meus jovens alumnos podem agora offerecer ao seu paiz o
tributo dos seus estudos : elles deixarão a França . no mez de
Janeiro de i83a > tendo assistido em Pariz a grande revolução
de i83o ! , . .
Mr. Boulatignier, meu diacipulo e amigo continuou o
mesmo ensino, e sobre as mesmas bazes, para com alguns dos
moços Egypcios que ficarão em França.

-Sn
INDICE.
Paginas.
Prefacio. . „ . . . , Ill
Nomenclatura dos A u t o r e s . . . . . . . . VII
TITULO i ° . Das Sociedades civis a
CAPITULO 1 ° —Da Origem , fim y e effeitos das so­
ciedades civis , . Id,
SECÇ4Õ I — Da Origem das sociedades civis, . , 5
SECCA.5 II—.Do Fim das sociedades civis. . . . 4
SECCAÕ III — Dos elfeitos das sociedades civis. . . 5
CAPITÜO 2 ° ­— Do estabellecimento das sociedades
civis . . . ; 6
SECCAÕ I — Do Pacto, ou Contractu Social, . . ÏJ.
SECCAÕ I I — Da Constituição política. . . . . 7
SECÇAÕ III — Das Obrigações reciprocas do Princi­
pe , e dos cidadãos. . . . . , , . , Id.
SECÇA.5 IV — Da Constituição fizica da sociedade. 8
SECÇAÕ V — Da Constituição moral das sociedades. 9
CAPITULO 3 O — Dos Poderes Sociaes. . . . . 11
SECÇAÕ I—> Do Poder legislativo i­t
§ I — Definição de Lei , . . . ­ . Id.
§ II — Caracteres da Lei ; . . i3
§ III—­Fim das Leis i*
§ IV. — Efteito das Leis. . . . . : Id.
§ V. — Divizão das Leis. . , , . . . . . i5
§ VI.—■ Promulgação das Leis. . . : , , , 17
SECÇAÕ II — Do Poder executivo , em geral. . . 19
§ I ~ Do Poder executivo propriamente dicto ,
ou do Poder administrativo Id.
§ II —• Do Poder judiciário. : . , , . , , . 20
TITULO 2 ° —­ Da Soberania 2a
CAPITULO 1 ° — Da Fonte iramadiata da Soberania. 23
CAPITULO 2 ° —. Da Inalienabilidade da Soberania. 25
O
CAPITULO 3 — Da Divizibilidade da Sobarania. 26
TITULO 3 ° — Do Governo. . . . . . . . 27
CAPITULO I ° <—« Divizão dos Governos. , . . 20*
- * 36.
Paginas.
SECCAÕ Í — Dos Governos Republicanos. . . . ag
S I —Da Democracia Id.
S II —Da A ristocracia 3o
SECCAÕ II —Dos Governos monarchicos. . . . 3a
§ I—Da Monarchia simples Id.
§ li — D i Monarchia temperada 35
IJ — Do Despotismo 34
§ IV — Da Uzurpação , e da Tyran ia 3y
§ V — Da Monarchia elecliva . . . . . . . 3g
§ VI — Da Monarchia hereditaria 4Ô
§ VJI— Dos Reinos Patrimoniaes. . . . , . 4*
SECCAÕ III — Dos Governos mistos. 42
SECCAÕ IV —Do Governo reprezentalivo. . . . 4^
SECÇAÕ V — Dos Governos Federativos 4j
CAPITULO 2 ° Da Bondade intrínseca dos Governos. 4&
SECÇAÕI — Das Garantias sociaes Id*
§ I — Das Garantias privadas 4g
Numero 1 ° — Da Segurança pessoal. . . . . Id.
Numero 2 ° •— Da Segurança das Propriedades. . 52
Numero 3 o — Da Liberdade de Industria. . . 56
Numero 4 o — Da Liberdade das opinioens. . . 58
Numero 5 o — Da Liberdade de consciência. . ". 67
Rezumo do parágrafo , , 71
§ II — Das garantias publicas: Id.
Numero i ° — Da Conservação da sociedade. . . y2
Artigo i ° — Da Força publiGa Id.
Artigo 2 o — D a Fazenda publica. . . . ; . ?3
Artigo 3 o — Da Policia 77
Numero 2 ° — Do A perfeiçoamento da sociedade. 78
Artigo i c — Da Religião 79
Artigo 2 ° ■— Da Educação publica ­8c
Artigo 3 o — Do Patriotismo» . : 85
SECCAÕ II — Da Distribuição dos Poderes sociaes.­ 86'
§ I — Elementos do Poder legislativo. . . . . 88
Numero 1 ° — Do Povo. . . » Id.
Numero 2 o — Dos Notáveis, ou Nobres. . • . 89
Numero 3 o — Do Monarcha . » 90
§ II —­ Do Poder executivo Id.
Numero i ° — Da A utoridade administractiva. „ 91
Paginas*
Numero 2 o — D a A utoridade judiciaria. . . . 92
SECÇAÕ III—• Dos Obstáculos áinvazão dos respe­
ctivos poderes 93
§ I — Da Organização do Poder legislativo. . . 96
Numero i ° — Da Gamara popular Id.
Artigo i ° — Do Direito Eleitoral .1.1.
Artigo 2 0 — Da Elegibilidade 97
Artigo 3 o — Do Numero dos Re preze ri ta ates. . 99
Numero 2 ° — Da Câmara A ristocrática. . . . 100
Artigo i ° — Da Escolha dos Pares io3
Artigo 2 o — ­ D o Numero dos Pares io5
Numero 3 o —■ Do Principe Id.
Artigo 1 ° — Da Iniciativa. . . , . , . , 106
Artigo a ° — Da Sancçao • . .
Numero 4 o —• D^ Reunião periodica das Ca m .iras. 107
Numero 5 o — Do Voto do imposto. . . . . 10S
Numero 6 o — Da Liberdade das discussoens , e
deliberaçoens das câmaras. . . . . . . \ og
Numero 7 ° — Da Publicidade das discussoens nas
câmaras . no
Numero 8 ° — Das IncompatibiliJades ïî.
Numero 9 ° —■ Das Prerogativas pessôaes dos Mem­
bros do corpo legislativo. . . 4 . . .
Numero 10 — Da Gratuidade das Funcçoens dos
Membros do corpo legislativo n3
Numero i r — D'huma Oppoziçâo systematica. . 114
Rezumo dos Elementos do Poder legislativo. . . ii5
§ —Da Organização do Poder executivo. . . . un
Numero 1 ° — Da Inviolabilidade da Pessoa du
Monarcha , e da responsabilidade dos agen­
tes do Poder executivo
Numero 2 ° ­— Da Convocação , e Prorogação das
Câmaras nacionaes í2r
Numero 3 o — Do Direito de dissolver a Câmara
popular i23
Numero 4 o — Da dispoziçaõ das forças de terra , e
mar. . . * * j25
Numero 5 ° — Da P a z , e da Guerra i3o
Numero 6 o — Dos regulamentos relativos á execu­
36. »
<®>2j6<§>

Paginas.
çao das leis '. . 132
Numero 7 ° — Da Nomeação para todos os empre­
gos tanto civis, como militares iâ6
Numero 8 ° — D a Dolação do Monarcha. . . . 140
§ 111— Da Organização d'autortdade judiciaria. . 142
Numero 1 ° — Dos Elementos d'auloridade judi­
ciaria 143
Numero 2 ° — Do Exercício d'autoridade judi­
diciaria 144
Artigo i ° — Da Independência dos juizes. . . 145
Ai tigo 2 o — Do Recurso contra os erros dos juizes, H9
Artigo 3 o — Da Prevaricação. . . . . . . i5o
Ariigo 4 o — L>a Denegação da justiça. . . . i5l
Artigo 5 o — Da Promotoria Publica i52
krfcigo 6 o — Da certeza que todo o cidadão deve
ter de ser julgado por seus juizes naturaes. i55
Ai ligo 7 0 — D o Jury em materia criminal. . . 159
Artigo 8 o — D a Publicidade dos debates judiciários. 169
Artigo 9 o — Da obrigação de fundamentar os jul­
gamentos . . . . 1^2
At tigo ÏO — Da Liberdade da Defeza. . ; . . 174
Ai tigo \ 1— Da Simplicidade das formulas judiciaes. 176
Artigo 1 2 — Da Uniformidade da jurisprudência. 178
\ u : g o i 3 — Do Numero dos Juizes. . . . . 182
Hezurao dos Elementos d'A utoridade judiciaria. . i85
§ IV—Da Organização d'Autoridade administrativa. 186
Numero 1 ° —­Da Divizâo do território. . . . Id.
Numero 2 o — D o s A gentes da execução. . . . 189
At tigo i ° —■ Da Divizão dos A gentes Id.
I — Dos A gentes supiemos , ou ministros. . . 1J.
II — Dos A gentes superiores 195
111—Dos A gentes intermediários, . ­ . t . 194
IV — Dos A gentes inferiores» . . . . . . . IÍ)5
1 3 Do Poder municipal e da sua origem. . . ; fd.
— Da natureza do Poder municipal. . . . . 298
— Do Numero dos officiaes municipaes. . . . 200
— Da Escolha dos officiaes municipaes. . * . . Id.
— Da Escolha dos M­ires, ou dos chefes das mu­
nicipalidades . . ­ . , , . . . . ; 202
Paginas
i z — Dos Conselhos Provinciaes. . : . . ; 204
Artigo 2 e — Dos Agentes auxiliares. . . ; . »06
I — Dos chefes de serviço. , 207
II — Dos Agentes interiores . 2o8
I I I — Dos Agentes exteriores . a 10
Numero 3 e — Caracteres essenciaes das funeçoens
administraclivas 2i2
N u m e r o 4 ° — Das Obrigaçocns do Estado para
com os administradores. . 2t3
N u m e r o 5 e — Dos Conselhos a d m i n i s t r a t i v o s e m
geral. . . ; . alp
De hum Conselho d'Estado em particular. . . . 2ao
Numero 6 o — D'huma JurisdiccSo adminisUactiva. 225
D'hum Tribunal de contas. ; . . 23o
Numero 7 ° — ' D a Manutenção das attribuiçoens
t-ntre as autoridades adrainistractiva , e j u -
diciaria a32
Rezumo da Organização d'autoridade administrativa. 234
CAPITCLO 3 ° Da Corrupção do Principio dos G o -
vernos , e da sua dissolução, . . . . . . 236
SECCAÕ 1 — Da Desobediência ás Leis. • . . . 236
SECÇAÕ H — Dos Partidos , e Facções 242
SECÇAÕ III — Das Sediçoens 244
SECÇAÕ IV — Da Guerra civil » .: a45
SBCCAÕ V — Da Anarchia. . . • . . . . < 248
SECÇAÕ VI — D a Dictadura. . . ; . . . . 249
o
CAPITULO 4 — Das Revoluçoens 251
CAPITULO 5 c e ultimo — Das Reacçoeus. . . . 25?
Appendice 267
Errata ; . 278
Faginas, Linhas , Em lugar de , Leia-se
IV 16 exforcei-me esforcei-me
a 7 simpleces simplices
I trexto texto
» 37
3 I ommittidas, sof- ommiítidasj ou sof-
fridas fridas.
5 29 soc so
S 29 attento attentes
> 37 as os
3> 21 verdadoira verdadeira
9 24 se S3
cercar cercear
H 10
que incline
ID 6 que não incline
21 2 ss se
35 22 dedicada dedicado
38 3i dereito direito
43 i5 desconhecer pois desconhecer ; pois
5i 39 tornem torne
53 10 Por trocas Por troca
74 37 povo esse povo , esse
io4 21 da de
3l5 17
p
lap 28 esta está
(36 36 adhezão aos á adhezão dos
-146 i5 de hum de outro
i55 2 subtrahir-se, á isso subtrair-se á isso ,
361 7 quen contivessem que contivessem
j 63 11 si elles si
164 39 cidadãs cidadaons
i65 l rae em
i38 36 por pro
240 39 o os
» » lhe lhes
^ 2 7 9 ^
Piquas , Linhas , Em lugar de , Leia-se

sap 22 affligir a Soffi er


168 3a Desenvolverei Desenvolvi
26g 37 rameso mesmo
270 2 tractos tractados
271 39 escreve escreve."
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