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PAULO FREIRE E O TEMA “ESCOLA, FAMÍLIA E COMUNIDADE” NAS

PESQUISAS EM EDUCAÇÃO: LEVANTAMENTO DE DISSERTAÇÕES E


TESES DO PERÍODO DE 2000 – 2010

DE FEO, Graziela Lionetti; Graduanda em Pedagogia; UNINOVE – SP; e-mail:


grazilionetti@hotmail.com

STANGHERLIM, Roberta; Doutora em Educação; UNINOVE – SP; e-mail:


roberta.stan@hotmail.com

Financiamento/bolsa: CNPq / PIBIC

Resumo

Mapear as pesquisas em educação (teses e dissertações), concluídas entre os anos de


2000 e 2010, que tratam da temática “escola, família e comunidade”, e identificar se
Paulo Freire e/ou sua teoria são indicados como referencial teórico-metodológico foram
os objetivos deste trabalho. Para tanto, levantaram-se os resumos disponíveis no Banco
de Teses da CAPES. O critério inicial de seleção foi o uso de três palavras-chave:
“gestão democrática e escola”; “escola e família”; “escola e comunidade”. Foram
obtidos 849 trabalhos que não se mantiveram como amostra final da pesquisa, já que
alguns estudos se repetiam. Chegou-se ao número de 827 resumos e ainda assim
verificou-se que 672 deles correspondiam a estudos que não se relacionavam com a
temática investigada. Destes, buscou-se identificar os que enfocavam as seguintes
temáticas de investigação: a) participação da família e da comunidade escolar na escola;
b) concepções dos diferentes integrantes da comunidade escolar sobre questões
relacionadas ao tema “escola, família e comunidade”; c) análise sobre a gestão
participativa de familiares e da comunidade na escola. Assim, ao final, 155 resumos
foram analisados, sendo que 98 sequer citam qualquer referencial teórico e 57 o
indicam. Destes 57 estudos, 9 deles citam Paulo Freire e/ou sua teoria, sendo 5
pertencentes ao grupo de resumos da palavra-chave “escola e comunidade”, 2 de
“escola e família” e os outros 2 de “gestão democrática e escola”.

Palavras-chave: Banco de Teses da Capes. Escola, Família e Comunidade. Gestão


Democrática. Paulo Freire.
Introdução

Este trabalho buscou identificar se Paulo Freire e/ou sua teoria de educação libertadora
estão indicados nos resumos das dissertações e teses que tratam do tema Escola, Família
e Comunidade. Trata-se de uma pesquisa de iniciação científica, em fase de conclusão,
vinculada aos estudos: a) do Grupo de Pesquisa “Práticas Político-Sociais”
(GRUPESC), da Linha de “Pesquisa Práticas Político-Sociais” (LIPIPS), do Programa
de Mestrado em Gestão e Práticas Educacionais da Universidade Nove de Julho
(PROGEPE/UNINOVE); b) da equipe de iniciação científica - vinculada à mesma
Linha e Grupo do PROGEPE - que iniciou o levantamento de dados para a organização
de um banco de dados sobre políticas em educação (PET-Banco de Dados).

Um dos pressupostos da concepção de Escola Cidadã e Popular, defendida por Paulo


Freire, corresponde ao ideal de que todos aqueles e aquelas que compõem a comunidade
escolar – gestores, professores, funcionários de apoio, estudantes, familiares e
comunidade do entorno – participem de forma democrática dos processos de elaboração
e de tomada de decisão em relação aos rumos da gestão administrativa e pedagógica da
escola. Tal pressuposto é coerente com outra ideia defendida pelo educador, qual seja: a
educação, embora não seja a única responsável, é fundamental na criação de condições
para que as pessoas se tornem sujeitos de sua própria história.

Paulo Freire, desde o início de seu trabalho em Recife, entre os anos de 1950 e 1960,
inquietava-se com a participação da família na e com a escola. Gadotti et al (1996, p.96)
destacam escritos do ano de 1957 em que Freire defende a constituição de Círculos de
Pais e Professores como uma forma de fortalecer a participação da família e da
comunidade no espaço escolar. Escreve o patrono da educação:

Nos círculos, à medida que os pais se vão inteirando dos problemas da


escola, das suas dificuldades – o comportamento é imprescindível a
um trabalho com -, deve a escola a começar a convidá-los a fazer
visitas as suas dependências em períodos de atividades. Mostrando a
eles como é “na vida” diária, tendo sempre em vista a identificação do
pai com os problemas e dificuldades da escola. Neste sentido é que os
Círculos de Pais e Professores não podem quedar-se teóricos e
acadêmicos. Por isso é que eles têm de, pelo debate, levar o grupo dos
pais à crítica e análise dos problemas escolares, dando-lhes condições
de mudança de antigos hábitos em hábitos novos. Hábitos antigos de
passividade em hábitos novos de participação. (...) Participando,
intervindo, colaborando o homem constrói novas atitudes, muda
outras, elabora e reelabora experiências, educa-se. (FREIRE, 1957
apud GADOTTI et al, 1996, p.96)

A proposta de uma educação cidadã e popular comprometida ética e politicamente com


as crianças, adolescentes, jovens e adultos oprimidos por uma lógica social e
economicamente excludente marcou a obra de Paulo Freire. Ele construiu sua pedagogia
do oprimido denunciando os processos de opressão e desumanização existentes na
sociedade, mas também anunciando que crianças, adolescentes, jovens, homens e
mulheres são sujeitos de sua própria história e, assim, capazes de transformá-la na
mesma medida em que também são por ela transformados. A historicidade da condição
humana é sintetizada por Freire (1996) ao afirmar que somos incompletos, inacabados e
inconclusos; portanto, capazes de aprender uns com os outros, de construir
conhecimento coletivamente, de tomar consciência, de mudar, de transformar.

Na educação libertadora, a práxis implica indissociabilidade entre ação - reflexão /


reflexão - ação, prática - teoria / teoria - prática. É o que fundamenta a compreensão que

se tem de processo de construção de conhecimento, na perspectiva da comunicação, e


não da extensão (FREIRE, 1977). O conhecimento não pode ser estendido de um
alguém para outro alguém; ao contrário, é problematizado, refletido, analisado e
sistematizado em diálogo, num processo coletivo de idas e vindas, que reconhece o
saber da experiência feito em relação com os saberes histórica e cientificamente
acumulados pela humanidade, vislumbrando o conhecimento reinventado, recriado,
enfim, transformado em algo novo. Valoriza-se, assim, a curiosidade e a descoberta de
soluções sociais e humanas com o outro e não pelo e para o outro.

Esse pensamento está presente tanto em sua obra quanto em sua atuação como educador
e gestor público (gestão Luiza Erundina, 1989-1992). Como enfatizam Gadotti et al
(1996, p. 96), o próprio Paulo Freire destacou, na obra Educação na Cidade, que as
mudanças estruturais de sua gestão ocorreram em relação aos processos que envolviam
a autonomia da escola como a elaboração, pelas próprias escolas, de seus próprios
projetos pedagógicos e a retomada dos Conselhos de Escola e dos Grêmios Estudantis.
Aliás, “o primeiro ato de Paulo Freire na secretaria foi restaurar o Regimento Comum
das Escolas Municipais, abolido pelo prefeito anterior porque o julgava excessivamente
democrático, prevendo Conselhos de Escola com caráter deliberativo [...].”

Tendo, portanto, os pressupostos freirianos de educação como um dos principais eixos


teórico-metodológicos orientadores das reflexões e análises que se tem feito nos
trabalhos do GRUPESC, entende-se que este trabalho contribui para avaliar como a
temática ‘Escola, Família e Comunidade’, tão cara à Freire pela luta e defesa em favor
de uma educação cidadã e popular, tem sido abordada nas pesquisas em educação e se
Paulo Freire e/ou sua teoria são tomados como referencial nestes estudos, fixando o
período de 2000 a 2010.

O processo da pesquisa: levantamento dos resumos do Banco de Teses da Capes

Para realizar o levantamento das dissertações e teses foram necessários os seguintes


procedimentos:
1º) seleção dos resumos do Banco de dissertações e teses da Capes
(http://www.capes.gov.br/servicos/banco-de-teses), tendo em vista os critérios: ano
(2000 a 2010); modalidade (mestrado acadêmico, mestrado profissional, doutorado);
palavra-chave na expressão exata: gestão democrática e escola, escola e família, escola
e comunidade.
2º) organização de quadro com informações dos resumos levantados, de acordo com os
seguintes critérios: referencial teórico; objetivos; metodologia; procedimentos de
pesquisa; resultados.
3º) leitura das informações contidas no quadro de resumos para seleção das pesquisas
que seriam objeto de análise, tomando como critérios:
a) trabalhos não selecionados: aqueles que não se relacionavam com o tema,
sendo da própria área da educação e de outras áreas do conhecimento; aqueles
em que o conteúdo do resumo não permitia identificar o que o estudo pretendeu
pesquisar.
Cabe, aqui, observar que, mesmo tendo sido feita a opção pela expressão exata no uso
da palavra-chave para seleção dos resumos, o sistema online da Capes disponibilizou
trabalhos que não correspondiam ao levantamento pretendido. Tal situação exigiu
definir critérios para selecionar os resumos que não seriam selecionados para o estudo.
b) trabalhos selecionados: aqueles voltados para a investigação sobre: i)
participação da família e da comunidade escolar na escola; ii) concepções dos
diferentes integrantes da comunidade escolar sobre questões relacionadas ao
tema “escola, família e comunidade”; ii) gestão participativa de familiares e da
comunidade na escola. Exemplos de enfoques de investigação: Projeto Político-
Pedagógico (PPP), projetos de intervenção da própria escola, projetos propostos
pelos sistemas educacionais (federal, estadual e municipal), projetos de
instituições externas à estrutura e organização das escolas.

Como resultados foram obtidos 849 trabalhos, que não se mantiveram como amostra
final da pesquisa porque alguns se repetiam, chegando-se a 827 resumos; verificou-se,
então, que 672 deles correspondiam a estudos que não se relacionavam com a temática
investigada. Ao final, 155 resumos foram analisados.

O tema “Escola, Família e Comunidade” no Banco de Dissertações e Teses da


Capes

Os quadros a seguir sintetizam a totalidade de trabalhos levantados conforme descrição


dos critérios mencionados no subtítulo anterior, permitindo verificar a distribuição
quantitativa dos resumos de acordo com a palavra-chave, modalidade e ano.

Ao levantar os resumos pelo sistema online da Capes, constatou-se que alguns trabalhos
se repetiam entre as palavras-chave indicadas. Foi preciso realizar a leitura e optar em
qual das palavras-chave o resumo permaneceria para que pudesse ser contabilizado e
analisado. Ao observar as duas primeiras colunas do quadro abaixo é possível
identificar a diferença de 22 resumos em relação ao total obtido após o descarte das
repetições.
Quantidade de Resumos levantados, conforme critérios de seleção, palavra-chave e modalidade

Resumos
Resumos
(descartadas
levantados as repetições
nas palavras- Resumos não Resumos
Palavra-
Modalidade pelo sistema
Chave chave)
Selecionados selecionados
online da
CAPES

52
DOUTORADO 52 41 11

Escola e MESTRADO 287


277 243 44
Comunidade ACADÊMICO

MESTRADO 17
18 13 4
PROFISSIONAL

61
DOUTORADO 64 50 11

Escola e MESTRADO 301


315 257 44
Família ACADÊMICO

MESTRADO 5
5 4 1
PROFISSIONAL

6
DOUTORADO 7 5 1

Gestão
MESTRADO 94
Democrática 103 59 35
ACADÊMICO
e Escola
MESTRADO 4
8 0 4
PROFISSIONAL

TOTAL 849 827 672 155

Em todas as colunas se reproduz o resultado de uma maior concentração de pesquisas


no mestrado acadêmico, seguidos do doutorado, em menor número, e do mestrado
profissionalizante, com números que não ultrapassam a casa da dezena. Em relação ao
mestrado acadêmico e ao doutorado, este fato pode estar associado ao tempo de
conclusão de curso, uma vez que do primeiro é de dois anos e o segundo, de três.
Quanto ao mestrado profissional, e embora o tempo de conclusão de curso seja o
mesmo que o do mestrado acadêmico, a menor quantidade de resumos se deve ao fato
de que aquela modalidade data de 2011, quando se contava com apenas nove cursos, na
área da educação, aprovados pela Capes; além disso, ao distribuir os resumos de acordo
com o ano, foram identificadas pesquisas defendidas somente a partir de 2003.

Quando se observa o total dos 155 resumos selecionados para análise tem-se, conforme
as palavras-chave estabelecidas, um número menor de trabalhos em “Gestão
Democrática e Escola” (40) aos que tematizam “Escola e Comunidade” (59) e “Escola e
Família” (56). Essa situação se mantém quando se compara, em termos proporcionais,
os números obtidos nas palavras-chave das colunas “resumos - descartadas as repetições
nas palavras-chave” e “resumos não selecionados” (com total geral de 827 e 672,
respectivamente). Nestas colunas, o número de trabalhos identificados na palavra-chave
“Escola e Família” (367 e 311, respectivamente) é maior do que o da palavra-chave
“Escola e Comunidade” ( 356 e 297, respectivamente).
“Gestão Democrática e Escola” permanece com menor quantidade de trabalhos (104 e
64, respectivamente).

O quadro a seguir traz informações mais específicas que abrangem os outros


critérios de análise desta pesquisa. Uma das constatações é que dos 155 resumos
analisados, 98 não citam sequer o referencial teórico e 57 o indicam.

Observa-se que o não registro do referencial teórico, representado praticamente


pela terça parte (57) do total de 155 trabalhos, corresponde ao número mais
elevado em comparação com os outros itens analisados. Vê-se que a frequência
(consta e não consta) em relação ao tipo de metodologia adotada no estudo
apresenta certo equilíbrio em termos quantitativos (73 e 82, respectivamente)
quando comparado aos demais critérios. Por outro lado, o registro de
procedimentos utilizados – entrevista, questionário, observação, análise
documental, dentre outros – aparece com uma frequência muito maior (112) na
comparação com o seu não registro (43). Na maioria dos resumos são indicados
os objetivos (154) e resultados da pesquisa (140).
Registro de referencial teórico-metodológico, objetivos, metodologia, procedimentos e
resultados, conforme palavra-chave e modalidade

Referencial Tipo de
Modali Objetivos Procedimentos Resultados
Palavra- Teórico Metodologia
chave dade
C N/C C N/C C N/C C N/C C N/C

D. 5 6 11 0 4 7 6 5 11 0
Escola e
Comunida M.A. 17 27 43 1 23 21 33 11 38 6
de
M.P. 1 3 4 0 3 1 2 2 4 0

D. 4 7 11 0 4 7 8 3 11 0
Escola e
M.A. 21 23 44 0 18 26 36 8 39 5
Família
M.P. 1 0 1 0 0 1 0 1 1 0

Gestão
D. 0 1 1 0 0 1 1 0 1 0
Democráti
M.A. 7 28 35 0 17 18 23 12 33 2
ca e
Escola
M.P. 1 3 4 0 4 0 3 1 2 2

TOTAL 57 98 154 1 73 82 112 43 140 15

Legenda: "D" - Doutorado; "M.A." - Mestrado Acadêmico; "M.P." - Mestrado


Profissionalizante; "C" - Consta; "N/C" - Não Consta

Desde logo, faça-se a ressalva de que ainda é preciso mais atenção quanto à elaboração
de resumos de natureza científico-acadêmica, tendo em vista a importância que esse tipo
de texto tem na e para a comunicação da pesquisa desenvolvida e também por ser uma
importante fonte de consulta e análise de outros estudos.

Como escreve Severino (2007, p.209) o resumo técnico de trabalho científico responde
às seguintes questões:
De que natureza é o trabalho analisado (pesquisa empírica, pesquisa
teórica, levantamento documental, pesquisa histórica etc.)? Qual o
objeto pesquisado/estudado? O que se pretendeu demonstrar ou
constatar?Em que referências teóricas se apoiou o desenvolvimento do
raciocínio? Mediante quais procedimentos metodológicos e técnico-
operacionais se procedeu? Quais resultados conseguidos em termos de
atingimento dos objetivos propostos?

A experiência com a leitura dos resumos levantados para a realização desta pesquisa
mostrou que as questões indicadas pelo professor Severino como orientadoras na
elaboração do resumo científico-acadêmico não têm sido contempladas com o devido
rigor. Autores como André (1999), em estudos do “estado da arte” ou “estado do
conhecimento”, têm indicado a fragilidade do conteúdo dos resumos que neste tipo de
trabalho servem como fonte de pesquisa.

Paulo Freire e a teoria freiriana nas pesquisas sobre “Escola, Família e


Comunidade”

No quadro seguinte é possível verificar que dos 57 resumos com registro do referencial
teórico, 9 deles citam Paulo Freire e/ou sua teoria, sendo 5 pertencentes ao grupo de
resumos da palavra-chave “escola e comunidade”, 2 de “escola e família” e os outros 2
de “gestão democrática e escola”.

Surpreendeu os pesquisadores ter ter encontrado apenas 9 trabalhos com o registro de


referências à obra freiriana, uma vez que estudo publicado por Oliveira et al (2011)
mostra que Paulo Freire está presente em 28 Grupos de Pesquisa do CNPq, sendo 26
deles na área de Ciências Humanas e Educação. Levanta-se a hipótese de que a não
presença do autor e de sua teoria possa estar associada à falta de registro do referencial
teórico no resumo das dissertações e teses levantadas. Mais uma vez, reitera-se a
importância de um cuidado rigoroso com o conteúdo do resumo.
Presença de Paulo Freire nos Resumos.

(Citado como referencial teórico-metodológico, abordagem teórica e/ou nome do autor)

Resumos
Gestão Democrática e
Escola e Comunidade Escola e Família
Escola
selecionados TOTAL

ANO D M.A. M.P. D M.A. M.P. D M.A. M.P.

2000 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

2001 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

2002 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1

2003 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1

2004 0 1 0 0 1 0 0 0 0 2

2005 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1

2006 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

2007 1 1 0 0 0 0 0 1 0 3

2008 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

2009 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1

2010 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

TOTAL 1 4 0 0 2 0 0 1 1 9

Legenda: "D" - Doutorado; "M.A." - Mestrado Acadêmico; "M.P." - Mestrado Profissionalizante.

Ao analisar o quadro acima, verifica-se que as pesquisas que citam Paulo Freire e/ou
sua obra como referencial teórico estão distribuídas, tendo em vista o período de 2000 a
2010, entre os anos de 2002, 2003, 2004, 2005, 2007 e 2009. Outro aspecto a ser
destacado é que o maior número de trabalhos (4) concentra-se na palavra-chave “Escola
e Comunidade” e na modalidade “Mestrado Acadêmico”. Aliás, nessa mesma
modalidade podem ser somados os resumos encontrados nas palavras-chave “Escola e
Família” (2) e “Gestão Democrática e Escola” (1), totalizando sete. É também da
palavra-chave “Escola e Comunidade” que se encontra o único trabalho de doutorado.
Para “Gestão Democrática e Escola” foi identificada uma pesquisa defendida no
“Mestrado Profissional”.

A leitura do conteúdo dos nove resumos, segundo os mesmos critérios, permitiu extrair
informações que pudessem indicar os enfoques de investigação. A seguir, serão
apresentados, para cada critério – objetivos, tipo de metodologia, procedimentos e
resultados –, a categoria de análise definida como representativa e respectiva frequência
com que pôde ser identificada de acordo com as leituras e interpretações feitas.

À título de exposição, os critérios serão apresentados paralelamente de forma que a


discussão dos resultados possa ser feita em bloco. Assim, os critérios “objetivos” e
“resultados” compõem o primeiro bloco; “tipo de metodologia” e “ procedimentos”, o
segundo.

Critério: Objetivos Critério: Resultados


Categoria: Participação (9) Categoria: Participação ( 6)
Categoria: Categoria: Não estão claros (3)

Categoria: Participação (9) Categoria: Participação (6)


- comunicação/diálogo da - Comunicação e diálogo são elementos
comunidade escolar na escola que permitem identificar mudanças na
(3)
aprendizagem e na participação da
- atuação do Conselho de
comunidade escolar (2)
Escola (1)
- Comunidade escolar desconhece o
- concepção da direção, dos
funcionamento do Conselho Escolar (1)
docentes e da família (1)
- a comunidade escolar, a
- Família não é envolvida e não se

comunidade local, a assistência envolve na gestão da escola (1)


social e a saúde como - A relação escola-comunidade é objeto
integrantes da rede de proteção de preocupação para a
social (1) Elaboração/construção do PPP (1)
- elaboração/construção do - A consecução da elaboração
Projeto Político-Pedagógico (2) /construção do PP P na perspectiva da
- relação entre escola, familiares
gestão democrática é desafiadora para
e comunidade do entorno (1)
a comunidade escolar (1)
Como afirma Ghanem (2004) a participação tem sido tema de interesse dos
pesquisadores brasileiros desde os anos de 1980. Em seu estudo, o autor examinou
sessenta trabalhos referentes ao tema “Educação e Participação no Brasil” (disponíveis
no Sistema integrado de Bibliotecas da USP - SIBI), produzidos no período entre os
anos de 1995 e 2003. Foram analisadas 5 dimensões: 1. Participação de docentes; 2.
Participação da comunidade; 3. Mecanismos formais de participação (Conselho de
Classe, Comissão de Classe, Associação de Pais e Mestres); 4. Participação de pais de
alunos; 5. Participação de alunos.

Embora a leitura dos resumos limite as possibilidades de interpretação pela exigência da


síntese na redação desse tipo de texto e pelo fato de, às vezes, seu conteúdo não permitir
uma comunicação clara e objetiva, algumas pistas são dadas com a relação à ênfase
investigativa das pesquisas que tomam Paulo Freire e sua teoria como referência.
Qualitativamente, as temáticas encontradas na categoria denominada “participação”,
quando comparada com as dimensões levantadas no estudo citado, verifica-se que a
participação da comunidade na escola, mais especificamente dos familiares, tem sido
objeto de análise no que se refere aos processos de comunicação/interação/relação
estabelecidos entre escola e familiares/comunidade. Pelos resultados, discute-se em que
medida essa participação é tutelada pelos profissionais da escola, ou se ela é construída
por meio de mecanismos de diálogo, na concepção freiriana, que possam contribuir com
os processos de construção de participação na perspectiva da gestão democrática e da
autonomia da escola. Observa-se a ênfase na análise de processos que evidenciam como
a escola tem promovido a gestão democrática, seja por meio da inserção dos familiares
nos espaços de discussão e debate sobre o Projeto Político-Pedagógico e/ou outros
projetos de intervenção no currículo, seja com base em mecanismos institucionalizados
como o Conselho de Escola e a Associação de Pais e Mestres. Por exemplo, em dois dos
resultados analisados, os pesquisadores escrevem nos resumos de seus trabalhos:

Constata-se que embora a comunidade escolar deseje viabilizar um


PPP na perspectiva dos princípios freirianos de gestão democrática, a
escola ainda necessita desenvolver um trabalho mais intensivo nesta
direção.
Constata-se que a comunidade escolar desconhece o funcionamento
do Conselho Escolar. Há necessidade de reestruturação do modelo de
gestão democrática da escola, visando a participação dos segmentos
que compõem a comunidade escolar.
A Constituição Federal de 1988, em seu inciso VI, artigo 206, prevê a gestão
democrática do ensino público e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBEN, nº
9394/96), em seus artigos 3º, 12º e 13º, destaca a participação da comunidade na escola
e na gestão democrática. Passados vinte e cinco anos da promulgação da Carta Magna
de 1988, o país e o povo brasileiro ainda se mostram aprendizes de uma experiência
democrática em processo de construção, e isso tem sido revelado nas pesquisas em
educação.

Garcia, em trabalho produzido no ano 1999, analisado e comentado por Ghanem (2004,
p. 167), indicava pelo menos duas decorrências necessárias à construção de uma escola
com potencial emancipatório:

[...] decorreria da reorientação das relações desenvolvidas no


intercâmbio escola-sistema, a partir do reconhecimento da efetiva
autonomia da escola, como lugar da definição de políticas para a
educação. Decorreria também da reorientação das relações
interpessoais no interior da escola, as quais deveriam ser calcadas nas
atitudes de solidariedade, de reciprocidade e de participação.

O que parece ser uma reflexão importante a ser feita, não somente por aqueles que estão
na universidade e nos institutos de pesquisa, mas também e fundamentalmente pelos
que estão na escola, pode ser assim postulada: o que seria, na prática, a escola como
lugar de definição de políticas para a educação? Tal pergunta remete às ideias de Freire
(1991, p. 16) sobre a compreensão que tem da escola como um “modo de ser”:

Não devemos chamar o povo à escola para receber instruções,


postulados receitas, ameaças, repreensões e punições, mas para
participar coletivamente da construção de um saber que vai além do
saber de pura experiência feito, que leve em conta as suas
necessidades e o torne instrumento de luta, possibilitando-lhe
transformar-se em sujeito de sua própria história [...]. A escola deve
ser também um centro irradiador da cultura popular, à disposição da
comunidade [...] um centro de debate de ideias, soluções, reflexões,
onde a organização popular vai sistematizando sua própria
experiência. A escola não é só um espaço físico. É um clima de
trabalho, uma postura, um modo de ser.

Não basta que gestores e de técnicos que estão nos gabinetes da gestão pública em
educação – nas esferas federal, estadual e municipal – pautem as políticas para a escola
se esta não for capaz de se organizar internamente para exercer sua política de gestão
(administrativa e pedagógica) para e com todos aqueles que pertencem à comunidade
escolar que a integra.

Embora o conteúdo dos resumos não seja suficiente para uma análise dos rumos das
pesquisas sobre o tema “Escola, Família e Comunidade” e ainda menos quanto a sua
adequação ao referencial freiriano, o que se identifica é que não há muita novidade em
termos de produção de novos conhecimentos, uma vez que os resultados obtidos nesta
última década não estão tão distantes dos encontrados em década anterior. As
dificuldades denunciadas e os desafios anunciados permanecem atuais. Há muito que
pensar e fazer quando o assunto é escola-família-comunidade.

O quadro a seguir mostra as categorias e respectivas frequências no que se refere aos


critérios “Tipo de Metodologia” e “Procedimentos”, conforme sistematizadas com base
na leitura dos resumos.
Critério: Tipo de Metodologia Critério: Procedimentos
Categoria Categoria Categoria Categoria Categoria Categoria Categoria
Natureza Fundamentos Metodologias Não Uso de um Uso de mais Não
(1) (2) (4) consta procedimento de um consta
(2) único (2) procedimento (3)
(4)

Qualitativa Perspectiva Estudo de Entrevista (1) Questionário


(1) Dialética (1) Caso Grupo Focal e Entrevista
Comunicativa exploratório (1) (1)
Crítica descritivo- Questionário,
(Freire e analítico (1) Entrevista e
Habermas) – Participante e Observação
(1) etnográfica (1)
(1) Entrevista e
Pesquisa Grupos de
exploratória Discussão (1)
(1) Conversas e
Investigação- Observações
ação (1) (1)
O que se observa é que não há rigor na apresentação da metodologia e dos procedimentos
utilizados. Em geral, nos resumos, não são indicados o método que fundamenta a pesquisa, a (s)
metodologia (s) e o (s) procedimento (s) adotados que corresponderiam à perspectiva teórico-
metodológica do estudo. Ora os resumos indicam o fundamento, ora a metodologia usada, e há
casos em que estes sequer são mencionados; alguns deles apresentam somente os procedimentos
utilizados e há outros ainda que não fazem menção a nenhuma das categorias citadas.

Nos nove resumos analisados predominou a indicação das “Metodologias” utilizadas; na mesma
proporção é mencionado nos “Procedimentos” o uso na pesquisa de mais de um tipo. Em quatro
deles verificou-se que a “metodologia” ou o “procedimento” não foram citados.

Mais uma vez reitera-se a importância do rigor metodológico na elaboração de resumos


acadêmico-científicos.

Algumas considerações

Como toda experiência de estudo e pesquisa, este trabalho proporcionou aprendizados


durante o processo e ao término de sua realização. A leitura dos resumos instigou as
pesquisadoras a conhecerem mais a obra de Freire e de outros autores que tratassem do
tema em estudo. A participação e a gestão democrática na escola foi tema de leitura e
estudo. Assim, com Freire (1996, p.88) pôde-se refletir que

Ninguém vive plenamente a democracia nem tampouco a ajuda a


crescer, primeiro se é interditado o seu direito de falar, de ter voz, de
fazer o seu discurso crítico; segundo se não se engaja, de uma e outra
forma, na briga em defesa deste direito, que no fundo é direito
também a atuar.

Nesse sentido, a “corporeificação da palavra pelo exemplo” (FREIRE, 1996), que


segundo o autor é um dos saberes necessários à prática educativa, foi posta em prática
pelo educador pernambucano quando se lê o que ele escreve ou o que outros autores
escrevem sobre sua obra e seu trabalho como gestor público. A título de exemplo,
destaca-se a análise de Jacobi (2000, p.22-23) sobre a participação da sociedade na
cidade de São Paulo, no período da gestão de Paulo Freire à frente da Secretaria de
Educação:
A dinamização das instâncias participativas, apesar da resistência do
funcionalismo, possibilitou um avanço efetivo na autonomia
administrativa, financeira e pedagógica das escolas, o que se pôde
verificar pelas diferenças de decisões nas diversas regiões da cidade.
O alcance da participação, apesar do estímulo da Administração,
estava diretamente relacionado ao nível de mobilização, organização e
pressão existentes nos bairros. Os Conselhos de Escola foram
incentivados pela Administração, e seus resultados diversificados,
principalmente pela inexistência de um ethos partipacionista na
população.

Por fim, o que também se aprende é que a escola democrática não se constitui de forma
impositiva, por lei e decreto; ao contrário, sua constituição se dá com e na complexidade
das culturas dela própria e da sociedade em que está inserida. Assim, não é possível
pensar em escolas uniformes, mas, sim, em escolas plurais em que há diversas pessoas –
gestores, professores, funcionários, estudantes, familiares e comunidade – que possuem
culturas e valores distintos e que precisam criar individual e coletivamente modos de ser
nesse espaço em que convivem aprendendo e ensinando cotidianamente.

Referências
ANDRÉ, Marli et al. Estado da Arte da Formação de Professores no Brasil. Educação e
Sociedade. Campinas, v. 20, n.68, dez 1999.
BRASIL. Lei n. 9394, de 20/12/1996, estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, Diário Oficial da União, n.248, 1996.
BRASIL. Constituição. República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
FREIRE, Paulo. Extensão ou Comunicação? São Paulo: Paz e Terra, 1977.
______. A Educação na Cidade. São Paulo: Cortez, 1991.
______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 30ªed. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
GADOTTI, Moacir et al. Paulo Freire: uma bibliografia. São Paulo: Cortez: Instituto
Paulo Freire; Brasília, DF; UNESCO, 1996.
GHANEM, Elie. Educação e Participação no Brasil: um retrato aproximativo de
trabalhos entre 1995 e 2003. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.30, n.1, p.161-188,
jan/abr. 2004.
JACOBI, Pedro Roberto. Educação, ampliação da cidadania e participação. Educação e
Pesquisa, São Paulo, v.26, n.2, p.11-29, jul/dez. 2000.
SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23.ed. ver.e atual.
São Paulo: Cortez, 2007.

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