fraqueza, devo o não me ter exposto a tal perigo, pois
com certeza me teria completamente abrasado à luz enganadora das criaturas… Não tive pois nenhum merecimento em me não ter prendido com estes frágeis laços, dos quais me preservou unicamente a infinita bondade e misericórdia de Deus, sem cujo auxílio, confesso, poderia ter caído nos mesmos abismos que Santa Maria Madalena. Sinto por isso na alma os ecos maviosos da profunda sentença com que o Divino Mestre tapou a boca a Simão o fariseu. Sim, bem o sei, aquele a quem menos se perdoa, menos ama; sei, porém, também que Jesus me perdoou mais a mim do que a Santa Maria Madalena. Para explicar o meu pensamento ocorre-me o seguinte exemplo: suponhamos que um filho de um médico experimentado, ao ir seu caminho, topa numa pedra que o faz cair e fraturar um braço. O pai acode prontamente, levanta-o com carinho e pensa-lhe as feridas, empregando nisso todos os recursos da arte. O filho, vendo-se curado, todo se desfaz em provas de gratidão, e não há dúvidas que sobram motivos de amar um pai tão desvelado. Mas mudemos o caso, e suponhamos que o pai, sabendo que na estrada que o filho há-de trilhar há uma pedra perigosa, tomando- lhe a dianteira remove o tropeço sem que ninguém o veja. Com certeza o filho, objeto de tão cautelosa e terna prevenção, se ignorar o desastre de que a mão paterna o preservou, não lhe testemunhará sinal nenhum de reconhecimento, nem lhe terá tanto amor como se o tivesse curado de alguma ferida mortal. Mas, se chegar a inteirar-se de tudo, não subirá de ponto o seu amor filial? Pois eu sou esse filho, objeto do amor previdente de um pai, que mandou o seu verbo à terra, não para salvar os justos mas os pecadores, e quer que o ame porque me perdoou não muito, mas tudo. Sem esperar de mim que o amasse muito, como Santa Maria Madalena, fez-me saber que me prevenira com um amor inefável, para que eu agora o ame até à loucura! Muitas vezes em retiros e fora deles ouvi dizer que nunca se viu uma alma pura que amasse mais a Deus do que uma alma arrependida. Quem me dera poder desmentir esta asserção! 1»”
1 Santa Teresa do Menino Jesus. História de uma Alma. Livraria Apostolado da Imprensa, 1979, Porto.