Você está na página 1de 726

BOX – MINHA METADE E

MEU DESEJO
VOLUME I E II DA SÉRIE
RECOMEÇOS
1ª EDIÇÃO
LA MARTINE
Copyright © 2019 La Martine

© 2019 Revisão — La Martine


© 2019 Capa – Thatyanne Tenório
© 2019 Diagramação – Bárbara Lorrany

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais, é mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte dessa
obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o
consentimento escrito da autora.

Edição Digital | Criado no Brasil.


SUMÁRIO
EPÍGRAFE
SINOPSE | MINHA METADE | LIVRO 1
TEASER
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
EPÍLOGO
SINOPSE
TEASER
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
EPÍLOGO
Leia também:
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
AGRADECIMENTOS
SOBRE A AUTORA
REDES SOCIAIS DA AUTORA:
EPÍGRAFE
"Quantas vezes eu fugi
Distraindo os meus sentidos
Tantas vezes nada quis
Destratando os meus amigos
Outras tantas discuti
Só pra não te enxergar
Estava aqui (estava aqui).
Entre promessas e despesas
Apostas e certezas
Cada vez mais."
Apostas e Certezas - CPM 22
Para todas as minhas metades.
SINOPSE | MINHA
METADE | LIVRO 1
Ela pensara ter encontrado o amor da sua vida.
Ele jurara que aquela seria a última vez que aceitaria qualquer desafio
idiota dos seus amigos também idiotas.
Para ela, fora amor à primeira vista.
Para ele, fora apenas uma brincadeira.
Ela se apaixonara perdida e enlouquecidamente, pela primeira vez na
sua vida.
Ele não aguentava mais continuar com aquela mentira.
Entre descobertas e conflitos, após, finalmente, a verdade vir a tona,
seria ele capaz de provar que nem tudo que viveram fora apenas um
joguinho?
E, após descobrir que fora enganada, enquanto todos riam às suas
costas por todo aquele tempo, seria ela capaz de perdoá-lo?
TEASER
Setembro é um dos meses de maiores variações climáticas.
Difícil imaginar que um dia que nasceu tão lindo - o céu amanheceu
limpinho, sem nuvens, uma mistura de vários tons de azul e o clima se
manteve deliciosamente agradável, nem quente, nem frio - poderia converter-
se em um temporal daquelas proporções, com rajadas de vento, trovoadas e
relâmpagos impressionantes.
Ainda mais difícil de imaginar que o temporal repentino foi o doloroso
golpe que sofreu em seu coração, que agora jazia em pedaços ridículos no
chão.
Não o seu coração, o órgão. Mas sim o delicado coração de porcelana
que comprou por encomenda como presente de aniversário de namoro. Para
ele.
Sorriu ao relembrar todos os momentos doces que viveram juntos,
todas as surpresas e alegrias que aquele relacionamento lhe trouxera. Com
ele, fora, realmente, feliz naqueles últimos meses, como nunca imaginara
possível.
E tudo em troca de entregar-se de corpo e alma, sem pensar duas vezes,
no que fora o acontecimento mais surpreendente da sua vida: apaixonar-se.
Por ele.
E, agora, o seu presente de aniversário jazia no chão molhado pela
chuva, após ter tropeçado em seus próprios pés, atrapalhada na pressa de
fugir do temporal.
Aquele realmente foi um descuido infeliz. O lindo coração,
customizado e feito por encomenda, custou um preço exorbitante,
considerando que o objeto não consistia em mais que poucos centímetros de
cerâmica - aquilo não era porcelana nem aqui nem na China, ela dissera ao
vendedor quando recebera seu pacote, mas este insistira que aquilo era, sim,
senhora, porcelana, porém era um material novo, importado e caríssimo,
justificara-se ele, insultado.
Balançando a cabeça e conformando-se de que teria sido melhor ter
solicitado à loja que enviassem o pacote, seguramente, para o seu destino, ela
passou as mãos por suas roupas, agora encharcadas, e perguntou-se se sua
aparência seria tão ruim quanto pensava.
Não se importou muito com isso, o que mais queria no momento era
sair daquela chuva e adentrar a casa confortável e quentinha do seu
namorado. Aproximou-se da porta e tocou a maçaneta, franzindo o cenho ao
notar como suas mãos estavam trêmulas, assim como todo seu corpo e seus
dentes, que batiam sem pausas, fazendo-a retesar o maxilar, imaginando se
ficaria banguela caso continuassem batendo nesse ritmo por muito mais
tempo.
Estacou na porta ao ouvir o som de vozes animadas e gargalhadas por
trás da porta. E o que ouviu a seguir conseguiu congelar todo o resto do seu
corpo.
As palavras que ouviu poderiam ser dirigidas para outra pessoa, não
ela. Entretanto, conhecia bem aquela voz, e já o ouvira usar aquele mesmo
tom zombador e sem vida antes para outras pessoas. Mas nunca para ela. Não
para ela.
Paralisada onde estava, ouviu os relatos de como fora sua vida nesses
últimos três meses sobre outro ponto de vista. Nada foi como pensou. Tudo
não passou de uma ilusão. Um jogo.
Uma aposta.
Recuando, sentindo todo seu corpo trêmulo e uma dor crescente em seu
peito e estômago, virou-se com um único desejo: fugir dali e fingir que
aquele dia e todos os outros que julgara terem sido os melhores e mais felizes
da sua vida nunca existiram.
Estacou novamente ao pisar em algo que rachou aos seus pés.
Que irônico, pensou. Como um dia que começara tão lindo poderia
converter-se em um temporal daquelas proporções.
Ainda mais irônico que o temporal repentino foi o golpe doloroso que
sofrera em seu coração, que agora jazia em pedaços no chão.
E daquela vez não fora um objeto.
PRÓLOGO
Aquele seria mais um dia comum.
Sofia acordou atrasada, como sempre, arrumou-se com pressa, como
sempre, não tomou café da manhã, como sempre e correu todo o percurso até
a faculdade, à poucas quadras da sua casa. Como sempre.
Seu aspecto, como todos os dias, não poderia lhe importar menos.
Nunca ligou muito para sua aparência e nunca se preocupou com o que os
outros pensariam dela. Para ela, bastava apenas que estivesse limpa, com
roupas também suficientemente limpas e o resto não importava de fato.
A única preocupação de Sofia era chegar ao seu destino, sempre com
alguns minutos de atraso, mas o importante era estar lá quando as aulas
começassem.
Aquele seria um dia cheio. Teria aulas por toda a manhã, e após se
reuniria com alguns poucos amigos - as duas únicas que possuía - para
estudarem (lê-se jogar conversa fora) na biblioteca próxima a sua casa.
Era uma verdadeira benção que todos os locais que frequentava
regularmente ficassem a poucos minutos de onde morava. Isso a possibilitava
de ir e vir sempre caminhando, e não precisaria enfrentar uma condução
lotada logo nas primeiras horas da manhã. Sofia poderia fazer todo o percurso
de carro, é claro, como seu irmão, suas amigas e outros universitários faziam,
mas havia um pequeno problema: embora tivesse um carro, que ganhou de
presente de aniversário de 18 anos, após cinco tentativas frustradas, ela não
conseguiu sua carteira de motorista.
Com o tempo ela resignou-se de que dirigir, definitivamente, não seria
uma das coisas que faria, seguramente, algum dia, após bater com o carro da
autoescola em uma árvore, quando tentava fazer baliza. Ela se considerava
um desastre anunciado em tudo o que fazia, exceto nos estudos, o que a
deixava satisfeita, tirando todo resto de desastres.
Enxugando o suor da testa e tentando normalizar a respiração, alcançou
a entrada da UFCG, onde, em breve, se tudo saísse como planejava, formar-
se-ia em Letras. A primeira coisa que avistou quando conseguiu se infiltrar
no meio das pessoas que também se esforçavam para atravessar ao mesmo
tempo os portões foram os grupinhos que se juntavam, todos os dias, perto do
pequeno campus, enquanto esperavam o início das aulas.
Ela passou invisível como sempre por alguns garotos que conversavam,
fumavam e riam de qualquer que fosse a pauta da conversa. Notou que Brian,
amigo do seu irmão, era um deles e ele, quando a viu, sorriu minimamente e
acenou disfarçadamente com a cabeça. Ela abriu um pequeno sorriso como
resposta e continuou caminhando, até avistar um dos banquinhos vazios
dispostos ao longo de todo pátio, ao lado de uma robusta árvore.
Sentou-se e suspirou profundamente. Geralmente, não se cansava tanto
todas as manhãs, mas em dias como aquele, em que se atrasava além do
normal, tinha que realmente correr, ou chegaria ainda mais atrasada. Mas, ao
que tudo indicava, as aulas ainda demorariam um pouco para começar. Por
qual motivo, ela não saberia dizer, mas relaxou um pouco mais e curtiu os
poucos minutos que ganhou de descanso.
Tentando normalizar a respiração, ela encostou-se na árvore, e
percorreu os olhos pela pequena algazarra de vozes ao seu redor. Aquele era,
realmente, um dos grupos mais distintos que já vira.
Tinha um pouco de tudo: seguindo a hierarquia escolar, primeiro
vinham as patricinhas - difícil de passarem despercebidas, já que usavam rosa
em praticamente todas as peças de roupas. Em segundo, um seleto grupo de
arruaceiros, extraordinariamente gostosos e problemáticos. Eles eram, com
toda certeza, o sonho de consumo das mocinhas que os rodeavam.
Não era surpresa alguma que as mais femininas, delicadas e fúteis
garotas dali se reunissem à poucos metros dos machões. Vestindo
basicamente preto, dos pés a cabeça, eles eram um belo contraste com todo
rosa que os cercavam.
Reconheceu alguns rostos, já os havia visto antes nos anos anteriores,
mas outros eram desconhecidos. Ela surpreendeu-se. Não era impossível, mas
a universidade recebia uma cota mínima de transferências no meio do ano,
não era algo tão fora do comum encontrar novos rostos por ali.
Observando-os com atenção, ela notou que havia algo que a
incomodava neles. Não sabia dizer o que era, então passou a analisá-los sem
pressa.
No meio de todos os outros fortões, três deles se destacavam. Um era
loirinho, de olhos claros, perceptíveis até à distância onde estava, e porte
atlético. Ele sorria de algo e havia algo de estranho no modo como seu sorriso
não combinava com o brilho nos seus olhos. Era como se ele não estivesse
feliz de fato. Sofia balançou a cabeça e desviou os olhos para o outro garoto
ao lado.
Em um belo e interessante contraste, um negro de pele
impressionantemente escura e olhos ainda mais surpreendentes, esverdeados
e hipnotizantes, abraçava o loirinho. Ele sorria de algo que o amigo dissera, e
seu sorriso era algo único; possuía uma dose de sarcasmo e doçura ao mesmo
tempo. Aquele garoto sorria com sinceridade, havia verdade ali e ela poderia
afirmar aquilo mesmo de longe e sem conhecê-lo.
E, fechando o grupo seleto de novatos, havia ele.
Se os outros dois garotos eram únicos e impressionantes, cada um a sua
maneira, aquele era magnífico. Os cabelos dele foram o que mais chamaram
sua atenção, a princípio. Eram longos, um pouco abaixo dos ombros e de um
impressionante mix de cores.
Havia mechas escuras, outras de um tom castanho claro e outras de um
tom ainda mais claro, como que queimado por horas expostos ao sol. Não
saberia dizer se aquela mistura de cores era algo genético ou adquirido em
um salão, não tinha muito conhecimento nessa área, mas admitia que era
surpreendente.
Baixando os olhos por seu corpo, ela viu que ele também era atlético,
como seus amigos. Mas muito mais musculoso, dado a sua altura e o volume
que os bíceps faziam nas mangas longas da jaqueta escura, sobre uma
camiseta branca. Ele tinha algumas tatuagens nas mãos e pescoço, pôde
perceber os traços de tinta na pele bronzeada mesmo de longe. Eram as
únicas parcelas de pele nua e ela se perguntou se haveriam outros desenhos
por seu corpo. Era realmente algo impactante, admitiu, sem conseguir parar
de fitá-lo.
Continuou sua inspeção, sem conseguir desviar os olhos e estremeceu
quando se deparou com olhos de um tom escuro, quase pretos, que fitavam-
na com intensidade.
Sofia arrepiou-se e estremeceu novamente, tentando desconectar o
olhar com o dele, sem sucesso.
Percebeu que ele também a analisava dos pés a cabeça, como ela fizera
e, surpresa, viu quando um pequeno sorriso surgiu nos lábios dele.
Por que ele sorria? Será que havia esquecido de limpar a boca após
escovar os dentes? Ou seu cabelo poderia estar como um ninho de pássaros?
Levando em conta que ela apenas o prendera em um rabo de cavalo alto
assim que acordara e não destinara mais nenhum segundo olhar para seus
fios, aquilo era provável.
O que aquele sorrisinho de lado queria dizer? Que ela era a criatura
mais estranha que ele viu por ali?
Nunca se preocupou com sua aparência e seus quilinhos à mais, mas
aquele olhar fez com que ela, pela primeira vez em sua vida, se concentrasse
no seu próprio corpo. Sofia balançou a cabeça, como se estivesse se
esforçando para sair de um transe. Virou para o outro lado abruptamente,
ignorando aquele garoto de olhos indecifráveis e expressão inquietante.
O que foi aquilo? Correu os olhos pelo pátio, sem ver nada. Recebeu
um olhar de um desconhecido, nada de mais. Não havia motivos para se
preocupar com sua aparência, como sempre fizera, apenas porque,
inexplicavelmente, recebera um olhar demorado de um garoto. Tudo bem,
aquele foi o primeiro olhar masculino que ela sentiu-se tentada a retribuir –
tanto que fez exatamente isso –, mas também não era para tanto.
Tentou esquecer do estranho inquietante de olhar avaliativo e sorrisinho
lindo, e percorreu a vista pelos os outros grupinhos reunidos ali. Tentou
lembrar sobre o que pensava antes de vê-lo e foi com esforço que conseguiu
resgatar a linha de raciocínio. A hierarquia dos grupinhos universitários.
Logo após as patricinhas e os garotos problemáticos e gostosões,
prosseguiu, havia os estudiosos, porém não nerds. Estes eram os que, apesar
de estudarem muito, eram bem apessoados e não vestiam-se com camisetas
sobre personagens de livros ou bottons de banda, ao contrário dos
famigerados nerds, que não faziam nada além de estudar e enfiar a cara nos
livros. Esse era o último grupo da pirâmide social estudantil - ao qual Sofia
fazia parte.
Pensando nisso, buscou sua bolsa e a abriu, com a intenção de ler um
pouco e concentrar-se em algo importante. Encontrando o que queria, apoiou-
se novamente na árvore, ouvindo e observando de rabo de olho que o
grupinho de garotos que estivera observando agora gargalhava e o cabeludo
que quase a hipnotizou parecia irritado. Provavelmente era alvo de alguma
brincadeira dos amigos, que riam e batiam em suas costas com tapinhas
encorajadores e ao mesmo tempo, debochadas. Notou que uma das garotas
que os rodeavam e também riam era Arianna e revirou os olhos.
Concentrando-se no seu livro, Sofia procurou a página na qual parou a
leitura no dia anterior e esticou as pernas sobre a grama macia e ligeiramente
úmida do pátio. Revisou por um tempo o conteúdo que já havia estudado e
estava quase concluindo o capítulo quando ouviu uma certa comoção geral,
com sussurros e risadinhas incrédulas.
Como nunca deu muita importância para saber sobre o que ou de quem
as outras pessoas conversavam e riam, ela expeliu o ar, cansada e prosseguiu
sua leitura.
Aquele fora um erro porque, quando levantou os olhos por instinto ao
ouvir o som de passos se aproximando, o pouco de ar que sobrou nos seus
pulmões foi expelido de uma vez só ao constatar quem era a pessoa que se
aproximava.
Dela. Sem tirar os olhos dela, ele sentou-se ao seu lado, como se já se
conhecessem e fitou-a com intensidade e uma determinação que ela não
entendeu.
E, quando ele falou pela primeira vez, ela soube que estava perdida.
CAPÍTULO 1
Junho. Mês de festas.
Reuniões familiares, comidas típicas, bebidas liberadas, shows
gratuitos, pegações à mil e Sofia em casa. Não bebe, não gosta de ir à shows,
não gosta de estar em festas, no meio de dezenas de pessoas desconhecidas,
ou até mesmo conhecidas.
Não gosta de ir a qualquer outro lugar que não a sua casa, exceto a
universidade, a biblioteca da universidade, a cantina da universidade, o café
na esquina da universidade ou a casa de poucos amigos da universidade.
Antissocial, dizem.
Uma moça que aprecia a privacidade do seu lar ou a presença de alguns
poucos amigos em locais calmos e seguros, sem badernas, confusões, brigas
ou discussões, ela diz.
Sofia, no auge dos seus 21 anos, é uma moça tranquila. Daquelas que
nunca se metem em confusão, que respeitam os pais, que ainda seguem os
horários impostos por eles, que amam a família sobremaneira, que agradecem
a Deus pelos poucos amigos que possuem, que tiram boas notas sempre, que
todos os anos são as melhores da turma e que sempre buscam ajudar ao
próximo.
Seus poucos defeitos, na sua opinião, são sua eterna incapacidade de
ser pontual e a negligência com sua aparência. Detesta sair para comprar
roupas novas, ficando a encargo disso sua mãe, que não tem bom gosto e nem
se atualiza das mais novas e ousadas tendências, resultando em uma em
vestes de adolescente e sempre amarrotada Sofia.
Mas para ela, Sofia, isso não tem muita importância, contando que as
roupas estejam sempre minimamente limpas.
Sua baixa estatura ajuda no seu dom de sempre passar despercebida.
Invisível. Embora seu cabelo seja algo que poucas vezes não chame atenção.
Longos e ondulados, sempre emaranhados ou presos de qualquer
forma, seus fios acobreados são dignos de uma Villar. Em sua família, apenas
sua mãe escapara do carma dos ruivos, o que fizera todos supor – e sua mãe
comemorar alegre – que Sofia também escaparia.
Ledo engano.
Sofia não somente fora contemplada, como também fora premiada com
fios de um vermelho ainda mais vivo que os de seus parentes. O porquê de tal
desgraça, ela nunca saberia. O que restava para ela era aceitar que nascera
com esse cargo nas costas, e não havia nada que fazer a respeito, já que ela
era veemente contra tingir seus fios.
Ainda mais após uma de suas muitas primas vermelhinhas, também
desgostosa com a cor dos seus fios, coitada, em uma tentativa infeliz de ser
loira, acabou com uma escassa massa de fios verdes quebradiços.
Então, entre ter os cabelos verdes, ficar careca ou permanecer com seu
ninho de passarinhos vermelho vivo, ela optou pela última e, infelizmente,
mais segura opção, obrigada.
Sofia sempre foi uma aluna exemplar, desde o maternal. Sempre foi o
maior orgulho de seus pais; ainda mais sendo tão contrastante se comparada
ao seu irmão, Sebastian.
Sebastian Villar, no auge dos seus também 21 anos, era um pesadelo
em carne e osso, desde o maternal. Beirando os dois metros de altura,
atlético, bronzeado, de olhos surpreendentemente azuis e um senso de humor
sombrio e zombeteiro, era o completo oposto de sua irmã em tudo, exceto os
cabelos do mesmo tom assombrosamente avermelhados e olhos de mesma
tom azulado.
Os gêmeos Sofia e Sebastian, embora tão destoantes em quase todos os
aspectos, eram melhores amigos desde a infância.
Companheiros, parceiros e "brothers", como costumavam denominar-
se.
Para Sebastian, não havia muitas coisas com o que se preocupar na
vida. Sempre encarava um dia por vez, sem planos ou metas, buscando viver
o momento, divertir-se sem reservas e ser feliz. "Carpe Diem", afirmava
sempre que o questionavam sobre o seu futuro. Esse virara o seu lema, tanto
que o tatuou em seu corpo.
No pescoço, em letras maiúsculas e desenhadas, para horror de sua
irmã.
Sempre fizeram tudo juntos; frequentaram o maternal juntos, o pré-
escolar, o ensino médio e agora, a faculdade. Fora uma surpresa para seus
pais, Virna e Otávio Villar, quando Sebastian anunciou que havia sido aceito
na mesma universidade que Sofia.
Ficaram eufóricos e felizes por seu filho, é claro, mas, estando ambos
calejados de ouvir as cansativas e repetitivas convicções do garoto, desde a
pré-adolescência, sobre seu futuro e zero preocupações com o mesmo,
surpreenderam-se com o anúncio e perguntaram-se, secretamente, o que o
fizera mudar de ideia.
Sebastian nunca havia cogitado frequentar uma faculdade ou cursos
superiores, contentava-se com o seu cargo de mecânico nas horas vagas, na
oficina do pai de um de seus amigos, no centro da cidade. O salário não era
dos melhores, mas era o suficiente para o que achava realmente necessário;
como ajudar nas despesas da casa dos seus pais – embora estes fossem
veemente contra –, sair aos finais de semana, curtir com os amigos, rabiscar
partes do corpo e bancar os caprichos infinitos da sua sempre insatisfeita
namorada.
Estava satisfeito com sua vida.
Até chegar em casa em uma quarta-feira à noite, após deixar Vanessa,
sua namorada, em casa, e encontrar Sofia em seu quarto, em meio a um sem
fim de livros e pesquisas, com os olhos vermelhos e inchados de choro.
O rosto dela, tão parecido com o seu, estava úmido, a expressão
angustiada e Sebastian sentiu, como sempre sentira durante toda sua vida,
mesmo sem compreender, a dor que ela sentia.
Não sabia o que a angustiava, mas sentiu o mesmo dentro de si; a
mesma dor, o mesmo sofrimento, a mesma angústia. Coisa de gêmeos, vai
saber.
Entrou no quarto, sem ao menos bater, e a abraçou.
Permaneceram em silêncio por alguns minutos, apenas sentindo
acalento um no outro, enquanto abraçavam-se apertado.
— Preciso bater em alguém? — perguntou baixinho e ela sorriu
minimamente.
Era sempre a primeira pergunta que fazia quando a encontrava
chorando no cantinho, sem querer incomodar ninguém.
— Não, Sena — Sofia murmurou baixinho.
"Sena" era o apelido de criança de Sebastian, que o recebera quando a
menina começara a pronunciar suas primeiras palavras.
E não fora surpresa que ao invés de dizer "mamãe" ou "papai", essa
fora a primeira palavra da menina, o nome do irmão, quem sempre esteve ao
seu lado desde que nasceu. Mas como não conseguia pronunciar seu nome
corretamente, apenas "Sena" saía por seus lábios úmidos em formato de
coração.
Sebastian sempre odiou o apelido, conseguira até demover seus pais da
ideia de persistir em chamá-lo assim na adolescência, mas nunca conseguira o
mesmo com Sofia, na verdade, nunca tentou. E nunca se chateou com isso.
Para ela, ele sempre seria o seu Sena.
— O que aconteceu? — perguntou suavemente, afastando-se um pouco
para fitar rosto dela. Afastou os fios emaranhados e úmidos do delicado rosto
feminino e acariciou suas costas, confortando-a.
— Não é nada — Sofia mentiu, mesmo sabendo que ele não acreditaria
nisso. Sempre fora uma garota insegura na adolescência, mas nunca gostara
de demonstrar isso aos outros, mesmo à sua família. Ali, aos dezoito anos,
três anos atrás, já madura, eram raros os momentos em que sentia-se assim.
Porém, às vezes, não conseguia se controlar. — É besteira minha, nada com o
que se preocupar. Só estou nervosa com algumas coisas e morrendo de fome,
mas sem apetite. Contraditório, não? É, eu sei. Coisa de mulher. Não é nada,
de verdade. Provavelmente é só TPM, você sabe como fico. Sempre chorona,
irracional, muito mulherzinha — prosseguiu balbuciando, nervosa, fugindo
do olhar dele. Sempre tagarelava quando seus nervos estavam em ebulição e
era praticamente impossível forçar-se a parar. — Já passou, vê? Estou mais
calma. Mas, me conte: como foi o passeio com Vanessa? — perguntou,
tentando distraí-lo.
— Deveras entediante. — Sebastian admitiu, acomodando-se contra a
grade da cama e puxando-a para o seu lado.
Fitou sua irmã com atenção. Ainda não o encarava, preferindo fitar as
mãos trêmulas, brincando com a colcha da cama. Sebastian cruzou os
tornozelos, após retirar os sapatos com os pés, e tomou as mãos dela nas suas,
aguardando até que ela o fitou, com os olhos ainda úmidos. Suspirando,
acariciou as mãos pequeninas e murmurou terno:
— Converse comigo.
Sofia sentiu que ruiria se pronunciasse seus temores em voz alta, mas
também sentia que precisava disso; abrir-se com alguém. E ninguém melhor
que seu irmão, a única pessoa no mundo que a conhecia como ela era. Talvez
até a compreendesse melhor que ela mesma.
— Estou com medo — sua confissão, entretanto, não passou de um
sussurro.
— Do quê?
— Do futuro — admitiu, sentindo sua resistência abandonando-a e
entregando-se mais uma vez as lágrimas. — Não sei se quero ir para a
faculdade.
— Por que?
— Porque não sei como será. Não tenho mais certeza do que quero para
mim, nem ao menos sei se o curso que escolhi é o que realmente quero.
— Você sempre sonhou em cursar Letras, desde muito pequena dizia
que queria ser como sua primeira professora. Por que tem dúvidas agora?
— Não sei — baixou os olhos, fugindo novamente. — Não sei —
repetiu.
— Sofia — Sebastian soltou uma de suas mãos e acariciou sua face
úmida, enxugando com o polegar as lágrimas. — Sabe que sei quando mente
— acariciou o queixo trêmulo e levantou seu rosto, prendendo-a com o olhar
— Conte para mim. O que está acontecendo?
— Eu só... — fungou, tentando parar as estúpidas lágrimas. — E-eu só
tenho m-medo. Não quero... N-não quero...
— Vem cá— Sebastian a puxou para os seus braços, apertando-a contra
sí. Sentiu os tremores balançando o pequeno corpo dela enquanto soluçava
baixinho. Sentiu-se impotente, nunca a vira chorar assim antes e nunca
sentira dor semelhante em sua vida.
Não suportava vê-la daquela forma, sem poder fazer nada para
confortá-la ou acalmá-la.
— Conte pra mim. Não tenha medo, nunca a julgaria, Sofia, mesmo
que seja apenas uma unha encravada o maior dos seus problemas. Confie em
mim. Sou apenas eu, seu Sena.
E ali, nos braços da sua melhor metade, ela finalmente confessara, entre
soluços e fungadas:
— N-não quero ir para a faculdade s-sem você, Sena.
E Sebastian compreendeu.
Sempre estiveram juntos em todas as etapas de suas vidas. Nunca
afastaram-se, nem por uma semana. Sempre apoiaram-se, compartilharam
segredos, novas descobertas, novos relacionamentos, tudo. Mas, agora,
teriam que seguir caminhos opostos.
Seria um grande passo para Sofia, o que determinaria todo o seu futuro,
e a insegurança, o prenúncio de uma nova realidade sem o irmão por perto,
diferente de como fora durante toda a sua vida, a desestabilizara. A
angustiara.
E Sebastian, mesmo que anos e anos se passassem, nunca seria capaz
de conviver em paz consigo mesmo sabendo que uma única decisão sua seria
capaz de causar tamanho sofrimento na pessoa que mais amava na vida. Seu
primeiro amor, costumava dizer.
Pigarreando para limpar a garganta e passando o punho pelos olhos
úmidos, falou com voz brincalhona:
— Se tivesse me comunicado previamente de que protagonizaria toda
essa cena de novela mexicana, eu poderia tê-la avisado de que tudo isso seria
desnecessário — zombou, brincando com os pequenos nós nos cabelos
avermelhados e ondulados espalhados por seu peito.
Sofia ergueu os olhos, confusa.
— O que? — perguntou, secando os olhos com as mãos trêmulas.
Sebastian fitou seu rosto mais uma vez, sentindo as dimensões do amor
que os unia, acariciando a pequena face em suas mãos enormes e calejadas.
Sua melhor e mais contrária metade, pensou sorrindo.
— O que acontece, queridíssima Sofia, é que se tivesse feito todo esse
chororô antes, eu poderia tê-la comunicado, com algumas semanas de
antecedência, algo assombroso que aconteceu comigo — prosseguiu, com
muita pompa, como se estivesse prestes a fazer um comunicado de nível
federal. — Eu fui aceito.
Se possível, Sofia ficou ainda mais confusa.
— Aceito em que?
— Em que? — ele repetiu como se ela tivesse problemas mentais. —
Na faculdade, oras!
— Na faculdade? — Sofia prosseguia repetindo o que ele dizia, sem
saber ao certo o que ele queria dizer, e impedindo-se de acreditar na centelha
de esperança que começava a crescer em seu coração.
— É, Sofia, na faculdade. Aquele lugar chato, onde pessoas vão após
concluírem o ensino médio para ser alguém na vida, lembra? — prosseguiu,
como se estivesse falando com uma criança e precisasse desenhar o que
pronunciava.
Ele se segurou para não rir quando a expressão dela começou a mudar;
primeiro ainda mais confusa, depois sua boca abriu, depois voltou a fechá-la,
depois abriu novamente e arregalou os olhos, idênticos aos seus, até quase
saltarem para fora.
E por último, saltou da cama, berrando e dançando ao lado da cama,
como se tivesse rejuvenescido dez anos. Saltou sobre ele, pulando e
abraçando-o enquanto ria a plenos pulmões, alegria estampada em sua
expressão.
Sebastian suspirou, rendendo-se e rindo também, feliz em vê-la feliz e
alegre, não mais angustiada.
Não contou a Sofia que apenas fizera a prova um dia após aquele em
que tivera conhecimento dos seus medos.
Não contou nem mesmo aos seus pais por qual motivo resolvera entrar
na faculdade. Mas eles sabiam, como só os pais sabem, que ele não fizera por
si próprio.
E, para Sebastian, era suficiente que Sofia estivesse feliz.
Até ele mesmo se encontrava assim, após encontrar no curso de
engenharia mecânica o que se encaixava com suas metas.
Sim, porque agora ele tinha metas, e muitas das quais eram ambiciosas,
o que o assombrou a princípio. Com o tempo compreendeu: aquilo sempre
fizera parte dele mesmo, ele apenas precisava de um empurrãozinho para dar
o primeiro passo.
Só não imaginara que este viria em forma de lágrimas, soluços e um
pequeno bico choroso e tagarela.
CAPÍTULO 2
As tão amadas e esperadas férias.
Seis semanas de descanso, zero trabalhos infindáveis, noites insones ou
dias madrugados.
Um sonho realizado.
O mês prometia festas e shows, bebedeiras desenfreadas, comas
alcoólicos, muitas pegações e zero responsabilidades por parte de todos os
jovens.
Sofia parecia a única pessoa que não estava eufórica e ansiosa com
isso. Pelo contrário, para ela, não faria diferença alguma nenhum período de
descanso. Ainda mais levando em conta que a única coisa que fazia e faria de
sua vida seria estudar; então, para ela, estudar em casa ou em qualquer outro
lugar dava no mesmo.
"Faltam exatamente sete dias para as grandes férias!" leu em um
informativo que encontrou largado no chão enquanto corria para a
universidade. Por todos os lados se ouvia rumores e expectativas para as mais
badaladas festas do mês, proporcionadas por seus colegas universitários mais
populares.
Suas próprias amigas, Thaís e Lorrany, contavam os dias e horas
restantes com uma euforia fora do comum. Aquele ano fora quase mágico
para elas; suas amigas vinham de um dos menores municípios não muito
próximos dali, e permaneciam deslumbradas com a cidade grande.
Sofia, sinceramente, não via nada de mais na sua cidade natal.
Localizada no interior do estado da Paraíba, no agreste paraibano, parte
oriental do Planalto da Borborema e serra do Boturité/Bacamarte, que
estende-se do Piauí até a Bahia, com pouco mais de 400.000 mil habitantes,
Campina Grande é a segunda cidade mais populosa do estado.
E Sofia afirmou, convicta, mais de uma vez, que conhece mais da
metade da população campinense e tudo isso graças à sua mãe e suas
infindáveis reuniões com amigas, amigas de amigas, conhecidas de amigas e
qualquer outra pessoa disposta a reunir-se para fofocas, cafés e bolachas,
todas as quartas às tardes, desde que Sofia se entende por gente.
Considerada um dos principais polos industriais da Região Nordeste
bem como principal polo tecnológico da América Latina, e também um
importante centro universitário, contando com vinte e uma universidades e
faculdades, sendo três delas públicas, Campina foi fundada em 1 de
Dezembro de 1697 e elevada à categoria de cidade em 11 de outubro de
1864.
O aniversário da cidade, um dos maiores eventos anuais, é também um
dos suplícios pessoais aos quais Sofia submete-se em prol da sua boa audição
e saúde mental.
Sendo um dos mais antigos costumes da família Villar, que reside na
cidade desde muitos anos atrás, todos os anos todos os membros
vermelhinhos – e a mãe de Sofia, loiríssima (sortuda!) – reúnem-se durante o
mês de outubro e comparecem em peso em todas as festividades.
E coitado daquele que negar-se a isso; ouviria um sem fim de lamúrias
e discursos das tias e tios mais velhos, seus pais inclusos. Eles também
sofreram no passado, arrastados de festa em festa pelos pais, e, agora,
adoravam e divertiam-se impondo mesmo sofrimento às crias, seguindo a
tradição.
Campina é também a cidade com proporcionalmente o maior número
de doutores do Brasil, seis vezes a média nacional. Além de ensino superior,
o município é destaque também em centros de capacitação para o nível médio
e técnico. Um dos motivos pelos quais Sofia recusara-se a inscrever-se em
uma universidade em outra cidade ou estado. Além de não imaginar-se, por
mais que tentasse, vivendo longe de sua família.
Sebastian pensava o mesmo, além de amar todas as festas
comemorativas e bebidas grátis, é claro.
Palco de variados eventos culturais, destacando-se os festejos de São
João, que acontecem durante todo o mês de junho – carinhosamente elegido
pela população como "O Maior São João do Mundo" –, dois outros encontros
religiosos realizados durante o carnaval, além de um Festival de Inverno e
outros vinte eventos, Sebastian não poderia imaginar cidade melhor para
morar.
Amava a comodidade da metrópole e todos os outros benefícios que ela
lhe provinha. Porém, mais que amar todas as festas, Sebastian divertia-se
horrores assistindo de perto as expressões sofridas e cansadas de Sofia,
quando esta era obrigada por seus pais super protetores a acompanhá-lo a um
sem fim de festas e shows, apenas porque os mais velhos acreditavam –
tinham plena certeza, na verdade – que o juízo e bom senso que Sebastian
não possuía na maior parte do tempo em relação à todos os aspectos de sua
vida, Sofia tinha de sobra. Para dar e vender.
— Acompanhe o seu irmão — Sofia acostumara-se a ouvir, não
felizmente, sempre que seu irmão insistia em comparecer em alguma festa ou
show na cidade. O que acontecia com uma frequência maior do que
considerava saudável para o fígado de Sebastian e para seu eterno tédio.
Sebastian divertia-se sendo "acompanhado" por Sofia, mas sua diversão
sempre findava ao perceber o primeiro olhar masculino em direção a sua
sempre desleixada, porém não menos bela, irmã.
Era um mistério para ele como Sofia conseguia ser constantemente alvo
de tantos olhares sedutores e indignados, masculinos e femininos,
respectivamente, e não notá-los. Ela acreditava ser invisível na maior parte do
tempo, e isso estava tão incrustado em sua mente que nunca notara àqueles
que a seguiam com os olhos.
Correndo o risco de parecer soberbo e convencido, Sebastian
considerava Sofia uma das mais belas mulheres que já vira na vida. Os
cabelos, de tom idêntico ao seu, eram belos e longos, e mesmo que sempre
inacreditavelmente emaranhados, eram motivo de inveja para quase todas as
garotas que conhecia. Sua própria namorada, Vanessa, declarara mais de uma
vez que não era justo uma pessoa tão desleixada como Sofia possuir um
cabelo tão lindo.
— Se sua inveja é tão grande assim, vá na farmácia mais próxima e
realize seu sonho — ele zombava vez ou outra.
Surpreendeu-se e gargalhou até rolar no chão quando em uma noite
fora buscá-la em casa e a encontrara com os fios, que antes possuíam um
comum tom castanho, no momento vermelho vivo, ainda mais vermelhos que
seus próprios fios.
E, para mortificação dela e divertimento do seu namorado, metade da
testa também vermelha como os cabelos.
Sebastian riu até doer a barriga, buscando desesperadamente por ar,
enquanto a ouvia resmungar e choramingar que escolheu não passar pela
humilhação de ir até um salão e mostrar uma foto de Sofia ao cabeleireiro de
plantão, como exemplo do exato tom que queria para seus fios.
Por isso optou por tingi-los sozinha, no banheiro do seu quarto. Mas
não tinha conhecimento de que a tinta não poderia passar muito tempo em
contato com sua pele, ou resultaria em uma pintura também corporal.
Vanessa passara mais de uma semana com uma intensa e assustadora
vermelhidão em toda testa, e poucas vezes saíra de casa. Sebastian a visitara
naquela semana com uma frequência atípica e deveras alegre, apenas para
sucumbir à novas gargalhadas sempre que ela o pegava encarando sua testa
com horror.
— Isso não é engraçado, Sebastian! — ela berrara mais de uma vez,
indignada, com sua voz aguda e estridente. O que apenas o fazia ser
acometido por outras crises de risos histéricos e desesperados. Até que uma
noite, ao final daquela semana, quando já havia se resignado de que não
nascera para ser ruiva (e o tom nem combinava com sua cútis mesmo!), ela
deixou escapar, sonhadoramente: — Vou ter que me conformar em ter filhos
ruivos, e não ser uma. Espero que eles puxem ao pai.
Isso fez com que Sebastian encerrasse as gargalhadas escandalosas com
um engasgo e uma crise de tosse ainda mais ruidosos, arregalando os olhos.
Estavam juntos há alguns anos e aquela foi a primeira vez que ela
pronunciou em voz alta seus sonhos de construir uma família. O namoro,
embora duradouro, nunca fora um mar de rosas e ele nunca tivera a intenção
ou desejo de evoluir mais um degrau (para forca, na opinião dele) no
relacionamento nem tão pouco prometera tal heresia.
Aquele, entre tantos outros, era um dos motivos pelos quais acreditava
que já estava na hora de pôr fim ao namoro. Vanessa nunca foi uma pessoa
fácil de se conviver e ele não gostaria de prosseguir com aquilo, ainda mais
tendo em vista todos os sonhos que ela passara a confessar em relação ao
futuro. Com ele.
Um desses tantos outros motivos era a inveja e antipatia gratuitas da
morena com relação a Sofia.
Não se tratava apenas do cabelo. Tratava-se da forma com a qual
Vanessa criticava e tratava sua irmã sempre que se encontravam. Sofia, para a
felicidade de Sebastian, nunca notara ou ao menos demonstrara não notar o
recalque da outra, e se sim, nunca queixara-se com ele sobre o assunto.
A ruiva, com o passar dos anos, por mais que não notasse, e para maior
inveja de terceiras, apenas ficava mais bela. Suas curvas, que ela afirmava
não serem algo digno de um segundo olhar, eram voluptuosas e generosas, e
apenas ela parecia enxergar quilos a mais onde não existia. Era proporcional
e magnífica, e sua timidez e acanhamento apenas a tornavam mais
irresistível.
Se Sofia é de fato assim tão bela e irresistível, por que diabos nunca
teve um namorado ou, no mínimo, algum paquera?
A resposta é muito simples: Sebastian.
Todos os inúmeros admiradores de Sofia, desde o fundamental até a
faculdade, embora ansiosos e desejosos pelo mínimo contato com tal beldade,
temem ao seu irmão, de igual beleza e detentor de um eficaz olhar mortal.
Em defesa de Sebastian, ele nunca precisou chegar às vias de fato e
ameaçar qualquer um, apenas seu olhar (ou, em outras palavras, um
fuzilamento por deveras ameaçador) era o bastante para desencoraja-los.
Apenas uma vez Sebastian precisara explicar verbalmente, quando seu olhar
não fora suficiente, que sua irmã não estava disponível para relacionamentos
e tampouco casos.
Brian era o melhor amigo de Sebastian desde que se conheceram, há
alguns anos. Mas quando este dera um olhar demorado e malicioso na sua
irmã, o ruivo não perdeu tempo e colocou o amigo a par de todas as
consequências e eventuais fraturas que este sofreria se ao menos se
aproximasse de sua irmã com mais que duas palavras casuais.
Brian rira debochadamente, desafiando-o, e fora preciso que outros dois
amigos próximos de ambos os separassem, antes que Sebastian retirasse
aquele sorrisinho pretensioso dos lábios do seu melhor amigo na base do
murro.
Durante todos aqueles anos de amizade, Sebastian nunca chegara a
desentender-se com seu amigo, mas naquela tarde sentira a raiva subir por
sua espinha e por pouco não começara uma briga. Ambos distanciaram-se um
pouco após aquele dia, mas ainda saíam juntos e divertiam-se como sempre.
Todavia, Sebastian passara a prestar mais atenção em Brian, e concluíra
que algo que não sabia precisamente dizer o que era estava errado. Algo o
dizia para ter cuidado e abrir bem os olhos, e isso fora o bastante para
interpor-se ainda mais em uma aproximação entre o loiro e sua irmã.
Para sua sorte, Sofia nunca demonstrara interesse em Brian, e Sebastian
era muito grato por isso. Não gostaria de interferir na vida dela, e ela
certamente não ficaria feliz com isso, mesmo que demonstrasse estar
satisfeita e nada disposta em aventurar-se em relacionamentos, era muito
independente e lhe premiaria com o olho roxo que pertenceria a Brian.
Quando começou o namoro com Vanessa, embora esta não
demonstrasse simpatia ou o mínimo de recato na presença de Sofia, era
sempre um primor de moça na presença de seus pais. E, embora ele não
estivesse feliz com a animosidade entre as duas (na verdade, apenas da parte
de Vanessa. A educação que esta parecia ser encarecida, Sofia possuía em
fardos), contentara-se com seu relacionamento. Era cômodo, de certa forma.
Até deixar de ser.
Vanessa, após aquela primeira confissão sonhadora sobre suas
esperanças de um futuro magnífico ao lado de Sebastian, passara a ser mais
efusiva e menos sutil com o passar do tempo, e aquilo começava a tirá-lo do
sério, além de ter que desdobrar-se sempre para escapar das suas perguntas e
questionamentos infindáveis. E irritantes.
Precisava pôr um fim naquilo, Sebastian concluiu, enquanto
estacionava junto aos outros carros no estacionamento da universidade.
Teria que encontrar Vanessa e levá-la a algum local tranquilo e
conversar por horas e ouvir choramingos e gritinhos raivosos, pensou
frustrado.
Precisava se preparar para o que viria e a reação de sua namorada, mas
antes precisaria resolver outro problema, percebeu, fechando a porta com
força e dirigindo-se com passos apressados e furiosos em direção a um
banquinho próximo, embaixo de uma frondosa árvore, onde avistou Sofia
enquanto estacionava o carro.
E o acompanhante dela.
CAPÍTULO 3
Sofia encarou o homem ao seu lado perguntando-se se estaria
sonhando. Ou qual seria o problema dele.
Sim, porque por qual motivo aquele garoto sentaria ao lado dela? Dela,
Sofia Villar? Não fazia sentido nenhum.
Enquanto mostrava-se tímida e confusa, ele apenas a encarava em
silêncio. Remexeu-se inquieta, ouvindo que o burburinho de vozes ao seu
redor aumentava com o passar do tempo. Deveriam estar se perguntando o
que diabos estava acontecendo. Ela fazia o mesmo.
Perturbada, conferiu discretamente o estado de suas roupas e
amaldiçoou-se mentalmente. Nunca preocupara-se com sua aparência, mas
naquele fatídico dia seu estado ia de mal a pior.
Naquela manhã, na sua eterna correria diária e pressa em sair de casa
para não atrasar-se ainda mais, pegou o primeiro par de roupas que avistou e
vestiu-se sem dirigir um segundo olhar para o seu reflexo no grande espelho
do quarto, e desceu as escadas correndo enquanto esforçava-se para prender o
volumoso cabelo em um rabo de cavalo.
Por azar, a primeira roupa que encontrou naquela manhã fora um
conjunto de moletom cor de pele, de procedência desconhecida. Por certo,
uma das suas novas aquisições, cortesias de sua mãe.
Todos os domingos, após arrastar sua pequena família para um almoço
especial em algum lugar "que parecia maravilhoso" que ela avistara naquela
mesma semana, a senhora Villar despedia-se dos seus rebentos e seguia rumo
à um dos vários shoppings da cidade, arrastando consigo um emburrado e
resmungão Otávio Villar, que mesmo após 25 anos ao lado daquela mulher,
ainda não se acostumara com suas imposições e convicções.
Aquela roupa deveria ser uma das muitas peças recomendadas para
adolescentes que sua mãe insistia em comprar. Sofia odiava aquelas roupas,
odiava aparentar sempre uma adulta em crise de adolescência, mas como
recusava-se veementemente a desperdiçar horas e horas em compras e
andanças pelo shopping, resignara-se e aceitava a opinião de "tendência" de
sua progenitora.
Nunca arrependera-se tanto de uma má decisão como naquele
momento.
E, embora o moletom fosse exatamente do tom da sua pele – o que a
surpreendeu, quando parou para notar – não a valorizava em nada, pelo
contrário. Achou que a peça de roupa acentuava ainda mais a palidez de sua
pele, tão diferente do tom sempre bronzeado do seu irmão (sortudo!), além de
pôr em evidência a sua sobra de peso.
Culotes!, indignou-se, apenas para arrepender-se em seguida. Nunca
preocupara-se com seu aspecto, e agora estava quase surtando apenas porque
um garoto bonito sentou-se ao seu lado e continuava encarando-a. Grande
coisa. Mesmo.
Sofia voltou os olhos para ele e o fitou com atenção, concluindo que
sua precária avaliação anterior fora, sem dúvida, injusta.
Os cabelos de um mix de cores quentes – o que mais chamara sua
atenção –, eram ainda mais impressionantes se vistos de perto. E pareciam
muito macios, como se ele dedicasse algumas preciosas horas diariamente
com cuidados aos fios.
O rosto dele era anguloso, de feições grosseiras, o nariz era reto,
mediano, as maçãs do rosto eram um pouco pronunciadas e seus lábios eram
generosos. Carnudos, Sofia arrepiou-se encarando aquela boca, que movia-se
vez ou outra. Ora era mordiscada, ora era tocada com a ponta da língua, como
se ele quisesse dizer algo e precisasse decidir-se como fazê-lo.
Baixou os olhos pelo corpo dele e sentiu que estremecia. Os músculos
que também avaliara anteriormente eram impressionantes, tal como ele
inteiro. A jaqueta, que em qualquer outra pessoa ficaria enorme, nele, parecia
ter sido feito sob medida. Os bíceps e ombros eram enormes e estufavam o
tecido da peça.
Analisou as tatuagens nas mãos e pescoço dele, notando que seguiam
um padrão. Era curioso, ela nunca vira nada parecido e achou que combinava
com ele.
Media provavelmente mais de um metro e noventa, como seu irmão,
concluiu, baixando ainda mais os olhos, fitando-o de alto a baixo de novo e
de novo.
Deus, ele era definitivamente proporcional. Deliciosamente
proporcional, pensou, fitando a frente do jeans apertado, as coxas firmes,
delineadas e musculosas.
Skinny que chama esse estilo de jeans? Não importava, porque, ali,
achara uma nova definição: tentação em calças.
Sentiu o rosto esquentar e pensou que suas bochechas deveriam estar
do mesmo tom que o seu cabelo.
Ótimo, Sofia, corar na frente de um estranho. Maravilhoso.
Meneando a cabeça, voltou os olhos novamente para o rosto masculino
frente ao seu, e sentiu-se estremecer pelo que parecia a décima vez em
poucos minutos.
Os olhos dele eram escuros, mas não pretos. Eram de um tom terroso e
havia uma pequena listra dourada em volta das suas pupilas. Mas o que a
fizera estremecer novamente não fora a cor impressionante daqueles olhos,
mas sim o que eles refletiam.
Estaria ficando louca ou ele a encarava com... desejo?, perguntou-se,
sentindo a boca seca.
Umedeceu os lábios, inconscientemente, e observou surpresa quando
ele fitou o movimento da sua língua com atenção, seguindo-a com o olhar
faminto.
O que estava acontecendo? Sentiu uma espécie de calor por todo seu
corpo. Deus, deveria estar parecendo um tomate maduro de tão vermelha!
Ele mordeu o lábio inferior, fitando seu corpo com atenção e voltando
os olhos novamente para os dela. Sofia sentiu que não seria capaz de suportar
nem mais um segundo daquela análise silenciosa e abriu a boca procurando
por palavras, a mente em branco. Porém, surpresa, ouviu uma voz muito
próxima e rouca dizer:
— Isso realmente não estava nos meus planos.
— Hum? — balbuciou, incapaz de pensar com coerência, quanto mais
articular racionalmente.
— Preciso dizer que estou surpreso — ele continuou, seu tom rouco e
grave, enquanto a fitava, ignorando o burburinho de vozes ao redor.
— Hum-hum? — conseguiu pronunciar, após limpar a garganta
discretamente.
Vamos lá, ela estava surpresa! Normal perder a fala, oras.
— Você é ainda mais bonita de perto — ele confessou, rindo rouco
quando ela apenas arregalou os olhos e fitou-o como se estivesse vendo um
bicho de sete cabeças. Sorrindo levemente ele continuou: — Ouvi muito
sobre você, confesso, mas creio que deixaram uma importante informação de
fora.
— Hum?
— Você é muda? — indagou delicado, observando-a com ares de pena.
— HUM? — ela sentiu o calor tomar seu rosto mais uma vez, descendo
por seu pescoço. Esteve paralisada, apenas concentrando-se naquele tom de
voz rouco e grave, sentindo-se arrepiar a cada pausa que ele fazia para ouvi-la
balbuciar como uma doente mental e morder os lábios, como que reprimindo
o riso. Meneando a cabeça, tentando clarear a mente, forçou as palavras a
saírem de forma clara por sua garganta: — Não.
Que maravilha. Poderia parecer mais patética?
Ele riu suavemente, exibindo um fileira perfeita de dentes retinhos e
brancos. Ele tinha uma covinha, surpreendeu-se, olhando-o com atenção. Não
a notara antes porque ela apenas aparecia quando ele sorria abertamente, não
apenas um entreabrir de lábios.
— Fico feliz — ouviu-o dizer e voltou a fitá-lo nos olhos. Ele a encarou
por mais alguns segundos, provavelmente observando a forma como o rosto
dela tingia-se de vários tons avermelhados vez após outra. — Sou novo aqui
— declarou, retomando o "diálogo".
— Eu sei — Sofia ouviu-se dizer, bobamente.
— Mudei ontem para a cidade, hoje é o meu primeiro dia na
universidade — continuou.
— Eu sei — repetiu, e balançou a cabeça, frustrada. Custava pensar
antes de falar, Sofia? Seria demais parecer normal por apenas cinco minutos e
não uma idiota com déficit mental?
Ele sorriu mais uma vez, presenteando-a com a visão daquela covinha
de novo.
— Há algo que você não saiba e queira perguntar? — indagou,
sentando-se mais próximo a ela e esticando as pernas na grama fofa,
cruzando os tornozelos.
Sofia fitou suas pernas longas e musculosas, esticando o tecido
desbotado do jeans. Encolheu as suas próprias, buscando relaxar um pouco e
manter uma conversa no mínimo decente com um desconhecido.
Tudo bem que ele era o desconhecido mais gostoso que ela já
conhecera, mas para tudo tinha uma primeira vez, certo? Certo.
— De onde você é? — conseguiu perguntar e parabenizou-se
mentalmente pelo recente sucesso em meio àquele sem fim de murmúrios
desconexos.
— São Paulo. Moro lá há alguns anos, mas nasci aqui — a fitava com
atenção, como se as vozes ao seu redor não fossem nada. — Meus pais
nasceram aqui, mas moram em Itanhaém.
— Hum. — Praguejou mentalmente. Por que era tão difícil para ela
manter uma conversa normal com um garoto? — Legal.
E o prêmio de tapada do ano vai para...
Vocês sabem para quem.
— Está gostando do clima? — não é preciso dizer de quem veio essa
pergunta peculiar e deveras astuta, não?
Para sua sorte, ele riu novamente, como se fosse impossível conter-se.
Deveria estar pensando que ela sofria de alguma doença neurológica grave,
imaginou com pesar.
— Muito — riu de lado. Ele desceu os olhos por seu corpo mais uma
vez, desde os fios do seu cabelo ainda mais avermelhado por causa do sol, até
seus pés nas sapatilhas fofas que escolhera naquela manhã.
Sofia sentiu-se inflamar com aquele olhar. Era quase como uma carícia
por seu corpo, e ela não tinha certeza se aquilo era algo bom ou não.
— Calor aqui, né? — abananou-se com um panfleto que havia
encontrado no banco quando sentara.
— Muito — ele repetiu, mordendo o lábio.
Ela fitou aquela boca, seus dentes repuxando os próprios lábios,
imitando o movimento dele. Ele cerrou os olhos, a expressão passando de
divertida para outra coisa que ela não soube decifrar.
Antes que pudesse dizer alguma coisa, ouviram uma movimentação há
alguns metros dali e voltaram-se naquela direção, curiosos.
Tratavam-se daqueles garotos que observara anteriormente. Os amigos
dele. Pareciam muito animados e quando perceberam que Sofia os notara,
viraram para o outro lado, não muito discretamente.
Não entendeu muito bem o que eles estavam fazendo, provavelmente
os encaravam com assombro, não muito diferente da manada vestindo rosa da
cabeça aos pés que analisara mais cedo. Todos pareciam muito ocupados
tirando conclusões e indagando-se por qual razão aquele cara ridiculamente
gostoso escolhera sentar justamente ao lado dela, que não era em nada bonita
ou estava maquiada como suas outras "colegas".
Notou que ele voltou a atenção para ela e estava quase virando-se para
ele e ignorando todos os outros quando notou que Brian era um daqueles que
a encaravam. Só que o que vira nos olhos dele não era assombro ou confusão.
Era ódio.
O mais denso e perigoso que jamais vira nos olhos de outro alguém.
Sofia sentiu que estremecia, mas de uma maneira muito diferente de todas as
outras até ali. Sem saber o por que, sentiu medo com aquele olhar dirigido
para si. Nunca antes vira algo parecido em Brian, que era um dos melhores –
se não o melhor – amigos do seu irmão.
Por que ele a fitava daquela maneira? Encolheu-se um pouco.
— O que foi?
Assustou-se, pulando um pouco no banco.
— N-nada — gaguejou, limpando a garganta em seguida. — Pensei ter
visto... — interrompeu-se, meneando a cabeça, concluindo que estava
imaginando coisas. Primeiro imaginou ter visto desejo nos olhos daquele
garoto – que aliás, ainda não sabia o nome – e agora pensou ter visto ódio no
olhar que Brian lhe dirigira. Não fazia sentindo. — Não foi nada —
prosseguiu, notando que o garoto ainda a fitava com atenção. — Só pensei...
não importa.
— Não gosta de ser o centro das atenções, não é? — ele pareceu
adivinhar. Ela confirmou com a cabeça. — Não ligue para eles. Estão com
inveja, gostariam de estar no meu lugar.
Sofia franziu o cenho, confusa.
— Não entendo.
— É porque eu tive a coragem que eles não tiveram — vendo que ela
ficou ainda mais confusa, continuou. — Esqueça isso, são apenas idiotas.
— Tudo bem — murmurou, lançando um último olhar para Brian,
notando que ele não estava mais ali. Procurou-o com os olhos rapidamente e
avistou-o mais a frente, na arco de entrada da universidade, próximo ao
estacionamento, barrando o caminho de alguém.
Dando de ombros, resolveu esquecer aquele assunto e voltou-se mais
uma vez para o garoto ao seu lado.
Ele olhou para algo atrás dela, provavelmente na direção dos seus
amigos e sua expressão pareceu fechar. Sombria. Fitando-a mais uma vez,
pareceu relaxar um pouco e falou de forma repentina:
— Quero sair com você.
Sofia tomou um susto e custou a acreditar no que ouvira.
— O que? — perguntou bobamente.
— Quero sair com você — repetiu.
— O que? — aquelas pareciam ser as duas únicas palavras que sua
boca dormente conseguia pronunciar.
Ele respirou fundo, a sombra que tomara seus olhos escuros por um
segundo, sumindo. Sorriu suavemente, encarando-a.
— Eu — apontou para si. — quero sair com você — apontou para ela.
Sofia arregalou os olhos, ainda mais surpresa que antes, quando ele
sentara ao seu lado e puxara assunto.
— Comigo? — perguntou.
— Sim — ele afirmou, rindo baixinho.
— Você? — indagou, ainda de olhos arregalados.
— Sim, eu.
— Quer sair comigo? — voltou a perguntar, apenas para o caso de ter
ouvido errado.
— Sim, Sofia — agora ele ria abertamente, incapaz de conter-se. —
Quero sair com você.
— Mas... Por que? — indagou, confusa.
— Por que? — ele a presenteou com aquela covinha desconcertante
mais uma vez. Tomando as mãos dela nas suas, rindo mais uma vez quando
ela arregalou ainda mais os olhos, continuou: — Por que eu gostei de você.
— Isso eu entendi. Mas por que? — perguntou em um murmúrio,
sentindo-se fraca quando ele começou a acariciar suas mãos entre as dele.
Baixou os olhos, sentindo-se incapaz de encarar aqueles olhos escuros que
pareciam queimá-la. Fitou as mãos entrelaçadas, notando como as dela
pareciam minúsculas se comparadas as dele.
— Porque você é linda.
Não achava que aquilo poderia ser possível. Como seria? Ele era um
tremendo gato, com certeza poderia escolher entre um mar das mais belas
garotas dali. Então, por que ela? Não se considerava feia, mas também não
era nenhuma beldade. Não fazia sentido. Como tudo naquela manhã, aliás.
Todavia, que mal faria sair com aquele garoto? Talvez ele realmente a
achasse bonita.
Confusa, encarou suas mãos unidas mais uma vez, subindo o olhar para
o rosto dele.
— Mas... Mas eu nem sei o seu nome — confessou, em um sussurro.
Ele pareceu não ter notado aquele deslize até o momento. Meneando a
cabeça, apertou as mãos dela.
— Meu nome é...
Entretanto, antes que ele pudesse terminar o que dizia, ouviram um
trovão soar muito próximo.
Engraçado que ele não viera do céu, que aliás estava límpido e
ensolarado, ao contrário do que pensaram.
— Sofia — foi o que ressoou o trovão.
Arregalando os olhos, Sofia virou-se na direção de onde viera o som.
— Interrompo algo? — indagou um furioso e rubro Sebastian.
CAPÍTULO 4
Sebastian dormiu na casa de Vanessa na noite passada.
Seu primeiro erro.
Focada em seu sonho maluco de forçá-lo ao tal "algo mais", não muito
sutilmente, como já estava se tornando costumeiro, ela começara com uma
conversa sem pé nem cabeça de que no outono a cidade parecia mais bela, o
clima era maravilhoso, mantinha-se assim por toda a estação, e aquilo era
propício e necessário para a ocasião.
Qual seria essa ocasião, ele não queria saber nem ousou perguntar.
— Poderíamos até fazer uma pequena viagem. Seria maravilhoso! Daí
você me levaria em algum lugar romântico, com calçamento, é claro. Porque
seria particularmente horrível danificar os meus saltos e você não gostaria de
se ajoelhar em pedras, né? Se bem que na praia seria tão lindo...
E seguia com a ladainha.
Sebastian não aguentava mais aquele discurso. Começava sempre da
mesma forma, com sugestões sobre lugares românticos (um restaurante seria
ótimo, mas seria muito clichê, né, bebê?), com pombas recém libertas
sobrevoando-os (nada exagerado, uma centena seria suficiente, é claro), uma
música de fundo (A Thousand Years, tornaria tudo ainda mais mágico, não
acha, amor?) apenas os dois, ou uma plateia significativa - isso variava de
acordo com o humor do dia. Em alguns (os piores na opinião dele), suas
famílias e amigos e amigos de amigos estariam todos reunidos para registrar
e eternizar o momento.
Aquilo já passava de tortura.
Continuar com isso, encorajando seus sonhos e desejos matrimoniais -
mesmo que não precisasse abrir a boca, na maioria das vezes -, só tornaria as
coisas ainda piores quando precisasse acabar com tudo. E isso seria logo.
Mas antes, rangeu os dentes, marchando em direção ao arco de entrada
da faculdade, precisaria resolver um pequeno probleminha.
O sujeito, pelo que podia ver, era novo por ali. Não lembrava de já tê-lo
visto antes, o que explicava sua ousadia em se aproximar da sua irmã, porque
todos os outros o temiam. E com razão.
Sebastian não era uma cara agressivo. Evitava meter-se em brigas e
confusões, quando, na maioria das vezes, não via sentido em usar os punhos
quando tudo poderia ser resolvido com uma boa conversa pacífica (lê-se
ameaçadora).
A menos que tocassem na sua irmã.
Sofia era o seu calcanhar de Aquiles, e todos sabiam disso, tanto que
evitavam até pronunciar seu nome na presença dele. Nenhum dos seus
amigos e até os que não eram muito próximos dele, gostariam de despertar a
besta adormecida que era Sebastian.
Ele era calmo, na maioria das vezes. Nada parecia atingi-lo ou tirá-lo
do sério. Parecia sempre estar em paz consigo mesmo, sem preocupar-se
demais com nada. Mas todos os que possuíam olhos poderiam dizer, sem
nem precisarem se aprofundar no assunto, que um encontro infeliz com os
punhos imensos de Sebastian não seria algo legal. Para a segunda parte, é
claro.
Ele não era uma cara irracional. Não era uma cara ciumento ou
possessivo - o que deixava Vanessa louca, particularmente.
Tinha conhecimento de que Sofia já era adulta, capaz de decidir seu
próprio caminho e que poderia decidir namorar quem quisesse, tal como ele
mesmo fazia. Mas Sofia sempre seria, por mais adulta e vivida que fosse,
inocente.
Ela não via a maldade e feiura do mundo como ele era. Como Sebastian
via. Ela buscava sempre ver o melhor das pessoas, por mais vis e más que
estas fossem. Como sua relação com Vanessa, por exemplo.
Ela nunca reclamara com Sebastian sobre sua escolha. Péssima escolha,
aliás. Nunca o julgara pelas atitudes infantis de Vanessa, nunca dissera um
"a" sobre seus relacionamentos anteriores, e nunca, em nenhum momento,
metera-se em sua vida.
Sebastian agradecia por isso, verdadeiramente, mas não poderia fazer o
mesmo.
Não quando todos os machos que se aproximavam dela eram os mais
canalhas, galinhas e sem caráter que já conhecera.
Exceto o daquele dia. Sebastian não o conhecia, mas poderia dizer,
mesmo à distância, pelo olhar que destinava descaradamente à Sofia, que ele
não prestava. Seus motivos não eram válidos, e sua aproximação não passava
apenas de um capricho. Sofia seria apenas o seu brinquedinho da semana ou,
no máximo, do mês.
E Sebastian só permitiria uma coisa dessas se estivesse morto. E
enterrado sob toneladas de concreto - ainda assim, seria capaz de escavar um
quilômetro de cimento, se isso o concedesse a chance de quebrar a cara do
desgraçado que fizesse sua irmã sofrer.
Interrompeu os passos de repente quando algo surgiu à sua frente,
bloqueando seu caminho.
— E aí, Sebastian?
Brian.
Não poderia surgir em um pior momento.
Acordou com uma enxaqueca dos infernos - devido as lamúrias e
choramingos infinitos da namorada inconformada com sua falta de interesse
nos também infinitos e ilusórios planejamentos - e que apenas aumentou
quando chegara ali. Não seria capaz de suportar Brian e suas brincadeirinhas
infantis no momento. Não quando estava tão ansioso, apressado para
interromper o que quer que aquele desgraçado desconhecido estivesse
dizendo para sua irmã.
E arrastá-la do crescente circulo de espectadores imbecis que se
formava a sua volta.
— Brian — disse apenas, já se preparando para seguir em frente.
— Por que a pressa, amigo? — perguntou, sorrindo debochado.
— O que quer? — rangeu os dentes, controlando-se para não tirar
aquele pequeno sorriso da boca do amigo com um murro.
— Calma, cara. Amigo, amigo — repetiu, como se tentasse acalmar um
cachorro, o que irritou Sebastian ainda mais. Brian enfatizava a palavra
"amigo", como se aquilo fosse um insulto e não mais um cumprimento. —
Queria conversar, mas você parece um pouco apressado. Inquieto, até um
pouco furioso. Aconteceu alguma coisa?
— Nada que seja da sua conta. Diga logo o que quer e saia da porra do
meu caminho.
— Nossa, cara. Pra que isso tudo? Quanto estresse! Você precisa
relaxar um pouco, isso não faz bem pra saúde, sabia?
Sebastian apenas o encarou, perguntando-se por que ainda insistia
naquela amizade. Não eram mais amigos de fato já algum tempo e a presença
constante de Brian ao seu redor começava a incomodá-lo.
— Vanessa não tem dado conta de você direito, amigo? — o loiro
continuou, para seu próprio azar. — O que foi? Ela não fez o serviço direito
noite passada? Cara, eu sempre te avisei que aquela garota era um pé no saco.
Se eu fosse você...
Sebastian o interrompeu, aproximando-se tão rápido que Brian
assustou-se.
Uma coisa era ele mesmo definir sua namorada como um verdadeiro e
doloroso pé no saco. E ela era, Deus e ele são testemunhas. Mas outra coisa
completamente diferente era ouvir isso de terceiros.
E para o inferno se ele deixaria alguém insultá-la na sua frente.
— Meu relacionamento não te diz respeito — falou calmamente, sua
voz baixa. Uma coisa a respeito de Sebastian é que quando com raiva, ele não
grita, não se exalta, sua voz fica mais baixa, mais grave. Seus olhos de um
azul surpreendente pareciam escurecer por um momento, e apenas um louco
ousaria desafiá-lo. — Se minha namorada não me satisfaz - e garanto que
nesse sentido ela o faz, magistralmente —, isso não é da sua conta. Tal como
o fato de ela ser ou não um pé no saco.
Aproximou-se um pouco mais e viu o loiro engolir em seco. Sebastian
teve ciência de que começavam a atrair certa audiência, mas não se importou.
— Sugiro que foque um pouco na sua própria vida e esqueça meu
relacionamento. Viva um pouco, amigo. Encontre alguém que "faça o serviço
direito" para você e esqueça a boceta da minha namorada — continuou,
vendo-o arregalar os olhos levemente.
Talvez Brian pensasse que ele não notaria certos olhares que julgara
serem discretos em direção a sua namorada. Mas Sebastian notara. Nada
passava despercebido aos seus olhos.
— Sei que a quer, mas tenho uma péssima notícia para você: ela está
comigo — não precisava confessar que pretendia desfazer o relacionamento
assim que a encontrasse. Não seria da conta de Brian, de qualquer forma. E se
ele quisesse investir depois que Sebastian saísse do caminho, que ficasse à
vontade. Sentia o sangue borbulhar nas veias e esforçava-se para se manter
minimamente racional. — Agora saia do meu caminho, amigo — continuou,
afastando-se um passo. Ajeitou a gola da camisa polo que Brian vestia,
puxando-o um pouco. — E lembre-se: não mencione minha namorada
novamente ou seus "afazeres" para comigo.
Batendo de leve - não tão de leve assim - no rosto do outro, Sebastian
afastou-se, voltando a seguir o caminho que fazia antes de ser interrompido,
ignorando todos os que pareciam observá-los com atenção, na expectativa.
Abutres, pensou, procurando Sofia com os olhos.
Vermelho. Foi o que viu, ao avistá-la e quando notou o sujeitinho
acariciando suas mãos enquanto ela tinha o olhar baixo, visivelmente
acanhada. O homem fitava descaradamente seus seios cobertos pelo moletom
da cor de sua pele, que pouco fazia para esconder seus atributos.
Que caralho de roupa era aquela? O moletom se moldava às suas
curvas e, se visto de longe, devido a proximidade do tom do tecido com o
tom da pele dela, parecia estar nua.
Desgraça.
Apertou o passo e parou exatamente em frente aos dois, que não o
notaram a princípio, tão focados que estavam um no outro.
— Sofia — rugiu, vendo-a estremecer e assustar-se com o tom da sua
voz. Não gritou, mas sua voz soou tão alta, tão intensa e perigosa que a
assustara tanto quanto um grito faria. — Interrompo algo? — perguntou
fitando o sujeitinho.
Sofia o fitava assustada, os olhos azuis arregalados, como se tivesse
sido pega fazendo algo errado.
— S-sebastian! O que... — balbuciou, surpresa.
— Perguntei se interrompo algo — repetiu sem olhar para ela,
encarando o filho da puta ao seu lado, que nem ao menos parecia surpreso ou
assustado. Havia soltado as mãos dela, mas só porque ela as puxara quando
pulou levemente no banco.
— C-claro que não! — ela gaguejou, corando.
Parecia tão perdida que Sebastian até culpou-se um pouco por assustá-
la daquela forma. Mas logo a culpa sumiu quando ouviu o desgraçado ao lado
dela rindo. Rindo.
Ele realmente não o conhecia.
— Calma, cara. Estávamos apenas conversando — declarou
calmamente, relaxado, fitando-o nos olhos, sem perturbar-se nem um pouco
com a fúria do olhar que Sebastian lhe destinava. — Você é o irmão, certo?
Ouvi sobre você também.
Aquilo queria dizer que o avisaram sobre os perigos de aproximar-se de
Sofia, e mesmo assim ali estava, nem um pouco incomodado por Sebastian
tê-los interrompido e fitá-lo com um olhar que prometia derramamento de
sangue. O dele.
— Sim, o irmão — Sebastian confirmou, também sorrindo, o maxilar
travado. Se aquele sujeitinho pensava que estava tudo bem, estava muito
enganado. Deveria ter dado ouvido aos que o comunicaram sobre as
consequências. — E você, quem é?
— Ah, eu sou apenas um admirador da sua irmã. Talvez futuro
namorado, se tiver sorte, é claro — disse sorrindo, desafiando-o com o olhar.
Sebastian precisou admirar a coragem daquele sujeito. Ou vontade de
morrer, dá no mesmo.
Ouviu um som que parecia um gargarejo e viu que Sofia engasgava
com o vento, ou a própria saliva, vai saber. Estava vermelha, os olhos ainda
mais arregalados e tossia, colocando uma mão na frente da boca. Se para
controlar a crise de tosse ou para esconder o quando estava chocada,
Sebastian não sabia.
E preferia que fosse a primeira opção.
Sebastian voltou a encarar aquele cara, aproximando-se um passo,
sentindo que estava próximo - muito, muito próximo - de perder o controle.
Particularmente, o agradou a ideia de lutar com alguém de igual para igual. O
sujeitinho tinha aproximadamente a sua altura e era forte, como ele.
Seria um Deus nos acuda para os que estavam de fora, mas para ele,
Sebastian, seria ótimo descarregar um pouco das suas frustrações na cara
daquele sujeito.
— O que disse? — perguntou, soando ameaçador até para aqueles que
os fitavam à alguns metros de distância. Notou que a plateia que avistara
anteriormente ao redor do casal aumentara desde a sua chegada.
O sujeitinho, nem um pouco ameaçado, levantou-se calmamente e
fitou-o nos olhos. Sebastian concluiu que estava certo, ele era da sua altura,
talvez um ou dois centímetros menor - o que, mesmo que seja infantil, o
satisfez -, deu um passo para frente.
— Tenho que confessar — Sebastian disse baixo, aproximando-se mais
um passo até estar quase com o nariz colado no dele. —, que você realmente
tem coragem. Ou não tem medo de morrer. Das duas uma; mas prefiro ficar
com a segunda opção.
O desconhecido sorriu, contrariando as expectativas de Sebastian e o
encarou, sem ao menos franzir as sobrancelhas.
— Tenho que confessar — o imitou. — Que o excesso de coragem é
uma das minhas qualidades. E que não tenho medo. Muito menos de você —
declarou, seu tom também baixo, demonstrando que realmente não o temia.
Sebastian se viu obrigado a confessar - a si mesmo, perderia a língua
antes de declarar tal coisa em voz alta - que gostou do sujeito. Se fosse outra
situação que não àquela, talvez até se tornassem amigos.
Deus estava de prova de que ele precisava de novos, os seus não valiam
de muita coisa.
Mas encarando os fatos como eles eram, aquele cara ousara se
aproximar da sua irmã, e Deus também é testemunha de que nada mais no
mundo seria capaz de tirá-lo do sério como aquilo.
— Realmente corajoso, tenho que admitir — Sebastian continuou. —
Pena ter que quebrar essa sua banca de "sou corajoso" com os punhos.
O cabeludo sorriu de novo, observando-o de igual para igual.
— Gostaria de vê-lo tentar.
Sebastian também sorriu, recebendo a deixa que esperava.
CAPÍTULO 5
Sofia, decidindo que já vira demais e que aquela situação estava saindo
rapidamente do controle, levantou-se com as pernas trêmulas e aproximou-se
dos dois.
— O que vocês pensam que estão fazendo? — perguntou baixinho,
para que apenas eles ouvissem. Sua voz estava trêmula, como ela mesma se
sentia.
— Não se meta, So5fia — disse Sebastian, sem fitá-la, ainda encarando
seu oponente.
— Isso, não se meta, Sofia — disse o estranho. — Isso não é assunto
para você.
Sofia, a quem todos conheciam por ser um doce de moça, sempre
calma, pacífica, que não perde a paciência com nada, sentiu o sangue ferver.
— Isso não é assunto para mim? — replicou, irritada. Mesmo furiosa,
sua voz ainda era baixa, até mesmo conciliatória. Ela não gostava de conflitos
e as encaradas daqueles dois prometiam sangue. De quem, ela não sabia, e
preferia continuar sem saber, obrigada. — Parem com isso, os dois!
Nunca exaltava-se porque nunca tivera motivos para isso. E nenhum
garoto nunca aproximara-se dela e um Sebastian muito furioso nunca
precisara meter-se na sua vida.
E nunca passou maior vergonha, ainda mais em frente aos seus colegas
de faculdade.
— Por que estão fazendo isso? Vocês nem se conhecem!
— Esse é justamente o ponto — Sebastian ainda encarava o rival. —
Quem é você e o que quer com minha irmã?
— Não interessa para você quem eu sou — o outro retrucou e sorriu
debochadamente ao continuar: — Muito menos saber o que quero ou não
com sua irmã.
Sofia segurou rapidamente o braço que Sebastian levantou, certamente
na intenção de socar o garoto que o desafiava.
— Não! Sebastian! O que pensa que está fazendo? — o puxou pelo
braço, não conseguindo afastá-lo mais que três centímetros de onde estava.
Mas já era alguma coisa. — Pare já com isso!
Sebastian continuou onde estava, fitando o estranho nos olhos.
Tinha alguma coisa de errado com aquele garoto. Não era o mesmo que
vira nos olhos e expressões de Brian, mas era algo parecido. Não conseguia
dizer com exatidão o que era, mas sabia que era algo sombrio, perigoso.
Para Sofia.
Resistiu aos impulsos e esforços fracos dela para afastá-lo,
permanecendo onde estava, sem tirar os olhos do outro.
— Não sei quem é você ou o que você quer, isso realmente não me
importa. Contando que se afaste da minha irmã — declarou.
O outro não sorriu dessa vez, apenas o encarou determinado e com
seriedade.
— Não.
Sofia assustou-se novamente pela décima vez naquela manhã e
precisou entrar no pequeno espaço entre os dois homens para segurar seu
irmão, o que fez com que ela tocasse o peito dos dois com seu corpo.
— Não, Sebastian, por favor! — implorou, agarrando-se a ele.
Estremeceu ao sentir o contato do seu corpo com o peitoral forte às suas
costas.
Sebastian, mesmo cego de raiva, notou quando Sofia estremeceu e
afastou-se alguns passos, levando-a consigo.
Ela o abraçou, pressionando o rosto contra seu peitoral, como se
tentasse impedir que ele fizesse alguma besteira. Ele a segurou apertado,
tentando acalmar-se. Por ela.
— Não vou me afastar dela. E essa provavelmente não será a última
vez que conversamos.
Se ele falava sobre voltar a conversar com Sebastian ou com ela, Sofia
não saberia dizer. Nem importava no momento, tudo que queria era que ele
fosse embora de uma vez.
Precisou apertar-se ainda mais contra o corpo do seu irmão, quando
este a soltou do abraço. Implorou, abraçando-o com força:
— Não, Sena.
Sebastian, que estava a ponto de voltar a aproximar-se do outro,
fitando-o com ódio, baixou os olhos e fitou Sofia nos seus braços, notando só
naquele segundo que ela estava trêmula.
Os redondos olhos, idênticos aos seus, estavam arregalados, temerosos
e ela o apertava com uma força surpreendente para uma garota tão pequena.
Tarde demais, lembrou que Sofia teme confusões. Sempre ficava muito
nervosa quando ele metia-se em brigas e não gostava de vê-lo machucado.
Resmungou um palavrão e a apertou contra si, tentando confortá-la. Ela
suspirou baixinho, respirou fundo e voltou-se para o garoto que os observava
atentamente.
— Por favor, vá embora — sussurrou, fitando-o com os olhos
suplicantes.
Ele a encarou seriamente e retrocedeu um passo, ainda a encarando.
Ela soube, apenas com aquele olhar, que ele não desistiria de
aproximar-se dela.
E , secretamente, talvez ela esperasse por isso.

•••
Sofia respirou fundo, tentando se acalmar.
Como um dia que começou tão igual aos milhares de outros nesses
últimos três anos, se transformou nesse mar revolto de surpresas e confusões?
Homens são seres confusos na maior parte do tempo e na outra parte –
lê-se todo o resto do tempo – são irracionais, pensou, baixando os olhos e
escondendo-se atrás do seu livro.
Estava na biblioteca. Fugiu para lá após ser rebocada por um Sebastian
muito contrariado em ter fugido do que parecia ser para ele uma boa luta
matutina.
Depois, ele que a arrastou pela universidade, fugindo dos olhares
curiosos que os cercavam, até uma sala vazia no térreo.
— Por que deixou que ele se aproximasse de você? — perguntara,
fechando a porta atrás de si. — No que estava pensando? O que ele disse pra
você? O que você disse pra ele? Aliás, sobre o que diabos você estava
falando com um desconhecido?
Sofia recostara-se em uma das carteiras e o fitara, sabendo que seria
melhor deixá-lo falar o que quisesse, até o sinal tocar.
— Sujeitinho desgraçado. "Não vou me afastar dela". Quem ele pensa
que é? Não sabe com quem está brincando. Ah, não sabe mesmo — sorrira
sombrio, como que conjecturando o que faria com o "sujeitinho" à seguir. —
Vou ensiná-lo o que acontece com quem se mete nos meus assuntos. Ou me
desafia claramente, ainda mais na frente de toda àquela gente. Ele não perde
por esperar — em seguida soltara uma série de grunhidos indecifráveis,
andando de uma lado para o outro. — Ainda mais vestida assim... nua com
essa roupa. — ela o ouviu resmungar, sem compreender sobre o que ele
falava.
Ela apenas fitava o chão, pensando em tudo que acontecera naquela
manhã. Deus, tanta confusão e ainda são 9h00 da manhã!, pensara.
Sebastian de repente parou de andar em círculos pela sala, fitando-a e
soltando a seguir:
— Você vai ficar longe dele.
Voltou a fitá-lo de súbito, surpresa com a força com a qual ele
declarara aquilo. Não, ordenara, ele ordenou que se afastasse dele.
— Eu vou?
— Sim, você vai — ele declarou, voltando a andar novamente. — Ele,
com toda certeza, vai tentar se aproximar de você novamente. Quando isso
acontecer, mande-o pastar e, se ele insistir, ligue para mim que eu dou um
jeito nele.
— E se eu não quiser? — perguntara baixo, enquanto sentia algo dentro
de si a incomodando.
Sebastian, ainda andando em círculos, pareceu não entender o que ela
dissera e indagara:
— O que?
— E se eu não quiser? — repetiu.
— E se você não quiser o que?
— E se eu não quiser que ele se afaste de mim?
— O que? — perguntou mais uma vez, confuso. — Se você não quiser
que ele se afaste de você?
— Sim. E se eu não quiser que ele se afaste de mim? E se eu quiser que
ele faça justamente o contrário?
— E se você... Por que você faria isso? — parando finalmente de andar
ele passou a fitá-la com atenção. — Você quer que ele se aproxime de você?
Sofia tentou avaliar seus sentimentos sobre o assunto – sobre ele – mas
sentia-se apenas cansada daquele assunto e não estava gostando nem um
pouquinho da forma com a qual seu irmão falava com ela.
— Não sei. Talvez.
— Talvez? Como assim "talvez"?
— Talvez eu queira que ele se aproxime de mim de novo. É uma
possibilidade.
— Não existe possibilidade nenhuma. Muito menos essa! — ele se
exaltara outra vez.
— Por que essa possibilidade não existe? Ele mesmo afirmou que
voltaria a se aproximar de mim e eu...
— E você nada! Eu o avisei e parece que precisarei fazer o mesmo com
você. — aproximou-se dela, falando a poucos centímetros do seu rosto: —
Você vai ficar longe desse cara, Sofia.
Ela, que se assustara com a explosão dele, sentiu o sangue começar a
ferver e poderia dizer, mesmo sem ver o seu rosto, que estava vermelha.
— Eu vou ficar longe dele? Porque você me avisou? Quem você pensa
que é?
— Sou seu irmão!
— Sim, e não meu pai!
— Eu estou mandando que você...
— Você não manda em mim! Se eu quiser me aproximar dele, eu vou!
— Só por cima do meu cadáver!
— Pois seria melhor você começar a planejar o seu funeral, Sebastian
Villar, porque este dia, aparentemente, está prestes a chegar!
— Estou falando para o seu próprio bem, Sofia! Você não entende?
Esse cara não presta, só quer se aproximar de você para usá-la!
— E como você pode saber disso? Nem mesmo o conhece!
— Sabendo, oras! Pude ver pela forma com que ele olhava para você
e...
— E o quê? Você é algum super mestre em decifrar olhares? Oras,
faça-me o favor!
— Sofia, homens sempre sabem o que outros homens estão pensando
apenas pelo olhar. E ele olhava para você com... — Sebastian sentiu-se
incapaz de continuar. Não conseguia nem pensar na hipótese de alguém que
olhara para sua irmã daquela forma voltar a aproximar-se dela. Ainda mais
agora, que ela estava tão determinada a contrariá-lo.
— Desejo? — ela perguntou, com uma voz estranha, embargada. —
Ele olhava para mim com desejo? É tão difícil de acreditar que alguém
poderia sentir desejo por mim?
Sebastian franziu o cenho, sem entender seu tom magoado.
— O que eu quis dizer...
— Sei bem o que quis dizer — o interrompeu. — Ninguém nunca me
olhou daquela forma antes. Tendo em vista a minha aparência, é difícil de
acreditar mesmo. Eu sei.
— Sua aparência? O que tem de errado com a sua aparência?
Sofia bufou, sentindo a vergonha a invadir pensando que teria que
declarar aquilo em voz alta.
— Olhe para mim! "O que tem de errado com a sua aparência"? — fez
uma fraca imitação da voz dele. — Eu sou um desastre, Sebastian! Horrível,
ao que parece. E, levando em conta que todos os outros garotos fogem de
mim como o demônio foge da cruz, é provável que sim.
— Você... O que? Do que você está falando? — perguntou ainda mais
confuso.
— Deus, você não vê? Não percebe? Nunca nenhum garoto se
aproximou de mim ou se sim, nunca mostrou interesse. Devo ser repulsiva
fisicamente. Eles fogem de mim como se eu tivesse lepra ou alguma coisa
pior!
Sebastian ficara surpreso com a declaração de sua irmã, mas, ainda
mais surpreso com a forma com que ela falava. Parecia magoada e, pior
parecia resignada sobre o assunto. E prosseguiu como se doesse continuar
falando:
— E, quando finalmente alguém parece ter interesse por mim, apesar
de tudo, você vem e estraga tudo! Como se eu precisasse de ajuda nesse
departamento! Ele deve estar pensando que, além de doente mental, eu
preciso da ajuda do meu irmão para decidir as coisas por mim!
Sofia sentira-se acabada após sua confissão, com um início de uma
incômoda enxaqueca, e doía continuar falando sobre aquilo. Mas após
finalmente colocar tudo que sentia para fora, não conseguiu parar.
— Apenas uma vez... Só uma vez eu pensei: e se? E se ele estiver
mesmo interessado em mim? E se aquilo que eu vi em seus olhos fosse
mesmo desejo? E se isso fosse possível, apesar de tudo? E se... E se... —
sentiu-se incapaz de continuar, os olhos marejando.
Sebastian parecia paralisado onde estava. A angústia que permeava a
voz dela, a dor de confessar aquilo, o atingiram como um soco. E quando vira
os olhos dela brilhando com lágrimas, sentira-se o pior ser humano.
Aproximou-se temeroso.
— Sofia, o que você...
— Mas isso não importa mais — o interrompeu. Se afastou dele,
sentindo-se acabada. — Talvez e se for verdade, ele deve ter desistido. Ainda
mais depois da cena que você fez.
— Eu só tentei...
— Eu sei. Me defender, defender o perímetro, mijar à minha volta,
como se eu fosse sua propriedade — ela não parecia mais com raiva quando
disse isso. Parecia resignada. Tristemente resignada.
— Deixe-me explicar. Eu só...
— Eu já disse que sei, Sena — ela, que estivera todo aquele tempo
fitando o chão, fitara-o nos olhos. A determinação que Sebastian vira naquele
mar do mais puro azul, ainda mais claros por causa das lágrimas, o fizera
estremecer levemente. — Eu entendo o que você fez, por mais que não
concorde com a sua atitude. E espero que você me entenda também, embora
possa não compreender.
— Entender o que? — perguntou sabendo o que ela diria.
— Que a vida é minha. E posso fazer dela o que quiser.
— Eu...
— E que se ele voltar a se aproximar de mim, não vou afastá-lo.
Sebastian não sentiu a mesma fúria de antes, mas não poderia se calar
diante de tal afirmação.
— Eu avisei que...
— Não me importam os seus avisos, ou ordens — ela o interrompeu,
limpando os olhos dos rastros de lágrimas que escorreram por seu rosto em
algum momento. — Se ele voltar a se aproximar de mim, não o vou afastá-lo.
E se você tentar se meter na minha vida ou me envergonhar na frente de toda
a universidade ou quem quer que seja novamente, esqueço que sou sua irmã.
Sebastian se afastara um passo, assustado, e ela aproveitou que o corpo
dele não bloqueava mais o caminho até a saída da sala. Não queria mais
discussões, tivera um bom número delas naquela manhã. Precisava se
acalmar, pensar um pouco.
Percorreu todo o caminho até a biblioteca sem fitar ninguém, com os
olhos no caminho que seus pés faziam.
E agora estava ali, na calmaria de um dos seus lugares preferidos no
mundo, tentando estudar, com os olhos percorrendo as folhas amareladas do
seu livro, mas sem conseguir focar-se nas pequenas letrinhas.
Pensava e repensava em tudo que acontecera desde que acordara e, sem
conseguir mais pensar na vergonha que sentira ao parecer uma doente mental
em frente àquele garoto ou a vergonha que seu irmão a fizera passar na frente
de toda aquela gente ou na conversa que tiveram depois, largou o livro na
mesa, a mais afastada da grande biblioteca, e fechou os olhos recostando-se
melhor na cadeira.
O silêncio do lugar só era cortado pelo ruído suave de livros sendo
retirados das prateleiras, cadeiras sendo arrastadas, folhear de páginas e
ocasionalmente a voz irritada da senhora Brígida – a bibliotecária responsável
por pôr ordem no lugar.
E havia o som de passos. Indo para lá e para cá, percorrendo os
corredores, entrando e saindo, passando ao seu lado. E aproximando-se.
Aproximando-se dela. Ouviu e sentiu que a pessoa cujos passos
pertenciam parou a sua frente, próximo demais para ser apenas algum
estudante ocupado.
Sofia sentiu uma espécie de déjà vu e, antes de abrir os olhos, soube de
quem se tratava.
— Posso me sentar com você? — perguntou o estranho, sorrindo.
CAPÍTULO 6
Antes de abrir os olhos, Sofia soube que, embora não houvesse
declarado com certeza ao seu irmão, agora já não poderia mais voltar atrás.
Mesmo que nesse caso ela não tenha nem ao menos o procurado; ele que a
encontrou.
E ela não pensara que ele o faria tão cedo. Pelo menos, não ainda
naquele dia.
O observou por alguns segundos, calada.
Ele também a observava. Não poderia ser diferente, pensou. Desde que
se conheceram ele não fazia outra coisa que não observá-la. Perguntou-se o
que ele estaria pensando.
Observou-o dos pés a cabeça como tinha feito antes, só que dessa vez
era diferente. Da primeira vez, ele estivera muito longe e na segunda, sentado
ao seu lado. Dessa vez, porém, poderia observá-lo melhor. Inteiro. Sem
perder nenhum detalhe.
Engoliu em seco. Ele era, sem sombra de dúvidas, um dos caras mais
gatos que já encontrara. Se não o maior de todos.
Seu físico era impressionante. Alto, ombros largos, pele bronzeada e
aqueles olhos de um tom escuro, não pretos, mas quase isso. Havia aquele
filete de cor em volta dos seus olhos que os tornavam únicos.
E havia seus cabelos.
Nunca antes vira – e Sofia orgulhava-se de possuir uma excelente
memória – fios com aquela tonalidade. Eram como mechas de ouro
entremeadas. Mas não apenas de uma tonalidade. Não. Não sabia descrevê-
los com exatidão, mas poderia afirmar com certeza que eram
impressionantes. E lindos. Como ele inteiro.
Fitou mais uma vez seus lábios e estremeceu, sentindo que corava.
Ótimo.
— Posso me sentar com você? — ele perguntou mais uma vez. E Sofia
estremeceu novamente. Aquela voz... Deus, não era justo que tudo naquele
homem fosse perfeito.
Sabia que deveria respondê-lo, ainda mais sendo aquela a segunda vez
que ele indagara. Mas sentia-se incapaz de pronunciar algo. Algo coerente, ao
menos. Não queria passar ao ridículo novamente balbuciando "huns" e "o
que".
Precisava esforçar-se para não parecer uma imbecil. De novo.
Limpando a garganta e concentrando-se, disse:
— Humrum.
Era uma melhora. Para Sofia, sim. E naquele caso específico, ainda
mais.
Ela imaginou que levaria algum tempo para poder voltar ao seu
"normal" perto dele. O que a fez perguntar-se mentalmente quanto seria esse
tempo. E, mais importante, quanto tempo ele estaria ali.
Gostou de pensar que seria muito tempo.
Ele puxou a cadeira à sua frente na mesa mediana e sentou-se. Sofia
olhou para o outro lado, especificamente para onde repousava a senhora
Brígida, imperiosa na sua poltrona e viu-se recebendo um olhar de
advertência. Desviou o olhar rapidamente, sabendo bem a mensagem que a
velha senhora quisera transmitir. Se ousassem perturbar o silêncio do seu
precioso recinto, seriam despachados no mesmo minuto.
Sofia já testemunhara a ira da pequena senhorinha destinada à alguns
dos seus colegas – Lorrany e Thaís, entre eles –, e não gostaria de estar na
sua mira, obrigada.
Observou-o novamente e esperou pacientemente que ele se
pronunciasse. Não que ela fosse incapaz de comunicar-se ou engatar uma
conversa – o que nós sabemos que, sim, ela é –, mas ele a procurara,
provavelmente poderia até tê-la seguido até ali, portanto, ele que deveria falar
primeiro.
— O que está lendo? — ele indagou suavemente, mantendo o tom
baixo, tendo ele mesmo sendo repreendido pela senhora Brígida. Ela
provavelmente notara que ele era carne nova por ali e o fitara seriamente,
lançando flechas com o olhar e aquilo era o suficiente para assustar até um
mercenário.
— Hum. Nada — respondeu, segurando o livro ainda na posição em
que estivera e baixando-o rapidamente ao notar que por todo aquele tempo
ele estivera de cabeça para baixo. Corando como uma idiota e envergonhada,
enfiou o livro na bolsa que estava no chão aos seus pés e aprumou-se na
cadeira, rezando para que ele não tivesse notado também. Se ele o fez, não
falou nada sobre. Pigarreando, acrescentou: — Estava revisando um assunto.
É... para uma prova. É, para uma prova.
Ele sorriu suavemente, apenas esticando os lábios.
— Bom — disse. Observou-a por alguns instantes e voltou a falar: —
Você parece preocupada. Discutiu com o seu irmão?
Sofia surpreendeu-se. Não pela pergunta ou sua curiosidade, mas sim
porque ele parecera realmente interessado. Talvez até preocupado com ela.
Até notara que ela estava chateada.
Melhor, estivera. Estivera chateada. Agora, não mais.
— Está tudo bem — disse apenas e parabenizou-se mentalmente por,
enfim, ter recobrado seus sentidos e conseguir pronunciar-se como uma
pessoa normal.
— Mesmo? — ele pareceu não acreditar.
Ela respirou fundo. Não queria relembrar mais uma vez a discussão
com o seu irmão e nem gostaria de conversar sobre isso com ele.
— Mesmo. — confirmou.
Fez-se alguns segundos de silêncio após isso. Não um silêncio
incômodo. Tão pouco cômodo; o que não seria possível entre dois
desconhecidos.
— Qual o seu curso? — ele indagou.
— Letras.
— Como ou por quê o escolheu?
Surpreendeu-se outra vez. Nunca antes perguntaram sobre a sua
escolha, nem mesmo a sua família. Mas sempre contara tudo aos seus pais,
tanto que desde que decidira-se por qual carreira seria melhor para si, ainda
no ensino fundamental, fizera questão de comunicar a todos que lhe eram
importantes.
Estranhou um pouco por quê aquele garoto, ainda um desconhecido,
seria justamente o primeiro. Mas, talvez, ele quisesse apenas conhecê-la
melhor. Ou, talvez... Ela não sabia o por quê. Nunca estivera naquela situação
– conversando com um desconhecido, ainda mais um do sexo oposto. Talvez
aquilo fosse normal nesse caso. Não saberia dizer.
Portanto, resolveu que poderia ser honesta sobre o assunto. Ao menos
não era uma pergunta pessoal demais.
— Bem. Tive uma professora há alguns anos que de longe foi e
continuou sendo por muito tempo a melhor de todas pelas quais passei.
Talvez eu tenha sido um pouco precoce, embora não me arrependa dessa
decisão. O curso não é como imaginei, é ainda melhor. E sinto que fiz a
escolha certa nesse caso — concluiu, perguntando-se se falara um pouco
demais. Tendo em vista os seus surtos de mais cedo, esse fora o menor de
todos, pensou. Mas talvez ele não visse assim.
— No meu caso, foi o contrário — ele confessou, rindo um pouco. —
Nunca sonhei com a universidade, me contentaria apenas com o certificado
do ensino médio. E considerava este um grande feito, tendo em vista que o
ensino médio foi um inferno — riu novamente e Sofia o acompanhou. —
Portanto, é de se esperar que eu precisasse de um pequeno, ou não tão
pequeno assim, empurrãozinho. Mas, para minha surpresa, o curso também
não era como imaginei, se é que o imaginei algum dia; é ainda melhor. Então,
não me arrependo tanto assim; embora odeie com todas as minhas forças
acordar cedo.
Ele riu novamente e Sofia o acompanhou, sentindo-se relaxar um
pouco. Ele falara tanto ou mais que ela. Mas isso não importava, sentia-se um
pouco melhor e menos incomodada.
— E qual é o seu curso?
— Engenharia mecânica.
— O mesmo que o meu irmão! — disse um pouco surpresa.
— Então é certo que nos encontraremos bastante por aqui — ele disse.
— Embora isso talvez não seja do agrado dele — piscou, referindo-se aquele
momento horroroso de mais cedo.
Sofia, embora não quisesse dizê-lo em voz alta, sabia que aquilo não
seria nada bom aos olhos de Sebastian. E provavelmente precisaria se meter
no meio daqueles dois novamente.
— Espero sinceramente que não aconteça mais nenhuma outra
desavença entre vocês — confessou. Respirou fundo e continuou: — Gostaria
que me desculpasse pelo que aconteceu mais cedo. Sebastian normalmente
não é tão irracional, mas tenho certeza que ele se arrepende do que fez e...
— Não preciso que se desculpe — ele a interrompeu. — Ao menos não
por ele. E não sobre isso. Mas tem algo pelo qual você precisa mesmo se
desculpar — declarou, encarando-a seriamente.
Sofia sobressaltou-se levemente, tentando imaginar se o insultara de
alguma forma. Provavelmente, talvez ele se sentira incomodado por todos os
seus intermináveis murmúrios.
— Desculpe se eu o incomodei ou insultei de alguma forma. Mas
acontece que eu estava nervosa e... — e seguiria balbuciando se ele não a
interrompesse divertido.
— Não, não. Também não precisa se desculpar por isso. E você não me
incomodou. Pelo contrário — fitou-a sorrindo um pouco malicioso. Sofia
sentiu-se esquentar um pouco com aquele olhar. Continuou: — Mas eu me
referia a pergunta que a fiz.
— Pergunta? — perguntou confusa.
— Sim.
— Qual pergunta?
Ele riu, debruçando-se sobre a mesa, aproximando-se do seu rosto.
Embora a mesa fosse de tamanho mediano, ainda era enorme e ele esticara-se
um pouco até quase alcançá-la. Seu tamanho fez com que isso fosse possível,
mas não o permitiu aproximar-se demais.
— Se você aceita sair comigo.
Ela sentiu-se corar novamente, sem conseguir desviar os olhos do rosto
dele tão próximo ao seu. Deus, o que estava acontecendo com ela? Sentia-se
estranha e precisou controlar-se para não se inclinar na mesa e completar a
pequena distância que os separava.
Ele a encarava com seriedade e uma mescla de diversão, aguardando
por sua resposta e aproveitando para fitá-la melhor. Sofia sentiu-se
estremecer levemente com aquele olhar e mordeu o lábio, nervosa e alguma
outra coisa que ela não saberia definir.
Ele baixou os olhos por seu rosto e concentrou-se em sua boca. Dessa
vez ele que respirara fundo, e seus olhos pareceram escurecer ainda mais, se
possível. Observou que o pequeno fio de cor dos olhos dele sumira, restando
apenas a escuridão.
Deus, o que aconteceria se ela apenas de aproximasse um pouco... só
um pouquinho...
— Sofia Villar! — Sofia pulou na cadeira como o grito – mais para um
sussurro alto que propriamente um grito – da senhora Brígida. Não notara que
havia começado a se aproximar dele lentamente e estava parcialmente
inclinada na cadeira.
Uma das regras mais rígidas da senhora Brígida era o contato físico
entre os alunos na biblioteca. Como se um aperto de mão ou abraço de
amigos fosse corromper a imagem do lugar.
Voltou para o seu lugar, notando que ele fazia o mesmo. Perguntou-se
se ele estaria chateado com a intromissão da enfezada senhorinha, mas o
pequeno sorriso matreiro em seus lábios era resposta mais que suficiente.
Sofia evitou olhar ao seu redor, com medo de mais uma vez ser o
centro das atenções. Pensou que se fosse o caso, ao menos não precisaria
encará-los.
— Sofia.
Ela pulou mais uma vez. Deus, poderia ser mais estúpida? Ele apenas
dissera seu nome. Normal. Então por que sobressaltava-se a cada e toda vez
que ele se pronunciava? Ou murmurava seu nome com aquela voz grave e
rouca?
Meneando a cabeça, resolveu concentrar-se na conversa e não em
indagações sem sentido.
— Sim? — disse, após limpar a garganta.
— Você fez de novo — ele a acusou, sorrindo.
— O que? — piscou confusa.
— Você sabe o que — ele piscou para ela, relaxando no encosto da
cadeira.
E ela sabia. Não poderia dar uma de desentendida agora. Ainda mais
após ele repetir a pergunta encarando-a seriamente, fitando-a nos olhos.
— Eu não sei se seria uma boa ideia — confessou em um murmúrio.
Deveria ser sincera.
Ele a fitou por alguns segundos.
— Por que?
— Eu... não sei.
— Algo a ver com o seu irmão?
— Não! Claro que não. Sebastian não tem nada a ver com isso.
— Tem certeza? — ele indagou sério.
— Sim. Claro que sim.
— Hum. Então, vejamos — ele a encarou pensativo. — Eu não faço o
seu tipo?
— O que? — Sentiu-se corar. Mais uma vez. Ótimo.
— Eu não faço o seu tipo? — repetiu calmamente.
Como responderia à isso, pelo amor de Deus? Sentia a face ferver,
deveria estar igual um tomate maduro.
Ela sentiu-se incapaz de pronunciar-se, e apenas o fitou mortificada.
Ele provavelmente notou como ela estava embaraçada e sorriu
condescendente.
— Não consegue responder? — indagou baixinho. Ela meneou a
cabeça. Ele sorriu levemente. — Mas consegue mover a cabeça, não? — ela
confirmou, sentindo-se ridícula. — Então, façamos assim: negue ou confirme
com a cabeça. Eu faço o seu tipo?
Ela permaneceu paralisada um instante e depois de alguns segundos
confirmou levemente com a cabeça.
Ele sorriu um pouco, fitando-a dos pés a cabeça, aumentando o sorriso
aos poucos.
— Você também faz o meu — declarou um pouco rouco.
Sofia arrepiou-se, encarando-o nos olhos. Sentia-se esquentar sendo
foco daquele olhar escuro.
— Então — disse ele, retomando a conversa. — Você quer sair
comigo?
— Sim. — respondeu, sem querer ou sentir-se disposta para pensar
mais sobre. E sentia que fizera a escolha correta. Afinal, ele era o seu tipo, ela
era o dele e isso que importa, certo?
Ele mordeu o lábio, baixando os olhos para a mesa e voltando a fitá-la.
Olhou ao redor e levantou-se, arrastando rapidamente sua cadeira. Arrastou-a
até deposita-la ao lado da que Sofia estava sentada e sentou-se, passando um
dos braços confortavelmente pelo respaldar da cadeira dela.
Sofia tomou uma respiração profunda, arrepiando-se com sua
proximidade. Fitou-o nos olhos, notando como era ainda mais surpreendente
se visto tão de perto. As tatuagens entremeadas no pescoço dele chamavam
seus olhos, tal como um discreto piercing que ele tinha no nariz. A joia era
tão discreta que só naquele momento, estando tão próximos, foi que ela a
notou.
Ele a encarou de cima, sendo alguns centímetros mais alto e sorriu
suavemente.
— Hoje está bom para você? — indagou, mantendo o tom baixo.
Sofia levou alguns segundos para notar que ele falara, e mais alguns
para compreender sua pergunta.
— Hoje? — arregalou os olhos.
— Humrum — ele murmurou, ainda fitando seu rosto com atenção.
Concentrou-se em sua boca e Sofia precisou resistir a tentação de morder o
lábio. — Hoje.
— Não acha... acha muito cedo? — sussurrou.
Estavam muito próximos, tanto que era capaz de sentir o sopro da
respiração dele em seu rosto.
— Não, não acho. Acho que é compreensível.
— O que é compreensível?
— A minha pressa de ficar a sós com você — ele respondeu baixinho,
aproximando-se mais.
Sofia sentiu-se incapaz de pensar com clareza, apenas o observava
aproximar-se mais e mais.
Estavam sentados lado a lado, mas voltados um para o outro. Ele
aproximou-se mais e Sofia estremeceu ao sentir o tronco dele encostar-se no
seu.
— O que...
— Shhh... — ele a interrompeu, colocando um dedo sobre seus lábios.
Estremeceu com seu toque. Ele fitou seu dedo, percorrendo as comissuras dos
lábios rosados em seguida. Ambos respiravam rapidamente.
Arfou ao senti-lo abandonar seus lábios, baixar a mão e em seguida
percorrer suas costas. Sua outra mão ainda continuava no respaldar da
cadeira, de modo que ele quase a abraçava.
A mão continuou a subir por suas costas até estacionar na sua nuca e
ela arrepiou-se novamente, sentindo-se de repente sem forças.
Em um lampejo de racionalidade, murmurou:
— A senhora B-brígida...
— Ela está ocupada — ele a interrompeu novamente. Sua voz estava
rouca e profunda. — Assim como você.
— Eu ainda nem sei o s-seu nome.
Ele sorriu e inclinou-se, murmurando baixinho no seu ouvido.
E, antes que Sofia pudesse agradecer por estarem na mesa mais
afastada da biblioteca – logo, a mais discreta –, estremeceu novamente e
fechou os olhos ao senti-lo colar a boca na sua, ouvindo uma e outra vez um
sussurro rouco, quase uma prece, viajar por sua mente. Um nome, um desejo,
uma descoberta, uma prece.
Beijou-o sentindo-se inteira. Beijou-o como desejou fazê-lo desde que
o viu pela primeira vez, como nunca beijara outro homem. Não era
inexperiente naquilo, já beijara antes, mas aquele beijo parecia e era perfeito,
parecia e era mais, significava mais do que deveria significar o beijo de um
quase estranho.
Beijou e foi beijada, o primeiro de muitos beijos que viriam, ela
poderia dizer, os olhos fechados e um sussurro sobrevoando sua mente:
Henrique.
CAPÍTULO 7
Poderiam ter se passado horas e ela não notaria.
Poderiam ter ateado fogo na biblioteca e este a queimasse viva, e ela
não daria a mínima.
Poderiam soar as trombetas do apocalipse e o mundo acabar, e para ela
não seria nada demais.
Tudo o que importava era aquele momento.
Tudo deixara de existir, de ter importância no segundo que ele colara a
boca na sua.
Henrique.
Um nome muito doce para alguém tão... tão... primitivo, pensou com
dificuldade.
Ele a pressionava contra si, puxando-a cada vez mais, abraçando-a
apertado.
E ela derretia, vez após outra, à cada nova inspeção de sua língua.
A princípio, ele a beijara delicadamente. Apenas um pressionar de
lábios. Sofia se surpreendeu com o quanto alguém tão grande poderia ter
lábios tão macios.
Depois, respirando fundo – enquanto ela mantinha-se em suspenso, de
olhos fechados – ele afastara-se um pouco, poucos centímetros, apenas para
voltar a pressionar a boca na dela novamente, após um grunhido.
Da segunda vez ele não fora tão delicado.
Pressionara a boca na dela e entreabriu seus lábios com a língua.
Gemeu baixinho e Sofia o acompanhou, quando suas línguas se encontraram.
Ela sentia-se incapaz de pensar. Sentia-se incapaz de qualquer coisa que não
beijá-lo. Beijá-lo com tudo de si. Beijá-lo como imaginara desde a primeira
vez que o vira.
E entregou-se.
Rendeu-se a ele, circulando seu pescoço forte com os braços,
aproximando-se um pouco mais. Colando ainda mais seus troncos – se é que
isso fosse possível.
Sofia não era iniciante na arte dos beijos. Talvez não fosse tão
experiente como suas amigas e o resto do mundo, mas também não era
virgem daquilo. Já beijou e fora beijada, normal, todos fazem isso. Mas
nenhum beijo, até ali, chegavam perto do que aquele homem fazia com seu
corpo. Não havia comparações.
Ele a abraçou ainda mais apertado, uma mão ainda na sua nuca e a
outra em sua cintura.
Sofia sentia-se entorpecida. Seus sentidos pareciam amplificados,
sentia e ouvia como nunca antes, partes do seu corpo de repente tornaram-se
tão sensíveis que o simples roçar do corpo dele contra o seu a fazia revirar os
olhos por trás das pálpebras fechadas.
Seus seios, pressionados contra o peitoral dele, pareciam pesados, os
mamilos, rígidos. Nunca sentira isso antes, mas tudo o que mais queria era
mais.
Mais dele.
Mais dele contra si, mais beijos, mais toques, mais tudo.
Tudo com ele. Tudo para ele.
Ela não conseguiu resistir e percorreu com as mãos trêmulas o
impressionante cabelo comprido, entremeando os dedos nos fios. E, seguindo
um instinto que não saberia dizer de onde surgira, puxou-o delicadamente,
mas com certa força.
Ele gemeu novamente, um som rouco, grave, baixinho, íntimo, que
brotara do fundo do seu ser. Mordendo seu lábio inferior e puxando-o
delicadamente com os dentes, ele desceu a mão que acariciava suas costas e
percorreu a lateral do seu corpo, subindo e descendo, aproximando-se
perigosamente de um dos seus seios.
Sofia nunca pensara que poderia desejar tanto que ele a tocasse como
naquele momento. Ali. Onde todos poderiam vê-la. Tudo em que podia
pensar era que seus seios doíam, pesados, e que a única coisa que poderia
ajudá-la com isso, seria o toque dele. Ali. Em seus seios. Naquele momento.
E por todas as outras partes do seu corpo que começaram a latejar,
doer, clamar por um mísero toque dele. E precisou segurar-se para não
implorar em voz alta, contentando-se em gemer baixinho, só pra ele, em
apreciação.
Ouviram, em meio a névoa de desejo que os rodeava, um arrastar
abrupto de cadeira, seguido de um pigarrear e lembraram-se, à custo, onde
estavam. Não que Sofia tenha de fato esquecido onde estava, poderia estar
cercada pelos braços dele, deixando-se sentir coisas que nunca sentira,
ansiosa por mais, porém a percepção de onde estavam, que poderiam ser
interrompidos e repreendidos ainda estava ali; em um cantinho bem afastado
da sua mente, mas estava. Ela só não se importava muito com o fato.
Com uma série de delicados selinhos e após mordiscar mais uma vez
seu lábio inferior, Henrique se afastou minimamente. Sofia fez o mesmo, um
pouco contrariada, e respirou fundo duas vezes antes de abrir os olhos.
Ele a encarava de perto, olhos nos olhos. O mais puro azul e a mais
sombria escuridão. Sofia retrocedeu mais alguns centímetros, mas ele a
puxou novamente, selando seus lábios mais uma vez, rapidamente. Ela riu
um pouco, com a respiração entrecortada.
Os olhos dele estavam cerrados, os lábios inchados e úmidos e Sofia
sentiu-se estremecer quando ele riu roucamente.
— Acho que essa resposta foi suficiente — falou baixinho, a voz ainda
mais rouca.
Ela precisou de alguns segundos para compreender sobre o que ele
falava.
— Acho que sim — riu também, concordando com o que ele já sabia e
declarara. Sairia com ele à noite..
Ele sorriu, percorrendo seus traços com o olhar e depois com os dedos.
Ela arrepiou-se com a carícia e não resistiu em descansar o rosto contra sua
mão.
Ele a fitou por alguns segundos, ainda acariciando seu rosto.
Sofia pensou ver uma sombra escurecer a expressão dele por um
segundo. Mas tão rápido quanto notara, sumira, deixando-a na dúvida se
realmente vira algo ou não.
Engraçado como suas dúvidas pareciam vazias naquele momento. Não
conseguia preocupar-se mais. Sairiam aquela noite, não importa para onde e
seria perfeito.
Ainda se fitavam quando ouviram – finalmente – o sinal tocar.
Precisariam seguir para suas aulas.
Sofia não queria quebrar aquela aproximação, nunca se sentira tão bem.
Mas infelizmente era preciso.
— Vejo você depois? — ele perguntou, levantando-se e levando-a
consigo.
Ela sorriu. Não conseguia parar de sorrir.
— Vejo você depois.
•••
Após um breve, mas intenso, segundo (ou seria o terceiro?) beijo,
Henrique seguiu em direção à sua primeira aula e Sofia preparava-se para
fazer o mesmo, observando-o caminhar relaxado, como se possuísse o mundo
em suas mãos.
Porém, antes que desse um segundo passo em direção à saída, fora
interrompida por uma massa de cachos volumosos e brilhantes que adentrara
o seu caminho.
— Você! — a pessoa por baixo daquela montanha cacheada quase
gritou, apontando um dedo para ela. — Quem é você e o que fez com a
minha amiga? — perguntou, empurrando-a de volta para a cadeira, ignorando
os resmungos inconformados da senhora Brígida, que expulsava todos dali
sempre que o sinal tocava. — Fica sussa aí, senhora B. Só preciso de alguns
minutinhos. Obrigada, querida — falou, como se fosse a íntima da senhora
Brígida. Esta por sua vez a encarava boquiaberta com a ousadia. A morena
voltou-se novamente para Sofia, ignorando o assombro da velha. — Você se
parece com ela, mas com certeza não é — continuou, fitando-a com atenção,
desconfiada. — É?
— Eu... — Sofia tentou responder, mas foi interrompida.
— Quem é o gostoso? Onde o conheceu? Ele beija bem?
— Ele... — tentou novamente, sem sucesso.
— Qual é o nome dele? Ele tem algum amigo gostoso? O que você
comeu hoje de manhã? Você não é a Sofia que eu conheço. Tá doente? —
colocou a mão na testa de Sofia, esperando um instante, conferindo os
segundos no relógio em seu pulso, como se estivesse medindo seus
batimentos. Na testa. — Você não está quente e sua pressão está normal —
refletiu. — Foi algo que você bebeu? Porque, se sim, me indica que eu
também quero. Ainda mais se essa bebida vier acompanhada de um super
gostoso, necessito — observou o caminho pelo qual Henrique seguira, como
que esperando que ele brotasse na soleira da porta da biblioteca. Quando isso
não aconteceu, fixou sua atenção de volta na amiga. — Fala, Sofia! — berrou
e bateu em seu braço.
— Ai! Calma, Lorrany! Como vou falar ou conseguir responder alguma
das suas mil perguntas se você não cala a boca? — perguntou, massageando
o braço.
— Você está falando agora e ainda não respondeu nenhuma delas. Fala
logo! De onde brotou esse gostoso, deus do Olimpo?
Sofia riu, rendendo-se.
— Ele é novo aqui — começou e a morena revirou os olhos.
— Isso eu sei. Pedi para você responder as minhas perguntas, não para
ser óbvia. Anda, fala!
— Tudo bem, tudo bem! — rindo, ela tentou escalar de mais um tapa.
Levantou-se e, entrelaçando o braço com sua amiga, a arrastou em direção a
saída da biblioteca (para alívio de uma muito contrariada senhora Brígida). —
O que você quer saber primeiro?
— Qual o nome do gostoso e você sabe se ele tem amigos solteiros?
Gostosos, por favor. Tipo assim, iguaizinhos a ele. Porque, você sabe, estou
solteira e tal, tipo, completamente disponível — quase berrou as duas últimas
palavras enquanto passavam por um grupinho de garotos. Eles riram para ela,
ou dela, não dá pra saber a diferença, e acenaram com a cabeça. — Senhores
— ela se curvou, como se cumprimentasse um dos seus amados lordes de
Game Of Thrones. Em seguida soltou beijos para alguns e seguiu com o seu
rebolado, arrastando Sofia consigo. — Responde, caralho! Ficou muda por
algum acaso?
— Meu Deus, Lorrany. Como vou conseguir responder se você não
cala a boca por um segundo? — riu. — E foram duas perguntas.
— E não estou vendo você responder nenhuma delas.
— Agora que tenho chance, posso responder. O nome dele é Henrique.
Não me pergunte o sobrenome, porque não perguntei e isso não tem
importância agora. E sim, ele tem amigos gostosos. Super gostosos, eu diria
— riu, corando um pouco. E antes que Lorrany abrisse a boca, acrescentou:
— Mas nem se anime. Embora sejam gostosos, não são como ele. E não sei
se estão solteiros.
— Não importa. Você vai me apresentar a eles — e lançou um olhar
para sua amiga que dizia "ou sofrerá as consequências". E vindo dela, Sofia
sabia que tudo era possível. — Então, estou curiosa. Como um garoto que
chegou hoje, precisamente há algumas horas, conseguiu a difícil façanha de
enfiar a língua na sua garganta?
— Lorrany! — protestou baixinho, corando.
— Falei alguma mentira por acaso? Não. Eu sei, você sabe e graças a
mim, a senhora Brígida não. Aliás, de nada — disse, parando rapidamente em
um dos espelhos próximos ao banheiro e conferiu o estado dos seus cachos e
da caprichosa maquiagem que fizera pela manhã. Concluindo que estava tudo
no lugar, soltou um beijinho para o seu reflexo e continuou andando. — Se
eu não os interrompesse, possivelmente vocês ainda estariam lá, na
biblioteca, guerreando com as línguas, quando Brígida, A Rígida, retornou do
banheiro.
Lembrando-se do pigarrear que os interrompera, trazendo-os de volta
para a realidade, Sofia voltou-se para ela, surpresa.
— Foi você?
— É óbvio. Quem mais seria? Algum dos patetas que estavam
assistindo seu duelo de saliva? Certamente que não. Aliás, a Ariputa era um
deles, só pra você saber.
— Ariana estava lá? Eu não vi — Sofia disse.
Notara poucas coisas quando entrara na biblioteca e após a chegada do
seu acompanhante, não notara mais nada. Mas Arianna Monteiro – ou
Ariputa, como Lorrany a chamava – era algo difícil de não se ver. Ainda mais
com seus longos cabelos de um loiro quase branco (tingidos, obviamente) e
sua vozinha irritante – de uma garça à procura de acasalamento, na opinião de
Lorrany.
Fato era que, além de deveras irritante, Arianna era uma das cabeças do
grupinho das "mais-mais".
As mais lindas, as mais populares, as mais bem arrumadas e mil e
outros "mais". E um dos seus muitos apelidos – alguns obras de Lorrany – era
"passarinho".
Nada que presenciasse ou chegasse aos seus ouvidos permanecia em
segredo por muito tempo.
Sofia sabia que era uma questão de minutos até chegar ao
conhecimento de todos na universidade que ela beijara o cara novo, um
estranho, na biblioteca.
Estremeceu com essa imagem mental.
Não que ela se envergonhasse do que fez, ela só não gostava
particularmente da ideia de que todos por ali ficariam sabendo e falariam
sobre algo que deveria ser só seu. E dele.
Pior, tinha certeza que aquela conversa chegaria aos ouvidos de
Sebastian, e ela não estava ansiosa por outra discussão com seu irmão.
Ao menos ela poderia pensar positivo e imaginar que Sebastian levaria
à sério o seu pedido de não meter-se novamente na sua vida.
Pior que isso, ela rezou mentalmente, que a senhora Brígida não
gostasse de fofocas.
Se ela soubesse que algo assim acontecera sob sua severa supervisão,
Sofia sofreria graves consequências. Como ser proibida de pisar novamente
na biblioteca.
Ela rezou um pouco mais.
— Não se preocupe — Lorrany a tranquilizou. — Quebro as asinhas
dela antes que ela faça algo contra você. Ela me conhece, sabe que você é
minha amiga e sabe do que sou capaz. Ela não se arriscaria tanto... —
interrompeu-se de repente, parando no meio do corredor.
Sofia olhou para ela, sendo obrigada a parar de caminhar também, já
que ainda era arrastada pelo braço.
Olhou para o seu rosto, intrigada e a encontrou com a boca aberta e
olhando fixamente para algo a sua frente, com os olhos arregalados.
Sofia seguiu seu olhar e avistou os amigos de Henrique parados em
frente a uma sala próxima de onde elas estavam, conversando e rindo com
alguns veteranos.
— Meu Jeová! Quem são aqueles deuses? — perguntou, ainda os
fitando.
Sofia riu. Aquele era o normal da sua amiga. Sempre em busca de
garotos. Ainda mais se fossem super gatos como aqueles.
— Aqueles, querida amiga, são os amigos de Henrique — sussurrou
baixinho, afastando-se um pouco para observar sua expressão.
Lorrany arregalou ainda mais os olhos e seu queixo caiu.
— Eles? — apontou não muito discretamente. — Tem certeza?
— Sim.
— Mesmo?
— Mesmo.
— Você não está brincando com a minha cara? — indagou, sem
desviar os olhos deles, como se isso fosse impossível.
— Não, Lorrany. Não estou — Sofia riu mais um pouco. — Aqueles
são os amigos de Henrique.
— Mana do céu! Eu vou me esbaldar nessas divindades! Obrigada,
senhor! — exclamou, levantando as mãos para o céu. Ou, no caso, o teto da
universidade.
— Outra hora você se "esbalda" — Sofia disse, puxando-a para
continuarem seu percurso até suas salas. Só tinham quinze minutos após o
toque do sinal para entrarem nas salas e Sofia não gostaria de se atrasar ainda
mais. — Temos aulas, vamos.
— O que? Eu não vou sair daqui! Preciso conhecê-los. Como acha que
vou casar com o pai dos meus futuros filhos sem ao menos saber seu nome?
— ela plantou os pés no chão, recusando-se a ser arrastada.
— Pai dos seus filhos? Você está louca? Vamos, com certeza está um
pouco desidratada.
— Desidratada eu vou ficar quando sentar em um daqueles gostosos até
suar um rio. Ou nos dois, já pensou? — fez uma expressão sonhadora, sem
deixar de encará-los nem por um segundo.
— Lorrany! Vamos — Sofia insistiu, puxando-a enquanto ela resistia.
—Aula, Lorrany. Temos aula.
— Aquele ali tem cara de quem come bem — disse, referindo-se ao
loirinho. — Mas aquele outro... — mordeu o lábio com uma expressão
safada. — Aquele tem cara de quem tem um equipamento e tanto. Se é que
você me entende — balançou as sobrancelhas sugestivamente.
— Meu Deus! O que você comeu ou bebeu hoje de manhã? Está mais
descontrolada que o normal. Vamos — puxou-a, indo para o outro lado, na
direção que seguiam todas as manhãs. — Temos aula.
— Mas eles...
— Temos aula, Lorrany — seguiu arrastando-a sem problemas.
— Mas os meus filhos...
— Não nasceram ainda e nem vão, ao menos espero, por um bom
tempo.
— Mas eu preciso, mana! Quero sentar na...
— ... cara deles, eu sei. Mas não agora, vamos.
— Ando tão precisada — choramingou, rendendo-se. Não sem antes
lançar um olhar sugestivo para eles - que retribuíram - e fazer um sinalzinho
de "me liga" com o braço que Sofia não agarrava. — Você está me devendo
um orgasmo.
— Pena eu não gostar da fruta, mana. Mas logo você encontra alguém
pra abaixar o seu fogo.
— Espero que bem logo mesmo — ajeitou os cabelos novamente,
piscando e mandando beijinho para um garoto que passara ao seu lado. Em
seguida, entrelaçou melhor o braço ao de Sofia e a puxou, dizendo: —
Vamos, não seja uma lesma. Temos aula, não ouviu? Vamos chegar atrasadas
por sua causa.
Sofia apenas revirou os olhos, rindo, seguindo-a enquanto a observava
distribuir beijos e piscadelas no ar para todos os garotos que cruzavam o seu
caminho.
CAPÍTULO 8
— Não vou vestir isso.
— Sofia, esse vestido é lindo. Você é linda. Então, qual é o problema?
— Thaís perguntou.
— É curto demais! Vou ficar nua com esse pedaço de pano. Não vou
vestir isso — negou novamente, sentando-se na cama e cruzando os braços.
— Não é curto demais, você que não está acostumada com roupas
apropriadas para a sua idade — alfinetou Lorrany, jogada no pequeno
sofázinho próximo a janela.
— Não é nada disso! Eu só não acho...
— E, além do mais, é um vestido — Lorrany a interrompeu. — E Deus
e o mundo é testemunha de que eu nunca vi você em um vestido.
— Isso não é verdade! — ela se irritou, embora fosse, sim, verdade.
Possuía vestidos, todos comprados por sua mãe, é claro, mas nunca sentira-se
à vontade em um. — Eu só não...
— Me poupe — a interrompeu novamente, acomodando-se melhor no
móvel que era pequeno e desconfortável demais para seu gosto. — Todos
sabemos a verdade. Não minta. Você não usa vestidos. Ponto.
— Meninas, não precisamos brigar por isso — Thaís tentou apaziguar
os ânimos, sabendo que se continuassem naquele caminho, Lorrany não daria
trégua, montaria todo um discurso, Sofia se irritaria e sobraria para ela
resolver as coisas depois. Melhor acalmar as coisas agora, antes que fosse
tarde demais. — Sofia não precisa usar um vestido. Podemos escolher
alguma outra coisa.
— Obrigada — Sofia disse aliviada.
— Uma ova que não precisa — Lorrany sentou-se no sofá. — Você vai
sair com um cara, Sofia. Um cara. Um homem — enfatizou. — Gostoso.
Gostoso demais, aliás. Isso já aconteceu antes?
— Bem, não — confessou, envergonhada. — Mas eu acho...
— E acha que seria legal ou minimamente aceitável usar uma daquelas
roupas que a sua mãe compra para você, hoje?
— Não, mas...
— E já que você não quer usar esse vestido maravilhoso, tenho que
frisar, onde encontraríamos outro?
— Hum... No shopping? — perguntou, indecisa. Não gostava de
shoppings, mas se fosse preciso, faria de tudo pela roupa apropriada para esse
encontro.
Um encontro.
Ela, Sofia Villar, tinha um encontro. Já poderia escutar ao longe as
trombetas do apocalipse. O fim do mundo estava próximo.
— No shopping? Essa hora? — Lorrany a encarou sem um pingo de
piedade. — Faltando, exatamente, uma hora para o seu encontro? Quem você
acha que somos? — antes que ela pudesse responder, prosseguiu: — Super
ninjas? Porque, sim, claro que conseguiríamos ir ao shopping, rodar por todas
as lojas possíveis, encontrar uma roupa adequada para você e depois voltar
para cá e arrumá-la inteira, em uma hora. Claro que sim, vamos ao shopping!
— debochou, deitando-se novamente.
Sofia a encarou por alguns segundos, assumindo para si mesma que não
teriam tempo para isso. Olhou para Thaís, suplicando. Mas ela concordava
com Lorrany, embora pedisse desculpas com o olhar.
— Sinto muito, amiga — disse baixinho. — Pensei que você gostaria
do vestido. Foi o mais comportado que encontrei, eu juro. E tenho certeza
que você não gostaria de usar um dos vestidos dela — sussurrou, apontando
para Lorrany que ainda estava deitada no sofá, as pernas pra cima, apoiadas
na parede e mexendo no celular.
— Não mesmo — Sofia estremeceu levemente só em imaginar isso.
Não que sua amiga se vestisse mal; esse problema era dela, não de Lorrany.
Mas, ao contrário das roupas de Sofia, que sobravam pano, as de Lorrany
careciam disso.
Eram muitos shorts microscópicos, minissaias, mini-blusas e toda uma
variedade de mini-roupas. Não que Sofia achasse isso um problema; isso
nunca. O corpo era da sua amiga - e ela possuía definitivamente um corpo - e
ela poderia usar o que quisesse.
Ainda mais levando em conta que roupas daquele estilo ficariam
ridículas em qualquer pessoa, menos em Lorrany. Ela possuía o poder de
vestir-se da forma que quisesse, com o trapo que escolhesse pela manhã e
ainda seria maravilhosa. Ninguém ousava julgá-la por isso. Talvez por sua
personalidade e charme. Todas as roupas que vestia pareciam compor quem
ela era e isso nunca seria errado.
Porém, Sofia, que se escandalizara com o vestido que Thaís trouxera
para ela, não gostaria de vestir algo ainda menor.
— Não sou surda, vocês sabem — Lorrany falou tranquilamente, ainda
mexendo no celular. Não se importava com a opinião de terceiros sobre si, e
sabia que suas amigas não falavam por mal. Apenas se vestiam diferente.
Cafonas, pensou. — Se não quiser usar o vestido que Thaís trouxe, amada, —
fingiu um tom condescendente. — você terá que usar um dos meus. O que eu
prefiro, certamente. Tenho um que é do babado e ficaria ótimo com essa sua
bunda. Talvez dê até para vê-la um pouco. E os seus peitos também. Ficariam
ó — fez um sinal com o polegar e o indicador. Sorriu zombeteira. — Seja
qual for a sua escolha, decida-se logo, não tenho a noite inteira. Mas, nem
pense em escolher uma daquelas suas roupas de freira. Por isso não estamos
na sua casa, aliás — e voltou a dedicar-se ao celular.
Sofia suspirou. Desconfiava disso, mas agora que sua amiga dissera,
tinha certeza.
Assim que acabaram as aulas, Thaís, que também estudava ali, as
encontrou na saída da universidade, suada e ansiosa pelas novidades. Viera
correndo o percurso inteiro da sua sala no segundo andar assim que recebera
uma mensagem de Lorrany, que não perdera tempo, a informando sobre os
acontecimentos recentes.
Sofia não se importou que fofocassem sobre sua vida na sua presença,
como se ela nem estivesse ali.
Não se importou com o sol escaldante que as acompanhava até o
estacionamento.
Não se importou com o seu celular que vibrava ininterruptamente,
anunciando o recebimento de chamadas e novas mensagens.
Não se importou que algumas pessoas pelas quais passava olhavam
para ela e sussurravam, surpresas.
Nem se importou com o olhar ultrajado que Arianna lhe lançara,
quando se cruzaram no estacionamento.
Não se importou com nada.
Nada parecia ter importância depois da pequena surpresa que
encontrara na porta da sua sala, quando o sinal tocara novamente, dessa vez
anunciando o encerramento das aulas.
Saíra ainda juntando o seu material, por isso não notara que alguns dos
seus colegas de curso revezavam o olhar entre ela e a pessoa parada ao lado
da porta que a fitava e sorria da sua falta de jeito para guardar suas coisas na
pequena bolsa, encostado casualmente na mesa do professor que fora um dos
primeiros a sair.
Só o vira quando conseguiu, finalmente, fechar a bolsa e levantou o
olhar, afastando um cacho dos seus cabelos que se soltara do rabo de cavalo.
Parou onde estava, à dois passos da porta e o encarou de olhos
arregalados.
Ele a fitou por mais alguns segundos e riu, esticando o braço e
puxando-a para sí, ainda encostado na grande mesa.
— Oi — disse suavemente, abraçando sua cintura.
Sofia, que não gostava em absoluto de demonstrações daquele tipo em
público, viu-se relaxada nos braços daquele ainda estranho.
O que a surpreendeu, só não mais que o fato de ele estar ali, na sua sala,
claramente a sua espera.
O que a fez se perguntar: como ele descobrira onde era a sua sala?
— Oi — respondeu baixinho, corando enquanto as pessoas que
passavam do lado de fora e claramente os viam arregalavam os olhos,
surpresas e diminuíam os passos, para observar mais. Cidade pequena, as
mesmas pessoas todos os anos... Todos se conhecem, o que é horrível, na
opinião de Sofia.
Felizmente, eram muitas pessoas saindo ao mesmo e tempo, e uma
parte delas - os mais sensatos, na opinião de Sofia - queriam apenas sair
daquele prédio e ir para suas casas ou quaisquer que fossem seus destinos. De
forma que os que queriam observá-la por mais alguns segundos, logo eram
empurrados pelos que vinham atrás.
Infelizmente, não poderia dizer o mesmo dos seus colegas de classe que
permaneceram na sala, mesmo sendo óbvio que não estavam ali para outra
coisa que não observá-los.
Mas ali estavam, uma dúzia de garotos e garotas curiosas que careciam
de algo melhor que fazer do que observar e depois fofocar sobre a vida de
terceiros. Arianna entre eles.
Sofia estremeceu.
Henrique acariciou suas costas, observando seu rosto com atenção.
— Tudo bem? — perguntou.
Ela respirou fundo, tentando esquecê-los e focar-se somente nele.
— Sim — respondeu, relaxando em seu abraço. Surpreendeu-se com o
quanto poderia estar tão relaxada nos braços dele. Se conheceram à menos de
um dia e já ficavam assim, abraçadinhos na frente de todos.
— Tem certeza? — perguntou ternamente, sem olhá-la.
Henrique lançou um olhar sério pelos curiosos, que viraram
rapidamente, pegando bolsas e livros e praticamente correndo em direção à
saída. Sofia riria, se uma das pessoas não tivesse permanecido ali.
Ela não precisava olhar para saber quem era.
Arianna.
Sofia sentia sua nuca queimar e quase pediu que saíssem dali. Porém,
antes que abrisse a boca, ele lançou mais um olhar sério para a pessoa às suas
costas e voltou a fitá-la.
— Precisamos conversar — disse.
Estremeceu novamente. Sobre o que ou por quê ele precisava conversar
com ela?
Será que já se arrependeu por tê-la chamado para sair? Ou ouvira
alguma coisa sobre ela nos corredores?
Ou pior, se incomodara por ouvir seu nome pelos corredores?
Ou, ainda pior, teria ele se encontrado com Sebastian novamente?
Sofia rezou para que não fosse esse o tópico da conversa. Porque, se
sim, com certeza ele desistiria de aproximar-se dela de vez.
— Tudo bem — disse baixinho e se afastou um passo.
Ele soltou sua cintura e encaminhou-se para a saída, tomando-a pela
mão. Ela surpreendeu-se com esse gesto.
Isso a deu esperanças de que sobre o que quer que fosse a conversa, não
seria sobre arrependimentos. Com isso em mente, segurou sua mão com força
e deixou-se ser levada pelos corredores da universidade, para onde quer que
ele fosse.
Ele seguiu abrindo caminho em meio a massa de pessoas que paravam
para conversar nos corredores e a levou para a saída.
Sofia pensou que sentariam em algum dos banquinhos como aquele em
que sentara pela manhã com ele, porém ele seguiu andando mais um pouco,
não em direção à saída ou aos banquinhos, mas sim em direção à lateral do
grande pátio.
E encontrou o que buscava: uma frondosa árvore mais afastada das
outras, talvez até uma das maiores entre todas.
Ela abriu a boca para perguntar o por que de ele tê-la levado até ali,
entretanto, antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele se encostara na árvore,
onde ninguém que saísse ou caminhasse por ali o visse e a puxou novamente
para si.
— O que...
Ele a beijou.
E Sofia surpreendeu-se com a intensidade daquele beijo.
O que compartilharam antes, que ela pensava ter sido o beijo mais
sensacional da sua vida, em nada se comparava com aquele.
Logo ela viu-se incapaz de fazer qualquer outra coisa que não beijá-lo e
apertar-se contra ele.
Henrique subiu as mãos por suas costas e, encontrando a massa
desorganizada dos seus fios presos no rabo de cavalo, puxou o fino elástico
que os unia e soltou seus cabelos.
Ele colocou o pequeno elástico no bolso e embrenhou as duas mãos nos
seus fios acobreados, inclinando sua cabeça como bem quisesse, para beijá-la
mais profundamente.
Ela gemeu quando ele mordeu seu lábio inferior, estremecendo e sentiu
a bolsa começar a escorregar por seu ombro.
Notando o mesmo, Henrique pegou a bolsa, sem deixar de beijá-la e
deixou-a no cair no chão, voltando a tomar posse dos seus fios novamente.
Sofia não se importou com o pequeno barulho que soara quando sua
bolsa pousou no chão. Não lembrava se havia algo frágil ali dentro e tão
pouco se importava.
Tudo o que importava era que ele continuasse a beijando e abraçando
com força.
Não notou que suspendera sua respiração até que ele descolou a boca
da sua e, com um gemido rouco, percorreu seu rosto com os lábios e puxou
seu cabelo de leve, inclinando seu pescoço. Onde pressionou os lábios.
Ela tomou uma respiração profunda, gemendo baixinho de olhos
fechados ao sentir a língua dele percorrer sua pele quente.
Ele a beijou, lambeu e mordiscou de leve, fazendo-a tremer em seus
braços.
— P-pensei que fossemos c-conversar — disse trêmula.
Ele mordiscou sua pele mais uma vez, beijando o local antes de
levantar a cabeça para fitá-la. Ela fez o mesmo.
Seus cabelos compridos, pouco abaixo dos ombros, estavam levemente
bagunçados e somente naquele momento Sofia notara que tinha as mãos ali.
Seus olhos estavam entrecerrados, escuros, sem a sombra de cor que
normalmente os iluminava. Seus lábios estavam levemente inchados, úmidos
e sua expressão era o que Sofia poderia descrever como única e
simplesmente: desejo.
Ela poderia descrevê-lo com facilidade porque também era o que
sentia.
— E estamos conversando — ele disse baixo, sua voz ainda mais
rouca, profunda.
— Estamos? — ela sussurrou.
— Ah, sim. Certamente — ele afirmou, descendo as mãos por suas
costas, causando arrepios no corpo dela. — Isso é o que eu particularmente
chamo de uma boa conversa — sorriu malicioso.
— Ah — ela disse debilmente.
E ela precisou assumir para si mesma que aquele tipo de conversa
passara a ser a sua preferida.
CAPÍTULO 9
Ele sorriu observando seu rosto, seus cabelos e tudo sobre ela, como
sempre fazia.
— Você quer conversar? Uma conversa normal, digo. Daquelas que só
palavras saem das nossas bocas — perguntou ainda sorrindo de leve.
— Hum — ela disse, sem conseguir pensar direito com aquele corpo
enorme e másculo colado ao seu.
Sentia-o por todo o seu corpo.
E, mais precisamente, sentia uma parte específica dele pressionada
contra uma parte também específica do seu corpo.
O mínimo movimento não intencional - ou sim - de ambos, fazia com
que aquilo roçasse com mais força contra ela.
E ela não sabia o que pensar sobre aquilo.
Aquilo, a situação, não "aquilo" a coisa dele. Vocês entenderam.
— Vou entender isso como um não — dissera ele.
Ela apenas piscava, o olhando, desejando por mais daquilo, mais dele,
mas sem saber como dizer isso em voz alta.
Ele a fitou por alguns segundos, percorrendo os fios vermelhos com os
olhos, depois com as mãos.
— Você é tão linda — murmurou, impressionado. Sofia não acreditava
nisso, mas achou melhor não discutir sobre isso naquela hora e não sentia-se
disposta para uma discussão sobre a sua beleza - ou, nesse caso, na opinião
dela, a falta dela. — Por que prende os cabelos assim?
— É mais prático — respondeu, com a respiração já normalizada.
— E não pesa? — ele perguntou. Ela confirmou com a cabeça, ainda
sentindo o toque dele nos seus fios. — Então não deveria prendê-los. Deveria
ser crime prender um cabelo tão lindo assim.
Ela corou, mais do que já estava. Ficou calada, apenas piscando e o
encarando.
Ele brincou mais um pouco com o seu cabelo e depois olhou-a nos
olhos, voltando a abraçá-la.
— De que horas devo buscá-la? — perguntou.
Sofia sentiu-se confusa por um momento, depois lembrou-se do
encontro que teriam à noite.
— Não sei — disse. Não queria confessar que nunca saíra em um
encontro e não sabia à que horas geralmente isso era feito. Preferiu ficar
calada e esperar que ele sugerisse o horário. O que ele fez depois de pensar
um pouco.
— Tenho que passar em um lugar para pegar algo, antes de pegar você
— ele disse. — Às sete está bom para você?
Ela concordou com a cabeça, rapidamente.
— Bom. Às sete, então — ele sorriu, beijando sua bochecha, como se
não conseguisse resistir ao impulso de beijá-la. — Tenho uma surpresa para
você.
— Uma surpresa? Para mim? — ela se surpreendeu.
— Sim.
— O que é? — perguntou antes que pudesse se conter. Ele riu.
— Se eu contasse não seria mais uma surpresa, não? — riu da
expressão contrariada dela, selando seus lábios rapidamente. — Mas garanto
que você vai gostar — disse com um sorriso malicioso.
Ela estremeceu, abraçando-o mais apertado.
Ele respirou fundo, deixando o sorriso escorregar por seus lábios e
voltando a fitá-la com desejo.
— Acho que precisamos ir agora. Já conversamos.
— Acho que sim — ela disse, embora, se pudesse, escolheria não sair
dali nem tão cedo. Tipo, nunca.
Porém, afastou-se relutante, pescou sua bolsa no chão e já ia dar o
primeiro passo para sair dali quando ele riu. Ela o encarou confusa.
— Onde pensa que vai? — perguntou ainda sorrindo.
— Hum... Para casa? — a afirmação saíra como uma pergunta, dado a
sua confusão.
Ele riu novamente, puxando-a para si mais uma vez. Ela não teve
escolha se não encostar-se a ele, sentindo-o por todo seu corpo novamente.
— Para casa? Assim? — perguntou, fingindo um tom repreendedor. —
Não está esquecendo nada?
— Hum... Não? — franziu o cenho.
Ele riu malicioso.
— Ah, Sofia, assim você me magoa — aproximou seu rosto do dela,
inclinando-se. — Tem certeza que não esqueceu nada?
Ela negou com a cabeça, incapaz de falar com os lábios dele tão
próximos aos seus.
— Mesmo? — perguntou rouco. — Não sabe que é falta de educação
despedir-se de alguém com quem estivera conversando, antes de sair
andando? — fingiu repreendê-la. — Que feio.
Ela sentia-se em suspenso, fitando os lábios dele, desejando prová-los
novamente.
— Tchau? — ele riu novamente. — Eu mereço ao menos um beijo de
despedida, não? — fingiu um tom triste. — Não mereço?
Ela não respondeu, começando a ficar ofegante. Mas como ele ainda
aguardava uma resposta ela apenas afirmou com a cabeça.
Ele fitou-a com os olhos entrecerrados, mordendo o lábio inferior e
inclinou-se um pouco mais, em direção à sua orelha.
— Beije-me, Sofia — sua voz agora não passava de um sussurro rouco.
Ela arrepiou-se e precisou segurar um gemido quando ele, antes de afastar o
rosto, mordiscara levemente o lóbulo da sua orelha. — Beije-me como eu a
beijei. Com fome.
Ele se afastou e a encarou, sem sombras de sorrisos e esperou que ela
fizesse aquilo.
Ela sentia-se fora do seu próprio corpo. Nunca se sentira tão excitada
na sua vida e não seria capaz de resistir ao pedido dele. Que também era o
seu.
Pressionou a boca na dele e por um segundo ficou parada, apenas o
sentindo de olhos fechados. Depois, como ele fizera, embrenhou os dedos no
seu cabelo e o puxou, mordendo seu lábio inferior de leve.
O resultado fora surpreendente.
Dessa vez, ele que estremecera, gemendo e a atacou como um animal
que estivera perseguindo sua presa por horas e agora a tinha cativa.
Colocou as mãos por baixo do seu moletom e acariciou a pele da sua
cintura, movendo-se rapidamente e invertendo suas posições, pressionando-a
contra árvore.
Sofia gemeu ao senti-lo acariciar sua pele, perigosamente perto dos
seus seios e inclinou-se, como se dando permissão para isso.
Mas ele parecera pensar melhor e retirou as mãos rapidamente. Ela
quase gemeu em protesto.
Quase. Porque, grunhindo mais uma vez, ele a rodeara com os braços e
deslizando as mãos por suas costas, pressionando-a mais contra si,
estacionou-as na sua bunda, apertando-a com força.
Sofia arfou e depois gemeu, quando ele apertou sua bunda com as duas
mãos e a puxou contra seus quadris, movendo-se lentamente.
Ela puxou o cabelo dele com força, sentindo-se perto de ruir.
Deus, como aquilo era possível? Ele a fazia sentir-se fora de órbita,
quente e excitada ao extremo.
Fora uma pena para ela quando, após um grunhido, ele aliviara o aperto
das mãos e voltou a percorre-las por seu corpo, diminuindo aos poucos a
intensidade do beijo, até selar seus lábios várias vezes, delicadamente e
afastar-se um passo.
— Agora vá — disse, a voz profunda. — Vejo você às sete.
Ela balançou sobre suas pernas, trêmula, sem conseguir pensar direito.
Precisou de alguns segundos e respirou fundo duas vezes antes de fitá-lo mais
uma vez e virar-se para ir embora.
Quando dera dois passos ele chamou seu nome. Ela virou-se para ele e
o observou encostado na árvore, fitando-a com fome nos olhos.
— Não prenda o cabelo.
Ela concordou com a cabeça e seguiu em direção à saída, rindo
tolamente até que encontrara Lorrany e depois Thaís.
Quando já estavam na casa dela, algumas horas depois, após pararem
para comer a primeira coisa gordurosa que encontraram na pequena
lanchonete próxima a sua casa, que contara, ainda boba como permanecera
pelo resto do dia, que naquela noite, ela, Sofia Villar, teria um encontro.
Depois fora um inferno suportar suas amigas gritando e planejando mil
e uma coisas que deveriam fazer antes do milagroso encontro, até que Sofia
anunciara, despreocupada, que este seria naquele dia, às sete.
Daí, o inferno foi triplicado e acabaram ali, na casa de Thaís - já que
Sofia não seria capaz de arrumar-se sozinha e com dignidade pela primeira
vez na vida - para produzi-la para o seu encontro.
O primeiro de sua vida.
Esperava que os esforços das suas amigas dessem certo. E que aquela
noite fosse perfeita.
— Sofia! — Lorrany berrou, atirando uma almofada na sua cara. Sofia
se sobressaltou, voltando para o presente.
— Aí! Está maluca?
— A maluca aqui é você! Está fazendo o que ai, parada, olhando pro
tempo como se ele fosse seu melhor amigo? Vamos! — exclamou,
finalmente se levantando do sofá. Pegou Sofia pelo braço e a arrastou em
direção ao banheiro do quarto de Thaís. — Se você pretende sair com aquele
gostoso ainda hoje, primeiro precisa tomar um bom banho.
— Eu posso andar sozinha - resmungou, mas não se afastou dos
pequenos empurrões encorajadores da amiga.
— Disso eu não tenho dúvidas, já que caminhou felizinha para o
matadouro hoje mais cedo com o seu gostoso, não é? Mas eu não te culpo,
sabe? Eu também iria com muita boa vontade para qualquer lugar com aquela
divindade. Para dar umas sarradas pressionada contra uma árvore então, até
correria. Sortuda — resmungou, parando no seu caminho para pegar a toalha
felpuda que Thaís a estendia, rindo. — É a vida, alguns com pouco e outros
com tanto. Injustiça.
— Eu não caminhei felizinha para dar umas sarradas com ninguém! Ele
me chamou para conversar e...
— E então sarrou em você, quase a comeu ao ar livre e coisa e tal. Sim,
eu sei. Não precisa passar na minha cara novamente, entendi da primeira vez
— a interrompeu, chegando finalmente na porta do banheiro. A abriu e
enfiou Sofia lá dentro, berrando antes de fechar a porta: — Não esqueça de
depilar as pernas.
Fechou a porta e já ia refazer seu percurso até o tão amado e
desconfortável mini-sofá de Thais quando, lembrando-se de algo, abriu a
porta e colocou apenas a cabeça para dentro.
— E mais para cima também, se é que você me entende — balançou as
sobrancelhas sugestivamente. Mas quando viu que Sofia apenas a encarava,
sem compreender, explicou, bufando ultrajada. — A perseguida, Sofia!
Depile a perseguida! — e para o caso de restarem dúvidas: — A xavasca,
Sofia, querida. Depile a xavasca, sim? Obrigada.
E fechou a porta, bufando e resmungando como os jovens de hoje em
dia são tapados, como se ela não tivesse a mesma idade que Sofia.
Thaís apenas ria, rolando na cama. Nunca se acostumaria com as
loucuras da sua amiga. Ela sempre tinha uma tirada ou outra para toda e cada
uma situação. E eram sempre hilárias.
Alguns minutos depois, uma Sofia higienizada e corada - se pelo banho
ou ainda pelas palavras de Lorrany, ela não saberia dizer - saíra do banheiro e
deram início a missão que denominaram como "abre porteira".
Que espécie de nome era aquele, Sofia não saberia dizer, e preferia
continuar assim.
Porém, Lorrany, a quem todos conheciam, além do seu estilo, por ser
uma pessoa patologicamente incapaz de calar a boca, explicou.
— É apenas uma expressãozinha que usamos às vezes quando
necessitamos que alguém abra nossa porteira. Só acontece uma vez na vida
de cada garota. Mas você não precisa se preocupar com isso — disse. — A
menos que você não tenha feito o que mandei — lançou um olhar ameaçador
para Sofia. — Você fez, não é?
— Fiz o que? — perguntou confusa com aquela conversa.
Não sabia o que porteiras e alguém as abrindo tinham a ver naquela
história. Porém, a maioria das coisas que saiam pela boca da sua amiga nunca
faziam sentindo mesmo. Ao menos, não para ela.
Thaís riu, sentando na cama.
— O que ela quer dizer é...
— Que espero que você tenha desmatado esse matagal no meio das
suas pernas, Sofia — Lorrany a interrompeu. — Caras, ou a maioria deles,
não gostam de pelos nos dentes, sabe? Então, espero sinceramente que você
tenha sido uma boa menina e tenha deixado tudo prontinho.
— Eu fiz o que você mandou, embora não existisse matagal nenhum. E
podemos parar de falar desse assunto? Obrigada — voltou-se para o espelho
à sua frente na penteadeira, notando como sua pele estava vermelha.
Notando o quanto ela estava incômoda com aquele assunto, Thaís
tentou ajudar.
— Claro, amiga. Esse é um assunto muito...
— Sério. Um assunto muito sério — Lorrany a interrompeu
novamente, virando o banquinho em que Sofia estava, de frente para si. — Se
você vai sair com um cara, deve saber de algumas coisas. E se essa for a
primeira vez que você faz isso, então você precisa saber de muitas coisas.
Rendendo-se ao notar que não escaparia daquele assunto, virou-se de
frente para suas amigas e empertigou as costas.
— Quais coisas? — perguntou, corando.
Feliz ao receber sua total atenção, Lorrany caminhou até a cama, que
ficava exatamente de frente onde Sofia estava e sentou-se ao lado de Thais.
— Bom, vejamos por onde começar — cruzou as pernas e colocou uma
mão no queixo com uma expressão pensativa. — Primeiro, se ele quiser levar
você para um motel, diga não. Não se leva una garota que acabou de
conhecer de cara para um motel.
— Lorrany! Ele não vai me levar em um motel! E...
— E, se ele insistir, acaricie o meio das pernas dele com o seu salto —
a interrompeu. — Chute com toda força.
— Ele não vai me...
— Segundo — a interrompeu novamente, contando nos dedos
conforme falava. — Se ele a levar em algum lugar suspeito, ligue para
alguém. Em casos de desaparecimento, a polícia sempre tem como registrar e
rastrear essas coisas. E, se você me ligar, eu mesma chuto as bolas dele —
continuou. — Terceiro; se ele pedir para você brincar com os amigos dele,
caia fora. Eu até indico ménage e tal, mas não parece ser a sua praia. E não
seria bom na sua primeira vez.
— Meu Deus! Nós não vamos transar, Lorrany! É apenas um encontro
e...
— E, em quarto lugar, se você resolver, mesmo contra meus conselhos,
ir para um motel, use camisinha. Você nem conhece o cara e tal, não sabe se
ele tem gonorreia ou sífilis ou coisa pior. Portanto, não arrisque — a encarou
com seriedade. Respirou fundo e depois riu, relaxando, olhando para Thaís.
— Foi mais fácil do que pensei.
Thaís balançou a cabeça, rindo levemente.
Sofia apenas as encarava, chocada. E vermelha da cabeça aos pés.
— É apenas um encontro! Nós não vamos transar! — exclamou.
Depois gaguejou: — N-não que eu não queira. Digo, é... Com ele. Eu quero.
Eu acho — disse confusa. Balançou a cabeça. — Mas, de qualquer forma, eu
não vou transar com ele hoje. Acabei de conhecê-lo!
— E daí?
— Lorrany! - Thaís exclamou. — O que Sofia querendo dizer é que ela
não se sente pronta para isso ainda. Ela precisa conhecê-lo primeiro, confiar
nele, e aí sim, depois disso, pensar se quer ou não transar com ele. Ou ir para
um motel.
Sofia apenas balançou a cabeça, concordando.
Sentia-se mortificada com aquela conversa e pior, por ser o centro dela.
Mas já deveria estar acostumada com essas situações, ainda mais sendo a
única ainda virgem entre as amigas.
— Mas ela precisa entender que existem algumas coisas que ela ainda
não sabe. Coisas que ela pode fazer, sem de fato precisar transar com ele —
Lorrany se justificou.
— Eu ia chegar nessa parte — disse Thaís. — Sei que você só quer
ajudar, amiga, mas precisa maneirar um pouco no que diz. Certo? — a
encarou e Lorrany concordou com a cabeça, contrariada, fazendo seus cachos
balançarem no ar. Thaís riu da sua expressão emburrada, mas resignada e
virou-se novamente para Sofia. — Então, como Lorrany disse, existem
algumas coisas que você pode fazer sem propriamente transar com ele. Você
precisa saber o que ou quais são essas coisas ou já tem ideia do que estamos
falando?
Sofia queria que um buraco surgisse aos seus pés bem ali, no meio do
quarto.
Porém, precisava saber ao menos um pouco sobre o assunto e, tendo
em vista o que acontecera naquela árvore, era provável que acontecesse
novamente.
— Eu posso... É... Tocá-lo lá? — suas bochechas não coravam mais,
elas ferviam.
— No pau dele? — Lorrany perguntou.
Dando uma cotovelada na amiga e ignorando quando ela resmungou
alguma coisa, Thaís concentrou-se em Sofia.
— Claro — sorriu um pouco maternal. — Você pode tomar a iniciativa
ou, é claro, deixá-lo levar sua mão até lá.
Sofia concordou com a cabeça, mostrando que compreendeu. Em
seguida, respirando fundo, perguntou:
— E ele pode... É... Retribuir o favor? Digo, tocar a minha...
Intimidade?
— Você quer dizer "boceta".
— Lorrany! — Thaís a repreendeu. — Claro que pode, Sofia. Mas
apenas se você se sentir confortável.
— Ou você pode pedir para ele chupá-la — Lorrany sugeriu, falando
rapidamente antes de ser interrompida. — Você sabe, na sua "intimidade".
Ou pode fazer o mesmo por ele também, mas peça que ele a auxilie na
primeira vez. E se ele pedir que você coloque a boca em alguma coisa que
você considere suspeita — fez um círculo com o polegar e o dedo indicador.
— Diga que não. Alguns caras gostam disso, mas eu particularmente não
colocaria minha boca no cu de alguém.
— Já entendi! — Sofia exclamou, levantando-se do banquinho, mais
vermelha que nunca. — Vamos mudar de assunto. Ou melhor, você poderia
calar a boca por cinco minutos e terminar de uma vez essa maquiagem —
disse fitando Lorrany.
Esquecendo aquele assunto pelos próximos minutos, elas se
concentraram em produzi-la.
E, de repente, depois de pouquíssimos esforços do trio, eis que Sofia
tivera uma surpresa.
Aquela pessoa que a encarava de volta no espelho não poderia ser ela.
Surpresa, percebeu que gostava do que via. E imaginou se ele pensaria o
mesmo.
CAPÍTULO 10
Uma das razões pelas quais preferiram ir para casa de Thaís em vez de
permanecerem na sua, foi que, além de Sofia não possuir nada no
departamento "embelezamento", também corriam o grave risco de Sebastian
chegar a qualquer momento.
E isso não seria algo que alguma delas desejaria.
Sofia deduzira isso quando, após negligencia-lo por quase um dia
inteiro, resgatara o celular na sua bolsa, em meio a um sem fim de coisas
desnecessárias e surpreendeu-se com o grande número de mensagens e
ligações perdidas. A maioria delas do seu irmão.
Por certo ele ouvira algo sobre o que acontecera na biblioteca e, ao não
a encontrar na saída da universidade, descontou toda a sua frustração e ira ao
ser ignorado na sua caixa de mensagem.
Ignorando boa parte delas, ouviu algumas e leu suas últimas mensagens
e deduziram - ela, Thaís e Lorrany - que deveriam partir imediatamente.
Como trabalhava na oficina do seu amigo após as aulas, Sebastian não
tivera como segui-la imediatamente quando notara sua ausência e de suas
amigas, mas Sofia não confiaria na sua sorte permanecendo ali; ele poderia
sair mais cedo com a intenção de interrogá-la sobre o que ocorrera.
E ela não precisava de mais uma discussão com o seu irmão. Ainda
mais estando prestes a sair com Henrique.
Por isso, ela fizera uma pequena mochila com seus objetos pessoais,
avisara a sua mãe que dormiria na casa de Thaís e fugira às pressas.
Se sua mãe notara sua pressa, preferira não comentar.
Virna geralmente era uma mulher muito discreta, mas se soubesse o
verdadeiro motivo por trás da correria da sua filha ao sair de casa, esta não
sairia dali tão cedo.
Ao menos não antes de ser obrigada a contar com quem sairia, onde o
conhecera, o endereço dele e nomes dos seus pais.
Sofia conhecia sua mãe bem demais para arriscar-se a atrasar-se ainda
mais.
Fora testemunha da curiosidade da sua mãe vezes sem conta, todas
destinadas ao seu irmão e suas conquistas amorosas.
Isso sempre a divertiu, mas não gostaria de sentir na pele o que seu
irmão sofrera. Ao menos até que conhecera Vanessa e, após alguns meses,
anunciara o namoro.
Sebastian daí em diante, com sua vida amorosa mais tranquila e a
animosidade de Virna para com sua namorada - não que ela demonstrasse tal
desagrado tão abertamente. Não, ela era muito educada para isso, porém
também nunca a adulava ou conversava por horas, como sempre fazia com
todos que ela gostava - ele passara a respirar aliviado sempre que comunicava
que sairia e sua mãe apenas o implorava para tomar cuidado ou perguntar se
não seria uma boa ideia ele levar Sofia consigo.
Isso para Sofia era um inferno. Além de ser obrigada a sair de casa sem
a sua vontade, teria que segurar vela para seu irmão e sua namorada
antipática.
Mas, com o tempo e a preciosa ajuda de Otávio, Virna finalmente
desistira e todos na casa passaram a ter paz.
Sofia permanecia em casa na companhia dos seus amados livros e
estudos e Sebastian saía para onde quer que desejasse sem ter que levar à tira
colo sua irmã-farol-de-machos.
Após ouvir todas as outras mensagens ultrajadas e cheias de palavrões
do seu irmão, enquanto se dirigiam para a casa de Thaís, Sofia lembrou-se
que Henrique não perguntara o seu endereço. Nem o seu número.
Como ele a buscaria se nem sabia onde ela morava?
E, pior: se ele perguntasse a alguém, descobrisse seu endereço e ela não
estivesse lá, e sim Sebastian?
Ela quase pirou.
Quando finalmente chegaram na casa de Thaís, suas amigas
perguntaram por quê ela estava tão tensa e ela explicou.
Porém, antes que Lorrany começasse a xingá-la por não ter passado seu
número, redes sociais e e-mail para ele, o celular de Sofia começou a vibrar
no seu bolso.
Imaginando ser, mais uma vez, seu irmão, ela ignorara a chamada,
cumprimentando a mãe e irmãos de Thaís enquanto subia as escadas para o
quarto da sua amiga, no primeiro andar. Suas amigas permaneceram na sala
enquanto ela subia, entrava no quarto e desabava na cama, imaginando se
haveria no mundo pessoa mais azarada que ela.
Como se esquecera daquilo?
Como ele faria para buscá-la sem saber seu endereço nem seu paradeiro
no momento?
Ela começou a enlouquecer.
— Escute só, seu idiota. Eu não sou nenhuma garotinha indefesa e
muito menos menor de idade! — gritou quando atendeu o celular que vibrava
pela terceira vez seguida. — Se eu quiser sair com alguém, eu vou! Você não
é meu pai, não manda em mim e não tem autoridade nenhuma para isso! —
respirou fundo e continuou: — Eu o avisei uma vez e não me faça dizer de
novo! Você sabe que não faço promessas em vão e, juro por Deus, se você
insistir nessa atitude de homem das cavernas comigo eu nunca mais falo com
você! — fez outra pausa, tentando se acalmar e notou que o outro lado da
linha estava em silêncio. Teria ele desligado na cara dela? — Sebastian?
Sebastian, se você estiver de brincadeira com a minha cara eu vou...
— Hum. Não é o Sebastian — uma voz diferente dissera do outro lado.
Ela pulou assustada e sentou-se na cama, com os olhos arregalados.
Afastou o celular da orelha e checou o visor, notando só naquele
momento que não era o número do seu irmão que a ligara. Era um número
desconhecido.
E ela, por todo aquele tempo, gritando como uma maluca, desabafando,
descontando toda a sua frustração em alguém que nem merecia.
Pior, alguém que nem conhecia, já que o número não estava registrado
nos seus contatos.
— Tem alguém aí? — o homem, deduziu pela voz grave, riu um pouco.
— Hum... É... Desculpe. Pensei que era outra pessoa — disse, sentindo
as bochechas queimarem de vergonha. Agradeceu aos céus por estar sozinha
no quarto e sem testemunhas.
— Sim, eu percebi — riu novamente. Provavelmente a estava achando
hilária, pensou. — O que ele fez para você?
— Quem? — perguntou.
— Sebastian, o fruto da sua ira — riu
— Ah, sim — pigarreou desconfortável. — Nada importante, na
verdade. Coisa de ir...
— Irmãos, eu sei. Mas ele discutiu de novo com você ou algo assim?
Sofia afastou o celular novamente, encarando a tela assustada.
Quem era aquele estranho e como sabia que Sebastian era seu irmão?
Seria alguma pegadinha de algum dos amigos idiotas dele? Ou...
Não, ela pensou, sentindo o sangue fugir do seu rosto.
Não seria possível!
Como ele conseguiria seu número? Ela balbuciou alguma coisa e
depois recolocou o celular na orelha, pigarreando.
— Hum. Quem é? — perguntou temerosa.
Que não seja ele. Que não seja ele.
Qualquer um menos ele. Que não seja...
— Não reconheceu a minha voz? — ele perguntou, fingindo um tom
triste, perceptível até mesmo naquela ligação. — Que feio, Sofia. Pensei que
nosso momento mais cedo não sairia da sua cabeça tão cedo, tal como não
saiu da minha durante todo o resto do dia.
— Henrique — sussurrou, fechando os olhos.
Deus, por que ela sempre tinha que passar vergonha perto dele? Agora,
até em uma simples ligação!
Ela precisava urgentemente de ajuda médica, aquilo não era normal.
Ele riu novamente.
— Vejo que lembrou — disse. — Consegui o seu número com um dos
caras da universidade. Espero que não se importe.
— Não, não. Tudo bem — falou, ainda sentindo-se uma tola.
— Liguei para saber o seu endereço. Ficamos tão... Ocupados mais
cedo, que esquecemos esse pequeno detalhe — riu mais uma vez, seu tom
malicioso.
Ela arrepiou-se.
Não conseguira tirar todos aqueles poucos minutos na presença dele da
cabeça durante todo o dia. Como poderia, afinal?
Nunca antes sentira algo minimamente parecido com o que sentira
aquela manhã com ele.
E, precisou admitir para si mesma, estava ansiosa por mais.
— Ainda vamos sair, certo? — ele perguntou.
Sofia despertou do mundo de lembranças em que estava.
— Sim! — respondeu rapidamente. Meneando a cabeça e
repreendendo-se por parecer tão desesperada, repetiu com uma calma que não
sentia: — Sim, claro. Ainda vamos sair. Mas temos um problema.
— Qual problema? — ele perguntou curioso.
— Não estou em casa — disse.
— E onde você está?
— Na casa de uma amiga. Viemos para cá depois das aulas.
— Ah, então vocês estão fazendo um desses rituais de garotas — disse
rindo.
— Rituais de garotas? — perguntou confusa.
— Sim, rituais de garotas. Essas coisas que vocês sempre fazem juntas.
Como arrumar o cabelo, pintar as unhas umas das outras e essas coisas que
mulheres fazem.
Sofia riu, relaxando aos poucos.
— Ah, sim. Esses rituais. É, pode-se chamar assim — sorriu para o
nada. Era sempre uma experiência única conversar com ele.
Após a pequena fase de gagueiras e vergonhas as quais ela é sempre
suscetível ao início de cada diálogo, é claro.
— Existem outros? — perguntou interessado.
— Outros o que?
— Rituais. Você disse "ah, esses rituais". Pergunto-me se existem
outros.
— Ah — ela riu, um pouco sem graça ao admitir: — Na verdade eu
não sei.
— Quando souber então, conte-me. Adoraria ouvir sobre todos os
detalhes sobre reuniões femininas e seus rituais.
Ele riu mais uma vez e ela o acompanhou.
Se ele notara seu deslize ao quase admitir em voz alta que aquele seria
o seu primeiro encontro da vida, não deixara transparecer e ela agradecia por
isso.
— Então — ele falou após alguns segundos de um confortável silêncio.
— Você está pronta?
Ela fitou seu reflexo no espelho da penteadeira de Thaís a sua frente.
Olhou para o seu moletom e cabelos desgrenhados.
— Quase pronta — respondeu, tentando não entrar em pânico.
— Bom. Quando estiver completamente pronta, — riu. — ligue para
mim.
— Tudo bem — respondeu, um pouco mais tranquila ao notar que ele
não estabelecera um tempo para isso.
Já eram quase sete horas e ele não estava preocupado com o seu atraso,
parecia apenas satisfeito por saber que ela não dera para trás de última hora.
— Mas antes, diga-me o endereço da sua amiga — pediu.
Sofia ditou o endereço e o informou sobre qual rota seria mais rápida
naquele horário, mas como não sabia onde ele estava, desistiu no meio de
uma explicação mais detalhada sobre a hora do rush no centro da cidade e
seus infinitos engarrafamentos.
— Vejo você em breve — ele dissera.
— Vejo você em breve — ela respondeu, sorrindo.
— Ah. E, Sofia — ele disse, antes que ela pudesse desligar a ligação.
— Não prenda o cabelo — ela pode ouvi-lo rir baixinho antes que a chamada
fosse encerrada.
Encarou a tela do celular e riu, jogando-se de costa na cama de Thaís.
Poucos segundos depois, em um timing perfeito, suas amigas
adentraram o quarto, com Lorrany fazendo um escândalo como sempre e
colocaram mãos a obra, após a conversa constrangedora sobre depilação,
motéis, camisinhas e ménages.
E finalmente estava ali, pronta.
Em frente ao espelho ela fitava seu reflexo, ainda admirada.
Ela não se achava a mais feia das espécies, nem tão pouco a mais
bonita. Mas aquela mulher que a olhava de volta no espelho não poderia ser
ela.
Era impossível.
A maquiagem que Lorrany fizera, não muito marcada, apenas um
"esfumadinho básico" como ela declarara, realçava a cor dos seus olhos, que
naquela noite pareciam mais azuis, como duas pedras preciosas recém
lapidadas.
Seus cílios, que eram generosos e um tom mais claro que seus cabelos,
estavam negros e definidos. Lorrany ainda insistira e quase discutiram sobre
a importância dos cílios postiços - que para ela eram essências e
indispensáveis para um lacre. Sofia não concordava com sua opinião e fora
preciso que Thaís as acalmasse, declarando que não teriam tempo para
aquilo.
Emburrada por ter sua opinião descartada, Lorrany terminara sua
maquiagem com um bico de descontentamento e Sofia temeu que ela a
deixasse como um palhaço como vingança.
Mas o resultado fora surpreendente.
O batom clarinho nos seus lábios apenas os realçava, tal como o
contorno que sua amiga fizera no seu rosto.
Com a face levemente iluminada e maquiada à perfeição, Sofia não se
reconhecia.
Suas amigas, paradas atrás de si, como mães orgulhosas da sua cria, a
encaravam satisfeitas e felizes com o resultado.
O vestido que relutara tanto em usar, mas que fora obrigada, caíra
como uma segunda pele no seu corpo.
Ela e Thaís tinham quase as mesmas medidas e não fora difícil vesti-lo,
o que a surpreendera já que o tubinho preto parecia, fora do seu corpo, quase
um vestido infantil de tão pequeno.
Mas o tecido, que Sofia não seria capaz de dizer qual era, tendo zero
conhecimento no assunto, era desses que esticam e ajustam-se ao corpo.
E ela precisou assumir que gostara do resultado.
Não ficara absurdamente curto como supôs. O vestido delineava suas
curvas e estacionava no meio das suas pernas, de alguma forma as
delineando, tornando-as um "espetáculo a parte", como dissera Thaís.
O único problema eram os seus seios.
Thaís possuía seios pequenos e Sofia, não. Então, fora um pouco
desconfortável encaixá-los naquele espaço reduzido, mas conseguira depois
de algum esforço coletivo e após concordarem que um sutiã seria
desnecessário, já que o vestido possuía bojo próprio.
Porém, mesmo sem o sutiã, fora difícil ajustar-se. Ajustá-los, melhor
dizendo.
Lorrany e Thaís estavam satisfeitas com o resultado e concordavam que
aquele decote tão apertado realçava os seus atributos frontais.
Ela não ficou confortável com essa observação, mas não havia mais
nada a ser feito. E já havia ligado para Henrique, informando-o que estava
pronta.
Ele riu após responder que estava a caminho, comentando que ela até
que não demorara tanto quanto ele imaginara.
Ela perguntou-se se aquilo seria um elogio.
Desceu as escadas com suas amigas no seu encalço fazendo escândalos
e alardes sobre como ela deveria andar com aqueles saltos assassinos e como
deveria sentar-se com aquele vestido bafônico que subiria horrores e evitasse
de ficar com a bunda de fora.
Caminharam para a sala de estar e sentaram-se juntas no sofá menor,
encarando a tevê ligada para ninguém em especial.
— Por que a tevê está ligada se não tem ninguém assistindo? —
Lorrany perguntou, procurando o controle remoto.
— Porque o Aveia gosta de assistir ao noticiário — disse Thaís.
— Quem é esse Aveia? — Lorrany perguntou, desistindo de procurar o
controle e recostando-se melhor nas almofadas às suas costas. — E que
diabos de nome é esse? Quem daria o nome de "Aveia" para qualquer coisa?
— O Aveia, — levantou-se Thaís, recolhendo um pequeno gatinho
gorducho que estava aos seus pés. Colocou-o no seu colo e enviou um olhar
irritado para a sua amiga. — é o meu gato e espero que você o respeite já que
está na casa dele. Aqui você é a visita. Ele, o morador. Então, mais respeito,
sim? Obrigada.
Sofia riu observando Lorrany encarar o gato incrédula.
— Ainda não entendi o por que do nome — disse confusa. — Se ele
fosse meio cinzento ou marronzinho, até entenderia. Mas isso não faz
sentido.
— Por que não faz sentido? É um nome comum, e ele gosta. Acho que
combina com ele — disse acariciando seu gato, que miava manhoso.
— É um gato preto, Thaís. Preto! — Lorrany exclamou.
— E daí? — ela perguntou, sem parecer se importar muito.
— E daí que faria mais sentido você chamá-lo de feijão preto. Ou café.
Ou carvão. Mas não Aveia.
— Eu o chamo assim porque ele ama aveia, não pela cor, idiota.
— Então talvez, quem sabe, você devesse ter explicado antes, imbecil.
— Pelo menos não sou eu que está julgando um gato pela cor — Thaís
declarou, fitando-a irritada, abraçando Aveia. — Isso é racismo de gatos,
sabia? Você pode ser presa!
— Não o julguei pela cor, sua doente! E sim por esse nome idiota. E
essa coisa de racismo de gato não existe, idiota. De onde você tirou isso?
— Gente... — Sofia tentou mudar o assunto — Vocês acham que...
Ouviu o ronco alto de uma moto entrar na rua.
— O que eu preciso é de um bom advogado para processar essa racista.
Racista! Preconceituosa! — Thaís a interrompeu.
— Cala a boca, vagabunda, não tem nenhum racista aqui. Até admito
que o Aveia é uma coisinha bonitinha, mas continuo não concordando com
esse nome ridículo — Lorrany fez um carinho no gato, que voltou a gemer
manhoso.
O barulho da moto ficou mais alto lá fora e de repente parou.
— Você não precisa gostar de nada, vadia. O gato é meu, não seu.
Ninguém aqui pediu sua opinião.
A mãe de Thaís encaminhava-se para a sala, onde elas estavam,
provavelmente para assistir suas novelas, mas dera meia volta ao ouvir a
discussão.
Estava mais que acostumada com as confusões e discussões da sua filha
com as amigas, mas gostaria de assistir a sua preciosa novela com
tranquilidade e sem gritos e palavrões rolando pelo recinto, obrigada.
Sofia sorriu para a mãe da sua amiga e ela fez um sinalzinho de "shhh",
antes de subir as escadas correndo. Sofia riu.
As duas continuariam discutindo, mas dois batidas na porta
conseguiram chamar a atenção das duas.
Levantando-se em um pulo, feliz por sair do meio das duas, onde tapas
rolariam em alguns segundos, Sofia correu para a porta, notando que Lorrany
começava a retirar as chinelas. O que significava que era "hora do pau".
Ainda rindo após observar Thaís fazendo o mesmo, Sofia abriu a porta
sem conferir o olho mágico e perdeu o ar ao ver a pessoa que estava do outro
lado.
Observando-a dos pés a cabeça, mordeu o lábio inferior levemente,
aprovando o que via.
— Olá — cumprimentou Henrique, sorrindo.
CAPÍTULO 11
Sofia apenas o encarou, paralisada onde estava.
Ela, que achava particularmente que já tivera surpresas demais para um
dia e não gostaria de outras, obrigada, viu-se ali, surpresa mais uma vez.
Mas, diferente de algumas que aconteceram naquele dia, aquela era
uma que ela qualificaria como uma das melhores; se não a melhor delas.
Porque ele estava simplesmente, como diria Lorrany, delicioso.
Ela, que nunca atribuíra tal palavra para nenhum garoto antes,
surpreendeu-se mais uma vez, agora consigo mesma.
Mas, bom, levando em conta a forma com a qual ele estava vestido, ela
achou que sua reação era compreensível.
O que ela primeiro notou fora que ele não se barbeara. Não o havia
feito pela manhã, ela lembrou do roçar dos pelinhos nascendo por sua pele, e
agora, à noite, já se podia ver uma sombra levemente azulada onde os fios
cresciam.
Se pela sensação que o simples roçar deles na sua pele a causava ou se
por tornar a aparência dele ainda mais marcante, ela não saberia dizer. Mas
podia afirmar, com certeza, que gostava do que via e gostaria que ele
permanecesse assim e a deixasse crescer um pouco.
O cabelo dele, novamente, estava solto, repousando suavemente sobre
uma jaqueta de couro escuro.
Sofia piscou duas vezes observando aquela jaqueta.
Não que houvesse algum problema com ela.
O problema era que, se com aquele moletom de proporções cavalares
pela manhã ele pareça apenas maravilhoso, agora, ali com aquela jaqueta,
para ela, não havia nada mais perfeito.
Como o moletom, ela era enorme, como seus ombros também, e o
delineava como se feito por medida.
Seus bíceps, que eram coisas enormes, iguais os de Sebastian,
estufavam a vestimenta e ela perguntou-se se o tecido - ou aquilo era feito de
couro de verdade? - rasgaria ao meio.
Ela não duvidaria disso. Os braços dele eram tão grossos como sua
coxa e, se aqueles mesmos braços não a tivessem abraçado com tamanho
carinho e sensualidade, ela admitiu que teria um pouco de medo.
Ele vestia um camiseta branca sob a jaqueta que moldava seus outros
atributos. Seus atributos frontais, como sua amiga dissera para ela mesma.
Mas seus atributos, Sofia pensou, nunca seriam tão espetaculares se
comparados aos dele.
E, complementando o visual para-matar-Sofia, um jeans preto e
coturnos.
Sofia observou a forma como o jeans escuro abraçava suas pernas
musculosas e subiu o olhar rapidamente, antes que ele pensasse que ela
estava olhando para outra parte de sua anatomia que não as suas pernas. O
que ela pensou em fazer, mas subira os olhos rapidinho antes de cair em
tentação.
Sofia olhou para o seu rosto e notou que o sorriso que estivera ali
quando ela abrira a porta já não estava mais.
Temerosa perguntou-se o que ele estaria pensando do visual dela.
Ela gostara do resultado final dos seus esforços e de suas amigas, mas
ele acharia o mesmo?
Ele poderia considerar aquele vestido vulgar demais, como ela pensara
a princípio. Poderia repudiar saltos altos. Ou não gostar da forma que ela
estava maquiada, como se tentasse aparentar outra pessoa.
Ela começou a retroceder um passo, entrando em pânico e sem saber o
que fazer a seguir.
Correr? Fugir para longe dali? Assim que tal ideia passou por sua
mente, Sofia a afastou. Não era uma criança, lembrou-se. Poderia muito bem
lidar com uma rejeição.
Mas, sabendo de antemão que ruiria se isso acontecesse, endireitou-se e
respirou fundo, empertigando as costas e esperou que ele dissesse algo.
Henrique, que ficara tão ou mais paralisado que ela quando se viram,
apenas a encarava da cabeça aos pés, uma vez e outra, com o semblante
fechado, sombrio.
Sofia não saberia dizer o que ele estava pensando apenas observando
sua expressão. Não aguentando mais aquele silêncio, abriu a boca para dizer
algo, mas ele falara primeiro.
— Você está... Linda — disse baixo, a voz rouca. Sofia poderia estar
imaginando demais, mas pensou detectar surpresa e até um deslumbramento
no tom dele.
Ele poderia ter gostado?, perguntou-se, sem acreditar.
— Obrigada — disse desconfortável.
Eles se encararam por alguns segundos em silêncio.
— Você está pronta? — ele perguntou baixinho, observando-a com
atenção.
Sofia detectou algo mais naquela pergunta.
Para ela, fora como se ele tivesse feito várias em apenas uma.
Ela estava pronta para aquela noite? Estava pronta para confiar nele e ir
onde quer que ele a levasse? Estava pronta para as consequências?
Sim, porque haveriam algumas. Como Sebastian, por exemplo. Ele não
aprovaria o que ela estava prestes a fazer e, se esse encontro resultasse em
algo à mais como um relacionamento, ele não aprovaria.
Mas, o que havia para ele aprovar ou não sobre sua vida? Afinal, a vida
era sua, faria dela o que bem quisesse e quando desejasse.
Porém, ela estava pronta para isso?
Não para o algo a mais e todas as baboseiras que Lorrany dissera, como
transar com ele naquela noite.
Ela não sentia-se pronta para aquilo ainda, e se sim, não tinha certeza.
E, mais importante que tudo: ela confiava em Henrique.
Poderiam ter se conhecido à menos que 24 horas, poderiam ser quase
desconhecidos ainda, mas confiava nele. E tinha certeza: ele não faria nada
que ela não desejasse.
Já provara que não era desse tipo que se impõe sobre as mulheres; ele a
respeitava. Ou, caso contrário, teria feito ou sugerido muito mais quando
estiveram naquela árvore pela manhã.
E ela aceitaria todas, pensou, mas depois talvez se condenasse.
Ele, sabendo disso, apenas a convidara para sair. E era isso que ela
faria.
Sairiam juntos, não importa para onde. Ela curtiria o seu primeiro
encontro e seriam apenas eles dois por aquela noite.
Não pensaria em nada mais que não em ser feliz. E curtir o seu
momento.
Com ele.
— Sim — respondeu, olhando-o nos olhos. — Estou pronta.
Ele sorriu levemente e deu um passo a frente, aproximando-se
vagarosamente.
Ela diminuiu a distância e arrepiou-se quando ele a abraçou,
circundando sua cintura.
— Você está muito bonita com esse vestido — ele disse, descendo os
olhos por seu corpo, mas como estavam abraçados, pode apenas observar
seus seios apertados naquele vestido. Ele sorriu, levantando os olhos após
doar sua atenção por alguns segundos àquela área. — Definitivamente, muito
bonita — sorriu malicioso.
Ela sorriu encabulada, sentindo o sangue espalhar-se por seu rosto.
— Hum. Obrigada, novamente — disse.
Ele riu e ela circulou seu pescoço forte com os braços.
Ela respirou fundo, notando como ficavam quase da mesma altura com
aqueles saltos. Mesmo assim, só alcançava até o seu queixo.
Fitou seus olhos escuros e, incapaz de resistir, baixou os olhos e fitou
sua boca, umedecendo a sua inconscientemente.
— Você deixou o cabelo solto — ele disse admirado, observando seus
fios, encantado.
Fora uma tarefa difícil lavá-lo e livrá-lo de todos os nós, mas, após o
trabalho intenso de Thaís com sua parafernália capilar, como cremes,
secadores e sprays, seu cabelo, com suas compridas ondas avermelhadas
agora repousava sobre os seus ombros, macios e bem tratados como nunca
vira.
— Você pediu — disse ela, irônica, sorrindo um pouco. Ele sorriu
também, compreendendo o que ela queria dizer.
Ele não pedira exatamente. Para Sofia, aquilo fora quase como uma
ordem. Que ela não relutou em obedecer e surpreendeu-se com o resultado
final, e ficou feliz que ele tivesse gostado.
— Eu posso beijar você? — ele perguntou baixinho, encarando com
preocupação o batom nos seus lábios.
Ela estremeceu com sua pergunta, mas não conseguiu reprimir um
sorriso ao notar sua preocupação com o batom. Provavelmente estava
preocupado se ela seria uma daquelas mulheres que surtam com batom
borrado e essas coisas.
— Sim — disse em um sussurro.
Ele respirou fundo, abraçando-a mais apertado.
— Tem certeza? — perguntou, subindo uma mão por suas costas até
estaciona-la na sua nuca. — Essa coisa não sai? — perguntou, se referindo ao
batom.
Ela sorriu.
— Eu não sei — admitiu.
— Teremos que descobrir juntos então? — ele perguntou, beijando sua
bochecha e arrastando os lábios por seu rosto.
Sofia apenas balançou a cabeça, em suspenso.
Não notara o silêncio repentino dentro de casa, presa onde estava,
aguardando que ele a beijasse.
Não notara que o burburinho que ouvira vindo da tevê, até a poucos
segundos, não existia mais.
E não notara que suas amigas, dois alto falantes ambulantes, que
estiveram brigando acirradamente até poucos minutos atrás, agora estavam
assombrosamente silenciosas.
E isso queria dizer uma coisa que Sofia não notara até ali.
Não até que fosse tarde demais.
— Boa noite, pombinhos.
Lorrany.
Deus, o que fizera para merecer amigas tão sem noção?
Henrique que estivera beijando seu rosto, aproximando-se
perigosamente dos seus lábios, parou subitamente e levantou o rosto, mas não
antes de selar seus lábios rapidamente.
Ele encarou as duas pessoas por cima do ombro de Sofia, desenlaçando
sua cintura e fazendo-a virar-se de frente para suas amigas.
Sofia, inconscientemente, dera uma passo para frente e, antes que se
afastasse ainda mais, Henrique passou um braço por sua cintura, puxando-a
novamente para trás. Sofia recuou até que encostara no corpo dele. Este
parecia ser o intento dele porque, quando ela olhara para trás, buscando o seu
rosto, ele apenas piscou para ela, cruzando os dois braços pela sua cintura.
Ele parecia relaxado e talvez até divertido, ela não tinha certeza.
— Boa noite — ele respondeu, educadamente, sorrindo.
Como ele poderia estar tão relaxado? Estavam abraçados com um casal
na frente das suas amigas - que a encaravam com sorrisos maliciosos - e
estavam prestes a se beijarem quando elas apareceram.
Sofia sentia o sangue ferver por toda a sua pele e tinha certeza que
estava do mesmo tom que o seu cabelo.
Mas Henrique apenas sorria, repousando o queixo sobre sua cabeça.
— Você é bonito — disse Lorrany, ignorando a cotovelada que Thaís
lhe dera e os sinais que Sofia fazia discretamente, desesperada.
— Obrigada — ele riu.
— Você tem amigos bonitos? Digo, tipo assim como você —
perguntou, sem vergonha nenhuma. Depois balançou a cabeça, como se
retirasse a pergunta. — Esquece. Eu sei que sim, Sofia me mostrou alguns.
Sofia não o via pela posição em que estava, mas sentiu que ele a olhou.
— É mesmo? — perguntou, o tom levemente interessado, como se não
quisesse alongar aquela conversa.
Mas Lorrany, a quem todos conheciam por sua incapacidade de manter
a boca fechada, não pegou a dica.
Sofia desistiu de fazer sinais para sua amiga. Ela não conhecia a
palavra limites e não descansaria até descobrir o que quisesse.
E Henrique estava se saindo bem, então tentou relaxar, percorrendo os
braços pelos dele, à frente do seu corpo. Ele moveu seus braços levemente até
capturar as mãos dela nas suas, entrelaçando seus dedos.
— Ah, sim. Mas de longe, sabe? Nem pude me apresentar, fui
impedida — lançou um olhar rancoroso para Sofia, que apenas deu de
ombros. — Mas, isso não importa agora. O que importa é: que tal um
encontro duplo? — sugeriu, sorrindo amplamente.
Thaís ao seu lado, apenas balançou a cabeça.
Sofia franziu o cenho.
Mas foi Henrique que perguntou, confuso:
— Um encontro duplo?
— Sim! — ela quase saltitava no chão, feliz com sua ideia. — Um
encontro duplo.
— E o que seria isso? — ela a fitou, curioso.
— O que? Você não sabe o que é um encontro duplo? — perguntou,
chocada. Olhou para Thaís, dizendo baixinho "dá pra acreditar? ele não
sabe!". Thais tentara dizer que ela precisava se controlar, mas Lorrany logo
se voltou para ele novamente, explicando com fingida paciência: — Um
encontro duplo é quando dois casais saem juntos. Um casal, mais um casal,
— fez uma demonstração com os dedos. — igual um encontro duplo.
— Isso eu já havia entendido — ele disse, tranquilamente. — O que eu
quis dizer é: só vejo um casal aqui. Portanto, a menos que você e sua amiga
sejam um, não vejo como isso faria sentido — explicou, também usando um
tom fingido.
Sofia precisou reprimir um sorriso. Ele dobrou sua amiga direitinho.
— Hum, não. Não somos — Lorrany respondeu, após alguns segundos
em silêncio. — Mas o que eu queria dizer era que você poderia ligar...

— Eles estão atrasados, Lorrany — Thaís a interrompeu. — Não é,


Henrique? — perguntou, encarando-o.
— É verdade — ele concordou, divertido.
— E você não teria tempo para ligar para ninguém, não é? —
prosseguiu, falando rapidamente antes que sua amiga abrisse a boca
novamente.
— Certamente, não — sorriu.
— Então, não vamos atrasá-los — disse, aproximando-se rapidamente e
beijando o rosto de Sofia, sussurrando um discreto "qualquer coisa, me
ligue", e afastou-se, pegando Lorrany pelo braço. — Divirtam-se! Tenham
uma boa noite! Vamos, Lorrany — exclamou e arrastou sua amiga para
dentro.
Porém, antes que Thaís fechasse a porta, Lorrany notara algo que
nenhuma delas notara até aquele momento.
— De quem é aquela moto no seu jardim, Thaís? — perguntou.
Thaís olhou em volta até avista-la e franziu o cenho confusa. Sofia fez
o mesmo.
— É minha — disse Henrique, tranquilamente. — Espero que não
incomode — disse, olhando para Thaís, referindo-se ao jardim.
Ela balançou a mão rapidamente, como se descartando aquela hipótese
e focou-se em algo mais importante.
— Como ela vai subir ai com você usando esse vestido? — perguntou,
preocupada fitando as pernas nuas de Sofia.
Henrique e Lorrany fizeram o mesmo.
Sofia, tendo os olhos de todos nas suas pernas moveu-se incomodada e
pigarreou.
— É, isso será um problema — disse Henrique.
— Não necessariamente — disse Thaís. — Você pode vestir outra
roupa.
Sofia estremeceu ao imaginar-se vestindo alguma das roupas pouco
compostas de Lorrany.
— Ou você pode vestir um short de malha por baixo do vestido —
acrescentou rapidamente, antes que Lorrany sugerisse algum short escândalo
ou jeans do babado.
Sofia achou que essa saída era a melhor, embora soubesse que qualquer
short de malha, por mais fino que fosse, ainda marcaria no vestido e não seria
nada bonito de se ver.
E ela demorara muito até aceitar-se daquele modo, bonita e feminina,
não gostaria de arruinar seu visual agora.
Mas sendo essa a única saída, ela sentiu seus ombros caírem, prestes a
concordar.
Porém, mais uma vez, antes que ela abrisse a boca, Henrique falou:
— Ou você pode usar a minha jaqueta na cintura — sugeriu, olhando
para Sofia. — Você pode amarrá-la na cintura antes de subir.
Ela pensou um pouco. Poderia dar certo, se fosse cuidadosa ao subir. E,
entre aquilo e usar um short por baixo ou pior, uma das roupas da sua amiga,
ela preferia a jaqueta, obrigada.
— Acho que pode dar certo — Thaís pensou um pouco, analisando sua
jaqueta. — Não será algo bonito, mas acho que dá certo.
Henrique olhou para ela, esperando que ela falasse.
— Pode ser — disse.
Ele assentiu e a soltou.
De repente, começou a despir-se.
E aquele era um show a parte.
Sofia não conseguiu encarar nada mais que não aqueles músculos todos
se retesando enquanto ele puxava a jaqueta.
Nem conseguiu resistir ao impulso de morder os lábios quando esta
começara a deslizar por seus braços.
E muito menos conseguira impedir seu queixo de cair quando notara
tudo o que aquela jaqueta e o moletom de mais cedo escondiam.
Tatuagens.
Dezenas delas. Em ambos os braços. Até os punhos.
Ela, que já estava acostumada com isso, tendo seu próprio irmão um
monte delas espalhadas por quase 70% do corpo, viu-se de boca aberta,
encarando-o sem piscar.
Não sabia dizer o que sentia, mas tinha certeza de que gostava do que
via.
E suas amigas também, pode perceber quando finalmente conseguira
tirar os olhos dele e as fitara.
Ambas estavam de boca aberta, admiradas. Sofia sentiu uma espécie de
orgulho, que logo tratou de reprimir, enquanto pegava a jaqueta ainda quente
do seu corpo que ele a estendia.
Ele estendeu a mão para ela e Sofia a pegou rapidamente, segurando a
jaqueta com a outra mão. Ele fez um gesto rápido de despedida para suas
amigas e começou a dirigir-se para a moto.
Thaís, despertando primeiro do transe em que estivera, entendeu que
aquela era a deixa para voltarem para dentro.
Felizmente, Lorrany ainda estava surpresa demais com o que vira, o
que facilitara sua tarefa de rebocá-la para dentro e fechar a porta atrás de si.
Thaís torceu mentalmente por Sofia e, sentindo uma uma pontinha de
inveja, sorriu marota.
Aquela noite seria algo inesquecível, poderia apostar todos os seus bons
vestidos nisso.
CAPÍTULO 12
Ele a arrastou por alguns metros, parecendo nem um pouco
sensibilizado com a sua dificuldade de locomover-se com aqueles saltos, e
Sofia não entendeu a sua pressa.
Quando se aproximaram da moto ele soltou sua mão, pegando a jaqueta
que ela segurava e colocando junto com o capacete em cima da moto.
— Acha que suas amigas estão olhando? — perguntou. Sofia franziu o
cenho e olhou para trás. Onde estavam, no limite do início do jardim de Thaís
e a calçada, havia um pilar, ao lado do portão, o que os ocultava da vista de
dentro de casa.
— Provavelmente — disse olhando para as janelas da sala de estar da
sua amiga, notando alguns movimentos suspeitos em uma das cortinas.
Sorriu. — Mas acho que não conseguem nos ver. Esse pilar é...
Ela pulou de susto quando ele a puxou e, empurrando-a com seu
próprio corpo, a pressionou contra o pilar.
— Mas, o que...
— Eu preciso... — ele começou, mas se interrompeu, respirando fundo.
Ela apenas o fitava, confusa.
Curiosamente, não se sentia incômoda com ele a pressionando com seu
corpo em locais impróprios. Sentia-se à vontade com o contato do corpo dele,
como se se conhecessem há dias e não horas.
— Sofia — ele chamou seu nome, com a voz rouca. Ela desviou os
olhos da rua que estivera investigando à procura de possíveis curiosos e o
fitou nos olhos.
Ele parecia impaciente. Ansioso.
Sofia não saberia dizer como, mas soube. De repente, ela começou a
sentir o mesmo e, antes que ele falasse novamente, pressionou os lábios
contra os dele.
Ela manteve os olhos abertos. Ele também.
E surpreendeu-se em como aquilo deixara tudo ainda mais intenso.
Ele mordeu seu lábio com um pouco mais de força e ela estremeceu,
circundando seu pescoço, puxando-o para si com ânsia.
Ele desceu as mãos que apertavam sua cintura pelas laterais do seu
corpo e as estacionou na sua bunda, apenas roçando-as ali, sem de fato
apertar, como ela desejava.
Munida de um ímpeto que não saberia explicar, embrenhou as mãos
nos cabelos dele e puxou, chupando sua língua em seguida.
Ele a apertou. Com força. Forçando seus quadris contra os dela,
movendo-se lentamente.
Ela gemeu e fechou os olhos, sem conseguir suportar a intensidade
daquele beijo. Mas ele mordeu seu lábio em protesto e ela voltou a fitá-lo,
com os olhos cerrados, estremecendo e gemendo a cada movimento do corpo
dele contra o seu.
Sentia-se quente. Por todo o corpo. E úmida como nunca estivera na
sua vida.
Não seria capaz de andar após esse beijo, tinha certeza. O desejo
nublava sua mente e sentia-se em transe, refém daquele momento e
totalmente entregue.
Lorrany poderia estar errada, afinal. Não seria ele que a levaria para um
motel, mas sim ela que imploraria por isso.
Não conseguia pensar em nada mais que não fosse pressionar-se mais
contra ele, roçar seus corpos, sentir o toque dele na sua pele, pele com pele,
sem nada impedindo seu contato.
Não sentia suas pernas. Seus pensamentos eram desconexos. Apenas
queria mais.
E seu desejo parecia prestes a se tornar realidade quando sentiu-o
descer uma das mãos que estavam na sua bunda e percorrer a grande parcela
de pele nua em uma das suas pernas.
Grunhindo, ele ergueu sua perna e a encaixou sobre seu quadril,
apertando sua pele com força.
Ela arfou ao senti-lo roçar agora diretamente sobre seu sexo, coberto
apenas com uma fina camada de renda.
Ela o sentia, quase poderia delinear na mente seu formato e espessura e,
por Deus, aquilo era enorme.
Nunca, jamais em sua vida imaginara-se capaz de sentir tanto prazer. E
tudo que tinha que fazer era beijá-lo de volta, tentando não mordê-lo forte
demais, e gemer. Parecia impossível conter-se e os gemidos apenas
escapavam por sua garganta, uma vez seguida da outra.
Ele largou a sua bunda e, ainda segurando sua perna com força, apoiou
a outra mão no pilar, sobre sua cabeça.
Sofia pensou que talvez ele se sentisse instável sobre seus próprios pés
tal como ela se sentia e precisou buscar apoio.
Mas o que ele fizera...
Ela não conseguiu mais beijá-lo.
Seu cérebro incapaz de enviar os comandos básicos que necessitava,
derreteu-se de vez e ela ainda foi capaz de agir com um pingo de
racionalidade e afastou seus lábios dos dele antes que o mordesse sem
calcular a força.
E ele fez de novo.
Ondulou os quadris contra os seus, seu sexo pressionando diretamente
no tecido úmido da sua calcinha e, sem o contato da boca dele na sua, o
gemido que escapara da sua garganta soara alto, necessitado.
Ele fez novamente, dessa vez com mais força, levantando sua perna um
pouco mais para facilitar seu acesso.
Ela não seria capaz de esperar mais.
Precisava de algo... Algo que aliviasse toda aquela tensão que se
espalhara por seu corpo. Algo que...
Ele. Precisava dele.
E não importava mais se era cedo demais, se mal o conhecia, se seria
errado. Ela o queria. O queria como nunca desejara algo na sua vida. E para o
inferno as consequências.
Movida por uma coragem que brotara no fundo do seu ser, o fitou nos
olhos.
Rebolou contra seus movimentos e maravilhou-se ao vê-lo lançar a
cabeça para trás, mordendo o lábio inferior com força.
Ela sentiu-se quente. Desejada.
E mulher. Como nunca sentira-se na vida.
Precisou admitir que a visão daquelas tatuagens nos músculos
flexionados dos braços dele apenas aumentaram o seu desejo.
Sem saber ao certo o que fazia, aproveitou que ele ainda mantinha a
cabeça para trás e pressionou a boca contra seu pescoço exposto. Beijou sua
pele em um primeiro momento, mas lembrando o que ele fizera naquela
manhã, entreabriu os lábios e lambeu a lambeu, levemente.
Ele gemeu, estremecendo, precisando apoiar-se melhor contra o pilar,
como se suas pernas, agora sim, falhassem.
Ela maravilhou-se que pudesse fazê-lo sentir-se daquela forma, como
ele fazia com ela.
Mordeu a pele do seu pescoço e ele grunhiu, um som animalesco, grave
e a puxou pelos cabelos com urgência, sem machucá-la.
Encostou a testa na dela de olhos fechados, arfando um pouco e ela
observou sua expressão sofrida, imaginando que deveria ser idêntica na sua.
Sem conseguir controlar-se e uma vez que ele ainda segurava sua
perna, rebolou mais uma vez, observando-o retesar o maxilar, ainda
mordendo o lábio.
Aquilo seria engraçado se não estivesse tão excitada e incapaz de
pensar em outra coisa que não ele. Ele parecia reagir aos seus movimentos da
mesma maneira que ela por ele. Nem em mil anos imaginara-se capaz de algo
assim e sentiu-se maravilhosa. Poderosa por poder provocar naquele homem
daquele tamanho, força e beleza tudo o que ele provocava nela.
Mordendo o lábio inferior, moveu os quadris novamente, dessa vez
lentamente, torturando a ambos.
Ele abriu os olhos e a fitou com fome, enquanto ela ainda completava
seu movimento circular.
Ele segurou sua cintura com a mão livre e ajudou-a nos movimentos,
gemendo baixinho, fitando-a nos olhos.
Um arrepio desceu pelas costas de Sofia.
Se parecera intenso antes, agora, fitando-o nos olhos, imaginou que
estava prestes a explodir.
— Você não pode fazer isso — ele disse baixinho, sorrindo lascivo, a
voz quase irreconhecível, segurando sua cintura, deixando-a imóvel.
Ela o fitou, cega de desejo e mal se reconheceu quando indagou,
arfando:
— Só você tem esse direito? — sorriu.
Ele balançou a cabeça, fazendo um último movimento deliciosamente
lento, como se a estivesse penetrando por cima das roupas.
Ela arfou contra seus lábios, ainda segurando seus cabelos, puxando-o
para si.
Ele sorriu contra sua boca. Ela, sem saber porque, mas incapaz de não
retribuir, sorriu de volta.
— Espero que suas amigas já estejam dormindo.
Sem conseguir importar-se com isso naquele momento, ela balbuciou:
— Pouco provável — e sorriu também, soltando finalmente seus
cabelos quando ele afastou um pouco o rosto.
Ele fitou seu rosto, seus lábios inchados, bochechas coradas e desceu os
olhos por seu corpo.
Fitou seus seios naquele decote apertado, depois a perna que ele ainda
prendia.
Dedicou um pouco mais de atenção no ponto onde seus corpos se
encontravam, quadril com quadril, mordeu o lábio e, sem desviar os olhos,
moveu-se lentamente, como que imaginando como seria quando...
Arfando, Sofia evitou pensar mais. Teria que evitar pensar naquilo, no
que aconteceria, como seria, onde, quando... Ela enlouqueceria se continuasse
com aquilo.
E, novamente, aquele não era o momento nem aquele o lugar
apropriado.
Pensando o mesmo, Henrique baixou sua perna lentamente, mas
permaneceu colado contra seu corpo, como se fosse incapaz de afastar-se
dela.
— Você não pode fazer isso comigo — disse, fingindo um tom sério.
Ela sorriu, incapaz de reprimir-se.
— Fazer o que?
— Me provocar assim — disse, grunhindo baixinho e beijando seus
lábios rápida mas intensamente. — Me jogar contra a primeira parede que
encontrar e me atacar dessa maneira — continuou, fingindo inocência.
Sofia apenas o fitou por alguns segundos, depois gargalhou alto.
— Então eu que ataquei você? — perguntou, rindo.
— Sim. Definitivamente.
Ela riu mais, sem se conter.
— E passei o dia pressionando você contra a primeira superfície
suficientemente plana que encontrei, e o ataquei nos locais mais improváveis
do mundo? — perguntou, gargalhando da expressão fingida de indignação
dele.
— Eu não a ataquei nos locais mais improváveis do mundo — rebateu.
— Hum — ela disse, rindo um pouco. — E a biblioteca?
— Mas foi só um beijo! — protestou.
— E aquela árvore?
— Também.
— E agora?
Ele pensou um pouco e sorriu malicioso, abraçando sua cintura.
— Agora foi diferente — disse rindo. — Você me provocou.
— Mas eu não fiz nada!
— E esse vestido? — perguntou sorrindo de lado.
Ela corou, mas recusou-se a ficar envergonhada depois de tudo que
fizeram.
— É só um vestido — respondeu, dando de ombros.
— E esses saltos?
— Apenas saltos, ué.
Ele sorriu mais um vez, mas dessa vez malicioso, aproximando o rosto
até roçar seus lábios.
— E aquilo que você fez? — perguntou baixinho, movendo os lábios
dela junto com os seus.
Ela pensou que ele a beijaria, mas ele parecia esperar por uma resposta.
— Aquilo o que? — perguntou após respirar fundo.
— Aquilo que você fez — repetiu. — Rebolar gostoso pra mim daquele
jeito — sua voz transformou-se em um rosnado.
Sofia arrepiou-se, incapaz de sentir-se envergonhada com ele tão
próximo de si. Mas, por mais desavergonhada que estivesse naquele
momento, não conseguiria pôr em palavras o instinto que sentira e como
apenas o seguira, rebolando contra ele.
Então apenas o fitou, muda, respirando o mesmo ar que ele.
Ele a observou com atenção, seu sorriso expandindo.
— Ah, Sofia — ele beijou sua bochecha e deixou os lábios
pressionados na sua pele enquanto falava, rouco: — Por que a vergonha? —
perguntou, mas antes que ela respondesse, continuou: — Não sou desses
garotos finos que controlam o linguajar. Acho bom você se acostumar com
isso, porque esse não foi nem o começo.
Ela estremeceu, sem conseguir pronunciar em voz alta que, apesar de
ser diferente, ela gostava daquilo, seu jeito primitivo e linguajar sujo.
Ele beijou sua face mais uma vez e afastou-se, colocando seu vestido,
que subira vergonhosamente, de volta no lugar.
Antes que ela corasse até os dedos dos pés, ele voltou a pegar sua mão
e a entregou a jaqueta.
Entendendo que era, finalmente, hora de irem, amarrou a jaqueta na sua
cintura da melhor maneira que pôde. Como era enorme, fora fácil ver que ele
tinha razão, a jaqueta cobrira toda sua bunda e uma boa parte das suas pernas
nuas.
Aquela composição de look, quase a fez preferir as roupas da sua mãe.
Quase.
Ele a observou e ela fez uma careta. Ele riu, selando seus lábios
rapidamente e a entregou um capacete.
Ele o pegou com uma mão enquanto checava o visor do celular que
vibrava dentro da bolsa.
Sebastian. Sofia desligou o aparelho rapidamente e o enfiou dentro da
bolsa novamente.
Antes que colocasse o capacete, Henrique o tomou das suas mãos,
estando ele já com o seu e a ajudou a colocá-lo.
— Pronta? — ele perguntou. Sua voz saíra abafada, mas ela entendeu e
balançou a cabeça que sim. Ele subiu a viseira e a fitou curioso. — Não é a
primeira vez que você anda de moto, não é? — perguntou. — Ou é?
Ela riu da preocupação dele.
— Claro que não — respondeu sorrindo e relanceou o olhar para aquela
monstruosidade em duas rodas. — Mas nunca em uma tão grande —
confessou.
Ele sorriu.
— Bom, pois você não sabe o que está perdendo. Melhor, não sabia,
porque, a partir de hoje, madame, esse será o seu meio de transporte favorito
— piscou para ela.
— Ah, é mesmo? — perguntou sorrindo. — E você será o condutor
para esse serviço?
— Certamente, e ao seu dispor — fez uma mesura e subiu na moto. —
Quando você sentar a primeira vez, vai querer sentar sempre — refletiu sobre
suas palavras e sorriu para ela, malicioso. — Na moto — acrescentou. — Ou
não — gargalhou da careta que ela fez, tentando não mostrar-se tímida.
Sentou-se rapidamente atrás dele, com cuidado para não ficar com a
bunda de fora e ajeitou a jaqueta na cintura, cobrindo a parcela das suas
pernas que ficaram ainda mais expostas quando sentou.
Ele buscou suas mãos, quando ela terminou de ajeitar-se, passando-as
contra o seu peitoral forte.
Ela apertou-se um pouco mais contra ele, e foi capaz de ouvi-lo
suspirar, mesmo com o capacete.
De repente ela exclamou, lembrando de algo que ele dissera pela
manhã.
— E o meu presente? — perguntou ansiosa.
Ele virou-se um pouco para ela.
— Presente? — perguntou confuso.
— Sim! Você disse que tinha uma surpresa para mim, lembra?
— Ah, sim. A surpresa — ele repetiu.
— Então. Cadê? — perguntou ansiosa, sem controlar-se.
Ele riu.
— Você está muito ansiosa — ele riu. — A surpresa vem depois.
— Ah, mas eu queria agora — resmungou como uma criança se seis
anos. Ouviu ele rir mais uma vez e tentou parar de fazer papel de palhaça. —
Tudo bem, eu espero — disse sem convicção alguma, o que apenas o fez rir
mais uma vez.
— Prometo que não vai demorar — disse controlando o riso e ligando a
moto.
— Hum — resmungou emburrada.
Conseguiu ouvir que ele gargalhava, mesmo por cima do ronco
ensurdecedor daquela moto.
— Pronta? — perguntou, beijando suas mãos e colocando-as de volta
no seu peito, pressionando-as contra si, até ela compreender que ele queria
que ela segurasse mais forte. Foi o que fez.
— Pronta — respondeu sorrindo.
Pronta para o que der e vier. Literalmente.
CAPÍTULO 13
Sofia nunca imaginara que poderia se divertir tanto em apenas uma
noite.
Aquele dia como um todo fora sem precedentes.
Ela sentia-se leve, feliz e livre como nunca se sentira.
E tudo, poderia afirmar sem dúvidas, graças a ele.
Todos e cada um dos momentos que passara ao lado dele naquele dia
foram maravilhosos.
Aquela noite em especial, finalmente sozinhos, permaneceria na sua
mente e coração para sempre.
Após aquele momento intenso no jardim da sua amiga, onde parecera
perder boa parte da sua timidez e vergonha, Henrique pilotou sem destino por
alguns minutos e Sofia observou sua cidade natal sobre outra perspectiva.
Abraçou-se a ele e apenas relaxou, sentindo a força do vento nas suas
pernas e braços nus.
Nunca sentira nada parecido, e sabia que a presença dele ali era o que
tornava tudo ainda mais intenso e marcante.
Percorreram algumas ruas do centro da cidade, admirando as luzes e
poucos transeuntes que passeavam por ali.
Ele, a princípio, manteve uma velocidade quase mínima, talvez por
medo de assustá-la.
Mas depois, quando notara o quanto ela estava à vontade e curtindo o
passeio, aumentou-a gradualmente, até que a vista passara a ser apenas um
borrão disforme.
Ela ria e o apertava mais, e pode jurar ser capaz de ouvi-lo rir também,
mesmo sob o ronco do motor.
Embora tenha amado o passeio e ansiasse por mais em breve, ela
precisou tomar nota que da próxima vez estivesse mais coberta.
Não era uma noite muito fria, algo atípico para aquela época do ano,
mas a força do vento enquanto pilotavam fora o suficiente para fazer os seus
dentes começarem a bater levemente.
Enquanto paravam em um semáforo no centro da cidade, Henrique
acariciou seus braços em torno do seu corpo e surpreendeu-se sobre o quanto
ela estava gelada.
Virou-se para ela, acariciando uma das suas pernas e, embora Sofia não
fosse capaz de ver seus olhos através da viseira escura do capacete, soube que
aquele gesto não era uma carícia sexual; ele conferia sua temperatura.
Ela mordeu o lábio. Não queria que o passeio acabasse, gostara muito
daquela sensação de liberdade. Mas pôde notar, apenas pela súbita tensão nos
ombros dele, que ele não concordaria com isso.
Henrique alisou sua perna uma vez mais e voltou-se para a frente,
fazendo a moto rugir quando o semáforo abria. Ela passou a adorar quando
ele fazia aquilo.
A moto, além de reproduzir um som característico daquele modelo em
especial, também chamava atenção por sua cor escura e proporções
impressionantes.
E, além disso, o piloto era um colírio para os olhos. Com os braços
tatuados flexionados, a camisa grudada no peitoral forte e as coxas firmes
delineadas naquele jeans, Sofia não surpreendeu-se com o número de
encaradas boquiabertas que recebiam.
Após mais alguns minutos, Henrique parou no estacionamento de um
restaurante próximo do centro, e aguardou que ela descesse da moto,
retirando o capacete.
— Sinto muito — disse, abraçando-a apertado, tentando transmitir o
calor do seu corpo para ela.
— Tudo bem — o abraçou de volta, envolvendo seu pescoço.
— Não pensei que sentiria tanto frio.
— Estou bem — assegurou.
— Poderíamos ter vindo direto para cá, mas quis dar um passeio antes.
— Eu gostei do passeio — disse, não gostando que ele se culpasse por
aquilo. — Nunca senti nada igual. Foi incrível.
Ele a encarou desconfiado por alguns segundos, o rosto sério.
— Eu estou bem — repetiu, sorrindo um pouco. Não pode impedir-se
de achar a preocupação e culpa dele um tanto quanto fofas. — Não estou
mais com frio — piscou, apertando-se mais contra ele.
Ele abraçou sua cintura, cruzando os braços nas suas costas.
— Acredito em você — ele sorriu, voltando ao seu normal. — Gosta de
comida japonesa?
— Amo — disse, contendo-se à custo para não começar a dar pulinhos.
Realmente amava comida japonesa e ficara feliz que tivessem aquilo em
comum.
— Eu vejo — riu, notando a alegria dela. Beijou sua boca rapidamente
e segurou sua mão, se encaminhado para a entrada do pequeno restaurante.
Ela caminhara ao seu lado, alegre como nunca e sentindo que aquilo
seria apenas o início.
E tinha razão.
O jantar fora maravilhoso. Conversaram um pouco sobre assuntos
leves, eles mesmos e seus cursos. A conversa simplesmente fluía, sem que
ambos precisassem se esforçar para preencher o silêncio.
Sofia nunca rira tanto na sua vida quando Henrique confessara ter
sentido certo medo de Lorrany. Disse que aquela última cartada fora pura
sorte e confessou que, se ela rebasse à altura, ele não teria escolha se não
ligar para algum dos seus amigos, convidando-o para um encontro duplo com
uma desconhecida desavergonhada.
Sofia rira ainda mais ao imaginar sua amiga ouvindo-o se referindo a
ela daquela maneira. Provavelmente retiraria as chinelas e o desafiara para
um combate mano a mano.
Aquele fora e seria, para sempre, o melhor encontro da sua vida.
Depois da sobremesa, ainda conversaram mais um pouco e pediram a
conta. Sofia ainda insistiu para que dividissem o custo, mas ele apenas a
encarou e riu, entregando o cartão ao garçom, enquanto ela fazia um bico de
descontentamento, que ele tratou de desmanchar com um beijo.
Quando retornaram para o estacionamento, Sofia abriu a boca para
agradecer pela noite maravilhosa, mas ele falou primeiro.
— Onde quer ir agora, madame? — perguntou divertido, rodeando-a
com os braços fortes.
Ela, que pensara que o encontro já estivesse no fim e se encaminhariam
para casa, surpreendeu-se.
— Não sei — disse, realmente sem um único lugar em mente. — O que
você sugere?
Ele pensou por alguns segundos.
— Você bebe? — perguntou, alisando seus cabelos.
Ela negou com a cabeça, amando a carícia.
— Nem eu — confessou, surpreendendo-a mais uma vez. —
Poderíamos ir a um pub de um amigo meu, aqui perto. Estive lá ontem e eles
servem ótimos drinks sem álcool.
Ela apenas concordou levemente novamente com a cabeça, imaginando
por um segundo se ele provara apenas os drinks nesse pub na noite passada.
Repreendeu-se imediatamente. Isso não a dizia respeito, e, se sim, bom
para ele. Ele era livre, poderia ficar com quem quisesse.
Até mesmo agora, pensou contrariada, se quisesse. Eles não tinham
nada sério, embora ela considerasse assim para si.
E se conheciam a apenas um dia. Menos que isso, na verdade. Não
saberia dizer o que acontece em relacionamentos com relação a isso, tendo
apenas os relacionamentos do seu irmão como exemplos, mas deduzia que
seria cedo para questioná-lo sobre isso, ou talvez nunca devesse.
Precisaria conversar urgentemente com suas amigas, mesmo que isso a
envergonhasse sobre maneira.
— Vamos então?
— Vamos — começou a soltá-lo, mas ele se inclinou rapidamente e a
beijou.
Sentia como se séculos houvessem passado desde que ele a beijara pela
última vez, e assumiu para si que adorava quando ele a beijava de surpresa.
Entregou-se ao beijo, como sempre fazia e encostou-se mais contra ele,
sentindo-o no seu corpo inteiro.
Embora já o houvesse beijado incontáveis vezes naquele dia, nunca se
acostumaria com o que aquilo causava no seu corpo.
Nunca cansaria daquilo. Sempre iria querer mais.
O beijou com mais força e ele gemeu, afastando o rosto, respirando
fundo.
Ele parecia sentir o mesmo e Sofia maravilhou-se que aquilo fosse
possível.
Feliz como poucas vezes se sentira, montou na moto atrás dele e o
abraçou, sem que ele pedisse.
Seguiram por algumas ruas movimentadas até estacionarem na entrada
do pub, poucos minutos depois.
Ele aguardou que ela descesse, pegou o capacete e pediu que ela o
aguardasse ali, enquanto seguia até o estacionamento.
Ela havia retirado a jaqueta da cintura e a abraçava contra os seios,
observando as pessoas que entravam ali.
Parecia um pub normal, com uma fachada simples em tons terrosos,
mas havia uma grande fila na entrada e alguns seguranças por ali.
Ela se surpreendeu. Segundo o que Henrique lhe dissera, o pub era um
local simples, porém todo aquele amontoado de gente a fez se perguntar se
ele tinha razão.
Ele deveria estar acostumado com essa vida, mas ela, que não
frequentava esses locais normalmente, fitou tudo ao seu redor com
curiosidade.
Estava pensando em se encaminhar para o final da fila, para adiantar
um pouco enquanto ele não vinha, quando uma pessoa se projetou na sua
frente.
Pensando ser Henrique, Sofia sorrira e já se preparava para entregá-lo a
jaqueta, quando percebeu que não era ele.
Era Brian.
Ele sorriu largamente para ela e a tomou em um abraço apertado.
Sofia franziu o cenho, confusa com seu surto de espontaneidade, mas o
abraçou de volta, embora roboticamente.
— Que surpresa você por aqui! — disse a soltando, ainda sorrindo.
Sofia sorriu de volta, tensa, notando que havia algo de diferente no
amigo do seu irmão.
Teve certeza quando ele riu de algo que ela não entendeu, e um sopro
da sua respiração atingiu o seu rosto, fazendo com que ela desse um passo
para trás.
Ele estava bêbado.
— Pois é — disse apenas.
Gostava dele, era um dos melhores amigos do seu irmão há anos e
indiretamente, cresceram juntos.
Mas nunca sentira-se tão incomodada na sua presença como naquele
momento.
— Você está... — ele assobiou agudo, encarando-a inteira com um
olhar avaliativo e malicioso que ela não gostou. — Muito, muito, muito
gostosa! Com todo respeito, é claro — e gargalhou das suas próprias
palavras.
Ela sorriu minimamente, não gostando do tom dele e muito menos
daquele olhar malicioso.
Brian nunca a olhara daquela maneira antes, e ela um dia ressentira-se
disso, antes que concordasse que aquilo fora melhor. Gostava dele como um
irmão e um relacionamento entre os dois nunca daria certo.
E Sebastian nunca permitiria uma coisa daquelas.
Pensando no seu irmão, estremeceu imaginando se ele também poderia
estar ali.
Ela rezou para que não. Pediu a todos os santos que ele estivesse com
Vanessa ao invés disso, e não justamente ali.
— Sebastian está com você? — perguntou temerosa.
Brian riu. Na verdade, gargalhou jogando a cabeça para trás. Sofia
notou que havia algo de errado. Sua risada soara um pouco amarga, quase
debochada.
— Claro que não — riu um pouco mais. — Ele está com Vanessa. A
boceta de ouro o prendeu em casa hoje.
Sofia retrocedeu mais um passo, ainda mais incomodada.
Embora não fossem muito próximos, ela o conhecia. Ele parecia um
pouco alterado, e não apenas em razão da bebida.
Parecia irritado com algo, se comportava de uma maneira diferente a
qual ela sempre o vira e ela não gostou daquilo, afastando-se um pouco mais.
Colidiu com um corpo grande atrás do seu e pulou um pouquinho,
assustada. Mas só até um braço musculoso enlaçar a sua cintura e ela ver
todas aquelas tatuagens.
Respirou um pouco aliviada e se inclinou para fitá-lo.
Henrique não a olhou de volta, mantendo os olhos fixos no garoto a
frente dela.
Ela notou o quanto ele estava sério e nunca o vira antes com aquela
expressão.
— E aí, cara? — Brian o cumprimentou, balançando ligeiramente sobre
as pernas instáveis e sorriu para Henrique, ainda mais debochado.
Henrique permaneceu o encarando por mais alguns segundos e Sofia
não estava gostando daquilo.
Estremeceu com o frio que fazia ali fora e ele a olhou imediatamente,
notando o quanto ela parecia incomodada com aquela situação.
Sua expressão relaxou aos poucos e ele a fitou terno, voltando ao seu
normal.
— Vamos entrar — disse baixo, só para ela.
Ela concordou com a cabeça, aliviada. Estava frio ali fora, mas não era
aquilo que mais incomodava.
Henrique olhou uma última vez para Brian e ela fez o mesmo,
acenando rapidamente com a cabeça e seguindo em direção a entrada do pub,
mas antes notara algo perturbador no rosto dele.
Ódio.
Aquilo era ódio, a mais pura fúria e daquela vez ela não imaginara.
Estremeceu novamente e agradeceu por se afastarem logo dali. Não
queria ficar perto dele. Não queria falar com ele. E sentia que nunca seria
capaz de encará-lo novamente como um bom amigo ou algo perto disso.
Seguiam em direção aos seguranças na entrada quando Sofia
finalmente notou que não enfrentariam aquela fila gigantesca.
Algumas pessoas os encararam revoltadas e também recebeu alguns
olhares masculinos, o que a incomodou. A olhavam como se estivesse nua e
ela não gostou disso.
— Henrique — ela o chamou quando pararam próximos aos
seguranças. Eles acenaram para ele e já abriam as grandes portas de entrada
quando ele a fitou, curioso. — Por que passamos direto?
— O que?
Ela se aproximou mais um pouco dele e ele firmou sua cintura com
mais força.
— Digo, por que não precisamos enfrentar a fila como todos os outros?
— apontou discretamente na direção daquelas pessoas que os fitavam
irritados e curiosos.
Henrique lançou um olhar para onde ela apontava e desencorajou
rapidinho aqueles que a fitavam com desejo.
— Você quer enfrentar a fila? — perguntou curioso.
— Não! Digo, não gostaria, mas seria o correto, não? — indagou
começando a corar.
Ele riu, voltando a caminhar para a entrada, levando-a consigo e
acenando rapidamente para os seguranças.
— Seria o correto — ele confirmou, sorrindo. — Porém, sou um dos
sócios do lugar — declarou, puxando-a em direção ao grande aglomerado de
pessoas. — E, além disso, o correto nem sempre é satisfatório. Você vai
descobrir isso em breve.
Ela se arrepiou.
CAPÍTULO 14
Ela sentia-se leve. Leve, livre e feliz.
Movia o corpo com uma desenvoltura que não sabia possuir e roçava
sem vergonha no corpo atrás do seu.
Poderia por a culpa da sua falta de vergonha na bebida, mas ela não
bebia álcool. E não o fizera naquela noite.
Então, não era culpa do álcool.
Poderia haver algo alcoólico escondido naquele coquetel colorido que
bebera, é claro.
Poderia ter algo a ver com aquela fumaça que cobria a pista de dança.
Talvez fosse uma fumaça tóxica, pensou, enquanto colava-se mais ao corpo
atrás do seu, rebolando.
Ou poderiam ser todas aquelas luzes.
Ou todas aquelas pessoas.
Ou qualquer outra sugestão plausível que justificasse seu
comportamento.
Todavia, sabia que não fora o coquetel, ou a fumaça, as luzes, as
pessoas ou qualquer outra coisa.
A resposta para aquele seu comportamento estava atrás de si, agarrado
ao seu corpo como se disso dependesse sua vida.
Sofia já saíra para festas antes. E boates e pubs. Sempre obrigada a
acompanhar seu irmão, claro, mas nunca sentira-se daquela maneira antes.
Ela estava à vontade. Pela primeira vez na vida, à vontade.
Estava à vontade com o seu corpo e o seu sempre cabelo extremamente
vermelho.
Estava à vontade naquele vestido e aqueles saltos enormes.
Estava à vontade consigo mesma. E aquilo era o que a deixara tão
diferente.
Não sentia vergonha do seu corpo quando sentia-se bonita pela
primeira vez na vida.
Não sentia vergonha por chamar atenção devido a cor do seu cabelo
quando este caía em ondas perfeitas ao redor do seu rosto e ombros.
Não sentia-se um patinho feio quando aquele homem a fitava com os
olhos em chamas.
E assumia que grande parte daquela liberdade e satisfação que sentia
devia-se a ele.
Mas o mérito a partir de agora seria apenas seu.
Não mudaria por um garoto, quando este apenas servira para abrir seus
olhos sobre a mulher maravilhosa que ela era.
Não mudaria porque as pessoas a encaravam de maneira diferente.
Mudaria porque sentia-se ela mesma naquele momento, como jamais se
sentira.
Mudaria porque nunca sentira-se à vontade daquela maneira antes,
sempre se sentira como o patinho feio, quando todos ao seu redor viam
exatamente o contrário.
O problema não eram as pessoas.
O problema era ela mesma. Que não se via, que não se aceitava, que
não vivia.
Isso mudaria.
Mudaria porque ele dera a motivação que ela precisava. Mudaria
porque ele vira o que ela não enxergava até o momento.
Porque ele a fizera se sentir desejada, mulher.
E ansiava por mais.
Mas, sobretudo, mudaria por ela mesma.
Porque ela adorara demais aquela sensação para dar a adeus a ela.
Devia parte dessa mudança a ele, é claro. E sempre lhe seria grata.
Talvez por isso se sentia tão livre. Livre de tabus, livre da vergonha que
sempre a acompanhara por sua vida. E demonstrava isso dançando como
nunca fizera antes.
Entretanto, o fazia porque o que aquilo causava nele era surreal.
Henrique parecia um animal prestes a atacar sua presa.
Ele a rodeava, olhos nos olhos e ela por um momento imaginou se não
estaria brincando com fogo.
Sorriu maliciosa. Isso não a importava no momento.
Não estava preparada para aquele algo a mais. Não ainda.
Mas adoraria cada fase que o precedia, se fosse com ele.
Levantou os braços, rebolando ao ritmo da música que embalava as
pessoas na pista de dança. Não reconhecia a música, nem quem a cantava,
mas aquela batida era gostosa demais para permanecer parada - não que
estivesse antes - e ela se entregou, fechando os olhos e se deixando levar.
O sentiu mais uma vez atrás de si e sorriu.
Henrique a cercara no momento que entraram no lugar, tomando sua
cintura e a conduzindo ao seu lado.
Não entendera a princípio porque ele parecia tão territorial e depois
notou que recebia alguns olhares masculinos.
Ele também notara e também os recebia, talvez mais que ela.
Não os olhares masculinos. Não, esses recuavam no momento em que
eram encarados de volta por ele.
Ela se referia aos milhares de olhos femininos que o seguiam,
despindo-o com os olhos.
Ela se incomodou em um primeiro momento. Com ser alvo de tantos
olhares e por ele também. Porém, logo os esquecera, focando-se apenas nele
e em si mesma.
Ele a levara diretamente até o grande bar, à direita do lugar. Havia uma
grande prateleira de bebidas atrás do balcão e ali haviam tantas bebidas e
rótulos diferentes e importados que, mesmo se bebesse álcool, Sofia não
saberia o que escolher.
O barman os cumprimentou e conversou um pouco com Henrique,
como velhos amigos, enquanto preparava seus drinks sem álcool.
A bebida era um coquetel colorido de frutas e algo refrescante que ela
não saberia dizer o que era, mas que servira para aplacar o calor que sentia
em meio a tantos corpos.
O balcão estava lotado de pessoas solicitando seus drinks e muitas
outras em filas desorganizadas, ansiosas, aguardando por sua vez.
Ela observara a sua volta e sorriu.
Gostou do lugar e, embora Henrique o tenha chamado de pub, aquilo
em nada se parecia com um.
Quando ela ouvia a palavra pub, imaginava um barzinho calmo, com
covers artísticos ao vivo, uma pequena pista de dança e algumas mesas
dispostas ao redor.
Aquele lugar parecia saído de um sonho, ou um filme americano.
A estrutura por fora se assemelhava a um galpão rústico, em tons
terrosos.
Por dentro, aquilo era realmente outra história.
A decoração do lugar não era exageradamente luxuosa ou com excesso
de detalhes.
Era uma incrível combinação entre luxo e simplicidade, que ela não
saberia descrever melhor.
Notava-se que o lugar era um pouco seletivo. Todas as pessoas ali
pareciam se conhecer e se cumprimentavam, alegres, perguntando por outras
pessoas.
Ela admitiu que, embora não gostasse de locais assim, aquele
verdadeiramente a agradou. E estava ansiosa para apresentá-lo para suas
amigas.
Após pegarem seus drinks, Henrique a levou até um das muitas
mesinhas discretas que haviam ao redor do lugar.
No caminho, ele cumprimentara algumas pessoas que sorriam para ele
e o saudavam, como se não se vissem a anos.
Ele apenas balançava a cabeça e sorria de volta, puxando-a pela mão,
sem parar no caminho.
Sofia agradecera mentalmente por aquilo. Não que temesse aos
conhecidos dele ou qualquer coisa do tipo.
O que ela temia eram as perguntas que viriam.
"Oi, Henrique! Quanto tempo! Quem é essa garota? Sua namorada?
Sua peguete?"
Ela estremeceu.
Não sabia o que eram e, de qualquer forma, segundo as suas amigas,
era cedo demais para rótulos. Mas não queria pressioná-lo a isso ou ouvir
algo que não gostaria.
Por isso sentara na cadeira que ele puxara para ela e sorriu, bebendo um
pouco do seu drink.
Conversaram por minutos à fio. Beijaram-se dezenas de vezes e,
quando já estavam no terceiro drink, ele perguntou se ela não gostaria de
dançar.
Ela fitara a pista de dança com desconfiança. Haviam vários casais por
ali e pessoas dançando sozinhas também, rindo com os amigos ou apenas se
balançando.
Ela nunca fizera isso antes - dançar e além disso, no meio de tantas
pessoas - e disse a ele, corando um pouco.
Ele sorrira e perguntara se ela gostaria ou sentia-se à vontade para
tentar.
Ela refletira um pouco. Concordou depois de alguns segundos e
levantou-se, sendo levada por ele até a pista de dança.
A princípio, sentira-se um pouco tímida. Isso até perceber que as
pessoas à sua volta não estavam preocupadas se dançavam bem ou não;
apenas o faziam e riam, alegres.
Ela experimentou fazer o mesmo, movendo-se ainda com timidez e fora
se soltando aos poucos.
Ele a instigara, roçando contra seu corpo, tocando-a em lugares que a
faziam estremecer. E ela corara, fazendo o mesmo com ele, imitando seus
movimentos e sorrindo quando ele percebeu que o jogo virara.
Agora, ali, após muitas e muitas músicas e danças e descobrindo-se,
refletindo sobre toda a sua vida em uma pista de dança, ela sorria, feliz.
Livre.
Parcialmente ou ao menos quanto possível com aquelas mãos firmes
passeando sem pressa por todo o seu corpo, prendendo-a contra si.
Eles balançavam-se juntos, os corpos colados.
Ele estava atrás dela, movendo os quadris de uma forma que a fazia
empinar-se ligeiramente e acompanhar seus movimentos.
Poderiam estar dando um show de sensualidade, isso se não fossem os
mais discretos ou contidos dentre todos os outros casais. E todos estavam
focados apenas em seus parceiros e parceiras.
Ela agradeceu por aquilo, inclinando mais o pescoço quando ele afastou
seu cabelo e pressionou a boca ali.
Descansou a cabeça no ombro dele, ainda acompanhando seus
movimentos, rebolando.
Ele lambeu sua pele, desenhando uma trilha até estacionar na sua
orelha, mordendo seu lóbulo.
Ela estremeceu de olhos fechados.
— Você mentiu para mim — a voz dele saíra rouca e quase não a
reconheceu. — Essa não se parece com uma pessoa que não sabe dançar —
disse, subindo as mãos pelas laterais do corpo dela, lentamente. — Muito
pelo contrário — ela pode detectar o sorriso na sua voz.
Ele estacionou as mãos na sua cintura e a fez para seus movimentos,
enquanto apenas ele se movia.
Ela o sentia. Aliás, o sentiu várias vezes durante aquele dia.
Com ele mantendo-a parada e movendo-se contra sua bunda daquela
maneira, ela não poderia fazer outra coisa que não fosse sentir aquilo.
Embora não tivesse um vasto conhecimento no assunto, não era idiota.
Sabia o que era aquilo, até já vira alguns, embora não pessoalmente.
Mas nunca sentira aquilo pressionado contra si e, confusa, pensou se
deveria ficar envergonhada ou qualquer outra coisa quando começou a
imaginá-lo na sua mente.
Como ele seria?, pensou.
Grande, com certeza. Poderia afirmar, mesmo sem vê-lo ou ter com o
que comparar, que aquilo era grande. Talvez como um daqueles que vira uma
vez num filme com suas amigas, em um dos surtos que Lorrany tivera após
uma aula sobre educação sexual na universidade.
Ela ficara revoltada com a banana que a sexóloga convidada pela escola
usara como exemplo do órgão reprodutor sexual masculino.
E assim que as três chegaram em casa, conferiu se havia mais alguém
por ali. Concluindo que não, arrastara suas amigas para a sala de estar, avisou
que buscaria algo no quarto do seu irmão e, poucos minutos depois, estavam
assistindo um filme cujo nome Sofia nunca pronunciaria em voz alta.
Mas lembrava-se de algumas cenas e com o quanto se assustara com o
tamanho do... daquilo do ator.
Era algo monstruoso e, buscando a lembrança na sua memória,
concluiu que Henrique deveria ser igual.
Quer dizer, tinha as mesmas proporções.
Ela não tivera medo. Muito pelo contrário.
Não saberia descrever o que sentia, mas não era medo. Ou temor. Ou
qualquer outra coisa.
Era desejo.
O desejo por algo que ela não conhecia, ansiava conhecer, mas não se
sentia pronta para isso. Ainda.
— E não sei — respondeu ao que ele dissera. — Ou, ao menos, não
sabia — sorriu, sentindo o sorriso dele na sua pele.
Ele a virou para si e continuaram balançando levemente, movendo
apenas os pés.
Ela enlaçou seu pescoço, fitando-o nos olhos, como ele fazia com ela.
Ele estava levemente suado e ela também. Estavam dançando a mais ou
menos uma hora, sem parar, ela pensou.
Ele se inclinou e a beijou levemente, apenas roçando seus lábios.
Era para ser um beijo breve, mas como sempre acontecia quando seus
lábios se encontravam, o beijo evoluiu com o passar dos segundos e ficou
mais intenso.
Ela mordeu seu lábio, embrenhando as mãos nos fios dos cabelos dele e
puxando-o mais para si.
Ele estremeceu, como sempre fazia quando ela reagia com um pouco
mais de intensidade.
Ela o sentiu passeando as mãos por suas costas, pelas laterais do seu
corpo e um arrepiou percorreu suas costas quando ele roçara apenas as costas
dos dedos rápida e levemente por seus seios.
Desceu aos mãos por seu corpo novamente e percorreu sua bunda. Ela
pode sentir o calor das suas mãos por sobre o tecido em sua pele e gemeu,
chupando a língua dele e puxando seu cabelo com mais força.
Ele grunhiu, apertando sua bunda e ela não se importou se chamavam
atenção.
Apenas ansiava por mais.
Ele demorou-se um pouco naquela área, ainda apertando, uma nádega
em cada mão, puxando-a para si.
Ele passou a mover os quadris novamente e ela acompanhou seus
movimentos como pôde, estando presa a ele daquela maneira.
Ele mordeu seu lábio com um pouco mais de força e afastou-se, ainda
movendo-se contra ela.
Ela permaneceu de olhos fechados por mais alguns segundos, apenas o
sentindo, mas sentindo que era observada, os abriu.
Os olhos dele estavam escuros de desejo.
Os lábios estavam inchados do beijo, a fronte um pouco suada, com
alguns fios de cabelo colando-se na testa.
Ela imaginou se estaria da mesma maneira que ele. Mas isso logo
sumiu da sua mente, focando-se apenas naquilo que ele fazia com ela.
Ela acompanhava seus movimentos, movendo-se no ritmo da música,
rebolando de encontro aos quadris dele.
Ele parou por um momento e permaneceu assim por alguns segundos,
apenas a sentindo roçar, rebolar contra sua perna.
Ele chegou a abrir um sorriso, mas este sumira quando Sofia iniciara
mais alguns movimentos com o quadril, dessa vez lentamente.
Ele mordeu o lábio, jogando a cabeça para trás, enquanto ela se movia,
maravilhada que pudesse causar nele o mesmo que ele causava nela.
Desceu as mãos que ainda estavam no pescoço dele por seu corpo e
percorreu seu peitoral forte.
A camisa grudava-se em sua pele suada e demarcava seus músculos.
Ela mordeu o lábio, descendo as mãos por seu abdômen, sentindo todos os
seus gominhos.
Ele estremeceu mais uma vez, gemendo baixinho e voltou a fitá-la.
Ela estacionou as mãos no ponto onde a calça dele pendia e, sem saber
como prosseguir, deixou as mãos por ali, apenas acariciando, sem descer
demais.
Ele soltou sua bunda e tomou sua cabeça entre as mãos, beijando-a com
o desejo redobrado, como se não conseguisse se conter.
Foi a vez dela de gemer baixinho, ainda o tocando ali, mas adorando
demais o que sentia com ele pressionando contra seu baixo ventre para
interromper aquele contato. Mesmo se fosse para senti-lo nas suas mãos.
Ele afastou a boca com brutalidade, da mesma maneira que começara a
beijá-la e continuou segurando seu rosto, olhando nos seus olhos.
— Vamos embora — rosnou.
Ela estremeceu, mas ele não fez qualquer outro movimento,
permaneceu a encarando, parecendo a espera de algo.
Imaginando que ele esperava por uma resposta sua, ela respirou fundo e
confirmou com a cabeça.
Ele também respirou fundo. Beijou-a outra vez, mais delicado e
rapidamente.
Seguiram para a entrada poucos segundos depois, após pagarem pelas
bebidas.
Sofia não saberia dizer o que acontecia agora e não se preocupou com
isso.
Aquela noite fora maravilhosa e o final dela, pensou sorrindo, seria
ainda mais.
CAPÍTULO 15
Antes que se aproximassem da saída, Henrique parou por um instante e
tirou o celular do bolso. Discou um número e falou por alguns segundos.
Guardando o aparelho de volta no bolso do jeans, puxou-a para um
pequeno espaço desocupado ao lado da porta de entrada e esperou.
Poucos minutos depois, o moreno que Sofia vira com ele naquela
manhã apareceu.
Descendo por uma escada lateral à sua direita que ela não notara até
aquele momento, ele se aproximava, cumprimentando alguns amigos e
sorrindo.
Vestia um jeans branco, um pouco apertado na opinião dela, mas que
apenas delineava suas pernas fortes e as evidenciava. Com uma camisa longa,
nesse estilo bata que é moda hoje em dia, também branca, ele de destacava
por onde passava.
Ele sorrira para ela e entregou algo a Henrique, que pegou novamente
algo no bolso, dessa vez a chave da moto, e entregou ao outro.
Da mesma forma que surgira, rapidamente, o moreno sumiu, deixando
Sofia confusa.
Assim que seu amigo se fora, Henrique voltou a caminhar em direção a
saída, levando-a junto, com uma mão em sua cintura.
Dessa vez ele não pediu que ela aguardasse na entrada e continuou
arrastando-a consigo em direção ao estacionamento do pub.
Ao passarem direto pela moto dele, que ela reconheceu porque era a
única daquele modelo no local, ela franziu o cenho.
— Sua moto... — murmurou tolamente, confusa.
— Vamos deixá-la aí — disse, parando ao lado de uma enorme Land
Rover. — Essa é a sua carruagem agora, madame — sorriu, destravando o
carro e abrindo a porta do passageiro para ela.
Ela entrou no carro ainda confusa. Esperou que ele desse a volta e
entrasse do outro lado.
— Mas... Ah — murmurou, finalmente compreendendo. Ele havia dado
a chave da moto para o amigo, e este o entregara algo antes. Uma troca de
chaves. — Mas por que não vamos voltar na moto?
— Porque está frio — colocou o cinto de segurança e apontou que ela
fizesse o mesmo. — E você está sem casaco.
A tocou que ele se preocupasse com isso. Mas ela realmente gostará do
passeio na moto, mal esperava a hora de repetir aquilo de novo.
Notando o pequeno bico de descontentamento dela, Henrique riu,
ligando o carro.
— Podemos sair para outro passeio amanhã, se quiser — sugeriu,
manobrando o carro, olhando o espelho retrovisor. — À tarde, após as aulas.
Ou à noite, se você vestir um casaco, é claro — continuou.
E riu quando a olhou rapidamente e notou seu grande sorriso. Ela
concordou com a cabeça, feliz, colocando o cinto.
Mas o motivo do seu sorriso não era o passeio de amanhã. Quer dizer,
isso também.
O motivo fora que ele a chamara para sair de novo. E parecia realmente
querer isso, tanto que a sugestão não soara forçada nem algo do tipo. Ele
realmente queria sair com ela de novo.
Talvez, pensou, ele tenha gostado da noite tanto quanto ela. Corou
pensando no que acontecera naquela pista de dança. Ele realmente, realmente
parecera gostar daquela noite. Seu corpo deu indícios disso.
— Para onde, madame? — perguntou quando chegaram no centro da
cidade.
Ela poderia responder um "Para onde você quiser". Porém, não sabia se
estava pronta para aquilo ainda.
Eles tinham química, a conversa fluía naturalmente, ela gostava dele e
parecia ser recíproco.
Todavia, ela achava que precisava conhecê-lo melhor antes disso.
Não que esperasse saber algo sobre ele que não gostaria, pelo contrário.
Essa possibilidade nem passava pela sua cabeça.
Entretanto, como seria a sua primeira vez, ela queria estar 100% segura
sobre sua decisão. Sem neuras ou a possibilidade de dar para trás de última
hora.
Ela respondeu que ele poderia deixá-la onde a buscara, na casa da sua
amiga e ele concordou com a cabeça, retomando o percurso que fizera antes
para chegarem até ali.
Ele indagou por que não iria para casa e ela respondeu rapidamente que
teria outros rituais de garotas com suas amigas. Ele riu.
Não era totalmente uma mentira. Suas amigas realmente fariam um
verdadeiro ritual para saberem de todos os detalhes sobre a sua noite.
Porém, não era por esse motivo que não gostaria de ir para sua casa.
Ela não queria ir para casa porque se pudesse evitar outra discussão
com seu irmão - e isso aconteceria, cedo ou tarde, por mais que ela fugisse -,
faria o possível.
Pior ainda que chegar em casa após uma noite maravilhosa e brigar
com seu irmão, seria Sebastian dar de cara com Henrique na soleira da sua
porta. Seria uma catástrofe.
Então, não. Não iria para casa.
Alguns minutos depois, chegaram ao seu destino.
Ele desligou o carro e a fitou, tirando o cinto.
— Gostou da nossa noite? — perguntou suavemente.
— Sim — ela sorriu, sem poder se conter. — Gostei muito.
Ele também sorriu, tirando a jaqueta que colocara de volta quando
saíram do pub.
Ela fitou todos aqueles músculos se retesando, perguntando-se se havia
justiça no mundo. Porque, claramente, aquele homem havia passado vezes
sem conta na fila da perfeição.
Era inacreditável que alguém como ele a desejasse.
Tudo bem, ela era bonita, acreditava nisso agora. Mas na universidade
havia dezenas de outras garotas ainda mais. Perfeitas modelos, quase Barbies.
Algumas até eram modelos mesmo.
Então, por que ela?, perguntou-se.
Balançando a cabeça, tratou de tirar isso da mente e não fora difícil
distrair-se.
Principalmente quando ele se inclinou levemente e tocou seu rosto com
uma das mãos, acariciando-a.
Percorrendo seu rosto com as costas dos dedos, subiu até os seus
cabelos e encontrou sua nuca, puxando-a para si.
Ela respirou fundo, sem precisar que ele a guiasse e o beijou, fechando
os olhos.
Ele a beijou delicadamente, como se tivessem todo o tempo do mundo,
saboreando-a sem pressa.
Ela adorou aquele beijo. Ele parecia venerá-la com os lábios, como se
tocasse algo precioso.
Apreciou aquele toque, mas precisou confessar para si mesma que
gostava um pouquinho mais quando ele a beijava com força.
O que aconteceu em seguida.
Parecendo incapaz de conter-se mais, ele mordeu seu lábio inferior,
puxando-o com os dentes e soltando-o. Parou para conferir a sua obra de arte
e depois voltou a beijá-la, sedento por mais dela.
Ela sentia-se quente. Também queria mais. Queria senti-lo contra si.
Inclinou-se o máximo que pode, porém naquela posição, ambos
sentados em bancos opostos, o máximo que conseguiu não era o bastante.
Ele resolveu o seu problema puxando-a para si, para o seu colo.
Ela se atrapalhou um pouco, sem saber como passar uma das pernas por
cima dele sem que ele visse sua calcinha. Porém, depois de algumas
tentativas tímidas, ele a ergueu, depositando-a onde queria.
Ela arfou duas vezes.
Primeiramente com aquela demonstração da força dele, simplesmente a
erguendo, como se fosse um peso de papel, sem nem parecer se esforçar para
isso.
E depois arfou porque, naquela posição, com as pernas abertas e
encaixada no colo dele, ela o sentia pressionar diretamente onde realmente
precisava dele.
Ele segurou seu rosto entre as duas mãos e a fez fitá-lo nos olhos.
Encarou-a por alguns segundos e voltou a beijá-la, ainda segurando seu rosto.
Ela sentiu o desejo desenfreado que havia sentido naquela pista de
dança voltar com tudo.
Agarrou-se a ele, colando seus seios no peitoral dele e gemendo quando
ele tocou seus cabelos, puxando-os para inclinar sua cabeça em um novo
ângulo.
Ela sentia-o pressionado contra o meio das suas pernas e precisou
conter-se para se manter parada.
Ele soltou seu rosto, descendo as mãos pelas suas costas e voltou a
apertar sua bunda, como se não pudesse se conter.
Ela tinha fartura naquela área, talvez mais que algumas pessoas -
Arianna por exemplo -, mas não se importou com isso. Ainda mais tendo em
vista que ele parecia gostar.
Quando ele a voltou a apertá-la daquela maneira, sua luta para manter-
se parada teve fim e ela moveu-se.
A princípio, fizera apenas uma sugestão do que realmente seria um
movimento. Mas para Henrique, aquilo parecera o gatilho que o libertara da
sua última reserva de autocontrole.
Ele grunhiu, apertando-a ainda mais e puxando-a mais contra o seu
membro.
Sofia gemeu na sua boca e ele fez de novo, puxando-a e afastando-a
levemente, uma vez e outra, friccionando-a contra si com mais força.
Ela sentia o tecido da calcinha molhada entre a sua pele sensível e o
tecido do jeans dele. Apenas duas camadas de roupa os separavam e ela
sentiu-se ferver, imaginando como seria quando as retirassem.
Ela começou a mover-se sozinha, como desejava, apoiando-se nos
ombros dele.
Ele soltou sua bunda, deixando os braços caírem ao seu lado, enquanto
ela assumia o controle dos movimentos.
Ela sentia-se poderosa, como se pudesse dominá-lo. E aquela sensação,
de ter aquele homem inteiro para si, quase a deixou louca.
Ele gemia na sua boca, remexendo-se onde estava, como se estivesse se
controlando para não atacá-la.
Sofia mordeu seu lábio inferior, como ele fizera com ela, ainda se
movendo. Mordiscou levemente, arrastando os dentes.
Ele tocou suas pernas, apertando-as, subindo.
Suas mãos pararam por um instante quando encontraram a barra do
vestido. Sofia arrepiou-se quando o sentiu levantá-lo levemente enquanto
suas mãos subiam.
Ele o fez de forma devagar, esperando que ela o impedisse. Mas ela não
o fez e estremeceu quando ele infiltrou as mãos por baixo do seu vestido e
acariciou a pele da sua bunda, levemente.
Ela mal respirava, adorando aquele toque.
Henrique gemeu mais alto e afastou a boca da sua com um grunhido.
— Você está sem calcinha? — perguntou bruscamente, a voz tão rouca
que ela mal entendeu o que ele dissera.
Levou alguns segundos para compreender o que ele dissera e mais
alguns para fazer as palavras saírem por sua garganta.
— Não — sussurrou, sua voz tão rouca como a dele.
Ela o encarou.
Como a pequena garagem da casa da sua amiga estava ocupada, ele
estacionara na pequena entrada, entre as duas grandes árvores que decoravam
o jardim e agora os protegiam de quem por ventura passasse por ali aquela
hora.
Ele mordeu o lábio e dedilhou a sua pele, procurando.
Ela também mordeu o lábio, começando a corar.
Como ela ainda não sabia o que vestiria quando saíra de casa no início
daquela noite, não teria como imaginar que o par de calcinhas que colocara
na sua bolsa marcaria no vestido.
Felizmente, sabendo daquilo já que o vestido era seu, Thaís levara uma
lingerie especial que ela comprara recentemente que era apropriada para
aquela vestimenta.
Sofia corou dos pés a cabeça quando vira o pequeno pedaço de renda
que suas amigas afirmavam ser a calcinha. Porque era apenas isso que
compunha a pequena peça; um pequeno triangulo de renda e uma fina fita.
Ela não entendera onde colocaria aquilo, a princípio. Todavia a sua
confusão só durara até que Lorrany berrara, ultrajada, que, usando as suas
palavras, ela deveria "enfiar aquilo no rabo".
Ela olhara a peça em dúvida, mas dera de ombros e a vestiu, já que não
teria tempo para aquilo.
E, surpreendentemente, a peça era tão confortável que ela realmente
esquecera-se dela.
Até aquele momento.
Ele seguiu percorrendo sua pele, procurando.
Ela começou a respirar mais forte e percebeu que ele também.
Tomando suas nádegas inteiramente nas mãos, ele finalmente
encontrou o pequeno pedaço de tecido que as dividiam ao meio, formando
um pequeno V no início da sua lombar.
Ele jogou a cabeça para trás, apertando-a com força e ela arfou,
pressionando-se contra ele.
—Você quer me matar — rosnou, tomando sua boca em um novo
beijo, ainda mais carnal que o anterior.
Ela rebolou contra ele e gemeu alto, sentindo seu sexo ainda mais
úmido. Provavelmente molharia a calça dele, mas ela não conseguia se
importar naquele momento.
Ele mantinha as mãos na sua bunda e a puxava cada vez mais,
ajudando-a nos seus movimentos.
Ele continuou segurando sua bunda com uma das mãos e percorreu a
pequena fita lateral que unia a peça no seu quadril em um pequeno laço.
Ela o sentiu segurar uma das pontas da fita e não conseguiu impedi-lo.
Queria aquilo, queria seus toques, seus beijos. Queria senti-lo louco
desejo por ela, tal como ela se sentia.
E, lembrou-se, ela mesma afirmara para si que aceitaria de bom grado
tudo aquilo. Aceitaria tudo que precedesse o fim daquilo. As vias de fato.
Ele, depois de uma pequena pausa, começou a puxar a ponta da fita,
lentamente.
Sofia sentiu que a peça começava a afrouxar em torno do seu quadril e
respirou fundo, beijando-o novamente.
Henrique puxou a fita completamente e a peça cedeu, ficando
pendurada apenas pelo fino laço no outro lado.
Ele o desfez lentamente, torturando-a com a sua lentidão e separou a
boca da dela, encostando a cabeça no banco.
Sofia abriu os olhos relutante, corando até a alma com o olhar que ele
lhe destinará.
Ele retirou sua pequena calcinha lentamente e a ergueu.
Ainda a fitando, continuou erguendo-a, até pressioná-la no nariz,
fechando os olhos rapidamente.
Meu Deus, ela pensou, chocada com o que ele fizera, mas, sobretudo,
excitada ao extremo.
Ele abriu os olhos, ainda segurando a peça próxima ao rosto e Sofia
estremeceu.
Fome. Ele tinha fome dela.
Ela sentia o mesmo e quase implorou que ele a tocasse logo. Lá.
Ela apreciava seu toque por todo o seu corpo, mas sabia que, quando
ele a tocasse ali, ela não seria mais ela mesma.
Claro que já se tocara. Era virgem, tímida e uma boa menina, mas não
era assim tão inocente.
Não o fazia com frequência e, no início, não sabia o que fazer. Porém,
com o passar do tempo, ela descobriu o que ou como gostava.
Todavia, ela sabia, antes mesmo que ele a tocasse, que aquilo não seria
nada parecido com seu toque.
Henrique cheirou sua calcinha uma última vez, como se não pudesse
resistir, e a guardou no bolso da sua calça. Ele precisou se erguer
ligeiramente para isso e Sofia estremeceu com o suave roçar do jeans contra a
sua pele sensível, úmida e agora exposta.
Não completamente exposta, já que o vestido a cobria. Mas ambos
sabiam que estava nua e apenas aquela percepção a fazia estremecer.
Ele percorreu suas pernas com as mãos, subindo e descendo, buscando
acalmá-la.
Ela estava nervosa, ansiosa. Tudo o que mais queria era sentir o toque
dele naquela parte do seu corpo que mais necessitava.
Queria descobrir como seria ser tocada ali pela primeira vez por dedos
desconhecidos. Dedos que não eram os seus. Que saberiam exatamente o que
fazer e que a levariam a loucura, ela sabia.
Ele mordeu seu lábio inferior, puxando-a para si, engatando um novo
beijo que a deixou tonta.
Ela puxou seus cabelos com força, beijando-o em um frenesi.
Ele cobriu seu sexo inteiro com a mão, sem aprofundar o toque. Ela
arfava, ansiosa e trêmula.
Ela tentou concentrar-se no beijo, mais sendo beijada do que beijando,
e aguardou, sentindo um arrepio descer por suas costas.
Henrique permaneceu assim por alguns segundos, apenas segurando
todo seu sexo na mão, sem acariciá-la por dentro.
Ela permaneceu parada por alguns segundos e gemeu alto, pega de
surpresa, quando ele aprofundou seu toque lentamente com dois de seus
dedos.
Ele gemeu quando sentiu o quanto ela estava molhada, dedilhou
delicadamente cada dobra da sua feminilidade e fez uma pequena pausa na
sua abertura, arrastando a umidade que havia ali até seu clitóris.
Ela gemeu mais alto, incapaz de manter o quadril parado e começou a
mover-se de encontro aos dedos dele.
Ele puxou seu cabelo com a outra mão, afastando-a da sua boca.
Sofia abriu os olhos levemente, ainda gemendo com cada movimento
circular que ele fazia e se inclinou para trás, até descansar as costas no
volante.
Ficou assim, gemendo, sentindo-se prestes a ruir e fitando-o nos olhos,
com os seus entrecerrados.
Ele mordeu o lábio, levando os dedos novamente para sua abertura e
dedilhando-a suavemente.
Em seguida, fez algo que a deixou chocada.
Retirou a mão que estava no seu sexo e a ergueu, aproximando-a da
boca.
Sofia arrepiou-se, observando que os dedos dele brilhavam
suavemente, úmidos.
Ele aproximou os dedos dos lábios e, fitando-a nos olhos, os chupou.
Ela gemeu baixinho, sentindo-se em chamas com aquele olhar.
Ele fechou os olhos, ainda com os dedos na boca, como se saboreasse a
sua iguaria preferida e os puxou lentamente, lambendo os lábios no final.
Puxou-a novamente para si e pressionou a boca na dela, rosnando:
— Gostosa.
Ela gemeu manhosa, querendo mais e ele voltou a beijá-la, com
brutalidade.
Ela se pressionou contra ele, aceitando tudo que ele lhe desse.
E entregando-se na mesma medida.
CAPÍTULO 16
Sofia o beijou sofregamente, gemendo em sua boca e sentindo-o
deslizar os dedos por sua carne molhada mais uma vez, dessa vez um pouco
mais insistente.
Ela sentiu que estava próxima de gozar pela primeira vez sob o
domínio de outra pessoa que não ela mesma.
Ele acariciou seu clitóris, prendendo-o entre os dedos e puxando-o
delicadamente, gemendo junto com ela.
Aproximando-se da sua abertura, ela sentiu um dedo penetrá-la e
gemeu mais alto quando ele passou a movê-lo dentro de si.
Descolou seus lábios, com medo de mordê-lo com força, no auge do
seu prazer e descansou a testa na dele, deixando-se levar.
Henrique adicionou um segundo dedo e ela sentiu uma leve ardência,
que não minimizou o prazer que sentia.
Porém ele parou os movimentos. Ela gemeu em protesto, mas afastou-
se quando ele retrocedeu um pouco.
Abriu os olhos e o encarou, notando seu cenho franzido.
Ele a fitava confuso e surpreso, o que ela não entendeu.
Respiravam com dificuldade, ambos envolvidos naquela áurea de
desejo e necessidade mútua.
— Você... — ele começou, mas fez uma pequena pausa, pigarreando
para clarear a voz. — Sofia, você é virgem?
Ela ainda o fitou por mais alguns segundos, sua mente confusa e
nublada, até que as palavras dele fizeram sentido e ela arregalou os olhos.
Não passou por sua cabeça que ele não soubesse daquilo. Tão pouco
pensou se deveria informá-lo daquilo de antemão.
Porém, pela expressão dele, talvez ela tenha errado em não comunica-
lo previamente.
Todavia, como o teria dito? Quando?
Após ele ter convidando-a para sair? E como diria?
"Olha, cara, antes de responder a sua pergunta tenho que confessar
algo. Sou virgem. Me pega às oito”?
Ela não teria coragem para isso e suas amigas não a informaram nada
sobre aquilo. Mas ambas tinham conhecimento da sua situação, não
necessitavam de uma confissão sua.
Ele, entretanto...
— Sim — confessou em um sussurro, após respirar fundo.
Ele a fitou com assombro. Ela imaginou o que estaria pensando.
Mas qual seria o problema? Não é como se ela fosse uma aberração ou
algo do tipo. Algumas mulheres se guardam. Nem todas perdem a virgindade
cedo. E ela não pensara que esse seria uma problema para ele.
— E você... — ele parecia ter alguma dificuldade para falar, pausando
e pigarreando novamente. — E você só me conta agora?
Em defesa dele, mesmo pego de surpresa naquela situação, ele não
parecia horrorizado ou enojado. Ou qualquer coisa do tipo. Parecia surpreso e
algo a mais que ela não identificou.
Com sua mente ainda um pouco confusa, Sofia abaixou o vestido
cobrindo-se dos olhos dele, desejando que um buraco se abrisse aos seus pés
e a levasse dali.
— Desculpe se o decepcionei — disse, tomada momentaneamente por
uma irritação que não saberia dizer de onde surgira. — Pode me soltar agora?
Mas ele continuou segurando sua cintura, fitando-a confuso.
— Me decepcionou? — ele continuou a segurando, mesmo quando ela
começou a remexer-se inquieta, tentando voltar para o outro banco. — Por
que você acha... Quer parar com isso?
— Parar com o que? — ela sentia o sangue ferver, irritada e
envergonhada ao extremo.
— De tentar sair daqui — disse, começando a se irritar também. —
Estamos conversando.
— E daí? — perguntou, sem parar seus movimentos.
— E daí — ele respondeu, mantendo-a parada com as duas mãos. —
que eu fiz uma pergunta e você não respondeu.
— Que pergunta? — perguntou de má vontade, embora soubesse.
— Por que não me contou que é virgem?
— Por que isso seria da sua conta?
— Por que não seria?
— Por que é algo pessoal. Não saio por ai contando coisas assim para
desconhecidos.
— Voltei a ser um desconhecido?
— Não, mas...
— E tendo em vista a nossa situação no momento, o que estivemos
prestes a fazer, você ainda acha que não me diz respeito?
— Acho — empinou o nariz, embora sentisse os olhos marejando.
— Mesmo?
Ela afirmou com a cabeça, recusando-se a chorar na frente dele. Não
acreditava que uma noite que fora tão maravilhosa até aquele momento,
pudesse se converter naquele desastre.
— E como seria quando levássemos isso adiante e eu descobrisse
quando já estivesse enterrado dentro de você que você era virgem?
— Não sei — disse baixo.
— Por que não me contou? — ele não parecia bravo, apenas surpreso.
Quando ela apenas permaneceu calada, sem olhá-lo, ele continuou: — Por
vergonha?
Ela permaneceu calada e continuou olhando para a porta do passageiro,
fugindo do seu olhar.
— Você realmente não entende a seriedade da situação? — ele
perguntou. — Eu não teria continuado com isso se soubesse que...
Mas se interrompeu quando viu algo brilhar no rosto dela. Assombrado,
viu outro rastro descer por sua face e percebeu que eram lágrimas.
— Sofia... — sentiu-se incapaz de continuar, pego de surpresa mais
uma vez.
— Já disse que sinto muito — sua voz saiu calma, embora se sentisse
ruir por dentro. — Pode me soltar agora?
Henrique apenas a encarava ainda mais confuso e sentindo o peso
daquelas lágrimas em si.
— O que...
— Precisa que eu repita? — embora cada palavra fizesse com que suas
lágrimas caíssem com assombrosa rapidez, ela prosseguiu. — Sinto muito
por decepcioná-lo. Em minha defesa, não me ocorreu contá-lo sobre esse meu
"defeito" — fez aspas com as mãos. — até o momento. Porém, levando em
conta que não posso voltar atrás agora, você poderia me soltar para que eu
saia de uma vez desse carro?
— Sofia...
— Não precisa continuar com isso. Eu já entendi. Ser virgem e tal é um
problema para você. Então por que não me solta, sim? Assim não precisará
me ver novamente.
— Sofia...
— Provavelmente, deve estar arrependido por toda essa perda de
tempo. Com uma virgem — riu a despeito das lágrimas que banhavam seu
rosto. — Se eu soubesse que apenas isso o desmotivaria, teria dito logo.
Assim, nos poupariamos desta situação constrangedora.
— Sofia, você...
— Não precisa dizer mais nada — tentou retirar as mãos dele da sua
cintura, mas não conseguiu movê-las nem um mísero centímetro. Sentindo os
ombros caírem, soluçou antes que pudesse imperdir-se. — Por que está
fazendo isso? Eu só quero ir embora...
Ele a abraçou, calando-a com a boca.
Ela o empurrou, mantendo os braços entre seus corpos, tentando afastá-
lo.
Ele continuou beijando-a e, como a boba que era, ela não conseguiu
resistir a delicadeza dos lábios dele por muito tempo.
Ele a acalmou, massageando suas costas e, após alguns segundos,
descolou seus lábios, beijando sua testa.
Ela descansou a cabeça no ombro dele, sentindo-se esgotada.
— Não estou decepcionado — ele começou, acariciando seu cabelo. —
Ou desmotivado. Nem tão pouco arrependido. Só fiquei surpreso.
Ela tentou afastar-se e ele permitiu, segurando seu rosto úmido nas
mãos.
— Não me ocorreu que fosse virgem — disse, secando com os
polegares os rastros de suas lágrimas. — Mas não estou aborrecido sobre isso
— ela levantou as sobrancelhas e ele riu, rendendo-se. — Talvez um pouco
aborrecido, mas não com você. Se soubesse disso, teria sido mais paciente
com você, ou me refrearia mais. Não imaginei nem por um segundo que isso
fosse possível.
— Pareço fácil para você? — ela não resistiu em alfinetar.
Ele riu.
— Pelo contrário. Mas, se me deixar continuar posso explicar minha
reação.
— Hum — disse apenas, fingindo não dar importância.
Ele riu mais uma vez, beijando seus lábios rapidamente. Ela
desconfiava seriamente que ele fazia aquilo para confundi-la. Para deixá-la
confusa com seus beijos enlouquecedores.
— Não imaginei que fosse virgem porque, veja bem, não encontro
outra maneira de explicar — sorriu malicioso. —, porque você é gostosa
demais.
— E daí? — repetiu irritada, embora corasse com o elogio.
— E daí — a imitou, sem parar de sorrir. — que garotas assim,
geralmente, não são virgens.
— Isso não faz sentido.
— Na verdade, sim, se você for um homem.
— Continua não fazendo sentido.
— O fato é que não imaginei que fosse possível, mas não quer dizer
que vou desistir de você por causa disso.
— Ah, não? — perguntou desconfiada, começando a sentir uma
centelha de esperança, que tratou de controlar.
— Não — afirmou. Sorrindo malicioso, continuou, rodeando-a com os
braços fortes e colando-a a si. — O que quero dizer é que você deveria, sim,
ter me contado antes, porém, preciso confessar que ao mesmo tempo que isso
me surpreendeu um pouco, também me deixa feliz.
— Por que? — perguntou, deixando-se moldar a ele.
— Porque quando ou se acontecer — aproximou-se da sua boca. —,
você será apenas minha.
Ela estremeceu, sentindo uma promessa contida naquela declaração.
Antes que ela pudesse dizer algo, ele a beijou novamente.
Ela aos poucos rendeu-se ao beijo, envolvendo seu pescoço com os
braços e beijando-o com desejo.
Após alguns minutos, quando já havia retomado os tentadores
movimentos com o quadril, ele apartou os lábios, segurando sua cintura e
mantendo-a parada.
— Entretanto, isso muda algumas coisas — disse com a voz rouca. Ela
apenas o fitou, esperando que continuasse. — Primeiro, precisamos começar
aos poucos.
— Começar o que?
— A sua iniciação — sorriu malicioso. Um sorriso que molharia sua
calcinha, se estivesse com uma.
— Minha...
— Sua iniciação — repetiu, rindo e beijando-a ao mesmo tempo. —
Ah, Sofia, você não imagina as coisas que farei com você.

•••
A despeito do que dissera naquela noite, Henrique não tentara nada do
tipo.
Passaram-se dois dias. Dois dias de beijos enlouquecedores e encontros
pela universidade e após as aulas.
Mas sempre que o clima esquentava demais e apenas o contato dos seus
lábios não era suficiente, ele retrocedia e a acalmava.
Ela iria enlouquecer.
Não sabia como ou por que ele fazia aquilo, mas imaginava que aquela
fosse sua verdadeira intenção: enlouquecê-la. Deixá-la cega de desejo até que
implorasse que ele fizesse algo.
Naqueles poucos dias, Sofia conseguira fugir do seu irmão, o que a
surpreendeu.
Pouco o via em casa e quando sim, parecia estar em outro lugar,
pensando em algo que o deixava com uma expressão estranha.
Não querendo dar chances para o azar, Sofia apenas fingiu não
perceber aquilo, embora se preocupasse com ele.
Na manhã seguinte ao seu primeiro encontro com Henrique,
surpreendeu-se quando o encontrou do lado de fora da casa da sua amiga,
quando as três saíam para a universidade.
Ele vestia outro moletom escuro e calças jeans e estava apoiado em sua
moto, parecendo esperá-la.
Quando Sofia virou-se para suas amigas para perguntar o que fazer,
fora empurrada bruscamente na direção dele.
— Me agradeça depois, com um dos amigos gostosos dele — Lorrany
sussurrou no seu ouvido ao passar por ela, apressando-se para o carro, e
entrando rapidamente. — Tenham um bom dia! Adeus! — gritou pela janela.
Sofia parou próxima a ele, corada.
Ele riu, a beijou e disse que estava ali para levá-la para a universidade.
Ela o beijou de volta, incapaz de manter-se parada e sorriu, colocando o
capacete que ele lhe estendera.
Fora uma comoção geral quando chegaram ao seu destino e Sofia sentia
os olhos de todos por ali nas suas costas.
Não deu importância, embora corasse até os dedos dos pés. Ele a tomou
pela mão com naturalidade e a levou até a sua primeira aula.
Encontraram-se após as aulas e saíram para outro passeio de moto pela
cidade. Depois pararam para um lanche e ele a deixou em casa. Não sem
antes colocar em prática a primeira fase do seu plano "Como enlouquecer
Sofia".
E continuara com aquilo, instigando-a e depois retrocedendo, deixando-
a apenas na vontade, por dois dias. Dois dias.
Ela não aguentava mais. Precisava aliviar-se de alguma maneira e, já
que ele não o fazia, buscou ocupar sua mente com outras coisas.
Enfiou-se na biblioteca, na sua mesa de sempre, a mais afastada e
discreta de todas e selecionou algumas obras para pesquisas para trabalhos e
tentou distrair-se.
A biblioteca excepcionalmente naquele dia estava quase vazia. Apenas
alguns poucos alunos se encontravam por ali, e não se ouvia nem um ruído no
local, fora o pequeno som de páginas sendo folheadas.
A sra. Brígida, sentada na sua grande poltrona na entrada do lugar,
dormia pacificamente, aproveitando a surpreendente calma do lugar para um
cochilo.
Sofia ouviu o celular vibrando dentro da bolsa e o pegou.
Viu quem a ligava e apenas colocou o aparelho em cima da mesa,
ignorando-o.
Era Henrique. De novo.
Ligara para ela naquela manhã várias vezes. Naquele dia ela resolvera
voltar aos seus hábitos matutinos normais de antes de conhecê-lo e seguiu
caminhando até ali. Ela sentia-se frustrada demais para falar com ele.
Primeiro a excitava, para depois deixá-la necessitada, precisando de
alívio e recorrendo aos seus próprios dedos.
Aquilo não era justo e ele sabia.
Ele sempre sorria quando notava sua frustração, e ela acreditava que
era aquela a verdadeira intenção dele.
Viu o aparelho apagar e franziu o cenho, irritada.
— Qual a sensação de ser ignorado? — resmungou sozinha, encarando
o celular. — Garanto que não é agradável.
— Realmente, não.
Ela pulou na cadeira, assustada.
Além de deixá-la numa eterna frustração sexual, também a surpreendia
com frequência.
Fitou-o de cima a baixo e continuou assim, apenas o olhando com
desdém, embora suas bochechas ardessem.
Ele riu, colocando as mãos sobre a mesa e inclinando-se um pouco para
beijá-la.
Embora quisesse aquilo mais que tudo, Sofia se afastou. Imaginou que
aquilo o deixaria chateado, mas ele apenas riu.
— O que aconteceu? — perguntou sorrindo.
—Nada — respondeu. E continuou sem poder se deter. —
Definitivamente, não aconteceu nada.
Ele sorriu ainda mais, notando sua indireta.
— A que se refere? — perguntou cínico.
— Nada em especial. Apenas promessas vazias.
Ele riu.
— Odeio pessoas que não têm palavra — ele declarou, olhando em
volta.
— Mesmo? Que estranho — Sofia era puro desdém.
— Não é? — ele deu alguns passos por ali e, concluindo que não havia
ninguém por perto, voltou-se para ela. — Muito estranho. O que você está
vestindo por baixo dessa mesa?
A mesa era enorme e possuía alguns recantos, algumas peças de
madeira que impediam que alguém visse o que havia em baixo dela. Parecia
como aquelas mesas de professores, completamente fechadas.
Ela franziu o cenho com aquela mudança brusca de assunto, mas
respondeu.
— Uma saia.
— Jeans? — ele perguntou interessado.
— Não, de malha.
— Bom. Isso facilita um pouco as coisas — disse malicioso.
— Facilita o que? E por que quer saber o que estou vestindo?
— Você vai ver.
E com assombro, o viu abaixar-se rapidamente e enfiar-se por baixo da
mesa.
— O que você... — começou a perguntar, assustada, a voz subindo
alguns tons.
— Shhh — ele sussurrou debaixo da mesa, alcançando a barra da sua
saia. — Você não quer que a velha acorde.
— Mas o que você está fazendo ai?
— Shhh, Sofia. Você não consegue falar baixo? — reclamou,
agrupando o tecido da saia no quadril dela. Meteu as mãos na sua bunda e
puxou-a um pouco para frente, quase derrubando-a da cadeira. — Isso vai ser
um teste de resistência para você então.
Começando a entender, tardiamente, o que ele pretendia fazer, Sofia
arregalou os olhos, tentando cobrir a pele que ele desnudara.
Ele segurou suas mãos, afastando-as e subiu mais sua saia, expondo sua
calcinha.
— Hum — murmurou rouco, começando a acariciá-la sobre o tecido.
— Acha que consegue ficar calada por mim? Eu realmente preciso de
silêncio para fazer o meu trabalho.
— Henrique... — sussurrou, assustada, mas começando a sentir-se
excitada com seu toque. — Você não pode... Você não vai...
— Ah, eu posso — beijou suavemente sua virilha, farejando-a. — E
vou. Não faça barulhos.
Ela o sentiu afastar o tecido da sua calcinha e lançou um último olhar
em volta, com medo que alguém aparecesse.
Porém, tudo sumiu da sua mente quando sentiu a respiração dele ali.
E, quando ele a tocou com a língua, foi difícil conseguir pensar.
CAPÍTULO 17
Ela tentou impedi-lo.
Ainda conseguiu colocar uma das mãos na cabeça dele, pronta para
afastá-lo, mas ele agiu primeiro.
Mas quando ela sentiu o toque da sua língua, sentiu como se todas as
terminações nervosas do seu corpo estivessem localizadas ali.
Ele tinha experiência naquilo, ela pensou vagamente, enquanto
ofegava.
Não tinha base de comparação, mas aquele talento e o que ele a fazia
sentir, deveria ser fruto de uma vasta experiência.
Não conseguiu se importar com o como ele conseguira aquela
experiência. Ou com quem.
Ele lambeu mais fundo, entreabrindo seus lábios e ela precisou sufocar
um gemido.
Aquilo não era tarefa fácil. Ainda mais quando ele circulou seu clitóris
com a ponta língua.
Mexeu-se inquieta, sem conseguir se controlar, suando e esforçando-se
para manter-se calada.
Ele pressionou os lábios ali e chupou com mais força, gemendo
baixinho em apreciação. Ela estremeceu, sentindo-o vibrar com seu
murmúrio rouco.
Ele parecia faminto, como se não existisse nada no mundo mais
importante que aquilo.
Com a mão que ela tentara afastá-lo, embrenhando os dedos no seu
cabelo farto, passou a puxá-lo mais para si, incapaz de pensar.
Ele gemeu novamente e puxou-a mais para fora da cadeira, de modo
que ela precisou se recostar para não deslizar para o chão.
Sofia começou a suar, sentindo um calor espalhar-se por todo seu
corpo. Reprimia-se com esforço para não gemer alto.
Não imaginara que aquilo fosse possível. Sentir tanto prazer assim...
Precisou conter outro gemido quando ele acariciou sua entrada com um
dedo e começou a penetrá-la lentamente, fazendo movimentos de vai e vem.
— Henrique... — sussurrou aflita. Não poderia conter-se mais. Sentia
que estava muito intenso e, levando em conta os arrepios e tremores que
sentia, sabia que não seria capaz de manter-se calada.
— Shhh — ele sussurrou rouco. Levantou os olhos para ela,
acrescentando um segundo dedo na brincadeira. Ela mordeu o lábio. — Não
fale. Vai chamar atenção se a virem conversar com a mesa — sorriu, logo
retornando ao seu trabalho.
Ela não conseguiu reprimir o gemido dessa vez, mas por sorte este
soara baixinho. Apenas um som lamurioso.
Moveu-se, sem pensar, em direção a boca dele. Rebolou o quanto
conseguiu, sentindo o quanto aquilo tornava tudo ainda mais intenso.
— Isso — ele incentivou grunhindo. — Assim. Esfregue essa bocetinha
gostosa na minha boca.
Ela estremeceu e ficaria espantada com o seu linguajar sujo se aquela
fosse outra situação. Mas ali, suas palavras apenas a fizeram estremecer
novamente e seu desejo redobrar, se aquilo fosse possível.
Jogou a cabeça para trás, incapaz de sentir e ver o que ele fazia consigo
ao mesmo tempo.
Apoiou-se no encosto da cadeira e mordeu os lábios, puxando-o pelo
cabelo, movendo-se o quanto podia de encontro a sua língua, sentindo-se
cada vez mais perto de...
— Srta. Villar?
Sofia pulou assustada, abrindo os olhos.
A sra. Brígida a encarava desconfiada.
Sofia tentou empurrar Henrique para longe dali, mas ele apenas afastou
sua mão.
Sem querer chamar atenção para aquilo, Sofia se debruçou contra a
mesa, grata por a pequena velha enfadada estar de frente para ela, o que a
impossibilitava de ver o que acontecia ali em baixo.
— S-sim, sra. B-brígida — respondeu trêmula, tentando estabilizar a
respiração.
A mulher a encarou com curiosidade.
— O que está fazendo? — perguntou fitando seu rosto com atenção.
— Estava... — interrompeu-se arregalando os olhos quando sentiu
Henrique voltar a lamber seu clitóris. Foi capaz de sentir seu sorriso em sua
pele. Ela respirou fundo, tentando esquecer aquilo e o que ele lhe causava,
mas era impossível. — Es-estava dormindo — disse com dificuldade,
segurando-se para não gemer quando o sentiu descer a língua até sua entrada.
— E teve um pesadelo? — perguntou curiosa.
— Um... — arfou. — Um pesadelo? N-não, por que pergunta? — ela
não conseguiria manter aquela conversa por mais tempo. Ainda mais quando
ele voltou a acrescentar seus dedos.
— Porque está corada e a vi se remexer inquieta de olhos fechados lá
do outro lado — justificou.
Ela nem conseguiu se importar com aquilo. Muito menos com o fato de
que por sorte ela não vira também Henrique se enfiando por baixo da mesa,
minutos antes.
— Ah, sim — disse não resistindo e movendo-se de encontro a boca
dele. Ele a tomou com mais força, chupando e lambendo sua pele. Ela sentia
o quanto estava molhada e sabia que aquilo era um indicativo do que estava
por vir. — Estava sonhando.
Parecendo irritada de repente, a sra. Brígida balançou a cabeça.
— Isso me pareceu — franziu o cenho e a olhou severa. — Mas não
importa. Aqui não é local para cochilos. Se quer dormir, durma em casa, não
sobre os meus livros.
Sofia poderia rebater dizendo que ela mesma estivera cochilando e
babando sobre seus preciosos livros, mas tudo o que mais queria era que a
velha fosse embora logo para que ela pudesse gozar em paz.
Sentiu uma mordida na parte interna de uma das pernas, enquanto dois
dedos a penetravam e soube que Henrique desejava o mesmo.
— S-sim, senhora — disse suando frio.
— Hum. Como castigo por seu mal comportamento, fique onde está
enquanto recolho alguns livros na minha sala — disse, satisfeita, como se a
sentenciasse a um destino terrível, e não ao que Sofia realmente desejava: ser
deixada ali, sozinha. Ou, parcialmente.
— Sim, senhora — repetiu, segurando as extremidades da mesa com
força.
Interpretando sua aflição de maneira errônea, a velha sorriu.
— Muito bem — disse, satisfeita e saiu gingando nos seus sapatos
ortopédicos.
Jogando-se para trás, ofegando, Sofia encontrou os olhos escuros dele
por baixo da mesa.
Ele tinha a expressão sombria, concentrado no que fazia e a fitava com
uma maldade maliciosa.
Ela gemeu baixinho, sem conter-se e viu que ele estremecia.
De alguma maneira, ele parecia tão afetado quanto ela. Como se o
prazer que causava nela o desse prazer.
Ele abriu suas pernas um pouco mais e continuou olhando nos seus
olhos enquanto a enlouquecia com a boca.
Ela voltou a pôr a mão na sua cabeça e o puxou para si, querendo mais,
sentindo que estava perto de explodir.
Ele lambeu seu sexo da entrada ao clitóris e repetiu uma e outra vez.
Movendo os dedos dentro dela, Henrique afastou a boca.
— Gosta disso? — perguntou com a voz grave, embora baixa.
Ela confirmou com a cabeça, estremecendo.
— E quer mais? — seguiu instigando-a com os dedos e com o sopro da
sua respiração. Ela repetiu o movimento com a cabeça, precisando da boca
dele ali, não apenas seus dedos. — Então diga.
Aquilo era maldade, ela sabia.
Ele fazia aquilo apenas por maldade, o sorriso malicioso em seus lábios
era prova disso.
Mas ela não conseguiu se importar com isso no momento. Tudo o que
queria era aliviar aquela tensão.
— Sim — sussurrou.
— Sim o que? — indagou e lambeu seu sexo superficialmente.
Ela gemeu angustiada, querendo mais.
— Eu preciso... — começou, trêmula. — Preciso de mais.
— Mais o que? — voltou a indagar, mordendo a parte interna da sua
perna, atormentando-a. — O que precisamente você...
Ela o interrompeu, farta daquilo e ansiando demais por alívio para
envergonhar-se. Ao menos lembrou de manter o tom baixo, enquanto dizia
com todas as palavras o que ele queria ouvir.
— Eu preciso que você me faça gozar.
Ele a fitou por apenas meio segundo, mas foi o suficiente para ver todo
resquício de diversão ali ir embora, restando apenas o mesmo desejo cru que
ela sentia.
Ele voltou a pressionar a boca onde ela queria e chupou seu clitóris
com força, movendo os dedos em movimentos circulares.
E aquilo foi o bastante.
Ela gemeu, incapaz de se conter, e estremeceu, sentindo os tremores
dominarem seu corpo, movendo-se. Arfou enquanto seus olhos reviravam,
sentindo diversas ruminações do deu corpo entrando em colapso.
Ele agarrou o seu quadril, mantendo-a parada e continuando a
atormenta-la, lambendo, chupando e mordiscando de leve.
Dessa vez, fora muito intenso. Nuca havia sido assim quando ela se
tocava.
Ela ainda estremecia, sentindo o prazer prolongado e tentou afastá-lo.
Mas ele afastou suas mãos, parecendo afoito por aquilo e enfiou a língua
onde antes estiveram os seus dedos, provando do seu desejo.
Ela gemeu mais uma vez, sensível demais e arrepiando-se com o
grunhido selvagem dele.
Quando ele a soltou, ela deixou-se cair para trás, satisfeita, mantendo
os olhos fechados.
Sentiu que ele consertava sua roupa, voltando a cobrir seu sexo e
ajeitando sua saia.
Ele saiu debaixo da mesa e ela nem se importou em olhar em volta para
conferir se havia alguém por perto.
Não conseguia pensar, apenas mentalizava todo aquele prazer.
O doce sabor da satisfação.
CAPÍTULO 18
Ela manteve os olhos fechados, tentando normalizar sua respiração.
Não conseguia pensar direito, apenas sentia por todo seu corpo o doce
sabor de finalmente estar satisfeita.
Ou quase.
Embora tivesse acabado de ver estrelas, de uma forma que nunca
imaginara, sentia que precisava de mais. Algo mais que os lábios e dedos
dele.
Não imaginara nunca que um dia faria aquilo.
Ou que fariam aquilo com ela. Em uma biblioteca.
Claro que sabia que aquilo era possível. Quer dizer, alguém colocar a
boca lá e essas coisas. Mas nunca imaginara como seria essa sensação. Se
seria de fato algo agradável.
Ela não se sentia à vontade com seu próprio corpo, pensava
sinceramente que havia algumas coisas nela que não eram muito atraentes,
embora se considerasse uma pessoa bonita.
Agora, após o que ele fizera, ela poderia afirmar com todas as letras
que nunca sentira algo igual.
Aquilo era surreal. Ela, que pensava que a sensação única dos toques
dele naquela área havia sido o que mais lhe provocara prazer na vida, estava
redondamente enganada.
O que agradecia. E esperava ansiosamente por mais.
Abrindo os olhos lentamente, fitou primeiro as prateleiras de livros à
sua frente.
Nem nos seus melhores sonhos imaginou que tamanho prazer fosse
possível.
Moveu a cabeça e o fitou.
Ele também tentava normalizar sua respiração. Ela observou que ele
tinha as bochechas avermelhadas e seus olhos castanhos agora estavam
negros, tomados por uma névoa de luxúria.
Ele a observava, como se estivesse se contendo para não se lançar sobre
ela.
Ela sentia-se da mesma maneira, mesmo após tal experiência. Única,
diga-se de passagem.
Tardiamente, ela percebeu que apenas ela estava satisfeita.
Tentou buscar na mente algo que pudesse fazer por ele, e recordou as
palavras de suas amigas.
Bom, considerando o que ele fizera por ela, aquilo era o mínimo que
poderia fazer em troca, não é?
Baixou os olhos para a frente do seu jeans, e observou como o tecido
estava estufado.
Pode notar todo o seu contorno e proporções e, corando mais uma vez,
olhou em volta.
A biblioteca permanecia em um profundo silêncio e não se ouvia mais
o som de páginas.
Provavelmente, agora finalmente estavam sozinhos.
A sra. Brígida ainda não havia retornado e ela agradeceu por isso,
desejando que onde quer que ela tenha ido, fosse do outro lado da
universidade.
Mas não daria sorte para o azar.
Mordeu o lábio e buscou um dos seus livros, abrindo em uma página
qualquer e apoiando-o sobre a mesa.
Henrique observava o que ela fazia sem compreender, mas não a
interrompeu. O que ela agradeceu.
Precisaria de toda sua coragem e buscou resgatar dentro de si aquela
mulher autossuficiente e desavergonhada que rebolara até o chão dias antes
naquele pub.
Puxou um pouco o livro, de modo que ele ficou meio sobre a mesa e
meio sobre o vazio e o empurrou um pouco para o lado, posicionando-o entre
seus corpos, como se fosse compartilhar a leitura com ele.
Confuso, Henrique baixou os olhos para o livro, procurando por algo
que pensara que ela gostaria de lhe mostrar.
Concentrado, não percebeu quando ela infiltrou um das mãos por baixo
da mesa, inclinando o corpo, ficando quase de frente para ele, que
permanecia de frente para a mesa, observando seu livro.
Sobressaltou-se quando ela percorreu a frente do seu jeans com as
pequenas mãos e levantou os olhos imediatamente.
Ela riria se não estivesse tão nervosa.
Ele a fitou, surpreso. Ela o fitou de volta, sentindo como ele se remexia
ansioso ou incomodado.
Dessa vez, ele que olhara em volta, conferindo se havia alguém por ali.
Ela dedilhou seu contorno, confusa do que fazer a seguir, mas gostando
da sensação de tê-lo sob seu domínio.
— Sofia — disse seu nome com a voz rouca. Não parecia um pedido,
parecia uma advertência.
Ela sorriu, um pouco menos nervosa quando percebeu que ele estava
nervoso.
Bom, refletiu, enquanto abria o fecho do seu jeans, não deveria ser tão
difícil.
Seguiria seu instinto, da mesma maneira que fizera naquela pista de
dança. E antes, no jardim. E naquela árvore.
Desceu o zíper e sentiu que ele se remexia. Não sabia se ansioso ou
temeroso por seu toque.
Descobriria em breve, de qualquer maneira.
Ele respirou fundo, por entre os dentes e a puxou para si.
— Vai ser um inferno me controlar — rosnou contra sua boca, olhos
nos olhos. — Mas fiz o mesmo com você — sorriu, um sorriso malicioso. —
Agora é a sua vez.
Ela estremeceu. Aquilo não era o certo. Ela que deveria desestabiliza-
lo, não o contrário.
Respirando fundo, ainda com a testa apoiada na dele, prosseguiu
descendo o zíper e, antes que perdesse a coragem, pressionou a mão ali.
Poderia sentir o calor da sua pele mesmo por cima do tecido da cueca.
Mordeu o lábio e ele fez o mesmo, pressionando com mais força a mão que
estava na sua nuca.
Ela o acariciou devagar, percorrendo sua espessura sem pressa,
conhecendo o terreno.
Henrique fechou os olhos, mas ela continuou o observando, sem
conseguir baixar os olhos para o que fazia.
Conseguia tocá-lo ali, o que já era uma grande passo, mas não
conseguia observá-lo. Não, ao menos, ainda.
Imaginou como seria tê-lo na sua boca, como ele fizera com ela.
Surpresa, sentiu que ansiava por isso.
Imaginou que gosto ele teria. Como seria senti-lo com a sua língua.
Porém, embora aquela visão a deixasse quente e sentisse a calcinha
úmida, não saberia o que fazer e não gostaria que a sua primeira experiência
fosse ali, na biblioteca.
Já tivera uma descoberta ali naquele dia, estava prestes a ter mais uma,
porém sentia que quando ou se aquilo acontecesse, queria estar em lugar
tranquilo, sem riscos de alguém aparecer de repente.
Subindo os dedos até estaciona-los no cós da sua cueca, infiltrou um
dedo devagar, sentindo o calor da pele dele e o suave atrito com seus pelos
nascentes.
Ele abriu os olhos, apenas um pouco, ainda mordendo o lábio com
força.
Ela sorriu, feliz que fosse capaz de causar aquilo nele e acrescentou um
segundo dedo, começando a abaixar o tecido.
— Espere — ele sussurrou.
Ela parou seus movimentos e franziu o cenho quando ele se afastou.
Desceu o zíper do moletom e Sofia observou que suas mãos estavam
trêmulas.
Tirou-o rapidamente, empurrou o livro para o centro da mesa e
depositou a peça sobre sua mão, que ainda o tocava ali.
Ela observou a camisa que ele vestia. Todas suas roupas pareciam
simples, mas que quando em conjunto com todos aqueles músculos...
Deus, era quase desumano o quanto aquele homem era gostoso.
Todas aquelas tatuagens pareciam instiga-la, tentá-la. Ela sempre
gostou de tatuagens, mas nunca na sua vida desejou tanto desenhar algumas
com a língua.
Era o que sentia sempre que as via, entremeadas e algumas que
pareciam sobrepor outras. Eram desenhos que ela não compreendia.
Padrões abstratos, rabiscos confusos e algumas formas geométricas
que, quando em conjunto, tornavam-se impressionantes.
E naqueles braços de músculos também impressionantes, apenas o
tornavam ainda mais irresistível.
— Assim é melhor — declarou, cobrindo seu colo e a mão dela com o
moletom ainda quente do seu corpo. Sua voz estava profunda, ainda mais
rouca.
Voltou a tomar a sua nuca nas mãos e dessa vez a beijou
profundamente.
Sentiu seu sabor nos lábios dele e os lambeu, afoita.
Ela cedeu ao seu beijo, também faminta, chupando e mordiscando.
Ele embrenhou os dedos no seu cabelo e puxou com certa força. Ela se
arrepiou, reprimindo o desejo de montá-lo.
O desejo que sentia nublava sua mente, tonando árdua sua missão de
concentrar-se em outra coisa que não corresponder aos beijos dele com igual
fome.
Sentiu um suave pulsar na sua mão e lembrou-se qual era o seu
trabalho.
Ainda beijando-o com ânsia, voltou a acariciá-lo, dessa vez afastando o
tecido que o cobria rapidamente, sem cerimônias.
Ele gemeu na sua boca, puxando seu cabelo de novo, como se a punisse
por aquilo.
Ela sorriu nos seu lábios, finalmente tocando sua pele.
Era macio, ao mesmo tempo que duro como uma rocha. Pulsava
suavemente na sua mão e ela arrepiou-se quando ele gemeu novamente.
Ela não o via, mas apenas com o seu tato teve a certeza do que
desconfiara antes: ele era enorme.
Talvez não assustadoramente grande como aquele que vira no filme,
mas ainda de proporções avantajadas.
Ela o percorreu, sentindo sua pele quente.
Respirando fundo e soltando seus lábios, Henrique pôs uma mão por
cima da sua e a fez envolvê-lo com os dedos.
Ela seguiu suas instruções e fechou a mão ali, sentindo que seus dedos
mal se encontravam.
Ele segurou sua mão e a instigou a fazer um pequeno movimento de
subir e descer, da ponta do seu pau até a base.
Ele gemeu mais forte e pressionou o rosto no seu pescoço, tocando sua
pele com a boca e usando-a para abafar seus gemidos.
Mordeu sua pele, chupando, lambendo, atormentando-a como ela fazia
com ele.
Ela repetiu o movimento uma vez, subindo e descendo a mão, devagar.
Depois, sentindo-se mais a vontade, passou a fazê-lo com mais rapidez.
Os gemidos roucos dele na sua pele a arrepiavam, excitando-a mais
uma vez.
Surpreendeu-se que pudesse sentir tamanho prazer apenas o tocando.
Talvez aquilo fosse o mesmo que ele sentira quando fez o mesmo com ela.
Ele grunhiu contra sua pele, implorando que ela aumentasse seu ritmo.
O que ela fez com prazer.
Aos poucos compreendeu que ele apreciava quando ela o apertava com
mais firmeza.
Ela sentia sua calcinha úmida e quase desceu a mão que estava livre até
ali. Porém, precisava concentrar-se no que fazia, o que não aconteceria se se
tocasse.
Ele passou a gemer com mais frequência e começou a se remexer,
agitado.
Tardiamente, ela pensou o que fariam quando ele gozasse.
Não havia nada por ali que pudessem usar para limpá-lo quando aquilo
ocorresse.
Sua pequena mão não seria o bastante para ampará-lo e, se aquilo
acontecesse da mesma maneira que aconteceu com o carinha super dotado
daquele filme, nem as duas dariam conta do recado.
Precisava pensar em algo rápido, sentia que ele estava muito próximo.
Percorreu os olhos em volta a procura de algo.
Percorreu os olhos pela mesa.
Tentou lembrar se haveria algo na sua bolsa que pudesse ajudá-la.
Nada.
Não havia nada além do moletom dele e os seus livros, mas ela não
gostaria de suja-los, embora ele muito provavelmente não se importasse com
aquilo.
Ela diminuiu um pouco os movimentos, querendo retardar aquilo
enquanto pensava em algo, porém Henrique gemeu em protesto e ela retomou
o ritmo.
Ele estremeceu, gemendo rouco.
Ela precisava encontrar algo logo. Todavia, o que?, começou a se
desesperar.
O que poderia usar?
A não ser...
Uma ideia surgiu na sua mente.
Antes que perdesse a coragem ou fosse tarde demais, afastou-se dele e
lançando um último olhar em volta, enfiou-se em baixo da mesa
atrapalhadamente.
Grunhiu quando encostou os joelhos no chão frio, mas não se
incomodou muito, fitando-o.
Assim, estando tão próxima e observando como sua mão parecia
pequena rodeando-o, ela percebeu como de fato ele era enorme.
— O que você...
Ela o interrompeu, pressionando os lábios na ponta do seu pau.
Ele estremeceu e fechou os olhos, tremendo.
— Sofia... Não...
Ela não o ouvia, preocupada com o que fazer agora.
Lembrando-se do que ele fizera antes com ela, lambeu ali.
Ele gemeu um pouco alto, antes que trincasse os dentes, o maxilar
tenso.
Sem saber o que fazer, retomou os movimentos com a mão e sentia que
ele endurecia cada vez mais.
Ficou observando seu trabalho, impressionada com a beleza daquilo.
Ele tinha veias aparentes e o sentia pulsar contra sua mão. Seguindo seu
instinto, continuou movendo a mão e lambeu a cabeça do seu pau.
Ele jogou a cabeça para trás, de olhos fechados e mordendo os lábios,
tentando se controlar.
De onde estava, embora estivesse concentrada no seu trabalho, Sofia
ouviu o suave som de passos se aproximando.
Ela paralisou seus movimentos, controlando a respiração e temeu que
alguém a visse ali.
Um pigarro soou alto.
Viu quando Henrique abriu os olhos de susto e encarou a pessoa que
provavelmente estava a frente da mesa.
Ela o lambeu uma última vez e viu quando ele pressionou as mãos na
mesa, apertando com força.
Sofia observou todos aqueles músculos saltados, deliciada com a cena.
— O que deu em vocês jovens que vivem dormindo na minha
biblioteca?
Ela arregalou os olhos, contendo a custo uma exclamação.
A sra. Brígida.
CAPÍTULO 19
Ela o fitou de onde estava, com os olhos arregalados de assombro.
Ele, ao contrário do que pensara, rapidamente controlou sua expressão,
aparentando uma calma que não sentia, como se estivesse relaxado, normal.
Sofia não sabia se ele já estivera em uma situação parecida, mas nunca
na vida conseguiria dissimular aquela calma enquanto sentia os lábios e
língua de outra pessoa naquela área.
Ela, quando estivera naquela mesma situação minutos antes, apenas
tremera e gaguejara sem controle encarando a pequena senhorinha, sob o
domínio da língua dele.
Ela controlou sua respiração, tentando não fazer nenhum ruído.
Enquanto isso, a sra. Brígida aguardava por sua resposta.
Henrique piscou uma vez, como uma expressão tão inocente que Sofia
até acreditaria.
Se não estivesse com o seu pau na boca, é claro.
— Perdão — começou, com uma expressão cada vez mais inocente. —
Só estou um pouco cansado.
Sofia reprimiu um grunhido. A voz dele nem sequer tremia!
Ela quase se desintegrara naquela mesma cadeira e ele todo normal,
sem problemas de fala ou tremores pelo corpo.
— Hum — resmungou. — E onde está aquela garota?
De onde estava, Sofia não poderia observar a expressão da sra. Brígida,
claro. Mas poderia afirmar, com toda certeza, que ela estava franzindo o
cenho, irritada.
— Ela precisou ir ao banheiro. Coisas de mulheres, a senhora sabe —
disse ele, piscando um olho e abrindo um sorrisinho irresistível de bom
garoto. — Mas ela me pediu que ficasse no seu lugar até retornar. Espero que
não seja um incômodo.
— Absolutamente.
Sofia arregalou ainda mais os olhos, surpresa com o tom
repentinamente amável da sua algoz.
Como assim "amável"? Desde quando a sra. Brígida era algo menos
que grosseira com alguém?
— Você é novo por aqui — e lá estava de novo aquele tom de voz. O
que estava acontecendo?, ela se perguntou. — Nunca o vi antes e posso dizer
com certeza que conheço todos por aqui — pigarreou levemente, como se
estivesse envergonhada e continuou: — E eu certamente lembraria de alguém
como você.
A forma como ela confessara aquilo não fazia sentido para Sofia.
Porque já ouvira muitas garotas usarem aquele mesmo tom - suas amigas e
recentemente, ela mesma - quando falavam com garotos e isso sempre queria
dizer uma coisa. Quer dizer, quando uma garota usa aquele tom de voz.
Mas não poderia ser, pensou incrédula.
A sra. Brígida tinha, sei lá, uns cem anos e Henrique tinha tipo no
máximo 25 ou 26.
Aquilo não era possível!
A não ser, pensou, segurando o riso à custo, que fosse.
Soube disso quando fitou a expressão assustada de Henrique.
A sra. Brígida estava dando em cima dele! E na maior cara dura!
Ela viveu para presenciar aquele momento. Pena não poder vê-la, mas
apenas ouvi-la era suficiente.
Controlando o riso, viu quando Henrique lançou um rápido olhar na sua
direção e fechou a cara quando viu que ela se divertia com a situação.
Adotando novamente aquele fingido ar de garoto inocente, ele voltou a
se concentrar na sua nova paquera.
— Sim, sou novo por aqui. Cheguei essa semana — sorriu levemente,
um sorriso rígido.
Sofia sorriu ainda mais, colocando uma mão na boca.
Ele chutou discreta e levemente uma das suas pernas, enquanto fingia
que estava coçando a perna.
Ela riu, mas o som saiu abafado por sua mão.
Aquela situação era irreal.
A sra. Brígida, a quem todos conheciam por sua imparcialidade e
antipatia, dando em cima de Henrique, um garoto muitos anos mais jovens
que ela, enquanto Sofia, embaixo de uma mesa, entre as pernas dele, fitava
seu pau.
Que permanecia rígido, precisou observar. Não abaixara nem um
centímetro na sua magnitude e continuava duro com uma rocha, observou
quando o tocou.
Viu que ele respirava fundo e prosseguiu com o toque, voltando a
tomá-lo com a mão.
Ele retesou o maxilar, lançando um rápido e discreto olhar de aviso na
sua direção.
Ela sorriu, acenando com a mão que estava livre e começou a
masturbá-lo.
Ele pressionou as mãos nas extremidades da mesa, tencionando todos
aqueles músculos, como se buscasse por controle.
Ah, ela pensou, o doce sabor da vingança.
Seguiu com os movimentos da sua mão e aproximou um pouco o rosto,
incitando-o com sua respiração.
— E está gostando? Digo, da universidade. E das pessoas por aqui. Não
aqui, a biblioteca. Quero dizer, aqui também, claro — a velha soltou uma
risadinha ofegante, parecendo envergonhada. — Me refiro a universidade em
geral. Isso, a universidade.
Sofia riu sem se conter, mas por sorte, pressionou os lábios no membro
dele, abafando o som por pouco.
Ele respirou fundo.
— Claro. Todos são muito receptivos.
A voz dele nem tremia nem nada. Estava apenas ligeiramente mais
rouca, mas fora isso, nada. Tudo normal.
Sofia sentia-se um pouco indignada. Ela no lugar dele, quase derretera
na sua boca e ele ali, todo autocontrole e músculos retesados.
Afastou os lábios e respirou fundo, decidida a reverter aquilo.
Poucos minutos antes, ele parecia bem descontrolado com seus toques.
Estava prestes a gozar e tudo, ela lembrou. E quando pressionou os lábios ali,
viu que ele gostara muito, gemendo e tudo mais.
Ela poderia não saber o que fazer, mas, talvez, o básico que fizera
anteriormente pudesse funcionar novamente.
Talvez se ela se empenhasse um pouquinho mais...
— Fico feliz. E gostou de alguém em particular?
Sutileza não era o seu forte, definitivamente.
— Ah, sim. Com certeza — disse, sorrindo com naturalidade. Em
seguida piscou um dos olhos, prosseguindo com o flerte. — Gostei muito de
uma pessoa em especial. Ela é...
Sofia lambeu seu pau, começando na base e estacionando na ponta.
Afastou-se apenas um pouco e observou o rosto dele em expectativa.
Ele respirou fundo, evitando fitá-la, mas ela conseguiu ver como seus
olhos estavam ainda mais escuros, e seu rosto contorcido, como se ele
reprimisse algum som.
Sorriu satisfeita e logo voltou a pressionar os lábios ali, lambendo-o
lentamente.
Abriu um pouco a boca e tentou tomá-lo com os lábios, levemente.
Sabia que muito provavelmente aquilo nunca caberia na sua boca, mas
ao menos poderia se contentar com a pontinha.
Sentiu que ele tencionava as pernas e recomeçou os movimentos com
as mãos, mantendo a boca ali, lambendo-o.
Experimentou algumas leves sucções e ouviu quando ele soltou um
som grave, remexendo os quadris levemente, como se estivesse gostando do
que ela fazia.
— Algum problema? — ouviu a sra. Brígida perguntar parecendo
preocupada.
Preocupada! A sra. Brígida! Esse mundo estava mesmo perdido.
— É só um problema na garganta — nada de gaguejos novamente. Mas
ao menos a voz dele parecia um pouco tensa.
Já era alguma coisa, pensou, percorrendo os lábios por toda sua
espessura.
— Ah — disse a mais velha e logo continuou: — E então?
— Desculpe. E então o que? — ele parecia confuso e tenso ao mesmo
tempo. Afastou um pouco as pernas, liberando espaço para que ela pudesse se
acomodar melhor. Ela ficou feliz pelo seu gesto e o recompensou, voltando a
sugá-lo levemente.
— Você estava dizendo algo a respeito de uma pessoa especial que
conheceu na universidade — relembrou, marota.
— Mesmo? — ele parecia não se importar muito com a conversa.
— Isso me pareceu — ela parecia ansiosa.
— Ah sim — ele sorriu malicioso. — Sofia — sua voz saíra tão rouca
quando pronunciara seu nome que ela se arrepiou. — Ah, Sofia. Sofia,
Sofia...
Ela riria se não soubesse novamente apenas pelo pulsar dele ali que ele
estava perto.
Aumentou os movimentos da mão, tomando mais um pouco dele nos
lábios e chupando com cadência, tomando o cuidado de manter os dentes
afastados da sua pele.
— O que? — perguntou a senhorinha parecendo ultrajada e surpresa.
— Sofia? Sofia Villar?
— Sim, Sofia. Ah, Sofia — ele parecia cantar o seu nome. Sofia riu um
pouquinho, notando o quando ele ficava engraçado naquela situação, prestes
a gozar na boca de uma garota virgem que, por acaso, se encontrava em baixo
de uma mesa e, também por acaso, na frente da velha bibliotecária do lugar.
— Ah, Sofia...
— Sim, sim. Já entendi da primeira vez, não precisa ficar repetindo o
nome dela — resmungou. — Seja como for, se deseja dormir, prefiro que não
seja sobre os meus livros — pareceu voltar ao seu comportamento normal,
grosseira.
— Sim, senhora — ele respondeu, parecendo nem se dar conta do que
ela dizia. Infiltrou uma das mãos por baixo da mesa e cobriu a de Sofia,
fazendo com que ela o apertasse com mais força.
Sofia seguiu seus comandos, afastando os lábios e fitou o rosto dele.
— Permaneça ai até que ela volte — ordenou, parecendo dar as costas
para ele e Sofia ainda foi capaz de ouvir um resmungo que soou como "não
sabe o que está perdendo".
Assim que o som dos passos diminuiu, Henrique a olhou sério, sem
sombra de brincadeiras na sua expressão.
Ele mordeu o lábio e acariciou seu rosto, enquanto ela manejava seu
pau.
Gemeu rouco, acariciando seus lábios levemente inchados.
Ela voltou a tomá-lo nos lábios, olhando-o nos olhos.
Ele amaldiçoou baixinho, respirando forte e tentou afastá-la.
Ela afastou a mão dele e continuou chupando, aumentando o ritmo das
mãos.
Rendendo-se, ele jogou a cabeça para trás, mordendo o lábio com tanta
força que sua pele ficou branca, evitando que uma série de gemidos roucos
fossem ecoados no recinto.
Mas ela ouvira e se arrepiara com todos eles.
De repente, ele começou a pulsar com mais força, endurecendo mais.
O primeiro jato a pegou de surpresa, mas, recuperando-se rapidamente,
seguiu o envolvendo com os lábios, sentindo-o derramar-se na sua língua.
Passado alguns segundos, ele soltou o lábio, respirando fundo.
Ela se levantou trêmula, sentindo os joelhos incomodarem levemente
por ficarem por tanto tempo sustentando seu peso sobre uma superfície tão
dura.
Tardiamente, ela notou que engolira tudo.
Não sabia se aquilo era certo, só não sentira repulsa ou nada do tipo,
por isso apenas parecera normal engolir. Afinal, ele também havia feito o
mesmo com ela.
Ela desabou na cadeira, satisfeita com o seu trabalho, mas excitada
demais para estar completamente tranquila.
Ele tomou a sua nuca nas mãos e a beijou, como se estivesse a
recompensando pelo seu feito.
Passado alguns segundos, ele se afastou, distribuindo beijos pelo seu
rosto.
— Vamos sair daqui?
Ela assentiu com a cabeça, ansiosa.
Não perguntou para onde iriam - ou o que fariam onde quer que fossem
-, apenas se levantou e aceitou a mão que ele lhe estendia.
Ela precisou reprimir o riso quando passaram juntos ao lado de uma
irritada sra. Brígida, que por sua vez os encarava ultrajada.
Rendeu-se as gargalhadas quando se afastaram alguns passos e
Henrique a acompanhou, rodeando sua cintura enquanto caminhavam.
Tão perdidos e distraídos estavam que a princípio não notaram a pessoa
que se meteu no caminho que faziam.
Até que era tarde demais.
Sofia quase tropeçou nos seus próprios pés quando fitou o rosto dele,
perdendo todo ar de riso.
Embora soubesse que aquilo aconteceria mais cedo ou mais tarde, não
previra que seria ali, em um dos corredores da universidade, com todas
aquelas pessoas por ali.
Pessoas essas que já os encaravam, ansiosas pelo o que resultaria
daquela conversa.
— Sebastian.
Sua voz saiu baixa, mais um apelo que um cumprimento.
Ele a fitou com seriedade, descendo os olhos até o enorme braço
masculino que envolvia a sua cintura. Trincou os dentes.
Ela implorou com o olhar que ele não fizesse nada, que não começasse
uma discussão ali. Não ali, no meio de todos aqueles curiosos.
Ela não gostaria de discutir novamente com seu irmão, por nenhum
motivo e, sobretudo, não aquele. Mas continuou suplicando com os olhos que
se ele buscasse insistir naquilo, ao menos esperasse estarem sozinhos.
Não recordava quais foram exatamente as suas palavras alguns dias
atrás, quando o ameaçara caso ele insistisse em se meter na sua vida, mas
rezou para que ele sim.
Observando-o cautelosa, percebeu o quanto parecia cansado. Talvez até
triste.
Poucos dias haviam se passado e ele parecia ter envelhecido dez anos,
em menos de uma semana.
Ela notara, nas poucas vezes em que se cruzaram pela casa, que ele
estava preocupado com algo, angustiado até. E ela, aproveitando-se disso,
usara aquilo a seu favor fugindo para a casa das suas amigas ou para
deliciosos encontros e passeios de moto.
Culpou-se por aquilo, perguntando-se o que estaria acontecendo com
ele, ao ponto de deixá-lo daquela maneira.
Seu rosto bronzeado estava rígido, sem o costumeiro ar de divertimento
que lhe era costumeiro. Sua barba ruiva, embora aparada com cuidado,
parecia um grande contraste com as escuras manchas sob os seus olhos.
Ela sentiu, mesmo sem saber o que estava acontecendo, que era algo
sério.
Rendendo-se a sua súplica muda, ele respirou fundo.
— Posso falar com você?
Ela sabia que não era um pedido.
Embora estivesse ansiosa por outro passeio com Henrique, ela
confirmou com a cabeça. Mas não porque vira-se obrigada a isso.
Ela conhecia seu irmão bem demais para ignorar todos aqueles sinais.
Não poderia se afastar dele ou ignorá-lo agora, quando sentia o quanto ele
precisava dela, por mais que ele não precisasse dizer nada.
Despediu-se de Henrique rapidamente. Ele selou seus lábios com
doçura, compreendendo que ela realmente precisava ir e disse que a ligaria à
noite.
Ela ruborizou quando ele a beijou na frente do seu irmão, mas abraçou-
o sem de conter.
Henrique lançara um último olhar para Sebastian, e daquela vez não
havia deboche ou malícia no seu olhar. Ele parecia compreender que algo
acontecera e como irmã dele, Sofia deveria ajudá-lo como pudesse.
Sebastian observou aquela cena com distanciamento, como se não fosse
a sua irmã ali abraçando e beijando um marmanjo desconhecido. Resistiu ao
impulso de tirá-la dali e aguardou pacientemente.
Os curiosos, que os observavam ansiosos, à espera de socos, palavrões
ou algo assim, voltaram a seguir seus caminhos, resmungando
inconformados.
Alguns minutos depois, quando chegaram em casa, seguiram direto
para as escadas, fugindo das falsas ofertas de bolinhos e chocolate quente de
Virna.
Eles sabiam que os bolinhos eram apenas desculpas da mãe para saber
dos últimos acontecimentos na vida dos filhos.
Ela, como a boa observadora que era e mãe atenta, notara uma certa
mudança nos seus filhos; ao passo que Sebastian passara a caminhar com os
ombros caídos, parecendo cansado e resmungando para as paredes, Sofia
saltitava pela casa em uma eterna e incomum felicidade, cantando desafinada
para as mesmas paredes alvos do seu irmão, e não parava muito em casa.
Tendo em vista as perguntas intermináveis que viriam, fugiram para o
quarto de Sebastian apressados.
Fechando a porta, ele se apoiou na mesma e respirou fundo, fechando
os olhos.
Seja o que fosse, ela sentia como aquilo o estava perturbando.
Pela primeira vez, estremeceu, temendo ouvir o que ele diria.
CAPÍTULO 20
Sebastian respirou fundo, caminhando até a cama e desabando nela.
Permaneceu em silêncio por algum tempo, fitando o chão com os olhos
vazios, como se o seu corpo estivesse presente, mas sua mente, não.
Sofia pigarreou, trazendo-o de volta para o presente.
Ele a fitou com seriedade, observando-a com atenção.
— Você parece diferente.
E ela estava, confirmou pra si mesma. De diversas formas.
Sentia-se diferente da garota que fora na semana passada. Sentia-se
feliz. Cômoda pela primeira vez em anos no seu próprio corpo.
— Você também.
Ele respirou fundo, sabendo que sim, estava diferente. Mas não queria
falar sobre aquilo agora.
— O que está rolando?
— Como assim?
— Entre você e aquele cara.
— Ah — ela moveu-se inquieta. — Não sei.
— Não sabe?
— Quero dizer, nós não definimos nada. Estamos apenas... —
lembrando do que acontecera nos últimos dias e principalmente há poucos
instantes atrás, sentiu suas bochechas corando. — Nos conhecendo.
— E como tem sido?
Sofia se surpreendeu.
Nada de gritos, ordens ou ameaças? Aquilo a assustou mais do que a
deixou aliviada. Sebastian não era assim. Não em relação a ela.
O que acontecera com seu irmão?
— Legal — disse sem querer entrar em detalhes. — Ótimo, na verdade.
Ele a fitou com atenção.
— Eu vejo — disse apenas.
— E com você?
Ele a fitou confuso.
— O que?
— O que aconteceu com você?
— Por que a pergunta? — perguntou incomodado.
— Você também parece diferente. E não de uma maneira positiva.
— Estou cansado — suspirou, passando as mãos pelo cabelo.
— O que aconteceu, Sebastian? Você parece preocupado com algo.
Angustiado. Está assim há dias.
— Nada com que precise se preocupar — levantou, caminhando até a
janela aberta e pegando algo no bolso do jeans.
Levou um cigarro aos lábios e o acendeu, soltando a fumaça na janela,
permanecendo de costas para ela.
— Não quer conversar sobre isso?
— Não. É assunto meu, não se preocupe — disse fitando o sol se pondo
ao longe. Tragou uma vez e ergueu os ombros, como se tomasse uma
decisão, soprando a fumaça. — Vou lidar com isso.
— Sena...
— Não comece — avisou, antes que ela prosseguisse.
Sebastian sabia que ela sempre conseguia o que queria dele quando
usava aquele tom de voz e o apelido carinhoso. Talvez ela não tivesse
conhecimento do poder que exercia sobre ele, mas ele sim.
E não queria ser obrigado a revelar algo que ele mesmo se via incapaz
de aceitar. Talvez quando ele decidisse exatamente o que faria dali para
frente, ele a contaria tudo.
Mas não agora. Agora ele precisava digerir tudo com calma, precisava
calcular seus próximos passos com atenção e fazer o que fosse melhor.
Não o melhor para ele. Não. Nesse caso, ele precisaria por seu bem-
estar de lado e focar-se no de outra pessoa, o que realmente importava
naquela história.
Tragou mais uma vez, afastando aquilo da sua mente por um momento
e focou-se na sua irmã.
Ela, de fato, estava diferente. Não fisicamente, embora não se vestisse
como sempre se vestira até alguns dias atrás.
Ainda eram as roupas compradas por sua mãe, mas agora pareciam ter
sido escolhidas à dedo, com as peças combinando, em harmonia.
Porém o que verdadeiramente chamara sua atenção e o que o impedira
de quebrar a cara daquele sujeito quando o encontrou mais cedo, fora aquele
brilho nos olhos dela.
Ela parecia plenamente feliz e aquilo transbordava nos seus olhos,
como se o sentimento fosse tão profundo que brotava diretamente da sua
alma.
Ele nunca a vira daquela maneira.
Gostou do que via, mas não conseguia se sentir tranquilo. Não quando
não confiava no que parecia ser o causador de todos aqueles sorrisos e
suspiros.
Não poderia se meter na vida de sua irmã. Não poderia se impor sobre
ela, nem delegar ordens. Ao menos, não mais.
Não após descobrir a maneira com a qual ela se sentira por todos esses
anos.
Feia, quando era de longe a mais bela entre todas as garotas onde quer
que estivesse.
Indesejável, quando todos os homens em um raio de um quilômetro a
seguiam com os olhos.
Sua culpa. Inteiramente sua, assumia.
Em sua defesa, tudo o que fizera, todos os cafajestes que afastara dela
ao logo dos anos, fora apenas pensando no bem dela. No melhor para ela. E
nenhum dos abutres que a cercavam pareciam minimamente descentes ou
remotamente capazes de fazê-la feliz.
Até agora.
Ele não conhecia o cara, não confiava nele e não mudaria de opinião
sobre isso nem tão cedo. E tão pouco passaria a confiar nele da noite para o
dia. Isso nunca.
Amava sua irmã mais que tudo e confiava no seu julgamento. Todavia,
não ficaria em paz consigo mesmo enquanto não se assegurasse de que as
intenções do sujeito eram as melhores.
Não se contentava com pouco e não permitiria que sua irmã fizesse
diferente.
Se asseguraria antes de qualquer coisa e se concluísse que estivera
errado sobre o caráter do outro, tudo bem, ficaria feliz por sua irmã e a
apoiaria.
Entretanto, se não fosse o caso...
Ele não sabia do que seria capaz. E temia descobrir algum dia,
sinceramente.
Sofia era sua vida. O amor que sentia por ela, a maneira como estavam
ligados, mais que apenas pelo sangue, nunca o permitiria permanecer parado
e não fazer nada quando algo ou alguém a magoasse.
Ele temia o que seria capaz de fazer. Apenas em pensar naquela
hipótese, sentia seu sangue ferver e mais de vinte maneiras de como matar
alguém da maneira mais dolorosa que pudesse imaginar invadiram sua mente.
Balançou a cabeça, tentando não pensar naquilo.
— Mas, Sena...
— Não, Sofia — a interrompeu novamente.
— Eu só queria ajudar você e...
— Eu sei.
— Mas você não quer conversar sobre isso e...
— Não, não quero.
— E eu queria...
— Sofia — interrompeu novamente, jogando o cigarro em um pequeno
cinzeiro ali perto e sentando-se ao lado dela. — Eu sei que você quer
conversar. Mas não quero falar sobre isso. Não agora.
Ela confirmou com a cabeça, mesmo que quisesse fazer o contrário.
Ela se preocupava com ele, da mesma forma que ele com ela. Sempre
foram assim, unidos e parceiros desde bebês. Sua mãe costumava brincar que
eles amavam um ao outro mais que aos seus pais. Eles não concordavam com
isso, mas sabiam que a ligação que os unia era mais forte que tudo.
Coisa de gêmeos, talvez.
Ele riu do biquinho que ela fazia e passou um dos braços sobre seus
ombros magros, puxando-a para si.
— Está tudo bem. Vai ficar tudo bem — corrigiu, fitando o teto.
Faria o correto naquela situação, custe o que custasse.
Mesmo que com isso fosse preciso sacrificar sua felicidade.

•••
— O que você está fazendo agora?
Ela sorriu, acomodando-se melhor contra os travesseiros.
— Estou no meu quarto, deitada na minha cama.
— Hum — ele murmurou e ela captou alguns sons de pessoas
conversando e rindo. — Como foi a conversa com o seu irmão?
— Tranquila, eu acho. Quero dizer, ele não tentou me dar ordens dessa
vez, o que me surpreendeu. Na verdade, ele está bem estranho ultimamente.
— Estranho como?
— Não sei. Só parece preocupado com algo, mas não quis me contar o
que nem conversar sobre.
— E você tem alguma ideia do que pode ser? Algo que tenha
acontecido — ele parecia estar se afastando do burburinho de vozes e risadas
que o cercava.
— Não sei. Não consigo pensar em nada. Poderia ser algo relacionado
sobre sua namorada, Vanessa, mas tive a impressão de que ele pretendia
terminar com ela. Mas não acho que seja isso. Não tenho ideia do que pode
ser — suspirou e franziu o cenho quando alguém próximo a ele gritou algo,
dando início a uma algazarra ainda maior. Ela aproximou mais o celular, na
esperança de poder distinguir o que diziam. — Onde você está?
— Em casa. Quero dizer, não na casa dos meus pais. Na casa que
divido com os caras.
— Seus amigos? Aqueles que estavam com você no seu primeiro dia?
— perguntou curiosa.
— Sim. Eles já dividiam a casa há algum tempo e quando cheguei, me
convidaram para ficar por aqui — ela ouviu o barulho de uma porta batendo,
abafando o som da baderna.
— Hum. E por que você não ficou na casa dos seus pais?
— Por que eles moram do outro lado do estado e esta casa fica mais
próxima da UFCG. Além de que eu não queria dar trabalho para eles, nem
perder a minha privacidade.
— Sei. E o que está acontecendo por ai? Seus amigos parecem bem...
Divertidos — para não dizer barulhentos, pensou.
Poderia estar sendo invasiva demais, mas não conseguia se conter.
— Não sei. Algum tipo de festa desorganizada, ou algo do tipo — ele
resmungou. — Sabe como é, pessoas desconhecidas, várias bebidas, uma
música animada, essas coisas.
— Hum. E você gosta? — perguntou começando a ficar incomodada.
Com o que exatamente, não sabia.
— Do que? Ah, sobre essas festas? Hum — ele pareceu pensar um
pouco. — Não sei. Geralmente, sim. Mas não quando não sou avisado sobre
elas. O que sempre acontece. E não com um monte de gente que não
conheço.
— Não conhece ninguém?
— Alguns, de vista, da universidade. Mas os outros, não sei de onde
são, apenas brotam aos montes a cada segundo.
Ela riu. Ele resmungava irritado, mas não fazia nada em relação aquilo.
Parecia resignado, mas não menos irritado.
— Ah, colegas da universidade. Conheço alguém? — perguntou
curiosa.
— Não sei. Acho que nã... Ah, tem uma garota. Acho que a vi na sua
sala.
— Hum. É mesmo? E como ela é?
— Loira, cabelo longo, muito magra. Na verdade, muito tudo: muito
magra, muito loira, cabelo muito longo. Pensei que ela fosse albina.
Ela sabia que apenas uma pessoa na universidade tinha aquelas
características. Aliás, havia apenas uma pessoa na cidade inteira.
— Arianna — não conseguiu disfarçar o tom enojado da sua voz.
— É, acho que é esse mesmo o nome dela. Ouvi um dos caras a
chamando assim.
— Hum. E o que ela está fazendo aí, na sua casa? — notando o quanto
soará rude, respirou fundo. — Quero dizer, ela é amiga dos seus amigos ou
algo assim?
Ela rezou para que não, que houvesse outra explicação.
Porque, caso contrário, aquilo significaria que Arianna poderia sempre
aparecer por ali, e não a agradava em nada saber que aquela cobra ficaria tão
perto do seu namorado.
Espera. Seu o quê?, perguntou-se assombrada. Henrique não era seu
namorado.
Quer dizer, ele não a pediu em namoro ou algo do tipo. Não eram
amigos tão pouco. Amigos não faziam o que eles fizeram recentemente.
Então, o que eram?
— Não sei. Metade das pessoas que eles convidam ou acabaram de
conhecer ou as convidam para esse fim. Por que? Ela não é sua amiga?
— Hum. Não — confessou. — Na verdade, o contrário disso seria o
correto.
— Ah, sei. Posso perguntar o por que?
Lembrando-se dos comentários maldosos e das situações
constrangedoras que ela sempre a fizera passar, Sofia estremeceu.
Não queria que ele soubesse o quanto fora fraca no passado, quando era
subjugada e não fazia nada, apenas corria para o banheiro mais próximo.
Eram sempre pequenas situações, pequenos comentários, nada que
chamasse muita atenção, ou seu irmão ficaria sabendo e colocaria um fim
naquilo.
Mas ele nunca soubera de nada e ela tão pouco contara. Gostava de
pensar que era forte o suficiente e capaz de se defender sozinha, mesmo
quando chorava escondida.
Aquilo acabara quando Lorrany, que nenhuma das duas percebera
chegando, focadas apenas uma na outra - Arianna a ofendendo como sempre
e Sofia ouvindo calada - aproximou-se devagarinho, ouvindo tudo.
Só perceberam que ela estava ali quando a cacheada, não muito
sutilmente, anunciou sua presença agarrando o dedo que Arianna apontava
para o rosto de uma pálida Sofia, e a empurrou para trás.
O resultado daquele dia fora uma Arianna com um dedo torcido, um
lábio partido e um inchaço em uma das bochechas.
Sofia reclamara com sua amiga enquanto estavam na enfermaria,
ouvindo os choramingos da Ariputa na sala ao lado, que ela poderia lidar com
seus problemas, sem necessitar de ajuda de ninguém.
— É assim que você me agradece? — Lorrany perguntara, sacudindo a
mão direita que estava sob uma bolsa de gelo. — E ela devia agradecer a
você por não ganhar um nariz quebrado e olhos roxos, de brinde. Sorte a dela.
— Eu sou suficientemente...
— Capaz de se defender sozinha. Eu sei. O que é uma mentira, você
sabe. Mas não se preocupe — a abraçou pelos ombros com o outro braço. —
Vou te ensinar um bom repelente para ariranhas. Primeiro, feche a mão em
punho. Isso, isso mesmo. Agora coloque o seu polegar para dentro e apoie
embaixo do dedo médio. Assim. Dessa forma, quando aquela cadela ou
qualquer outra abrir a boca, você a fecha de volta com isso aqui. É tiro e
queda. Só evite contato com os dentes dela; você não vai querer pegar
nenhum micróbio da boca daquela puta. Além disso...
E assim seu pesadelo tivera fim.
Não que tivesse seguido os conselhos de sua amiga e houvesse socado
Arianna sempre que esta abrisse a boca perto dela. Não, embora sentisse certo
desejo por isso, não gostava de coisas assim.
O que realmente acontecera fora que Ariana nunca mais abrira a boca
para insultá-la ou ofendê-la, embora ainda a fitasse com repulsa, como se a
enojasse, nunca mais lhe dirigira a palavra.
O que ela era grata. Mas não apagava todas as coisas más que a dissera
e a maneira com a qual se sentira por algum tempo.
— Hum. Não nos damos bem — aquele era o eufemismo do ano. Mas
como poderia se explicar para ele? Contando toda a verdade?
Não, isso nunca. Já era demais ter de sujeitado àquela situação sem
fazer nada.
— Sério? Ela parece ser uma pessoa legal.
— Hum.
— Eu pensei que fossem amigas, ela me contou o quanto eram
próximas e essas coisas.
Ela franziu o cenho, começando a se irritar com aquela conversa.
— Não somos amigas e não somos próximas — não conseguiu manter
o tom ameno.
— Ah, ela disse que você guarda mágoa ou algo do tipo.
Ela arregalou os olhos.
O que? Além de ser uma cadela todo aquele tempo, após rir na sua cara
e se divertir com suas lágrimas, agora aquilo?, perguntou-se. Agora inventava
mentiras para ele?
Por que? O que ela queria com aquilo? Se aproximar de Henrique?
Roubá-lo para si?
— Ela disse... — pigarreou, clareando a voz. — Ela disse que eu
guardo mágoa?
— Sim. Disse algo a ver com não sei o que do passado. Parece sentir
sua falta e acho que quer se reaproximar de você. Você deveria dar uma
chance a garota, Sofia. Seja lá o que tenha acontecido, ficou no passado. Não
é bom guardar mágoas. E ela parece realmente uma pessoa legal.
Não é bom guardar mágoas? Deveria esquecer, perdoar?
Ela sentia o corpo tremer de raiva, os olhos úmidos por ouvir aquilo
vindo dele.
Claro que uma parte de si reconhecia que ele não tinha conhecimento
do que verdadeiramente acontecera; ela não contara tudo.
Mas não conseguia ser racional. Não quando revivia aqueles dias,
enquanto relembrava o quanto chorara, o quanto sentia-se um nada, incapaz
de defender-se porque não gostava de confusões. Mesmo quando não tinha
culpa, era a vítima.
Incapaz de se conter, sentiu as lágrimas de indignação banhando seu
rosto.
— Então talvez, eu acho que você deveria procurá-la, já que ela é uma
pessoa tão legal.
— O que...
— Quem sabe não dê certo? Digo, vocês dois até combinam.
Estremeceu, sentindo-se ridícula e reconhecendo o quando talvez
estivesse sendo injusta com ele.
Mas desculpar-se-ia depois, quando pensasse melhor. Não agora.
— Sofia...
— Desculpe, preciso ir.
E desligou antes que ele pudesse dizer algo.
Deu vazão as lágrimas por alguns minutos, sem poder se conter.
Amava sua amiga e agradecia pelo que fizera, mas as vezes se
perguntava se talvez pudesse se sentir melhor agora se ela mesma houvesse
posto um fim naquilo.
Se houvesse colocado a outra no seu lugar e talvez quem sabe até
quebrado o seu nariz, como Lorrany a ensinara a fazer.
Mas agora era tarde. Não havia o que ser feito em relação a isso.
E sentia-se ainda pior, após ter descontado sua fúria em alguém que
não tinha culpa.
Só esperava que ele pudesse desculpa-la.

•••
Não percebera que havia pegado no sono. Não tivera essa intenção e só
perceberá o que estava acontecendo quando sua mãe a acordou, sussurrando
que ela tinha visita.
Escovou os dentes, observando como seus olhos estavam inchados do
choro e também porque acabara de acordar.
Não deu importância para isso, prendendo os cabelos em um nó mal
feito e vestindo um roupão por cima da lingerie. Não gostava de dormir
vestida e quando saíra do quarto do seu irmão, tomara um banho e vestira
apenas a roupa íntima. Fazia frio e ela sentiu-se aquecer no roupão fofinho.
Desceu as escadas devagar, amarrando o roupão, perguntando-se por
que sua mãe não mandara suas amigas subirem.
Suas amigas já a presenciaram em situações mais vergonhosas, um
pouco de baba no travesseiro não era nada. Mas não eram suas amigas que
estavam ali, percebeu com assombro, quando seguiu o tilintar de xícaras até a
sala de estar.
Não, definitivamente, não eram suas amigas.
Porque ali, sentando ao lado de uma sorridente e efusiva Virna, levando
uma pequena xícara de chá aos lábios e parecendo relaxado, estava um
homem.
E não qualquer um.
— He-henrique.
CAPÍTULO 21
— Oi, amor — ele a cumprimentou.
Ela estava paralisada. Não conseguia acreditar que aquela cena era real.
Henrique ali, na sua casa, tomando chá com sua mãe e a chamando de amor.
Era surreal.
Ele esticou uma das mãos na sua direção e ela caminhou trôpega até
desabar ao seu lado no sofá. Ele a envolveu com um dos braços.
Sofia olhou de relance para sua mãe. Virna os fitava com as mãos sob o
queixo, os olhos sonhadores e até suspirava.
Voltou os olhos para ele e notou que embaixo de toda aquela áurea
sedutora havia uma seriedade incomum na sua expressão.
Ele a fitou com atenção, observando seu rosto e acariciou a pele abaixo
de um dos seus olhos, provavelmente notando o quanto eles estavam
inchados.
Beijou sua bochecha rapidamente e sussurrou um "precisamos
conversar" baixinho no seu ouvido.
Ela se arrepiou com seu tom de voz e assentiu suavemente, voltando-se
para Virna.
— Mãe, posso conversar com Henrique por um instante?
Para sua consternação, Sofia notou que sua mãe avaliava todo o corpo
dele com atenção, sem tentar ser discreta.
Ela compreendia que aquilo seria impossível e sorriu discretamente.
Ele vestia mais um dos seus moletons enormes, dessa vez em um tom
de verde muito escuro e uma jeans de lavagem clara, que delineava todos
aqueles músculos impressionantes de suas pernas.
Ele se remexeu incomodado com os olhos das duas em si e Sofia sorriu,
balançando a cabeça levemente.
— Mãe — disse mais alto.
Parecendo acordar de um transe, Virna respondeu:
— Sim?
Em sua defesa, Sofia sabia que sua mãe não o observava com malícia,
nunca seria capaz de destinar tal olhar para outro que não seu marido. Pelo
brilho nos olhos dela, idênticos aos seus, soube que ela imaginava
decorações, convites, vestidos, véus e grinaldas.
O maior sonho de sua mãe, e ela nunca fizera segredo sobre isso, era
casar os seus filhos. De preferência, o mais rápido possível.
— Posso conversar um instante a sós com Henrique?
Virna sorriu, acenando com a cabeça várias vezes e se levantou.
— Claro, amor! Pode conversar com seu namorado sossegada. Mamãe
vai assar uns bolinhos para vocês — e saiu praticamente correndo da sala.
Sofia ruborizou inteira.
— Ele não... — mas sua mãe não estava mais ali.
Ela evitou fitá-lo, envergonhada com o que sua mãe dissera e
lembrando a forma que o tratara mais cedo.
Ele recostou-se melhor no sofá e esperou calado.
Ela respirou fundo após alguns segundos e também se recostou,
fitando-o envergonhada.
Permaneceram em silêncio por alguns segundos, apenas se observando.
— O que está fazendo aqui? — perguntou após respirar fundo.
Manteve a voz baixa, sabia que sua mãe provavelmente não faria bolinho
nenhum, aquilo era apenas uma desculpa. Lembrou-se que ela havia feito
uma fornada enorme deles à tarde.
Henrique permaneceu fitando-a, calado, sem respondê-la.
Suspirando, ele envolveu seus ombros com um dos braços e a puxou
para si, acariciando seu rosto com a outra mão.
— Por que chorou? — perguntou também mantendo o tom de voz
baixo e continuou acariciando-a.
Ela não conseguiu resistir àquela proximidade. Até tentou, mas era
mais forte que ela. Relaxou nos braços dele e descansou o rosto em sua mão.
— Você não respondeu minha pergunta — disse suavemente, evitando
responder a pergunta dele e surpresa que ele tivesse notado aquilo. Qualquer
outro poderia pensar que o inchaço nos seus olhos se devia ao recente cochilo
que tirara.
— E você não respondeu a minha.
— Eu perguntei primeiro.
— Responda a pergunta, Sofia.
— Não.
— Não, não vai responder a pergunta ou não, não chorou?
— Não, não chorei.
— Não minta para mim.
Ela estremeceu e arrependeu-se pela pequena mentira. Fitando seus
olhos escuros, confessou em um sussurro:
— Sim.
Ele respirou fundo.
— Por que?
Ela meneou a cabeça, negando-se a revelar aquilo. Ela não queria ter
que relembrar o passado outra vez. E não na presença dele.
— Foi algo que eu disse?
Ela meneou a cabeça outra vez. Mas pensou um pouco e afirmou em
um mínimo movimento, pensando que o melhor seria ser sincera com ele.
Notou o maxilar dele enrijecendo.
Ele a abraçou apertado e ela envolveu seu pescoço forte, apertando-o
também.
— Sinto muito — murmurou rouco com a boca no seu ombro direito.
— Tudo bem — ela não gostou que ele se sentisse culpado por aquilo e
o abraçou mais forte. — Está tudo bem agora.
Permaneceram abraçados por algum tempo, até ele afrouxar os braços e
fitar seu rosto com atenção.
— O que foi?
Ela franziu o cenho, confusa.
— O que?
— O que eu disse que a fez chorar?
Ela não queria falar sobre aquilo, muito menos com ele. Mas não
gostara que ele se culpasse por algo que não tivera culpa.
Respirou fundo algumas vezes e respondeu. E surpreendeu-se com a
forma que as palavras foram saindo por sua boca, uma atrás da outra,
ansiosas.
Sentiu-se incomodada confessando tudo aquilo em voz alta, mas
conseguiu continuar, mantendo os olhos na saia do seu roupão, evitando ver a
expressão dele.
Contou tudo. Tudo o que acontecera, todas as palavras maldosas, todas
as situações, todas as vezes que chorara escondida no banheiro, todos os
detalhes, a maneira como se sentira até a intervenção de sua amiga.
Ele a ouviu calado por todo aquele tempo, sem mover-se.
Ela respirou fundo quando terminou, sentindo uma espécie de alívio
com sua confissão. Relutou um pouco em levantar os olhos para ele.
Ele levantou o seu rosto, fazendo-a olhá-lo nos olhos.
— Eu não imaginava.
— Eu sei.
— Por que não me contou antes?
— Não sei. Talvez por vergonha.
— Não por isso. Você foi a vítima, Sofia. Você. Ela estava errada e
merecia mais que alguns cortes no rosto por isso.
Ela sorriu por seu tom enérgico.
— Eu concordo.
— Lorrany deveria ter batido mais.
— Também concordo, mas a impedi. Hoje, me arrependo.
Ele riu um pouco, puxando-a para si e beijando seus lábios
rapidamente.
— Não quero que minta ou oculte algo de mim novamente.
— Prometo. Mas você tem que prometer o mesmo — sorriu marota e
descansou a cabeça no ombro dele, não notando quando uma sombra fechou
sua expressão e enrijeceu o corpo.
— Eu prometo — respondeu em voz baixa após um tempo.
Ela sorriu feliz, abraçando-o apertado.

•••
— Então, Henrique, onde e quando vocês se conheceram? E há quanto
tempo estão juntos? Quais são as suas intenções? Espero que sejam as
melhores, hein, quero o melhor para o meu bebê — e antes que pudessem
dizer algo, continuou: — Quantos anos você tem? Tem algo contra
casamentos entre adolescentes? Eu acho muito romântico, você não
concorda? — suspirou sonhadora. — Que tal outubro? O clima é perfeito e...
— Mãe!
Sofia estava vermelha, dos pés a cabeça. Henrique ria baixinho ao seu
lado e ela sentiu-se relaxar um pouco por ele não se irritar com as indagação
e sugestões descaradas de sua mãe, mas estava morta de vergonha.
Virna havia retornado para a sala com um refratário de vidro enorme
contendo inúmeros bolinhos, como se pretendesse alimentar todo o
condomínio e não apenas duas pessoas.
Ela amava sua mãe infinitamente, mas aquilo já era demais. Não sabia
o que tinham, ele não havia dito nada e tão pouco ela indagou algo, porém
sua mãe havia os decretado namorados e, poucos minutos depois, já falava
em casamento.
Estavam na sala de estar, beijando-se ardentemente, quando sua mãe
surgiu com a sutileza de um pavão e ordenou que comessem tudo,
depositando o refratário gigantesco na pequena mesinha de centro.
Ela arregalou os olhos, pulando assustada e afastou-se dele, corando. E
assustou-se ainda mais ao fitar o notável monte de bolinhos à sua frente.
Ela nunca seria capaz de comer ao menos um quarto de tudo aquilo,
todavia, Henrique, que pesava quase o dobro, se não o triplo do seu peso, não
se fez de rogado e Sofia observou com assombro a grande pilha ir diminuindo
com rapidez.
— Os bolinhos estão ótimos, sra. Villar.
Sua mãe não poderia estar mais feliz com aquilo, deliciada e satisfeita
por vê-lo devorar tudo.
— Oh, obrigada, querido. Você é um amor! — disse encantada,
abanando-se ligeiramente. — Ele não é um amor, filha? Ai, que amor!
Sofia, após conseguir relaxar aos poucos, riu da forma abóbada que sua
mãe se comportava. Ela parecia apaixonada por seu muito provável genro e
esperançosamente, futuro membro da família oficialmente.
Henrique respondeu todas as suas perguntas, sem parecer incomodado
ou irritado. Ele parecia até divertido com tudo aquilo e sorria.
Sofia relaxou no sofá, reconhecendo para si mesma que gostava da
presença dele ali na sua casa, com sua mãe.
Observou os dois conversarem por algum tempo - sua mãe e suas
intermináveis perguntas e Henrique e sua eterna paciência - e imaginou se
seria sempre assim. Se sempre pareceria perfeito estar ao lado dele, sentindo
o calor do corpo dele junto ao seu. Suspirou, tão sonhadora como sua mãe.
Riu um pouco e engasgou-se ao ouvir a próxima pergunta.
— Vocês estão usando camisinha?
Sofia arregalou os olhos, lutando para parar de tossir. Sentiu Henrique
acariciar suas costas, ajudando-a a recobrar o fôlego. Ele riu descaradamente
quando ela corou ainda mais.
— M-mãe! — tossiu.
— O que? — Virna a encarou com uma expressão inocente. — É
apenas uma pergunta, oras.
— Mãe! — repetiu, dessa vez claramente.
— Ah, Sofia — desfez-se do seu protesto com um gesto de mão. —
Somos todos adultos, não vejo porque tanto assombro. Não é, Henrique?
— Claro, somos todos adultos — riu ainda mais quando Sofia
arregalou os olhos para ele.
— Você...!
— Não ligue para ela, querido. Sofia morre de vergonha sobre esse tipo
de assunto. Mas fico feliz que você seja diferente. Então, — começou
sorrindo e cruzando as pernas empolgada. — você sabe que camisinhas são
altamente recomendadas devido à todos os riscos que vocês podem estar
sujeitos. Mas você parece um bom garoto e aparentemente tem boa saúde.
— Acho que sim — ele parecia se divertir muito, enquanto Sofia se
afundava no sofá cada vez mais.
— Isso é ótimo, querido! Oh, isso é maravilhoso! — bateu palminhas e
inclinou-se para a frente, aproximando-se um pouco mais ao declarar: —
Você sabe que camisinha tira o prazer, não é? Eu não recomendo para vocês,
quero que sejam felizes — balançou as sobrancelhas, ignorando o ofego de
Sofia. — E, claro, quero netos. O mais rápido possível, essa casa anda muito
vazia, sabe? Desanimada — fez uma falsa expressão angustiada.
Henrique riu. Na verdade, gargalhou, jogando a cabeça para trás. Sofia
o invejou, gostaria de sentir-se alegre com aquela conversa, como ele, mas
tudo que sentia era a mais pura vergonha.
— Verei o que posso fazer a respeito — ele declarou, piscando para sua
mãe.
Sofia sentiu o queixo cair.
— Ah, que ótimo! Estupendo! Eu sabia que você não iria me
decepcionar, querido!
Sua mãe ainda batia palminhas animada, quando Sofia se levantou de
um rompante, sentindo as pernas falhas.
— Já chega — disse em voz baixa, interrompendo a comemoração de
sua mãe.
— Mas, querida, tudo que sua mãe disse é a mais pura verdade! Não é,
Henrique? — buscou ajuda e ele afirmou com a cabeça rapidamente,
sorrindo. — Mamãe só quer o seu bem. E usar camisinhas...
— Mãe! — a interrompeu, vermelha.
—... tira o prazer, sabe? E sua mãe deseja netos, Sofia! Ou você acha
que esperarei para sempre? Estou ficando velha, solitária nessa casa, sem a
companhia dos meus rebentos — fungou. — E se você não usar camisinhas,
então você será feliz, Henrique também e eu ainda mais! Qual o problema
nisso?
— Vamos mudar de assunto? — indagou bruscamente, danada que sua
vida sexual - ou quase vida sexual - fosse o tópico de uma conversa com sua
mãe. Ainda mais na frente dele!
— Por que? Você não pretende seguir meus conselhos? Não ama mais
a sua mãe? — colocou uma mão no peito, a expressão tão sofrida que se não
fosse sua filha e não a conhecesse há anos, Sofia acreditaria. — Filhos, são
todos ingratos — fungou uma segunda vez e disparou um olhar sério e
esperançoso para Henrique. — Conto com você.
Henrique riu mais um pouco e fez um sinal de "pode deixar comigo,
providenciarei seus netinhos".
— Vamos — Sofia continuou de pé e estendeu uma das mãos para ele,
que a pegou rapidamente, ficando de pé também.
— Para onde vão? — sua mãe perguntou curiosa, esquecendo o
pequeno teatro que fazia a pouco.
— Para o meu quarto. Para longe de você e seus conselhos descabidos
— declarou, seguindo em direção às escadas e arrastando-o consigo.
— Para o seu quarto? — perguntou alarmada e Sofia imaginou que se
oporia aquilo, negando veemente a presença de um homem com ela em seu
quarto. — Feche a porta!
Sofia quase tropeçou nos degraus e Henrique segurou sua cintura, rindo
alto.
Negando-se a olhar para trás, seguiu subindo as escadas com um
Henrique gargalhando às suas costas e ouviu sua mãe berrar mais uma vez,
antes que sumissem de vista.
— E não esqueçam: camisinhas tiram o prazer!
CAPÍTULO 22
Henrique ainda ria quando ela fechou a porta do quarto. Não porque
seguia os conselhos de sua mãe, mas sim porque não gostaria de pegá-la com
a cabeça na porta, conferindo se estavam providenciando seus netinhos.
Ainda rubra, sentou-se na cama, incapaz de acreditar em tudo que
ouvira.
Henrique observou seu quarto com atenção. Andou até onde haviam
algumas fotografias dispostas em uma parede e observou-as por um tempo.
Ela quase se levantou quando lembrou das suas fotos de infância que
estavam dispostas ali, emoldurando uma jovem de cabelo extremamente
vermelho e um aparelho horroroso nos dentes. Mas repensou e suspirou,
concluindo que aquilo seria menos constrangedor que os conselhos de sua
progenitora.
Ele ainda sorria quando sentou-se ao seu lado na cama, fitando-a.
— Você fica linda assim, corada — disse, seu sorriso mudando de
divertido para malicioso em questão de segundos. — Me faz imaginar coisas.
Ainda constrangida e sem entender a que ele se referia, indagou:
— Quais coisas?
Ele riu mais uma vez, dessa vez um som grave, baixinho e que arrepiou
todo o seu corpo.
— Coisas como você corada, nua e gemendo para mim.
Ao contrário do que pensara ser possível, Sofia sentiu-se corar ainda
mais.
— Você é impossível — sussurrou, começando a imaginar coisas
também.
Estavam finalmente sozinhos. E no seu quarto, sentados na sua cama e
muito próximos. Aquilo não poderia resultar em uma coisa boa. Ou melhor,
definitivamente aquilo poderia resultar em algo maravilhoso.
Ele tomou seu rosto nas mãos e acariciou seu lábio inferior com um
dedo, fazendo com que ela notasse só naquele momento que o mordia.
Ele se aproximou aos poucos, como se a estivesse dando a escolha de
afastar-se.
Desejando aquilo mais que tudo e relembrando tudo o que se passara
naquele dia, notou que fazia tempo demais que não se beijavam. E desejava
isso ardentemente.
Diminuindo a distância que os separava, ela uniu seus lábios, dando
início a um beijo que começara delicado, mas que como sempre, tornava-se
explosivo em poucos segundos.
Ele mordiscou seus lábios, primeiro o superior e depois o inferior,
depois sugou sua língua e Sofia gemeu, querendo mais.
Grunhindo, Henrique a abraçou apertado, colando-a a si o máximo que
aquela posição os permitia.
Beijaram-se com desespero, um faminto do outro, até que o simples
toque dos seus lábios não era mais suficiente.
Ele beijou seu rosto, deixando uma rastro de fogo por sua pele, até
estacionar os lábios no seu pescoço, puxando seu cabelo.
Ela gemeu mais forte quando ele percorreu sua pele com a língua, para
logo em seguida mordê-la.
Ele grunhiu quando ela gemeu mais uma vez e afastou o roupão dos
seus ombros, pressionando os lábios ali.
Sofia sentia-se quente, desejosa e sua calcinha estava úmida. Sentia o
meio das pernas pulsar e tudo o que pensava era em buscar um pouco de
alívio.
Todavia, antes que implorasse por seus toques ali onde mais o
necessitava, Henrique se afastou com uma maldição, continuando a segurar
seu cabelo, puxando-a com certa força. Ela amava aquilo, quando ele a
segurava com força.
— Você está apenas de lingerie embaixo desse roupão? — sua voz
saíra rouca, apenas um grunhido. Ele gemeu quando ela confirmou com a
cabeça, fracamente. Beijou seus lábios com força e afastou-se rápido demais.
Ela protestou. — Tranque a porta.
Ela abriu os olhos, fitando-o em meio a névoa de desejo que nublava
sua visão. Havia apenas fechado a porta, não trancara. E sabia o que ele
queria com aquilo.
Levantou-se trêmula quando ele soltou seu cabelo e caminhou até a
porta, girando a chave e estremecendo de expectativa.
Voltou-se para ele e notou que ele se movera, saindo da ponta da cama,
onde haviam se sentado e recostando-se nos seus travesseiros.
Ela estremeceu mais uma vez, notando a forma como ele a observava.
— Venha aqui — disse rouco, apontando para o seu colo.
Ela hesitou por apenas um segundo antes de fazer o que ele ordenara,
subindo desajeitada na cama e sentando-se de pernas abertas no seu colo.
Ele observou a grande parcela das suas pernas que ficaram descobertas
naquela posição e mordeu o lábio, subindo os olhos por seu corpo até
estacioná-los no seu rosto.
Acariciou suas pernas, subindo e descendo as mãos por sua pele,
arrepiando todo seu corpo.
Subindo uma das mãos para o seu cabelo, puxou-o novamente e
aproximou seu rosto, grunhindo rouco nos seus lábios:
— Você é gostosa demais.
Ela estremeceu mais uma vez e gemeu quando ele a beijou com fúria,
faminto, devorando-a.
Ela gemia e gemia sem parar e o desejo que sentia queimar por suas
veias não havia como ser descrito.
Ele subiu a mão que apertava sua perna nua e pressionou sua cintura,
trazendo-a mais para frente, fazendo com que ela sentasse exatamente onde
ele queria.
Ela arfou ao sentir o membro dele pressionado contra o fundo úmido da
sua calcinha e gemeu quando ele a instigou a mover os quadris.
Ele grunhiu mais uma vez, pressionando sua cintura com as duas mãos
e incitando-a a mover-se cada vez mais.
Ela seguiu seu comando, sentindo-se umedecer ainda mais e gemendo
na sua boca, cavalgando-o com desejo.
Ele a soltou e a deixou comandar os movimentos, inclinando-se para
trás, separando seus troncos, mas permanecendo pressionado contra o meio
das suas pernas e beijando-a com força enquanto descia o zíper do moletom,
tirando-o rapidamente.
Ela subiu as mãos pelo abdômen dele, sentindo-o por cima da fina
camiseta de algodão. Tocou seus músculos firmes, notando o quanto eles se
retesavam ao seu toque e gemeu em apreciação.
Sentiu algo ceder ao redor do seu corpo e arrepiou-se quando o sentiu
desfazer o apertado nó do roupão.
Ele enfiou as mãos entre as abas abertas do tecido felpudo e tocou a
pele da sua cintura, voltando a ajudá-la nos movimentos dos quadris.
Ele gemeu rouco na sua boca, subindo as mãos por suas costas e
tocando rapidamente no fecho do seu sutiã. Ela arrepiou-se mais uma vez e
esperou que ele o abrisse, liberando assim seus seios que pareciam doloridos
e pesados, ansiando por seus toques.
Todavia, ele pareceu reconsiderar aquela decisão e retrocedeu as mãos.
Ela gemeu na sua boca em protesto. Ele sorriu quente e ela arfou em seguida,
sentindo-o tomar seus seios nas mãos, por cima da peça.
Ele afastou a boca e ela abriu os olhos, continuando com os
movimentos e apreciando seu toque ali.
Ele desceu os olhos por seu corpo semi-exposto e mordeu o lábio,
fitando sua lingerie rosa bebê.
Focou sua atenção nos grandes seios que tinha nas mãos e os
massageou, cobrindo-os. Ela podia sentir o calor da pele dele mesmo por
cima do sutiã e gemeu mais uma vez.
— Gostosa demais — ele grunhiu, acariciando-a. — Quero deixá-la
nua, inteiramente nua para mim... Mas esse não é o momento.
Ela tentou protestar, desejando aquilo mais que tudo, mas ele a
interrompeu colando os lábios nos dela e rosnando:
— Você não tem ideia das coisas que quero fazer com você — apertou
seus seios com força e ela arfou. — Esse corpo gostoso do caralho... —
interrompeu-se, mordendo seu lábio inferior. — Eu quero comer você. Quero
comer você por horas, fazê-la gritar de prazer — sussurrou contra sua boca.
— Ouvi-la gritar o meu nome enquanto como essa bocetinha gostosa.
Sofia apenas gemia, ouvindo tudo o que ele dizia e imaginando todas
aquelas coisas, movendo-se com mais força.
Não se importava com mais nada. Não se importava que estivessem em
sua casa e que alguém pudesse interrompê-los, nem se importava se alguém
pudesse ouvir seus gemidos. Tudo o que queria era que ele fizesse tudo
aquilo que dizia e muito mais.
Gemeu alto quando ele desceu uma das mãos do seu seio e cobriu seu
sexo, começando a acariciá-la sobre o tecido.
— Assim. Quero ouvi-la gemer assim, com meu pau todo enterrado
aqui — infiltrou os dedos sob a pequena peça e afastou rapidamente,
dedilhando sua umidade e gemendo rouco. — Molhada pra caralho, porra —
grunhiu, percorrendo sua boceta e enfiando um dedo na sua abertura. Ela
gemeu, movendo-se de encontro ao seu toque. — Isso, amor. Bem aqui e bem
fundo. Consegue imaginar? Primeiro só a cabecinha... Em seguida meu pau
preenchendo essa boceta gostosa, com força, até o talo e você gemendo meu
nome bem gostoso — ela gemeu manhosa nos seus lábios, molhando seus
dedos ainda mais e ele pareceu perder o controle.
Grunhiu selvagemente e puxou a pequena peça que a cobria
precariamente e expôs seus seios. Ela pulou surpresa, mas gemeu ainda mais
alto quando ele circulou um dos seus mamilos com a língua, tomando-o na
boca em seguida, enquanto passava a penetrá-la com dois dedos.
Ela nunca sentiu nada parecido com aquilo, sentindo-o mamar nos seus
seios, alternando entre um e outro, lambendo, chupando e mordiscando de
leve.
Ela gemia sem parar, tentando controlar seus sons e notou que aquilo
não era justo, apenas ela se satisfazer.
Arfando e sentindo o quanto estava próxima de gozar, desceu as mãos
trêmulas que ainda repousavam contra os músculos abdominais dele e abriu
rapidamente o fecho do seu jeans.
Antes que ele sequer pudesse intervir, ela puxou seu pau para fora,
envolvendo com as duas mãos. Ele gemeu alto, largando seus seios e subindo
os olhos para o rosto dela, mordendo o lábio com força.
Desceu os olhos pelo corpo dela, os seios perfeitos e generosos,
empinados e com os mamilos vermelhos e pontudos por seus beijos e fitou as
pequenas mãos que o envolviam.
— Sofia — sua voz não passava de um sussurro grave, rouco. — Não
faz isso.
Ele permaneceu com os dedos dentro dela, mas parou os movimentos e
ela foi capaz de pensar com o mínimo de racionalidade.
Sorriu maliciosa, aproximando seus lábios dos dele.
— Por que? — sussurrou.
Ele respirou fundo, enquanto ela começava a mover as mãos para cima
e para baixo.
— Por que... — gemeu quando ela circulou a cabeça do seu pau
delicadamente, continuando o que fazia com a outra mão. Ela lembrou que
ele gostava que ela o pressionasse ali com força e o fez, observando-o fechar
os olhos e gemer mais uma vez. — Eu vou comer você — ameaçou.
Ela estremeceu, desejando exatamente aquilo.
— Sim — sussurrou, gemendo quando ele retomou os movimentos dos
dedos.
— Você é virgem — lembrou, abrindo os olhos e fitando-a com os
olhos cerrados.
— Eu sei — gemeu.
— Não podemos fazer isso agora — ele também gemeu, rouco.
— Eu sei — sussurrou, embora desejasse exatamente o contrário.
— Não podemos — ele negou com a cabeça, suando um pouco e
retesando as pernas sob seu corpo.
Ela sabia que ele estava certo. Sabia que não deveriam fazer aquilo
agora, mas tudo que mais desejava era senti-lo dentro de si, a preenchendo
devagar...
— Talvez... — começou, gemendo nos lábios dele. — Talvez...
— Talvez o que? — perguntou afundando os dedos dentro dela com
mais força, cada vez mais rápido. Ela gemeu alto e fez o mesmo com seu pau,
movendo-o com rapidez.
Respirando fundo entre um gemido e outro, ela sugeriu:
— Talvez só a cabecinha...
Henrique jogou a cabeça para trás, mordendo o lábio, negando com a
cabeça.
— Não posso — sussurrou.
— Mas é só...
— Não posso — repetiu. Ela gemeu manhosa quando sentiu ele
retirando os dedos da sua boceta, fazendo um som molhado e fitou-a nos
olhos. Ela estremeceu com a rendição crua que viu no olhar dele, gemendo
em deleite quando ele enfiou os dedos molhados na boca, chupando-os com
gula. — Não posso... Não posso resistir a você — grunhiu, beijando seus
lábios com força.
Ela não entendeu o que ele queria dizer, até que o sentiu afastando suas
mãos de seu pau.
E pressionando-o contra sua boceta molhada e necessitada.
CAPÍTULO 23
Ele massageou seu clitóris com a cabeça do pau, percorrendo toda sua
boceta e molhando-o com o líquido que escorria dela.
Ele fechou os olhos e ela olhou para baixo, observando os músculos
saltados do braço dele e a mão que guiava seu pau.
Ela gemeu sentindo como ele parecia quente ali e moveu levemente o
quadril sem conseguir se conter.
Ele gemeu e mordeu o lábio com força, percorrendo sua pele molhada
até pressionar na entrada dela.
Ela gemeu alto e ele também, sentindo como aquilo era gostoso. Senti-
lo ali, pressionando contra sua entrada, mas sem forçar passagem, estava
deixando-a louca.
Impulsionou o corpo para baixo, precisando dele dentro de si, mas
Henrique tomou sua cintura com a outra mão, parando o que ela fazia.
— Não — ele disse com a voz profunda, os olhos cerrados. Ela gemeu
manhosa, querendo aquilo e ele grunhiu. — Não faz isso. Não geme gostoso
assim para mim, não vou conseguir me controlar.
— Mas eu quero — ela sussurrou, sem se reconhecer. Tudo sobre ela
quando estava com ele era desconhecido, sempre algo novo. Até resultar,
aparentemente, em uma nova Sofia.
— Porra — ele gemeu e se pressionou com mais força contra a entrada
dela. Ela gemeu, ansiosa, colando os seios no peitoral dele e arfando contra
seus lábios.
Ele manteve a profundidade, controlando o pau com a mão, deixando
que apenas a cabecinha, como ela pedira, penetrasse seu corpo. Parou quando
sentiu a barreira da sua virgindade, retrocedeu um pouco e antes que ela
pudesse implorar por mais, repetiu o movimento, apenas com a ponta.
Ela sentia uma espécie de ardência quando ele se pressionava ali com
mais força, mas era uma dorzinha gostosa e ela sentia o corpo todo
estremecer de expectativa.
Gemeu, sentindo que ficava a cada segundo mais molhada e olhou nos
olhos dele.
— Por favor... — implorou.
Ele sorriu malicioso, pressionando um pouco mais forte e deliciando-se
com o gemido grave dela, sem nunca penetrá-la além da ponta.
— O que você quer, amor?
Ela respirava ofegante, fazendo uma força descomunal para não descer
o corpo de uma vez, forçando-o a entrar todo dentro de si. Mas ele a detinha
com a mão, forçando seu corpo a permanecer parado enquanto ele movia a
mão.
— Mais — ela sussurrou.
Ele sorria, mas também parecia estar no seu limite.
— Não podemos — disse pesaroso, sem parar o que fazia.
— Por favor — implorou.
Ele franziu o cenho, como se doesse negar algo a ela. Ainda mais
aquilo.
— Não podemos — repetiu. — Mas podemos fazer outras coisas —
sugeriu.
Ela aceitaria qualquer coisa, qualquer coisa que amenizasse aquele
incômodo que sentia no baixo ventre. Queria continuar com aquilo, ir além e
senti-lo inteiro dentro de si. Porém, não era o momento.
— O que? — ela suava, ele suava e estava louca para livrar-se daquele
roupão.
Ele a soltou e a fez deitar na cama rapidamente, encaixando-se entre
suas pernas.
Ela estremeceu ao senti-lo deslizar sobre sua boceta molhada,
escorregando todo seu comprimento no seu sexo, movendo os quadris como
se a estivesse penetrando.
Fitou seus olhos escuros, aberta para ele e disposta a qualquer coisa.
Ele fitou seu rosto, seu lábio mordido, seus seios expostos, os mamilos
vermelhos de seus beijos e estacionou os olhos no ponto onde se
encontravam, movendo os quadris com mais força, rebolando contra ela.
Ela mordeu o lábio com mais força, contendo um gemido.
Aquilo era gostoso demais. Tê-lo sobre seu corpo, roçando em seus
seios e pressionado ali, onde mais precisava, era maravilhoso, mas queria
mais. Necessitava de mais. Precisava dele dentro de si, mas ela sabia que ele
não cederia na sua decisão de esperar.
A situação seria engraçada se não estivesse tão excitada. Porém, um
pequena parte dela sabia que ele tinha razão.
— Hum — ele murmurou, deixando que uma parte do seu peso
descansasse sobre ela, pressionando-a contra a cama. Baixou a cabeça e
circulou um de seus mamilos com a língua, tomando-o na boca em seguida,
sugando.
Ela fechou os olhos, gemendo e circundou o quadril dele com as
pernas, apertando-o contra si.
— Henrique — sussurrou seu nome, precisando de alívio, não
suportava mais aquilo.
Ele sugou seu seio com mais força e ela enfiou as mãos no cabelo dele,
puxando-o mais para si. Ele trocou de um seio para o outro e focou-se
naquela área, lambendo, sugando e mordiscando de leve, enquanto ainda
movia o quadril.
Ela moveu-se de encontro aos movimentos dele, girando os quadris e
jogou a cabeça para trás, fechando os olhos e gemendo.
Ele sugou seu mamilo com força, gemendo de volta, sentindo-se
próximo de explodir.
Dedicou bastante atenção ao seus seios, sugando, apertando e
beliscando de leve com os dentes e desceu por seu corpo, beijando sua
barriga lisinha e percorrendo-a com a língua.
Ela abriu os olhos e fitou o teto do seu quarto, sentindo-o descer cada
vez mais, aproximando-se do lugar onde mais precisava dele.
Estremeceu com o sopro da respiração dele cada vez mais próximo dali
e percebeu apenas naquele momento o quanto o quarto estava claro. E
naquela posição, ele seria capaz de observar todas as suas nuances, não
deixando espaço para imaginação.
Corando idiotamente, tentou fechar as pernas e cobrir aquela parte do
seu corpo. Eram sentimentos conflitantes; embora desejasse que ele a tocasse
ali mais que tudo, principalmente com a língua, não sentia-se confortável
com ele fitando seu sexo tão de perto e naquela iluminação toda.
Antes, quando fizeram aquilo na biblioteca, ela não pensara muito
naquilo nem tão pouco ele a dera tempo para tal. Mas a mesa que se
encontravam na ocasião era um das mais afastadas, nos recantos do lugar,
metros longe da janela mais próxima. Ali ele não tivera chances de observá-la
com atenção.
Agora, no entanto...
Resistiu, tentando fechar as pernas, mas ele apenas as moveu o
suficiente para encaixar os ombros ali rapidamente, impedindo-a de fechá-las
novamente.
Ela esticou uma das mãos trêmulas, sem saber ao certo o que faria, se
cobriria seu sexo ou tentaria afastá-lo dali. Todavia ele levantou os olhos da
inspeção que fazia e a fitou sério, levantando apenas uma sobrancelha.
Ela parou com a mão no ar, arrepiando-se quando, sem deixar de fitá-
la, ele percorreu o interior da sua perna direita com a mão até estaciona-la ali,
percorrendo sua pele sensível apenas por fora, sem tocá-la mais profundo.
— Hum — murmurou rouco, acariciando-a. Ele fitou seu rosto com
atenção e sorriu de lado, um sorriso mínimo, o máximo que o atual estado de
excitação deles permitia. — Vergonha, amor? De novo? — perguntou, sem
nunca parar de tocá-la. Ele esperou por uma resposta, mas ela apenas tentava
respirar direito, estremecendo. Mordeu o lábio quando o sentiu lamber seu
sexo, superficialmente, apenas com a ponta da língua. — Era de se esperar
que devido as pequenas brincadeiras que fizemos anteriormente, a essa altura
você teria menos pudor — ele sorriu e ela fechou os olhos, virando o rosto
para o outro lado.
Disposto a fazê-la perder de uma vez aquela vergonha estúpida, ele
meteu as mãos nos quadris generosos dela e a puxou para si, ficando com o
queixo a poucos centímetros da sua boceta.
Ela arfou, abrindo os olhos e em seguida gemeu, quando ele percorreu
a pele da sua virilha e mais para cima com a barba de alguns dias, arrepiando
sua pele.
Ele a lambeu novamente, mas ainda superficialmente, apenas um roçar
da sua língua macia e úmida onde mais necessitava dele.
— Henrique... — sussurrou, esquecendo todas suas neuras e focando-se
no que importava: a boca dele ali.
— Shhh — ele murmurou e ela estremeceu com o sopro de sua
respiração, precisando forçar seu corpo a permanecer deitado ali, prostrado
para ele, enquanto ele brincava de enlouquecê-la. — Embora eu aprecie
bastante seus gemidos e eles me deixem louco... — pausou, lambendo-a
novamente, mas dessa vez com vontade, abrindo-a apenas minimamente, e
foi o suficiente para fazê-la fechar os olhos e gemer alto. Ele riu baixinho,
embora todo seu corpo parecesse tenso. — Ah, Sofia... Embora eu adore isso,
não podemos fazer barulho — lembrou, abrindo seu sexo com uma das mãos
e passou a observá-la. Passado alguns segundos, ele respirou fundo, soando
mais rouco ao continuar: — Você realmente vai precisar fazer silêncio, amor.
Porque isso aqui... — sussurrou e em seguida chupou um dos seus lábios
externos, fazendo o mesmo com o outro em seguida. Ela gemeu mais forte.
— Não terei pena de você — ameaçou, parecendo prestes a perder o controle.
— Gostosa desse jeito, quase nua e com essa boceta gostosa a minha
disposição e completamente molhada para mim...
Ela ergueu uma das mãos trêmulas e percorreu o cabelo dele,
envolvendo seu rosto em um carinho ameno. Ele pareceu momentaneamente
perturbado com a força do seu desejo, mas com seu toque ele pareceu voltar
ao normal, fitando-a nos olhos e descendo-os por todo seu corpo,
estacionando mais uma vez no banquete que tinha diante de si.
— Não faça barulho — ainda foi capaz de ouvir, antes que ele a
atacasse sem pena.
Não havia outra palavra para descrever o que ele fazia com ela, o que a
fazia sentir e a intensidade de tudo aquilo.
Ele lambeu, sugou, mordiscou seus lábios de leve e grunhiu rouco,
parecendo deliciar-se com seu gosto, enquanto ela tentava não fazer
escândalo.
Aquilo era impossível, pensou tapando a boca com uma das mãos
quando ele a penetrou com dois dedos, entrando e saindo da sua pequena
abertura, enquanto chupava seu clitóris.
Ela estremecia, arrepiava-se, movia-se de encontro a boca dele e nunca
parecia o bastante, sempre queria mais. Mais dele, com ele e para ele.
Ele ergueu os olhos para ela e tomou um dos seus seios na mão,
apertando-o enquanto continuava o que fazia, a enlouquecendo com a boca.
Ela cobriu sua mão enorme e a puxou para seu rosto, pressionando-a
contra sua pele, tentando aguentar a intensidade daquilo tudo.
Ele chupou seu clitóris com força e ela mordeu sua mão por instinto,
sem se importar com mais nada. Depois, descerrou os dentes, conferiu aérea
que não o havia ferido e o fitou no olhos.
Ele parecia estar também no seu limite. Suava um pouco, a testa estava
franzida e seu corpo inteiramente tenso, embora parecesse deliciar-se com
seu sexo.
Ela sabia que ele queria mais, provavelmente se fosse outra garota ali
com ele, já estariam nos finalmentes. Enquanto isso, ali estavam: ela, uma
garota virgem; ele, quase explodindo nas calças, mas sem querer possuí-la.
Ela sabia que ele tinha razão. Não era o momento, precisavam esperar
um pouco mais, mesmo que isso os enlouquecesse. Mas seria o certo.
Porém, enquanto isso, poderiam continuar se divertindo daquela
maneira, tocando-se e até chupando-se.
Ela morria de vergonha, mas assumia para si que adorava tudo aquilo.
Adorava os toques dele, senti-lo sobre si, a chupando, era algo que ela jamais
esqueceria.
Todavia, mais que isso, mais que apreciar os toques que recebia, ela
amava retribuí-los. Amava senti-lo mas mãos, sentir seus músculos
tencionando, seu cabelo macio e amava seus beijos. Mas, sobretudo, amava
chupá-lo.
Com certeza aquela fora uma descoberta deliciosa: ser capaz de dá-lo
prazer.
Pensando nisso, ainda segurando a mão dele nas suas, ela buscou seus
olhos, encontrando os dele em si e abriu a boca.
Em seguida, chupou seu dedo médio, pressionando-o com a língua e
subindo os lábios vagarosamente, sem nunca desviar o olhar dele.
Ele gemeu e fechou os olhos rapidamente, sugando seu clitóris com
mais força e ela gemeu junto, estremecendo.
Ele soltou seu clitóris, lambeu sua boceta com a língua aberta,
percorrendo-a toda e estacionou na sua entrada apertada, enfiando-a ali.
Ela puxou seu cabelo, rebolando de leve e ele grunhiu, voltando para
seu clitóris e chupando-o uma última vez.
Subiu pelo corpo dela como um animal que cercara sua presa e não
havia ares de diversão na sua expressão, apenas uma fome crua, necessitada e
ela sentia o mesmo.
Ele tomou seu seio rapidamente nos lábios e ela arfou, fechando os
olhos.
Relembrando o que decidira fazer, ela gemeu mais uma vez, mas, antes
que ele pudesse deitar-se sobre ela, ela impulsionou o corpo e o fez rolar na
cama.
Ele seguiu seu comando, deitando-se de costas e levando-a consigo,
fazendo com que ela ficasse deitada em cima do seu grande corpo.
Ela o beijou, precisando sentir os lábios dele em si mais uma vez.
Ele gemeu em apreciação, puxando seu cabelo com uma das mãos e
apertando sua bunda com a outra.
Ela mordeu seu lábio inferior e puxou levemente. Percorreu sua barba
com os lábios, amando sentir o pinicar dela na sua pele sensível e seguiu até
o pescoço forte, amando sentir o cheiro dele ali e deliciando-se com sua pele.
Ele gemeu e apertou sua cintura. Ela prosseguiu com o que fazia e
lambeu, sugou e mordeu a pele dele, amando ouvi-lo gemer e grunhir
baixinho.
Sentando-se sobre o quadril dele, encaixando-se sobre seu sexo nu,
sentindo o seu próprio molhá-lo, ela ergueu o corpo.
Ele parecia delicioso ali, deitado na sua cama, em meio aos seus lençóis
floridos, o cabelo comprido bagunçado sobre seus travesseiros, a camiseta de
algodão fina marcando seus músculos, a calça solta no meio das pernas e seu
membro livre, deslizando entre os lábios do seu sexo úmido.
Ela nunca imaginara que um dia estaria assim com alguém, muito
menos na sua casa. Mas gostava daquilo. Gostava de tê-lo para si e ali, na sua
casa, no seu quarto, deitado na sua cama.
Ela amava seus toques, amava seus sorrisos maliciosos, sua falta de
vergonha. Amava que ele fosse tão grande e forte onde ela era pequena e
delicada.
Amava que ele a fizesse sentir como nunca antes se sentira. Amava que
fosse ele a despertá-la para aquilo. Para os prazeres entre um homem e uma
mulher. Para sentir-se confortável e à vontade com outro alguém do sexo
oposto que não o seu irmão.
Amava que ele fosse tão paciente e carinhoso com ela. Amava que ele
gostasse das coisas que ela mais odiava em si mesma. E amava que ele não a
forçasse a nada, apenas deixando que ela siga seu curso, escolhendo o que
fazer, sem pressa, mas sabendo que ele estará ali por ela.
Ressentia-se, sim, por ele não ter cedido mais cedo e a penetrado. Mas
só um pouco, ela sabia que ele tinha razão, só não conseguira enxergar com
clareza no momento.
Nem o conseguia agora, pensou.
Precisaria parar para pensar em algum momento, avaliar seus
sentimentos, suas indagações e preocupações.
Todavia, tinha noção do que seria aquilo que sentia por ele sempre que
o via, junto com o acelerar de coração, o vermelho nas bochechas e o
gaguejar.
Tinha suas suspeitas, mas aquele não era o momento de divagar sobre
seus sentimentos.
Não. Agora o tinha sobre seu domínio. Agora era a sua vez de fazê-lo
enlouquecer e provavelmente notando o que ela pretendia fazer apenas por
sua expressão, Henrique xingou baixinho.
Ela sorriu maliciosa e ordenou, como a mulher maravilhosa que se
sentia naquele momento, livre de pudores e no controle da situação.
— Tire a roupa.
Agora era a sua vez.
CAPÍTULO 24
Ele a fitou com aquele olhar sério, malicioso e quente que a
enlouquecia, mas fez o que ela ordenou após um momento.
Tirou a camisa, olhando-a nos olhos e se ergueu com ela ainda montada
no seu colo. Ela estremeceu ao sentir sua pele quente em contato com seus
seios e mordeu o lábio observando todas aquelas tatuagens.
Elas não cobriam apenas seus braços, como pensara a princípio.
Também cobriam seu peitoral e abdômen e, ao notar alguns desenhos
descendo por seus ombros largos, percebeu que também haviam algumas nas
suas costas.
Ela precisou reprimir um gemido quando, naquela posição, a fricção
entre seus sexos pareceu mais intensa.
Henrique se moveu um pouco, movendo as pernas e ela ouviu o som do
jeans pesado dele caindo no chão ao lado da sua cama. Ele voltou a se deitar
e ela observou aquele espetáculo de homem.
Sofia sabia que nem se houvesse uma margem para comparações
aquela cena seria menos impressionante.
Um Henrique vestido já é algo digno de nota e arquejos, há de se
convir.
Porém, um Henrique vestindo apenas uma cueca boxer branca, com
todas aqueles músculos impressionantes e as figuras e rabiscos que os
cobriam, deitado na sua cama em meio a lençóis, edredons e travesseiros
floridos, com o cabelo revolto, os lábios inchados, a expressão fechada, os
olhos sombrios e com seu membro de fora, era algo para definitiva e
irrefutavelmente enlouquecer qualquer mulher.
Em qualquer caso, era assim que ela se sentia. Enlouquecida. Excitada
ao extremo e agora o tinha todo para si. Inteiramente a sua disposição e ela
não poderia estar mais ansiosa para prová-lo.
E, para ser justa, enlouquecê-lo, tal como ele fizera com ela.
Fitando seu olhar intenso, Sofia retirou o roupão lentamente, sem nunca
desviar os olhos. Jogou a peça no chão, junto ao jeans dele e esticou as mãos
às suas costas, tocando o fecho do sutiã. Ele grunhiu e moveu o corpo sob o
dela levemente.
— Não faz isso... — começou baixinho, a voz rouca, mas antes que
começasse com a ladainha, ela rapidamente soltou o fecho e retirou a peça,
jogando-a junto as outras descartadas. Ele gemeu e fechou os olhos,
mordendo o lábio e jogando a cabeça para trás.
Ela sorriu.
Era mais fácil não sentir vergonha com ele agindo daquela maneira,
como se a visão do seu corpo, qualquer parte dele, o tentasse e descontrolasse
sobremaneira.
Olhou para baixo e notou só naquele momento que sua calcinha havia
desaparecido. Não a havia retirado, Henrique apenas a afastara do caminho
dos seus dedos, mas ela não lembrava de quando exatamente ela sumira dali.
Bom, ela certamente não se desintegrara ou coisa assim, pensou. Ele
provavelmente a rasgara e ela nem percebera, até o momento.
Não tinha importância, de fato. Menos uma peça a retirar.
Mordeu o lábio, observando o corpo tenso sob o seu. Ele continuava de
olhos fechados e com a cabeça jogada para trás. Mantinha os braços ao lado
do corpo e ela notou como seus músculos estavam retesados, devido a força
que ele fazia para se controlar.
Tocou seu peitoral forte e ele respirou fundo, sem mover-se. Desceu as
mãos por seu abdômen e deliciou-se tocando-o.
Aquele homem, seus músculos, tatuagens e altura... Deus, precisava se
controlar, pensou. O plano, seu intento era descontrolá-lo, não o contrário.
Descendo as mãos e votando a subi-las, ela se inclinou sobre o corpo
dele, pressionando os seios sobre sua pele quente e respirando próxima a
boca dele, movendo os quadris lentamente.
Ele soltou o lábio e gemeu profundamente, baixando o rosto e voltando
a fitá-la. Ela moveu o quadril novamente, fitando-o nos olhos.
Ele trincou o maxilar e a fitou de volta, sem mover-se um centímetro
sequer, erguendo uma sobrancelha. Ela sorriu, aceitando o desafio.
Ergueu uma das mãos e tocou seu rosto. A barba áspera fez cócegas na
sua mão, seguiu até uma de suas sobrancelhas, desenhando-a e descendo até
seus lábios.
Ela percorreu sua boca com os dedos, delineando seu contorno e
fitando-a com fascinação. Ele descerrou seu maxilar e, ainda olhando-a nos
olhos, descolou os lábios e lambeu um de seus dedos.
Ela sentiu o corpo arrepiar e ele envolveu seu dedo médio com os
lábios, como ela fizera anteriormente, chupando de leve. Ela, que sabia as
maravilhas e o quanto aquela boca e língua eram habilidosas, gemeu,
sentindo-se molhar ainda mais.
Retirou o dedo da boca dele lentamente, observando-o com inveja.
Pressionou a boca ali rapidamente, desejosa, colando seus lábios antes que
ele arrumasse outro jeito se enlouquecê-la mais um pouco.
O beijou com gula, com ânsia dele e querendo mais, desejando que ele
se entregasse como ela fizera anteriormente, sem pensar demais no assunto.
Ele correspondeu ao seu beijo com igual fome, devorando seus lábios.
Ela chupou sua língua, demoradamente e moveu o quadril mais uma vez,
rebolando contra ele.
Henrique gemeu contra seus lábios e moveu-se em resposta, roçando
mais forte contra seu clitóris inchado.
Ela passou a rebolar sem pausas, mantendo um ritmo que, se
mantivesse por mais que alguns minutos, seria o bastante para fazê-la gozar.
Sentindo-se cada vez mais úmida, ela estava quase desistindo daquela
ideia idiota de fazê-lo perder o controle, resignando-se de que ou não era
capaz ou o autocontrole dele era sobrenatural.
Todavia, antes que recuasse, sentiu-o percorrendo suas costas nuas com
as mãos e gemeu, mais ansiosa que vitoriosa por seu feito.
Ele percorreu toda sua pele, fazendo-a arrepiar até estacioná-las no seu
cabelo desgrenhado, puxando com força e beijando-a mais forte.
Isso, pensou enquanto gemia e o beijava com igual fervor. Aquele era o
seu Henrique. O que a pegava com força, que a apertava, puxava seu cabelo,
mordia seus lábios com mais força e grunhia e gemia rouco contra seus
lábios.
Sofia gemeu alto contra a boca dele quando ele começou a mover o
quadril de encontro ao seu, equiparando seus movimentos, tornando tudo
mais intenso.
Ele desceu uma das mãos, percorreu seu corpo e apertou sua bunda
nua, como ela toda, e forçou seu quadril a mover-se com mais força.
Ela estremeceu, aumentando o ritmo, seguindo seu comando mudo e
rebolando mais forte.
Henrique gemeu mais alto e mordeu seu lábio. Arrastou os dentes ali
antes de soltá-lo e afastou o rosto.
Ela abriu os olhos minimamente, sua mente nublada de desejo e fitou
seu olhar. Ela sentia os seios pesados, doloridos e necessitados, encostados
contra a pele quente dele e notou o contraste interessante que faziam.
Ela, com a pele branca como leite, quase translúcida e ele bronzeado,
bombado e com aqueles rabiscos e figuras na pele. Gostou daquilo e
imaginou como ficaria sua pele com uma tatuagem. Combinaria com ela?,
perguntou-se com uma pequena parte do cérebro que não estava domada por
ele e todo aquele desejo.
Apertou sua pele, movendo-a como queria contra si e ela moldou-se
aos seu toque, deixando que ele ditasse o ritmo.
Henrique a fez mover-se como se ela o estivesse quicando, batendo
contra seu sexo duro, levantando-a minimamente e voltando a bater contra ele
novamente.
Ela gemeu, apertando-se contra ele e murmurou baixinho.
— Por favor.
Ele negou com a cabeça, os olhos cerrados, o maxilar travado e
pulsando contra o sexo dela.
Ela sabia que ele tinha uma parcela de razão, mas não conseguiu
impedir-se de se irritar com aquilo.
Pensou em dizer algo, até abriu a boca para falar, mas pensou melhor e
concluiu que ações eram melhores que palavras.
Franziu o cenho e ergueu o corpo, fitando-o de cima. Ele desceu os
olhos por seu corpo nu e tencionou o corpo, apertando sua bunda com mais
força. Quando ele, após balançar a cabeça e olhar para o teto, abriu a boca,
ela se desvencilhou das suas mãos rapidamente.
E, antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, moveu-se na cama,
desceu o corpo e estacionou entre as pernas dele, com o rosto a centímetros
do seu membro.
Ele, parecendo pego de surpresa, apenas a encarou por alguns
segundos, mas quando ela tocou seu pau com as pequenas mãos, pareceu
pronto para negar-se novamente.
Ela sorriu maliciosamente e, rapidamente, o tomou na boca,
envolvendo-o nos lábios e massageando-o com a língua.
Seja o que fosse que ele pretendia falar, pareceu desistir e até esquecer,
jogando a cabeça para trás novamente e gemendo alto.
Bom, aquilo era um pequeno progresso. Gemidos eram melhores que
qualquer outra coisa, pensou.
Concentrou-se no que fazia e preferiu seguir seu instinto, como fizera
com tudo sobre aquilo desde o início.
Subiu e desceu os lábios por sua extensão, ouvindo seus gemidos
graves e sentindo-o pulsar contra sua língua. Lambeu-o, o circulou com uma
das mãos, movimentando-a para cima e para baixo.
— Sofia... — ouviu seu sussurro grave, mas não deu atenção,
continuando o que fazia.
Tomando-o na boca mais uma vez, chupou com força, vingando-se por
todas suas negativas e deliciando-se com seu gosto.
Ele gemeu alto novamente, por sorte, não tão alto quanto os gemidos
dela.
Ela o percorreu com a língua e subiu os olhos, fitando-o. Ele a
observava com os cotovelos apoiados na cama, erguendo o corpo para
observá-la melhor.
Sofia percebeu que o corpo dele brilhava levemente, todos seus
músculos cobertos por uma camada sutil de suor. Ele tinha a expressão
fechada, sofrida, os olhos cerrados e ela notou que estremecia.
Ah, então agora ele se sentia como ela mesma se sentira há alguns
minutos atrás, pensou, sem conseguir reprimir um sorriso vitorioso.
Ainda fitando-o nos olhos, chupou apenas a cabecinha, pressionando os
lábios com força e sugando. Ele sobressaltou-se e pareceu perder o controle,
movendo-se rapidamente.
Inclinou-se e a tirou dali, jogando-a na cama com força, cobrindo eu
corpo e beijando-a com fúria.
Ela não conseguiu sorrir dessa vez, presa onde estava, com mais de
cem quilos de um Henrique enlouquecido sobre si, pressionando-a contra a
cama, percorrendo seu corpo com as mãos fortes e beijando-a com força.
Gemeu, rendendo-se e envolveu a cintura dele com as pernas, puxando-
o mais para si enquanto embrenhava as mãos em seu cabelo, puxando-o.
Ele a beijou daquela maneira pelo que pareceram horas e afastou-se
minimamente, apenas para olhar em seus olhos.
— Você quer foder com o meu juízo — rosnou contra seus lábios.
Voltou a beijá-la, descendo uma das mãos pela lateral do seu corpo nu
até sua perna e ela rebolou, gemendo manhosa. Ele ergueu a mão e bateu
contra sua bunda, apertando-a e cobrindo sua pele quente.
Ela gemeu alto, surpresa, sentindo-se estranhamente ainda mais
excitada com aquele tapa. Não parou para pensar se era certo sentir aquilo,
apenas precisava de mais.
Moveu-se contra ele, ainda o envolvendo com as pernas e gemeu
novamente quando ele passou a rebolar mais firme contra seu clitóris. Ele a
bateu novamente e ela estremeceu, arfando e ficando mais úmida.
Ele afastou a boca e fitou sua expressão, sorrindo safado, notando o
quanto ela gostara daquilo.
— Você quer, definitivamente, ser fodida — grunhiu baixo e ela se viu
confirmando com a cabeça, desesperadamente. Ele riu, voltando a beijar seus
lábios. — E eu, definitivamente... — prosseguiu, fitando seu corpo nu
estendido na cama. Os seios que os saudavam, os mamilos, rígidos. As pernas
abertas, ele entre elas e seu sexo úmido eram mais do que indicativos da sua
condição. — Definitivamente, quero foder você — confessou, voltando a
fitá-la. — Porém, temos um problema.
Ela franziu o cenho, finalmente desistindo. Ele não cederia.
Afastou-se e descansou o corpo no colchão macio, desistindo daquilo.
Definitivamente, aquilo não aconteceria ali, agora, como tanto queria.
Ela o fitou desanimada, assumindo a derrota e começando a sentir-se
irritada.
— O problema é... — interrompeu-se quando notou a expressão
emburrada dela. — O que foi?
— Nada — respondeu grossa, começando a sentir-se ridícula.
Ele franziu o cenho, confuso.
— Por que está com raiva?
— Não estou com raiva.
— É notório que sim. Só me pergunto por quê.
— Tenho motivos para isso?
Ele sorriu, descarado. Ela o fuzilou com os olhos. Cretino, sabia o por
que de ela estar com raiva e ainda bancava o idiota.
— Ah sim — disse ainda sorrindo.
Ela fechou ainda mais a expressão. Ele riu mais um pouco, dessa vez
malicioso, voltando a movimentar o corpo e desafiando-a com o olhar a
manter-se indiferente.
Ela tentou. Tentou não focar no que ele fazia e no prazer que percorria
seu corpo com o deslizar do pau dele entre as dobras do seu sexo úmido.
Mordeu o lábio e negou-se a gemer, mas ele notou quando ela estremeceu,
apertando-o com as pernas ainda envoltas da sua cintura.
Ele tomou um dos seus seios na mão e apertou, tornando impossível a
tarefa dela de não gemer.
— Disse algo? — indagou malicioso, sorrindo aquele sorriso molhador
de calcinhas que ela amava, ainda movendo o quadril, deslizando contra ela.
Ela negou com a cabeça, tentando manter o mínimo de dignidade,
embora soubesse que ele era capaz de sentir o quanto ficava ainda mais
molhada contra ele.
— Ah, engano meu — sorriu, sem parar o que fazia. — Então, quer me
contar por quê está irritada?
Ela forçou-se a falar, reprimindo um gemido.
— Se você não quer ou "não pode", — fez aspas com as mãos, falando
pausadamente, respirando pesadamente — por que continua com isso?
— Por que você é gostosa demais — respondeu simplesmente, como se
isso esclarecesse tudo.
— Você já disse isso.
— E continuarei, porque é a mais pura verdade.
— E por que não segue em frente? Digo, seguimos até os finalmentes e
tal — e dado a sua irritação, somada a crescente excitação ela nem sequer
sentiu o rosto corar.
Ele sorriu, parecendo deliciado com aquela faceta descarada dela.
— Porque, amor, eu realmente penso que agora não é o momento —
declarou, erguendo o quadril e voltando a pressionar-se contra ela, repetindo
o movimento algumas vezes. Ela gemeu e ele pareceu deliciar-se com aquele
som. — Mas também quero muito comer você — aproximou a boca da dela e
ficou ali, recebendo os gemidos dela nos lábios. — Por horas. A noite toda.
Melhor, por dias — continuou. — Quero me fartar de você, fazer você gritar
meu nome, gemendo gostoso enquanto fodo essa bocetinha apertada —
rosnou, batendo o quadril contra o dela, pressionando seu clitóris.
Ela tomou seu cabelo nas mãos, apertando-o contra si, puxando-o com
as pernas enquanto gemia sem controle.
— E por que não fode? — ela sussurrou contra seus lábios, fora de si.
Ele fechou os olhos, gemendo e tencionando o corpo e ela por um
momento imaginou que negaria mais uma vez.
Todavia, não foi o que ele fez.
CAPÍTULO 25
Ela estava nervosa.
Nunca antes sentira-se tão nervosa na vida como estava naquele
momento.
Passou uma hora inteira na frente do espelho apenas fitando seu rosto,
mas sem enxergá-lo de fato, pensando em mil coisas ao mesmo tempo.
Ela sabia o que queria. Também sabia que era relativamente cedo. Ou
algumas pessoas rotulariam assim.
Mas ela queria, ele também. E, sobretudo, confiavam um no outro,
então, por que esperar?
O mais importante de tudo era aquilo que não sabia nomear ainda, mas
era consciente de que sentia por ele.
Poderia não ser amor, ela não saberia dizer, já que aquilo era diferente
de tudo que já sentira. Porém, ansiava por mais e sabia que aquele primeiro
passo seria um divisor de águas, tanto no relacionamento deles quanto na sua
vida.
Escolhera a roupa com cuidado. Passara horas decidindo tudo
milimetricamente, da lingerie ou a falta dela aos pequenos e delicados brincos
pendentes nas suas orelhas.
Vestia um vestido que comprara naquela manhã de sábado com suas
amigas, em sua primeira visita voluntária à um shopping.
Precisara chamar reforços porque, como ainda sentia-se insegura em
vestir-se sozinha e ainda mais para uma noite tão importante como aquela, ela
quase entrou em surto.
Compreendendo seu apelo mudo mais do que as palavras apressadas
que saíram por seus lábios, suas amigas rapidamente assumiram o controle e
a auxiliaram nas compras.
Decidiram em comum acordo comprar mais que apenas um vestido e,
realizando o sonho de Lorrany, que sempre esperara ansiosa pelo dia que
trocaria todas aquelas roupas horrendas compradas por sua mãe por roupas
novas, transadas e dignas de uma garota como Sofia, compraram muito mais
que o necessário.
Todavia, Sofia não se importou, seguindo-as no automático e
confirmando com a cabeça sempre que indagavam algo.
Após as compras, aproveitando que seus pais não estavam em casa,
acomodaram-se na sala de estar e conversaram por algumas horas.
Sofia sabia que suas amigas sempre a apoiariam em tudo e daquela vez
não foi diferente.
Ela não saberia dizer ao certo de onde surgira aquilo, mas, antes
daquela conversa, tinha certeza que suas amigas a julgariam por apressar as
coisas daquela maneira com Henrique.
Entretanto, não fora o que aconteceu.
E ela ficou feliz em ouvir todos os conselhos de suas amigas sobre o
que esperar e uma visão geral de como seria o ato em si. Tendo em vista tudo
o que já fizeram juntos nesses últimos dias, ela sabia bem o que ou como as
coisas eram feitas, porém isso não a impediu de corar como um tomate com
aquela conversa.
Por fim, após todos os preparativos e conversas, ali estava, pronta.
Fitou-se criteriosamente, dos cabelos daquela vez alisados e não
ondulados, até os saltos altos e caros que comprara naquela manhã.
Thaís demorara quase um hora inteira para alisar seus cabelos, mas ela
não reclamara uma vez sequer, meio aérea, enxergando tudo com um
distanciamento, como se fosse uma pessoa de fora. Ela gostara do resultado,
os fios pareciam macios e brilhavam levemente, hidratados e caindo
suavemente por sobre seu ombro, em um penteado lateral simples.
A maquiagem, obra de Lorrany, também era simples, apenas um realce
nos olhos, maçãs do rosto e um batom novamente em um tom clarinho. As
três concordaram que daquela maneira era melhor, algo simples e que seria
fácil de retirar a noite, antes de dormir.
Estremeceu de expectativa.
O vestido fora uma escolha unicamente sua. Estavam já há mais ou
menos uma hora de compras quando o vira em uma vitrine e soubera que
aquele deveria ser o vestido.
Ele era negro, escuro e sem enfeites. Possuía um decote em V discreto,
não muito profundo, deixando a vista apenas uma sugestão dos seus seios.
Possuía bojo interno, o que dispensava o uso de sutiã, o que era providencial,
ainda mais devido ao grande decote nas costas.
Ele era retangular, descia desde quase a sua nuca até o topo da sua
bunda, o que a deixava em evidência, devido a cor do tecido.
O vestido era um pouco apertado e impossibilitava o uso de lingerie, o
que ela não se importou muito.
Não facilitaria para ele hoje, pensou, sorrindo minimamente.
Da última vez ele quase surtara com o tamanho da sua calcinha, como
ele agiria quando notasse que ela estava nua por baixo daquele vestido?
Riu sozinha, sentindo-se finalmente relaxar, lembrando-se da maneira
que ele agia com ela, demonstrando seu desejo sem reservas, entregando-se
inteiro.
Apenas para voltar atrás no último segundo, pensou amargurada.
Mas aquela noite seria diferente. Naquela noite ambos seriam eles
mesmo e se entregariam ao desejo que sentiam, sem reservas e sem
hesitações.
Pegou o celular na pequena bolsinha pendurada no seu ombro e
conferiu o visor, notando que faltavam poucos minutos para o horário que
combinaram.
Sentou-se na cama e encarou seus lençóis, pensativa, relembrando tudo
o que fizeram ali.
Quando sussurrara, sem se reconhecer, que ele a fodesse, ela realmente
não esperava que ele fizesse aquilo, mas a reação dele a surpreendera de
qualquer forma.
Ele grunhira, parecendo perder o controle o rolara na cama, movendo-a
consigo e moldando-a com rapidez e eficiência, até que ela estava na posição
que ele queria.
De frente para sua janela, de costas para ele e sentada de pernas abertas
sobre seu rosto.
Ela não tivera tempo de protestar ou envergonhar-se, porque logo em
seguida sentiu a língua dele ali, no meio das suas pernas, provando-a e
sugando-a com força.
Ela ficara chocada, mesmo gemendo e estremecendo com o que ele
fazia, mas logo entregou-se, apenas se deixando levar, sentindo as mãos dele
na sua bunda, apertando-a e abrindo-a para ele.
Sentiu o corpo ceder e deixou-se cair, apoiando-se no abdômen dele,
em uma posição que nunca pensara que estaria algum dia: de quatro, aberta e
sobre o rosto de um cara.
Porém, não se importara com nada naquilo no momento, apenas gemia
cada vez mais alto e o sentia devorar sua boceta como se há apenas alguns
minutos antes não estivesse com a cabeça ali.
Ela sentira-se tonta, estremecendo vez após outra e sentindo-se cada
vez mais próxima. Ondulou o corpo para ele e ele grunhiu, recompensando-a
com um tapa na bunda.
Ela fechou os olhos, sem conseguir sequer punir-se daquela vez por
gostar tanto daquilo e gemeu deliciada, movendo os quadris novamente.
Henrique a mordiscou levemente e ela sentiu-se desabar ainda mais,
ficando com o rosto próximo ao pau dele.
Tomou-o nas mãos rapidamente e o acariciou, movendo as mãos para
cima e para baixo. Ele a chupou mais forte e antes que um gemido grave e
estridente escapasse por seus lábios, lambeu-os rapidamente e o tomou na
boca, chupando-o com força, como ele fazia com ela.
Dessa vez, ele que gemera alto, apertando-a com mais força e
circulando seu clitóris com a língua.
Ela continuou chupando-o daquela maneira, sentindo-se na beira do
abismo e rebolando contra os lábios e língua dele.
Henrique parecia gostar quando ela fazia aquilo, recompensando-a com
tapas e mordidas no interior de suas pernas.
Ela estremeceu mais uma vez e sentiu o corpo arrepiar, sabendo que
não resistiria mais tempo.
Por sorte, ele parecia estar perto também, passando a mover o quadril
de encontro a boca dela, e gemendo e grunhindo contra sua carne úmida.
Ela gemeu alto, pressionando os lábios nele e usando-o para abafar seus
sons quando sentiu-se cair, estremecendo e apertando-se contra ele, sentindo-
se perder, finalmente.
Ele continuou chupando seu clitóris e a penetrou com dois dedos,
fazendo com que seu orgasmo fosse mais intenso e prolongado, enquanto
gemia profundamente.
Ela continuou chupando-o enquanto ainda sentia o corpo estremecer e
ele também estremeceu, movendo o quadril com mais força.
Sofia voltou a tomá-lo nas mãos e continuou com os lábios ali,
bebendo-o quando ele se derramou contra sua língua.
Ela o limpou com a língua, chupando-o uma última vez e ele grunhiu,
sensível pelo orgasmo e bateu na sua bunda novamente, também chupando-a
mais uma vez.
Ela deixou-se cair contra a cama e permaneceu de bruços com o rosto
afundado no colchão mesmo quando pensou que muito provavelmente ele
tinha uma visão privilegiada da sua bunda.
Todavia, levando em conta o que acabaram de fazer, ela não se
importou muito, mas sentiu o rubor se espalhar ainda mais pelo corpo.
Sentiu ele se mover sobre a cama e arrepiou-se quando ele deitou-se
sobre seu corpo, cobrindo-a inteira e beijando suas costas, estacionando os
lábios no seu pescoço.
Ela gemeu satisfeita e fechou os olhos, adorando aquele carinho.
Namoraram por mais alguns minutos e quando ambos já gemiam e se
tocavam mais profundamente novamente, ele se afastou afirmando que por
agora bastava.
Ela não se importou e continuou deitada na cama, sentindo-se satisfeita.
Ouviu quando ele desceu da cama e o som de seus passos, seguido do
farfalhar de roupas. Continuou de olhos fechados e onde estava, deitada e
nua, espalhada na cama.
Ao terminar de vestir-se, ele grunhiu, inclinou-se sobre ela, mordeu sua
bunda levemente e a cobriu com o edredom, ordenando que se vestisse, para
o bem dele.
Ela riu e fez uma força descomunal para levantar-se, mas o obedeceu.
Sentou-se na cama e procurou com os olhos por suas roupas,
lembrando-se que quando ele chegara estava de roupão só quando ele o
estendeu para ela, sério.
Ela fitou seu rosto, pegando o roupão e percebeu porque ele parecia tão
sério. Encarava seu corpo nu, enquanto ele estava vestido, ao menos com a
calça.
Ela reprimiu um sorriso feliz ao notar seu poder sobre ele e ergueu os
braços, prendendo seu cabelo. O fez de maneira demorada, de modo que ele
notasse o balançar sutil dos seus seios com seus movimentos e a apreciasse
mais.
Henrique parecia fascinado, com os olhos focados nos seus seios e ela
finalmente sorriu, sem se conter.
Ele encarou seu rosto, fitou seu sorriso e ela notou quando ele percebeu
que ela fazia tudo aquilo de propósito.
Fechou a cara, sem desviar os olhos novamente para os seus seios e ela
quase riu com sua birra.
Ergueu as sobrancelhas e ele imitou seu movimento, ainda evitando
fitar seus seios.
Aceitando seu desafio mudo, Sofia ficou de pé lentamente, erguendo o
corpo e fingindo que havia acabado de acordar, erguendo os braços e
balançando o corpo suavemente.
Não tivera tempo de fitá-lo novamente, porque mal baixara os braços e
ela já a puxava para si, embrenhando as mãos nos seus cabelos, puxando com
força e colando seu corpo nu ao dele parcialmente vestido.
Ela gemeu entregue, apoiando-se no corpo dele e inclinando a cabeça
como ele queria, para beijá-lo melhor.
Ele mordeu seu lábio inferior, com força e soltou, respirando forte
contra seus lábios.
— Você será a minha morte — grunhiu.
Ela não conseguiu sorrir daquela vez, trêmula como estava e apoiada
nos braços dele. Pressionava todo seu corpo contra o dele, dos seios doloridos
e pesados ao seu sexo que implorava por mais atenção.
Ele fitou seu rosto por alguns segundos, descendo os olhos por seu
corpo em seguida e mordendo o lábio.
Beijou-a mais uma vez, como se não conseguisse se conter. Descansou
a testa sobre a dela após alguns segundos, enquanto ambos respiravam
ofegantes.
— Tudo bem? — perguntou baixinho, fitando-a nos olhos.
Ela franziu o cenho em um primeiro momento, confusa, sem saber a
que ele se referia. Até compreender que ele provavelmente estava preocupado
se ela haveria gostado de tudo que fizeram, ainda mais sendo tudo aquilo
novo para ela.
— Sim — ela sussurrou e percebeu quando ele pareceu relaxar,
sorrindo para ela. Sofia respirou fundo, envolvendo os braços no pescoço
dele e ainda sentindo aquela espécie de segurança que sempre sentia quando
ele a observava daquela maneira. Tocou seu cabelo comprido, acariciando-o.
— Mas eu quero mais — confessou.
Henrique tencionou o corpo, ela pôde sentir, já que ainda estava colada
a ele. Ela continuou com os braços envolvendo seu pescoço, enquanto ele
parecia pensativo, acariciando suas costas, subindo e descendo as mãos por
sua pele nua.
Passado alguns segundos de uma reflexão muda, ele a fitou nos olhos,
sem traços de diversão, parecendo buscar por algo ali.
— Tem certeza? — manteve o tom baixo e continuou a fitando, atento
a sua expressão.
— Sim — ela afirmou, sem titubear e certa do que queria.
Ele ainda a observou por alguns segundos, parecendo buscar provas se
o que ela dizia era verdade mesmo, antes de beijá-la demoradamente.
Ela rendeu-se mais uma vez, entregando-se a ele, moldando-se ao
corpo dele e sendo dele, mais do que poderia julgar possível.
Ele a beijou por minutos, tocando-a com infinito carinho, acariciando
seu rosto, massageando o interior da sua boca com a língua e abraçando-a
apertado.
Ela começava a ficar tonta, sem ar, sentindo-se mais uma vez tomada
pelo desejo quando ele se afastou, beijando todo seu rosto com delicadeza.
Ela fechou os olhos, aceitando seu carinho e sentindo o coração bater
forte no peito, inundado por ele e tudo que ele passara a representar para ela.
Henrique voltou a descansar a testa na sua e ela abriu os olhos,
estremecendo com a emoção que vira nos olhos dele, que parecia um reflexo
do que ela mesma sentia.
E sentiu o corpo todo arrepiar e estremecer novamente, dessa vez de
expectativa, quando ele sussurrou, ainda fitando-a nos olhos:
— Amanhã à noite.
E ali estava, na noite seguinte, produzida e aconselhada, apenas à
espera.
Não se irritara por ele adiar aquele momento por mais 24 horas. Sabia
que ele tinha razão quanto não fazer aquilo ali, na sua casa, onde poderiam
ser interrompidos. E pior, ouvidos.
Aceitara esperar até o dia seguinte, porque tinha que se preparar
fisicamente para aquilo, mas além de tudo porque confiava nele e sabia que
ele não fazia promessas vazias.
E estava ansiosa para vê-lo cumprir todas que que fizera desde que a
conhecera.
CAPÍTULO 26
Aquela noite, como todas as outras que passara ao lado dele, aliás, fora
sem precedentes.
Sofia não lembrava de uma só vez que sentira-se tão feliz e segura
como se sentia quando estava com Henrique.
Preocupara-se atoa, pensou, montada atrás dele naquela
monstruosidade de moto, enquanto passeavam pela cidade, seguindo para a
casa dele.
Foram ao cinema. Ela se surpreendeu com a escolha dele, imaginou que
iriam direto para casa dele e partiriam logo para terceira base, sem
contratempos. Porém, aquele era Henrique, sempre a surpreendendo.
Ela estava enganada quanto aquilo, mas admitia que se ele preferisse
adiar o passeio e partirem logo para o que interessava, não se oporia, pelo
contrário.
Tão ansiosa e nervosa estava que mal podia se controlar.
Fora uma tarefa árdua manter a boca fechada quando ele a buscara mais
cedo, a cumprimentara com um beijo prolongado e partiram dali rapidamente.
Quisera perguntar alguma coisa, contudo, tão abobalhada estava que preferiu
manter a boca fechada, para o seu bem.
Talvez presumindo que ela usaria novamente um vestido, Henrique
levara outra de suas jaquetas enormes e ela amarrara a peça na cintura,
subindo na moto atrás dele com ainda mais cuidado que da outra vez. No
começo fora um pouco incômodo sentir o bater do vento em uma área que
geralmente não era tão ventilada, mas logo se acostumou.
— Vai ser bom para você. Receber tanto vento na perereca, digo —
havia dito Lorrany, quando estava quase terminando sua maquiagem e após
conjecturarem por alguns minutos se ele novamente a buscaria de moto. — É
bom receber um ventinho na perseguida de vez em quando e, no seu caso, vai
servir pra amaciar a bichinha para o que acontecerá mais tarde.
— Lorrany! — Sofia protestara, sentindo o rosto corar por baixo de
uma camada generosa de base para esconder suas sardas. — Não tem um
filtro entre o seu cérebro e a sua boca? Você deveria...
— E você deveria calar a boca e ficar quieta se não quiser sair daqui
parecendo um palhaço — a interrompera e Sofia ouvira que vasculhava seus
milhões de pincéis. Retomou ao que fazia após alguns segundos, delineando
suas sobrancelhas. — Vai por mim, será ótimo para você receber tanto vento
na xoxota, arreganhada naquela moto. Quando ele for tocar em você, com a
boca, dedos ou pau, você vai entender o que estou dizendo.
Thaís apenas rira, jogada na cama de Sofia, após cumprir a missão de
alisar seu cabelo indomável. Decidira que manter-se calada quando Lorrany
optava por discursar sobre o que quer que fosse, ainda mais se isso fosse
sobre a vida sexual de Sofia, era sempre a melhor escolha.
Sofia corara, mas mantivera-se quieta ouvindo os conselhos
"indispensáveis" de sua amiga.
Todavia, precisava admitir que realmente sentia-se um pouco mais
sensível naquela área. Fora um alívio quando finalmente chegaram ao
shopping e pode sentar um pouco, cruzando as pernas e estremecendo, na
sala de cinema.
Se a perguntarem posteriormente qual era o filme ou sobre o que era,
ela não saberia dizer. Não concentrou-se em outra coisa que não o homem ao
seu lado e o que fariam mais tarde.
O rubor sob sua pele parecia permanente, pensou. Sempre que outras
pessoas os encaravam, talvez por chamarem tanta atenção por suas
características físicas excêntricas - ela, com um cabelo extremamente
vermelho e as longas pernas nuas e ele, alto, gostoso, tatuado, gostoso,
barbudo, gostoso, com o cabelo comprido e solto sobre os ombros, gostoso e
extremamente gostoso -, tinha certeza que nunca passariam despercebidos.
Sempre que recebia alguns olhares demorados ou até mesmo os
passageiros, Sofia sentia-se corar ainda mais, como se todos fossem capazes
de ler seu pensamento e saber exatamente no que ela estava pensando.
Bobagem sua, sabia, mas isso não a impedia de corar vez após outra.
Henrique tinha um leve e insistente sorriso de lado colado nos lábios
sempre que a olhava e ela desconfiava que ele soubesse o que estava
pensando.
O filme em si, ela não vira, mas a sensação de estar ao lado dele,
juntinhos, de mãos dadas e o mais próximos que podiam naquelas pequenas
cadeiras desconfortáveis, era o suficiente.
Ouvira alguns gritinhos femininos na sala escura e presumiu que se
tratasse de um filme de terror, sem tirar os olhos dele.
Aproveitando aquela chance, pressionou o rosto no pescoço cheiroso
dele, como se estivesse amedrontada, quando na verdade nem sequer olhara
para a grande tela à sua frente.
Ele abraçou seus ombros com um dos braços musculosos e a puxou um
pouco mais para si, descansando a cabeça sobre a dela, cheirando e beijando
seu cabelo.
Sofia acomodou-se melhor nos seus braços e permaneceu assim, apenas
sentindo o cheiro dele e sentindo-se segura ali.
Até que ele começou a acariciar suas costas. Era um toque leve, sem
malícia, mas ela sentia-se tão sensível e ansiosa pelos toques dele em toda e
qualquer parte do seu corpo, que sentiu-se despertar, como sempre acontecia
quando estava com ele.
Acomodou-se melhor na cadeira e aproximou-se mais dele, mantendo o
rosto no seu pescoço e tocando sua pele cheirosa com a língua.
Ele manteve-se imóvel, sem parecer incomodado, mas ela sentira que
as carícias dele nas suas costas tornaram-se mais firmes.
Notou a pele dele arrepiar quando afastou-se brevemente e não resistiu,
mordendo-o rapida e levemente. Daquela vez, ele que estremecera.
Ela o sentiu subir uma das mãos e acariciar seu cabelo, embrenhando os
dedos ali e logo puxando suavemente, afastando seu rosto para observá-la.
Ela fitou seus olhos e mordeu o lábio quando ele apenas a fitou
seriamente, parecendo procurar algo.
Logo sorriu, malicioso, notando suas bochechas coradas e a forma
como se remexia na cadeira, ansiosa e excitada.
Ainda mantendo uma das mãos em um aperto firme no seu cabelo, com
a outra ele tocou uma de suas pernas, acariciando sua pele nua.
Ela não resistiu em separá-las levemente, convidando-o para um toque
mais profundo.
Henrique percebeu e o sorriso rapidamente sumiu de seus lábios, sua
expressão mudando subitamente.
Ela ainda fora capaz de ouvi-lo grunhir, antes que ele abaixasse a
cabeça e tomasse seus lábios em um beijo faminto.
Ela gemeu, fechando os olhos e rendendo-se como sempre acontecia.
Beijaram-se por minutos à fio, tocando-se discretamente e desligando-
se de tudo a sua volta.
Henrique roçou as costas das mãos por seus seios doloridos e ela
estremeceu, agradecendo mentalmente por estarem em uma das últimas
fileiras, no escuro e sem companhia.
Ela ouvia o som das pessoas à sua volta, rindo, conversando baixinho e
alguns gritinhos femininos, e aquilo só aumentava o seu desejo.
Ele pressionou os lábios no seu pescoço, lambendo e mordendo sua
pele, ainda puxando seu cabelo. Ela manteve os olhos fechados, pressionando
os lábios também fechados para não emitir nenhum som que chamasse
atenção para onde estavam.
Desceu as mãos que enlaçavam o pescoço dele e percorreu seu peitoral
forte, deliciando-se quando os músculos retesavam-se sob seu toque e
amando ter o poder de excitá-lo tanto quanto ele fazia com ela.
Sentiu novamente o toque dele em uma de suas pernas, subindo
vagarosamente. Respirou fundo, trêmula e antes que ele a tocasse ali, onde
mais necessitava dele, descansou uma das mãos no colo dele, delineando com
os dedos o membro excitado e impressionante que estufava o tecido do jeans.
Ele respirou fundo e apertou sua perna, afastando-a um pouco mais.
Sofia prosseguiu com seu toque, sem arriscar-se em abrir o zíper e aprofundar
o toque, com medo que alguém ouvisse o som e os notasse.
Ele, pelo contrário, não teria esse problema, pensou, estremecendo.
Não quando estava de pernas levemente abertas e o sexo nu e excitado,
apenas esperando pelo toque dele. O único problema, pensou reprimindo
outro gemido, seria manter-se calada quando ele a tocasse ali.
Ela sentiu mais do que ouviu a surpresa dele quando notou a falta da
sua calcinha. Ouviu o grunhido selvagem dele, após retroceder os dedos
surpreso e sorriu, quando ele a tocou novamente, dessa vez sem hesitar.
Tocou-a com delicadeza a princípio, apenas um roçar dos dedos na sua
carne úmida e sensível e ela pressionou o rosto no pescoço dele, tentando
manter-se em silêncio.
Henrique a abraçou apertado, colando-a ao seu corpo enquanto a
tocava. Ela mantinha-se em suspenso, pressionando os lábios no pescoço dele
e tocando-o com as mãos trêmulas, por cima do jeans.
Ele percorreu sua pele sensível e molhada, grunhindo. A penetrou com
um dedo e Sofia mordeu sua pele, porque embora sempre acontecesse quando
ele a tocava e ela não entendesse absolutamente como aquilo era possível,
estava quase gozando.
Gemeu o nome dele, movendo-se como podia de encontro aos seus
dedos e ele gemeu em resposta, tão excitado quanto ela.
Quando já não conseguia mais reprimir seus sons, ele puxou seu cabelo
novamente e calou-a com a boca, continuando com o que fazia.
Ela rendeu-se aos seus beijos, mordendo, lambendo e chupando seus
lábios, devorando-o como ele fazia com ela.
Ele adicionou um segundo dedo no seu interior e ela estremeceu,
puxando o cabelo dele com as duas mãos e gemendo de encontro aos lábios
dele, caindo naquele delicioso abismo de prazer.
Estremeceu novamente, ainda gemendo e ele continuou tocando-a,
prolongando seu orgasmo.
Permaneceu em silêncio por alguns minutos, tentando voltar do limbo
de prazer em que estivera.
Afastou os lábios minimamente, apenas para recuperar o fôlego, sem
abrir os olhos e pensou que, definitivamente, havia enlouquecido. Ou, no
mínimo, mudara bastante naqueles poucos dias.
Talvez aquela nova Sofia que descobrira recentemente, sempre que
estava com ele, sempre estivesse ali, em seu interior, apenas esperando o
momento para sair.
Ela amava o que sentia quando estava com ele. Amava sentir-se
desejada e desejá-lo na mesma medida, com loucura. Amava sentir-se dele,
mas sobretudo, o amava.
Descobrir-se apaixonada por ele não fora algo que notara só ali,
naquela sala de cinema, enquanto abria os olhos e o observava chupar os
dedos que estiveram dentro dela. Não fora algo repentino, ou talvez, levando
em conta que se conheciam a poucos dias, talvez fosse.
Porém, ela não via daquela forma. Sim, conheceram-se a poucos dias
atrás. Sim, era repentino e, sim, poderiam estar pulando algumas etapas. Mas
o que fazer quando sentia que era certo? O que fazer quando o que sentia por
ele a fazia acordar todos os dias com um sorriso idiota no rosto e sentindo-se
feliz e completa como nunca imaginara?
Sim, apaixonara-se em poucos dias, mas não havia como ser diferente.
Ela soube disso no momento em que ele sentara-se ao seu lado naquela
segunda-feira e apenas a observara.
Ele não a tornara na mulher desinibida que chupara e fora chupada em
uma biblioteca pública. Não a tornara na mulher que gozava tranquilamente
em uma sala de cinema lotada de desconhecidos.
Essa mulher, a Sofia desinibida e corajosa, sempre existira, dentro si,
aguardando silenciosamente o momento de vir a superfície.
Era maravilhoso ser essa mulher.
Desejar e sentir-se correspondida com igual loucura, dar e receber
prazer nas mesmas medidas, entregar-se, doar-se e confiar cegamente em
outro alguém, um novo alguém, como era o caso, era maravilhoso.
E sentia-se correspondia, pensou feliz, relaxando nos braços dele
enquanto ele consertava seu vestido e alisava seus cabelos, fitando-a e
tocando-a com infinito carinho. Era difícil resistir a alguém assim, que a
fitava como se ela fosse seu mundo.
Ela era correspondida, tinha certeza disso. E, embora isso ainda fosse
algo que a surpreendia bastante, não questionava mais suas razões ou motivos
ou se haveria algo por trás de tudo aquilo.
Ela era dele e ele era dela, isso que importava.
Ou melhor, ela seria dele. Naquela noite. Finalmente.
Ele beijou seus lábios suavemente, apenas um roçar de lábios, sem
aprofundar o beijo e, após algum tempo, ela aconchegou-se a ele, querendo
mais.
Todavia, ele se afastara, distribuindo beijos por todo seu rosto.
Fitou-a, observando sua expressão desejosa, implorando por mais e
sorriu, uma mistura de malícia e carinho.
— Você é muito perigosa — sussurrou e ela corou, rindo junto com ele.
Não resistiu e beijou-o uma última vez, adorando ter o poder de fazê-lo
quando desejasse.
Ele rendeu-se ao seu beijo, deixando-se guiar e obedecendo ao
comando sutil dela.
Mas logo afastou-se novamente, quando ambos já gemiam e
recomeçavam com as carícias. Retirou delicadamente a pequena mão que
ainda repousava contra o tecido estufado do seu jeans e beijou sua palma,
mantendo os olhos nos delas.
— Muito, muito perigosa — declarou, sorrindo.
Ela deu de ombros, sorrindo com ele.
Ele selou seus lábios rapidamente, como se quisesse provar o gosto
doce do seu sorriso e suspirou quando se afastou, relanceando-a grande e
escura sala com o olhar.
Sofia fez o mesmo e notou as credenciais do filme surgindo na grande
tela. Algumas pessoas começaram a se levantar e passaram por eles,
conversando e rindo.
Esperaram até a maioria delas saírem e levantaram, ele segurando-a
pela mão e guiando-a cuidadoso pelo caminho escuro, perguntando-se por
que diabos as luzes ainda não haviam sido acesas.
Sofia seguiu seus passos com cuidado, tentando não tropeçar com
aqueles saltos.
Apenas quando chegaram na saída da sala, a luz fora acesa, após
caminharem lentamente até ali. Sofia divertiu-se ouvindo-o xingar e
resmungar irritado por todo caminho até o estacionamento.
Quando pararam ao lado da moto dele, ele ainda parecia irritado e ela
tentava reprimir o riso, sem sucesso.
Henrique fitou seu rosto, franzindo as sobrancelhas e ela riu ainda mais,
sentindo-se alegre.
Ele encostou-se a moto e a puxou para seus braços, abraçando-a
apertado.
Ela ainda sorria, feliz e ele parecia fascinado com seu sorriso, sorrindo
também.
— Então eu divirto você? — perguntou, tentando parecer ofendido.
Ela riu outra vez.
— Muito.
— E além de rir da minha cara, você ainda confessa?
Ela confirmou com a cabeça, ainda rindo e enlaçando seu pescoço.
Ele fingiu-se de magoado por mais algum tempo até render-se e
abandonar o teatro, rindo com ela.
Fitaram-se por algum tempo, ainda rindo ocasionalmente até que os
sorrisos desvanecessem e a áurea de desejo que sempre os rodeava se fizesse
presente mais uma vez.
Ela acariciou seus cabelos cumpridos, maravilhando-se com sua maciez
e aproximou-se um pouco mais, até estar com a boca à centímetros da dele.
Henrique permaneceu parado, deixando que ela tomasse a iniciativa.
Ela estremeceu e, sem demoras, beijou-o, fechando os olhos. Ele a
apertou nos braços e percorreu suas costas nuas, acariciando-a e excitando-a
novamente.
Quando mais uma vez, como sempre acontecia, o beijo evoluiu, as
respirações tornaram-se ruidosas e apenas o contato dos seus lábios já não era
suficiente, ela se afastou, gostando que fosse ela a recuar daquela vez.
Observou o rosto dele e arrepiou-se com a fome crua que encontrou na
sua expressão.
Respirou fundo e tentando não parecer ansiosa, sugeriu baixinho:
— Vamos?
Ele fitava seus lábios, como se pensasse em atacá-la novamente, mas
subiu os olhos e a fitou surpreso.
— Podemos ir, se quiser — ela confirmou com a cabeça rapidamente.
Ele sorriu e acariciou seu rosto. — Tudo bem. Então, onde quer ir agora? —
indagou.
Ela surpreendeu-se. Pensou que estivesse explícito na sua expressão ou
que ele desejasse tanto quanto ela seguir logo para sua casa. Todavia, ele
parecia querer estender aquela noite o máximo possível.
Bom, isso não aconteceria, pensou. Respirando fundo e dotada de uma
coragem que não possuía antes, fitou-o nos olhos.
— Para sua casa — disse com voz firme, embora sentisse o rosto corar.
Ele piscou, parecendo surpreso, mas logo voltou a apertá-la contra si,
respirando fundo.
— Você não quer passear um pouco mais?
Ela adorava estar com ele onde quer que fosse, mas não queria passear
agora. Ela sabia bem o que queria e ele também poderia perceber pela sua
expressão resoluta.
— Não.
Ele mordeu o lábio, finalmente cedendo e parecendo fazer uma força
descomunal para perguntar com a voz ainda mais rouca:
— Tem certeza?
Ela não precisou pensar antes de responder, e o fez, enquanto sentia o
corpo arrepiar e estremecer de expectativa.
— Sim.
Ele buscou a resposta na sua expressão, não satisfeito com a verbal,
mas finalmente cedeu, beijando-a uma última vez e montando na moto em
seguida.
Finalmente, finalmente, finalmente, pensou Sofia.
Naquela noite, ele seria dela.
Mas, mais importante que tudo, ela seria dele.
Inteiramente.
CAPÍTULO 27
— Suba com cuidado.
Ela revirou os olhos quando ele dissera aquilo pela quarta vez, quando
ainda estavam no estacionamento do shopping. Não que fosse incapaz de
compreender ou de fazer o que ele dizia, mas sua preocupação começava a
irritá-la e diverti-la ao mesmo tempo.
Conferira se a jaqueta estava segura na sua cintura e aproximou-se da
moto. Ele fizera questão de amarrá-la, tendo todo cuidado de conferir se a
peça cobrira realmente sua bunda. Ele parecia nervoso desde que descobrira
que ela estava sem calcinha, pensou.
Apoiou uma das mãos nos ombros dele e já levantava um pé quando ele
dissera mais uma vez:
— Com cuidado. Devagar.
Ela o fitou impaciente, franzindo as sobrancelhas.
— Eu entendi da primeira vez.
Ele também franziu o cenho, não gostando do seu tom.
— Eu apenas disse...
— Eu ouvi o que você disse — interrompeu-o.
Ele fez uma careta e tirou o capacete, fitando-a sério.
— Não quero que fique exposta — grunhiu.
Ela sorrira.
— Nem eu.
Ele suspirou, cedendo, mas não deixou de fitar suas pernas com
preocupação.
— Tudo bem — disse. — Vou comprar um carro — resmungou
irritado e ela fingiu não ouvir.
Aproveitou que ele fitava o estacionamento a sua volta, procurando por
qualquer um que passasse por ali que eventualmente pudesse ser agraciado
com a visão da sua calcinha - opa, que calcinha?
Subiu rapidamente e com cuidado, não porque ele pedira, mas sim
porque realmente não gostaria de ficar exposta.
Ele fitou suas pernas, que ficaram ainda mais expostas quando ela
montara e voltou a franzir o cenho, resmungando baixinho.
— Algum problema? — Sofia perguntara inocentemente, adorando ter
o poder de desestabiliza-lo daquela maneira. Um Henrique ciumento era algo
que não esperava, mas que a agradava sobremaneira.
A fitou sério por alguns segundos e resmungou:
— Nenhum.
Em seguida, colocou o capacete rapidamente, aguardou que ela fizesse
o mesmo e o abraçasse com força como ele sempre exigia e ligou a moto,
saindo do estacionamento rapidamente.
Não sabia em que bairro ele morava e evitou pensar no que finalmente
aconteceria quando chegassem lá. Focou-se na vista linda que tinham, as
luzes das avenidas todas iluminadas e os poucos transeuntes que encontravam
no caminho.
Não havia motivos para sentir-se nervosa agora, repreendeu-se. Ela
tinha certeza do que queria e sabia que seria certo. Mas a ansiedade e um
pequeno nervosismo insistiam em deixá-la um pouquinho temerosa.
Chegaram ao seu destino alguns minutos depois e ela notou que
realmente a casa dele ficava próxima da universidade, mas não tanto como a
dela. Gostou de descobrir que moravam próximos um do outro. Poderia até
caminhar tranquilamente da sua casa para a dele, seriam apenas alguns
minutos.
Esperou que ele acionasse o portão da garagem com um pequeno
controle que tirara do bolso e entraram.
Como estavam abrigados e parcialmente no escuro ali, após ele voltar a
apontar o controle para o portão, ela desceu da moto sem preocupações e
Henrique pareceu finalmente aliviado com aquilo.
Se por finalmente chegarem ali ou por ela não correr o risco de ter
terceiros fitando suas intimidades, ela não saberia dizer, mas riu um pouco,
divertida com a expressão dele.
Ele a fitou sério, sem compreender do que - ou de quem - ela ria e tirou
e apoiou o capacete na moto, aguardando que ela fizesse o mesmo.
A garagem estava parcialmente vazia, havia apenas algumas poucas
caixas largadas em um canto. Notou algumas prateleiras na parede contrária a
que estavam e, embora estivesse muito escuro, deduziu que sobre elas havia
toda sorte de produtos para carros e motos, como na garagem da sua casa.
Ela ainda sorria quando ele se aproximou um pouco, ficando à poucos
centímetros do seu corpo, mas sem tocá-la.
Sofia respirou fundo, mantendo o sorriso por mais alguns segundos,
mas logo sentiu-o sumir dos seus lábios aos poucos, enquanto o sentia tão
próximo. Mordeu o lábio, sentindo-se quente com aquele olhar sério sobre si.
Ele fitou sua boca e desceu os olhos por todo seu corpo, observando-a
inteira.
Ela arrepiou-se quando ele se moveu, rodeando-a lentamente e sem
roçar contra seu corpo. Fechou os olhos, perguntando-se como apenas um
olhar poderia deixá-la daquela maneira.
Estremeceu quando ele estacionou nas suas costas, afastando
gentilmente seu cabelo que havia se soltado do penteado, e aproximou-se
finalmente, colando o corpo no seu.
— Você tem ideia das coisas que quero fazer com você? — perguntou
rouco, a boca à centímetros da sua orelha.
Ela negou com a cabeça, mas rapidamente afirmou, lembrando-se das
coisas que ele falara e prometera que faria com ela.
Sentiu o sopro do seu sorriso na pele e arrepiou-se novamente, sem
resistir e apoiando o corpo contra o dele.
Ele tocou a pele nua das suas pernas e subiu as mãos lentamente por
seu corpo, acariciando-a levemente, enquanto pressionava o rosto no seu
pescoço.
Sofia inclinou a cabeça, dando livre acesso para que ele fizesse o que
desejasse com ela. Seu corpo, seus desejos e anseios já não mais a
pertenciam; tudo era dele, para ele e com ele. Ela era, definitivamente, dele.
Precisavam apenas consumar aquilo.
Ele mordeu sua pele e ela gemeu, sentindo-o apertar seus seios por
cima do vestido. Sentindo-se febril, pressionou-se contra a frente do jeans
dele, incapaz de conter-se.
Gemendo contra sua pele, Henrique a pressionou mais contra si,
movendo o quadril levemente.
Sofia mordeu o lábio, não resistindo e movendo-se também, rebolando
contra os movimentos dele.
Arfou quando ele rapidamente a virou para si, pressionando-a contra a
parede, prendendo-a com seu corpo.
Puxou seu cabelo e a fitou, próximo demais, mas não tanto quanto ela
gostaria.
Ela estremeceu com aquele olhar e tudo que ele prometia.
Finalmente, aproximando-se os poucos centímetros que faltavam, a
beijou.
Sofia gemeu contra seus lábios, desejando mais. Após um instante, ele
atendeu seu pedido mudo, beijando-a com força.
Adorou a sensação de estar presa contra ele, de certa forma indefesa
contra seus ataques. Sentia-se molhada e necessitada e tudo que mais
desejava era tê-lo finalmente e inteiramente para si.
Beijou-o da mesma maneira, com fome, devorando seus lábios como
ele fazia com os dela, lambendo, sugando e mordendo de leve.
Ele permaneceu parado, deixando que ela prosseguisse como quisesse,
refém do seu desejo.
Puxou uma das pernas dela para sua cintura, encaixando-se contra ela e
pressionando seu sexo coberto pelo jeans no sexo desnudo e necessitado dela.
Sofia gemeu, jogando a cabeça para trás, sentindo-o alojar-se
deliciosamente onde mais precisava.
Ele voltou a pressionar os lábios no seu pescoço e ela percorreu as
mãos por seus bíceps musculosos, apoiando-se e rebolando de leve.
Ele gemeu e mordeu sua pele, apertando a perna que ainda estava
envolta da sua cintura.
Ela repetiu o movimento, só que dessa vez com mais força, com certeza
molhando-o com o seu desejo.
Ele afastou-se do seu pescoço e a fitou, mordendo o lábio quando ela
rebolou novamente, dessa vez olhando nos seus olhos.
Ela também mordeu o lábio e desceu os olhos por seu corpo, amando o
contrate interessante que faziam. Ele vestira uma camisa social naquela noite
e Sofia nunca, nunca, nunca o vira mais gostoso.
Achara impossível que ele pudesse ficar ainda mais gostoso do que o
normal, até que abrira a porta de casa e o fitara naquela noite.
Não havia nada demais, era apenas uma camisa social e um jeans de
lavagem clara, ligeiramente justa. O que havia naquela roupa que o deixava
ainda mais gostoso que nos outros dias?, perguntou-se.
Ela pensara ser a cor. Ou talvez fossem apenas seus olhos, enevoados
com seus sentimentos recém-descobertos.
O tecido era branco e parecia delinear todos os seus músculos,
chamando atenção para sua pele bronzeada e rabiscada, já que as mangas
estavam dobradas até os cotovelos.
Ela mordeu o lábio, observando-o inteiro, deliciando-se com o que via
e sendo devorada por ele. Quando ele a cumprimentara com um beijo casto,
sem que ambos sequer notassem, o que antes começara como um simples
roçar de lábios, transformara-se em um devorar afoito de lábios e língua.
Bom, certamente não tinha culpa por ser incapaz de controlar-se perto
daquele homem, pensou mordendo o lábio, observando-o se afastar um
pouco, ainda mantendo sua perna na sua cintura, e desabotoando a camisa.
O fez lentamente, sem pressa, sem desviar o olhar do rosto dela,
enquanto ela apenas mordia o lábio e fitava o que ele fazia.
Deus, aquilo não era justo, pensou, observando-o finalmente retirar a
peça e jogá-la no chão ao seu lado. A visão que era aquele homem, seus
músculos e tatuagens expostos, o cabelo revolto sobre os ombros...
Ela o puxou de volta para si, atacando seus lábios com desespero e
sendo recompensada com igual loucura.
Percorreu seus músculos, afoita, tocando sua pele quente. Ele tomou
sua nuca nas mãos, inclinando sua cabeça e beijando-a ainda mais fundo.
Desceu as mãos por seu peitoral forte, sentindo os músculos saltarem
sob seus dedos e os desceu, tocando seu abdômen e deliciando-se com seus
gominhos, delineando-os.
Ele desceu as mãos por suas costas, estacionando-as na sua bunda e
apertando, ao mesmo tempo em que ela firmava a perna entorno dele e
rebolava mais uma vez.
Henrique grunhiu, infiltrando as mãos rapidamente sob o tecido e
apertou sua bunda novamente, dessa vez sentindo sua pele.
Ela gemeu, envolvendo os braços no pescoço dele e acariando seu
cabelo macio, puxando-o sem se conter.
Ele gemeu uma vez mais e bateu na sua bunda, acariciando a pele
quente com a mão. Ela gemeu alto nos seus lábios, pressionando-se mais
contra ele, rebolando sem se conter.
Ele sorriu contra sua boca, um sorriso quente, malicioso e ela o fitou
entre os olhos cerrados de desejo.
— Gostosa — grunhiu baixinho e ela apenas o fitou em suspenso.
— Por favor — pediu em um sussurro.
Ele sorriu mais uma vez, subindo as mãos pelas laterais do seu corpo e
estacionando-as nos seus seios, acariciando-os por cima do tecido enquanto
perguntava com a voz rouca e profunda:
— O que você quer, amor?
Ela sabia que era óbvio o que queria, o que queriam, aliás. Mas
resolveu entrar na sua brincadeira.
Aproximou os lábios dos dele mais um vez, sussurrando:
— Você.
Observou quando ele fechou os olhos apertados, mordendo o lábio e
retesando o maxilar. Resolveu provocá-lo um pouquinho mais, verbalizando
todos o que realmente queria.
— Eu quero você inteiro. Para mim e em mim — continuou
sussurrando observando sua reação.
Ele abriu os olhos e a fitou, necessitado e ela percebeu que faltava
pouco para perder o controle. Poderia fazer algo sobre isso, pensou.
— Quero você dentro de mim, me preenchendo, me fazendo mulher. —
fez uma pausa, fitando-o nos olhos ao dizer: — Sua mulher.
Ele agarrou seu cabelo com as duas mãos, mantendo-a parada onde
estava. Os olhos pareciam ainda mais escuros, o desejo e, finalmente, o
descontrole assumindo sua expressão.
— Minha — rosnou contra seus lábios. — Só minha.
Ela arrepiou-se e estremeceu, entregue em seus braços.
— Sua — sussurrou. — Só sua.
Ele a atacou. Beijou seus lábios com força, apertou seu corpo, puxou
seu cabelo, rebolou contra seu sexo e a enlouqueceu, sem dar brechas para
que ela respirasse.
Soltou-a alguns segundos, minutos ou horas depois, Sofia não saberia
dizer, tonta. Ela tentou respirar, zonza e notou que ele a movia, forçando-a a
caminhar com ele, mesmo que seus pés bambeassem nos saltos.
Ele segurou e apoiou suas mãos trêmulas contra o banco da moto e ela
seguiu seu comando, sem perguntar-se o que ele fazia, ainda focada em
encher os pulmões, fechando os olhos, ainda tonta.
Só quando o sentiu levantar seu vestido, expondo sua bunda, foi que
abriu os olhos, perguntando-se o que ele estava fazendo, mas sem incomodar-
se de fato.
Separou as pernas, fazendo um grande esforço, quando ele tocou seu
tornozelo com um pé.
Baixou a cabeça e quando já se sentia mais como ela mesma, sentindo
os sentidos voltarem, sentiu-o agachar atrás de si.
Arregalou os olhos quando percebeu, tardiamente, o que ele faria.
— H-henrique! — engasgou.
— Shhh — ele murmurou de onde estava.
— O que voc... — interrompeu-se quando sentiu o sopro da respiração
dele contra sua bunda, estremecendo. — Não p-pode... — tentou novamente,
mas ele a interrompeu.
— Ah, amor — sussurrou, afastando suas pernas mais um pouco e
moldando-a como queria, inclinando seu corpo sobre a moto. — Claro que
posso.
— Mas... Mas...
— Shhh — murmurou, subindo as mãos por suas pernas e
estacionando-as na sua bunda, soando ainda mais rouco ao continuar: —
Você não tem ideia do quanto é gostosa.
Ela arrepiou-se, rendendo-se, mas sem conseguir impedir o rubor que
cobriu sua pele, imaginando a provável visão que ele tinha do seu corpo
naquela posição.
— Henrique — sussurrou seu nome, sem saber ao certo se queria que
ele parasse ou fosse em frente com aquilo.
— Hum — murmurou, ainda envolvendo sua bunda com as mãos,
acariciando-a e separando-a, deixando-a ainda mais exposta. — Molhada pra
caralho — o ouviu rosnar, perdendo qualquer sombra de diversão da voz. —
Apoie-se na moto.
— Mas...
Ele a interrompeu, mordendo sua bunda com certa força e, em seguida,
lambendo seu sexo.
Ela gemeu alto, fechando os olhos e jogando a cabeça para trás.
Aquele homem, definitivamente, a mataria.
CAPÍTULO 28
Os saltos, a moto, a posição em que estava, nada ajudava na sua árdua
tarefa de manter-se de pé, inclinada. O único apoio que tinha eram as mãos
dele na sua bunda, mantendo-a aberta para o ataque da sua língua e
mantendo-a onde estava.
Gemeu ainda mais alto quando ele a sugou com força, lambendo e
pressionando com os lábios.
Ele grunhia e gemia contra sua carne sensível e aquilo só a deixava
ainda mais descontrolada - saber que todo o prazer que ele a proporcionava
também sentia, como se tê-la daquela maneira, aberta para si, suscetível aos
seus ataques e gemendo abertamente fosse também o seu prazer.
Todas as suas poucas inseguranças - na verdade, não eram
inseguranças, estava certa do que queria, só sentia-se extremamente nervosa
com o que aconteceria - sumiram da sua mente em um piscar de olhos.
Também não teria como ser diferente, não quando ele a desestabilizava
daquela maneira.
Rebolou de leve, incapaz de se conter e ele gemeu abafado contra sua
pele, grunhiu e bateu na sua bunda.
Ela gemeu mais alto, estremecendo e jogando a cabeça para trás, por
pouco não desabando no chão.
Sentia as pernas bambas, trêmulas como todo seu corpo e sabia que não
seria capaz de aguentar muito mais.
Ele afastou a boca da sua boceta por alguns segundos e ela pode
respirar um pouco, firmando as mãos contra o banco da moto, ofegante.
Repentinamente, sentiu dois dedos grossos a invadindo e fechou os
olhos, arfando alto. Ele os movimentou, retrocedendo e voltando a invadi-la
repetidamente.
Ela suava, gemia e sentia-se cada vez mais próxima de explodir na boca
dele. Não demoraria muito mais; não quando ele juntou os movimentos dos
dedos, as carícias enlouquecedoras da sua língua e os grunhidos contra sua
carne sensível e molhada.
Inclinou-se mais, sem importar-se que daquela maneira estava quase ou
inteiramente de quatro para ele. Sentiu as mãos escorregarem levemente
sobre o banco da moto, úmidas e firmou-as rapidamente, inclinando-se um
pouco mais.
Henrique aprovou o que fazia, gemendo e atacando sua boceta com
ânsia.
Sentiu um pequeno tremor perpassar o seu corpo e gemeu mais alto,
cravando as unhas no banco da moto.
Ele retirou os dedos e ela gemeu manhosa, sentindo o quanto estava
próxima e sabendo que gozaria ainda mais rápido com eles a preenchendo.
Porém, antes que tivesse tempo de protestar, sentiu-o penetrando sua
abertura com a língua, enfiando o máximo que conseguia em seu interior
úmido, ao mesmo tempo que beliscava seu clitóris com dois dedos. Ela ruiu.
Não saberia dizer se os sons que saíram por sua boca foram gemidos ou
gritos, não saberia dizer se os pequenos sons que ouvira parcialmente eram
gemidos dele, enquanto a lambia afoito, faminto por provar seu desejo.
Ele ainda a lambeu por algum tempo, intensificando seu prazer,
tornando-o quase dolorosamente intenso. Afastou os lábios e as mãos e ela
sentiu as pernas cedendo, fracas.
Henrique a segurou rapidamente, tendo se levantado em algum
momento que ela não notara.
A envolveu com seu grande corpo e a virou de frente para si, firmando-
a até que ela recobrasse o controle sobre seu próprio corpo.
Ela, de olhos fechados, tentou normalizar a respiração, sentindo a
satisfação percorrê-la inteira. Envolveu os braços no pescoço forte dele
quando sentiu-se capaz de mover-se novamente.
Abriu os olhos lentamente, esperando até conseguir focalizar o rosto
dele.
Ele a observava faminto, os olhos febris e repletos de desejo, mas ela
detectou algo como satisfação na sua expressão. Notou que ele apreciava tê-la
daquela maneira contra si; zonza e fraca, após fazê-la desmanchar-se de
prazer.
Ela não sorriu. Ela tampouco o fez.
Não era momento para isso, ambos sabiam e desejavam por algo. Algo
que os uniria, que os ligaria de uma maneira única.
Ele a fitou sério, buscando algo na sua expressão em uma pergunta
silenciosa. Porém, não seria preciso verbaliza-la; Sofia sabia.
Fitou-o com igual seriedade, mantendo os olhos nos dele todo o tempo
e respirou fundo, afirmando com a cabeça.
Sim, estava pronta.
Sim, tinha certeza, não restavam dúvidas ou inseguranças. O queria e,
sobretudo, queria ser dele, inteiramente.
Ela compreendia tudo que ele dizia com aquele olhar.
Uma vez que prosseguissem, não poderiam voltar atrás. Quando se
entregassem um para o outro, quando ambos se conectassem de maneira
carnal, além de sentimental, não haveria volta.
Sofia não voltaria atrás na sua decisão.
Não voltaria atrás quando confiava nele, quando seria capaz de tudo
para e por ele. Quando sentia-se dele, irrefutavelmente e sentia-se inteira,
como jamais sentira-se, embora uma grande parte sua agora pertencesse a ele.
Tentou transmitir tudo aquilo - sua segurança, suas certezas e,
sobretudo, seu amor - com o olhar, fitando-o nos olhos sem jamais desviar-se.
Viu quando ele respirou fundo uma última vez e confirmou com a
cabeça. Beijou-a delicadamente, apenas um roçar de lábios.
A conduziu pela casa vagarosamente, atravessando inúmeros cômodos,
mas sem nunca demorar-se neles.
A contrário de como se sentira no início daquela noite, quando se
conduziam para alí, Sofia não estava nervosa. Caminhou ao lado dele, de
mãos dadas, lentamente, observando tudo e cada vez mais próxima do quarto
dele, poderia sentir.
Ele não soltou sua mão nem quando subiram as escadas para o primeiro
andar, mantendo-a sempre ao seu lado e caminhando devagar.
Entraram em um longo corredor e ela percebeu vagamente que a casa
possuía mais quartos que moradores, se estivesse certa e apenas ele e os
outros dois amigos morassem ali.
Percorreram algumas portas, todas fechadas, até uma das últimas.
Henrique parou a frente desta e virou-se para ela.
Sofia imaginou que ele a indagaria mais uma vez se ela tinha certeza ou
não, mas, após respirar fundo uma segunda vez, notou que ele estava
nervoso. Inseguro de repente.
Franziu o cenho ligeiramente confusa, perguntando-se mentalmente o
por quê.
Antes que pudesse indagar se havia algum problema, ele respirou fundo
uma terceira vez e tocou a maçaneta, parando por um segundo para sussurrar
um "espero que goste".
Ela, que não estava entendo nada, confusa com seu nervosismo e
insegurança repentinos e ainda mais com aquele pedido, franziu o cenho e
ouviu quando ele abriu finalmente a porta.
Afastou-se um pouco, já que estavam muito próximos dela, e não tirou
os olhos dele.
Ainda sem compreender, virou-se para frente, desistindo de tentar
entendê-lo e arfou quando observou seu quarto.
A primeira coisa que notou foram as velas.
O quarto todo era iluminado apenas por elas e haviam várias espalhadas
por todo rodapé, demarcando e criando sombras nas paredes.
Estava paralisada, observando tudo aquilo, notando como o brilho
trêmulo das velas deixavam tudo ainda mais especial, como uma cena de
filme.
Deu um pequeno passo para frente, como que hipnotizada e adentrou o
cômodo, fitando-o com os olhos deslumbrados.
Haviam rosas também, notou quando se aproximou com cuidado.
A grande cama no centro do quarto possuía grandes colunas e grades de
ferro, de um tom de cobre. Ela sempre quisera uma cama como aquela,
sempre as achara lindas e muito femininas. Porém, aquela, naquele quarto e
em meio a paredes de tons escuros, masculinos, não era em nada feminina.
Sobre a cama haviam centenas de pétalas de rosas azuis e Sofia, que
nunca vira rosas daquela cor, deslumbrou-se ainda mais.
As rosas também decoravam o piso, em vasos nos criados mudos e
pequenas prateleiras.
Ela nunca vira nada tão lindo como tudo aquilo. Imaginou que por isso
ele adiara o que fariam por mais 24 horas.
Para fazer aquilo tudo para ela. Para eles.
Ela pegou um pequeno botão de rosa na cama como as mãos trêmulas e
a cheirou, fechando os olhos. Precisou controlar-se para não chorar,
mantendo os olhos úmidos fechados por mais alguns segundos, tentando
manter o controle sobre suas emoções.
Voltou-se para ele, abrindo os olhos e ainda absorvendo o suave cheiro
da rosa.
Ele fitou o que ela segurava e ao ver a forma que ela o fitava,
deslumbrada, relaxou aos poucos.
— Você gostou? — perguntou baixinho, aproximando-se um pouco.
O fez vagarosamente, até parar a poucos centímetros de distância dela.
Ela afirmou com a cabeça precisando fazer um esforço descomunal
para não dar vazão às lágrimas.
Ele pareceu respirar aliviado e aproximou-se um pouco mais,
envolvendo seu rosto com uma das mãos. Ela descansou a face contra seu
toque e o fitou com todo o amor e felicidade que sentia dentro de si.
Ele acariciou seu rosto e dedilhou suavemente a pétala que ela ainda
segurava com a outra.
— Não sabia qual era a sua flor favorita — confessou baixinho. — Mas
quando vi essa soube que seria perfeita. E descobri que é a minha favorita.
— Por que? — ela perguntou com a voz embargada, mantendo o tom
baixo, deslumbrada com a emoção que via na expressão dele.
Ele finalmente parou de fitar a rosa e concentrou-se em seus olhos,
fitando-a admirado e apaixonado, ela pensou, sentindo os olhos prestes a
transbordar.
— Porque elas me lembram você — respondeu, tomando o pequeno
rosto feminino com as duas mãos, sem nunca desviar o olhar do dela. —
Porque elas me lembram a cor dos seus olhos. A doçura que vejo neles, a
inocência que transmitem e tudo sobre você que me faz querê-la tanto.
Ela sentiu as lágrimas descendo por seu rosto e permitiu que elas
fluíssem livremente.
Não havia formas de descrever o quanto amava aquele homem. Deixara
de perguntar-se como poderia amar alguém daquela maneira, com tudo de si,
tendo o conhecido em tão pouco tempo.
Fato é que o amava. Tudo em si afirmava aquilo, seus olhos, suas
lágrimas, seu corpo.
E o melhor de tudo, sentia-se correspondida.
Ele secou suas lágrimas com os polegares, acariciando-a com infinito
carinho, amando-a com os dedos.
Ela tinha certeza de que havia reciprocidade entre eles, mas decidiu-se
por esperar por ele. Sabia que homens demoravam um pouco até aceitar ou
confessar seus sentimentos. Não queria assustá-lo com sua confissão, por isso
decidira-se por aguardar um pouco.
Por mais que fosse difícil refrear sua boca, pensou, abrindo os olhos e
fitando-o nos olhos, notando como os próprios olhos dele brilhavam. Não
com lágrimas, mas sim com sentimentos, com carinho, amor.
— Não chore, amor — pediu baixinho, percorrendo o caminho que as
lágrimas fizeram no seu rosto com os lábios. — Não suporto vê-la chorar —
sussurrou contra sua pele.
— São lágrimas de felicidade — ela confessou em um sussurro. — Está
tudo tão lindo... As velas, as rosas... — continuou encantada.
— Para você — disse olhando-a nos olhos. — É tudo para você, para
nós. Sei que talvez pulamos algumas etapas no nosso relacionamento, mas
preciso que saiba...
— Não pulamos etapas — interrompeu rapidamente. — Nos gostamos,
nos desejamos e acho que essas coisas não precisam ser adiadas.
Ele riu.
— Eu sei, amor. E eu, definitivamente, não conseguiria resistir por
muito mais tempo aos seus encantos — confessou e sorriu com falsa
inocência. — Você me seduziu.
Ela bufou, rindo sem se conter.
— Claro, porque o meu charme e sedução são irresistíveis — revirou os
olhos, divertida.
— São mesmo — sorriu malicioso, apertando-a contra si, moldando-a
ao seu corpo. — E eu, mesmo tentando arduamente, não resisti — confessou
baixinho, perto dos seus lábios. — Nunca desejei tanto alguém como desejo
você.
Ela respirou fundo, fechando os olhos.
— Eu também nunca desejei outra pessoa como desejo você.
Ele a abraçou mais apertado, deliciado com sua confissão.
Beijou-a uma vez mais, embrenhando uma mão nos seus fios
acobreados e descendo lentamente o zíper do seu vestido com a outra.
Ela o beijou mais forte, arrepiando-se ao sentir sua pele ser descoberta
aos poucos e sentindo o vestido despencar por seu corpo, até estacionar aos
seus pés.
Afastou-se, chutando a peça e o fitou nos olhos, inteiramente nua, a
pele ligeiramente rubra e ainda sobre os saltos altos.
Ele a fitou inteira, acariciando seu corpo com os olhos e deixando-a
ainda mais excitada com seu olhar quente e desejoso.
Ele se despiu lentamente, sem desviar o olhar do seu corpo nem por um
segundo, até também estar nu, excitado e pronto para amá-la.
Ela mordeu os lábios, fitando-o inteiro da mesma forma que ele fizera e
estremeceu enquanto repetia mentalmente "finalmente".
Finalmente, seria dele.
Finalmente, ele seria seu. Como jamais fora de outro alguém.
CAPÍTULO 29
Mais uma vez, como de costume, foi incapaz de não surpreender-se
com a beleza daquele homem.
Sua altura, músculos e tatuagens eram impressionantes. Inteiramente
perfeito. O homem mais lindo que já vira.
Sobretudo, nu.
Sua excitação era visível e saltava aos seus olhos inexperientes e
desejosos.
Sua própria excitação só era visível nos seus seios, pensou. Mais
precisamente, nos mamilos rígidos.
Mordeu o lábio quando ele se aproximou aos poucos, passo por passo,
fitando seus olhos.
Estremeceu quando ele a envolveu nos braços, colando seus corpos e
descansando a testa contra a dela.
Fechou os olhos, absorvendo a beleza do momento e desejando
eternizá-lo.
Ele alisou seu cabelo, percorrendo seus fios com as duas mãos até
estacioná-las nas laterais do seu rosto, levantando-o ligeiramente.
Ela continuou com os olhos fechados, apenas sentindo-o e arrepiando-
se com seu toque.
Sentiu o suave roçar da boca macia dele na sua e suspirou, abrindo os
lábios e deixando-o moldá-la, sugando seus lábios delicadamente,
mordiscando-os e percorrendo-os com a língua.
Aproximou-se ainda mais, pressionando os seios no peitoral forte,
sentindo o pulsar do sexo dele contra seu ventre.
Envolveu-o com os braços, acariciando suas costas, percorrendo sua
pele rabiscada com as unhas. Ele estremeceu e a apertou mais, inflando o
peito e percorrendo suas costas também.
O beijo, que começara delicado, aos poucos foi evoluindo, até
transformar-se em um faminto devorar de lábios e línguas.
Henrique grunhiu contra seus lábios quando ela moveu o quadril,
pressionando-se contra sua ereção.
Forçou-a a caminhar de costas, ainda abraçada ao seu corpo e seguiram
assim, beijando-se e caminhando às cegas, até chegarem a grande cama no
centro do quarto.
Henrique não descolou seus lábios, apenas inclinou-se levemente, o
bastante para tomá-la nos braços e a depositou no centro da cama, sobre as
rosas, deitando-se sobre o pequeno corpo feminino em seguida.
Sofia apenas estremecia, fitando-o nos olhos e sentindo-o sobre si,
pressionando-a contra o colchão macio, cobrindo-a com o seu calor.
Ele a beijou novamente, mordendo e grunhindo contra seus lábios. Ela
agarrou seus ombros fortes, envolvendo-o e circulando-o também com as
pernas, abrindo-se para ele.
Ele gemeu e pressionou o rosto contra o seu pescoço, movendo-se até
alojar sua excitação contra a dela.
Sofia também gemeu, sentindo-o pulsar contra seu sexo úmido. Ele
repetiu os movimentos do outro dia, movendo o quadril, percorrendo-a
inteira.
Ele desceu os lábios pela sua clavícula, deixando um rastro úmido por
seu corpo até estacionar os lábios sobre um dos seus seios.
Abriu os olhos que não lembrava de ter fechado e o fitou. Ele devolveu
seu olhar, riscando círculos com a língua pela sua pele, mas sem nunca
estender a carícia ao seu mamilo.
Resistiu ao impulso de implorar por um toque mais forte, estremecendo
calada e permitindo que ele prosseguisse como desejasse.
Ele sorriu com os lábios na sua pele e, sem desviar os olhos, tocou o
pico rígido com a ponta da língua rapidamente.
Ela gemeu baixinho, desejando mais, e ele logo atendeu ao seu pedido,
riscando um círculo perfeito no seu mamilo rosado e tomando na boca,
massageando-o com a língua e sugando-o de leve.
Ela arfou, cerrando os olhos e puxando o cabelo dele, trazendo-o mais
para si.
Ele repetiu a mesma tortura no outro seio, até tomá-lo inteiro na boca,
sugando forte, fazendo-a gemer alto ao sentir-se ficar ainda mais molhada.
Ele brincou com os seus seios, apertando-os, juntando-os e grunhindo
selvagem enquanto os sugava com força, parecendo deliciar-se.
— Tão macia... — sussurrou rouco, descendo os lábios pela sua barriga
plana. Ela se arrepiou, movendo o corpo sob os lábios dele. — Tão cheirosa...
— continuou, chegando ao centro das suas pernas, onde seu sexo úmido
pulsava necessitado. Lambeu-a levemente, apenas com a ponta da língua,
provando seu desejo e grunhiu rouco. — Tão gostosa — rosnou, separando
suas pernas rapidamente e descansando-as sobre seus ombros largos,
deixando-a aberta para si. — Tão minha.
Ela gemeu alto, jogando a cabeça para trás, entregue, de olhos
fechados.
Ele a percorreu com a língua, recolhendo seu mel, deliciando-se e
deixando-a louca. Enfiou as mãos entre o colchão macio e sua bunda,
puxando-a, atacando seu sexo com fome.
— Henrique — gemeu em súplica, a cabeça ainda jogada para trás. —
Eu preciso... — interrompeu-se, arfando quando ele a mordiscou levemente.
— Preciso... — ele a sugou com força e ela enfiou uma das mãos no cabelo
dele, puxando-o, incentivando. — Por favor.
Ela o olhou nos olhos, incapaz de fazer sentido e verbalizar o que
queria.
Queria que ele a devorasse, com força, com ânsia, ao mesmo tempo que
desejava que ele fosse mais delicado, sugando-a lentamente. Não sabia ao
certo o que desejava, tinha apenas uma certeza: queria gozar.
Não importava se lento, forte, rápido ou suavemente; tudo o que queria
era desmanchar-se logo nos lábios dele. Não aguentava mais esperar, seu
corpo todo tremia, suava e implorava por liberação.
Ele sugou seu clitóris suavemente, mantendo-a aberta com uma das
mãos e fitando-a nos olhos. Ela ergueu uma das pernas, descendo-a pelas
costas suadas dele.
— O que você quer, amor? — perguntou em um sussurro grave, sem
deixar de atormentá-la, agora com os dedos.
Ela gemeu baixinho, movendo-se, pressionando seu sexo contra a mão
dele.
— Eu quero... — um gemido a interrompeu quando ele a penetrou com
dois dedos. Mordeu o lábio, fechando os olhos e sentindo-se tão perto, mas
sem conseguir gozar. Faltava alguma coisa, algo que não sabia, tudo o que
sabia era que queria logo atingir o ápice, derreter sob ele.
— Hum? — indagou, sorrindo malicioso, acariciando-a internamente
com os dedos, molhando-os com o líquido que escorria dela, mas sem dar o
que ela precisava.
Ele a tocava devagar, bem lentamente, sem permitir que ela gozasse.
Ela gemeu, frustrada, percebendo seu joguinho. Sentia-se quente
demais, não suportaria mais nenhum minuto de todo aquele prazer.
Fitou-o nos olhos e deixou transpassar na sua expressão todo o desejo
que sentia.
Ergueu as mãos, soltou o cabelo dele e percorreu o seu, deslizando os
dedos pelos fios avermelhados, que brilhavam sob a luz das velas.
Ele não parou os movimentos dos dedos, mas dedicou toda sua atenção
para o que ela fazia.
Sofia prosseguiu, descendo as mãos, acariciando sua clavícula até
chegar aos seios. Percorreu-os suavemente, massageando-os e dedilhando os
mamilos inchados e avermelhados, olhando-o nos olhos.
Viu quando toda diversão e a intenção de fazê-la implorar por mais
desapareceram da expressão dele e foi a sua vez de sorrir suavemente,
deliciada e excitada ao extremo.
Se ele não daria o que precisava, ótimo; ela mesma poderia fazê-lo.
Tremeu, pressionando seus mamilos e puxando-os levemente. Cobriu
seus montes com as palmas, pressionando-os juntos, observando os olhos
dele não perderem nem um segundo, nem um movimento seu.
Desceu as mãos lentamente pela barriga, acariciando-se, movendo-se
levemente. Ele seguiu o movimento das suas mãos com os olhos, mordendo o
lábio e começou a mover os dedos novamente, provavelmente adivinhando o
que ela faria a seguir.
Ela mordeu o lábio para não gemer, chegando finalmente onde queria.
Com uma das mãos, envolveu a dele, ajudando nos movimentos que ele fazia
com os dedos. Com a outra, tocou seu clitóris, massageando-o.
Henrique gemeu, fitando sua pequena mão tocando o clitóris inchado,
percorrendo os lábios inchados e úmidos.
Ela gemeu alto, prosseguindo o que fazia, repetindo o que fizera
milhares de vezes, sobretudo com maior frequência nos últimos dias. Mas
nunca fora assim, com os olhos dele acompanhando seus movimentos,
devorando seu corpo, penetrando-a cada vez mais rápido e mais forte.
Sabia que não duraria muito, já podia sentir-se pulsando, sugando os
dedos dele.
Henrique gemeu quando a sentiu ficando ainda mais molhada e
estremeceu, como se o prazer dela fosse o seu próprio.
Sofia gemeu alto, movendo o quadril sentindo-se explodir, gemendo e
arfando. Jogou a cabeça para trás, tremendo e ouviu-o grunhir.
Ele afastou suas mãos rapidamente, voltando a enfiar as dele sob sua
bunda, puxando-a e pressionou os lábios na sua carne sensível sugando-a
com força, fazendo-a gritar quando sentiu-se gozando uma segunda vez,
estremecendo e gemendo alto.
Sofia envolveu a cabeça dele com as mãos, puxando-o, sentindo os
grunhidos famintos dele contra sua pele.
Ele a lambeu, gemendo, grunhindo. Penetrou-a com a língua, bebendo
seu prazer, fazendo-a estremecer e apertá-lo com as pernas.
— Henrique — sussurrou, sem suportar mais, sentindo-se muito
sensível e ainda mais molhada.
Ele sugou seu clitóris uma última vez e o soltou com um estalo,
fazendo-a gemer manhosa.
Arrastou-se sobre o pequeno corpo saciado e trêmulo abaixo do seu.
Ela respirou fundo, sentindo-se saciada, mas querendo mais. Muito
mais.
Ele deitou sobre seu corpo, moldando-a como queria, afastando suas
pernas e pressionando-se no centro delas.
Sofia fitou seu rosto e notou o quanto ele estava tenso.
— Não posso esperar mais — grunhiu. Ela observou sua expressão
sombria, repleta de desejo, ânsia por ela. Arrepiou-se, sentindo-se mais que
pronta e ansiosa por senti-lo.
Ergueu as pernas e as envolveu na cintura dele, puxando-o, sentindo-o
se acomodar contra seu sexo úmido.
Ele gemeu e ela tomou seu rosto nas mãos, acariciando-o.
— Não precisamos esperar mais — sussurrou tão próxima que
movimentou os lábios dele junto com os seus.
Ele a fitou ainda por alguns segundos, provavelmente lutando com o
desejo de possuí-la logo e a necessidade de ir com calma em um primeiro
momento, concluiu.
— Não posso — grunhiu, erguendo o quadril, afastando-se dela.
Ela franziu o cenho, pensando que ele ia sair da cama, desistindo
daquilo. Porém, não foi o que ele fez.
Arregalou os olhos, surpresa, quando sentiu-o fazendo pressão contra a
sua entrada, começando a penetrá-la lentamente.
Gemeu, mas logo rendeu-se, abraçando-o apertado com braços e
pernas.
— Não posso me conter — grunhiu rouco, a expressão congestionada.
Penetrou-a mais um pouco até sentir sua barreira. Respirou fundo, baixando a
cabeça e beijando-a rapidamente. — Não quero causá-la dor — sussurrou
contra seus lábios, retrocedendo levemente. — Mas não consigo me conter
mais.
— Não se contenha — ela sussurrou, trêmula, desejando que ele a
penetrasse logo. — Eu quero você — acariciou seu rosto com as mãos,
gemendo contra seus lábios ao continuar: — Inteiro.
Ele gemeu atormentado e retrocedeu mais um pouco, apenas para voltar
em seguida, rompendo seu hímen com uma estocada forte, penetrando-a
lentamente, até descansar o quadril contra o dela.
Sofia gemeu alto, sentindo-o rasgá-la, pressionado contra seu interior,
entrando mais e mais até tocar seu útero.
Ele se manteve parado e ela agradeceu por isso, sentindo seu sexo
arder. Não era uma dor insuportável, era apenas desconfortável, estranho
acomodar algo da espessura do pau dele em um espaço que a tão pouco
tempo não abrigava nem dois dedos.
Jogou a cabeça para trás, sentindo o corpo tremer, de olhos fechados,
gemendo baixinho conforme a dor ia diminuindo aos poucos, até só restar um
leve, mínimo e quase imperceptível incômodo.
Relaxou nos braços dele e notou, tardiamente, que não era o seu corpo
que tremia. Era o dele.
Abriu os olhos, fitando-o com atenção e notou o quanto estava tenso, a
expressão fechada, repleta de desejo, mas, sobretudo, preocupação. Ele
tremia com o esforço de manter-se imóvel dentro dela e sobre seu corpo.
Henrique fitou seu rosto com atenção, procurando por lágrimas, ou
arrependimentos ou qualquer coisa do tipo.
— Machuquei você? — indagou baixo, a voz grave, rouca, preocupada.
Ela moveu o quadril em resposta e gemeu alto quando descobriu que
havia mais dele fora dela. Gemeu uma segunda vez, sentindo-o penetrá-la
mais um pouco, mais um pouco, até estar todo dentro de si.
Ele gemeu, estremecendo e envolveu seu quadril rapidamente com as
mãos, mantendo-a parada enquanto descia mais sobre seu corpo,
pressionando-se contra sua pele de cima abaixo.
Ela tentou mover-se e sorriu quando não conseguiu, gostando da
sensação de estar presa.
Ele fitou seu sorriso, franzindo o cenho, mas logo sorriu também,
encarando-a fascinado e com desejo.
— Não machuquei você? — indagou novamente. Ela negou com a
cabeça rapidamente, querendo mais que tudo que ele se move-se. Ele pareceu
aliviado, respirando fundo e relaxando os ombros. — Não dói?
— Só um pouco — murmurou em resposta. — Mas é muito gostoso.
Ele mordeu o lábio com sua resposta, descansando os braços ao lado da
cabeça dela, deixando-a entre eles.
— Muito gostoso? — perguntou rouco contra seus lábios.
Ela afirmou com a cabeça, trêmula.
— E isso? — indagou, retirando-se lentamente do seu interior apertado.
Ela arfou, ficando as unhas nos seus ombros. — Também é gostoso?
Ela gemeu em resposta, afirmando com a cabeça, querendo mais
daquilo.
— Hum — ele murmurou, afastando um pouco mais as pernas dela
com as suas próprias, deixando-a completamente aberta e ainda mais
suscetível para o que faria a seguir. — E isso?
E estocou, com força, dentro dela.
Sofia gemeu alto, sentindo o prazer irradiar por todo seu corpo,
começando do ponto em que estavam unidos, percorrendo suas veias,
nublando sua visão e deixando-a trêmula, ansiosa por mais.
— Mais — pediu, gemendo, sem se reconhecer.
Viu os olhos dele ficarem ainda mais escuros.
— Mais? — grunhiu e em seguida, sem esperar por resposta, entrou e
saiu, estocando forte. Ela gemeu alto, quase um grito e sentiu o sexo ficando
mais úmido.
Ele também sentiu e, grunhindo, beijou-a começando a comê-la, como
prometera, com força, com fome, ânsia.
Ela gemia cada vez mais alto, sentindo-o pulsar, quente, dentro de si,
penetrando-a com força. Moveu o quadril contra os movimentos dele e ele
gemeu, batendo na lateral da sua bunda com força com uma das mãos. Ela
gemeu e ele apertou sua pele avermelhada, mantendo-a parada enquanto
desenhava círculos com o quadril, profundamente enterrado dentro dela.

Ela tentou afastar-se, sentindo que o prazer era demais para suportar,
mas ele não permitiu.
— Não posso aguentar mais — ele gemeu contra seus lábios, fitando-a
nos olhos enquanto rebolava com mais intensidade contra ela, estocando com
força.
Ela gemeu alto, quase um grito, e enfiou as unhas nas costas dele,
fazendo-o gemer e ordenar contra seus lábios:
— Goze, amor — rosnou baixo, estocando a cada vez com mais força.
— Goze gostoso no meu pau, enquanto eu gozo com força nessa bocetinha
gostosa, apertada e minha.
Ela explodiu em tremores, incapaz de conter os sons que saíram por
seus lábios e sentiu-se apertando-o, contraindo ao redor dele enquanto todo
seu corpo parecia se estilhaçar.
Ele gemeu alto, rouco, um som profundo e ela o sentiu pulsar ainda
mais, parecendo maior em seu interior.
Moveu o quadril, prolongando o prazer de ambos até ele a manter
parada com as mãos, atacando seus lábios com força.
Ela rendeu-se, beijando-o de volta com igual desejo, demonstrando
com os lábios tudo o que sentia.
Ele afastou-se após alguns segundos, beijando seu rosto inteiro até
estacionar no seu pescoço, onde descansou, abraçando-a apertado.
Ela o envolveu nos braços, sentindo o corpo forte e musculoso sobre o
seu aos poucos relaxar, junto com o seu e suas respirações.
Suspirou sentindo um beijo terno no seu pescoço e acariciou o cabelo
dele com uma mão enquanto descia a outra pelas costas fortes e suadas.
Fechou os olhos, sentindo-se feliz e amada.
Literalmente amada, pensou sorrindo.
CAPÍTULO 30

Sentia a nevoeiro rodear seus pés, beijar sua pele com lábios macios e,
surpreendentemente, quentes.
Sentiu a pele arrepiar, o corpo estremecer e de repente se viu em uma
campina florida, repleta de cores e deserta.
Estava deitada no chão, de olhos fechados. Mas podia sentir que ele se
aproximava mais uma vez.
Rodeou seu corpo, cobriu-a com seu calor. Sentiu uma carícia úmida
percorrendo sua pele, começando em seu pescoço e descendo até seus seios.
Manteve-se deitada na relva, de olhos fechados, mesmo quando sentiu-
se impelida a mover-se, implorar por mais daquilo.
Não sabia o que era, não sabia onde estava. Tudo o que sabia é que
ansiava por mais; mais daquele toque úmido e macio que a percorria,
acariciava seus seios e descia.
Descia e descia, até que...
— Abra as pernas, amor.
Ouviu o sussurro rouco do seu amante e o atendeu, deixando-se levar e
entregando-se.
Quando o sentiu tocando no seu recanto mais íntimo, beijando-a
profundamente e grunhindo contra sua pele, gemeu desejosa, implorando
mentalmente por mais, movendo-se sem se conter.
Seu corpo de repente foi moldado por mãos fortes, mantendo-a parada
no lugar, deixando-a presa.
As mãos subiram por sua pele, apertando sua cintura, percorrendo sua
barriga plana e subindo até seus seios.
Mordeu o lábio, reprimindo um gemido com medo de serem vistos ali,
naquela campina.
Não queria ser vista fazendo amor com o seu...
Nevoeiro?
Abriu os olhos de repente e precisou de alguns segundos para perceber
onde estava.
Não estava em uma campina florida e deserta. Tão pouco estava em
casa ou na de alguma das suas amigas; nenhuma delas possuía uma cama de
dossel como a que estava deitada.
Aquele fora, realmente, um sonho muito estranho, pensou.
Franziu o cenho ligeiramente confusa e ergueu as mãos para afastar o
cabelo dos olhos.
Foi quando notou que estava presa. Os pulsos pareciam rodeados por
braçadeiras de aço.
Arregalou os olhos e já se preparava para gritar quando sentiu
novamente. A carícia que pensara fazer parte de um sonho, o toque úmido, o
leve sugar na sua pele.
Nada fora um sonho.
Arregalou ainda mais os olhos ao baixar a cabeça de fios desgrenhados
pelo sono e fitar outra cabeça de fios também desgrenhados entre as suas
pernas.
Só que diferente dos seus fios acobreados, os que se estendiam sobre
seu estômago e pernas nuas eram de um mix de cores surpreendentes e
únicos.
Tentou mover-se novamente, surpresa, porém o ser por baixo daquela
cabeleira impressionante e dono de uma língua perita a encarou.
Ele a fitou sério, os olhos brilhando maliciosos, enquanto roçava o
queixo pela parte interna de uma de suas pernas.
Ela arfou, finalmente relembrando de tudo.
Como começara sua noite, de como tudo fora maravilhoso, como o
cuidado e atenção dele para com ela ao preparar tudo aquilo a emocionaram e
a fizeram amá-lo um pouco mais.
Lembrou-se de quando se entregaram um para o outro, de como fora
delicioso ser dele e senti-lo sendo seu e apenas seu.
Poderia ainda ser inexperiente no que se referia a sexo, mas poderia
dizer que nada no mundo, nunca, jamais poderia comparar-se ao que
compartilharam naquele quarto.
Fora dele, inteiramente. Corpo, alma e coração. E ele fora seu, em
iguais medidas.
Desceu os olhos por seu corpo e percebeu que ainda estava nua.
Não lembrava-se exatamente de quando dormira. Lembrava-se apenas
vagamente da sensação de plenitude que desfrutara sentindo-o nos seus
braços durante minutos que pareceram horas e para ela, se pudesse escolher,
duraria eternamente.
Após algum tempo, quando regularam suas respirações, ele se erguera,
acariciara seu rosto mais uma vez, com infinito carinho e a beijara com
calma, explorando sua boca, acariciando sua língua.
Despois que ele a limpara com um pano úmido, mesmo ouvindo
protestos – aos quais ele não deu ouvidos –, deitaram-se juntinhos, ela sobre
o peito dele e ele a cobrira com um edredom macio.
E conversaram por horas, sobre eles mesmos, sobre coisas engraçadas
do passado dos dois e sobre o futuro.
Procurou o edredom com o olhar e o encontrou jogado no chão, ao lado
da cama.
Fitou a janela e percebeu que ainda estava escuro lá fora, embora
começasse a amanhecer.
Voltou o olhar novamente para ele e sorriu, corando. Poderia ter
perdido muito da sua vergonha nos últimos dias, mas acostumar-se a acordar
com aquele homem entre suas pernas, fitando-a inteiramente nua, não era
algo que se acostumaria facilmente.
— Bom dia — sussurrou com a voz rouca de sono, ainda sorrindo.
Ele sorriu de volta, embora ainda fosse um sorriso malicioso.
— Só será um bom dia quando eu comer o meu café da manhã — ele
respondeu.
Ela franziu o cenho, mas continuou sorrindo enquanto forçava o corpo
para levantar.
— Posso cozinhar para nós dois, se você quiser — sugeriu.
Ele a empurrou de volta na cama.
— Meu café da manhã já está pronto.
Ela deitou-se de volta no colchão macio.
— Hum. Tudo bem — estranhou a maneira que ele sorria, se possível,
ainda mais malicioso. — Vamos descer então.
Ele negou com a cabeça lentamente. Ela franziu o cenho novamente.
— Mas como você quer comer o seu café da manhã aqui? Temos que...
— Eu já o tenho aqui — murmurou, baixando os olhos lentamente por
seu corpo, até estacionar no ponto onde ele ainda mantinha a cabeça e recebia
uma visão privilegiada. — E inteiramente para mim.
Ela ofegou, compreendendo tardiamente a que ele se referia.
— Mas...
— Shhh — a interrompeu, separando um pouco mais as pernas dela e
mantendo-a aberta para si. Cheirou-a lentamente e grunhiu, fechando os
olhos.
— Henrique... — sussurrou, sentindo o corpo inteiro estremecer. — O
que você... Ah! — arfou quando ele de repente a atacou.
Revirou os olhos, gemendo. Poderia demorar um pouco para se
acostumar com aquilo, mas o processo seria delicioso, pensou.

...
Abriu os olhos lentamente e reprimiu o desejo de mover-se, para não
acordá-lo.
Estavam deitados de conchinha. Ela sentia o corpo grande e musculoso
dele encaixado atrás do seu. A abraçava pela cintura, mantendo-a colada a si.
Após atacá-la no meio da noite, ele se recusara a penetrá-la. Ela,
embora ainda estremecesse após um orgasmo delicioso, desejava mais,
desejava senti-lo novamente dentro de si e não se contentara apenas com a
boca talentosa dele.
Ele se negara e rira descaradamente do seu bico de descontentamento.
Afirmara que poderia fazer outra coisa por ela e o fez; a posicionou sobre seu
rosto e a chupou, enquanto ela se esforçava para fazer o mesmo, não
descansando até que ela estremecesse mais uma vez, exausta.
Após o segundo – ou seria o terceiro? – orgasmo da noite, ela se
entregara ao sono, seguindo os comandos gentis dele e posicionando-se como
ele queria, sentindo-o abraçá-la por trás, envolvendo todo seu corpo com seu
calor.
Já era manhã, percebeu fitando a janela. Embora parecesse ser bem
cedo.
Afastou o cabelo dos olhos e ouviu-o respirar fundo com o rosto no seu
pescoço.
Ele se moveu levemente, firmando o braço que a envolvia, puxando-a
mais. Ela obedeceu rapidamente, seguindo seu comando mudo e colando suas
costas no peito dele.
Ele emitiu um som baixinho de apreciação quando ela se pressionou
contra sua ereção. Ela se manteve imóvel, aguardando em silêncio até
perceber que ele ainda dormia.
Ergueu as sobrancelhas, surpresa, perguntando-se como ele conseguia
dormir naquele estado. Ou como ele ficava naquele estado estando dormindo.
Permaneceu parada por alguns segundos, ouvindo-o ressonar baixinho
e sentindo-o pulsar levemente contra si.
Sentiu o corpo arrepiar e, sem se importar com nada, fez um pequeno
movimento com o quadril, roçando a bunda contra o sexo dele.
Ele permaneceu parado, dormindo profundamente e ela sorriu, sentindo
que aquela seria a sua chance.
Ergueu uma das mãos lentamente, sendo cuidadosa para não acordá-lo.
Rapidamente, colocou-a para trás e inclinou-se, encontrando o que queria.
Sentiu-o pulsar contra sua mão e ele se moveu levemente, ainda
ressoando baixinho. Sorriu, ofegante com o esforço de não fazer movimento
bruscos.
Inclinou o corpo e erguendo a perna rapidamente, direcionou-o para
onde mais queria.
Mordeu o lábio ao senti-lo deslizar contra seu sexo já úmido e inchado
após receber tanta atenção. Inclinou-se mais um pouco e estremeceu quando
conseguiu, finalmente, posiciona-lo corretamente contra sua entrada.
Agora só teria que fazê-lo entrar, pensou, trêmula. Não poderia ser
difícil, afinal, ele já estivera ali antes.
Moveu-se com o intuito de inclinar-se um pouco mais, imaginando se a
posição facilitaria um pouco a penetração.
Porém, devido ao seu movimento abrupto, sentiu-o invadindo-a.
Arregalou os olhos, sentindo um leve incômodo e paralisou onde estava.
Tentou controlar a respiração, com medo de acordá-lo antes da hora.
Ouviu por alguns segundos e notou que ele ainda ressonava, embora
parecesse levemente agitado em seu sono.
Mordeu o lábio, se concentrando na sua tarefa.
Não estava tão dolorida assim, como Henrique supora. Poderia suportá-
lo. Havia apenas um leve incômodo, mas nada que a impedisse de seguir em
frente.
Respirou fundo e mordeu o lábio, fechando os olhos e empurrando o
corpo para trás.
Gemeu baixinho, sentindo-o penetrá-la lenta e constantemente.
Continuou movimentando o quadril, empurrando e gemendo, até tê-lo inteiro
dentro de si.
Estremeceu, incapaz de controlar sua respiração ou manter o corpo
imóvel daquela vez.
Senti-lo dentro de si sempre seria algo único. Não havia formas de
descrever o que sentia mesmo agora, quando ele não se movia.
Descansou a perna sobre a dele, rendendo-se e começou a mover-se.
Gemeu, sentindo-o penetrá-la e retroceder, movendo-se cada vez com
mais força.
Seu corpo inteiro tremia, suava e implorava por mais. Era delicioso ter
o controle da situação, mas não suportaria muito mais, não tinha forças para
isso.
Ouviu um grunhido grave atrás de si e gemeu quando ele apertou o
braço na sua cintura, puxando-a com força contra seu pau.
— Eu esperava que você retribuísse o que fiz mais cedo e me acordasse
com a essa sua boquinha que me enlouquece — ele sussurrou rouco no seu
ouvido, mordendo seu lóbulo em seguida. Ela gemeu em resposta. — Mas
acordar assim, com essa boceta gostosa e apertada sugando meu pau... — fez
uma pausa e saiu do se corpo, voltando a penetrá-la com força, gemendo
rouco. Ela gemeu alto. — Ah, isso não tem comparação.
Ele ergueu sua perna, mantendo-a no alto enquanto entrava e saía do
seu corpo, gemendo rouco no seu pescoço.
Ela gemia e estremecia, sentindo-se quente, cada vez mais molhada e
enlouquecendo a cada nova estocada dele.
— Quero acordar assim todos os dias — ele murmurou. — Com o seu
corpo colado ao meu — estocou com força. — Sobre o meu.
Saiu e entrou no seu corpo, penetrando-a cada vez mais rápido. Ela
moveu-se de encontro aos seus movimentos.
— Rebolando gostoso assim — sussurrou, fazendo o mesmo, descendo
a mão lentamente pela parte interna da perna dela. — Com meu pau enterrado
aqui — tocou-a entre as pernas, no ponto em que se uniam. Ela arfou e
gemeu quando ele acariciou seu clitóris, movimentando-o com os dedos.
Movimentou-se com ainda mais força, sussurrando contra sua pele o
quanto ela era gostosa, o quanto o enlouquecia e o quanto ela era dele,
somente dele.
Ela gemia cada vez mais alto, sendo recompensada com estocadas
fortes.
— Isso, amor — gemeu quando sentiu-a escorrer contra seu pau,
molhando-o ainda mais.
Ela fechou os olhos, estremecendo, sentindo quando começou a apertá-
lo dentro de si.
Ele a comia com força, como disse que faria, sussurrando, grunhindo e
gemendo rouco contra sua pele.
— Nunca desejei tanto outra pessoa quanto desejo você — sussurrou,
enquanto pinçava seu clitóris com os dedos. — Nunca foi assim... — ela
manteve os olhos fechados, absorvendo suas palavras e gemendo. — Tão
gostoso quanto é com você. Tão intenso quanto é quando estou com você —
prosseguiu, soltando seu clitóris enquanto ainda estocava com força.
— Henrique... — Sofia gemeu, sentindo o quanto estava próxima.
— Isso — grunhiu. — Apenas o meu nome sairá da sua boca em forma
de gemidos. Apenas eu a terei assim, linda, gostosa e inteira para mim —
desceu um dos dedos até a entrada dela, onde ele a preenchia com estocadas
vigorosas. — Gemendo meu nome, sugando meu pau com essa delícia de
boceta e gozando para mim, bem gostoso, como agora — e penetrou-a com
um dedo, esticando-a, levando-a ao limite, sem tirar o pau e sem nunca parar
de mover-se dentro dela.
Ela explodiu, gritando o nome dele como ele dissera que ela faria,
gemendo e estremecendo para ele.
Ele grunhiu uma vez mais e a empurrou de bruços, pressionando-a
contra o colchão e montando-a por trás, gemendo rouco enquanto se
derramava dentro dela.
Ela gemeu, sentindo-o pulsar dentro de si, sentindo-se sensível. E
satisfeita, como apenas ele seria capaz de fazer.
Ele desabou contra suas costas, ainda gemendo e sussurrando que ela
seria sua morte.
Ela sorriu, sabendo que o contrário também era válido.
Não poderia imaginar naquele momento a veracidade das suas palavras.
Mas não de uma forma boa como agora.
Muito pelo contrário.
CAPÍTULO 31

Após aquele final de semana maravilhoso – o primeiro de muitos outros


–, rapidamente adotaram e se acostumaram com uma nova rotina.
Pela manhã, ele a buscava em casa com sua monstruosidade de moto e
seguiam juntos para a universidade. Lá, arranjavam formas de se encontrarem
sempre que possível, nos corredores, na cantina e, frequentemente, na
biblioteca.
Não foram poucas as vezes em que se agarraram ali, nenhum pouco
preocupados com o risco que corriam estando tão próximos da Sra. Brígida –
vulgo admiradora de Henrique.
Uma manhã em especial, em que uma palestra sobre alguma coisa que
não a interessava fora organizada e todos os alunos foram obrigados a
comparecer, Henrique pedira que ela o encontrasse ali.
Ela estranhou aquilo, pois como todos os alunos foram convocados,
junto com os professores e auxiliares da universidade, pensara que a
biblioteca estaria fechada.
Porém, ele afirmara que precisavam conversar e devido a urgência que
captou na voz dele, desviou o caminho que fazia e correu para encontrá-lo
rapidamente.
Estranhou encontrar o local escuro quando chegara, pensara até que não
haveria ninguém ali, todavia uma das portas estava entreaberta e a sua
curiosidade e preocupação foram maiores que tudo.
Percorreu o local com cuidado, evitando esbarrar nas prateleiras que
mal enxergava no escuro e o procurou.
Após percorrer quase todo o lugar, começou a chamar o nome dele
baixinho, aflita.
O grito que rompera por sua garganta quando fora agarrada
repentinamente só não ressoara por todo lugar porque rapidamente teve os
lábios ocupados por outros lábios que conhecia bem.
Embora surpresa, rendeu-se ao beijo, como sempre fazia e o beijou com
igual ânsia, embora estivesse confusa.
Bom, descobrira qual era a verdadeira razão para a urgência dele
quando ele a ergueu nos braços e a pressionou contra uma das grandes
prateleiras, provocando-a com o quadril e desabotoando rapidamente o fecho
da calça.
Felizmente, naquela manhã, vestira uma saia jeans e uma camiseta fina,
devido ao calor atípico que fazia para a estação. O que facilitara o trabalho
dele de despi-la.
Henrique em nenhum momento separou a boca da sua, gemendo rouco
contra seus lábios e despindo-a com pressa.
Ela o ajudou, ansiosa, levantando os braços e facilitando que ele
retirasse sua camiseta.
Em poucos minutos estava nua da cintura para cima e, apressado, ele
apenas erguera sua saia, afastara a calcinha para o lado e a penetrou de uma
só vez.
Mordeu o lábio dele com força, gemendo contra seus lábios e perdendo
aos poucos a capacidade de falar.
Ele estocava com força, grunhindo baixinho e apertando sua bunda com
as duas mãos. Seu corpo subia e descia contra a madeira da grande prateleira.
Sentir o tecido das roupas dele na sua pele nua a deixou ainda mais
excitada, escorrendo contra o membro dele, fazendo-o gemer rouco contra
seus lábios.
Fora breve, ambos estavam ansiosos, quase desesperados, como se não
tivessem feito amor há dias e não horas atrás, e em poucos minutos ela gemia
alto, abafando seus sons contra os lábios dele e recebendo os dele nos seus.
Após recuperarem suas respirações, ainda permaneceram abraçados por
algum tempo.
Ele aos poucos a colocou no chão, retirando-se do seu corpo
delicadamente.
Sofia abriu os olhos, quando enfim viu-se capaz disso e fitou o sorriso
satisfeito dele. Seus lábios fizeram o mesmo.
Ele a ajudou a se vestir, após limpá-la delicadamente com lenços de
papel que retirara do bolso do jeans. Ela levantou as sobrancelhas, surpresa,
mas ele apenas sorrira afirmando que um homem prevenido vale por dois.
Ela riu e balançou a cabeça levemente, mas algo no que ele dissera
começou a incomodá-la. Não sabia ao certo o que, mas sentia que estava
esquecendo de algo. Algo importante.
Entretanto, tudo voltara a sumir da sua mente quando ele a beijou mais
uma vez.
Saíram dali, o mais discretamente possível, pois perceberam que a
palestra, sobre o que quer que fosse, já havia acabado e alguns alunos já
caminhavam pelos corredores, encaminhando-se para suas aulas.
Ambos fizeram o mesmo após se despedirem com mais um beijo.
À tarde, ele a levava de volta para casa, ou saíam juntos para um
passeio – cinema, sorveterias e lanchonetes – ou, na maioria das vezes, a
levava para casa dele – onde faziam tudo aquilo que faziam nos passeios,
com o acréscimo de que poderiam pausar o filme, guardar de volta o sorvete
na geladeira e se amar por horas e horas seguidas.
Embora a prática levasse, literalmente, à perfeição, Sofia ainda corava
até os dedos dos pés em algumas ocasiões, incapaz de perder aquela pequena
parcela de timidez e vergonha que lhe eram característicos.
À noite, iam a restaurantes, pubs ou baladas, ou optavam por
permanecer na casa dele, onde se amavam um pouco mais; o que,
definitivamente, mais faziam.
Claro que nem tudo era um mar de rosas e algumas medidas precisaram
ser tomadas.
Por exemplo, Sofia se vira obrigada a acordar um pouco mais cedo
todas as manhãs, quando dormia em casa, por motivos de: após aquela
primeira experiência vergonhosa envolvendo ela, Henrique e sua progenitora
no mesmo recinto, ela não gostaria de pequenos replays diários todas as
manhãs, obrigada.
Ficara claro que aquilo seria um problema quando, inocentemente, não
previra que aquilo poderia acontecer e após mais um típico e comum atraso
de sua parte no que se referia a acordar cedo, quando finalmente terminara de
se vestir e descera as escadas correndo, quase despencara no meio dela ao dar
de cara com um Henrique – mais pontual impossível – sentado
confortavelmente no sofá da sua sala de estar ao lado de uma Virna – com o
maior sorriso que já vira – interrogando-o sobre todo e qualquer assunto que
lhe viesse primeiro a cabeça.
E mesmo escutando apenas o final daquela conversa, em que
estranhamente ornamentações, sabores de bolo e preferências por flores eram
o tópico, Sofia percebera, tardiamente, o erro que cometera.
Correu dali rapidinho, levando-o pelo braço e corando até a alma após
ouvir sua mãe berrando pela porta que não fechara em sua pressa:
— Sejam responsáveis, crianças! Não usem camisinhas!
Às 7:00h da manhã.
Após aquele erro colossal, adicionara múltiplos alarmes no celular,
além de resgatar um antigo despertador que nunca usara em sua vida, e
acordar cedo passara a fazer parte da sua nova rotina.
Henrique também precisara fazer alguns ajustes na sua vida – não que
ela considerasse aquilo necessário, porém não tivera escolha.
Cumprindo com o que dissera alguns dias atrás, ele comprou um carro.
Não qualquer carro, mas um enorme, de quatro portas, negro e que
tinha mais cavalos que a grande fazenda de um dos seus tios no interior.
Não achara necessário e até conversara com ele sobre aquilo, não
querendo que ele gastasse tanto dinheiro com algo que ele mesmo deixara
claro que seria para o bem dela. E, sendo assim, para o dele também.
Discutiram e ele provara seu ponto, afirmando que como ela parecia
amar usar vestidos quando saíam – e ele amava ainda mais –, um carro era
sim necessário, levando em conta que ela não correria mais o risco de ficar
exposta ao subir e descer da moto, nem precisaria usar uma jaqueta masculina
amarrada na cintura e ele, com isso, não precisaria matar ninguém que tivesse
o mínimo relance do que lhe pertencia.
Ela ainda reclamara mais um pouco, ainda não vendo sentido naquilo,
porém ele a mostrou uma das muitas possibilidades e liberdades que o carro
os permitia e ela enfim se rendeu, mas apenas quando ele demonstrou o que
dizia na prática.
Ah, sim, concordou, aquilo definitivamente valia todo aquele gasto
desnecessário.
Os dias aos poucos foram se passando e, após aquela primeira fase do
relacionamento em que ambos pareciam sempre desesperados para encontrar
um local em que pudessem se agarrar, a nova rotina fundiu-se com a antiga.
Ambos conseguiam ter vidas próprias, mesmo que quase sempre
estivessem juntos. Nem tudo se resumia a companhia um do outro e
precisavam separar-se em alguns momentos.
Em uma noite do pijama na casa de Thaís, uma semana após perder a
virgindade, reunira-se com suas amigas e conversaram a noite toda sobre
como fora a conclusão da extremamente bem sucedida operação "abre
porteira".
No final, Sofia sentiu-se outra pessoa, uma nova mulher. Agora fazia
parte do grupinho das não-virgens e não imaginava como aquilo poderia ser
divertido; dividir experiências, ouvir sobre situações inusitadas pelas quais
suas amigas passaram e revelar algumas das suas.
Ainda corava como um tomate quando o assunto era sexo, mas ali, com
suas amigas depravadas e ansiosas por detalhes, toda vergonha fugia da sua
mente na mesma velocidade que as palavras escapuliam da sua boca.
Aquelas noites passaram a se repetir com maior frequência, quase toda
semana e Sofia, em uma delas, notara que Lorrany não parecia realmente
confortável.
Pensou ser impressão sua, todavia passou a prestar mais atenção na
amiga e foi capaz de notar que quando o assunto era em particular como fora
sua primeira vez, ela se retraía.
Sofia ficou cismada com aquela reação, mas decidiu-se por deixar
aquilo de lado e não pressioná-la, afinal, cedo ou tarde ela acabaria falando o
que a incomodava e, como conhecia bem sua amiga e sua incapacidade de
manter a boca fechada, tinha certeza que não tardaria.
Outra coisa que notara, em um final de semana que precisara ficar em
casa, em razão de estudar para uma prova difícil que teria na segunda-feira,
fora a mudança no comportamento do seu irmão.
Sebastian parecia cada vez mais sério, sempre absorto em pensamentos
e recusava-se a falar sobre o que estava acontecendo com ele. Sofia insistira,
tentando ajudá-lo, mas ele apenas a pedira um pouco de espaço.
Ela ficara magoada com seu afastamento. Sempre se apoiavam e
ajudavam em tudo e ela ficou triste quando ele a afastara, repetindo que era
capaz de resolver tudo sozinho.
Sempre dividiam tudo e vê-lo sofrer, mesmo sem saber ao certo o por
que, também doía nela. E a irritava não poder ajudá-lo e ser obrigada a não
fazer nada. Teve raiva por alguns minutos até pensar o quanto estava sendo
hipócrita.
Ela mesma permaneceu em uma bolha de felicidade com o seu
namorado por semanas, nunca estava em casa e quando estava, sempre estava
dormindo, pois só retornava para lá quase de madrugada.
Poucas vezes o encontrou por ali e, quando sim, não se fixou muito no
seu aspecto.
Quando aquilo acontecera?, perguntou-se. Quando se afastaram
daquela maneira? Quando deixaram de ser o alicerce um do outro?
Não saberia dizer, mas aquela situação não permaneceria daquela
maneira por muito mais tempo. Não importa o que fosse ou o que tivesse que
fazer para isso, mas descobriria o que estava acontecendo com o seu irmão.
E, mesmo contra a vontade dele, o ajudaria.
Entretanto, a grande revelação viera poucos dias depois, em um jantar
em família.
Todos estavam reunidos em volta da grande mesa na sala de jantar:
Otávio no seu lugar de sempre, Virna ao seu lado esquerdo, Sebastian no lado
direito, Sofia ao lado de sua mãe, Henrique ao seu lado e Vanessa – que,
estranhamente, naquela noite estava sendo o mais simpática que já fora em
todos aqueles anos – ao lado de Sebastian.
Ela convidara Henrique para o jantar – na verdade, o convite fora de
sua mãe –, mas não imaginara que Sebastian estaria em casa, porém a
presença de Vanessa era o mais surpreendente.
Não que ela não fosse bem-vinda, longe disso, como namorada do seu
irmão, ela era indiretamente "da família", tal como Henrique o era – embora
o segundo integrante indireto não incomodasse como a primeira fazia.
Deixou suas implicâncias de lado, por hora, pois algo a preocupava
mais que a incomum simpatia da sua cunhada.
Sebastian, embora ainda possuísse sombras escuras sobre os olhos e
tivesse uma aparência sombria, naquela noite parecia subitamente decidido.
Como se finalmente houvesse tomado uma decisão e, embora fosse
perceptível que não estivesse feliz com o que quer que fosse, parecia
resignado; pior: obstinado.
Quando uma efusiva e sorridente Vanessa colocou-se de pé,
levantando-o consigo, como se estivesse prestes a fazer uma revelação, ela
temeu o que ouviria.
Todos ficaram em silêncio e os fitaram curiosos, todavia Sofia apenas
se concentrava na expressão do seu irmão.
Vanessa fitou Virna e Otávio em especial e, quando colocou a mão
sobre a barriga plana, Sofia ofegou em silêncio.
— Estamos grávidos! — revelou somente, sorrindo de orelha a orelha e
gritando em seguida, como se todos ali não houvessem compreendido quando
falara pela primeira vez: — Vamos ter um bebê!
CAPÍTULO 32
O silêncio que se seguiu após aquele anúncio fora um tanto incômodo.
Seus pais, após o choque, finalmente reagiram e parabenizaram o casal
com abraços e sorrisos. Sofia fez o mesmo, embora de modo robótico.
Sempre desejou ter sobrinhos e, sobretudo filhos. Sebastian, como não
poderia ser diferente, sempre desejara o mesmo. Porém, dado as
circunstâncias, aquela gravidez não poderia vir em pior hora.
Sofia sabia que aquele relacionamento não duraria muito, não quando
Sebastian parecia sempre estar infeliz e aborrecido com as imposições de
Vanessa. Ele nunca a contara sobre sua decisão, todavia ela o conhecia bem.
Aquela gravidez, definitivamente, mudaria tudo.
Conhecia seu irmão melhor que ninguém, sabia que ele nunca
abandonaria mulher e filho sozinhos, mesmo embora não fosse casado.
Não saberia dizer se estava nos planos dele no momento se casar ou
não e, se sim, precisariam conversar em breve. Uma coisa é ser um homem
honrado e de caráter que assume suas responsabilidades, outra
completamente diferente é casar com uma mulher que não o merece, em
absoluto.
Após abraçar sua cunhada – esta ainda muito simpática, o que já estava
começando a assustá-la – abraçou seu irmão, apertando-o e tentando
transmitir algum conforto.
Embora fosse quase trinta centímetros menor que ele, Sofia viu-se
maior, cobrindo-o com seu corpo, tentando protegê-lo, tardiamente, do que o
afligia.
Ele a abraçou de volta, pressionando o rosto contra seu pescoço,
apertando-a também.
Afastou-se um pouco, ouvindo que seus pais conversavam
entusiasmados com sua cunhada. Fitou-o nos olhos e acariciou sua barba
ruiva delicadamente, seguindo até as bolsas escuras sob os olhos azuis.
— Amo você, Sena — sussurrou baixinho.
Ele sorriu minimamente, beijando sua testa com carinho.
— Eu sei. Também amo você — murmurou com a voz rouca.
Ela o abraçou mais um pouco e só o soltou quando ele a afastou
delicadamente.
— Não está feliz em ser titia? — perguntou.
Ela notou o que ele fazia. Usar de piadas para tentar distraí-la era o que
fazia de melhor. Mas aquele não era o momento para brincadeiras.
— Não está feliz em ser papai? — perguntou de volta.
Ele respirou fundo, se afastando.
— Sabe que sim — respondeu. Fitou sua namorada. — A questão não é
essa.
— Eu sei.
O bebê não era o problema, embora ele não desejasse por isso agora. O
problema era a mãe desse bebê.
Um bebê animaria a casa, e consequentemente os livraria dos
choramingos da mãe por netos. Sempre desejaram ter mais irmãos, ter uma
família grande, mas depois do nascimento do gêmeos seus pais decidiram por
não ter mais filhos, após a dura tarefa de criar dois pequenos pestinhas ao
mesmo tempo.
Ela respirou fundo quando seu irmão fitou algo às suas costas e pareceu
um pouco mais sombrio.
Sebastian ainda tinha um pé atrás com Henrique, porém não tentara
meter-se novamente na sua vida; o que não queria dizer que aceitara seu
relacionamento e que agora ambos fossem melhores amigos.
Pelo contrário.
Henrique o parabenizou pela novidade, com um ligeiro aperto de mão.
Sebastian agradeceu com um aceno de cabeça e o fitou seriamente.
Sofia começou a bater o pé no chão, repetidamente, um tique que havia
adquirido recentemente e que se manifestava com frequência em situações
como aquela, quando ambos se fitavam seriamente, como se estivessem
prestes a se atracarem.
Graças a Deus, sua mãe resolvera interrompê-los naquele momento,
ainda feliz com a realização do seu sonho.
— Venha, deixe-me abraçá-lo mais uma vez — colocou-se
rapidamente entre eles, o que obrigou Sofia e Henrique a darem um passo
para trás.
Sebastian abraçou sua mãe, circulando-a com os braços. Sofia riu
observando como ela precisava colocar-se na ponta dos pés e esticar-se toda
para poder alcançar seu pescoço.
— Vou ser vovó — murmurou chorosa, fungando ao soltá-lo. Inclinou
a cabeça fazendo um bico com os lábios e Sebastian rapidamente abaixou a
sua, recebendo um beijo. — Meu bebê vai ter um bebê.
Sebastian revirou os olhos enquanto Sofia ria baixinho, para logo em
seguida engasgar com o nada.
— Minha bebê bem que poderia seguir o ótimo exemplo do
irmãozinho, não é?
— Mãe! — reclamou, corando enquanto era a vez de Sebastian sorrir,
embora minimamente.
— O que? — indagou, virando-se para ela. — Seria ótimo. Esta casa
anda muito desanimada. Preciso de netos.
— Tudo ao seu tempo, meu amor — Otávio se aproximou deles,
abraçando o filho novamente e murmurando algo que apenas ele ouviu.
Sebastian confirmou com a cabeça, sério. Seu pai fez o mesmo, abraçando
sua mulher e puxando-a para si quando ela parecia pronta para um longo
discurso. — Sofia ainda é uma criança.
Sofia revirou os olhos, ainda corada.
— Claro, sou uma criança e Sebastian, não. Faz muito sentido, papai.
— É um bebê — confirmou sério, mas havia uma sugestão de sorriso
na sua expressão, provando que só dizia aquilo para irritá-la.
— Não sou um bebê — rebateu, parecendo 10 anos mais nova.
— O bebê do papai.
— E da mamãe — disse sua mãe, entrando na brincadeira.
— Ao menos em tamanho — ouviu Henrique dizer ao seu lado e
arregalou os olhos para ele, enquanto ouvia seus pais e até Sebastian rirem.
Gostava de tê-lo na sua casa, admitia. Amava tê-lo sempre ao seu lado,
mas sobretudo ali, junto com a sua família maluca.
Preparava-se para dizer algo, quando fora interrompida por uma
vozinha aguda e ligeiramente irritada.
— O verdadeiro bebê está aqui — disse Vanessa, ainda sorrindo e com
ambas as mãos na barriga plana.
Os sorrisos sumiram aos poucos, exceto o dela que insistia em exibir
todos os dentes.
Sua mãe rapidamente concordara e a convidara para a cozinha, com a
nítida intensão de empanturrá-la com os seus bolinhos.
Após o breve silêncio que se seguiu após a saída de Virna e Vanessa,
Otávio voltou-se para Sebastian.
— Quer conversar, filho? — perguntou, sério e preocupado.
Sebastian respirou fundo pela enésima vez naquela noite.
— Não.
Seu pai confirmou com a cabeça, tocando um dos seus braços.
— Tudo bem. Vamos — puxou-o.
Sebastian franziu o cenho.
— Para onde?
— Conversar, oras.
— Mas eu disse que não quero — disse confuso.
— E eu disse que tudo bem, mas não foi um pedido. Vamos.
Sebastian encarou seu pai com se ele tivesse duas cabeças ao invés de
uma.
— Mas...
— Foi uma pergunta retórica, na verdade. Agora, filho, você vai seguir
com as próprias pernas ou precisa da ajuda do papai?
Sebastian fitou Sofia que ria sem preocupar-se em disfarçar e fechou a
cara, dando as costas bruscamente e seguindo até a varanda, para onde seu
pai apontava.
— Bom garoto — disse Otávio e voltou-se para o casal. — Com
licença, Henrique — em seguida fitou Sofia e fez uma mesura — Bebê.
Ela revirou os olhos mais uma vez, ouvindo as risadas de Henrique e
rindo também enquanto seu pai seguia atrás de Sebastian, fechando a porta da
varanda.
Ele a abraçou pela cintura e puxou para si, descansando o queixo na sua
cabeça.
— Por que você não parece feliz? — indagou baixinho.
Ela relaxou o corpo contra o dele.
— Eu estou feliz, sempre quis ter um sobrinho — confessou.
— Mas?
— Mas Vanessa será a mãe.
Ele, que ao contrário de Sebastian, ouvira todas e cada uma das suas
reclamações sobre a namorada do irmão, compreendeu.
— Talvez ela mude com o tempo, talvez durante e após a gravidez ela
amadureça — sugeriu baixinho, virando-a de frente para si.
Ela sorriu minimamente.
— Talvez.
Duvidava disso.

***
Com a revelação da gravidez e após enfim descobrir o que afligia seu
irmão, Sofia tentou relaxar um pouco, embora o sofrimento dele fosse cada
vez mais nítido. Ela, infelizmente, não poderia fazer nada para ajudá-lo com
aquele problema em especial.
Vanessa, após aquele fatídico anúncio, passou a residir indiretamente
na sua casa.
Ela não era convidada, porém sempre bem-vinda, ainda mais estando
grávida. Sofia perdera as contas de quantas vezes Vanessa aparecera à tarde,
com bolsas e pequenas malas, antes que Sebastian saísse do trabalho. E
permanecia ali por dias, ocupando o quarto dele, e, assim, aumentando ainda
mais seu mal-humor.
Sofia viu-se fugindo de casa com ainda mais frequência. Uma coisa era
ter uma cunhada insuportável, outra completamente diferente era morar com
essa mesma cunhada.
Felizmente, Henrique sempre a recebia de braços abertos em sua casa
ou ela visitava suas amigas.
A situação de Sebastian estava cada vez pior.
Não bastasse ser obrigado a manter um relacionamento desgastante,
tudo em razão de um bem maior, ainda tinha que suportá-la vigiando seus
passos, cronometrando suas saídas, fosse para onde fosse e fazendo
exigências.
Sofia presenciara ou ouvira, mais de uma vez, discussões acaloradas
entre os dois que sempre, todas as vezes, terminavam com uma Vanessa
chorosa reclamando de dores.
Na primeira vez em que ela fizera aquilo, fora uma correria. Sebastian
ficara desesperado, seus pais correram para ajudar e Sofia já chamava uma
ambulância, quando sua cunhada, rapidamente recuperada, afirmara que
estava tudo bem, não precisava de uma ambulância.
Sofia ficara tão aborrecida com aquele teatro todo – porque, sim, até
seus pais perceberam que aquilo não passava de fingimento – que não notara,
a princípio, que Vanessa só desistira da atuação quando ela avisara que
chamaria uma ambulância.
Perguntou-se o que ela poderia estar escondendo a ponto de recusar
atendimento médico.
Chegou até a supor que ela de fato não estivesse grávida, mas como a
outra sempre vivia na sua casa, dia e noite, Sofia testemunhara mais de uma
vez todos os seus enjoos e choros repentinos – embora esse segundo, em boa
parte, fosse fingimento.
De mãos atadas, a única coisa que poderia fazer era apoiar seu irmão.
Em uma tarde, após a faculdade, Sofia passou em casa para pegar
algumas roupas para dormir na casa de Henrique.
Estava subindo as escadas, ouvindo a tranquilidade do lugar e
perguntando-se onde sua mãe se metera, quando ouviu uma voz vindo de
cima.
Franzindo o cenho, subiu sem fazer barulho e identificou que o som
vinha do quarto de Sebastian e, devido ao tom estridente daquela voz,
descobriu que era Vanessa. Provavelmente conversava com uma amiga no
celular.
Estava dando as costas e se encaminhando para o seu quarto quando
ouviu a cunhada diminuir o tom de voz e rir com escárnio, o que chamou sua
atenção.
— Não, ele acreditou — riu e Sofia poderia identificar o desdém
pingando naquela voz mesmo à metros de distância.
Franziu o cenho, perguntando-se a que ela se referia.
Vanessa bufou, respondendo uma pergunta que ouvira do outro lado da
linha com repulsa.
— Não seja idiota, aquilo nunca mais vai acontecer. Estou feliz com o
pai do meu filho — ouviu por alguns segundos e logo aumentou o tom de
voz. — Você não teria coragem — zombou e, seja o que quer que tenha
escutado, gritou: — Se você sequer pensar em estragar a minha vida, eu mato
você!
Sofia ficou surpresa com a força na voz de Vanessa, como se ela fosse
mesmo capaz do que dizia.
Deve ter feito algum barulho inconscientemente porque ouviu quando
sua cunhada sussurrou algo baixinho, subitamente nervosa e ouviu o som de
passos se aproximando da porta.
Ajeitou a postura, sem fingir que não estava ali exatamente com o
propósito de ouvir atrás da porta.
Sorriu mostrando todos os dentes quando uma pálida Vanessa abriu a
porta, fitando-a com os olhos arregalados.
Sofia poderia não ter entendido muito daquela ligação, mas fora capaz
de decifrar o sentido geral.
Nunca gostara de Vanessa, mas, se ela realmente estivesse fazendo o
que estava desconfiando, ela não perderia por esperar.
— So-sofia! — gaguejou, limpando a garganta. — O que vo-você está
fazendo ai?
Continuou sorrindo, com doçura.
— Passei para saber se estava bem ou se precisava de algo —
respondeu. Quando a viu começar a relaxar, indagou, ainda sorridente: —
Ligação importante? Quem era?
Novamente, a outra perdera a cor. E Sofia teve a sua suspeita
confirmada. Agora bastava apenas pensar em uma maneira de desmascarar
aquela cadela.
CAPÍTULO 33
Continuou fitando a face pálida da outra.
Estava longe da sua compreensão sequer pensar como ela poderia fazer
uma coisa daquelas.
Não tinha provas além do pouco que ouvira, era verdade, mas aquilo já
era o bastante para ela. Não o bastante para desmascara-la, porém poderia
começar a partir dali.
Não tinha ideia do que faria a seguir, por onde começaria, todavia, não
poderia ficar de braços cruzados enquanto via seu irmão definhar cada vez
mais.
Satisfeita por deixá-la sem palavras, Sofia virou as costas, começando a
caminhar para o seu quarto.
— Onde pensa que vai?
Virou-se erguendo as sobrancelhas, surpresa pelo seu tom de voz.
— Para o meu quarto, não que seja da sua conta — respondeu.
Vanessa riu, um pouco histericamente na opinião de Sofia e ela
começou a perguntar-se se a outra tinha problemas mentais.
— Vai dormir em casa hoje, cunhadinha? E deixar o namoradinho à
solta? Nossa — riu mais um pouco e Sofia franziu o cenho. — Se eu fosse
você, não o deixaria sozinho um segundo sequer. Sabe-se lá quando alguém
melhor pode aparecer e roubá-lo de você — riu mais uma vez, alisando as
laterais do corpo.
Sofia não compreendia como uma pessoa poderia mudar tanto em
questão de segundos.
Fitou-a em silêncio, tentando compreender o que ela estava falando.
Ela estava se referindo a ela mesma com aquele "alguém melhor" ou
era impressão sua?
Riu, sem se conter. Não um sorriso louco e histérico como o da outra,
mas um realmente surpreso e divertido.
Que Vanessa não amasse seu irmão, não era surpresa nenhuma.
Duvidava sinceramente que ela um dia o tenha feito. Aquele relacionamento
sempre fora um erro, desde o começo, a surpreendia ter durado tanto.
Era nítido a falta de sentimento entre os dois, exceto a possessão de
Vanessa. Ela, que tinha um convívio felizmente esporádico com a outra até
algumas semanas atrás, não saberia dizer como Sebastian a suportara por
todos aqueles anos.
Fazer o que Sofia desconfiava que ela estava fazendo, requeria uma
falta de caráter e escrúpulos enorme.
E agora, além de enganar seu irmão, ela sugeria que Henrique poderia
ser dela assim, em um estalar de dedos?
Riu mais um pouco. Vanessa não fazia ideia de quantas vezes
conversara com Henrique sobre o relacionamento do irmão e tampouco
poderia imaginar o verdadeiro asco que ele sentia por ela.
Não que ela o tenha influenciado com suas opiniões; Henrique não era
desses que se permite influenciar por terceiros. Mas, convivendo o mínimo
possível com Vanessa naquele último mês e meio e observando-a, ele
concordara com a avaliação de Sofia sobre o caráter da outra e até
acrescentara mais alguns defeitos na já tão deteriorada imagem dela.
Se ela achava que teria chances, riu mais um pouco, que partisse "para
o abate". Sofia não a impediria, pelo contrário, até assistiria da plateia.
— Pode até ser que, um dia, esse "alguém melhor" apareça — assumiu,
afinal, embora o amasse e soubesse que era retribuída, ainda tinha suas
inseguranças. Sorriu mais um pouco ao continuar: — Mas duvido muito que
seja você.
Vanessa perdeu o sorriso no mesmo segundo, fechando a expressão.
Aproximou-se alguns passos, parando exatamente na sua frente.
— Você se acha mesmo muito superior, não é, garota? — praticamente
rosnou contra seu rosto.
Sofia apenas a encarou, não precisava expressar sua opinião quando era
nítido que, sim, era superior. Sorriu, erguendo as sobrancelhas, aguardando
que a outra continuasse.
Vanessa ficou ainda mais vermelha de raiva, rangendo os dentes com
sua indiferença.
— Pensa que esse casinho amoroso vai durar para sempre? Pensa que
alguém gostoso como ele ficará quanto tempo ao lado de uma idiota como
você?
— Não tenho ideia, mas fico satisfeita com o que tiver — baixou o tom
para um sussurro, como se estivesse confessando um segredo. — Porém
tenho certeza que a idiota ficará ao lado do gostosão mais tempo que você ao
lado dessa farsa.
Vanessa mais uma vez perdeu a cor e Sofia sorriu mais uma vez.
A última vez que discutira com alguém daquela maneira fora com
Arianna, anos atrás, e aquilo nem poderia se considerar uma discussão, tendo
em vista que pouco falara na ocasião e quando o faria, Arianna estava
estirada no chão com o nariz sangrando.
Não era uma pessoa dada a discussões e confusões, mas aquela em
especial era necessária. Embora pudesse sentir as mãos trêmulas e frias,
decidiu-se por seguir com aquilo.
Talvez, se a provocasse o bastante, ela acabaria deixando escapar
alguma informação que a ajudasse.
— Não sei do que você está falando, garota — retrocedeu um passo.
— Claro que sabe. Mas, talvez, você possa estar um pouco confusa.
Ou, embora isso seja impossível, os hormônios da gravidez estejam afetando
seu raciocínio. Ah! — fez como se tivesse acabado de pensar em algo
importante. — Falando em gravidez, queria perguntar uma coisa —
aproximou-se um passo, fitando-a nos olhos. — Quem é o pai?
Vanessa deu mais um passo para trás, vermelha de fúria.
— Você está louca — murmurou e Sofia detectou medo em sua voz.
Era bom que a temesse mesmo. Estava para nascer alguém que ferisse
seu irmão e saísse impune depois.
— Ah, eu? — fingiu inocência. — Peço perdão pelo equívoco. Mas
você há de compreender que, após ouvir sua breve, mas suspeita ligação, eu
esteja um pouco desconfiada sobre essa gravidez — pausou um pouco
observando o rosto da outra ficar cada vez mais vermelho. — Não, deixe-me
reformular essa afirmação: não estou desconfiada sobre a gravidez em si, sei
que você está mesmo grávida, tem até uma barriguinha agora — aproximou-
se um passo, parando a centímetros do rosto da outra. — O que quero saber é
quem é o pai do bebê, já que, claramente, não é o meu irmão.
Vanessa apenas piscou, aparentando estar cada vez mais furiosa.
Sofia sabia que talvez estivesse indo longe demais, mas não poderia se
conter. Sabia que se a outra explodisse em um ataque de fúria – o que parecia
prestes a acontecer – não poderia rebater o ataque. Embora a odiasse, não
queria prejudicar sua gestação. O bebê não tinha culpa de nada daquilo, era
apenas um peão no jogo sem escrúpulos da mãe.
Parecendo recuperar o autocontrole, Vanessa arrumou a postura, rindo
histericamente mais uma vez.
— Você, definitivamente, está louca garota. Acha que alguém vai
acreditar em você?
Sofia deu de ombros.
— Posso arriscar, não tenho nada a perder. Já você, pelo contrário... —
sorriu.
— Esse bebê é do seu irmão e nada vai me impedir de conseguir o que
quero — rosnou.
Sofia surpreendeu-se. Ela falara do bebê com tanto desprezo, apenas
um meio para um fim, que Sofia sentiu um arrepio.
Não saberia dizer se pessoas más nascem dessa maneira. Vanessa
realmente não dava a mínima para o filho, tudo o que queria era prender
Sebastian ao seu lado. Para sempre.
Seu irmão merecia coisa melhor, merecia uma pessoa que o amasse,
que o admirasse e fizesse de tudo para conquistá-lo, mas não como aquela
mulher fazia. Enganando-o, manipulando-o cruelmente e forçando-o a
permanecer ao seu lado, apelando para o seu caráter e hombridade.
— Você é desprezível. Vou contar tudo para Sebastian — sussurrou.
Vanessa riu, jogando a cabeça para trás.
— Você não é ninguém para me pôr medo, garota. Duvido que seu
irmão acredite em você. Acha que ele ficaria ao seu lado e não do meu? A
mãe do filho dele?
— Você não é e nunca será mãe de um filho dele, porque depois que eu
desmascará-la, você vai ser chutada dessa casa como a cadela que é — sua
voz soava baixa, calma e só quem a conhecia poderia dizer o quanto estava
furiosa, apenas pelo tom de voz, as mãos ligeiramente trêmulas e o rosto
rubro.
Vanessa ergueu a mão, também furiosa, para batê-la, mas Sofia
rapidamente prendeu seu pulso, prevendo o movimento.
Ela se soltou rapidamente, com um gesto brusco. Sofia retrocedeu, não
machucaria uma mulher grávida.
— Vou desmascará-la, Vanessa. Custe o que custar.
— Ninguém acreditaria em você.
Sofia sorriu mais uma vez, com pena.
— Sebastian é meu irmão, você está na minha casa e enganando a
minha família. Acha que acreditariam em você e não em mim?
— Você não tem provas.
Sofia deu de ombros.
— Não tenho — admitiu e acrescentou: — Ainda.
Vanessa riu mais uma vez, mas não com a histeria de antes.
— E como pensa em conseguir essas provas?
— Não interessa como ou que farei para consegui-las, mas essa sua
farsa está com os dias contados.
Vanessa, aparentemente cansada de fingir, gritou:
— Antes disso, eu mato você!
Sofia deu um passo para trás, não por medo, mas surpresa mais uma
vez. Aquele era o mesmo tom de voz e a mesma ameaça que fizera
anteriormente, na ligação. Sofia, embora a conhecesse há anos, não a
conhecia de fato. Porém, começava desconfiar que ela fosse mesmo capaz do
que dizia.
— Você pode tentar, mas duvido muito que consiga.
Vanessa gargalhou.
— O que? Pensa que é invencível? Ou, talvez, pense que aquele seu
namoradinho seria capaz de me impedir?
Sofia balançou a cabeça, cada vez mais certa do distúrbio psicológico
da outra.
— Você está louca, Vanessa. Não vê que isso que está fazendo é
errado? E tudo para que? Manter ao seu lado um homem que não a ama, pelo
contrário, apenas a despreza?
Ela, subitamente, bateu um dos punhos na parede, os olhos saltados,
vermelhos.
— Ele me ama! — gritou, furiosa.
— Não, não ama. E desconfio que ninguém o faça, você é uma pessoa
desprezível — deu um passo para trás quando a outra ameaçou batê-la uma
segunda vez. — Tudo o que está fazendo só prova isso.
— Eu vou matar você! — gritou mais uma vez.
Sofia balançou a cabeça, com pena.
— Você pode tentar, mas isso e suas ameaças só provam o quanto você
é uma pessoa doente, sem escrúpulos e não amada.
Se possível, ela pareceu ainda mais louca, gritando ainda mais alto.
— Seu irmão me ama! Ele me ama, e nada do que você possa fazer vai
atrapalhar isso. Nós vamos nos casar e você não vai impedir os meus planos!
— Ele não a ama e você sabe disso — Sofia não tinha mais raiva,
apenas sentia pena. — O que aconteceu? Você descobriu que ele ia terminar
com você e decidiu engravidar, para prendê-lo? — pensou um pouco. — Mas
ele não é o pai desse bebê. O que você fez? Você engravidou antes ou depois
de começar essa farsa?
Sofia soube o quanto estava próxima da verdade quando Vanessa
arregalou os olhos, dando um passo para trás.
— Você nunca vai descobrir — sussurrou baixinho, os olhos ainda
arregalados e vermelhos. — Antes disso eu acabo com você.
— Eu entendo como você deve se sentir — murmurou. — Amando um
homem que não a ama, fazendo de tudo para prendê-lo ao seu lado... Mas
isso está errado, Vanessa. Não é assim que você vai conquistá-lo, ser amada.
Amor não se compra, não se manipula. Desista dessa farsa ridícula e procure
alguém que a ame de verdade e que você ame, também. Porque isso que você
sente pelo meu irmão não é amor, é doença. Obsessão.
— E o que você sabe do amor, sua idiota? Ou quer dizer que aquele seu
namorado a ama?
Sofia sabia que sim, embora ele não a tenha dito ainda. Nem ela o fez,
tampouco.
— Meu relacionamento não te diz respeito — disse calma. — Se ele
me ama ou não, não é da sua conta.
Vanessa gargalhou alto.
— Que você o ama, isso é nítido até para um cego. Mas ele amar você?
— riu outra vez. — Garota, um homem daquele não se aproximaria de você a
não se por interesse. Ou apenas para comê-la — Sofia deu um passo para
trás, embora aquelas palavras não a atingissem realmente.
Vanessa riu outra vez, jogando a cabeça para trás.
— Eu posso estar enganando o seu irmão, mas não sou iludida como
você. Você nunca seria capaz de conquistar alguém como ele. Já se olhou no
espelho? Você é ridícula, Sofia — deu um pequeno passo para a frente,
alisando o corpo e mordendo o lábio. — Já eu? Olhe para mim, eu
conquistaria seu namoradinho em dois tempos.
— Pelo contrário — uma voz rouca soou no corredor.
As duas pularam surpresas, arregalando os olhos enquanto o dono
daquela voz se aproximava vagarosamente.
Sofia não saberia dizer quanto daquela conversa Henrique ouvira, mas,
apenas observando sua expressão, poderia dizer que o bastante.
Ele se aproximou até ficar entre as duas, dando um passo a mais até
ficar a centímetros do rosto pálido de Vanessa. Ela recuou até apoiar as costas
contra a parede.
Sofia segurou sua mão rapidamente, não com medo que ele a agredisse;
sabia que ele seria incapaz de algo do tipo. Apenas precisava senti-lo após
todas aquelas acusações.
Haviam marcado de se encontrar na casa dele, após as aulas. Ela
passara em casa para pegar algumas coisas e seguiria para lá caminhando, já
que moravam próximos. Não fazia ideia de quanto tempo ficara ali, mas
deveria ter se passado um bom tempo para ele decidir procurá-la.
Ele fitou Vanessa com atenção e falou baixinho, quase um sussurro,
mas Sofia poderia perceber a fúria e verdade nas suas palavras.
— Ela me conquistou por ser exatamente tudo aquilo que você nunca
será, mesmo que se esforce.
Vanessa arregalou os olhos, pálida novamente, mas ele prosseguiu.
Sofia apertou sua mão.
— Uma pessoa desprezível como você não merece ser amada —
enfatizou o que Sofia dissera anteriormente, deixando claro que ouvira bem
mais do que elas imaginavam.
— Você não me co-conhece — sussurrou furiosa, embora fosse
perceptível que o temia.
Ele se aproximou mais um pouco. Sofia foi junto, ainda o segurando.
— E você não me conhece — fitou-a nos olhos, a expressão sombria.
— Não sabe do que sou capaz de fazer com alguém que ameace a minha
mulher — fitou-a de alto a baixo, observando-a engolir em seco e pressionar-
se contra a parede.
— Henrique... — Sofia o chamou, querendo sair dali. — Vamos
embora.
Ele retrocedeu um passo, afastando-se e abraçando o pequeno corpo
trêmulo que o segurava, sem tirar os olhos de Vanessa.
— Você é indigna de amar alguém, tampouco ser amada — declarou.
— Tenho pena de você.
Vanessa, parecendo recuperar-se, apenas o fitou com os olhos em
chamas.
Henrique virou-se, dando as costas para ela e ainda abraçando Sofia.
Deu uma passo em frente, mas parou quando a ouviu rir mais uma vez e dizer
com a voz trêmula de raiva:
— Você não sabe do que eu sou capaz para conseguir o que eu quero
— Vanessa levantou o queixo. — Se eu fosse você, tomaria cuidado de agora
em diante, Sofia.
Sofia tentou segurá-lo, mas ele era mais alto, mais forte e estava
furioso.
Soltou-a rapidamente, sem machucá-la e voltou até onde a outra estava,
ficando com o nariz colado com o dela ao rosnar:
— Nem você sabe do que eu seria capaz de fazer para impedi-la —
Vanessa se retraiu, sem conseguir manter a banca de corajosa com quase dois
metros de um Henrique furioso pressionando-a contra a parede. Ela virou o
rosto e ele tocou seu queixo, virando-o para si, delicadamente. Inclinou-se e
sussurrou contra seu ouvido. — Antes de você sequer pensar em tocá-la, eu
mato você.
Soltou seu queixo e ainda a fitou por mais alguns segundos antes de
sair dali, levando Sofia consigo.
CAPÍTULO 34
Ela estava inquieta. Não conseguia ficar sentada, não conseguia para de
andar de um lado para outro por um segundo, impaciente.
Não fazia ideia do que faria a seguir, porém precisava fazer algo.
Não conseguia pensar em nada, estava de mãos atadas. Não queria
apenas falar, queria mostrar provas, queria provar que tinha razão, e não
apenas dizer que a tinha.
Mas não era apenas aquilo que a incomodava. Havia também Henrique.
Ele ouvira boa parte da discussão, tinha certeza. Tinha certeza também
que ouvira a maneira que Vanessa debochara dos seus sentimentos. E dos
dele.
Não sabia o que fazer a seguir, mas precisava fazer algo e logo, para
não enlouquecer.
Passou as mãos no cabelo, notando o quanto estavam emaranhados e os
prendeu rapidamente em um coque no alto da cabeça, dando um nó com os
próprios fios.
Quando saíram de sua casa, seguiram para casa dele caminhando em
silêncio, já que quando ele fora a sua procura, resolvera deixar o carro e a
moto em casa.
Fora um percurso curto, já que moravam realmente muito próximos.
Quando chegaram ali, ele a ofereceu alguma coisa que ela não ouviu e
recusou, perdida em pensamentos.
Talvez, se apenas levantasse a suspeita, mesmo sem provas, sua família
acreditasse na sua palavra. Poderia dar certo, ou não. Mas pelo menos faria
algo.
Sobre Henrique e seus sentimentos, aquilo já eram outros quinhentos.
Não aguentava mais reprimir-se, impedir-se de revelar o que sentia, declarar
seus sentimentos em alto e bom som.
Decidira-se por esperar um pouco, não querendo assustá-lo. Porém, já
não aguentava mais aquela situação.
Por Deus, não bastasse ter que lutar suas próprias batalhas, agora
também teria que resolver os problemas do seu irmão.
— Vai fazer um buraco no chão.
Voltou-se para ele, surpresa. Por um momento, esqueceu-se de que ele
estava ali.
Estava sentado confortavelmente no sofá. Pernas abertas, braços
esticados sobre o respaldo e a cabeça inclinada para trás, fitando-a tranquilo.
Vestia um jeans de lavagem clara e uma camisa fina de manga longa
vermelha. Os cabelos estavam presos, notou surpresa. Nunca o vira com o
cabelo preso antes e ficou maravilhada com aquilo, com a forma em que o
rosto dele parecia mais másculo, em evidência.
Ela se aproximou, fitando-o de perto e notou que ele fizera um coque,
meio bagunçado, meio preso, tal como o seu.
Ela, que pensara ser impossível ele ficar ainda mais irresistível, fitou-o
inteiro, do coque aos grandes pés descalços. Ele parecia odiar sapatos, a
primeira coisa que fazia ao chegar em casa era retirá-los e jogá-los longe.
— O que foi? — perguntou curioso, fitando-a.
— Nunca tinha visto você assim — apontou para o seu cabelo.
Ele franziu o cenho e tocou o cabelo, notando o coque.
— Ah — riu um pouco. — Estava com calor — explicou.
— Ficou bonito — confessou, mesmo sabendo que aquele era o
eufemismo do ano.
Ele sorriu, fitando o nó que ela também fizera no cabelo.
— Você também — esticou os braços e a trouxe para o meio das suas
pernas. — Ainda me surpreendo com o quanto você é linda.
Ela corou, tocando as grandes mãos que circulavam sua cintura. Fitou
aqueles olhos escuros que tanto amava, o queixo pressionado contra seu
estômago.
Acariciou seu rosto másculo, delineou as sobrancelhas fartas, a barba, o
nariz, as maçãs do rosto e os lábios, fitando o caminho que seus dedos
faziam.
Ele fechou os olhos, recebendo suas carícias. Ela segurou seu rosto com
as duas mãos, respirando fundo duas vezes antes de declarar baixinho:
— Eu amo você.
Sua voz saíra só um sussurro e perguntou-se se ele teria escutado. Ele
permaneceu alguns segundos com os olhos fechados, e ela estava quase
entrando em pânico, pensando que teria que se repetir, quando ele abriu os
olhos, fitando-a.
Ela estremeceu com o que viu ali, com a gama de sentimentos que
havia naqueles olhos, com a emoção que eles transmitiam.
Ele apertou sua cintura e a aproximou mais, puxando-a até que ela
sentou-se no seu colo, uma perna de cada lado do seu quadril.
Encostou a testa na dela e fechou os olhos, apertando-a contra si.
Sofia o abraçou apertado, mantendo os olhos abertos, fitando-o.
A porta, de repente, foi aberta e Henrique levantou a cabeça
rapidamente, encontrando o rosto surpreso de Diego.
— Saia — falou baixo, fitando-o sério.
Sofia estava quase descendo do seu colo, envergonhada, quando
rapidamente viram-se sozinhos novamente.
— Não deveria ter expulsado seu amigo — reclamou, ainda corada.
— Não me importo.
— Foi errado. Nós estamos aqui e ele...
— A casa é minha.
— E deles também e...
— Não ligo — interrompeu-a novamente, tomando seu pequeno rosto
nas grandes mãos e fitando-a nos olhos, sério. — Diga de novo — exigiu.
Se possível, Sofia corou ainda mais. Já fora difícil confessar uma vez,
fazê-lo outra vez e com ele a fitando...
Ele pareceu entender sua dificuldade e acariciou suas costas, apertando-
a contra si.
Ela respirou fundo e fitou seus olhos escuros, tomando seu rosto nas
mãos novamente, acariciando-o.
— Eu amo você — repetiu, sem desviar o olhar do dele, deixando que
seus sentimentos transbordassem pelos olhos.
Ele fechou os olhos, abraçando-a ainda mais apertado.
Ela fechou os seus também, feliz por finalmente confessar o que sentia
e por ele parecer tão emocionado.
Ela repetiu mais uma vez, dessa vez em um sussurro e ele gemeu
deliciado, abrindo os olhos e beijando-a apaixonado.
Entregou-se, abraçando-o apertado e deixando-o tomá-la como queria,
envolvendo sua nuca e puxando seu cabelo, desfazendo o coque que fizera.
Sentiu os fios caírem sobre os ombros e apertou-se mais contra ele. Ele
desceu as mãos por suas costas, apertando sua bunda.
A puxou contra seu sexo, pressionando-a contra si e ela rebolou,
excitada, sem se conter.
Ele gemeu e ela fez de novo, ouvindo seu grunhido rouco e sentindo-o
contra os lábios.
Ela puxou seu cabelo, também desfazendo seu coque, gemendo e
puxando-o.
Henrique levantou-se, sem dificuldade, levando-a consigo.
Sofia gemeu, surpresa e envolveu as pernas na cintura dele. Ele segurou
sua bunda com as duas mãos, erguendo-a um pouco mais.
Começou a dirigir-se para a escada e Sofia soltou seus lábios,
pressionando o rosto contra o pescoço dele.
Ele subiu os degraus vagarosamente, enquanto ela atacava sua pele,
beijando, lambendo e chupando. Subiu os lábios até a orelha dele e raspou os
dentes pelo lóbulo, chupando-o.
Ele rosnou um palavrão e a pressionou contra a parede do corredor,
puxando seu cabelo, forte o suficiente para apenas afastá-la, sem machucá-la
e tomou novamente seus lábios, faminto.
Ela começou a movimentar o corpo, subindo e descendo o máximo que
podia, roçando contra ele.
Ele rosnou mais uma vez, beijando-a com força, faminto, bebendo seus
gemidos e liberando os seus nos lábios dela.
Bateu contra sua bunda, a mão aberta, apertando-a e Sofia sentiu a pele
queimar, mesmo sobre o jeans. Gemeu manhosa, querendo mais e ele grunhiu
mais uma vez, soltando seus lábios e fitando-a por um segundo antes de
carregá-la rapidamente para o seu quarto, fechando a porta com o pé.
Colocou-a no chão, mas ela mal tivera tempo de respirar e ele já a
agarrava mais uma vez, retirando suas roupas com pressa.
Ela o ajudou, erguendo os braços e depois balançando o quadril,
ajudando-o a retirar seu jeans. Quando ela estava inteiramente nua, a pele
coberta por um intenso rubor, ele deu um passo para trás, fitando-a inteira
enquanto retirava sua próprias roupas, apressado.
Sofia mal teve tempo de apreciar a visão que era aquele homem nu,
todo músculos e tatuagens à mostra. Rapidamente se viu nos braços dele,
sendo erguida e depositada com delicadeza no centro da grande cama.
Arrastou-se até os travesseiros, afastando-se um pouco e ele seguiu
seus movimentos com os olhos, colocando-se sobre ela rapidamente,
cobrindo-a com o seu calor.
Ela arrepiou-se, sentindo-o sobre si, cobrindo-a inteira, fazendo-a
consciente de todo seu corpo.
Ele beijou seu corpo inteiro, começando no seu pescoço e descendo,
parando nos seus seios, enlouquecendo-a com sua boca e descendo mais,
deixando uma trilha úmida por sua barriga plana até o vértice entre suas
pernas.
Ela mal respirava, fitando-o com os olhos cerrados, o corpo inteiro
trêmulo de expectativa.
Gemeu alto quando ele a atacou com fome, sem pequenas carícias, indo
direto onde queria, cavando com a língua e chupando-a com ânsia.
Após quase dois meses ao lado dele, dois meses de muitas aventuras,
descobertas e prazeres, muito da sua vergonha fora deixada no caminho. Não
reprimia mais seus gemidos, primeiro porque isso era impossível quando ele
a atacava daquela maneira e segundo porque ele adorava ouvi-los, saber o
que fazia com ela.
Ele a enlouqueceu, levando-a ao limite mais de uma vez, parando o que
fazia quando ela começava a estremecer, beijando suas pernas até que ela se
acalmasse, apenas para recomeçar tudo de novo, uma e outra vez.
Ela suava, o cabelo grudando na testa, os quadris em constante
movimento, erguendo-se contra a boca dele e apertando os lençóis com as
mãos.
Implorou que ele a deixasse gozar, gemeu sentindo-se perto de
explodir, mas ele apenas brincava com seu corpo, tirando o máximo dele sem
nunca permitir que encontrasse libertação.
Já não aguentava mais, apenas gemia, entregue, quando ele subiu pelo
seu corpo, beijando sua pele, lambendo seus seios até parar na sua boca,
beijando-a faminto.
Ela retribuiu como pôde, separando as pernas e envolvendo-o,
puxando-o para si até senti-lo encaixar-se contra seu sexo úmido e
necessitado.
Não separou seus lábios, apenas ergueu um pouco o quadril e Sofia
sentiu quando ele encaixou-se contra sua entrada molhada, forçando-a
lentamente, penetrando-a aos poucos.
Henrique gemeu, separando as pernas dela mais um pouco com as suas,
descansando os cotovelos ao lado da cabeça dela, sem separar seus lábios.
Sofia sentia o ar faltar, mas não descolou seus lábios, beijou-o de volta
e abraçou seus ombros, gemendo quando ele entrou de uma vez.
Ele gemeu, erguendo o quadril e voltando a penetra-la, estocando
lentamente, saindo e entrando no seu corpo, aumentando o ritmo aos poucos.
Logo ele estocava com força, batendo contra seu quadril, chocando
seus corpos suados, ainda possuindo seus lábios.
A falta de ar deixava tudo mais intenso, mas Sofia sabia que não era
aquilo que tornava aquela vez tão diferente das outras. Eram os sentimentos.
Era o amor que sentia e que finalmente confessara. Era a emoção que
vira nos olhos dele e que ele demonstrava com cada beijo, cada toque, a cada
vez que a penetrava mais fundo.
Daquela vez, não houveram palavras, apenas gemidos e toques, braços
e pernas trançados e corpos em constante movimento.
Ele se retirou do seu corpo repentinamente, erguendo-se e antes que ela
fosse capaz de abrir a boca, ele a virou de lado, deitando-se de frente para ela
e grudando seus corpos.
Ele ergueu sua perna, descansando-a contra a dele e voltou a penetra-la,
naquela posição, olhos nos olhos.
Ela gemeu, abraçando-o e apertando-o contra si, puxando-o mais como
se toda aquela proximidade não fosse suficiente.
Henrique voltou a colar seus lábios, beijando-a com amor, fazendo-a
sentir o que não dizia, o que talvez temesse confessar. Em meio ao carinho
dos seus beijos, da suavidade com a qual movia os lábios contra os dela, seus
movimentos continuavam fortes, penetrando-a com força. Aquela mistura de
suavidade e força foram o que precisava para finalmente alcançar libertação,
gemendo contra os lábios dele, puxando seus cabelos e sentindo como
pulsava contra ele, sugando-o para dentro de si.
Ele apertou sua bunda, com força, movendo-se alucinado, perdendo-se,
derramando-se dentro dela, gemendo rouco. Ele ainda moveu-se por algum
tempo, prolongando o prazer de ambos, até parar, abraçando-a apertado.
Sofia fechou os olhos, sentindo-se esgotada, satisfeita, feliz. Descansou
a cabeça no peitoral dele, ouvindo as batidas do seu coração.
Permaneceram em silêncio, recuperando a respiração, abraçados.
Sentindo-se sonolenta, Sofia o abraçou mais um pouco, apertando-se
mais contra ele e sussurrando baixinho que o amava.
Sentiu quando ele respirou fundo, abraçando-a mais apertado.
Já quase dormia quando ele beijou sua cabeça, alisando seus cabelos e
abraçando-a, cobrindo seu corpo com os dois braços e sussurrando rouco
contra sua testa:
— Também amo você.
CAPÍTULO 35
Nunca fora tão feliz na sua vida.
Claro que era feliz antes, com sua família e amigos. Tinha uma vida
tranquila, sem grandes acontecimentos, é claro, mas satisfatória. Nunca tivera
motivos para reclamar - exceto o leve incômodo com o aspecto romântico de
sua vida (lê-se garotos) -, mas nunca reclamara.
Era feliz, sua vida era cômoda, pequenas coisas que deveriam
incomodá-la - como as roupas horrendas compradas por sua mãe -, não a
incomodavam de fato. Não ligava para sua aparência, não havia motivos para
tal, além disso.
Seu irmão era o seu melhor amigo. Sua mãe, sua confidente. Seu pai
sempre a tratava com aquele diferencial, por ser menina e seu eterno bebê.
Suas amigas eram toda companhia que necessitava, companheiras, nunca a
deixaram para trás e nunca a excluíram - embora por vezes fosse como ela se
sentia.
Tudo estava bem e ela não ansiava por mudanças, tampouco achava
possível.
Então ele apareceu. E com ele, tudo que nunca sonhara e que não sabia,
mas seria tudo que necessitava.
Sentia-se completa, inegavelmente feliz e realizada. Tê-lo, pertencê-
lo... Não havia maneiras de descrever a maneira com a qual se sentia inteira
quando ao lado dele, e mesmo quando ele estava longe e a saudade apertava,
ainda sentia-se inteira, ciente de que a distância seria passageira. E sempre
era.
Sem que esperasse, ele chegara com seu domínio e apossara-se dos
seus dias, sem que ela tivesse tempo de se opor - não que desejasse.
Três meses. Quase três meses, na verdade. Oitenta e sete dias, para ser
específica - não que os estivesse contando, é claro.
O amor que sentia por sua família e amigas fora o único que
experimentara em seus vinte anos de vida. E, embora ainda os amasse mais
que tudo, não se comparava ao amor que sentia por ele. Eram tipos distintos
de amor, cada um a sua maneira.
Sempre gostara muito de romances - principalmente os de época
(autoras como Julia Quinn, Lisa Kleypas e Jane Austen eram as suas
preferidas) -, e sempre julgara não ser do tipo daquelas mocinhas indefesas,
que aguardavam ansiosamente por príncipes encantados em cavalos
reluzentes, dispostos a modificarem suas vidinhas pacatas de uma vez por
todas, levando-as consigo para uma bela e surpreendente aventura.
Embora amasse o gênero, nunca se imaginara no lugar de uma delas e
julgava ser impossível confiar em alguém a ponto de entregar-se sem
reservas.
Então, disposto a prová-la o quanto estava errada, o destino pôs no seu
caminho aquele homem. Um diferente de todos que conhecera, que, como o
mocinho de um romance em particular, precisou enfrentar um mostro
assustador, um enorme dragão furioso (lê-se Sebastian) para tê-la
inteiramente.
E, desde então, sua vida tem sido repleta de aventuras e descobertas.
Óbvio que o amava. Desde que o vira a primeira vez, meses atrás, no
pátio da universidade. Desde aquela primeira troca de olhares e,
posteriormente, aquele fiasco de primeira conversa.
O amava e nunca antes sentira-se tão completa. As conversas entre si
eram longas, eram muito parecidos. É verdade que sempre terminavam na
cama ou na sala, no carro, na biblioteca. O desejo que sentiam, mesmo após
três meses, não diminuía, pelo contrário. Mas com o tempo eles conseguiram
controlá-lo um pouco.
Adorava tudo que faziam juntos; as conversas, o sexo, o sentimento que
compartilhavam, as poucas, mas significantes coisas que tinham em comum.
Completariam três meses juntos em poucos dias e ela começou a pensar
em um presente para ele. Claro que primeiramente pensou em presenteá-lo
com algo que pudessem usar juntos na cama e fora justamente algo do tipo
que uma de suas amigas a sugeriu; uma lingerie sexy ou um brinquedinho ou
atacá-lo em um local impróprio e inúmeras outras sugestões indecentes. Não
precisava dizer qual de suas amigas fez tais sugestões.
Mas ela ouviu e ponderou todas, tendo em vista que não conseguia
pensar em nada. Claro que não levou sua amiga tão a sério, mas sabia que ela
queria apenas ajudá-la e não reclamou em nenhum momento, ouvindo calada
enquanto corava.
Foi em um domingo, após um almoço com sua família em um
restaurante italiano no centro da cidade escolhido por Virna, enquanto
caminhava pelas ruas movimentadas que avistou em uma vitrine pequenas e
delicadas peças feitas de porcelana, nos mais variados formatos. Resolveu
entrar para observar os delicados artesanatos mais de perto e viu-se
apaixonada com pequenos corações do mesmo material e imaginou que
aquilo seria perfeito.
Conversou com o artesão e proprietário da pequena lojinha sobre seu
trabalho e, após dez minutos de conversa, encomendou um delicado e
personalizado coraçãozinho de porcelana, com alguns pequenos dizeres e as
inicias do casal gravados no interior do objeto.
Seria apenas uma lembrança, um pequeno presente em comemoração
daqueles três meses que, de longe, foram os melhores de sua vida.
Feliz, assim que saiu da pequena loja, após combinar o dia em que
pegaria sua encomenda e acertar o pagamento, mandou mensagem para suas
amigas e contou sobre sua decisão; o que fez Thaís parabenizá-la pela escolha
original e Lorrany enviar um áudio resmungando inconformada com a
caretice daquilo.
Estava distraída, caminhando em direção à uma grande loja de
departamento, onde marcara de encontrar-se com sua mãe, ainda conversando
com suas amigas por mensagem e rindo dos áudios de Lorrany, quando
trombou com alguém, por pouco não derrubando o celular no chão.
Sentiu a face corar, envergonhada com sua falta de atenção. Levantou
os olhos, tímida, e deparou-se com os olhos verdes e frios de Brian. Ela
franziu o cenho, surpresa e afastou-se um passo inconscientemente.
Ele percebeu que ficou nervosa com sua proximidade, provavelmente
ainda maior após aquele pequeno encontro na porta daquele pub, meses atrás
e sorriu, irônico.
— Ora, vejam só o que encontrei vagando por aqui — sorriu, malicioso
e Sofia reprimiu o desejo de afastar-se mais um passo. Quando ela apenas
ficou calada, fitando-o, ele bufou. — Não fala mais com os conhecidos?
Nossa, Sofia, você era mais legal quando estava solteira — aproximou-se um
passo e ela, automaticamente, retrocedeu outro. — Aquele seu namorado a
proibiu de falar comigo?
Ela apenas o fitou, calada. Sentia o fedor de álcool vindo dele e notou
como seus olhos verdes estavam ligeiramente vermelhos. Perguntou-se se ele
seria capaz de fazer algo contra ela naquela rua movimentada e decidiu que
não ficaria ali para descobrir.
Deu um passo para o lado, querendo seguir seu caminho, ansiosa para
sair da presença daquele homem que ela não reconhecia mais. Seus instintos
gritavam para que se afastasse dele o mais rápido possível e ela ficaria mais
do que grata em segui-los.
Entretanto, rapidamente ele deu um passo para o lado e interrompeu
seu caminho, fazendo com que ela trombasse em seu corpo novamente.
Ela tentou se afastar, nervosa, querendo manter o máximo de distância
possível, contudo ele segurou seus braços, mantendo-a onde estava.
— Por que a pressa? — ele perguntou divertido, próximo do seu rosto.
Ela afastou a cabeça, franzindo o nariz ao sentir o hálito podre dele. Tentou
se soltar, porém ele apertou seus braços com força, mantendo-a no lugar. —
Não precisa correr de mim, Sofs, não vou machucá-la.
— Solte-me — pediu baixinho, sentindo que a pele dos seus braços
ficariam marcadas devido a força com a qual ele a apertava. Trincou os
dentes tentando afastá-lo novamente e ele a apertou ainda mais.
— Por que eu faria isso? — ele praticamente rosnou no seu rosto e ela
ficou surpresa com sua abrupta mudança de humor. Agora ele parecia
furioso, não mais sorria com malícia ou se divertia com a nítida aflição dela.
— Mandei me soltar — ela falou, encorajada pela dor que sentia.
Ele riu, jogando a cabeça para trás e a apertou contra seu corpo,
colando-a no seu peito.
Sofia notou que ele estava excitado e sentiu ânsia de vômito,
começando a ficar nervosa, imaginando se ele tentaria violentá-la ali onde
estavam, no meio da rua. Embora o local que estavam fosse bem
movimentado, as pessoas à sua volta não pareciam estranhar o
comportamento dos dois, provavelmente imaginando que pela proximidade
dos corpos aquela cena se tratava de um encontro apaixonado entre dois
amantes e não o contrário.
— Você, realmente, se acha superior, não é? — riu um pouco mais e
Sofia sentiu um incômodo com o que ele dissera, mas logo esquecera
enquanto ele ainda a apertava, aproximando seu rosto do dela. — Acha que é
melhor do que eu? Ou, talvez, pense que aquele seu namoradinho de merda
seja — aproximou um pouco mais do seu rosto e ela inclinou-se para trás. —
Mas eu tenho uma surpresa para você, sua pequena vadia — grunhiu raivoso.
— Seu namoradinho não passa de um mentiroso de merda, de um...
— Cale a boca! — ela gritou contra seu rosto, finalmente reagindo e
começando a socá-lo, ou tentando, já que ele prendia seus braços e limitava
seus movimentos. — Você não é ninguém, não passa de um verme e
Henrique é melhor que você, sim! Mil vezes melhor — praticamente cuspiu
no rosto dele.
Viu quando a expressão dele fechou ainda mais e ele soltou um dos
seus braços, levantando uma das mãos como se fosse batê-la.
Surpresa, Sofia reagiu sem pensar e se debateu contra o corpo dele,
tentando se soltar, aproveitando que ele liberara um de seus braços e acabou
atingindo-o entre as pernas com o joelho.
Ele a soltou rapidamente, grunhindo de dor e ela se surpreendeu com o
que fizera, mas feliz por finalmente estar livre. Deu um passo para trás,
notando que finalmente roubavam a atenção de outras pessoas e pensou em
correr.
Quando de um primeiro passo para contorná-lo e correr dali, ele se
ergueu rapidamente, fazendo com que ela retrocedesse, assustada.
Ele mantinha uma das mãos entre as pernas e a fitava ainda mais
furioso. Ela soube que se ele a alcançasse mais uma vez, a machucaria.
Alguma coisa no discurso de ódio dele a incomodava. Já ouvira aquelas
palavras antes, tinha certeza. Mas agora não era o momento para refletir,
precisava agir.
Estava se preparando para correr, sem se importar com nada, notando
que ele também se preparava para atacá-la, quando sentiu um toque gentil nas
suas costas.
Virou-se surpresa e encarou os olhos esverdeados e simpáticos de
Diego, amigo de Henrique. Ele sorriu para ela, ainda tocando-a gentilmente e
fitou o homem que ainda os encarava furioso.
Ela não quis olhar para Brian outra vez e continuou fitando o amigo do
seu namorado, notando que aquela era a primeira vez que o fitava tão de
perto. Claro que já se viram outras vezes, mas nunca tiveram muito contato.
Diego era uma pessoa discreta, sempre que ela visitava Henrique, ele saía da
casa ou quando ela chegava, ele já não estava lá.
Ela sentia-se um pouco incomodada por fazê-lo sair de sua própria
casa. Vinicius, o outro amigo de Henrique, nunca estava lá de qualquer
modo, Henrique dizia que as vezes ele passava semanas sem aparecer.
Diego era o mais simpático dos dois, sempre a cumprimentava com
breves acenos de cabeça e sorrisos ou poucas palavras, mas era simpático, ao
contrário de Vinicius que nunca sequer olhava para ela.
Ela não saberia o que dizer a respeito do outro, tendo em vista que ele
claramente não gostava dela, todavia gostava de Diego e sabia que dos dois
ele era o mais próximo de Henrique.
Fitou-o de alto a abaixo, notando que deveria ser no mínimo vinte
centímetros mais alto que ela. Tinha os cabelos cortados bem rentes a cabeça,
seria considerado careca se não fosse o sombreado dos fios nascendo. Ele
vestia uma camiseta branca longa, dessas que estão na moda entre os homens,
uma jaqueta preta e jeans também pretos.
Sua pele era surpreendentemente escura, e em contraste com seus olhos
verdes o deixava ainda mais charmoso. Poucas vezes o vira sorrir
genuinamente, com todos os dentes amostras, mas lembrava-se de um dia que
o vira de longe, brincando e conversando com seus amigos e notara que
quando sorria ele ficava ainda mais bonito.
Sentindo-se reconfortada com sua presença, respirou fundo e fitou o
homem ainda furioso na sua frente, que agora encarava seu salvador com os
olhos vermelhos.
— Diego — praticamente cuspiu com a expressão ainda mais fechada.
— Brian — Diego retribuiu o estranho cumprimento, mas sem
grosseria. Ele tinha a voz extremamente rouca, profunda e Sofia podia notar o
perigo implícito no seu tom.
— O que você faz aqui? — Brian perguntou, ainda furioso.
Sofia viu Diego erguer as sobrancelhas, sem deixar-se atingir pela
grosseria do outro.
— Até onde sei, estamos no centro e como as ruas são públicas, todos
são livres para ir e vir. Quero dizer, é o que eu acho — respondeu com falsa
inocência. Sofia conseguiu sorrir, mesmo abraçando seus braços doloridos.
Brian se aproximou um passo, cerrando o maxilar de raiva, mas parou
onde estava rapidamente quando Diego apenas ergueu as sobrancelhas.
Notou tardiamente que Diego era alguns centímetros maior que ele, de porte
forte, com os braços quase ou se não tão musculosos como os de Henrique.
— Eu estava conversando com Sofia.
— Gosto de conversas — Diego disse, sem sair de onde estava.
— É uma conversa particular, não se meta — grunhiu.
Diego não se deixou abalar pela raiva do outro, pelo contrário, sorriu.
— Nesse caso, sinto muito, por interrompê-los — começou, digitando
algo rapidamente no seu celular. Brian sorriu, provavelmente pensando que
ele iria embora e ficaria novamente a sós com Sofia. Continuou: — Porém,
Sofia e eu também precisamos conversar.
Ele a fitou rapidamente, viu a forma com a qual ela segurava os braços
machucados e Sofia notou quando sua expressão fechou ligeiramente,
perdendo rapidamente o ar tranquilo que adotara desde que os interrompera.
— Quem você pensa que é para chegar e levá-la assim? Já falei que
estávamos conversando — Brian estava cada vez mais irritado, gesticulando
e grunhindo como um louco. Parecia uma criança contrariada.
Sofia de fato não o conhecia verdadeiramente. Ele era apenas amigo do
seu irmão e como tal, Sebastian nunca permitiu que os dois se aproximassem
demais. Sempre se tratavam com cordialidade, embora notasse que Brian
tinha algo de estranho sempre que a via.
Brian ainda os fitava furioso e só ali notou a forma gentil com a qual
Diego ainda a tocava e sorriu, malicioso.
— Ah, entendi tudo — falou. Se inclinou um pouco e sussurrou como
se estivesse compartilhando um segredo: — Você também está comendo essa
vadia?
Sofia balançou a cabeça, sem acreditar naquilo. Qual era, de fato, o
problema de Brian?
— Henrique sabe que é corno do melhor amigo? — e riu
descontroladamente. Diego permaneceu calado sem deixar-se atingir com o
que o outro dizia. Desviou os olhos rapidamente para algo a sua esquerda e
sorriu tranquilo, dando um passo para trás e levando-a consigo. Sofia franziu
o cenho confusa, sem entender e virou-se para Brian. — Cara, eu daria tudo
para ver a cara do corno do seu namoradinho agor...
Mas ele não conseguiu terminar o que dizia porque de repente, viu-se
sendo agarrado por braços extremamente musculosos e tatuados.
Brian arregalou os olhos, surpreso, e a pessoa atrás do seu corpo
circulou seu pescoço, apertando-o com força e deixando-o sem ar.
— Agora você me vê — Henrique rosnou no seu ouvido e sua voz
pingava violência.
Sofia também arregalou os olhos sabendo que, se antes havia uma
mínima chance de Brian sair dali ferido, agora, ela tinha quase certeza de que
ele morreria.
CAPÍTULO 36
Ela tentou dar um passo para frente, disposta a separá-los antes que
fosse tarde demais. Porém, Diego, que ainda a tocava gentilmente, impediu
que fizesse qualquer movimento.
O fitou com os olhos arregalados de descrença, surpresa por ele saber o
que aconteceria ali - sangue seria derramado - e mesmo assim não deixá-la
intervir. Ele apenas sorriu, nenhum pouco disposto a soltá-la.
— Você parecia bastante valentão até alguns segundos atrás, o que
aconteceu? — Henrique indagou baixo, ainda prendendo Brian pelo pescoço
e imobilizando-o. Brian não conseguiu responder, tendo em vista que mal
conseguia respirar. — Onde foi parar toda a sua valentia? Hum? - rosnou ao
final.
Sofia fitou o rosto do melhor amigo do irmão, cada vez mais vermelho
devido a falta de ar. Ele tentou respirar fundo e surpreendendo a todos riu,
mesmo que parecesse fazer um esforço enorme para isso.
— Não tenho medo de você — disse entre pausas e com um sopro de
voz. Mirou os olhos em Sofia e sorriu, um sorriso doente. — Você e essa
vadia se merecem.
Surpreendentemente, Henrique o soltou, dando um passo para trás e o
fitou de cima enquanto ele se esforçava para respirar. Brian ergueu-se, dando
as costas para Sofia e Diego, fitando Henrique de frente, sem parecer temê-lo,
mesmo sendo uns bons centímetros menor e magro como um graveto se
comparado ao outro.
Quando ele abriu a boca, Sofia gemeu interiormente. Porém, antes que
tivesse tempo de dizer uma só palavra, Henrique ergueu o braço, fechou o
punho e o socou, tão rápido que ela piscou e quando voltou a abrir os olhos
Brian estava estirado no chão com a boca sangrando.
Henrique mal havia se movido, sem precisar esforçar-se, apenas ergueu
o punho e pronto. Encarou o homem aos seus pés, gemendo e cuspindo
sangue.
— Considere isso como um aviso. Não se aproxime dela outra vez —
disse baixo e mesmo quem não o conhecesse poderia afirmar apenas pelo seu
tom de voz que ele era um homem de palavra e que não fazia promessas e
ameaças vãs.
Sofia apenas tremia onde estava, observando tudo com os olhos
arregalados. Henrique se aproximou devagar, fitando o amigo e
cumprimentando-o com um aceno de cabeça antes de concentrar-se apenas
nela, seu olhar mudando automaticamente, passando da fúria para ternura.
— Como... Como — tentou perguntar como ele havia chegado ali tão
rápido, sua mente confusa, ainda digerindo as coisas que Brian lhe dissera e a
cena de agora a pouco.
— Você está bem? — ele perguntou baixinho, terno, enquanto Diego se
afastava um pouco e fitava o homem ainda deitado no chão com atenção.
Ela afirmou com a cabeça, sabendo que não conseguiria falar. Fitou-o
com atenção notando que ele mais uma vez estava com o cabelo preso.
Daquela maneira seu rosto anguloso ficava em evidência e o maxilar com
aquela barba farta que a instigava a tocá-lo.
Ele olhou em volta, certamente conferindo se chamavam atenção das
pessoas por ali e concluindo que não. Com o movimento que ele fez, Sofia
notou um plástico no seu pescoço. Surpresa viu que era uma nova tatuagem.
Ergueu a mão trêmula e tocou-o delicadamente, fazendo-o voltar a olhá-la.
— Quando você fez? — perguntou baixinho, ainda o tocando, mas
evitando a área coberta pelo plástico, deduzindo que a área estaria sensível.
Ele tocou sua mão, levando-a até os lábios e beijando-a.
— Hoje — sorriu quando ela ergueu as sobrancelhas, surpresa. - Na
verdade, ainda preciso terminá-la, saí do estúdio apressado.
Ela compreendeu o que ele não dizia. Ele precisou sair apressado de
onde estava quando Diego o avisara sobre o que acontecia. Lembrava-se de
tê-lo visto mexendo no celular pouco antes de Henrique chegar.
Provavelmente, deveriam ter chegado até ali juntos antes de Diego encontrá-
la.
— Dói? — perguntou, ouvindo os gemidos e grunhidos de Brian ainda
deitado no chão. Precisava manter a atenção de Henrique em si, não queria
mais confusão.
Ele sorriu e tocou seus ombros, aproximando-a um pouco do seu corpo.
— Na verdade, não. Já me acostumei — disse ainda sorrindo, descendo
as mãos pelos braços dela e franzindo o cenho quando ela estremeceu de dor.
Ele fitou a maneira que ela ainda abraçava os braços doloridos e cerrou
os olhos. Sofia tentou se afastar um passo, todavia ele foi mais rápido e como
ela estava muito próxima dele, não conseguiu fugir.
Ele a tocou com delicadeza, tentando fazer com que descruzasse os
braços sobre o peito. Ela resistiu e ele a fitou sério, fazendo com que ela
desistisse e deixasse os braços caírem ao lado do seu corpo, fazendo uma
pequena careta quando o movimento a machucou um pouco mais.
Henrique começou a enrolar a manga 3/4 da blusa que ela vestia,
começando pelo braço esquerdo. Ele o fazia delicadamente e ela mal sentia o
roçar dos seus dedos.
Sofia se concentrou no seu rosto, sem desejar ver o que ele via; sua
pele, antes branca e imaculada, agora marcada com manchas rochas e marcas
de dedos.
Viu a expressão dele mudar aos poucos, conforme fitava seu braço com
atenção, perdendo todo ar de riso que tinha até alguns segundos atrás. Ele fez
o mesmo com o outro braço, até tê-lo inteiramente exposto e marcado por
hematomas como o outro.
Ele travou o maxilar, a expressão cada vez mais sombria enquanto a
observava. Ele não tentou tocá-la, apenas a fitava, como se guardasse na
memória o que via.
Sofia sabia o que ele faria a seguir e procurou Diego com os olhos,
encontrando-o alguns metros afastado, observando-os. Pensou em implorar
que ele impedisse Henrique de fazer uma besteira, porém notou a forma que
ele também fitava seus braços e estremeceu, identificando a mesma fúria que
via nos olhos de Henrique nos olhos dele, embora fosse em menores
proporções.
Uma súbita gargalhada atrás de Henrique chamou de volta sua atenção.
Ela estremeceu quando seu namorado tencionou o corpo e antes que ele
pudesse fazer qualquer movimento, ela tomou seu rosto nas mãos, tentando
ganhar sua atenção novamente.
— Por favor — pediu em um sussurro. Não gostava de confusões, de
violência. Mas não era por isso que não queria que ele não batesse no outro
novamente; ela só não queria que ele se machucasse, que fosse prejudicado
de alguma forma por sua causa. Sabia que Brian merecia uns bons murros,
mas não queria que Henrique se metesse em encrencas por culpa sua. — Eu
estou bem.
Ele a fitava, mas parecia que não a enxergava de fato. Parecia perdido
em pensamentos. Sofia rezou para que estivesse pesando os prós e contras
daquela situação. Encostou a testa na dele e permaneceu assim, fechando os
olhos quando ele fez o mesmo, enquanto respiravam o ar um do outro.
— Desculpe interromper o casalzinho, mas meu assunto com você
ainda não acabou — Brian disse, com a voz ainda rouca. Sofia colou seu
corpo ao de Henrique quando ele tentou se afastar e agarrou-o com mais
força.
Não o deixaria sujar as mãos com o sangue podre do outro. Ainda não
sabia qual era o problema de Brian, se ele sempre a odiou ou se o problema
era o seu relacionamento. Ela apenas sabia que era preciso ser realmente
corajoso ou não ter medo de morrer para provocar Henrique daquela maneira.
Sabia que não seria capaz de segurá-lo se ele decidisse se soltar, mas
poderia tentar, mesmo que para isso fosse preciso usar toda sua força.
Envolveu os braços no pescoço dele, ficando nas pontas dos pés,
recusando-se a deixá-lo ir.
Brian riu debochado, provavelmente irritado por ser ignorado daquela
maneira.
— Acho que por hoje já chega. Por que você não vai embora? — Sofia
ouviu a voz profunda de Diego e o agradeceu mentalmente.
Ouviu outra risadinha.
— Cara, meu assunto não é com você. Meu assunto é com a vagabunda
e aquele troglodita ali.
Ela precisou se esforçar para não soltá-lo quando ele tentou retirar seus
braços do seu pescoço. Henrique só não conseguiu soltar-se porque da
maneira que estava presa a ele, não seria possível afastá-la sem que ele
machucasse seus braços doloridos ainda mais.
— Ou você é realmente corajoso ou não tem medo de morrer — Diego
comentou. — Ou gosta de apanhar, o que eu acho que é verdade.
— Esse idiota me pegou desprevenido, mas isso não vai acontecer
novamente — Brian rosnou indignado. — Assim que ele soltar a vadia, eu
quebro a cara dele.
— Solte — Henrique ordenou baixo, a voz rouca de raiva e Sofia
negou com a cabeça, abraçando-o apertado.
— Falando desse jeito... — Diego começou, mas de repente exclamou
como se só agora tivesse compreendido algo que estava bem na sua cara. —
Ah, agora eu entendi. Isso tudo é por dor de cotovelo?
— Não sei do que você está falando — Brian dissimulou.
Sofia não sabia do que estavam falando, porém agradecia pela pequena
distração. Henrique afastou o rosto, fitando-a sério e ela o fitou de volta, sem
deixar-se intimidar.
— Claro que sabe — Diego continuou. — Tudo isso, toda essa raiva, é
porque ela está com ele e não com você? — perguntou e recebeu o silêncio
como resposta mais que suficiente. Riu mais um pouco, realmente parecendo
achar graça na recém mudez do outro. — Você é realmente patético.
— Eu não a quero — Brian negou, mas sua voz subiu alguns tons e
Diego riu novamente. — Não quero, tenho coisa melhor. Nunca quis essa
vadia, tudo o que eu quero é provar dessa boceta gostosa. Não deve ser
difícil, afinal, esse aí mal chegou e em poucos dias já estava comendo a
prostituta.
Sofia ainda tentou impedi-lo, mas havia relaxado quando Diego
começara a falar e ele conseguiu retirar os braços do seu pescoço,
delicadamente, sem machucá-la, enquanto ela implorava que não.
Henrique afastou-se um passo e olhou de rabo de olho para Diego, que
rapidamente se posicionou ao lado dela, voltando a tocar suas costas com
gentileza, mas firme, mantendo-a no lugar.
— Henrique, não! Por favor! — implorou, mas ele parecia não ouvi-la.
Brian não parecia temeroso, pelo contrário, riu observando-o se
aproximar lentamente.
— Se você pensa que me assusta com essa pose de garoto malvado está
muito...
Tão rápido como da outra vez, Henrique o socou, fazendo Sofia pular
assustada quando ouviu o inconfundível som de ossos se partindo. Só que
diferente da outra vez, ele não se contentaria com apenas um soco. O que
ficou claro quando ergueu o outro como se fosse um saco de batata,
aproximando-o do seu rosto e fitando o sangue que pingava novamente da
sua boca e agora também do nariz.
Ele rosnou algo baixo que Sofia não foi capaz de ouvir. Brian sorriu
mesmo com a boca ensanguentada e disse algo de volta. Nervosa e curiosa
para ouvir o que falavam, Sofia tentou dar um passo para frente, mas Diego a
impediu, segurando-a mais firme e negando com a cabeça quando ela o fitou.
— Aproveite enquanto pode, animal — disse Brian, cuspindo sangue
no chão aos seus pés. — Você não vai tê-la para sempre. Uma hora ela vai
descobrir que...
Antes que ele terminasse o que dizia, Henrique mais uma vez o jogou
no chão com outro soco, daquela vez não parando, sentando-se rapidamente
em cima dele e socando-o com fúria, escapando com facilidade das fracas
tentativas do outro de fazer o mesmo.
Ele parecia transtornado, a expressão sombria, furiosa, enquanto o
socava, sem importar-se com os ofegos e gritos das pessoas em volta,
horrorizadas com o que viam.
Sofia tentou soltar-se mais uma vez, gritando, chamando por Henrique
e sendo contida por braços fortes, que a prendiam cada vez mais.
Ela gritou um pouco mais, tentando desesperadamente fazer com que
ele a ouvisse, mas nada adiantava e ela observou com crescente horror o
sangue respingar do rosto de Brian enquanto Henrique continuava atingindo-
o, uma vez atrás da outra.
Não saberia dizer se foi a visão de todo aquele sangue no rosto de Brian
ou nos punhos de Henrique, mas Sofia de repente começou a sentir-se tonta.
Piscou os olhos quando sua visão pareceu escurecer rapidamente.
Sentiu o corpo pender sobre Diego e agradeceu que ele ainda a rodeasse com
os braços.
Notando que ela mal conseguia se manter de pé, Diego a observou com
atenção, firmando-a de pé enquanto tocava seu rosto.
— Você está bem? — indagou preocupado.
— Estou bem — afirmou com um fio de voz. — Só fiquei tonta por um
segundo.
Ele tocou sua testa com delicadeza e ela fechou os olhos quando sentiu
o toque morno na sua pele.
— Você está pálida e gelada. O que você tem?
Ela tentou responder, porém, ao tentar fitar o lugar onde Henrique
estava sentiu a cabeça rodar e por pouco não desabou no chão.
Não saberia dizer o que estava acontecendo, mas podia sentir a bílis
subindo e descendo por sua garganta e sentia-se cada vez mais fraca, embora
lutasse para recuperar o controle do seu corpo.
— Henrique — Diego chamou com a voz séria e preocupada e foi o
suficiente para Henrique escapar da névoa de fúria em que estava.
Ainda fitou o homem caído no chão uma última vez, observando como
ria debochado mesmo que estivesse todo machucado, tentando provocá-lo.
Desviou os olhos, rangendo os dentes e fitou seu amigo, arregalando os olhos
quando viu Sofia perder a consciência.
Levantou-se em um salto, correndo até onde estavam, mesmo que
apenas poucos metros os separassem.
— O que aconteceu? — perguntou preocupado, retirando o moletom
que vestia e limpando as mãos ensanguentadas, ignorando as pessoas
amontoadas a sua volta. Fitou o pequeno rosto feminino desacordado e pálido
e a tomou nos braços, jogando o casaco no chão.
Ela parecia estranhamente sem vida e estava gelada. Ele se desesperou,
erguendo suas pernas e descansando-a contra o peito. Apenas o sopro quente
da respiração dela contra sua pele o confirmou que ela estava viva.
Sem demora, abriu caminho entre os curiosos, encaminhando-se para o
estacionamento em que deixara a moto, na rua de trás, agradecendo
internamente por estarem tão perto e por Diego estar de carro.
Ouviu parcialmente o amigo contar o que aconteceu, como ela
desmaiara, enquanto seguia a passos rápidos para o carro.
Diego destravou as portas e já abria uma das traseiras quando ela se
moveu contra seu peito, gemendo baixinho. Ele parou antes de entrar no
carro, afastando a cabeça para vê-la.
Ela abriu os olhos lentamente, brindando-o com aquelas esferas azuis
que tanto amava. Respirou aliviado ao vê-la retomar os sentidos.
— Henrique — ela murmurou baixinho, voltando a fechar os olhos.
— Estou aqui, amor — respondeu baixo, observando-a abrir os olhos
novamente e fitá-lo.
— O que aconteceu? — perguntou confusa.
— Você desmaiou — disse, ainda preocupado. — O que você está
sentindo?
Ela franziu o cenho, procurando por algum incômodo além do enjoo,
sentindo-se despertar aos poucos, como se estivesse acabado de acordar.
Deduziu que não caíra no chão quando desmaiou, já que não sentia nenhuma
dor pelo corpo, exceto os braços.
— Estou bem.
Dessa vez ele que franziu o cenho.
— Você não está bem. Você desmaiou — afirmou, começando a se
mover novamente. — Vou levá-la para o hospital.
Eu estou bem — repetiu, mas ele não quis ouvir, entrando no carro e
sentando-se no banco de trás com ela no seu colo. Acomodou-se no colo dele,
sentindo-se bem. Não sabia por quê desmaiara, mas não achava necessário
irem a um hospital.
— Vamos para o hospital.
— Só estou enjoada — ela tentou dissuadi-lo.
— Então, lá podem ajudar você com o seu enjoo — falou, encarando
Diego no banco do motorista. — Dirija para o hospital mais perto daqui.
— Henrique! — Sofia não conseguiu impedir-se de rir da teimosia
dele. E, além disso, era uma fofura vê-lo tão preocupado. Olhou para Diego.
— Vamos para casa. Não quero ir para um hospital, já disse que estou bem.
— Você desmaiou, Sofia, claro que precisa ir para o hospital — voltou
a fitar seu amigo. — Para o St. Clara, é o hospital mais perto daqui.
— Não vou para um hospital — negou-se, fazendo que não com o dedo
para Diego e voltando a fitar seu namorado, dizendo pausadamente: — Eu
estou bem.
— Você desmaiou nos braços de Diego, estava gelada e pálida. Nós
vamos para o hospital — fitou seu amigo mais uma vez que não fizera
nenhum movimento para tirar o carro dali, apena revezava o olhar entre um e
outro. Rosnou irritado: — Dirija esse caralho de carro até o St. Clara, ou eu o
dirijo para você.
Diego levantou as sobrancelhas enquanto Sofia negava novamente e
tentava uma nova tática.
— Amor — chamou baixinho, erguendo uma das mãos e acariciando
sua barba. Henrique fechou os olhos, resmungando um palavrão. Ela puxou
seu rosto para si, acariciando-o com o seu, roçando seu nariz no dele como
um beijinho de esquimó. — Eu prometo que estou bem, só quero ir para casa
com você.
— Sofia — ele avisou e ela reprimiu um sorriso, sabendo que mais um
pouco e ele cederia, como sempre.
— Só quero ficar juntinho de você, deitadinhos na sua cama —
sussurrou baixinho: — Receber seus carinhos, ficar abraçadinha com você...
Não quero ir para um hospital, quero ir para casa.
Ele permaneceu de olhos fechados, mas ela respirou aliviada quando
ele confirmou levemente com a cabeça e a abraçou apertado, ainda mantendo
seus rostos colados.
— Tudo bem — confirmou. E logo continuou, abrindo os olhos e
usando um tom mais duro, sem querer assumir que era facilmente dobrado
por aquela mulher. — Não vamos para o hospital, só porque você parece
bem. Vamos para casa, mas você vai dormir comigo hoje.
Ela confirmou com a cabeça, sorrindo, beijou seu queixo rapidamente e
descansou a cabeça em seu peito.
Fitou Diego de onde estava, que sorriu e fez um sinal de joinha para
ela.
CAPÍTULO 37
Foi difícil convencê-lo que estava bem mais uma vez quando, assim
que chegaram na casa dele, ela correu para o banheiro, vomitando todo seu
almoço e mais.
Quase desmaiou de cara na cerâmica do vaso sanitário, mas ele a
segurou, tendo a seguido preocupado.
— Vamos para o hospital agora? — perguntou irônico, mas ainda
preocupado, enquanto segurava seu cabelo e alisava suas costas.
Ela tentou responder alguma coisa, todavia, um novo enjoo a fez se
debruçar novamente e vomitar mais um pouco. Apenas quando parecia não
ter mais nada que pôr para fora, ela conseguiu erguer o corpo. Ele a ajudou,
firmando-a e enxugando o suor da sua testa com uma toalha.
Subitamente, tão rápido como o mal-estar surgira, ela sentiu-se bem,
como se não tivesse acabado de vomitar até a ceia de natal de 2003.
Escovou os dentes e começou a tirar a roupa, louca para tomar um
banho e livrar-se de todo suor que cobria seu corpo.
Henrique a fitava franzindo o cenho, confuso, observando-a como se
fosse louca.
— O que você está fazendo?
— Tirando a roupa — respondeu, passando a camisa pela cabeça.
Ele franziu ainda mais o cenho.
— Isso eu estou vendo. Quero saber por quê.
— Porque vou tomar banho — respondeu, jogando o jeans na pia.
Ele grunhiu irritado, tentando desviar os olhos do seu corpo seminu,
sem sucesso.
— Nós vamos para o hospital.
— Eu estou bem.
— Você disse isso quinze minutos atrás e quando chegamos aqui
passou mal de novo.
— Mas agora estou bem.
— Quem garante?
Ela franziu as sobrancelhas, fitando-o irritada, retirando o sutiã.
— Eu, por acaso, garanto. Já que eu passei mal e agora eu me sinto
bem — tentou passar por ele em direção ao box, após jogar a calcinha junto
com as outras roupas.
Henrique ficou no seu caminho, parecendo ainda mais irritado, porém
sem conseguir desviar os olhos dos seus seios, descendo-os por todo seu
corpo.
— Você está querendo me irritar, é isso? Ou me distrair? — perguntou
com a voz rouca.
Ela sorriu, incapaz de se conter.
— Não, amor, só quero tomar banho. Acabei de vomitar até os meus
órgãos, estou cansada, preciso de um banho para me livrar de todo esse suor e
depois quero dormir um pouco — disse, tentando passar por ele novamente,
sem sucesso.
Observando seu bico irritado, ela riu. Ele estava com o peito nu, tendo
retirado o moletom em algum momento que ela não recordava. Amava todos
aqueles músculos impressionantes e tatuagens expostos.
Henrique desviou os olhos do seu corpo quando a ouviu rir e franziu
ainda mais o cenho, fitando-a inteira mais uma vez, antes de sorrir malicioso.
— Se você passar mal mais uma vez — começou, retirando os sapatos
com os pés ao mesmo tempo que abria o botão do jeans. —, uma dor de
cabeça que seja, uma dor na unha — enfatizou, descendo o zíper enquanto ela
seguia seus movimentos com os olhos, hipnotizada. — Nós vamos para o
hospital, quer você queira quer não.
Ela confirmou com a cabeça, sem conseguir desviar os olhos quando
ele desceu a calça pelas pernas musculosas, revelando uma cueca boxer
vermelha.
— O que... O que você está fazendo? — perguntou quando ele retirou
rapidamente a última peça de roupa e se aproximou.
— Você não queria tomar banho? Vamos tomar banho — sorriu,
segundos antes de agarrar sua cintura e erguê-la nos braços.

•••
No dia seguinte, após se encontrar com suas amigas e conversar um
pouco, seguiu para casa, esperando encontrar seu irmão e poder enfim
conversar com ele sobre o que descobrira.
Não poderia adiar essa conversa, por mais que desejasse. Não seria
justo permitir que seu irmão continuasse sendo enganado daquela maneira.
Contaria tudo, tudo o que escutara e o que deduzira, mesmo sem provas.
Tinha esperanças que ele acreditaria nela, mesmo assim.
E, além disso, não bastasse os problemas do seu irmão, agora também
tinha uma nova preocupação: Lorrany.
Ela já havia reparado que sua amiga andava estranha, mas não
comentara nada, certa de que, como de costume, logo ela tagarelaria sobre o
que quer que estivesse a incomodando. O que não aconteceu, porém.
Sofia imaginava que era apenas coisa da sua cabeça, talvez estivesse
enxergando coisa onde não tinha, até que algumas noites atrás teve a certeza
de que algo realmente não ia bem.
Haviam combinado de fazer uma noite do pijama aquela noite, porém
Lorrany comunicara que não poderia ir porque sairia com algum contatinho e
seria impossível desmarcar em cima da hora.
Sofia e Thaís mantiveram os planos, reunindo-se na casa da segunda e
compartilhando fofocas, rindo e comendo besteiras a noite toda. O clima
estava ótimo, ambas se divertiam como sempre, mas sem Lorrany nada
parecia igual, embora elas se esforçassem para isso.
Até que, pouco depois da meia-noite, Lorrany retornou do seu
encontro, vermelha de raiva, as bochechas manchadas de lágrimas que
insistiam em cair por seu rosto, umas atrás das outras e sem querer conversar.
Não queria contar o que aconteceu, só precisava de carinho, não queria estar
sozinha, disse.
Sofia e Thaís a abraçaram, deitadas na cama, criando um pequeno
casulo para a amiga, cobrindo-a de amor e permitindo que ela chorasse o
quanto quisesse.
Permaneceram assim por horas, até que ela dormiu, cansada e suas
amigas fitavam com preocupação seu rosto úmido e olhos inchados. Lorrany
não era de chorar. Ela explode meio mundo antes de levar desaforo para casa,
quebra o nariz do primeiro que ousar levantar a mão para ela, xinga antes de
ser xingada, mas nunca, nunca, nunca chora. Ou, quando sim, nunca na
presença de ninguém, mesmo suas amigas.
Na manhã seguinte, quando acordaram, ela já não estava mais na cama.
Sofia desceu as escadas, coçando os olhos ainda inchados de sono, bocejando
e a encontrou na cozinha de Thaís, vestida com um dos vestidos floridos da
amiga e cantando desafinada.
Ela parecia feliz, normal, como se não tivesse chorado até dormir na
noite anterior. Thaís se juntou a Sofia no meio das escadas, também
bocejando. Ambas fitaram a amiga por alguns minutos, tentando entender o
que diabos estava acontecendo, mas com a certeza de que, o que quer que
fosse, Lorrany não falaria nada naquele momento. O que aconteceu.
Mesmo após alguns dias, ela ainda se recusava a revelar o que
acontecera. Ela não falaria, não contaria nada e permaneceria assim, Sofia
tinha certeza.
Se fosse com outra pessoa, Sofia deixaria para lá e esqueceria o
assunto. Mas era Lorrany, sua melhor amiga. Sua melhor amiga que nunca
chorava e que nunca tivera segredos com ela.
Mas isso precisava esperar, suspirou. Pelo menos por enquanto,
primeiro precisava conversar com seu irmão, esperar que ele acreditasse na
sua palavra e resolver tudo aquilo.
Pensava em maneiras de como contá-lo quando chegou em casa e
estranhamente não encontrou ninguém. Subiu para deixar sua bolsa no quarto
e fazer um rápido lanche.
Quando já estava terminando de se fartar com os famosos bolinhos da
dona Virna, ligou para Henrique. Fazia algumas poucas horas que não o via,
mas para ela pareciam décadas.
— Oi, amor. Onde você está? — ela sorriu ao ouvir sua voz rouca,
provavelmente acabava de acordar de um cochilo.
— Oi, amor — respondeu, pegando mais um bolinho. — Estou em
casa.
— Hum. Conseguiu falar com o seu irmão?
— Não — Sofia admitiu, suspirando. — Não havia ninguém em casa
quando cheguei.
Conversaram mais um pouco, sobre suas amigas e coisas banais, até
que Sofia pensou ter ouvido um ruído no andar de cima. Franziu o cenho e
aguardou, mas não ouviu mais nada. Deu de ombros e se levantou,
depositando o pequeno prato que usara na pia. Sentou-se novamente.
— Sofia? — Henrique indagou. — Você ainda está ai?
Ela esqueceu que falava no celular e riu, pensando o quanto era idiota.
Primeiro imaginava coisas e depois se esquecia do próprio namorado. Estava
ficando louca.
— Desculpa — riu sem graça. — Pensei ter escutado algo, mas estou
sozinha. Sobre Sebastian, eu ainda não sei o que...
Ergueu os olhos para cima, fitando o teto, quando ouviu novamente o
ruído. O que diabos era aquilo?
Franzindo o cenho, levantou-se, decidindo investigar aquilo. Não
estava imaginando coisas.
— Pensou ter escutado o que? Sofia, o que você está fazendo? —
Henrique parecia nervoso, como sempre ficava quando ela não lhe dava
atenção.
— Desculpa, amor, mas eu preciso desligar — disse rapidamente,
tentando imaginar o que poderia ser aquilo.
— O que está acontecendo?
— Ligo para você daqui a pouco — disse e desligou, começando a
subir as escadas.
Subiu devagar, mas sem tentar ser discreta. Quem quer que estivesse ali
– se de fato houvesse alguém ali – já sabia da sua presença, já que ela estava
falando no celular e não é das mais silenciosas.
Não eram seus pais, tinha certeza. Sena deveria estar voltando da
oficina nesse horário, mas estaria no meio do caminho ainda.
De repente soube, antes de vê-los.
Aquilo estivera bem na sua cara por todo aquele tempo. Como não
notara antes?
As mesmas falas, o mesmo ódio, a mesma falta de caráter. Deveria ter
notado antes, muito antes. Ela os ameaçara, é claro que aquilo teria
consequências.
Quando pensara em correr, já era tarde demais.
— Onde pensa que vai, cadela? — perguntou Brian, puxando seu
cabelo com força, impedindo-a de se afastar.
Sofia gemeu de dor, sentindo os olhos lacrimejarem. Ouviu o risinho de
escárnio às suas costas e trincou os dentes.
— Eu disse que antes de você acabar com os meus planos, eu acabo
com você — Vanessa cantarolou, rindo.

•••
Sofia xingou-se mentalmente. Como fora burra. Não sabia dizer quanto
tempo eles estavam juntos, quanto tempo aquilo acontecia, há quanto tempo
enganavam seu irmão. Não deveria ser muito, refletiu, sendo arrastada pelos
cabelos para um quarto.
Talvez alguns meses, pensou. Ou talvez não. Lembrou-se do olhar de
ódio de Brian, na universidade, no primeiro dia de Henrique.
Foi jogada sobre uma cadeira e olhou distraidamente em volta. Estavam
no quarto de Sebastian.
Notando como os lençóis da cama estavam embolados, estremeceu
pensando o que acontecera ali antes que ela chegasse. Na cama de Sebastian.
Vanessa devia estar muito feliz com aquilo.
Balançou a cabeça, sem querer se distrair mais e focou sua atenção no
casal a sua frente. Eles discutiam, sem ligar com sua presença.
Eles não a prenderam na cadeira. Sofia poderia se levantar facilmente e
correr dali, mas dificilmente conseguiria ir muito longe. Brian era ágil, não
musculoso como seu irmão e o seu namorado, mas era um homem. Sua força,
por mais que se esforçasse, nunca se igualaria a dele.
Brian grunhiu irritado, não gostando de algo que sua comparsa dissera
e voltou os olhos para Sofia.
Sofia estremeceu notando só naquele instante todos os hematomas que
cobriam seu rosto. Um dos seus olhos estava fechado, a pele ao redor inchada
e de um roxo escuro, quase preto. O nariz estava inchado, também roxo e
com um curativo mal feito e sujo.
Vanessa voltou a falar alguma coisa e ele desviou os olhos de Sofia.
Ela suspirou, sentindo-se relaxar sem os olhos frios dele sobre si.
Estranhamente, não estava preocupada. Quer dizer, claro que temia ser
machucada, tinha certeza que o que quer que eles decidissem fazer com ela
seria muito doloroso. Mas também tinha certeza que, como foram pegos de
surpresa, não esperavam que ela aparecesse ali, não teriam como "dar um
fim" nela; o que certamente eles queriam.
Talvez a batessem e tentassem ameaçá-la mais uma vez. Tinha certeza
que doeria o bastante, mas nada a impediria de contar a verdade. Sebastian
não merecia ser enganado daquela maneira.
Sofia não merecia estar ali, aliás. Mas se tinha que passar por aquilo
pelo bem estar do seu irmão, faria qualquer coisa.
De súbito, teve uma ideia. Não precisaria encontrar uma maneira de
sair dali, afinal. Tudo o que precisava fazer era aguentar aquilo por mais
algum tempo, logo Sebastian chegaria e por sorte ouviria da boca da própria
namorada a farsante que ela era.
Sorriu, sem conseguir se conter, imaginando o choro desolado daquela
cadela.
— Do que está rindo, sua imbecil? — Vanessa rosnou, irritada, se
aproximando um pouco.
Sofia desfez o sorriso rapidamente, mas não por medo. Só não queria
que ela desconfiasse que tinha um plano.
— A boca é minha, não posso sorrir? — perguntou, decidindo que
provocá-la talvez fosse a melhor distração. Arrependeu-se no mesmo instante
quando a outra grunhiu ainda mais irritada e bateu no seu rosto.
Sofia quase caiu da cadeira com o golpe. Sentiu o gosto de sangue na
boca e notou que mordeu o lábio. Sentou-se ereta, agradecendo mentalmente
por ter sido um tapa apenas ou, caso contrário, teria perdido alguns dentes.
Não imaginava que uma pessoa tão magra pudesse ser tão forte.
Cuspiu um pouco de sangue no chão e resistiu ao enjoo que o gosto de
ferro causou. Respirou fundo e ergueu os olhos para Vanessa, reprimindo a
vontade de dizer mais alguns desaforos à custo. Contudo, sorriu, sem se
conter, incapaz de deixar a outra sentir-se superior com a sua dor.
Vanessa sorriu com escárnio, observando o sangue que descia pelo seu
queixo com satisfação. Ergueu as sobrancelhas para Sofia, como se estivesse
esperando que ela falasse mais uma vez. Quando Sofia não disse nada, ela riu
debochada.
— Parece que finalmente calei a sua boquinha, não? — apontou para o
sangue que jorrava da sua boca, descia pelo seu queixo e pingava na sua
blusa.
Provavelmente rompera um vaso, pensou Sofia, já que o corte era
pequeno e não doía tanto.
Sofia sorriu também debochada e quando Vanessa ergueu o braço
novamente, Brian a interrompeu.
— É isso que ela quer, meu amor — aproximou-se um pouco,
abraçando-a de lado. — Ela quer provocá-la.
Sofia ergueu as sobrancelhas, surpresa com o tratamento carinhoso.
— Não me importo — disse Vanessa, parecendo deslumbrada com a
visão do sangue de Sofia e ansiosa por mais. — Tenho dois anos entalados
com a presença dessa daí, quero mais é vê-la sofrer.
— Eu sei — respondeu ele, ainda tentando acalmá-la. Ele parecia fazer
aquilo com frequência, Sofia notou. Acalmá-la. Vanessa realmente parecia
meio louca, com os olhos ainda fixos no sangue dela. — Mas não podemos
— se aproximou mais e sussurrou algo no ouvido dela.
Vanessa fechou os olhos e concordou com a cabeça, parecendo
visualizar o que ele dissera. Afastou-se alguns passos e Brian assumiu seu
lugar, de frente para Sofia.
— Você é realmente uma coisinha intrometida, não é? Nada disso tinha
a ver com você, mas decidiu se meter mesmo assim.
— É um defeito meu — disse, cuspindo mais uma vez e não acertando
os pés dele por alguns centímetros.
Ele sorriu, sem se mover.
— Realmente corajosa, preciso admitir. Não derramou uma lágrima
sequer ainda — fitou seu rosto com atenção. — Você está diferente.
Sofia permaneceu calada, notando com o canto dos olhos que Vanessa
os observava com atenção. Parecia enciumada.
— Alguns meses atrás, nessa altura você estaria implorando por
misericórdia. Mas veja só — fez um movimento com os braços, indicando a
situação em que estavam e a expressão dela. — Nem sequer uma lágrima.
Depois que aquele seu namoradinho apareceu, você parece outra pessoa.
Ela permaneceu calada, apenas ouvindo, sem alterar sua expressão.
Brian aguardou por uma resposta e, quando essa não veio, sorriu
irritado.
— Mas onde ele está agora? Você está aqui, indefesa, sangrando e onde
está o seu herói? Hum? — perguntou, se aproximando mais um pouco. —
Você merecia coisa melhor, Sofia. Ele não é homem para você, sequer a ama.
Sofia ficou vermelha de raiva. Uma coisa era insultá-la – isso ela tirava
de letra –, mas outra completamente diferente era evolver Henrique nessa
história.
— E quem seria melhor? Você? – perguntou, sem conseguir se conter.
Quando o viu cerrar os punhos, irritado, ela riu. Riu alto, debochada. —
Faça-me o favor! Você não chega nem aos pés de Henrique.
— Ah, é? E o que ele tem que eu não tenho? — perguntou, vermelho
de fúria. Sofia ouviu o grunhido inconformado de Vanessa e riu mais um
pouco.
— Ele é incrível, e você é desprezível. Ele é um homem de verdade,
respeitoso, carinhoso, compreensível, mas, acima de tudo, ele tem caráter.
Coisa que você não tem; se é que já teve algum dia — notou o quanto ele
parecia se segurar para não avançar no seu pescoço, mas não se importou,
continuando: — E eu o amo. Ele é o amor da minha vida e homem nenhum
terá o meu amor como ele o tem. Nunca gostei de você, nunca me envolveria
com você. Não é o bastante para mim, nem para ninguém. Você é desprezível
— cuspiu. — Você é...
Sentiu o impacto no rosto, do mesmo lado já ferido e caiu no chão.
Piscou os olhos, tentando clarear sua visão quando ficou tonta. Cuspiu mais
um jorro de sangue e se amaldiçoou mentalmente. Teria que controlar sua
boca se quisesse sair vivar dali.
O que começava a desconfiar que não aconteceria.
CAPÍTULO 38
O sangue, que havia estancado no seu lábio, voltou a jorrar. Dessa vez
o fluxo foi maior e Sofia se perguntou se não seria um novo sangramento.
Sem forças nem para investigar seus ferimentos com a língua, descansou a
testa no chão.
Porém, gemeu sentindo lágrimas brotarem nos seus olhos quando foi
erguida pelos cabelos. Firmou as pernas, tentando diminuir a dor no seu
couro cabeludo.
Brian se aproximou do seu corpo, parecendo louco, gritando contra seu
rosto:
— Viu o que você me fez fazer? É tudo culpa sua! Por que você tinha
que fazer isso? — continuou gritando, enquanto Sofia conseguia enfim
manter-se ereta quando a tontura diminuiu. Ele fitou sua boca e o sangue que
escorria dela e por um segundo pareceu arrependido. — Não queria que as
coisas fossem assim... — murmurou atormentado. Alisou seu rosto
delicadamente e Sofia se contraiu. — Eu amo você. Por que você tinha que
escolher ele e não a mim?
Vanessa gritou alguma coisa, revoltada, mas Sofia não prestou atenção,
sentindo o ouvido zunir e ainda se esforçando para manter-se de pé. Brian
também a ignorou, focando toda sua atenção nela.
— Eu estava aqui. Todo esse tempo, todos esses anos eu esperei que
você me notasse, mas o que você fez? Abriu as pernas para um desconhecido
e me ignorou como se eu fosse ninguém para você. Eu te amo, Sofia —
declarou, parecendo atormentado.
Sofia reuniu o pouco de força que tinha e falou, sem se importar com os
cortes na sua boca:
— Eu odeio você.
Brian respirou fundo. Ainda segurando seu cabelo com uma das mãos,
aproximando-a do seu corpo.
— Se você tivesse me escolhido, nada disso aconteceria — sussurrou.
— Eu não precisaria me juntar com ela — apontou para Vanessa. — para ter
você.
Sofia franziu o cenho, sem entender.
— Como assim "para ter você"? — Vanessa indagou, furiosa. — Você
disse que me amava!
Brian a ignorou.
— Tudo que que queria era ter você. Mas você escolheu outro, então
precisei fazer alguma coisa — confessou, sem se importar com os gritos
ensandecidos de Vanessa às suas costas. — Eu sempre a amei, mas como
você nunca sequer olhou para mim, precisei me contentar com outra coisa —
apontou para Vanessa novamente. — Eu sempre a achei gostosinha e areia
demais para o caminhão do seu irmão e, quando ela me deu bola, não perdi a
chance de dar o troco.
Vanessa permanecia furiosa, andando para lá e para cá, inconformada,
gritando coisas sem sentido.
— Você e o seu irmão sempre tiveram tudo do bom e do melhor.
Sempre tiveram tudo aos seus pés. Você não me notava, fingia que eu era
invisível. Sebastian sempre teve tudo, dinheiro, mulheres, beleza. Ao
contrario de mim — prosseguiu falando, parecendo não estar mais ali e sim
revivendo o que dizia. — Então eu pensei que já era hora de parar de ser o
capacho dos Villar. Vou te contar como tudo começou.
— O que você está fazendo, seu idiota? Não pode contar tudo para ela!
Você ficou louco? — Vanessa perguntou, gritando e batendo nas suas costas.
Ele a ignorou mais uma vez.
— Então, já que eu não poderia tê-la, me contentaria com a mulher do
seu irmão. Ao menos até você descobrir a verdade sobre o seu Henrique e vir
correndo para os meus braços — Sofia franziu o cenho, sem entender sobre o
que ele falava. Ele parecia prestes a continuar, mas, quando recebeu um golpe
mais forte nas costas, rapidamente atingiu Vanessa com o braço que estava
livre, fazendo-a cair de bunda no chão. — Idiota! — gritou com ela, que
continuou sentada, fitando-o furiosa. — Mas nada saiu como o planejado —
continuou, rindo como um louco.
Sofia, que desconfiava da saúde mental daqueles dois, agora tinha
certeza. Como poderia duas pessoas tão novas – não que em uma idade
avançada fosse aceitável – poderiam ser tão doentes? Sim, porque toda aquela
raiva, aquele rancor era doença. Sofia não era culpada por ter encontrado o
amor e entregar-se a ele. Sebastian não tinha culpa se nasceu em uma família
com condições, não tinha culpa por ser bonito. Isso não se escolhe.
Todavia, caráter sim. Sofia e Sebastian tinham caráter, ambos sabiam o
que era certo e errado e viviam suas vidas, sem desejar o mal de ninguém. Ao
contrário daqueles dois.
Até que ponto um ser humano pode chegar por vingança? Sofia não
conseguia entender. Eles eram felizes, mas não porque tinham condições ou
porque eram bonitos.
Eles eram felizes porque foram criados assim e aprenderam desde cedo
que bens ou beleza não definem caráter. Também não se nasce ruim. Caráter
é algo que se adquiri quando se tem consciência das coisas, é algo que se
constrói com o tempo.
Mas e quando se é incapaz disso, o que uma pessoa seria capaz de
fazer?
Sofia não queria descobrir, mas tinha certeza de que eles não hesitariam
em lhe mostrar.
— Quando ela me contou sobre o plano, eu ri muito porque, cara,
embora seja muito clichê, é genial! — Brian continuou, rindo. — Sebastian é
muito certinho e, embora não a amasse, nunca abandonaria seu próprio filho.
Claro que eu assistiria isso de camarote, até ajudaria se necessário — riu mais
um pouco, observando Vanessa se levantar raivosa, mas retrocedendo um
passo com medo. Ele sorriu malicioso.
— Mas ele não é — Sofia disse com dificuldade.
Brian se voltou para ela, surpreso.
— O que? Ele não é o quê?
Sofia apontou para a barriga de Vanessa.
— Ele não é o pai. Cedo ou tarde, Sebastian descobriria a verdade.
Brian franziu o cenho, sem entender.
— Do que você está falando?
Vanessa, às suas costas, finalmente riu.
Jogou a cabeça para trás e riu, histericamente. Brian soltou Sofia, que
deu alguns passos para trás, apoiando-se no criado mudo, de frente para a
porta.
Vanessa estava na outra extremidade do quarto, perto da janela, ainda
rindo. Brian se aproximou alguns passos, o rosto repleto de confusão.
De onde estavam, não podiam notar o que acontecia no corredor. Mas
Sofia sim e respirou aliviada, limpando o queixo com a barra da camiseta.
— Do que ela está falando? Quem é o pai? — Brian perguntou,
fazendo-se ouvir por cima das risadas histéricas de Vanessa.
Ela o fitou, ainda rindo um pouco, mas com os olhos brilhando de ódio.
— Você me usou como um consolo — começou, falando calmamente,
como se há apenas alguns segundos atrás não estivesse gargalhando como
louca. — Me usou porque não podia ter essa daí — apontou para Sofia com
raiva. — Disse que me amava, me enganou — cuspiu e de repente riu, como
se o que quer que estivesse pensando fosse muito engraçado para se conter.
— Bom, acho que estamos quites então.
Brian se aproximou mais, parando a apenas alguns centímetros de
distância do seu corpo.
Estava de costas para Sofia, mas ela podia notar o quanto estava
furioso. Vanessa riu uma vez mais, sem se deixar intimidar e Sofia
estremeceu, concluindo que ela era realmente louca para provocá-lo ainda
mais.
— Do que você está falando? O que você fez? — perguntou, gritando.
Ela abaixou o tom, mas falou claramente para que o som repercutisse
pelo quarto e além dele.
— Sebastian e eu nunca transamos sem camisinha. Nunca, embora eu
insistisse — falou, fazendo uma pequena pausa e rindo mais uma vez. —
Você e eu, no entanto, não usamos uma nem uma vez sequer. Você me usou
para esquecer outra e eu te usei para enganar outro. Estamos quites — fitando
a expressão furiosa dele, Vanessa riu novamente e falou: — Parabéns, você
vai ser papai.
Brian permaneceu parado, fitando-a com os olhos em brasas. Vanessa
sorria, sem medo, enquanto Sofia fitava o corredor, imaginando quanto
tempo mais demoraria.
— Mas, é claro que, como eu disse, apenas usei você — Vanessa
continuou. — Esse filho, para todos os efeitos, é um Villar. Sebastian vai
registrá-lo, com o tempo vamos nos casar e seremos felizes com esse
moleque nos unindo para sempre — suspirou, parecendo sonhadora. — Você
foi apenas o doador, essas coisas acontecem. Mas, sabe, é engraçado. Você
disse que Sebastian sempre teve tudo que você não teve, sempre teve tudo
que era para ser seu. Agora, definitivamente, ele terá algo seu — riu
debochada e deu um passo para trás quando ele começou a se aproximar.
— Você é uma cobra — Brian sussurrou, parecendo fazer um esforço
para falar. Vanessa permaneceu sorrindo, sem medo. — Isso nunca vai dar
certo. O que vai dizer quando a criança nascer com os olhos verdes, iguais
aos meus?
— Isso não importa — descartou seu argumento com um movimento
desdenhoso com a mão.
— Esse filho é meu. Ele não terá meu filho, não vou permitir — rosnou
furioso.
— Não importa o que você quer, vou seguir com o meu plano e você
pode se divertir com a vadia — apontou para Sofia. — Faça-a calar a boca e
faça com que não diga nada a ninguém. Não vou deixar que ninguém
atrapalhe meus planos. Não vou — murmurou, fitando ninguém em especial,
os olhos opacos, como que em transe. — Sebastian e eu vamos ter um filho,
vamos nos casar, em pouco tempo posso ter outro pirralho, dessa vez um
legítimo e seremos felizes. Ele nunca saberá de nada.
— Pelo contrário — Sebastian murmurou, saindo das sombras e
parando na porta.
Os olhos estavam vermelhos, de raiva, ódio e alguma coisa mais.
Talvez, ele gostasse um pouco, um mínimo que fosse, de Vanessa. Sofia o
observou com atenção, sentindo o peito doer. Não queria que ele descobrisse
tudo assim, não queria que ele perdesse um amigo, a namorada e a crença de
um filho assim, ao mesmo tempo. Mas não havia outro jeito.
Sebastian fitou Vanessa com ódio. Fitou aquele que chamava de amigo,
segurando-se por um fio de não fazer uma besteira.
Vanessa e Brian pareciam estáticos, pálidos, paralisados onde estavam.
Então, por último Sebastian fitou Sofia. E todo seu autocontrole foi
embora.
Em questão de segundos catalogou tudo: o rosto inchado e vermelho, o
lábio também inchado, o queixo manchado de sangue, a blusa encharcada e
os olhos. Ele viu amor refletido ali, compaixão, mas sobretudo soube que ela
também sentia sua dor.
Sebastian notou uma mancha vermelha nas mãos daquele que um dia
chamou de irmão e não parou para pensar.
Saltou sobre Brian e o derrubou no chão, grunhindo furioso. O ódio
transbordando com a força que os seus punhos subiam e desciam.
Ele não via mais nada, não via o sangue que começara a jorrar dos
ferimentos de Brian, não vira como novos se formavam. Não prestou atenção
nos gritos femininos às suas costas, nem nos pequenos toques em seus
ombros, tentando tirá-lo dali.
Ele não viu quando Vanessa correu do quarto, certamente tentando
fugir. Não viu quando Sofia a seguiu, correndo atrás dela e segurando-a no
final do corredor, perto das escadas.
Sebastian não viu como Sofia tentou escapar dos golpes furiosos de
Vanessa, resistindo ao impulso de feri-la também, sem querer bater em uma
mulher grávida.
Seus braços subiam e desciam e cada vez mais sangue jorrava e ele não
viu quando a porta da casa de repente foi aberta. Não viu quando Vanessa se
assustou com som e tropeçou para trás.
Sebastian não a viu cair, não viu que Sofia tentou segurá-la, gritando
assustada. Ele não viu como ela rolou escada abaixo, gritando e batendo
violentamente a barriga e a cabeça em cada degrau, seu pescoço sofrendo
uma nova fissura em cada batida.
Ele não viu nada disso, mas ouviu. Ouviu o som do corpo rolando e
ouviu quando alguém gritou desesperadamente por Sofia, uma voz de homem
e finalmente saiu do seu transe.
Levantou-se rapidamente e correu, alcançando-a antes que ela também
caísse, desmaiando nos seus braços, enquanto ele fitava seu cunhado correr
pela sala, desviando do corpo ao final da escada.
Sebastian soube, mesmo sem se aproximar que ali jazia um corpo
vazio. Vazio de caráter, de amor, de compaixão, de humanidade, de vida.
Ali jazia um corpo morto.
CAPÍTULO 39

Os últimos dias foram difíceis.


A morte de Vanessa fora algo que pegara todos de surpresa. Ainda mais
surpreendente foram os acontecimentos que levaram a isso. Todos foram
atingidos, direta ou indiretamente.
Sebastian estava destruído. Sofia estava traumatizada. Brian, foragido.
Virna chorava, Otávio a consolava. A família de Vanessa mal podia acreditar
no que acontecera.
Chegaram a abrir um processo acusando Sofia e Sebastian de matarem
Vanessa, tão desesperados estavam que não viam ou não queriam enxergar a
verdade.
Até que, após um surto de Valéria, mãe de Vanessa, ela encontrara uma
espécie de diário entre as coisas da filha. Ali Vanessa relatara tudo, em uma
espécie de planejamento. Escrevera sobre como foram aqueles dois anos ao
lado de Sebastian, como o amava e muitas listas intituladas como "o que
fazer para que ele me ame".
Após vários devaneios confusos, ela descrevera como surgira o plano,
como a gravidez parecera a única maneira de prendê-lo ao seu lado e tudo o
que fez para que isso desse certo.
O envolvimento com Brian, as intervenções de Sofia e o que poderia
fazer para silenciá-la. Valéria retirou o processo contra os gêmeos, se
desculpou com a família Villar, lamentou todo sofrimento que a filha causara
para a família e prestou queixa contra Brian, acusando-o de associação
criminosa e entregou o diário da filha como prova de suas intenções.
Brian estava foragido. Havia fugido do hospital antes mesmo que a
polícia chegasse. Fora ideia de Sofia levá-lo ao hospital por conta própria,
sem aguardar por uma ambulância – grande erro –; pensara que ele
necessitava urgentemente de cuidados médicos.
O que não era o caso de Vanessa. O corpo permaneceu aos pés da
escada de Sofia por toda a tarde, à espera da polícia, posteriormente dos
legistas e peritos.
Quando o corpo fora removido, havia uma pequena poça de sangue no
chão. Mínima, mais ou menos do tamanho de um punho. Como ela sofrera
uma severa e fatal fratura no pescoço, a morte fora instantânea, não haviam
cortes externos.
Sebastian assistiu a tudo de perto, quase sem piscar. Sofia sabia que as
coisas para ele – para eles, aliás – seriam diferentes dali em diante. Havia
uma espécie de resignação na expressão de Sebastian que não estava ali
antes.
Ele acompanhou o cortejo fúnebre, prestou assistência a família da ex-
namorada, mesmo quando a mãe dela ainda o processava. Aquele fora um
momento de dor e toda ajuda era necessária.
Após a retirada do processo, Sebastian respirara aliviado. Mas não por
ele. Por Sofia. Ele não aguentava ver aquele olhar culpado nos olhos antes tão
alegres da irmã, não suportava mais ouvi-la chorando à noite sozinha no
quarto, quando pensava que não havia ninguém ouvindo.
Ele dormira algumas noites ao seu lado, na esperança de confortá-la um
pouco, mas não havia como. Não quando ele também necessitava de
conforto, precisava de paz, pensar um pouco no que fazer dali para frente.
Não poderia fazer isso enquanto tentava ajudá-la. Precisava primeiro ajudar a
si mesmo antes de qualquer coisa. Precisava ficar sozinho.
Ligara para Henrique. Ainda tinha suas reservas com o sujeito, mas
aceitara aquele relacionamento. Não era muito legal a visão da sua irmãzinha
sobre um edredom com um cara a apenas alguns metros de distância. Mas ele
fazia e faria sua irmã feliz, isso era claro. E para ele isso era suficiente.
Sofia tentava à custo afastar todo o remorso do peito. Em vão.
Perguntava-se se realmente era culpada, como Valéria afirmara.
Poderia ter segurado Vanessa? Poderia ter empurrado Vanessa
inconscientemente? O que teria acontecido se ela apenas a tivesse deixado
partir? Estaria viva? Teria fugido? E o bebê? Será que, se permanecesse viva,
Vanessa ainda teria o bebê, mesmo após o término com Sebastian?
As perguntas rondavam sua mente, uma atrás da outra. Tentava impedir
sua mente de seguir por aquele caminho, mas era impossível. Vez após outra
novas indagações, novas situações surgiam na sua mente e ela se via
revivendo tudo de novo, à cada vez uma nova perspectiva e com cada uma,
uma nova dor.
Pior do que a morte repentina de Vanessa era o que aquilo acarretava.
O bebê.
Por mais que não amasse Vanessa, por mais que ela fosse uma péssima
pessoa, que a houvesse feito mal, ainda mais ao seu irmão, não desejava sua
morte.
E por mais de que não tivesse seu sangue, por pior que fossem seus
pais, não desejava a morte daquele bebê. Era apenas um feto. Havia tanto
para desenvolver, tantas semanas para transcorrer, novidades à cada dia...
Aquilo era o que mais doía. Mais do que se culpar pela morte de
Vanessa, Sofia se culpava por findar a vida de um bebê. Ela sabia que talvez
não fora culpada, talvez não empurrara Vanessa, fora agredida por ela àquela
tarde, além disso. Mas nada afastava o sentimento de culpa. O remorso.
Remorso. Sebastian entendia bem disso. Todos os dias dali para frente
se perguntaria o que poderia ter feito de diferente, como Sofia fazia, chorando
silenciosamente abraçada ao peito do homem que amava, no quarto ao lado.
Virna chorava mais que a perda de um neto que nunca existiu; chorava
a vida de uma jovem ceifada na flor da idade e uma criança que não chegara a
nascer e que nunca tivera culpa de nada.
Tinha o apoio do seu marido, que a confortava e buscavam forças
juntos para serem fortes e suportes para os filhos. Os gêmeos precisariam de
todo apoio dali para frente, e Virna e Otávio esqueceriam suas próprias dores
em prol dos seus filhos.
Lorrany e Thaís não foram afetadas diretamente, mas sentiam a dor da
amiga, sentiam a dor da família e estiveram sempre ali para ajudar com o que
pudessem.
A notícia repercutiu por toda cidade. Campina Grande é grande apenas
no nome. Em horas como aquela, a cidade parecia um dos pequenos
municípios vizinhos, repercutindo fofocas e passando a informação para
frente, até que cada pessoa que se encontrasse na rua sabia de tudo, todos os
detalhes do que acontecera, as impressões de vizinhos e conhecidos e muito
mais.
Aqueles dias não foram fáceis para ninguém, todos sofreram sequelas.
Henrique sentia que a qualquer momento sua vida viraria de cabeça para o ar.
E ele não poderia imaginar o quanto estava certo.
Aos poucos, as coisas foram voltando ao normal. Mas não ao antigo
normal, e sim um novo.
A morte de Vanessa nunca seria esquecida. Porém não por ser uma
pessoa amável e de quem todos sentiriam falta; exatamente o contrário. O
marcante naquela situação foram as coisas que levaram àquela morte e a
maneira como tudo aconteceu.
Sofia voltara a sorrir, voltara a sair com as amigas, fazer piadas e curtir
seu namorado. Fora difícil sair da sua quase depressão, mas tivera o apoio
incondicional dos seus pais, seu irmão, suas amigas e o amor da sua vida.
Haveria, de agora em diante, aquela sensação de perda. Ela passara a
ver a vida com outros olhos, com os olhos de alguém que viu algo que a
marcou e mudara sua vida.
Não enxergava a vida como ela era, antes de tudo aquilo. Via o mundo
com uma espécie de encantamento, com os olhos cegos por uma névoa de
ingenuidade.
Acordara para vida, finalmente. Não mais acreditava em contos de fada
na vida real – embora vivesse um em todos os sentidos com Henrique ao seu
lado –, não mais acreditava que existiam apenas finais felizes.
Todos tinham sua cota de sofrimento na vida e ela pensava que a dela
já fora esgotada. Ou esperava que sim.
Sebastian também, aos poucos, voltara o normal. Da mesma forma que
Sofia, ele sentia que tudo dali em diante seria diferente. Não enxergava a vida
apenas como diversão, como fizera antes. Enxergava a vida com um triste
realismo, tal como as coisas eram. Ninguém nunca era apenas feliz.
Realizado, alegre, satisfeito.
A morte de Vanessa o afetara de diversas formas, sobretudo porque o
verdadeiro culpado por tudo aquilo era ele.
Se não houvesse levado em frente um relacionamento fadado ao
fracasso desde o princípio, Vanessa estaria viva.
Se não houvesse postergado tanto o fim de tudo aquilo, Vanessa estaria
viva.
Se tivesse enxergado as coisas como eram e não como queria que
fossem, Vanessa estaria viva. Não precisaria chegar aos extremos em que
chegou, não precisaria engravidar de outro e não morreria junto com o seu
bebê posteriormente.
Se. Tantos significados, tantos futuros diferentes, mas não havia o que
ser feito. Não havia como remediar algo que já acontecera. Algo que fora se
encaminhando para aquele fim aos poucos e ele não vira.
A vida de agora em diante seria diferente. Não mais relacionamentos
exaustivos. Não mais possessão, obsessão.
Não se envolveria novamente, não se permitiria amar o mínimo que
fosse, não queria sofrer tudo aquilo novamente. De agora em diante, a vida
seria diferente.
Assim como ele seria.

•••
Setembro é um dos meses de maior variação climática no nordeste – só
perde para junho e julho, quando chove quase todos os dias.
O lado bom daquilo na opinião de Sofia é que por mais que todos os
dias começassem iguais, o final deles sempre era incerto.
Por exemplo; o dia poderia amanhecer com um solzinho tímido, que à
tarde se transformaria em uma tempestade colossal, e a noite seria de um
mormaço intenso, sem um ventinho sequer.
Ou o contrário disso; o dia pela noite e a tarde pelo dia. Ou nenhum
desses; poderia chover o dia inteiro ou o sol brilharia alto no seu por todo o
dia.
Tudo era incerto. A única certeza era que você deve estar preparado
para o que quer que o dia tenha lhe reservado. Seja chuva ou sol, alegrias ou
tristezas.
Esse era o novo mantra de Sofia. Não queria viver de passado, de dias
que já passaram ou acontecimentos que não podem ser modificados. A única
coisa que importava era o hoje, o agora. Viver o momento, deixar tudo que
passou para trás, mesmo embora modificada em razão do passado, viveria o
presente. Sem olhar para trás.
"Carpe Diem" dissera um sábio uma vez.
Os dias que passaram foram nebulosos, pouco se lembrava do que fez.
Lembrava-se apenas de chorar encolhida no colo da sua família, amigas e
namorado. Isso também ficaria para trás.
Não restringiria sua vida à tristezas. Queria e, mais que tudo, merecia
ser feliz. E seria.
Após agradecer e beijar muito todos aqueles que lhe deram suporte –
abraçara muito sua mãe e tivera o rosto babado de beijos pelo seu pai,
enquanto Sena apenas a abraçara em silêncio e suas amigas choravam como
se ela tivesse ressuscitado como Jesus ao terceiro dia–, decidira que agora
precisava agradecer àquele que, dentre todos, fora o seu maior alicerce.
Estava no centro à procura do que necessitaria para o grande dia.
Amanhã fariam três meses e, dado aos últimos acontecimentos, queria
comemorar em grande estilo. E necessitava daquilo, necessitava se sentir viva
de novo. E isso só aconteceria quando estivesse nos braços dele, quando ele a
fizesse sua novamente.
Dormiram juntos todos os dias na última semana. Ele dormira na sua
casa, deitara na sua cama, como uma vez fizera muitos dias atrás, mas apenas
se abraçaram. Ela buscando conforto e ele a protegendo com seus grandes
braços, prometendo que nunca mais passariam por algo assim.
Em um noite ele revelara que nunca na sua vida sentira um medo tão
grande como quando a vira prestes a perder a consciência no topo daquela
escada. Sabia que não seria capaz de chegar até ela antes que caísse, por isso
gritou. Gritou com toda sua força, imaginando que aquilo faria com que ela
acordasse e se segurasse no corrimão, antes que fosse tarde demais.
Henrique confessara que seria grato à Sebastian por toda sua vida,
nunca poderia agradecer o bastante – mesmo embora ainda tentasse,
Sebastian se recusou a aceitar seu agradecimento.
— Ela é minha irmã, daria a vida por ela. Não preciso do seu
agradecimento, fiz o que deveria — respondeu Sebastian seco, na primeira
vez que agradecera. Na segunda e última vez que Henrique tentara, ele
perdera a paciência: — Já falei que não precisa agradecer. Se o fizer
novamente, jogo você por essa escada. Quero ver se não cala o caralho dessa
boca.
Henrique rira, o que fez com Sebastian fechasse ainda mais a cara.
Sofia gostava daquele entrosamento entre os dois, era bom ter os dois
homens mais importantes da sua vida tão próximos e finalmente se dando
bem.
Naquela manhã, ela ligara para o artesão da pequena lojinha no centro
em que encomendara seu presente. Ele dissera que estava quase pronto,
faltavam apenas as gravações. Combinara de pegá-lo na tarde seguinte, um
sábado, já que agora não teria tempo.
Agora precisava comprar tudo o que necessitaria para a noite seguinte.
Noite que prometia. Sorriu ansiosa.
CAPÍTULO 40
Sofia respirou fundo uma vez, depois outra e entrou em uma grande e
famosa loja de lingeries no centro.
Ignorou o intenso rubor que cobriu sua face e passeou timidamente
pelos vastos corredores, perguntando-se mentalmente se um dia perderia sua
timidez.
Henrique confessara mais de uma vez que isso era umas das coisas que
mais amava nela e o que a definia como era; sua ingenuidade e timidez,
mesmo embora após sentir-se à vontade em varias situações inusitadas e por
que não dizer ousadas – como na biblioteca da universidade, por exemplo.
Aceitou a ajuda de uma simpática vendedora e informou mais ou
menos o que queria; suas medidas e preferências por cores, modelos e
tecidos. Em pouco tempo Clara, a vendedora, retornou com algumas peças e
a encaminhou para uma área mais discreta onde havia um provador.
Seguiu a regrinha emoldurada discretamente próximo ao grande
espelho e retirou a roupa, provando algumas das peças por cima das que
vestia. Surpreendeu-se com o que vira, com o quanto uma simples peça
poderia transformá-la quase em outra pessoa.
Sim, porque a moça no reflexo que a fitava surpresa usando um micro
conjunto de cor carmim, com renda, laços laterais e infinitamente menor que
as que usava geralmente, não poderia ser ela.
As peças que estava acostumada a usar não eram calçolas ou cintos de
castidade, mas também não eram ousadas. Eram confortáveis, discretas e, em
sua maioria, de cores neutras, clarinhas. Agora, entretanto, após provar mais
uma e observando o contraste da peça azul-marinho com a brancura de sua
pele, imaginava que aquilo poderia ser resolvido facilmente.
Provou todas as peças que a vendedora escolhera e amou todas. Vestiu
suas roupas novamente e agradeceu sinceramente, elogiando-a por seu tato e
aceitando mais algumas sugestões, e dessa vez não necessitou prová-las,
confiando cegamente na simpática mulher.
Suas compras lotavam duas cestinhas médias e, após Clara deixá-las
em um balcão próximo do caixa, voltara com uma terceira vazia a pedido de
Sofia.
Respirando fundo mais uma vez, encaminhou-se para uma área
próxima ao provador, no fundo da loja, que abrigava um diversificado
sexshopp.
Encarou as diversas prateleiras e respirou fundo uma última vez,
ficando um pouco mais confortável quando a vendedora Clara,
compreendendo sua dificuldade, deixou-a sozinha, saindo discretamente.
Analisou as diferentes peças com atenção e escolheu àquelas que
julgava que combinaria com seu estilo. Encheu a cestinha e caminhou até a
área central da loja, observando meias e outras coisinhas.
Comprou tudo o que precisava. Montou um enxoval dos mais variados
modelos, todos sensuais e um mais ousado que o outro, além de algumas
peças parecidas com as que já estava acostumada, porque sinceramente
pensava que não seria possível alguém usar calcinha fio dental diariamente e
não sentir-se assada ao final do dia.
Estava cada vez mais confortável na loja até que chegou no caixa e
havia um rapaz atrás do balcão.
Ele era alto, moreno e musculoso. Era bonito, extremamente viril e a
barba cheia e bem aparada apenas o tornava mais charmoso. Ele atendia duas
mulheres e Sofia aguardou um pouco afastada enquanto o observava.
As moças pareciam, como Sofia, impressionadas com sua beleza e
cochichavam uma com a outra, dando risadinhas e corando quando
perguntavam alguma coisa para ele, que respondia extremamente sério,
parecendo ligeiramente incomodado com o flerte.
Corou como um tomate enquanto ele passava suas compras, levantando
as sobrancelhas e analisando algumas das fantasias que escolhera
descaradamente. Evitou fitá-lo e preferiu manter o olhar no chão, analisando
suas sapatilhas confortáveis.
Como o dia estava quente, vestia um shortinho jeans que ganhara de
Lorrany e nunca usara por achar que era muito curto e uma camiseta preta,
básica e discreta, sem decote frontal, mas que deixava uma pequena parcela
das suas costas nuas.
Estava quase voltando tudo para as prateleiras, desconfortável sentindo
os olhos do rapaz no seu rosto, quando ele falou:
— Mana, adorei o seu cabelo. É um bafo! É tingido? Se for, já me
indica que eu viro ruiva amanhã mesmo! — disse e, se sua fala afeminada
não denunciasse sua sexualidade, com certeza a mudança na sua postura o
teria feito.
Ele gesticulava as mãos no ar e jogava os quadris para um lado, depois
para o outro, à vontade como se fossem velhos amigos.
Sofia arregalou os olhos e sorriu surpresa. Nunca imaginaria que um
rapaz com um porte tão masculino – masculinidade essa que sumira no
instante em que ele abrira a boca – fosse gay. Não que estivesse julgando,
mas é que, apenas olhando-o, nunca pensaria que ele poderia gostar – mais
que gostar, como ele dissera posteriormente – da mesma fruta que ela.
Nety – como ele se apresentara – alisava os cachos vermelhos de Sofia,
distribuindo elogios sobre a maciez dos fios, sobre seus olhos, seu corpo e até
deu uma checada na sua bunda – e berrou que com uma bunda daquelas ele
estaria rica.
Ele revelou que seu nome verdadeiro é Emanuel III – como sua família
careta e tradicional insistia em chamá-lo – ou apenas Emanuel Neto. Mas
odeia que o chamem por qualquer um deles, então, no trabalho, todos os
chamam de Nety, por exigência sua.
Porém, também confessou que na night, quando sai do trabalho e busca
se divertir caracterizando-se do seu verdadeiro eu, seu nome é Lorrayne.
Sofia imaginou um encontro entre Lorrany e Lorrayne e quase fez xixi
nas calças de tanto rir.
Divertiu-se muito com ele, conversaram por mais alguns minutos,
aproveitando que a loja estava quase vazia, e até aceitou algumas sugestões
descaradas de lingeries e algumas das melhores fantasias. Sofia aceitou todas,
de bom grado, assumindo que ele deveria entender mais daquilo do que ela.
Infelizmente, teve que partir, mas não sem antes trocarem números de
celular, endereços e várias outras recomendações sexuais – para eterno
constrangimento dela.
Sofia seguiu até o seu último destino sorrindo, sentindo como fora fácil
fazer uma nova amizade e feliz por estar um pouco mais relaxada. O que faria
a seguir exigiria muita coragem.
Todavia, ela estava decidida e mais do que animada com o resultado
que imaginava.
Encontrou o que procurava e entrou no grande estúdio, observando
tudo ao redor.
A fachada era discreta; paredes pretas e apenas um letreiro de tamanho
médio com o nome do estúdio: Goulart's Tattoo.
A decoração da grande sala de recepção era discreta, embora marcante.
As paredes também eram escuras e haviam poucos objetos de decoração. Em
sua maioria, haviam espelhos, banners de motos como ou maiores que a de
Henrique e alguns desenhos impressionantes.
Sofia sentou-se em um dos confortáveis sofázinhos próximos às janelas
e folheou algumas revistas que estavam disponíveis em uma cestinha ao lado.
Após alguns minutos, uma simpática jovem a atendeu, levou-a até a
discreta bancada da recepção, conferiu seu nome na extensa lista de horários
para o dia e a encaminhou para uma porta à direita da bancada.
Sofia a seguiu de perto, passando por um extenso corredor, repleto de
portas, até parar em uma das últimas. A mulher a abriu, acomodando Sofia
em uma confortável cadeira reclinável e oferecendo cafés, outras bebidas ou
bolinhos.
Sofia sorriu, impressionada com o quanto uma estúdio de tatuagem
poderia ser tão formal. Agradeceu a moça simpática – que se chamava Anny
–, mas aceitou apenas uma água. Estava ansiosa e quando ficava assim não
conseguia fazer com que nada descesse por sua garganta.
Anny se retirou em seguida e Sofia ficou só, olhando ao redor e
contorcendo as mãos, contendo-se para não mexer nos objetos interessantes
na grande mesa ao seu lado.
De repente a porta da sala foi aberta e um homem parou na porta,
arregalando os olhos e olhando-a surpreso.
Sofia riu do seu espanto e fez um sinal de olá com uma das mãos,
sorrindo travessa.
— Oi, Diego.
Quando soubera por Henrique que nas horas vagas Diego trabalhava
em um estúdio de tatuagem – que aliás era seu– e que ele era o responsável
pela maioria das suas tatuagens, Sofia não dera muita importância além de
concordar que ele tinha talento para coisa.
Até que, refletindo sobre sua vida e a enorme lista de coisas que não
fizera por medos bobos, decidira-se que aquela informação agora viria a
calhar.
Sempre desejara uma tatuagem – na verdade, várias. Até desenhara
algumas alguns anos atrás, ansiando pelo momento em que enfim teria
coragem e faria uma ou toda elas.
Nesse aspecto, se parecia muito com Sebastian. Seu irmão fizera a
primeira tatuagem muitos anos atrás, após vencer seus próprios temores e ela
sempre o admirou ainda mais por isso. Só não sabia se seria capaz de ser tão
ousada como ele ou Henrique e tatuar o pescoço. Não, ela achava que nunca
teria coragem o bastante para àquilo.
Tinha a impressão de que a pele do pescoço era ainda mais fina e,
sendo assim, doeria o dobro do que em qualquer outra área do seu corpo.
Depositou uma pequena pasta na mesinha ao seu lado e sorriu mais
uma vez.
Diego quase tocava o umbral da porta com seus ombros largos. Vestia
uma calça jeans preta, uma camisa polo também preta e um jaleco por cima
das roupas.
O contraste com sua pele o tornava quase etéreo; o preto da camisa e da
calça combinado com o branco puro do jaleco e o tom escuro da sua pele,
realçavam ainda mais o verde dos seus olhos, o tom rosado dos seus lábios
generosos e o branco do seu sorriso.
Ele piscou ainda na porta, mas acabou sorrindo, balançando de leve a
cabeça e ocupando uma cadeira próxima a dela.
— Sofia — fez um gesto com a cabeça, ainda confuso. — O que faz
aqui?
Ela riu.
— Bom, creio que esse é um estúdio de tatuagem — brincou. Diego
assentiu com a cabeça sorrindo. — Então, estou aqui para isso.
Diego refletiu por algum tempo, mas logo assentiu novamente. Pegou
um par de luvas de uma caixinha sobre a mesa e começou a vesti-las. Quando
já havia colocado a primeira e se preparava para fazer o mesmo com a outra,
perguntou curioso:
— Por que Henrique não veio com você? — vestiu a outra luva e
aguardou por uma resposta. Quando essa não veio, levantou os olhos e fitou
as bochechas coradas e o pequeno sorriso malicioso nos lábios de Sofia.
Compreendendo, ele mesmo respondeu: — Ele não sabe.
Ela confirmou com a cabeça, embora não fosse preciso.
— Quero fazer uma surpresa — disse e corou mais um pouco.
— Entendo — disse, mas ainda parecia um pouco reticente. — Mas
você tem certeza do que quer? Veja, não estou julgando sua decisão, mas
preciso que entenda que tatuagem é coisa séria. É coisa p...
— Para a vida inteira — ela completou. Sorriu quando ele levantou as
sobrancelhas. — Henrique me disse a mesma coisa milhares de vezes quando
eu disse que "um dia faria uma". Eu sei que é para vida inteira, tenho
consciência que é algo muito sério e não o faria se achasse que não estou
pronta. Sempre quis fazer uma... Algumas, na verdade – sorriu e Diego a
acompanhou. – Nunca tive coragem o bastante, mas agora tenho.
Ele a fitou por alguns segundos, absorvendo suas palavras. Quando ele
abriu a boca para falar novamente, ela soube o que diria. Por isso prosseguiu
rapidamente:
— Não quero fazer isso por ele — afirmou e Diego ergueu as
sobrancelhas surpreso que ela adivinhasse o que diria. — Há muito tempo
que quero fazer isso e quando digo que esse é o momento perfeito, não me
refiro ao meu relacionamento com Henrique — prosseguiu, séria, fitando
seus olhos para que ele compreendesse. — Me refiro a nova fase da minha
vida, a nova forma com a qual quero viver daqui para frente. Os últimos
acontecimentos foram... — procurou por palavras que expressassem o que
sentia, mas não encontrou. Suspirou tristemente. — Bom, só estou tentando
seguir em frente. É isso.
Diego a observava com seriedade, pesando o que dissera, tentando
buscar alguma rachadura na sua certeza.
Por fim, ele assentiu, sorrindo e ela sorriu também, suspirando aliviada.
Ele arrastou um banquinho até ficar mais próximo de onde ela estava e
pegou a pasta que ela colocara na mesa quando sentara. Eram os desenhos
que queria fazer, que ela mesma criara com ajuda de um programa de
computador, anos atrás.
Ele ergueu as sobrancelhas, surpreso. Se pela qualidade dos desenhos,
pelo tamanho ou por serem dois, Sofia não saberia dizer, porque logo ele
fazia alguns pequenos ajustes necessários e colocava mãos a obra.
Mas não sem antes dizer:
— Se Henrique perguntar onde fez, minta. Se ele descobrir e quiser me
matar, eu volto para buscar você — e fingiu comicamente um calafrio.
Sorria riu, feliz e se esticou na cadeira reclinável – que se convertia em
uma confortável maca, quase uma cama móvel — e fechou os olhos, ansiosa.
Mal podia esperar para ver o resultado. E uma partezinha sua estava
louca para saber qual seria a reação de Henrique.
CAPÍTULO 41
Acionou o controle da garagem e estacionou o carro com cuidado,
temendo bater em qualquer coisa. Espremeu-se no espaço ao lado do carro do
seu pai, onde seu carro morava até algumas horas atrás.
Agradeceu mentalmente por seu irmão ter estacionado na outra
extremidade da garagem, onde haviam muitas prateleiras e coisas largadas no
chão. Nunca conseguiria estacionar seguramente ali, em uma manobra errada
atropelaria tudo no seu caminho e chamaria atenção de todos na casa.
Bateu a porta com cuidado e resgatou da sua bolsa o celular. Pensou
um pouco e resolveu deixá-lo desligado como estava, temendo receber
alguma ligação do seu namorado.
Conseguira enganar Henrique durante todo o dia para que não se
encontrassem, já que não queria mostrar uma de suas surpresas antes do
tempo.
Dissera a ele que sairia com sua mãe e passaria todo o dia fora, dessa
forma ele não insistiria em levá-la ou buscá-la. De fato, passara o dia inteiro
fora, mas não com sua mãe. Pela primeira vez em três anos dirigira pela
cidade.
Resgatou seu carro na garagem pela manhã, feliz e surpresa por
encontrá-lo limpo e abastecido; com certeza aquilo fora obra de Sebastian, já
que ela não havia pensado naquilo até pegar o carro.
Fora emocionante dirigir pela cidade e, mesmo cometendo algumas
barbeiragens, quase atropelando três ciclistas e, inacreditavelmente, duas
árvores considerara a missão completa, sem danos.
Precisava ser discreta com suas compras, não queria ter que justificar-
se para ninguém sobre o que comprara ou sobre o grande e inconfundível
logotipo da loja de lingeries impresso nas sacolas. Deixou tudo guardado e
protegido na mala do carro. Era quase meia-noite e o horário a protegeria das
indagações do pai, que com certeza ficara surpreso quando não avistara seu
carro na garagem quando estacionara o seu.
Todos estavam dormindo, exceto por Sebastian, com quem Sofia
encontrou enquanto subia a escada de fininho. Tomou um susto, pulando
quase meio metro no ar e esforçou-se para não gritar quando deu de cara com
o vulto do seu irmão.
Sebastian ergueu as sobrancelhas, observando-a curioso. Ela tentava
normalizar a respiração, uma mão no coração, quando ele perguntou:
— O que está fazendo?
— Pretendia ir para o meu quarto antes de você quase me matar de
susto — respondeu baixinho, sem querer que seus pais acordassem.
Ele a fitou por alguns segundos, avaliando-a descaradamente. Sofia
esforçou-se para não corar, o que foi em vão. Por sorte, as luzes estavam
apagadas, apenas uma das luminárias do corredor iluminava parcialmente seu
rosto. Sabia que Sebastian notaria o quanto estava eufórica com suas
peripécias e, além disso, nunca conseguira ou sequer tentara esconder algo
dele.
— Pensei que dormiria com Henrique hoje — ele disse, sondando.
— Acabei de voltar da casa dele, mas decidi dormir em casa hoje —
mentiu rapidamente.
— Hum — murmurou, encostando-se no corrimão da escada, sem tirar
os olhos do seus. — Estranho.
Ela sorriu com esforço.
— O que é estranho?
Sebastian a fitou, sorrindo irônico.
— Estranho que você estivesse com ele até pouco tempo — começou, o
sorriso aumentando aos poucos. — Porque, alguns minutos atrás, ele ligou
preocupado, perguntando se você estava dormindo e por que desligara o
celular. E também porque ele me ligou a tarde inteira perguntando se você
estava bem e se já havia retornado das compras com a mamãe. — Sofia ficou
lívida e ele continuou, atento as mudanças no seu rosto. — O que é ainda
mais estranho, porque posso jurar que ela não saiu de casa hoje. E sei disso
porque eu também não.
Sofia sentiu os ombros caírem. Era inútil tentar enganá-lo, ele a
conhecia melhor que ninguém.
— Eu não estava com Henrique — confessou e Sebastian inclinou a
cabeça para o lado, sorrindo satisfeito. — Eu estava no centro.
— Passou o dia inteiro no centro?
— Sim.
— Até essa hora? — perguntou, olhando de relance para o relógio em
seu pulso. — E o que exatamente você estava fazendo no centro até essa
hora?
— Coisas — Sofia respondeu simplesmente.
— Que tipo de coisas?
— Minhas.
— Que coisas suas precisariam ser feitas até essa hora?
— Daquelas que não dizem respeito a você.
Sebastian sorriu, tendo a certeza que ela aprontara alguma.
— E você não vai me contar? — perguntou apenas para confirmar.
— Não — Sofia respondeu, tentando manter-se firme.
Sebastian suspirou teatralmente.
— Que pena — disse, começando a retirar o celular do bolso do jeans.
— Mas acho que posso perguntar ao seu namorado, talvez ele saiba — disse,
erguendo o celular e desbloqueando-o com lentidão.
Ela tomou o celular das suas mãos rapidamente, sem que ele tivesse
tempo de reagir. Sebastian, no entanto, riu divertido. Sofia pensou um pouco
e resolveu que poderia confessar ao menos parte do que fizera.
— Eu conto — disse irritada. Ponderou por alguns instantes, mas logo
sorriu, sentindo-se animada novamente. — Fiz algumas coisas diferentes hoje
— começou, misteriosamente.
— Isso eu sei. Diferentes como mentir para o seu namorado, para o seu
irmão e entrar furtivamente em casa de madrugada — comentou sarcástico.
Sofia bateu no seu braço.
— Idiota.
Ele riu mais uma vez.
— Quais foram as outras coisas diferentes que você fez hoje, além de
se converter em uma mentirosa patológica?
— Coisas que envolvem agulhas — confessou, rindo marota.
Sebastian franziu o cenho, confuso.
— Agulhas? — pensou um pouco e logo assumiu uma expressão
preocupada. — Você está usando drogas, Sofia?
Ela tapou a boca com a mão, segurando-se no corrimão, rindo até sua
barrigar doer.
— Claro que não, Sebastian! — exclamou baixinho ainda rindo.
Resolveu confessar logo tudo de uma vez, sem querer que ele tirasse novas
conclusões ridículas. — Estava em um estúdio de tatuagem.
Sebastian apenas a encarou por alguns segundos, depois fechou a
expressão, parecendo ficar irritado.
— Se não queria dizer onde foi, era só dizer. Não precisa mentir, porra
— falou emburrado.
Sofia riu mais uma vez. Deus, como era idiota.
— Não estou mentindo, Sena, eu estava mesmo em um estúdio de
tatuagem. Aquele próximo ao shopping popular, sabe? Do Diego, amigo de
Henrique — explicou.
Sebastian pareceu acreditar daquela vez, arregalando os olhos surpreso.
— Você fez uma tatuagem? — perguntou, sua voz subindo um tom.
— Duas, na verdade — esclareceu.
— Você fez duas tatuagens? — aumentou o tom novamente e Sofia
tapou sua boca com rapidez, grunhindo e arrastando-o escada à baixo, até a
sala de estar.
— Quer falar baixo? — soltou seu braço e acendeu uma das luzes,
sentando-se no sofá.
— Fiquei surpreso — desculpou-se, analisando seu corpo de alto a
baixo à procura das tais tatuagens. — Por que mentiu para o seu namorado
sobre onde estava?
— Porque quero fazer uma surpresa — admitiu e orgulhou-se por não
corar daquela vez. — Ele ainda não sabe.
— E quem estava com você então?
— Quem foi comigo, você quer dizer? — perguntou e ele confirmou
com a cabeça. — Ninguém, não contei para ninguém. Você é o primeiro a
saber, além do tatuador. Que aliás, foi o Diego. Ele é muito talentoso, você
precisa ver...
— Você foi sozinha? — Sebastian a interrompeu, parecendo
preocupado. — Por que não me chamou? Eu poderia ter ido com você, não
contaria a ninguém — disse.
— Está tudo bem, foi tranquilo — Sofia confessou.
— Doeu muito? — perguntou, procurando novamente pelo seu corpo.
— E você estava sozinha...
— Eu estou bem, Sena — prometeu. — Não doeu muito, só no
comecinho mesmo. E eu quis fazer isso sozinha.
Ele observou seu rosto com atenção, procurado por alguma contradição
na sua expressão. Quando não encontrou, relaxou visivelmente.
— Certo — sentou-se ao seu lado, relaxando as costas no sofá. — Mas
então — começou, analisando seu corpo pela quarta ou quinta vez. — Onde
estão? O que você fez? Espero que não tenha sido uma Barbie. Ou duas
Barbies.
Sofia riu, levantando-se rapidamente e ergueu a camiseta, animada.
Sebastian arregalou os olhos, provavelmente imaginando que ela teria
feito algo pequeno, já que não estava a mostra, mesmo sob suas roupas
curtas.
Aproximou o rosto do seu corpo e observou com atenção todos os
contornos da grande mandala sob seus seios, na parte superior da barriga.
A pele em volta ainda estava vermelha e inchada, e Diego dissera que
permaneceria assim por alguns dias, conforme a pele fosse cicatrizando.
Ela fizera aquele desenho anos atrás após encontrar algumas fotos
como inspiração na internet, mas, a princípio, não imaginou onde o faria no
futuro. Até que, após Diego realizar algumas pequenas mudanças na sua obra
prima, ele perguntara onde faria. Na mesma hora, aquele parecera o local
perfeito.
Gostara do resultado, tanto que até fizera algumas fotos experimentais
ainda no estúdio. Diego pedira algumas delas para divulgar nas redes sociais
do estúdio, mas prometera fazê-lo apenas no domingo, após ela concluir tudo
que planejara.
— Não pensei que você teria coragem de fazer algo tão grande —
Sebastian murmurou admirado, ainda observando sua tatuagem. — E não
está borrada, prova de que você não chorou e pulou como uma gazela quando
a agulha tocou sua pele — alfinetou, rindo e escapando de um novo tapa por
pouco. Sofia já abaixava a camiseta quando ele indagou: — E a outra? Você
disse que foram duas.
— Ah, sim! — Sofia exclamou e voltou a erguer a camiseta, só que
dessa vez a tirou por completo, expondo o sutiã.
Sebastian tapou os olhos, virando a cabeça para o outro lado e
parecendo enojado.
— Sofia! Se queria me cegar, poderia avisar antes — resmungou.
Ela riu e prendeu os cabelos, erguendo os fios no alto da cabeça e os
entrelaçando rapidamente em um nó.
— Não estou nua, Sena. E você já me viu pelada várias vezes.
— Sim, e a última vez foi quando tínhamos 6 anos. Você não mudou
muito de lá para cá, é verdade, mas essa não é uma visão bem-vinda.
Ela riu mais uma vez quando ele a observou por entre os dedos,
mantendo os olhos no seu rosto, fingindo um estremecimento de pavor.
— Não seja ridículo. São apenas peitos, tenho certeza que você viu
milhares, só esse ano.
— Não quero ver seus peitos. Aliás, não queria nem saber que você
tinha peitos e preferiria continuar assim, obrigada — continuou resmungando
enquanto ela ria. — Pare de rir e mostre logo essa tatuagem — De repente,
abaixou as mãos e arregalou os olhos. Perguntou horrorizado: — Você não
tatuou os mamilos, não é? — Sofia abriu a boca para responder, mas ele a
interrompeu apressado, levantando-se em um pulo. — Não, não quero saber.
Nem ver. Já é o bastante ver você de sutiã, não quero ver os seus... —
interrompeu-se, enjoado.
Sofia gargalhou tentando tapar a boca com as mãos, mas o som
repercutiu pela casa silenciosa. Tentando se controlar e ainda rindo,
aproveitou que ele retirara as mãos dos olhos e virou-se, permitindo que ele
observasse suas costas.
Ela ouviu um ofego, ainda balançando os ombros de tanto rir e sorriu
satisfeita.
Se Sebastian achara que a tatuagem sob seus seios era enorme, a nas
suas costas era colossal.
A enorme árvore de cerejeira cobria toda sua pele, da nuca ao cóccix,
em flores e ramos delicados. As pequenas flores eram rosadas e os ramos
eram de um tom amarronzado. Diego sugerira que aquele tom seria melhor e
que faria um contraste interessante com a sua pele.
Aquela em particular fora a que mais demorara, mas Diego garantira
que pela simplicidade geral da arte – sem grandes áreas de preenchimento,
ele explicara – eles poderiam terminá-la ainda naquele dia, embora
certamente muito tarde.
Ele estava certo e o resultado fora melhor do que Sofia imaginava.
Inexplicavelmente, embora aquela tatuagem fosse três vezes maior que
a outra que fizera, fora a que menos doera. Diego explicara que devido a
proximidade com os seios, toda área de pele abaixo ou acima deles era muito
sensível. E a pele das costas, aparentemente, era mais grossa.
Sofia mal reclamara enquanto ele trabalhava nas suas costas,
conversando animada e conhecendo um pouco mais sobre o melhor amigo do
namorado.
Sentiu Sebastian tocando o plástico que recobria suas costas
temporariamente. Ele a tocou com delicadeza, sabendo por sua vasta
experiência o quanto a área estaria sensível e dolorida.
Quando ele afastou os dedos, Sofia voltou-se para ele novamente. Riu
quando deu de cara com um Sena de boca aberta, fitando-a com os olhos
arregalados.
— Gostou? — perguntou sorrindo.
Sebastian balançou a cabeça, não em uma negativa, Sofia percebeu,
mas sim para voltar ao normal, fechando rapidamente a boca.
— Ficou legal — disse e Sofia ergueu as sobrancelhas, esperando um
elogio melhor. Ele riu, coçando a barba farta e ruiva que recobria seu maxilar.
— Tudo bem, ficou mais que legal — rendeu-se.
Sofia riu, aceitando que aquele seria o máximo que tiraria dele.
Animada, sentou-se novamente e contou como fora sua experiência,
como se divertira. Contara até como vergonhosamente deixara algumas
lágrimas deslizarem por seu rosto enquanto Diego deslizava a agulha sobre a
pele abaixo dos seus seios e descreveu quais seriam suas próximas tatuagens
e onde as faria.
Falou e falou e apenas quando terminou foi que finalmente notara que
Sebastian estava vestido para sair. Vestia uma calça de lavagem clara
destroyed, uma camisa social de um roxo escuro e sapato social.
— Vai sair? — perguntou curiosa, afinal já eram quase duas horas da
manhã.
— Iria — corrigiu. — Antes de encontrar você entrando em casa tarde
da noite como um ladrão.
Sofia riu, perguntando-se mentalmente onde ele iria e, mais
precisamente, com quem sairia. Era bom ver o seu irmão sorrindo de novo,
saindo e se divertindo. Ela só esperava que ele escolhesse melhor com quem
se relacionaria da próxima vez.
Sebastian sugeriu que fossem até a cozinha preparar um lanche, já que
aparentemente nenhum dos dois estava com sono.
Sofia levantou-se com ele e já se encaminhava para a cozinha, quando
ele colocou as mãos sobre seus ombros, delicadamente, e a empurrou em
direção a escada.
— Mas, primeiro, vá por uma roupa. De jeito nenhum eu vou comer
com você nua. Tenho muito apreço por minha visão perfeita, obrigada.
Sofia riu mais uma vez e subiu as escadas, ouvindo-o resmungar que
irmãs não deveriam ter peitos e que precisaria de anos para se recuperar
daquela visão do inferno.
CAPÍTULO 42
Dormiu como um bebê. Quando finalmente subira para o seu quarto, já
eram quase quatro horas da manhã.
Lembrava-se apenas de deitar-se na cama e dormira instantaneamente.
A única coisa que a incomodou fora a posição que dormira. Não poderia
dormir de bruços, porque toda área abaixo dos seios estava muito sensível.
Suas costas também, por isso dormira de lado, em uma posição estranha que
não incomodasse ambos os lados. Desconfortável, mas pelo menos dormira.
Ficou algum tempo deitada na cama, olhando para o teto e pensando
em tudo o que fizera e imaginando como a noite seria perfeita. Após alguns
minutos, começou a sentir-se ansiosa e resolveu levantar para tomar banho.
Ao chegar no banheiro, entretanto, sentiu-se tonta e precisou de alguns
segundos para retomar o controle sobre seu corpo.
Quando a tontura passou, jogou água no rosto e escovou os dentes.
Porém, ao sentir o gosto estranho do creme dental na sua boca, cuspiu tudo
na pia e se debruçou no vaso sanitário, a tempo de vomitar tudo o que comera
durante a madrugada.
Os enjoos iam e viam em intervalos curtos. Decidiu sentar-se no chão
frio e respirou fundo, vomitando mais uma vez.
Minutos ou horas depois, conseguiu levantar-se. Jogou o creme dental
no lixo. Com certeza estava estragado, embora tenha usado no dia anterior e
não notou nada de estranho.
Dando de ombros, pegou outra caixinha no armário do banheiro e
cheirou cautelosamente. O cheiro... Não saberia dizer, mas fazia seu
estômago revirar. Jogou-o também no lixo e resolveu lavar a boca apenas
com o enxaguante bucal. Ou isso ou vomitaria todos os seus órgãos.
Tomou banho, sentindo a letargia do sono e o cansaço ocasionado pelo
enjoo passarem rapidamente. Lavou os cabelos, depilou as axilas, as pernas e
a área entre elas.
Saiu do banheiro enrolada na toalha e fitou seu reflexo no grande
espelho ao lado da porta. Vestiu rapidamente um dos conjuntinhos de lingerie
que comprara de cor preta e ficou observando seu reflexo por alguns
instantes, satisfeita com o que via.
Fitando a área avermelhada na parte superior da sua barriga, pegou sua
bolsa e retirou de dentro uma pomada. Aplicou-a suavemente por toda
extensão da tatuagem, da forma que Diego a ensinara.
Afastou um pouco o sutiã meia-taça, para que não irritasse a pele e, ao
mesmo tempo, sentiu o fecho nas costas roçando sua pele sensível.
Resmungou um pouco, procurando formas de manter a peça firme, mas
sem incomodar sua pele e não conseguiu.
Tentou ignorar o incômodo e prosseguiu com a aplicação da pomada.
Quando terminou, tentou passar nas costas, mas aquilo seria impossível.
Xingando-se em silêncio, pensou em chamar Sebastian para ajudá-la, mas
desistiu. Ele provavelmente cairia duro no chão, os olhos em chamas, antes
de vê-la de sutiã novamente.
Estava pensando no que fazer quando uma batidinha tímida soou na
porta. Antes que perguntasse quem era, sua mãe colocou a cabeça no vão da
porta, sorrindo feliz e com as bochechas coradas.
Quando notou que estava apenas de calcinha e sutiã franziu as
sobrancelhas, mas logo arregalou os olhos, soltando uma exclamação
surpresa quando de fato a viu.
— Sofia! O que é isso? — apontou para seu corpo seminu, entrando no
quarto.
Sofia riu sem graça, sem saber como reagir. Sua mãe não era contra
tatuagens, afinal, Sebastian possuía várias por todo o corpo. Mas Sofia, que
até pouco tempo nunca tivera coragem para fazer uma, agora exibia uma
mandala enorme na parte superior da barriga. Fora as costas, que ela não via.
— Mãe... — começou, procurando por palavras. Respirou fundo e
recomeçou: — Mãe, eu...
— Desde quando você usa fio-dental, Sofia Villar? — Virna perguntou
de olhos arregalados.
Sofia abriu a boca, surpresa.
— Hum — murmurou sem saber como responder essa pergunta
inesperada. — Desde hoje, para ser precisa.
— É mesmo? — sua mãe perguntou ainda muito surpresa, parecendo
admirada.
Sofia franziu o cenho.
— Mãe, eu fiz uma tatuagem — comentou como se não fosse óbvio.
— Sim, estou vendo. Sua mãe é velha, não cega — fez um movimento
com a mão, como se aquilo não tivesse importância.
— E o que a senhora acha sobre isso? — perguntou confusa e surpresa
com a reação da sua mãe.
— Maravilhoso. Eu sabia que deveria comprar alguns para você, mas
pensei que você não gostaria — respondeu. — Ficou ótimo em você, acho
que vou comprar um igual para usar para o seu pai. Ele vai ficar...
— Mãe! — Sofia protestou, corando, tentando afastar a horrível
imagem mental da sua mãe desfilando de lingerie para o seu pai, da mesma
forma que ela pretendia fazer à noite para Henrique. — Não preciso saber
sobre... É... As suas... Coisas com o papai.
— Besteira — Virna novamente descartou seu comentário com um
gesto. — Sua mãe e seu pai transam, você deve saber disso, já que foi assim
que concebi você e o seu irmão.
— Mãe! — protestou novamente, as bochechas em chamas. Decidiu
mudar de assunto, antes que que precisasse de ajuda psicológica em um
futuro próximo. — O que eu quero saber é o que você achou.
— Maravilhoso. Henrique com certeza vai ficar louco quando ver você
assim. Homens adoram mulheres de fio-dental, sabe. É algo que...
— Sobre a tatuagem — completou Sofia, ignorando o que sua mãe
dizia.
— Ah! — exclamou, observando-a com atenção. — É bonito, combina
com você — disse simplesmente.
— E você não está surpresa? Ou chateada? Decepcionada? — indagou
temerosa.
Virna finalmente ergueu o olhar para o seu rosto e sorriu amorosa.
— Chateada? Claro que não, amor. E você nunca me decepciona.
Nunca. Nem o seu irmão — disse e se aproximou um passo, acariciando seu
rosto com carinho. — Claro que estou surpresa, mas não muito. Veja bem,
você deve compreender que, como mãe do seu irmão, já vi de tudo.
— Sim, eu compreendo — Sofia sorriu.
— Então, não estou tão surpresa assim. Já estou tão acostumada com os
rabiscos do seu irmão que nada mais me surpreende. E, como vocês sempre
seguem os passos um do outro, pensei que seria uma questão de tempo para
você fazer o mesmo — observou sua tatuagem novamente. — Gostei desse.
O que é?
— Uma mandala.
— Mandala — Virna testou a palavra, admirada. — É muito bonito.
Quando você fez?
— Ontem — disse e pigarreou antes de continuar. — Essa não é a
única. Quero dizer, a única que eu fiz. São duas.
Virna ergueu as sobrancelhas, subindo e descendo os olhos por seu
corpo.
— É mesmo? E onde está a outra?
Sofia virou de costas, erguendo o cabelo e prendendo-o rapidamente
em um nó.
— Nossa! — sua mãe ofegou. — É enorme! E linda, combinou com
você.
Sofia suspirou sem perceber, aliviada e voltou-se novamente para sua
mãe.
— Pensei que você poderia ficar chateada quando visse. Ou...
— Isso não aconteceria. Aliás, nunca aconteceu. E porque você deveria
se importar tanto com a opinião dos outros sobre o que faz, mesmo a sua
mãe? O corpo é seu. Nunca julgaria você, amor, da mesma forma que nunca
julguei seu irmão.
— Obrigada, mãe — agradeceu, sorrindo feliz. Sua mãe retribuiu o
sorriso.
— Mas o que você fazia aí parada na frente do espelho?
— Ah, estava tentando passar isso nas costas — mostrou o pequeno
tubo da pomada.
Com uma precisão e delicadeza surpreendentes, Virna tomou o tubo da
sua mão e posicionou-se nas suas costas, espalhando o produto por toda a
área sensível.
Quando terminou, perguntou curiosa:
— Por que não pediu a ajuda do seu irmão? Já vi você fazer isso muitas
vezes para ele, nada mais do que justo ele fazer o mesmo por você agora.
— Ah, ele não poderia. Provavelmente, se me visse de calcinha e sutiã,
sairia correndo daqui até a capital berrando que havia perdido a visão —
Sofia riu imaginando a cena. Notou o semblante confuso de sua mãe e
explicou, rindo, o que acontecera quando chegara em casa à noite.
Virna riu tanto que precisou se apoiar na filha, seu corpo sacudindo-se
com as risadas. Sofia acompanhou, rindo até deu estômago doer.
Depois de alguns minutos de conversa com sua mãe, ela a convidou
para sair, dar uma volta ou, como ela mesma disse, rindo maliciosa, comprar
algumas lingeries.
Sofia recusou o convite, rindo. Não estava nos seus planos para o dia
sair para comprar possivelmente lingeries para sua mãe usar para o seu pai.
Passou o dia inteiro em casa, confortável, preparando-se para a noite,
mas, principalmente, fugindo de Henrique.
Porém, isso só fora possível porque ela mentiu novamente para ele;
dessa vez dissera que precisava sair com seu irmão, passar um tempo com ele
e saber como estavam as coisas.
— De novo, Sofia? — ele perguntou irritado quando ela finalmente
resgatou o celular e ligou para ele.
— Eu sei, amor. Também sinto sua falta, mas preciso de um tempo
com o meu irmão.
— Preciso marcar uma hora com você ou alguma coisa assim para
poder vê-la?
Ela riu. Henrique quando ciumento, tendia a agir como uma criança;
resmungona, irritada e inconformada.
— Claro que não, Henrique. Nós vamos nos encontrar à noite, como eu
disse. Chego aí por volta das oito horas.
— Não vou deixar você voltar para casa — avisou.
— Eu sei — Sofia sorriu.
— Não vou deixar você voltar par casa por uma semana. Não, um mês.
Até matar essa maldita falta que sinto de você.
— Tudo bem — concordou com seus termos, derretida.
— E você vai ficar todo esse tempo na minha cama. Ao meu dispor.
— Ah, é?
— Ah, é. E vou comer tanto você, Sofia, que da próxima vez que você
sequer pensar em sumir por uma hora que seja, vai relembrar tudo o que farei
com você hoje e pensar duas vezes antes de fazer qualquer coisa —
prometeu.
Sofia precisou respirar fundo, fechando os olhos e imaginando tudo que
faria com ela.
— Mal posso esperar — sussurrou.
Ouviu-o grunhir um palavrão do outro lado.
— Você vai me pagar por isso também; me deixar duro quando vai
passar o dia inteiro longe de mim.
Sofia riu, abrindo os olhos e escapando da nuvem de luxúria que ele a
envolvia, apenas com som da sua voz.
— Aceito seus termos — murmurou e quando ele grunhiu novamente,
atormentado, sorriu mais uma vez.
Conversaram por mais alguns minutos – Henrique mais grunhiu do que
falou, na verdade – e ela aceitou pensar se poderia chegar mais cedo. Na
verdade, não via a hora de finalmente vê-lo, não seria nenhum sacrifício
adiantar um pouco as coisas.
Por fim, sorriu, despedindo-se relutantemente.
— Até mais tarde, amor. Amo você — ela sempre sussurrava a última
parte, tímida, mas feliz por poder expressar seus sentimentos. E ele sempre
ficava alguns segundos em silêncio, como que absorvendo suas palavras. Sua
voz estava rouca ao responder:
— Até à noite, amor. Também amo você.
Deitou-se novamente na cama, após encerrar a ligação e comer algo
rápido. Procurou algo em que pudesse dedicar sua atenção pelas próximas
horas, mas não havia nada.
Resignada, resolveu que um cochilo seria o melhor a se fazer.
Quer dizer, afinal, se tudo saísse como planejava, esperava não dormir
àquela noite. Ainda estava sorrindo quando mergulhou em um mundo de
sonhos.

•••
Vestiu o pesado moletom, pôs o capuz sobre seus cabelos escovados e
se despediu dos seus pais. Carregou o pequeno embrulho com cuidado,
temendo derrubá-lo se fizesse qualquer movimento brusco. O delicado
coraçãozinho estava embrulhado em camadas de um papel forte. Ela pegara
sua encomenda quando estava no centro e ficara feliz com o resultado.
Destravou o carro e abriu a porta traseira, depositando-o com cuidado
no banco e torcendo para que nada acontecesse até chegar ao seu destino.
Resgatou as sacolas de compras que havia deixado na mala. Escolheu
com cuidado algumas das peças que comprara e guardou-as na bolsa.
Recolheu o que restara, guardou-as de volta nas sacolas e voltou a escondê-
las na mala do carro.
Depositou a bolsa ao lado do pequeno embrulho no banco de trás e
fechou a porta, dando a volta e entrando rapidamente no carro.
Acionou o controle da garagem e fitou seu reflexo no retrovisor.
Bem, a primeira vista, sua aparência estava normal. Diria até que um
pouco largada com aquele conjunto de moletom. Era o mesmo que usava no
dia que conheceu Henrique, o da cor da sua pele que ele havia dito que usá-lo
era o mesmo que estar nua.
Decidira que o melhor a fazer seria vestir-se lá, na casa dele. Já que o
que de fato vestiria não seria apropriado para uma saída de carro.
Escolheu uma das fantasias que comprara. Na verdade, não era bem
uma fantasia. Consistia basicamente em um baby-doll preto com
transparência, uma minúscula calcinha com laços laterais e meias 3/4 de
mesma cor, uma máscara de renda e, surpreendentemente, também um
chicote – que Sofia, com certeza, não teria coragem de usar.
Não saberia dizer de quê se tratava a fantasia, já que, além da máscara,
nada naquele conjunto fazia sentido para ela. Mas fora a que mais gostara –
exceto o chicote.
Ligou o carro e saiu da garagem, com cuidado. Decidira por vestir-se
apenas quando chegasse ao seu destino porque, definitivamente, não
conseguiria sair de casa vestindo aquilo e pensara muito a respeito, decidindo
que tudo seria mais especial daquela maneira.
Entraria na casa dele, tranquila e entraria no banheiro com a sua
mochila. Após trocar rapidamente o moletom cafona por suas novas roupas
ousadas, calçaria os saltos que reservara para a ocasião e desfilaria pelo
quarto, tentando-o.
Bom, esperava ter coragem para isso.
Apertou as mãos no volante e dedicou toda sua atenção para a estrada.
Estava duas horas adiantada do horário que combinara com ele, mas não
conseguiria aguentar por mais nenhum minuto.
Dormira por duas horas apenas e, após sonhar com Henrique tomando-
a nos braços, ela pulara da cama, direto para o banheiro e decidira-se que já
havia esperado demais; precisava dele. Precisava tê-lo, pertencê-lo.
A chuva, que começara a cair em algum momento enquanto ela dormia,
aumentou consideravelmente e Sofia prestou ainda mais atenção ao que fazia.
Em poucos minutos, estacionava o carro. Precisou estacionar do outro
lado da rua, já que a garagem de Henrique estava cheia com sua moto, seu
carro e o de Diego. Haviam outros dois carros em frente a casa e Sofia
franziu o cenho, pensando se Henrique estaria com visitas.
Desligou o carro e respirou fundo, cobrindo o rosto com o capuz do
moletom.
Abriu a porta do carro, pulou rapidamente para fora e fechou a porta,
sentindo a chuva castigar e encharcar rapidamente seu corpo. Abriu a porta
traseira, pegou sua bolsa, o pequeno embrulho e fechou a porta, travando o
carro em seguida.
Atravessou a rua à passos rápidos, sentindo a água escorrer pelo seu
corpo. O papel que recobria seu pequeno presente foi arrancado com a força
da chuva e levado pelo vento.
Sofia apressou o passo, sem querer perder nenhum segundo a mais ali
do lado de fora.
Naquele último segundo, antes que pisasse na calçada da casa de
Henrique, se Sofia voltasse atrás na sua escolha de seguir em frente, talvez
tudo que aconteceria à seguir fosse diferente naquela noite.
Ninguém sairia machucado do que estava prestes a acontecer ali.
Ninguém sofreria com as consequências de escolhas do passado.
E, principalmente, não haveriam acidentes naquela noite.
Mas não foi isso que ela fez. Sofia seguiu em frente, confiante,
sorridente, correndo da chuva como se ela fosse o seu pior algo, sem fazer
ideia do que a aguardava.
Todavia, como ela poderia sequer imaginar o quanto seu adiantamento
na hora seria crucial para o que aconteceria à seguir? Como poderia imaginar
o quão trágico seria o final daquela noite?
Ela não teria como saber, não fazia ideia de tudo que acontecera pelas
suas costas.
Mas estava prestes a descobrir.
CAPÍTULO 43
Setembro era um dos meses de maiores variações climáticas na sua
região.
Tipicamente quente na maior parte do tempo, o nordestino só vê chuva
em três meses do ano, sendo setembro o pior de todos.
Difícil imaginar que um dia que começara tão lindo – o céu
amanhecera limpinho, sem nuvens, uma mistura de vários tons de azul e o
clima estivera deliciosamente agradável, nem quente nem frio – poderia
converter-se em um temporal daquelas proporções, com rajadas de vento,
trovoadas e relâmpagos impressionantes.
Assistira o nascer do sol da janela da cozinha com seu irmão,
conversando e rindo do que ele dizia. Não lembrava-se de quando fora a
última vez que dormira tão tarde, mas gostara da sensação de liberdade e
independência que a situação causava.
Ainda mais difícil de imaginar que o temporal repentino que atingira a
cidade, fora o doloroso golpe que sofrera em seu coração, que agora jazia em
pedaços ridículos no chão.
Não o seu coração, o órgão. Mas sim o delicado coração de porcelana
que comprara por encomenda como presente de aniversário de namoro. Para
ele.
Tropeçou nos seus próprios pés enquanto fugia de uma poça d'água. A
consequência daquilo era o seu presente, que tanto amara a primeira vista, em
pedaços largados no chão úmido da chuva.
Respirou fundo e decidiu que aquilo poderia ser resolvido depois.
Poderia encomendar outro, pagar uma taxa exorbitante para recebê-lo o mais
rápido possível e presentear seu namorado alguns dias depois.
Ele não se importaria muito, tinha certeza. Afinal, aquele não era o
único presente que reservara para ele. Contando que as coisas no interior de
sua bolsa permanecessem secas, é claro.
Olhou com pesar para o chão, lamentando sua falha coordenação
motora. Deu de ombros, e seguiu em frente, sem deixar-se abalar por aquilo.
Caminhando rapidamente e fugindo de poças de água, sorriu ao
relembrar todos os momentos doces que viveram juntos, todas as surpresas e
alegrias que aquele relacionamento lhe trouxera. Com ele.
Todas as conversas, os sorrisos, a alegria que acompanhara seu
relacionamento desde o começo e até mesmo as poucas discussões. Tudo em
relação à ele era o que tornava o momento, qualquer momento ao lado dele
especial.
Fora, realmente, feliz naqueles últimos meses, como jamais fora. E
tudo em troca de entregar-se de corpo e alma, sem pensar duas vezes, no que
fora o acontecimento mais surpreendente da sua vida: apaixonar-se. Por ele.
Entregar-se de corpo e alma para outra pessoa fora mais fácil do que
imaginara. E surpreendente. E era, incondicionalmente, feliz. Em nenhum
momento, nem por um segundo, arrependera-se da sua decisão. Amá-lo fora
fácil como respirar e, tinha certeza que mesmo que lutasse contra o
sentimento, seria impossível não fazê-lo.
Lamentou-se mais uma vez por ter dois pés esquerdos. Em razão disso,
agora, o seu presente de aniversário estava arruinado.
Aquele realmente fora um descuido infeliz seu. O lindo coração,
customizado e feito por encomenda, custara um preço exorbitante,
considerando que o objeto não consistia em mais do que poucos centímetros
de cerâmica - aquilo não era porcelana nem aqui nem na China, dissera ao
vendedor quando recebera seu pacote, mas este insistira que aquilo era, sim,
senhora, porcelana, porém era um material novo, importado e caríssimo,
justificara-se, insultado.
Não era. Mas tudo bem, gostara do resultado mesmo assim e não
discutira mais.
Balançando a cabeça e resignando-se de que teria sido melhor ter
solicitado a loja que enviassem seu pacote, seguramente, para o seu destino,
passou as mãos por suas roupas, agora encharcadas, e perguntou-se se sua
aparência seria tão ruim quanto aparentava.
O moletom grudava na sua pele, pesado e escorrendo, pingando. Seu
cabelo, antes escovado e escondido pelo capuz, agora escorria pelo seu rosto,
grudando na sua testa e bochechas. Passara horas até dominar a arte de usar
um secador ao mesmo tempo que uma escova e para nada.
Todavia, não se importava muito com isso. O que mais queria no
momento era sair do alvo dos pingos da chuva e adentrar no dormitório
confortável e seco do seu namorado. Só em pensar no quanto estaria
quentinho lá dentro seu corpo estremeceu de expectativa.
Aproximou-se da porta e tocou a maçaneta, franzindo o cenho ao notar
como suas mãos estavam trêmulas, assim como todo seu corpo e seus dentes,
que batiam sem pausas, fazendo-a retesar o maxilar, imaginando se ficaria
banguela caso continuassem batendo nesse ritmo por muito mais tempo.
Deu uma última olhada em suas roupas e decidiu ao menos espremer
um pouco da água que pingava na soleira da porta. Deu um passo para trás e
começou a torcer algumas partes do moletom, espremendo-o e retirando o
excesso de água.
Satisfeita, passou as mãos pelo cabelo e rapidamente fez o mesmo com
os fios, espremendo-os e jogando-os para trás ao final.
Deu um passo a frente, tocando novamente a maçaneta, desejando com
todas suas forças que a porta estivesse destrancada, como Henrique
costumava deixar quase sempre.
Porém, estacou na porta ao ouvir o som de vozes animadas e
gargalhadas vindas por trás da porta. Franziu o cenho, tendo a certeza de que
Henrique tinha companhia.
Encostando a orelha na porta, tentando reconhecer as vozes que
chegavam até ela, perguntou-se o que faria agora, já que para fazer o que
planejara, obviamente, precisaria de algumas – muitas – horas de privacidade
com seu namorado.
Todavia, o que ouvira a seguir conseguira congelar todo o resto do seu
corpo.
— Conseguiu, hein, garanhão? — uma voz que reconheceu como
sendo a de Vinicius disse com animação. — Não só conseguiu comer a
ruivinha, como continua comendo esse tempo todo. Eu poderia dizer, acho
que por todos nós, aliás, que sua missão foi concluída com êxito.
Algumas risadas soaram após sua declaração.
— Sem dúvida! — disse outra voz, que Sofia não reconheceu. — Cara,
eu achava que você não ia conseguir comer a garota e vencer a aposta. Pensei
que com aquele irmão brutamontes dela, você seria morto em menos de uma
semana, mas vejam só! Venceu a aposta e ainda mantém a gostosinha por
esse tempo todo. Você é o meu herói, cara!
Outra pausa para risadas e logo uma voz aguda que Sofia reconheceu
imediatamente disse com escárnio:
— Mas não havia como ser diferente, né? Gostoso desse jeito, até eu
daria pra você em uma semana, gato — miou Arianna, com certeza no que
considerava ser uma voz sexy. — Mas, conta pra a gente, como foi? Ela é tão
feia nua como é com aquelas roupas ridículas?
— Você está louca? — perguntou Vinicius. — A mina é a maior
gostosa! Se Henrique não aceitasse a aposta, eu iria no seu lugar — alguns
risinhos masculinos. — Mas é, cara, a gente quer saber como foi. Eu ainda
não acredito que você conseguiu realmente comer aquela gostosa em menos
de uma semana. Cara, a gente precisa saber como foi! — ele parecia cada vez
mais animado e sua voz estava levemente abobalhada, como se estivesse
bêbado. — Ela é tão frígida como parece ou a ruivinha é um furacão na
cama?
Outras vozes fizeram eco, perguntando como tudo aconteceu.
— Não importa como aconteceu, ou como ela é na cama — uma voz
rouca, parecendo irritada, que Sofia conhecia bem começou. — O que
importa é que Sofia é minha.
As palavras que ouvira poderiam ser dirigidas para outra pessoa, não
ela.
Entretanto, conhecia bem a voz que as proferira, e já o ouvira usar
aquele mesmo tom debochado e irritado antes para outras pessoas. Mas nunca
dirigidas para ela. Não para ela, nem sobre ela.
Ficou estática, sem mover-se, paralisada onde estava, ouvindo os
relatos de como fora sua vida nesse último ano sobre outro ponto de vista.
Todos tinham algo a falar e Sofia notou que seu relacionamento nunca fora
seu. Comentavam sobre sua vida como se tivessem esse direito, rindo e
ressoando o som de brindes e garrafas batendo.
Nada fora como pensara. Tudo não passara de uma ilusão, concluiu,
sentindo os olhos arderem.
A dor em seu peito era algo que jamais sentira. A dor da perda era algo
que conhecia, é claro, mas não naquelas proporções.
Nada fora como pensara. Os dias mais felizes de sua vida foram uma
farsa. Tudo fora uma farsa; os últimos três meses da sua vida, todas as
conversas, a entrega mútua, a confiança, a cumplicidade... O amor.
Ela o amava. Mas o sentimento não era recíproco. Tudo o que ele
sempre quis foi vencer uma maldita aposta, levando-a para cama e depois
com certeza reunindo-se com seus amigos para comentar e rir do quanto ela
era patética e ingênua.
Burra. Todos avisaram, todos pediram que não se entregasse daquela
maneira. Que deixasse as coisas evoluírem com o tempo, para não ter pressa.
Burra. Ingênua. Cega.
Como não enxergara a verdade? Como algum dia acreditara que ele, de
fato, a amava tanto quanto ela o amava?
Como pudera ser tão cega dessa maneira? Como não vira? Imaginara
coisas, imaginara ser retribuída, imaginara toda aquela reciprocidade que a
fazia feliz todos os dias.
Ele a enganara direitinho. Interpretara um papel impressionante.
Aguentara todos aqueles dias ao seu lado apenas em razão de algo tão
estúpido como uma aposta.
Mas por que? Para provar que era homem? Para provar aos seus amigos
que nada o impedia de ter aquilo que queria?
Por que fizera tudo aquilo? Não via o quanto aquilo era errado,
desumano? O quanto a faria sofrer?
Provavelmente não, já que se ela não estivesse no lugar certo na hora
errada nunca saberia de nada. Quanto tempo mais ele levaria aquela situação
adiante? O que mais seria capaz de fazer, quanto mais a machucaria, se ela
não estivesse ali, ouvindo tudo clandestinamente?
Sentiu uma pontada forte no peito que parecia fazer eco no seu corpo.
Sentiu o mesmo incômodo na sua barriga e curvou o corpo com a dor,
apoiando-se na porta e exclamando baixinho. A dor a assolava em ondas, no
seu coração, na sua cabeça, mas, acima de tudo, no seu ventre.
Reuniu as poucas forças que restavam e ouviu as risadas lá dentro
cessarem abruptamente. Ergueu-se e recuou, sentindo todo seu corpo
trêmulo, virou-se com um único desejo: fugir dali e fingir que aquele dia e
todos os outros que julgara terem sido os melhores e mais felizes da sua vida
nunca existiram. Mas estacou ao pisar em algo que rachou aos seus pés.
Que irônico, pensou. Como um dia que começara tão lindo poderia
converter-se em um temporal daquelas proporções.
Ainda mais irônico que o temporal repentino fora o golpe doloroso que
sofrera em seu coração, que agora jazia em pedaços no chão.
Mas daquela vez não fora um objeto.
Seguiu em frente, ignorando a queimação em um dos seus pés e com os
olhos focados no carro.
Fugir. Tudo o que precisava era fugir dali.
Esforçou-se mais, caminhando com pressa. Pôs as mãos no estômago
quando uma nova pontada de dor quase a derrubou. Respirou fundo, ouvindo
um ruído as suas costas por cima do barulho da chuva e acionou o alarme do
carro.
Ouviu um ecoar de vozes, mas ignorou, abrindo a porta do motorista e
jogando sua bolsa encharcada o banco do passageiro.
Uma nova pontada no ventre a fez curvar o corpo novamente, e ela
precisou apoiar-se na porta aberta, reunindo forças para entrar no carro.
Fechou os olhos e estava quase cedendo, entregando-se a dor, quando o
ouviu.
— Sofia!
Ela não queria olhar para trás. Não queria vê-lo e presenciar mais uma
atuação. Não permitiria deixar-se enganar mais uma vez.
Nunca mais. Ele a fizera de idiota uma vez, a enganara, brincara com
sua vida como se fosse um joguinho. Nunca mais.
Entrou no carro com esforço e bateu a porta com o máximo de força
que conseguiu reunir, o que não fora muito.
Travou as portas no momento em que mãos grandes bateram
desesperadamente na sua janela. Não olhou para ele, fechou os olhos e
implorou a Deus que conseguisse sair dali.
Manteve os olhos fechados ignorando a dor no seu ventre, a dor
crescente na sua cabeça e a voz abafada do lado de fora do carro.
Sua voz soava desesperada, aflita. Ele implorava por algo que ela não
tinha mais. Não tinha amor, não sentia amor e, mais que tudo, não acreditava
em amor. Não mais.
Ligou o carro, afastou rapidamente as lágrimas que não notara que
derramara até o momento e engatou a marcha, ignorando suas dores
crescentes e as batidas na janela.
Arrancou com o carro, sentindo o que antes fora um coração disparar
com a adrenalina. Dirigiu sem rumo, apenas buscando fugir dali, afastar-se
dele, de tudo que ele já representara para ela.
Entrou em ruas, percorreu avenidas e aumentou a velocidade. Não
queria pensar, não queria reviver todo seu passado, enumerar quantas vezes
fora burra, quantas vezes não notara a verdade que estivera bem na sua frente.
Uma luz no seu retrovisor a fez notar só naquele segundo que estava
sendo seguida. Observou a grande moto tentando igualar a velocidade com a
sua.
Perguntou-se o que ele queria com aquilo. Afinal, não estava cansado
de fingir algo que não sentia por todo aquele tempo? O que queria a
seguindo? Mentir um pouco mais? Enganá-la uma vez mais? Ou rir da sua
cara, em diferença de todo aquele tempo em que rira pelas suas costas?
Aumentou ainda mais a velocidade, seguindo por uma avenida deserta
e úmida da chuva. Ele fez o mesmo, voltando a igualar-se à ela.
Ela rangeu os dentes e se preparava para pisar ainda mais fundo no
acelerador, quando novamente sentiu a dor no seu estômago, só que daquela
vez dez vezes mais forte.
Olhou para seu ventre, pressionando-o com uma das mãos, tentando
fazer com que a dor diminuísse, quando algo chamou sua atenção.
Suas pernas estavam pingando água no carpete, danificando o banco do
carro e poderia ouvir a irritação do seu pai quando visse aquele estrago.
Mas não fora aquilo que a aterrorizara. Fora todo o sangue que escorria
entre suas pernas e ensopava suas roupas já molhadas.
Tentou pensar no que fazer, no que aquilo poderia significar, mas sua
visão escureceu de repente.
Tentou focar os olhos, piscou-os e apertou as mãos no volante, tentando
retomar o controle sobre seu corpo.
Mas era tarde demais. Viu um clarão a sua esquerda, sentiu a cabeça
pender para frente, o ventre contrair-se em mais uma pontada, as pernas
ficarem ainda mais vermelhas, a vista nublar ainda mais, a cabeça girar... E
depois não viu mais nada.
EPÍLOGO
Sua vida não era mais sua. Seus pensamentos não eram mais seus e
nem mesmo seu corpo o pertencia.
Nada nunca fora tão bom como naqueles três meses. Nunca sonhara
com aquele grau de felicidade, de plenitude, satisfação. Nunca desejara nada
daquilo, certo de que aquilo não lhe pertencia.
Ser feliz, plenamente feliz. Contentar-se com algo, sentir-se satisfeito,
alegre, querido, desejado... Nunca sonhara com nada daquilo.
Nunca buscara nada além de satisfação sexual. Não colecionava
amizades, possuía poucas e um número ainda menor se considerasse apenas
àqueles aos quais realmente confinava.
Estava satisfeito com o que tinha, com a rotina de dias vazios e noites
de paixões insatisfatórias. Tudo estava do jeito que era para ser.
Até que ela surgiu na sua vida. Até que notara aqueles olhinhos azuis
brilhando de desejo focados em si.
Soube ali que a teria. Que a faria sua e que nunca mais a deixaria partir.
Ela o pertenceria, como jamais fora de outro alguém e ele se entregaria em
iguais medidas, feliz apenas por tê-la.
Não lembrava exatamente quem propusera aquela aposta imbecil. Não
recordava ao menos quem estava a sua volta enquanto a observava tentar
disfarçar a cobiça em seus olhos, olhando em volta e cobrindo o rosto com
um livro.
Precisava conhecê-la. Precisava tê-la, prová-la. Soube ali que não
apenas queria, como necessitava tê-la. Pulsava de desejo, sentindo o corpo
reagir ao dela como nunca antes fizera com mulher nenhuma.
Ouvira apenas partes do que seus amigos e alguns conhecidos diziam,
debochando da forma com a qual ele a fitava, quase babando de desejo. Ele
não se importara, observando todas as nuances daquele cabelo vermelho, as
sardas perceptíveis até mesmo de onde estava, o corpo curvilíneo e gostoso
em evidência naquele moletom quase indecente.
Ouvira algo relacionado a um irmão ciumento e agressivo, mas
novamente, não prestara atenção, extraindo de todo aquele falatório apenas o
que importava: o nome dela.
Sofia Villar.
"Sofia", repetira o nome em sua mente, imaginando como seria sua voz,
como reagiria em seus braços, como seria tê-la inteiramente para si.
Vinícius bateu nas suas costas, desviando sua atenção do que mais
queria no momento, tagarelando algo sobre uma semana para alguma coisa.
Notou que ainda falavam de uma aposta. Uma aposta ridícula,
insinuando que se ele não fosse homem o bastante para aquilo, para seduzi-la,
algum deles seria.
Para o inferno se permitiria que algum daqueles bastardos se
aproximasse da sua Sofia. Ela era dele; ou seria. Ninguém ali a teria, nenhum
deles seria bom o bastante para ela. Inclusive ele mesmo.
Mas não lutara contra seus instintos. A queria, independente de aposta
ou não. E a teria, a faria sua e nunca mais a deixaria ir.
Voltara os olhos novamente para o fruto do seu desejo e declarou, com
confiança e sentindo o desejo que pulsava por todo seu corpo tomar o
controle da situação:
— Ela é minha — dissera, antes de partir em direção aquilo que o
pertencia.
Não se importara com as risadas que se seguiram após a sua saída. Não
se importara que pensassem que faria aquilo em razão de uma estúpida
aposta.
Tudo o que importava era ela. E pegá-la para si. Seus amigos não
tiveram importância no momento, o que eles pensavam não lhe importava.
Como queria voltar no tempo e esclarecer tudo, deixar claro que não
aceitara aquela idiotice, que faria aquilo porque realmente a queria. Porque
precisava.
Hoje sabe que, por causa de um mal-entendido, tudo, todo seu futuro,
suas esperanças, seus planos, seu destino, seu amor... Tudo ruíra em razão de
algo que não aconteceu, algo que não fez, que não planejou, mas que
permitiu que pensassem que sim.
Agora era tarde demais.
Agora ela sabia de tudo, o mesmo que seus amigos idiotas imaginavam
que acontecera.
Não fora uma aposta. Nada, nunca, jamais, fora uma aposta. E provaria
isso para ela, assim que ela abrisse o caralho daquela porta e o deixasse
explicar.
Vê-la chorando em silêncio, o cabelo grudado no rosto, o corpo
tremendo de frio e as lágrimas escorrendo livres, estava acabando com ele.
Odiava-se por fazê-la sofrer daquela maneira. Arrependia-se por não ter
esclarecido tudo antes. Mas, sobretudo, rezava para que ela acreditasse na sua
palavra. Que ela o perdoasse, que o aceitasse de volta.
Bateu na janela com ambos os punhos, resistindo ao impulso de
quebrar o vidro por medo de machucá-la.
Quando ouvira o seu gemido de dor, mesmo em meio a algazarra na
sua sala de estar, soube que ela não o perdoaria. Levantara correndo,
desesperado antes mesmo de confirmar sua presença ali.
Sabia que ela viria aquela noite e estava ansioso por sua chegada, ainda
mais porque passara dois dias sem vê-la, sem provar do seu gosto, sentir seu
cheiro de rosas e amá-la com desespero.
Quando a vira caminhando com dificuldade em meio a chuva, sentiu o
coração doer. Viu quando pisou em algo e olhou para o chão, notando algo
colorido em pedaços em meio a uma poça de água.
Sentindo o coração pesar, ouviu um suspiro pesado ao seu lado e Diego
o olhou sério.
— Avisei que isso aconteceria, cedo ou tarde — dissera, fitando Sofia
com o cenho franzido. — Ela não parece bem — observou e voltou-se para
dentro da casa. - Vá atrás da sua garota, explique como tudo aconteceu e
implore pelo seu perdão. Vou expulsar toda essa gente daqui até você voltar.
Henrique permanecera parado na soleira da porta, sentindo suas forças
irem embora, sabendo que nada do que dissesse a faria perdoá-lo, a faria
acreditar na sua palavra.
Mas não desistiria sem lutar. A amava. Com todas as suas forças, com
tudo de si, a amava. E faria com que ela o perdoasse.
Desceu os degraus, a chuva banhando seu rosto e sentiu o corpo
paralisar quando ela apoiou-se pesadamente contra a porta aberta do carro,
curvando o corpo como se sentisse dor.
Gritou seu nome em desespero e correu, tentando alcançá-la. Porém,
ela, ouvindo seu chamado e sem querer contato, trancara-se no carro,
chorando em silêncio e ignorando suas súplicas.
Poucos segundos depois, ela arrancou com o carro, sem desviar o olhar
para ele nem uma única vez.
Ele montou na moto com rapidez e a seguiu, ignorando os protestos das
pessoas que estiveram até poucos minutos atrás acomodadas na sua sala de
estar, agora molhados de chuva.
Seguiu por onde ela disparara com o carro e aumentou a velocidade
quando a encontrou, tentando emparelhar ao lado dela.
Notando que era seguida, Sofia acelerou ainda mais e ele sentiu o
coração disparar de preocupação, fazendo o mesmo.
Sofia não dirigia. Ela confessara que há anos desistira de tentar porque
algo sempre dava errado e ela sempre parecia atropelar alguma coisa.
De repente o carro foi diminuindo a velocidade e Henrique respirou
aliviado.
Todavia o alívio rapidamente sumiu quando o carro invadiu a faixa
contrária e seguiu sem rumo fixo, ziguezagueando pela pista.
Com o corpo inteiramente trémulo e sem poder fazer nada além de
gritar e observar impotente, viu quando o carro ganhou velocidade aos
poucos, parando apenas ao atingir outro carro que surgira de repente, pego de
surpresa, sem ter para onde escapar.
O grito que ouvira, o lamento, o choro desesperado bem podiam serem
seus, mas não tinha certeza. Acelerou e saltou da moto ainda em movimento,
jogando-a de lado e implorando, rezando para que ela estivesse bem.
Pedindo para estar no seu lugar. Porque, se um deles deveria morrer,
que fosse ele. Ele merecia, ela não.
Entretanto, o poder de decisão não era seu. Para Henrique bastava
apenas rezar para que tudo voltasse a ficar bem. Para que ela estivesse bem.
O que, talvez, não fosse possível.
Epígrafe

Hoje eu queria te esquecer


Mas quanto mais eu tento, mais eu lembro
Não sei viver sem ter você

Não Sei Viver Sem Ter Você – CPM 22


Para todos aqueles que me ajudaram a estar aqui hoje e que
tornaram esse e muitos outros sonhos possíveis. Obrigada.
SINOPSE
Ele encontrou o amor da sua vida e a perdeu.
Ela, que pensara ter encontrado o mesmo, descobrira que tudo não
passara de uma aposta.
Para ele, nada fora apenas um joguinho, embora tenha começado assim.
Para ela, nada do que vivera ao lado dele fora real.
Ele se apaixonara pela primeira vez na sua vida, apenas para perdê-la
em seguida.
Ela jurou nunca mais deixar-se enganar novamente após ter o seu
coração partido.
Entre revelações sobre o começo de tudo, arrependimentos, descobertas
e novos conflitos, seria ela capaz de se reerguer após sofrer o mais doloroso
golpe da sua vida e perdoá-lo?
E, após perder o amor da sua vida, seria ele capaz de reconquistá-la e
provar de uma vez por todas que tudo que viveram para ele nunca fora um
joguinho?
TEASER
Ser o alvo daquele olhar sem vida o destruía.
Ouvir as palavras que ela diria em seguida, palavras essas que ele sabia
e temia que viriam, minaria suas esperanças.
Henrique sabia que errara. Sabia que de certa forma a traíra, não da
forma que ela pensava, mas sim escondendo uma verdade que não era sua,
mas que dizia respeito a ela.
Talvez fosse tarde demais. Talvez ela nunca o perdoasse. Talvez nunca
mais quisesse olhar para ele.
Talvez fosse melhor desistir. Talvez.
Sentia no âmago do seu ser que nascera para ela, nascera para amá-la,
para fazê-la feliz. Todavia, sua proximidade parecia fazê-la apenas sofrer.
Aquele brilho que antes enxergava nos olhos dela sempre que o olhava
não existia mais.
Talvez não fosse merecedor do seu amor, talvez fosse mesmo melhor
assim.
Entretanto, havia algo que os unia. Algo além do amor, algo além do
que sentiam.
Algo que os uniria para vida toda. E, em nome disso, não poderia
desistir. Não seria capaz mesmo que quisesse.
Lutaria para reconquistá-la, nem que para isso precisasse provar todos
os dias da sua vida o quanto a amava. E tudo o que faria para ter de volta o
seu amor.
PRÓLOGO
Sua vida não era mais sua. Seus pensamentos não eram mais seus e
nem mesmo seu corpo o pertencia.
Nada nunca fora tão bom como naqueles três meses. Nunca sonhara
com aquele grau de felicidade, de plenitude, satisfação. Nunca desejara nada
daquilo, certo de que aquilo não lhe pertencia.
Ser feliz, plenamente feliz. Contentar-se com algo, sentir-se satisfeito,
alegre, querido, desejado... Nunca sonhara com nada daquilo.
Nunca buscara nada além de satisfação sexual. Não colecionava
amizades, possuía poucas e um número ainda menor se considerasse apenas
àqueles aos quais realmente confinava.
Estava satisfeito com o que tinha, com a rotina de dias vazios e noites
de paixões insatisfatórias. Tudo estava do jeito que era para ser.
Até que ela surgiu na sua vida. Até que notara aqueles olhinhos azuis
brilhando desejos focados em si.
Soube ali que a teria. Que a faria sua e que nunca mais a deixaria partir.
Ela o pertenceria, como jamais fora de outro alguém e ele se entregaria em
iguais medidas, feliz apenas por tê-la.
Não lembrava exatamente quem propusera aquela aposta imbecil. Não
recordava ao menos quem estava a sua volta enquanto a observava tentar
disfarçar a cobiça em seus olhos, olhando em volta e cobrindo o rosto com
um livro.
Precisava conhecê-la. Precisava tê-la, prová-la. Soube ali que não
apenas queria, como necessitava tê-la. Pulsava de desejo, sentindo o corpo
reagir ao dela como nunca antes fizera com mulher nenhuma.
Ouvira apenas partes do que seus amigos e alguns conhecidos diziam,
debochando da forma com a qual ele a fitava, quase babando de desejo. Ele
não se importara, observando todas as nuances daquele cabelo vermelho, as
sardas perceptíveis até mesmo de onde estava, o corpo curvilíneo e gostoso
em evidência naquele moletom indecente.
Ouvira algo relacionado a um irmão ciumento e agressivo, mas
novamente, não prestara atenção, extraindo de todo aquele falatório apenas o
que importava: o nome dela.
Sofia Villar.
"Sofia", repetira o nome em sua mente, imaginando como seria sua voz,
como reagiria em seus braços, como seria tê-la inteiramente para si.
Vinícius bateu nas suas costas, desviando sua atenção do que mais
queria no momento, tagarelando algo sobre uma semana para alguma coisa.
Notou que ainda falavam de uma aposta. Uma aposta ridícula,
insinuando que se ele não fosse homem o bastante para aquilo, para seduzi-la,
algum deles seria.
Para o inferno se permitiria que algum daqueles bastardos se
aproximasse da sua Sofia. Ela era dele; ou seria. Ninguém ali a teria, nenhum
deles seria bom o bastante para ela. Inclusive ele mesmo.
Mas não lutara contra seus instintos. A queria, independente de aposta
ou não. E a teria, a faria sua e nunca mais a deixaria ir.
Voltara os olhos novamente para o fruto do seu desejo e declarou, com
confiança e sentindo e sentindo o desejo que pulsava por todo seu corpo
tomar o controle da situação:
— Ela é minha — dissera, antes de partir em direção aquilo que o
pertencia.
Não se importara com as risadas que se seguiram após a sua saída. Não
se importara que pensassem que faria aquilo em razão de uma estúpida
aposta.
Tudo o que importava era ela. E pegá-la para si. Seus amigos não
tiveram importância no momento, o que eles pensavam não lhe importava.
Como queria voltar no tempo e esclarecer tudo, deixar claro que não
aceitara aquela idiotice, que faria aquilo porque realmente a queria. Porque
precisava.
Hoje sabe que, por causa de um mal-entendido, tudo, todo seu futuro,
suas esperanças, seus planos, seu destino, seu amor... Tudo ruíra em razão de
algo que não aconteceu, algo que não fez, que não planejou, mas que
permitiu que pensassem que sim.
Agora era tarde demais.
Agora ela sabia de tudo, o mesmo que seus amigos idiotas imaginavam
que acontecera.
Não fora uma aposta. Nada, nunca, jamais, fora uma aposta. E provaria
isso para ela, assim que ela abrisse o caralho daquela porta e o deixasse
explicar.
Vê-la chorando em silêncio, o cabelo grudado no rosto, o corpo
tremendo de frio e as lágrimas escorrendo livres, estava acabando com ele.
Odiava-se por fazê-la sofrer daquela maneira. Arrependia-se por não ter
esclarecido tudo antes. Mas, sobretudo, rezava para que ela acreditasse na sua
palavra. Que ela o perdoasse, que o aceitasse de volta.
Bateu na janela com ambos os punhos, resistindo ao impulso de
quebrar o vidro por medo de machucá-la.
Quando ouvira o seu gemido de dor, mesmo em meio a algazarra na
sua sala de estar, soube que ela não o perdoaria. Levantara-se correndo,
desesperado antes mesmo de confirmar sua presença ali.
Sabia que ela viria aquela noite e estava ansioso por sua chegada, ainda
mais porque passara dois dias sem vê-la, sem provar do seu gosto, sentir seu
cheiro de rosas e amá-la com desespero.
Quando a vira caminhando com dificuldade em meio a chuva, sentiu o
coração doer. Viu quando pisou em algo e olhou para o chão, notando algo
colorido em pedaços em meio a uma poça de água.
Sentindo o coração pesar, ouviu um suspiro pesado ao seu lado e Diego
o olhou sério.
— Avisei que isso aconteceria, cedo ou tarde — dissera, fitando Sofia
com o cenho franzido. — Ela não parece bem. — Observou e voltou-se para
dentro da casa. — Vá atrás da sua garota, explique como tudo aconteceu e
implore pelo seu perdão. Vou expulsar toda essa gente daqui até você voltar.
Henrique permanecera parado na soleira da porta, sentindo suas forças
irem embora, sabendo que nada do que dissesse a faria perdoá-lo, a faria
acreditar na sua palavra.
Mas não desistiria sem lutar. A amava. Com todas as suas forças, com
tudo de si, a amava. E faria com que ela o perdoasse.
Desceu os degraus, a chuva banhando seu rosto e sentiu o corpo
paralisar quando ela se apoiou pesadamente contra a porta aberta do carro,
curvando o corpo como se sentisse dor.
Gritou seu nome em desespero e correu, tentando alcançá-la. Porém,
ela, ouvindo seu chamado e sem querer contato, trancara-se no carro,
chorando em silêncio e ignorando suas súplicas.
Poucos segundos depois, ela arrancou com o carro, sem desviar o olhar
para ele nem uma única vez.
Ele montou na moto com rapidez e a seguiu, ignorando os protestos das
pessoas que estiveram até poucos minutos atrás acomodadas na sua sala de
estar, agora molhados de chuva.
Seguiu por onde ela disparara com o carro e aumentou a velocidade
quando a encontrou, tentando emparelhar ao lado dela.
Notando que era seguida, Sofia acelerou ainda mais e ele sentiu o
coração disparar de preocupação, fazendo o mesmo.
Sofia não dirigia. Ela confessara que há anos desistira de tentar porque
algo sempre dava errado e ela sempre parecia atropelar alguma coisa.
De repente o carro foi diminuindo a velocidade e Henrique respirou
aliviado.
Todavia o alívio rapidamente sumiu quando o carro invadiu a faixa
contrária e seguiu sem rumo fixo, ziguezagueando pela pista.
Com o corpo inteiramente trêmulo e sem poder fazer nada além de
gritar e observar impotente, viu quando o carro ganhou velocidade aos
poucos, parando apenas ao atingir outro carro que surgira de repente, pego de
surpresa, sem ter para onde escapar.
O grito que ouvira, o lamento, o choro desesperado bem podia ser seu,
mas não tinha certeza. Acelerou e saltou da moto ainda em movimento,
jogando-a de lado e implorando, rezando para que ela estivesse bem.
Pedindo para estar no seu lugar. Porque, se um deles deveria morrer,
que fosse ele. Ele merecia, ela não.
Entretanto, o poder de decisão não era seu. Para Henrique bastava
apenas rezar para que tudo voltasse a ficar bem. Para que ela estivesse bem.
O que, dificilmente, seria possível.
CAPÍTULO 1

Nunca, em vinte e três anos de vida, sentira-se tão desesperado como


nos últimos dias. Sentia-se sem forças, drenado. A vida aos poucos parecia
abandonar o seu corpo.
Uma semana de desespero havia passado. Sete dias de noites sem
dormir e dias de pura agonia.
Sofia estava internada. Seu caso não era grave, mas inspirava cuidados.
Isso o tranquilizava, mas não conseguia parar de culpar-se por todo mal que a
causara, por toda angústia e tudo que a levara até ali.
Ela não queria vê-lo. Henrique sabia e esperava por isso, mas isso não
fazia doer menos. Recusava-se a sair dali, praticamente morava na recepção
do hospital.
A família de Sofia apenas o tolerava. Sebastian o fitava com ódio nos
olhos. Henrique não sabia se ou quanto Sofia contara para ele sobre o que
acontecera antes do acidente, mas Sebastian não era burro. Podia notar
facilmente seu semblante culpado, sua angústia. E ela dissera que não queria
vê-lo, isso por si só era o bastante para ele; seja lá o que tenha acontecido,
Henrique era o culpado.
As amigas de Sofia, por outro lado, pareciam não notá-lo ali. Para elas,
ele era invisível. Henrique não se importava com a opinião delas ou de
Sebastian; tudo o que importava era o bem-estar de Sofia. E ela não queria
vê-lo.
Ele queria conversar com ela, contar como tudo acontecera, explicar,
desculpar-se por ser um idiota e afirmar que as coisas não aconteceram como
ela pensava. Mas ela não queria vê-lo, tampouco ouvi-lo.
Quando chegaram ao hospital, ele conseguira ficar ao lado dela.
Nenhum enfermeiro, médico, nem o papa conseguiriam tirá-lo dali.
Quando a vira confrontar o outro carro... Aqueles foram os piores
minutos da sua vida. Após descer da moto, tivera medo do que encontraria.
Tivera medo de encontrar seu corpo sem vida. Ela não deveria morrer, não
merecia. Ele, sim. Não por enganá-la, por usá-la, mas sim porque fora o
pensamento de que fora isso que ele fizera que a levara até ali.
Reunindo coragem, as lágrimas rolando livres por seu rosto,
misturando-se aos pingos de chuva, conseguiu abrir a porta do motorista,
rezando em silêncio.
Ela estava com a cabeça descansando sobre o volante, as mãos
largadas, flácidas, ao lado do seu corpo. Henrique erguera a mão, tremendo e
temendo por ela, e tocou seu pescoço, procurando por um pulso de vida.
Não conseguiu respirar aliviado quando encontrou o que procurava
porque quando ia se afastar, notou sangue. Muito sangue.
Aquela visão nunca sairia da sua mente, lembrar-se-ia dela para toda
vida. Lembrar-se-ia que aquilo só acontecera por sua culpa. Quase a perdera
naquela noite e isso, o sentimento de perda, a aflição, a angústia, o desespero,
nunca o deixariam.
Afastou seu cabelo delicadamente, agradecendo mentalmente ao rapaz
que descera do outro carro por ligar para a emergência; tal era o seu estado de
desespero que não conseguiria concentrar-se em outra coisa que não ela.
Procurou por algum ferimento em sua cabeça, provavelmente de onde vazara
todo o sangue que manchava suas coxas.
Não encontrou. Procurou por todo seu corpo, duas, três, quatro, vinte
vezes até notar que nada explicava de onde viera tanto sangue.
A não ser que...
Henrique soube, sem precisar procurar mais. Fechou os olhos com
força e rezou ainda mais, sentindo novas lágrimas escorrem por sua face.
Eles nunca usaram proteção, nem uma vez sequer. Nunca perguntara se
ela estava protegida; machistamente deduzira que sim. Sofia nunca lembrara
da camisinha, ele tampouco.
Notara que seus seios estavam um pouco maiores, mas como era
particularmente apaixonado por eles, nem sequer indagara o motivo, apenas
buscara aproveitar mais. Os enjoos, as tonturas, as sutis mudanças no seu
corpo... Deveria ter notado. Deveria ter reconhecido os sinais. Porém estava
tão focado em tê-la, em apenas amá-la, que não se atentara para aquilo.
E agora...
Agora seu filho estava morto. Morto antes mesmo de se desenvolver,
de crescer com o passar das semanas. Morto antes mesmo de seus pais terem
a chance de amá-lo, de descobrirem sua existência. Morto antes mesmo de
nascer, e a culpa era inteiramente sua. Sofia nunca o perdoaria. Ele nunca se
perdoaria.
Quando, enfim, a ambulância chegara e Sofia recebera os primeiros
atendimentos, Henrique não saíra do seu lado. Quando seu corpo fora
removido com muito cuidado e depositado em uma maca no chão, ele não
saíra do seu lado. Quando a acomodaram dentro da ambulância e ele entrou
junto, o rapaz do outro carro o lembrara da sua moto, ainda ligada e largada
de qualquer jeito no chão. Henrique o ignorou, ignorou o vibrar insistente no
bolso do jeans e focou apenas no que importava, sem nunca tirar os olhos
dela e sempre ao seu lado.
O percurso até o hospital fora breve; estavam muito próximos dali.
Assim que chegaram, Sofia fora levada para uma ala que ele não poderia
entrar, enfermeiras e dois seguranças barraram seu caminho quando ele
tentara forçar sua passagem a força. Uma das enfermeiras guiou o seu cortejo
indesejado até uma das poltronas da recepção e tentou acalmá-lo, afirmando
que ela seria bem atendida, que sua presença ao lado dela não seria necessária
e que ele ajudaria mais ali, preenchendo sua ficha e ligando para os familiares
dela, informando o que acontecera.
Henrique deixara-se cair pesadamente contra a cadeira, sentindo-se sem
forças, rezando mentalmente para que tudo desse certo. Após alguma
insistência da simpática enfermeira, ligou para Sebastian, informando em
poucas e trêmulas palavras o que acontecera, pedindo que comunicasse seus
pais e as amigas de Sofia.
Antes que pudesse largar o celular na cadeira ao lado, uma nova
chamada acendeu o visor do celular. Era Diego, preocupado, perguntando
onde ele estava e se estava tudo bem. Ele o seguira, preocupado após sua
saída apressada e encontrara sua moto largada na pista. Inteirou-se com o
rapaz do outro carro que ainda estava por ali, sem saber o que fazer. Henrique
contou o que acontecera, começando a observar toda a situação com um
distanciamento típico daqueles que esperam o pior e só aguardam pela
confirmação dos seus temores.
Todos chegaram pouco tempo depois. Contara novamente o que
acontecera e permaneceu sentado, angustiado, culpado.
Quando, finalmente, após horas de choro na sala de espera, um médico
os informara que Sofia estava bem. Fora com grande alívio que todos
receberam a notícia, desabando de volta nas cadeiras e agradecendo em voz
alta.
Ele não ouvira mais nada, paralisado de alívio, agradecendo
mentalmente de olhos fechados.
Henrique queria ser o primeiro a vê-la, a confirmar com os próprios
olhos que ela estava bem. Mas, mesmo abalado como estava, sabia que a
família teria prioridade.
Parecia que anos haviam passado enquanto esperava por sua vez, mas
foram apenas algumas horas. Quando finalmente entrara no quarto onde ela
repousava, não sabia o que esperava encontrar. Temia vê-la ligada a
monitores, máquinas realizando as funções vitais do seu corpo.
Ela repousava flacidamente em meio a lençóis e travesseiros,
parecendo quase sem vida. Sua pele estava ainda mais pálida, quase
transparente. Henrique notou apenas naquele momento o quanto ela era
pequena, adormecida em uma grande cama hospitalar, rodeada de máquinas e
equipamentos médicos.
Sofia era baixinha ao seu lado. Pequena, preciosa. Amava ser mais
forte, maior, isso atiçava seus instintos, despertava o homem primitivo que
existia no fundo do seu ser.
Ali, notando o quanto ela era pequena, a súbita fragilidade do seu
corpo, a palidez da sua pele, quase translúcida na iluminação do quarto, ele
soube, tivera a certeza, que, por mais que ela não o perdoasse – e ele se
empenharia para isso – nunca, jamais qualquer outra pessoa seria tão
importante para ele como Sofia e seus preciosos um metro e cinquenta e
quatro centímetros de feminilidade.
Aproximou-se aos poucos, sentindo-se indigno do alívio que tomou seu
corpo. Ela não estava morta. Mas quase estivera, por sua culpa. Ela estava
bem, mas por pouco. E tudo por sua maldita culpa.
Tocou seu rosto com infinito cuidado, desejando mais que tudo ser
agraciado com a visão do azul límpido dos seus olhos. Azuis como um mar
revolto, límpidos como uma manhã calma. Sua cor favorita.
Percorreu as pequenas manchas sobre seu nariz e bochechas,
delicadamente, traçando o contorno das pequenas sardas que tanto amava e
ela odiava.
Henrique não poderia saber naquele momento que talvez aquela fosse a
última vez que fazia aquilo, que a tocava, que a apreciava com a delicadeza
de um amante. Ele não poderia saber o quanto ela o odiaria pela manhã
quando despertasse e o encontrasse ao seu lado. Não poderia prever o quanto
sua presença a angustiaria, o quanto apenas a visão do seu rosto a perturbaria.
Ele não sabia. Mas deveria ter previsto. Talvez, se soubesse, não faria
diferente – amava-a demais para recusar-se a vê-la mais uma vez. Ela estava
fraca, dopada de remédios, suscetível aos seus toques, à sua presença,
indefesa. Se ele soubesse qual seria sua reação, se tivesse previsto, teria
aproveitado mais. Teria buscado memorizar seus traços – embora estes já
estivessem tatuados na sua mente.
Ele deixou-se cair contra uma poltrona ao lado da cama após algumas
horas de silencioso escrutínio, segurando a pequena e flácida mão nas suas,
esquentando a pele fria com seu calor. Descansou a cabeça nas mãos unidas,
a dela entre as suas e rezou mais uma vez.
Henrique não era religioso. Não se lembrava da última vez que rezara;
se é que o fizera alguma vez. Mas agradecia, aliviado, por suas preces serem
atendidas e ela estar bem.
Deixou-se ficar ali, os olhos fechados. Não levantou a cabeça quando a
família dela retornou, nem respondeu quando alguém tocou seu ombro em
conforto. Não queria falar com ninguém, não queria ver ninguém nem sentir
ninguém que não ela, que não seu amor.
Seria ingênuo de sua parte prever que ela apenas ignoraria o que
acontecera antes do acidente. O que causara o acidente. Mas tinha esperanças,
embora mínimas.
Quando ela abriu os olhos pela manhã, ele a princípio não vira, ainda
de olhos fechados, a cabeça repousada nas mãos.
Sentira um sutil aperto na mão que ainda segurava, mas pensara ser um
sonho. Não dormira, apenas permanecera com os olhos fechados, perdido em
pensamentos.
Os pais, irmão e amigas de Sofia, além de Diego que aparecera em
algum momento durante a madrugada, haviam se retirado a pouco, por pura
insistia do seu amigo, que afirmara que para cuidar de Sofia todos
precisariam estar bem. E já que nenhum deles queria descansar, ele insistira
que ao menos comessem algo. Henrique recusara a sugestão com não mais
que um balançar de cabeça.
Não queria comer. Não queria dormir, descansar. Queria apenas
permanecer ali, ouvindo o ressoar baixo dela, segurando sua mão pequena,
velando seu sono.
Ouviu um leve gemido de desconforto e levou algum tempo até
identificar de onde provinha o som. Quando notou, tardiamente, que havia
apenas os dois no quarto, levantou a cabeça abruptamente, sentindo o
pescoço estalar e os olhos irritados após tanto tempo fechados.
Sofia abriu os olhos e fechou-os rapidamente, incomodada com a
claridade do quarto. Gemeu mais uma vez e Henrique levantou-se, alarmado,
imaginando se ela estaria sentindo dor.
Inclinou-se para apertar o botão que alertaria alguma enfermeira, do
outro lado da cama. Ela abriu os olhos novamente, apenas um pouco. Pareceu
confusa, fitando ao redor, sem entender onde estava ou o que acontecera.
Após percorrer todo o quarto com o olhar, focou em Henrique, ainda
inclinado sobre ela. Ela o fitou por alguns instantes, ainda parecendo confusa,
mas subitamente aliviada ao vê-lo, um rosto conhecido em meio ao lugar
estranho.
Henrique a fitou de volta, erguendo uma mão trêmula e acariciando
delicadamente um cacho avermelhado que repousava contra a testa delicada.
Acariciou a mecha, apreciando a maciez dos fios, sem nunca desviar o olhar
dos olhos azuis que o fitavam curiosos.
Quando os acontecimentos da noite anterior gradativamente retornaram
a sua mente atordoada, o mar azul de seus olhos, antes repletos de amor,
foram tomados pela mágoa, lágrimas tornando-os mais claros.
Henrique a assistiu chorar em silêncio, seus olhos também vazando
todo remorso que sentia, toda culpa.
Permaneceram calados; ela chorando pela perda de um amor que ela
supunha – e não sem razão – ser uma farsa, e ele com o remorso vazando
pelos olhos.
— Por quê? — Sofia perguntou num fio de voz, e Henrique pode
perceber claramente a força que ela fazia para falar.
Ele balançou a cabeça, incapaz de explicar-se quando ela parecia tão
frágil, tão magoada. Indiretamente, ou nem tanto, ele causara aquilo e nunca
seria capaz de perdoar-se por magoá-la, por mais que ela um dia o fizesse – o
que não parecia provável.
Seu silêncio pareceu machucá-la ainda mais, novas lágrimas
percorrendo seu rosto, banhando sua face e cortando o coração dele mais um
pouco.
— Por que mentiu p-para mim? — ela perguntou novamente.
— Não foi assim — sussurrou rouco. Não como ela pensava. Nada
entre eles fora uma mentira, embora outros e agora ela pensassem assim. Mas
ele sabia que era culpado, não da forma que ela pensava, mas ainda assim era
culpado. — Não menti para você. Nunca.
Ela não pareceu acreditar. Fitava-o com os olhos sem vida, magoados,
tristes.
— Tudo por uma ap-posta? — sussurrou quase sem voz. — Por que fez
isso comigo?
Fitá-la e não ver mais em seu olhar o amor que sempre existira ali, a
alegria, o carinho que nutria por ele, estava acabando com ele. Queria
desculpar-se, provar que o que dizia era verdade, porém ela parecia e estava
frágil demais. Sobrevivera a um acidente. Quase perdera a vida, estava
medicada, provavelmente sentia dores. E a pior dor, ele sabia, viria quando
ela soubesse que perderam o bebê.
Isso era o que mais doía e Henrique sabia que para ela seria o mesmo.
A crença na sua traição, o estresse que passara naquela noite, a dor que
sentira, todos causados por ele fizeram com que ela perdesse o bebê. Seu
filho não nascido. Seu filho desconhecido. Não chegaram a tomar
conhecimento sobre ele, e agora ele estava morto. Nunca saberiam se era um
menino ou uma menina.
Henrique nunca se imaginara pai, mas a dor de perder algo que sequer
desejara e agora nunca conheceria o consumia por dentro, corroía suas forças.
A única coisa que o mantinha de pé, que o ajudava a continuar ali era a
esperança de tê-la de volta, ter a sua Sofia de volta. A Sofia que amara desde
o princípio e que o amara de volta, talvez desde o primeiro olhar.
Queria estar ali para ela quando ela descobrisse. Queria ajudá-la a
superar aquilo, retirar forças de onde não tinha apenas para vê-la bem outra
vez, para tê-la de volta. Aquilo o mantinha minimamente são, vivo, embora
seu interior morresse a cada segundo sob o olhar vazio dela.
Continuava acariciando seu rosto, até que ela se retraiu, como se seu
toque a ferisse ainda mais. Retrocedeu, mas permaneceu ao lado da cama,
rezando mentalmente mais uma vez, implorando em pensamento o que não
era capaz de dizer em voz alta; que ela o perdoasse. Que ela o fizesse viver
outra vez, que o resgatasse do limbo em que vivia, que o trouxesse de volta a
vida.
Todavia, quando ela falou outra vez, Henrique soube que todos os seus
esforços, por mais que lutasse, por mais que se esforçasse, fosse forte e não
desistisse, tudo aquilo talvez fosse em vão. Uma batalha perdida.
— Saia.
Ele demorou alguns segundos para compreender o que ela dizia e
alguns outros para resistir a desilusão que aquela única palavra o trazia. O
vazio nos olhos dela permanecia, sua voz saíra rouca, tão sem vida quanto
seu olhar, angustiado. Pior, resignado.
Henrique balançou a cabeça, pronto para negar-se até a morte.
Recusava-se a desistir, recusava-se a sair dali. Mas o olhar dela, aquele mar
azul que tanto amava, dizia mais do que as palavras que ela proferira a seguir:
— Saia — Sofia repetiu, ainda chorando, mas esforçando-se para
manter a voz firme, decidida. — Por favor, saia.
Henrique a fitou sem de fato vê-la. Os olhos embaçados, nublados de
dor, mas de compreensão. Ela precisava pensar, precisava estar sozinha, ou
com qualquer outra pessoa que não ele.
Incapaz de conter-se, precisando daquele contato como de ar para
sobreviver, curvou-se sobre seu corpo debilitado e beijou sua face úmida, a
sua própria um reflexo do dela.
Fechou os olhos, absorvendo o momento, que poderia ser o último. Ela
não se afastou, pareceu precisar daquilo tanto quanto ele, fechando os olhos e
fazendo com que novas lágrimas escorressem por sua pele, daquela vez, junto
com as dele.
— Amo você — sussurrara com os lábios na sua testa, e partira em
direção à porta, sem esperar que ela dissesse o mesmo. Ela não o faria, não
agora e talvez nunca, mas ele o faria por ela, sempre que possível.
Quando alcançou a maçaneta da porta, parou ao ouvir sua voz, a
súplica e as lágrimas perceptíveis nas suas palavras. Fechou a porta atrás de
si e seguiu até a área de recepção mais afastada, em outro bloco do hospital,
procurando evitar contato com outras pessoas.
Desabou em uma cadeira e descansou a cabeça nas mãos, tentando ser
forte, tentando não ruir e tentando, mais que tudo, expulsar as últimas
palavras dela de sua mente.
"Vá embora e não volte. Eu não o amo mais."
Deus lhe desse forças porque, mesmo que nunca mais fosse digno do
seu amor, ainda assim não desistiria. Mesmo a despeito de si mesmo, de seu
amor próprio, da sua saúde, física e mental, não desistiria.
Nunca.
CAPÍTULO 2
Ser alvo dos olhares dos amigos e familiares de Sofia não era o pior
para Henrique. Não ver Sofia era extremamente doloroso, mas não era o pior
de tudo. Sobreviver com isso a longo prazo seria, ele tinha certeza, mas não
no momento. A culpa sim era o pior. A dor da perda, o remorso... Ele não
conseguia conviver consigo mesmo. Isso era o pior.
Henrique sabia que ela precisava de tempo, que ela precisava curar-se
fisicamente para apenas após poder dar início ao lento processo de cura
emocional. Então, ele deu todo o tempo que ela precisava. Restringiu-se a
área de recepção, sem dar ouvidos às funcionárias que reclamavam que
aquele era um ambiente de ocupação provisória, não estendida. Ele não se
importava.
Enquanto Sofia curava a si mesma, ele tentava fazer o mesmo. Tentava
expulsar de sua mente que não a merecia, que não era digno de seu amor. Era
difícil; alguns dias, quando os olhares que o seguiam eram tão revoltados e
repulsivos quanto o que ele sentia, Henrique pensara em desistir. Eram
pensamentos breves, dolorosos, passageiros, porém recorrentes.
Em momentos assim, ele se esforçava para relembrar todos os
momentos que passaram juntos; quando ela sorria para ele e corava tímida ou
quando corava de prazer, entregue em seus braços. Logo esses momentos
inundavam sua mente e era fácil imaginar ter forças para reconquistá-la;
afinal, fizera com que ela o amasse uma vez, poderia fazer uma segunda.
Certo?
Sofia continuava sem querer vê-lo e, com o passar dos dias, ele
resignara-se com o fato. Não insistia para vê-la, apenas contentava-se em
permanecer no mesmo prédio que ela; isso era suficiente. No momento.
Sabia parcialmente do seu estado clínico por via das enfermeiras – as
mesmas que o importunavam no início, mas que agora o aceitavam
resignadas e emocionadas com tanta devoção.
Elas se recusavam no início a compartilhar qualquer informação sobre
o estado de Sofia, afirmando vezes sem conta que aquilo infringia as regras
do hospital e que poderiam ser demitidas. Todavia, após muita insistência de
sua parte, Henrique conseguiu obter algumas pequenas informações diárias
que o tranquilizavam apenas minimamente. Elas não poderiam ou não
queriam revelar muito, e aquilo o deixava confuso, supondo as piores
situações.
Sofia permanecia internada. Seu caso não era grave, mas inspirava
cuidados. Precisava de repouso absoluto.
Henrique não vira nenhuma torção, nenhum hematoma em seu corpo
que explicasse o porquê de sua internação contínua. Teria ela alguma
complicação interna? Alguma inflamação? Seria alguma complicação em
razão da perda do bebê?
Aos poucos, as informações que deveriam acalmá-lo apenas o afligiam
ainda mais.
Ele saía do hospital em períodos breves, uma vez por dia. Uma rápida
passada em casa para um banho e uma obrigatória e breve refeição. Precisava
cuidar-se melhor, ele sabia, mas aquilo era tudo o que conseguia obrigar-se a
fazer no momento. Nos poucos minutos que passava longe, imaginava o que
estaria acontecendo no hospital, se ela estaria bem, se as enfermeiras teriam
alguma nova informação, algo que explicasse melhor sua situação. E, sempre
que retornava, era com uma mistura de alívio e aflição que recebia a notícia
de que ela estava na mesma.
Diego, que a princípio o deixara lidar com sua dor da maneira que
preferisse, após alguns dias, passara a viver no seu pé, insistindo para que
saísse dali, que desse uma volta, fosse à faculdade, comesse alguma coisa,
buscasse viver um pouco. Henrique fingia não ouvir, cansado daquela
situação, mas sem forças para fazer diferente. Viveria daquela maneira até
quando ela decidisse assim. Não era a melhor situação, sabia, mas era o que
tinha.
Diego afirmava que ele não era mais o mesmo, que deveria sair
daquela, que se Sofia não o queria mais, se ele não tinha forças ou não queria
fazer diferente, que desistisse de uma vez, antes que ele mesmo precisasse ser
internado naquele lugar.
— Já que você gosta e se empenha tanto para ficar aqui, talvez em
breve ganhe um quarto quando ficar doente — disse, sentado ao seu lado,
fitando seu perfil. Henrique permaneceu onde estava, imóvel, sem
demonstrar que ouvira. — Ou talvez um bom soco nessa sua cara idiota
resolva. Ou vários.
Era a mesma ladainha sempre que se encontravam, o que acontecia
com maior frequência do que Henrique considerava suportável.
Alguns dias depois, enquanto estava na recepção, assistindo sem prestar
atenção a um programa de entretenimento na grande tevê ao lado da bancada
das enfermeiras/recepcionistas, Sebastian veio ao seu encontro.
Henrique permaneceu onde estava, fitando-o rapidamente e voltando os
olhos para a tevê.
Após alguns dias, a família e amigas de Sofia passaram a evitá-lo. Ele
não achava ruim, sentia até certo alívio em não ser o alvo constante dos seus
olhares reprovadores. Apenas Virna, mãe de Sofia, o fitava com compaixão e
parecia aceitar a sua presença ali, embora não tivesse se aproximado uma vez
sequer; talvez em respeito à dor de sua filha ou a revolta do resto de sua
família.
Há vários dias que Henrique não via nenhum deles por ali e agora era
agraciado com a presença de Sebastian. Henrique sabia que, uma hora ou
outra, Sebastian procuraria por satisfações. Se com os punhos ou não,
Henrique ainda tinha dúvidas. Ele respeitava a dor de sua irmã apenas no
momento, depois ele mesmo decidiria o que faria, seguindo suas próprias
decisões.
Henrique não ansiava pelo momento, embora uma boa briga fosse
aliviar ao menos parcialmente o vazio que sentia. Seria uma luta de igual para
igual, e talvez ele deixasse o outro atingi-lo de propósito para acrescentar
algumas dores físicas às suas mentais.
Sebastian permaneceu em silêncio por alguns minutos, fitando seu
perfil, vibrando onde estava. Henrique sabia que ele estava se controlando
para não o socar ali mesmo e se perguntou por que ele não o fazia de uma
vez.
Curioso, voltou-se lentamente para ele. Se Sebastian não estava ali para
brigar com ele, o que queria afinal?
Fitou os olhos azuis frios que o observavam com escrutínio,
perguntando-se distraído o que ele via. Não se importava.
Observou-o da mesma maneira, perguntando com o olhar o que diabos
ele queria.
Para seu alívio, Sebastian não parecia preocupado ou angustiado;
apenas aborrecido, como se fosse obrigado a fazer algo que não queria. O
que, provavelmente, era verdade.
Sebastian vestia um moletom pesado, como o seu, e de cor escura.
Estava frio e chovia com uma frequência maior que o normal até para a
época. Era final de setembro, e o mês por si só é um dos mais frios do ano,
além de imprevisível. Porém, o clima tem se mantido mais frio que o normal.
E ali, no ambiente estéreo e com cheiro de desinfetante e refrigerado da
recepção do hospital, a temperatura parecia ainda menor.
Parecendo fazer uma força sobre-humana para pronunciar as seguintes
palavras, Sebastian abriu a boca.
— Ela quer vê-lo.
A princípio, Henrique não compreendeu o que ele queria dizer.
Quando, enfim, sua mente cansada registrou o que aquelas palavras
significavam, levantou-se em um pulo, a mente sonolenta e os músculos
rígidos e cansados protestando pelo movimento abrupto.
Sebastian virou-se, sem dizer mais nada e seguiu na frente. Henrique o
seguiu também sem dizer nada, ansioso, nervoso, temeroso.
Sofia finalmente queria vê-lo. Isso poderia significar inúmeras coisas.
Ela poderia exigir explicações – ansiava por isso, por ter uma chance de
explicar com calma o que realmente acontecera –, poderia apenas solicitar a
sua presença para rechaça-lo mais uma vez – ele não se importava, contando
que pudesse vê-la, que pudesse ver com seus próprios olhos que ela estava
bem e saber o por que da sua permanência no hospital –, ou por várias outras
razões que ele não conseguia considerar no momento.
Seguiu-o em silêncio, tentando imaginar todas as situações possíveis.
Por que ela queria vê-lo? E por que agora? O que mudara? Não importava,
tudo o que queria era vê-la, saber de seu estado clínico por ela mesma,
conferir com seus próprios olhos se ela estava bem.
Subitamente, avaliou o estado de suas roupas e suspirou aliviado.
Acabara de voltar de casa, uma pausa de não mais que 15 minutos –
felizmente o hospital ficava próximo da sua casa – e seus cabelos ainda
estavam molhados do banho recente e suas roupas limpas. Um ponto a favor,
se é que sua aparência poderia ser levada em conta à vista dos
acontecimentos recentes.
Ele sabia em qual quarto ela estava. Seguira uma das enfermeiras uma
vez, quando ela o informou que iria checar sua mulher. Não tivera coragem
de entrar no quarto, no entanto. Temia perturbá-la, machucá-la ainda mais
com sua presença. De modo que, em momentos que a saudade, a culpa, todo
remorso e amor que o consumiam emergiam, ele se contentava em passar em
frente a sua porta, quando seus familiares não estavam.
Sebastian indicou a porta do quarto com um gesto brusco, sem olhar
para trás e ainda em silêncio, seguiu em frente, deixando-o a própria sorte.
Henrique respirou fundo, sentindo as mãos trêmulas. Fechou os olhos e
rezou como fizera nas últimas semanas. Não era religioso, nem avesso a
religiões, apenas nunca se vira em uma posição em precisasse clamar
silenciosamente a ajuda de um ser superior. Agora, no entanto e nos dias que
se passaram, não se passara um dia ou noite sequer, após o acidente, sem que
ele implorasse a um deus que ele não conhecia que intercedesse na sua vida e
que ela o perdoasse ou ao menos o ouvisse. Mas, sobretudo, que ela ficasse
bem outra vez.
Que, mesmo se decidisse nunca mais vê-lo outra vez, que ao menos
tivesse saúde; física e mental. Seu maior desejo era que ela não sofresse. Que
ela decidisse seguir em frente e fingir que ele nunca existira, mas que
estivesse bem.
Não era altruísmo, desejar o bem dela acima do seu próprio. Ela era a
sua metade, seu coração fora do seu corpo. O bem-estar dela era o seu, não
importando como. Se ela decidisse que não o queria mais, se não o perdoasse,
se, após todas as suas tentativas, ela não mais o amasse, Henrique desejava
apenas que ela fosse feliz, da maneira que escolhesse. Isso era tudo.
Doeria não tê-la, não vê-la mais, é verdade. Não tê-la outra vez em seus
braços, sentir o quanto era pequena contra seu corpo e o quanto mesmo assim
parecia perfeita em seus braços. Não ver seu sorriso, seus olhinhos brilhando
da cor do céu, as sardas delicadas, polvilhando sua face, pontinhos de cor na
pele tão clara. O nariz afiladinho, a boquinha de coração, sempre rosada,
pronta para seus beijos, o queixo redondo, as bochechas coradas... Não vê-la
mais seria um inferno, mas se forçaria a isso se assim ela desejasse. Se assim
ela fosse feliz.
Mas isso apenas se todos os seus esforços para reconquistá-la fossem
em vão. Não desistiria sem lutar, por mais difícil que fosse. A amava, mais
do que um dia julgara possível amar outro alguém. Necessitava dela como
precisava de ar. Não tê-la seria sua morte, mas viveria no inferno, feliz, se
assim ela também estivesse. Mas não desistiria sem lutar.
Respirou fundo uma última vez e abriu a porta, sem bater. Ela queria
vê-lo, o esperava, não precisavam de cerimônias agora.
Ou talvez sim, porque a visão que teve assim que abriu a porta quase o
enviou ao chão.
CAPÍTULO 3
Sofia estava de lingerie.
Vermelha. De renda e pequena. Henrique precisou se apoiar na porta
para não cair.
Ela havia feito uma tatuagem. Sob os seios. Linda.
Henrique não sabia daquilo. Rapidamente deduziu que ela havia feito
aquilo antes do acidente, já que em nenhum momento após ela havia saído do
hospital. E mesmo que a pele envolta já não estivesse inchada ou vermelha,
ele sabia que era recente; reconhecia os sinais, ele mesmo tendo as
presenciado no seu próprio corpo.
Os dois dias que não se viram, pensou fascinado. Por isso ela não
quisera vê-lo, porque provavelmente queria fazer uma surpresa. E fora, agora,
certamente uma. Desceu os olhos por seu corpo, curioso, a procura de outras.
Os olhos, famintos, a devoravam de alto a baixo, correndo afoitos por
todo seu corpo, mapeando com o olhar sua pele clara e suas curvas deliciosas.
O tecido vermelho acentuava a delicadeza de sua pele macia e destacava os
seios fartos e cobriam, quase parcialmente, o pequeno triângulo na junção das
coxas grossas que ele tanto queria provar outra vez.
Seus cabelos vermelhos estavam soltos; ondas emaranhadas e macias
caindo em volta dos seus ombros, os seios fartos e a cintura fina, quase
alcançando o início das suas nádegas e aquela covinha que ele tanto amava.
Porra, ela era gostosa demais. Deliciosa ao extremo, linda como um
anjo e com um corpo de fazer um homem render-se.
Um segundo depois, antes que pudesse apreciar mais aquela visão,
quando já sentia o tecido da sua calça de moletom estufar, Sofia emitiu um
grito surpreso.
Henrique fechou os olhos, respirando fundo, mas logo os abriu
novamente. Por um instante perguntara-se por que ela o chamara ali e o
recebera daquela maneira. Inconscientemente, supôs que ela o queria de volta
e fariam as pazes ali mesmo. Quase no mesmo instante, notara a toalha úmida
em cima da cama e que ela segurava algo que parecia um vestido em uma das
mãos. Sofia estava se vestindo, provavelmente queria ter um bom aspecto ao
vê-lo, da mesma forma que ele pensara um minuto atrás.
O pensamento de que, se não tivesse parado junto a porta por um tempo
e tivesse entrado ali, da mesma forma, sem bater, a visão que teria...
Estremeceu e mordeu o lábio, os olhos fixos naquele corpo gostoso e
resistindo ao impulso de acomodar melhor seu membro duro.
Felizmente, vestia um moletom, cujo tecido maleável não aprisionava
dolorosamente seu pau, permitindo assim que o sangue corresse por ali sem
impedimentos.
E, infelizmente, vestia um moletom, cujo tecido maleável não
aprisionava dolorosamente seu pau, permitindo assim que a barraca que
armava ficasse bem óbvia e não havia formas de encobri-la.
Sofia se recuperou rapidamente, cobrindo o corpo com os braços, não
tampando mais do que poucos centímetros de pele. Vendo que aquilo seria
inútil, pegou a toalha na cama, virando-se de costas para ele por alguns
segundos e quase causando-o um derrame com a visão.
Se em qual das cabeças, Henrique pensou, mordendo o lábio com ainda
mais força, ele não saberia.
Ela já havia se enrolado na toalha, que quase não escondia nada, e
agora o fitava com os olhos arregalados, ainda surpresa, mas a visão de outra
tatuagem, dessa vez nas costas e quase o triplo do tamanho da primeira e
daquela bunda redonda e farta naquela calcinha... Deus, precisava se
controlar, mas para o inferno se não olharia.
Aquela mulher era sua – ou fora. Aquele corpo delicioso o pertencia –
ou pertencera –, estava além das suas forças manter seus olhos famintos
longe daquela visão, e seu pau parecia concordar com a pequena parte
racional de sua mente.
Henrique concentrou sua atenção no rosto dela e tentou ignorar o que a
visão daquelas coxas grossas descobertas o causava. Sua excitação era quase
palpável – ou melhor; na região abaixo do seu umbigo era mesmo – e ele não
pôde conter uma exclamação quando, concentrando-se na expressão de Sofia,
notou o mesmo ali.
Ela o queria. Poderia estar magoada, poderia estar triste, machucada,
furiosa, mas, por Deus, aquela mulher ainda o queria.
No espaço entre uma respiração e outra, ele já a tinha em seus braços,
pressionada contra um pequeno armário de parede, próximo a cama. Sofia, no
susto, deixou a toalha cair e Henrique mordeu o lábio, colando-a ao seu
corpo, fitando seu olhar arregalado.
Ela se moldava ao seu corpo, pressionando-se de volta, quase
inconscientemente. Henrique tomou seus cabelos nas mãos, afastando-o do
rostinho ruborizado e prendendo-o nos dedos, puxando levemente, inclinando
sua cabeça. Sofia respirava pela boca, parecendo incapaz de falar, de se
mover, de fazer o mínimo esforço possível para sair dali. Ela queria aquilo
tanto quanto ele.
Ele não se mexeu. Permaneceu apenas ali, parado, sentindo-a, deixando
que seu corpo matasse a saudade do que tanto necessitara nessas últimas
semanas. Os olhos, fixos nos dela, quase não piscavam, temendo perder
algum segundo daquele momento.
Mais que excitado, Henrique estava aliviado. Não se falaram, não
disseram nada um para o outro em semanas, sequer se viram, e agora não era
o momento para isso. Henrique sentia-se aliviado porque chegara a se
perguntar se aquilo ainda seria possível; se ela ainda o desejava.
Porque, se mesmo que não o amasse mais, que o odiasse, se ao menos o
desejo ainda estivesse ali, então era possível. Era possível reconquistá-la, era
possível ser feliz outra vez. Porque, ao seu ver, se ela ainda o desejasse, como
fizera uma vez, então ele poderia começar daí, como fizera antes.
Tê-la em seus braços novamente era um bálsamo para suas dores. Podia
ver a luta que ela travava mentalmente, pesando as consequências daquilo,
tentando resistir à excitação que os unia. E antes que ela pudesse dizer algo,
ele a beijou. A beijou com a saudade de dias que pareceram anos, com o
desejo que antes sentira multiplicado por mil, com a fome que só um homem
desesperado para ter de volta o amor da sua mulher é capaz de sentir.
Ela tentou resistir, tentou selar os lábios e não permitir aquilo, mas
Henrique estava focado e, sem perceber, ela cedeu. E aí Henrique conheceu o
paraíso outra vez.
Sugava, lambia e mordia seus lábios com desejo, extraindo daquele
momento tudo que pudesse ter. Ela gemia contra sua boca, tão entregue que
ele gemeu de volta, as mãos percorrendo seu corpo sem pressa, acariciando
os seios macios e fartos, a cintura fina, a bunda que tanto o enlouquecia.
Sofia puxou seu cabelo, gemendo manhosa, e ele grunhiu, colando-a ainda
mais ao seu corpo, flexionando os joelhos e pressionando a demonstração do
seu desejo de encontro ao vértice entre as pernas dela.
Sofia gemeu outra vez e ele descolou seus lábios para apreciar aquela
visão. Ela estava descabelada, ruborizada, e os lábios úmidos e entreabertos
pareciam implorar por mais. Com um gemido de prazer, ele deu o que seu
corpo pedia, unindo seus lábios novamente.
Henrique sabia que, uma vez que a tivesse em seus braços, não se
controlaria. Ele ansiava por tê-la novamente ali, entregue, mas era ciente de
que as coisas não poderiam seguir por esse caminho por muito mais tempo.
Ela estava magoada, e com razão. Precisavam conversar e esclarecer
tudo, não poderiam apenas ignorar a situação. Mas Henrique era humano e
pensava que nunca seria capaz de resistir àquela mulher.
Sabia que aquilo não duraria para sempre, que logo ela voltaria a si e
talvez até o expulsasse dali, por isso buscou aproveitar cada segundo,
beijando-a, acariciando seu corpo, seu rosto, seus cabelos.
Não saberia dizer a quanto tempo estavam ali, somente o calor
reconfortante do corpo dela contra o seu importava. O aquecia, mais que
fisicamente, também mentalmente. O cansaço pelo qual passara ultimamente
era mais mental que físico; remoendo-se de remorso, reavaliado atitudes
passadas, chorando em silêncio e alvo de uma culpa que não era inteiramente
sua; e tão pouco dela.
Ali, entregues, todos aqueles momentos de angústia foram esquecidos,
deixados de lado. Henrique queria eternizar aqueles minutos de calmaria para
sempre.
Ainda a beijava e queria muito mais. Queria tocá-la inteira, adentrar o
pequeno triângulo de tecido que cobria seu lugar favorito, queria prová-la,
melar-se até as orelhas com o mel do seu desejo. Queria despi-la das poucas
peças que a cobriam e tê-la inteira para si, nua e linda como só ela pode ser.
Todavia, não podiam naquele momento.
Diminuiu o ímpeto com o qual a beijava aos poucos, relutante. Ela
gemeu em protesto, imersa em desejo e ele quase mandou sua razão para o ar.
Resistiu bravamente quando ela tentou puxá-lo novamente, beijando-a
castamente uma, duas, três vezes antes de ser capaz de afastar-se.
Henrique fitou a mulher em seus braços com todo amor, paixão e
ternura que o inundavam. Era linda demais, a sua Sofia. Linda e gostosa
demais para o seu próprio bem.
Sofia manteve os olhos fechados enquanto ambos respiravam
ofegantes, tentando normalizar a respiração. Henrique a admirou em silêncio,
absorvendo seus traços, sua beleza, memorizando mais uma vez o que já
estava tatuado na sua mente; o rosto da sua mulher.
Ali, fitando aquele rostinho perfeito, a boquinha de coração lutando
para sugar o ar, o nariz arrebitado, as sobrancelhas bem-feitas e os cabelos de
fogo, ele teve a certeza de que todo e qualquer sacrifício para ter aquela
mulher em seus braços eternamente valeriam a pena. Ele a amava. Mais do
que um dia pensara ser possível. Mais do que se si mesmo, e por ela, todo
sofrimento valeria a pena.
Ali, após tantos dias de tormentos e incertezas, ele soube que precisava
tê-la e a teria, custe o que custasse.
Sofia abriu os olhos, a respiração normalizada e o fitou de volta,
parecendo fazer o mesmo, bebendo dos seus traços a cura para toda a saudade
que as semanas passadas os causaram.
Ele viu o conflito naquele mar azul, viu que ela pesava e revivia os
últimos dias como ele mesmo fazia. Viu a mágoa ainda ali, toda dor que ela
sentia e sentiu-se mais uma vez culpado. Não queria que ela sofresse, nunca
quis. Doía nele, também. Ele também sofria. Mais que sofrer com a dor de
sua ausência, Henrique sofria com a dor da culpa, a dor de vê-la sofrer e
saber que ele era o culpado daquilo.
Alisou as ondas ruivas que desaguavam nos ombros dela, acariciando
os fios e sentindo como mesmo poder fazer algo simples como aquilo o fizera
falta.
Viu quando seus olhos ficaram úmidos e beijou sua testa, sussurrando
contra sua pele com a voz rouca:
— Sinto muito.
Ela fechou os olhos, negando-se a chorar ou a deixá-lo presenciar sua
fraqueza. Henrique aproveitou os últimos instantes de proximidade,
abraçando-a com força, antes que ela o empurrasse levemente, parecendo não
querer fazer aquilo, afastá-lo, mas sabendo como ele sabia que era o certo, ao
menos por enquanto.
— Eu sei — sussurrou Sofia, a voz embargada, afastando-se
relutantemente.
Henrique a observou em silêncio. Ela não falou mais nada, e ocupou-se
em vestir-se, sem olhá-lo.
Ela vestiu um vestidinho solto, bonito, Henrique pensou, e calçou
sapatilhas. Ela parecia pronta para sair e ele se perguntou se ela havia ou iria
receber alta naquela manhã. Isso seria ótimo, uma prova de que ela estava
bem mesmo.
Estava se perguntando se deveria perguntar sobre isso quando ela, após
pentear os cabelos e respirar fundo duas vezes, virou-se para ele. Henrique
observou sua expressão, curioso e temeroso também.
Ela parecia resignada com algo e feliz. Seja o que fosse que ela
estivesse se preparando para falar, não parecia feliz em contar-lhe aquilo.
Henrique aguardou em silêncio, colocando as mãos nos bolsos do moletom e
fitando-a com atenção.
Linda. Mais uma vez se viu preso, quase que hipnotizado com sua
beleza, fitando-a de alto a baixo. Sofia parecia cada vez mais incomodada,
franzindo o cenho, relutante.
— Eu... — ela começou e parou. Balançou a cabeça e respirou fundo
uma última vez. Parecendo recobrar-se, fitou-o diretamente, séria e disse: —
Estou grávida.
Henrique permaneceu parado por alguns instantes. Sabia que uma hora
ou outra teriam que conversar sobre o bebê, mas não imaginara que fosse
agora, ali. A dor da perda ainda era muito presente – e ele desconfiava que
sempre seria.
— Eu sei — disse apenas, sem disfarçar a tristeza da voz.
Sofia franziu o cenho e ficou ainda mais séria, mas, a despeito da
seriedade que tentava expressar, seus lábios tremeram levemente e sua voz
embargou:
— Sabe? — perguntou em um fio de voz. — E você... você está triste
por isso?
Henrique abriu a boca para responder que sim, é óbvio que estava triste
por isso, mas a fechou rapidamente, só agora notando que ela falara no
presente, não no passado.
Seria... Seria possível que...?
— Espere — a interrompeu quando ela já abria a boca para falar
novamente. — Você disse... disse que está grávida e não que esteve grávida?
— perguntou com dificuldade.
Sofia ergueu as sobrancelhas, fitando-o como se ele fosse louco.
— Eu falei que estou grávida — repetiu lentamente, como se ele fosse
doente mental. — E por que você pensaria que estive, no passado e não...
— Você teve um aborto — Henrique falou, a voz ainda mais rouca, os
olhos grudados na barriga dela. Havia um montinho ali, notou fascinado. A
barriga dela estava levemente inchada, redonda. Grávida. Sofia ainda estava
grávida. Deus. — Como.... como? Eu vi todo aquele sangue... tanto sangue! E
você estava... você estava... — Interrompeu-se, limpando a garganta quando
sua voz pareceu embargar. Respirou fundo. — Como? — repetiu, sem
conseguir falar mais.
Sofia o fitava com os olhos surpresos e assustados. O que ela esperava,
afinal? Ele vivera todos aqueles dias com a certeza de que matara seu filho. E
todo aquele tempo ela sabia e não...
— Por quê? — perguntou abruptamente e a força na sua voz ou sua
expressão eram tantas que ela deu um passo para trás, assustada. — Por que
fez isso? Por que não me contou antes? Queria me punir ainda mais, é isso?
— Eu... — Sofia tentou falar, mas ele não permitiu, incapaz de se
conter.
— Sabe o quanto sofri nesse último mês? Por Deus, Sofia, eu pensava
que havia matado meu próprio filho!
Sofia apenas piscava, confusa, surpresa, assustada e, relutantemente,
culpada.
Henrique tremia de alívio, raiva e algo mais.
E aquele encontro, que passara da tensão para o tesão e por último para
indignação, sem pausas, uniria ou separaria de vez aquele casal.
Uma pena que eles não soubessem disso.
CAPÍTULO 4
O clima naquele quarto hospitalar não era dos melhores. A saudade e o
remorso que o devastaram durante todas aquelas semanas subitamente
pareciam irrisórios se comparados com os novos sentimentos que o
atormentavam agora: raiva, mágoa e o mais surpreendente de todos, a certeza
de que de alguma forma fora traído.
Fora assim que ela se sentira após saber de tudo?, perguntou-se,
fitando a vista pela grande janela, frente a cama onde Sofia estava sentada.
Ele precisou se afastar dela após sua pequena explosão há poucos instantes.
Não queria descontar nela sua aflição, sua raiva, e tampouco queria ver a
culpa no rosto dela de tão perto e com tanta clareza.
Afastar-se era bom, pensou, observando a pequena farra que alguns
passarinhos faziam em uma das janelas ao lado; certamente felizes por
receberem algumas migalhas de algum enfermo gentil (e desesperado por
companhia porque o barulho que seus novos amigos faziam era
ensurdecedor). Afastar-se era bom, retomou o pensamento, porque o impedia
de fazer ou dizer algo que se arrependeria em seguida.
Era melhor distrair-se um pouco, pensar com calma, analisar o pouco
que sabia e agora descobrira e depois deixar que ela falasse e preenchesse as
lacunas para quais respostas ele não possuía. Ainda.
A raiva parecia mais amena e ele relaxou um pouco. Não era raiva dela
propriamente, era raiva da situação em si, de tudo que fizeram que os levaram
até ali. Mas o sentimento de traição estava ali, incômodo e doloroso como
uma picada profunda na pele.
Aquilo não era legal. Com o remorso de tê-la machucado ele aprendera
a lidar, por mais difícil que tenha sido, mas com aquilo? Saber que a pessoa
que você mais ama no mundo o traiu? Isso não. Ao menos não agora.
Porém, como ela poderia ter conhecimento do que ele presenciara após
o acidente, nem do verdadeiro inferno no qual ele vivera quando ela se
recusara a vê-lo? Não fora realmente uma traição, ele sabia. Não como a
omissão dele fora para ela, ele também sabia disso.
O difícil era saber apenas agora que tudo fora, de certa forma, uma
enorme falta de comunicação. E com certeza, se houvessem se falado, o
mínimo que fosse, todo aquele sofrimento, todo o remorso, a angústia com os
quais ele vivera nos últimos dias seriam evitados.
Um pensamento súbito o fez virar-se novamente para ela.
— Há quanto tempo?
Sofia, que também parecia perdida em pensamentos, pulou levemente
onde estava, ainda sentada na cama, surpresa.
— Há quanto tempo o que? — perguntou, piscando confusa.
— Há quanto tempo você... — me esconde sobre o bebê, ele queria
dizer, mas se conteve, tentando evitar novos e desnecessários conflitos. O que
estava feito, estava feito. O melhor que podiam fazer agora era buscar uma
solução para os problemas que ainda tinham.
Não que ele rotulasse seu filho – ele ainda seria pai! – como um
problema; quando pensava nisso Henrique referia-se ao muro de proteção que
Sofia armara em volta de si mesma, o fato de que ambos pareciam guardar
segredos, ou ao menos omiti-los, e que precisariam pensar daqui para frente
primeiramente no bem-estar do bebê.
— Há quanto tempo estou grávida, você quer dizer? Por volta de 16
semanas, segundo minha obstetra — disse Sofia, sentando-se melhor,
mantendo as pernas juntas e as mãos sobre os joelhos, brincando com a barra
do vestido.
Henrique observou as pequenas mãos nervosas brincando com o tecido,
refletindo sobre o que ela falara. Dezesseis semanas, o que equivalia a 4
meses, se suas contas estivessem corretas.
Quatro meses. O mesmo período que estavam juntos. Sofia poderia
estar grávida desde sua primeira vez. Como não notaram?, perguntou-se.
Estavam tão obcecados um com o outro e o sexo com Sofia era coisa de
outro mundo, era verdade, mas como não notara? Não usavam camisinha,
nunca usaram realmente, nem uma vez sequer. Nunca indagara se ela tomava
algum anticoncepcional, ela também não tocara no assunto e ele deduzira que
sim, mas isso nunca fora uma preocupação de fato, tão focado estava em
apenas tê-la para si e entregar-se em igual medida.
Sofia não tivera enjoos e as mudanças no seu corpo eram sutis. Os seios
não estavam anormalmente gigantes ou algo do tipo, mas pareciam inchados,
as auréolas levemente mais escuras e só. Mas ela parecia diferente agora,
tendo passado um mês desde a última vez em que ele a vira. Sua barriga antes
plana agora era um pequeno montinho inchado e ligeiramente arredondado.
Linda. Para Henrique, Sofia parecia resplandecer. A pele acetinada
brilhava sob a luz que vinha da janela. Os cabelos macios reluziam como
fogo. Até mesmo as pequenas sombras escuras sob seus olhos, lembranças de
noites sem dormir, pareciam ressaltar sua beleza.
Ele a observou com atenção enquanto tentava retomar o foco dos seus
pensamentos. Sofia ainda estava grávida. Em cinco meses aproximadamente
eles serão pais, segundo a obstetra.
Apegando-se na última parte dos seus pensamentos, Henrique
perguntou:
— Há quanto tempo sabe que está grávida?
Ele viu a resposta na sua expressão antes mesmo que ela respondesse.
— Desde que acordei — falou baixinho, parecendo arrependida ao
menos, Henrique refletiu. — Quando acordei e você estava aqui e eu... —
parou, parecendo escolher as palavras. Henrique não gostou da lembrança,
aquele dia ainda o atormentava. — Enfim, depois que você saiu, os médicos
me explicaram tudo que aconteceu e a minha família também — ela respirou
fundo e o fitou diretamente nos olhos — Eu queria me desculpar por isso.
Realmente sinto muito, mas eu não tinha ideia de que você sabia sobre a
gravidez e que poderia pensar que... Que... — Balançou a cabeça, afastando o
pensamento e prosseguiu. — E gostaria de gradecer por tudo que você fez.
Henrique franziu o cenho, confuso. Sofia, parecendo notar sua
confusão, continuou:
— Por chamar a ambulância, por ter ligado para a minha família. Por
ter se preocupado comigo e...
— Pare — ele a interrompeu irritado.
Ela estava agradecendo-lhe por ter feito o que qualquer outra pessoa,
inclusive um desconhecido, faria ao vê-la naquela situação. Ele não precisava
disso, não fizera nada mais do que sua obrigação. Chamar uma ambulância,
contatar sua família, acompanhar seu estado... Por Deus, o que ela pensava?
Ele a amava, mais do que qualquer outra coisa, é verdade, mas ele não
precisava de agradecimentos por isso.
Sofia tinha os olhos azuis arregalados, fitando-o quase sem piscar,
provavelmente tentando entender o que causara sua irritação. Observando-a
de volta, ele se surpreendeu pela enésima vez apenas naquele dia com o
quanto ela era linda.
É claro que ela tinha defeitos, ele também os tinha. Mas suas
qualidades e virtudes eram em número muito maior. Era o seu amor que o
fazia acrescentar algo ainda mais irresistível à beleza que ela já possuía, mas
também a ingenuidade que ele via naquele mar azul. Sofia não tinha noção do
quanto era linda, do quanto sua beleza interior se estendia por todo seu ser.
Ela não era bonita apenas por fora. Sofia era uma das pessoas mais
altruístas e generosas que Henrique já conhecera. Sua beleza exterior era
apenas a cereja do bolo.
Ela continuava a fitá-lo, agora parecendo apenas curiosa. Ele adorava o
fato de o rosto dela ser um livro aberto. Ele sempre podia deduzir em quê ela
estava pensando, ou ao menos chegar perto, apenas observando sua
expressão. Ela era transparente, mas ainda assim uma caixinha de Pandora.
Única como apenas ela poderia ser e surpreendente em todos os sentidos.
Henrique suspirou como um idiota, sem poder se conter e ela percebeu.
Sofia arregalou os olhos novamente, provavelmente perguntando-se se ele a
agarraria – e seria agarrado de volta – em seguida.
Henrique riu pelo nariz, recobrando o controle do seu próprio corpo.
Não a atacaria novamente, por mais que ansiasse por isso. Precisava abraçá-
la, beijá-la, tê-la próxima a si. Mas, sobretudo, precisavam conversar.
Precisavam resolver os problemas que agora os separavam e focar na
única coisa que importava: o bebê. Aquela criança não pedira para ser
concedida, não pedira pra existir. Era dever deles protegê-lo e criá-lo da
melhor maneira possível, e isso não será possível com as coisas como
estavam entre eles.
Decidido a não deixar isso acontecer, Henrique perguntou:
— Por que me chamou aqui?
Ela ergueu as sobrancelhas.
— Para comunicá-lo que será pai — respondeu, fitando-o sem piscar.
— Você está algumas semanas atrasada no seu comunicado, não? —
viu-se perguntando antes que pudesse se conter. Quando viu a culpa mais
uma vez nos olhos dela grunhiu baixinho. Precisava olhar para a frente, focar
no futuro e apagar o que passou. Dessa forma seria melhor para o bebê,
menos estresse para ela e talvez nesse meio-termo fosse possível reconquistá-
la, sem grande alarde.
— Eu não sabia que você... — ela começou, a voz ligeiramente
trêmula e ele se amaldiçoou em pensamento.
— Esqueça isso — ele disse rapidamente. — E então? — perguntou,
tentando distrai-la e voltar ao que verdadeiramente interessa.
— E então o quê? — Sofia perguntou.
— Depois do seu comunicado o que você me diria? — perguntou.
Ela respirou fundo, parecendo concentrar-se no que diria a seguir.
— Eu diria que precisamos nos dedicar ao bebê e esquecermos, ao
menos por enquanto, nossas diferenças.
— Concordo — ele afirmou, assentindo com a cabeça rapidamente.
— E que as coisas precisam ser diferentes agora — ela continuou.
— Concordo.
— O bebê será nossa prioridade, portanto precisamos pensar no seu
futuro.
— Concordo.
— E, como não estamos mais juntos, precisamos também delimitar
alguns limites — ela concluiu rapidamente.
— Concor... O que? — Henrique a fitou como se ela estivesse louca.
Ou como se ele estivesse louco e ouvindo coisas.
— Precisamos de alguns limites na nossa relação. Nossa nova relação.
Teremos um filho, Henrique, não somos apenas nós dois, agora temos
alguém que depende exclusivamente de nós, não podemos brincar ou ser
negligentes com isso. E, já que não somos mais um casal, precisamos
conversar sobre isso — disse séria.
É claro que ele sabia que ela não cairia de amores assim que o visse
após tantos dias. Sabia que a conversa não seria fácil e muito menos
satisfatória, mas aquilo estava além. Claro, poderia ser pior; ela poderia
proibi-lo de participar daquela fase da vida do seu filho, poderia mantê-lo
afastado por todas as outras fases, também.
Pelo menos ele ainda seria pai, pensou. Pelo menos ela não o expulsara
a pontapés. Aquilo era um avanço e ter a certeza de que seu filho ainda estava
bem e protegido no ventre de sua mãe, era mais que satisfatório; era como um
sonho.
Mas ele amava aquela mulher e a distância que ela tentava impor entre
eles seria um inferno. Porém ele estava disposto a lutar, não era homem de
desistir nos primeiros minutos de uma batalha que prometia ser extensa.
— Tudo bem — disse apenas, deixando claro apenas com sua
expressão e o tom de sua voz que não concordava com aquilo realmente, mas
que aceitaria suas condições por enquanto. E não desistiria.
Ela parecia saber disso porque Henrique pôde notar um leve tremor de
antecipação perpassando-a. Ela mordeu o lábio rapidamente, parecendo
tentada, mas logo voltou a seriedade que adotara para aquela conversa.
— Vou informá-lo sobre o andamento do pré-natal e todas as consultas
e você poderá me acompanhar quando ou se quiser — prosseguiu e ele
deixou que ditasse as regras por enquanto.
— Tudo bem.
Estavam parados a menos de um metro de distância e Henrique viu
quando uma sombra de pesar e preocupação cruzou o rosto dela.
Sofia respirou fundo e ele soube, mesmo antes de ela abrir a boca, que
o que viria a seguir não era nada bom.
— Preciso contar uma coisa.
— Tudo bem — repetiu, sentindo-se tenso.
— É sobre o bebê — ela parecia arrasada e Henrique sentiu a
preocupação triplicar.
— Prossiga — disse, tentando em vão afastar a tensão dos seus traços
enquanto ela parecia lutar com o que tinha para dizer.
— É algo que... Que os médicos descobriram a algum tempo e é por
isso que continuo internada.
— Apenas fale de uma vez, Sofia — ele sentia a angústia tomá-lo em
doses altas, percorrendo seu corpo e deixando suas pernas subitamente fracas.
Respirando fundo mais uma vez, ela fechou os olhos e deixou que as
palavras vazassem por seus lábios:
— Em decorrência do acidente, por muito pouco não perdi o bebê. Se
em razão de algum atrito ou apenas o estresse, os médicos não sabem, mas
tive um descolamento de placenta. Ou o que os médicos chamam, por ter sido
ainda no início da gravidez, de descolamento ovular.
— E o que isso quer dizer? — ele perguntou com a voz rouca,
prestando atenção no que ela dizia.
Sofia abriu os olhos e devolveu seu olhar angustiado. Ela parecia
aliviada também, mas a angústia, o pesar e o medo eram maiores que
qualquer alívio. O que o fez ter certeza que o que quer que fosse, ainda não
havia acabado.
— Quer dizer que havia um risco muito grande de que eu sofresse um
aborto. Precisei de repouso absoluto por todos esses dias e tomar alguns
remédios, mas conseguimos reverter a situação. Na verdade, essa é a primeira
vez em semanas que permaneço sentada por tanto tempo.
Assustado e ainda mais temeroso, Henrique avançou até onde ela
estava e começou a empurrá-la, movendo seu corpo e ignorando seus
protestos. Só retrocedeu quando ela jazia deitada confortavelmente na cama,
acomodada entre lençóis e travesseiros macios.
Ela resmungou um pouco, mas não resistiu, permanecendo ali quando
ele retrocedeu um passo.
Henrique fitou sua barriga inchada e compreendeu tudo o que ela não
dizia. Seu bebê poderia ter morrido de verdade. Sofia poderia ter
complicações sérias em decorrência do aborto. Ela agora teria que ser muito
cuidadosa, e ele também.
Mil e uma situações, possíveis complicações e poucas soluções
tomaram sua mente e ele demorou a perceber que ela falava novamente.
— ... e com a ajuda dos remédios e muito cuidado daqui para frente vai
ficar tudo bem. A Dra. Wânia, minha obstetra, garantiu que sim.
— Sim, vai ficar tudo bem — ele entoou suas palavras, com a certeza
de que sim, tudo ficaria bem porque ele se esforçaria para isso.
Sofia fitou seu rosto por alguns instantes, receosa e ele teve certeza.
Havia mais.
Aproximou-se novamente e segurou sua mão trêmula e fria, apertando-
a tentando apoiá-la e apoiar-se também.
— E o que mais, amor? — indagou gentil.
Os olhos de Sofia encheram-se de lágrimas.
— Tenho pré-eclâmpsia — disse com dificuldade, as lágrimas
escorrendo pelo rosto. E continuou, o choro e todo temor que sentia
expressos na voz: — Uma doença que, se não tratada corretamente e com
rapidez, pode nos levar a morte.
CAPÍTULO 5
Henrique não notou o quanto estava exausto até que pôde, enfim, após
semanas dormindo recostado em uma cadeira incômoda, deitar na sua cama.
Pelo menos ainda havia um pequeno vestígio do cheiro dela que ele tanto
amava nos travesseiros. Decidiu naquele instante, afundando o rosto no
tecido macio, que nunca os lavaria.
Não até tê-la de volta, é claro. Resmungou um palavrão e deitou-se de
costas na cama, ignorando a insistente ereção que o acompanhava desde que
a vira naquela tarde.
Observou o teto pensando no dia difícil e surpreendente que tivera.
Todas as revelações do dia, a conversa com Sofia sobre o futuro e as
explicações da obstetra.
Agora ele tinha uma vasta visão do problema real que enfrentavam e
sabia o que fazer. O que faria dali para frente, independente da opinião de
Sofia.
Ela deixara bem claro que não concordava com aquilo, que não seria
necessário, obrigada, ela sabia se cuidar. Henrique não ouviu, ou fingiu muito
bem que não porque, ao fim daquela conversa, ficou decidido que sim, ele a
vigiaria de perto, cuidaria da sua saúde e estaria sempre a um passo de
distância, não precisa agradecer. E seguiria os malditos termos dela, porra,
contando que ela o perdoasse.
Riu, lembrando-se mais uma vez da reação dela quando ele,
inocentemente, sugerira que o melhor seria que ela morasse com ele.
— Você só pode estar de brincadeira — ela balbuciara, chocada, os
olhos arregalados de susto.
— Por que o espanto? Praticamente moramos juntos antes, não seria
diferente agora — ele dissera, tranquilo, recostado na parede próxima a porta,
relembrando as semanas em que ela ficara na sua casa. Bons tempos, pensou,
saudoso.
— Antes estávamos juntos — disse Sofia, fitando-o como se ele tivesse
duas cabeças. Ele sorriu com o pensamento porque, bem, ele tinha.
— Sim. E? — perguntou simplesmente.
— E não estamos mais — respondeu o óbvio e continuou observando-o
confusa, erguendo-se na cama onde estava deitada até estar sentada.
— Sim. E? — ele perguntou novamente e aguardou o espetáculo que
veria a seguir: uma Sofia irritada e de bochechas vermelhas. Linda.
— E não estamos mais juntos — repetiu, os olhinhos azuis fulminando-
o. Uma obra de arte. — Você deve seguir com a sua vida e eu com a minha, é
claro. Então...
Sofia se calou quando ele a olhou sério, toda a diversão e deslumbre
com a beleza dela perdidos.
— Como? — Henrique perguntou, sem tirar os olhos dela, quase sem
piscar. Ela não acabara de sugerir o que ele ouvira, não é? Claro que não.
Sofia não estaria pensando em "seguir com a vida" da forma que ele pensava,
não é?
É claro que ela não procuraria seguir com sua vida e namorar outra
pessoa tão cedo. É óbvio que não, idiota, pensou, tentando manter-se calado.
Em vão.
— Você está grávida — falou calmamente, sem desviar o olhar do dela.
A única coisa que o impedia de explodir em grunhidos e palavrões
angustiados era a situação delicada dela. Portando, repetiu pausadamente, o
semblante sério: — Você está grávida.
— Gravidez não é doença — ela rebateu baixinho.
— Este não é o ponto.
— E qual é o ponto? Eu estar grávida de um filho seu? — perguntou
erguendo o queixo, desafiando-o. Henrique quase riu do seu biquinho
irritado, das bochechas lindamente coradas e dos olhinhos estreitos, brilhando
inconformados.
— Sim, isso também — ele respondeu, sério.
— Também? E o que mais?
— Você — disse simplesmente, como se essa única palavra explicasse
tudo. E explicava, Sofia apenas estava irritada demais para perceber.
— Eu o que? — perguntou confusa. — Henrique, do que diabos você
está fa...
— Você não vai seguir com a sua vida e eu com a minha — decretou
interrompendo-a. — Não vai procurar outra pessoa e seguir por aí, vivendo.
Não existe isso de minha vida e sua vida, existe a nossa vida. Não minha, não
sua. Nossa. E você está grávida. De um filho nosso, não apenas seu, mas
nosso. Mas esse também não é o ponto. — Aproximou-se da cama, parando a
um passo de distância de tocá-la.
Sofia respirava ofegante, seu peito subindo e descendo com rapidez.
Quase sem piscar e com a voz trêmula, perguntou:
— E qual é?
Ele ergueu uma mão e tocou seu rosto delicadamente, percorrendo seus
traços, o olhar preso no seu.
— Você — disse novamente, mas dessa vez, antes que ela dissesse
algo, ele continuou pausada e feroz — é minha. E eu sou seu. E para o
inferno se permitirei que qualquer outro tenha a mulher que eu amo.
Inclinar-se sobre ela e beijá-la quando viu seus olhos brilharem úmidos
pareceu o certo a se fazer, e ele o fez. Ela corresponder ao beijo com a ânsia
que ele mesmo sentia, também. As mãos que percorriam um ao outro, os
suspiros, gemidos e pedidos por mais, também.
Beijar aquela mulher nunca seria algo corriqueiro, normal. Sempre
seria intenso, maravilhoso e surpreendente como o primeiro, naquela
biblioteca, meses atrás. Era como voltar para casa após anos sem vê-la. Como
beber água após percorrer um deserto por dias sem uma mísera gota. Lar,
diziam os lábios que se amavam. Ela era o seu lar, seu porto, sua âncora. Sua
e apenas isso.
O beijo evoluiu rapidamente e apenas aquilo não era suficiente. Com
um murmúrio rouco que ela respondera com um gemido ansioso, ele se
deitou ao seu lado, com cuidado para não machucá-la.
Não precisou chamá-la para os seus braços; ela o envolveu nos seus,
puxando-o, precisando tê-lo contra si, sobre si. Sofia tentou puxá-lo para
cima, mas ele resistiu, com medo de depositar distraidamente seu peso sobre
a barriga redonda.
Resmungando inconformada, ela resolveu o problema, montando-o
rapidamente, envolvendo-o com suas coxas grossas.
Henrique não conseguiu reprimir o gemido que escapou por sua
garganta quando ela se acomodou melhor, encaixando-se sobre seu pau. Ele
queria resistir, queria ser forte o bastante para afastá-la. Estava preocupado
que naquela posição, deitada sobre seu peito, Sofia pudesse se machucar de
alguma forma.
Mesmo assim, ele não resistiu e gemeu novamente quando ela moveu
os quadris, rebolando lentamente sobre a frente do seu jeans, gemendo junto
com ele, contra seus lábios. O máximo que conseguiu fazer foi erguer o
corpo, posicionando-se sentado e depois recostou-se na grade da grande
cama, agora focado apenas em beijá-la, senti-la e gemer como um condenado
porque aquele rebolado um dia ainda seria a causa de sua morte.
O desejo os consumia. Parecia que anos haviam se passado sem que
seus lábios pudessem sentir o doce dos lábios dela, mas faziam apenas poucas
horas desde a última vez. Mas, antes disso, passara dias sonhando acordado
com as lembranças do seu gosto, e agora a tinha. Para o caralho se ele seria
capaz de resistir daquela vez.
Envolvendo seu rostinho nas mãos, Henrique a beijou com força,
matando sua sede, e mordeu seus lábios quando ela o recompensou rebolando
ainda mais.
Era loucura, pensou, descendo as mãos pelas laterais daquele corpinho
gostoso até estacioná-las naquela bunda que o enlouquecia. Poderiam ser
interrompidos a qualquer instante; a porta não estava trancada. Na verdade,
não havia tranca.
Alguma enfermeira poderia vir checar o estado de Sofia, ou o médico
poderia voltar para liberá-la, ou os pais, irmão ou amigas dela poderiam abrir
a porta no segundo seguinte. Nada disso importava para Henrique, muito
menos para Sofia que agora gemia manhosa, ainda movendo-se, só que agora
com a ajuda e estímulo das mãos dele em sua bunda.
Aquilo era o céu, Henrique pensou, beijando o pescoço delicado e
perfumado da mulher em seus braços, apertando-a contra seu corpo com
cuidado. Os gemidos dela o enlouqueciam.
Aliás, tudo sobre aquela mulher o tirava dos eixos; o rostinho quase
infantil, o corpo gostoso de curvas generosas que contrastava com suas
feições delicadas, os seios inchados que ele agora apertava e ansiava por
provar, a junção daquelas coxas grossas coberta por uma pequena tira de
cetim e renda que molhava a frente do seu jeans, a bunda gostosa e redonda
que tirava seu juízo... Tudo, exatamente tudo. Não havia uma só coisa que ele
mudaria nela, era perfeita.
E sua. Sofia sempre seria sua, tal como ele sempre seria seu, não
importa o que ela dissesse.
Desenhando com os lábios todo seu rosto, Henrique percorreu seu
maxilar com a língua, até para na sua orelha. Enfiou uma das mãos sobre a
saia curta e rodada do vestido e envolveu a parte do corpo dela, dentre tantas
outras, a que mais ansiava por provar. Sofia soltou a respiração em uma
arfada, puxando os fios do seu cabelo, enquanto ele afastava o tecido do seu
caminho e a tocou com perícia, gemendo rouco quando encontrou-a tão
pronta:
— Tão molhada — rosnou no seu ouvido, enquanto ela se desfazia em
seus dedos habilidosos. Massageando seu clitóris inchadinho e lambendo os
lábios ao senti-la ainda mais melada, disse: — Ah, Sofia, como eu quero
comer você agora.
Ela respondeu, entre gemidos, algo como “e porque não come?" e ele
sorriu. Uma das coisas que mais amava sobre ela – era certo que amava tudo
sobre ela, todas suas nuances e até mesmo sua irritabilidade repentina – era o
quanto ela era safada naqueles momentos. Ali a Sofia tímida e que enrubescia
dava lugar a uma outra mulher; uma que gemia sem pudores, rebolava
gostoso montada no seu pau e implorava que a comesse. Amava aquela
mulher, com todas suas forças, por ser quem é e, sobretudo, tão perfeita para
ele.
— E vou — respondeu, enfiando dois dedos pela abertura pequena e
escorregadia, deliciando-se com os sons que ela fazia, anunciando um gozo
muito próximo de seu auge. — Mas não aqui. Não quando podemos ser
interrompidos a qualquer instante. Porque, Sofia — retirou e voltou a enfiar
os dedos com força, o suco do desejo dela escorrendo na sua mão e deixando
sua boca salivando de inveja ao continuar: — quando eu enterrar meu pau
inteiro em você, não vou parar mais. Quando essa bocetinha gostosa estiver
lambuzando meu pau e sugando-o até o talo, eu vou querer mais e mais —
puxou seu cabelo, enrolando os fios avermelhados em punho e chupou o
lóbulo da pequena orelha. — Por horas, dias, semanas, até que toda essa fome
que sinto por você seja aliviada, até que você esteja tão assada e inchada que
até o toque da minha língua na sua boceta será demais.
Sofia cavalgava seus dedos e gemia em abandono, os sons repercutindo
pelo quarto. Ela rebolava e apertava seus dedos como fazia com seu pau e
Henrique aumentou o ritmo ainda mais, fodendo-a da maneira que gostaria de
fazer com seu pau.
— E você vai gostar tanto de tudo que farei que vai pedir por mais e
mais — prosseguiu, sussurrando no seu ouvido, incitando-a. Ela estava perto,
apertava seus dedos e gemia mais alto, da maneira que ele amava. — Vai
gozar na minha boca mesmo com sua pele irritada, vai gozar no meu pau,
rebolando assim, gostoso pra caralho, até sua boceta estar esfolada e
vermelha como uma cereja.
Henrique não resistiu e enfiou um terceiro dedo, movendo-o junto com
os outros e com força. Sofia estremeceu e ele viu sua pele delicada arrepiar.
Com o dedo mínimo, que não participava da brincadeira, ele dedilhou
sua abertura, onde os outros estavam, até estar inteiramente molhado e levou-
o um pouco além de sua boceta, por trás, até tocar o orifício rosado que o
tentara vezes sem conta.
— E mesmo assim vou querer mais, amor. Vou querer comê-la de
novo e de novo, por várias outras horas, só que não será na sua boceta —
dedilhou com cuidado sua segunda entrada, molhando-o e sentindo-o piscar
no mesmo ritmo em que a boceta dela pulsava nos seus dedos.
Enfiou apenas a pontinha, até a primeira junta e Sofia explodiu,
gemendo alto e estremecendo, o corpo inteiramente trêmulo no seu colo.
Reconhecendo o início dos mesmos efeitos que suas palavras
provocavam nela no seu próprio corpo, Henrique precisou de todo seu
autocontrole para não gozar nas calças como um maldito adolescente.
Sofia precisou de alguns minutos para se recuperar e Henrique a
consolou delicadamente, envolvendo-a nos braços e beijando seu rosto.
Aos poucos, quando já haviam recuperado a respiração, Sofia também
passou a beijar seu rosto com carinho, de olhos fechados, amando-o com os
lábios.
Henrique aproveitou o momento, de olhos também fechados e sentiu-se
em paz, arrumando suas roupas rapidamente e abraçando-a apertado.
E como em um timing perfeito, a cabeça de uma sorridente, corada e
emocionada Virna surgiu pela porta – que ela abrira a tempo de ver os dois
juntinhos da maneira que sonhara desde o começo de toda aquela confusão.
Sofia arregalou os olhos, mas Henrique apenas piscou, retribuindo com
toda alegria que sentia o sorriso da sua sogra.
— Que bom vê-los juntinhos assim outra vez — ela cantarolou feliz,
sorrindo ainda mais ao dizer: — Já não era sem tempo, não é? Afinal, vocês
terão um bebê. Meu netinho — suspirou apaixonada, os olhos brilhando.
Sofia sorriu também, entusiasmada com a animação de sua mãe.
Henrique a observou com atenção e percebeu quando seu corpo relaxou de
encontro ao seu, nem um pouco incomodada.
Virna, parecendo acordar de um sonho, piscou algumas vezes e pareceu
lembrar do que fora fazer ali.
— Ah, Sofia, já podemos ir. O médico a liberou há alguns minutos, sua
obstetra também. Ela queria conversar com você sobre sua dieta e algumas
outras coisas que não entendi, mas como vocês estavam... é, ocupados —
sorriu maliciosa, erguendo as sobrancelhas. —, eu disse que estaríamos –
sim, eu vou com vocês, também tenho esse direito – na sua clínica amanhã à
tarde para uma consulta.
Observando uma Sofia muito vermelha tentando esconder-se dentro do
seu moletom, Henrique sorriu e piscou para sua sogra com cumplicidade,
sabendo que ela não só ouvira o que fizeram como também os ajudara,
impedindo que fossem incomodados.
— Então, é isso — ela disse, respondendo ao sorriso de Henrique com
um sinal com as mãos muito engraçado que sugeria algo como "tamo junto" e
caminhando até a porta. — Vou deixá-los a sós agora para, hum, as
despedidas — ergueu as sobrancelhas de novo, várias vezes para dar ênfase
ao que dizia.
— Mãe! — Sofia implorou, enquanto Henrique ria.
Virna abriu a porta e já caminhava para o corredor quando voltou e,
colocando apenas a cabeça para dentro, avisou:
— Sei bem como são as coisas, e que algo assim é difícil de controlar.
As vezes. Depende do parceiro, eu acho — ela refletiu por alguns segundos
até que lembrou novamente do que dizia. — Ah, sim. Mas talvez você deva
ser mais silenciosa da próxima vez — disse, fitando sua filha com
compaixão, que balbuciava apenas "o que?", chocada. — As paredes são
finas, sabe? — disse e saiu rapidamente.
Henrique gargalhou alto enquanto Sofia escondia o rosto no seu
pescoço, vermelha até os dedos dos pés.
Quando ele conseguiu, enfim, parar de rir, ela já havia descido da cama
e recolhia seus poucos pertences em uma bolsa, parecendo estar maquinando
algo em sua mente. Quando ele levantou-se e a abraçou por trás, feliz, Sofia
disse, tentando soar séria:
— Você não pode fazer isso novamente.
— Isso o que? — ele perguntou tranquilamente, ainda abraçando-a.
— Isso. Me atacar do nada — respondeu, saindo dos seus braços. Parou
à sua frente, fitando com seriedade seus olhos ainda risonhos.
— Mas você que me atacou, lembra? — sorriu malicioso. — Você
subiu no meu colo.
— Mas eu...
— E rebolou gostoso pra caralho no meu pau. O que queria que eu
fizesse?
— Henrique! — ela protestou, corando ainda mais. — Você não está
me levando a sério!
— Claro que estou, amor. Só esclareci um fato.
— Não importa quem atacou quem — disse, deixando claro que não
assumiria que sim, fora ela que o atacara, mas detalhes. — O que importa é
que isso não vai mais acontecer.
Henrique sentiu toda a diversão sumir repentinamente. Engoliu em seco
e indagou temeroso:
— Do que você está falando?
Ela respirou fundo.
— Você não vai me beijar, não vai me tocar, não vai sequer respirar tão
perto de mim, como agora...
— Mas, Sofia, eu pensei que você já havia me perdoado! Que
finalmente havia compreendido que eu nunca faria algo assim com você, e
que não fiz! — exclamou. — Você não pode fazer isso comigo, eu juro que
suporto qualquer coisa, qualquer coisa, que não seja ficar longe de você. Eu...
Ela o interrompeu, calando-o com os lábios, beijando-o com força até
que ele correspondesse. Afastou-se tão rapidamente quanto se aproximara e
disse, com um sorriso malicioso que ele adorou ver naqueles lábios que tanto
amava:
— Não, não vou afastá-lo dessa vez. Mas também não perdoei você.
Ainda — e acrescentou, mordendo seu lábio com força antes de continuar: —
E nem vou, até que você me prove que verdadeiramente me ama. Mas não
vou afastá-lo; se você tivesse me permitido continuar, saberia disso.
Como Henrique apenas a fitava surpreso, ela riu e continuou:
— Você não vai me beijar, não vai me tocar, não vai sequer respirar tão
perto de mim, como agora até que eu queira. Pode ser hoje, amanhã ou daqui
há três meses, mas eu decido se ou quando você vai me beijar. Ou onde —
disse maliciosamente, apertando os seios contra o peitoral musculoso dele.
Henrique respirou fundo. Ela continuou: — Esse será o seu castigo. Até que
eu o perdoe, você será meu. Esses são os meus termos; ao menos até lá. E,
quando esse dia chegar, eu serei sua — sussurrou junto aos seus lábios. —
Única e exclusivamente sua, como sempre fui, e você fará o que quiser
comigo.
E, beijando seus lábios rapidamente, Sofia pegou sua bolsa e saiu,
fechando a porta atrás de si, deixando-o ali, paralisado.
Agora, resmungando e sofrendo com uma ereção que exigia alguma
atenção desde que ela saíra por aquela porta, Henrique tinha apenas uma
certeza: se ela o faria sofrer daquela maneira, ele faria o mesmo.
— Dois podem jogar esse jogo, meu amor — disse para o escuro do
quarto, sorrindo malicioso e agarrando sua ereção.
CAPÍTULO 6
Aquilo era o inferno. Ele não suportava mais, precisava fazer algo a
respeito. E logo.
Sofia não brincara nos seus termos. Ela de fato o "usara" como dissera
que faria, mas aquele não era o problema. Ele gostava de ser surpreendido
por ela em ocasiões inoportunas, gostava de beijá-la de volta sempre que ela
o atacava, de tocá-la, fazê-la gozar nos seus dedos enquanto ouvia suas
súplicas ao pé do ouvido.
Mas isso não era o problema. O problema era que ela nunca se permitia
ir além. Deixava-o fazê-la gozar e era só. Depois, ainda trêmula do orgasmo,
beijava-o como agradecimento e o deixava na mão. Ele que resolvesse seu
problema sozinho.
Passara-se apenas uma semana daquele inferno, mas ele estava no
limite. Precisava pensar em algo que a convencesse de uma vez por todas,
porque ele sentia que estava próximo de enlouquecer.
Aos poucos desenvolveram uma rotina; ele a buscava todos as manhãs
em casa e seguiam para a faculdade, onde ele a seguia com olhos vigilantes e
ministrava seus remédios pessoalmente, retirando-se da sala de aula e
entregando-a um copo de água junto com o pequeno comprimido da vez.
Sobre seu delicado estado de saúde, Henrique sentia-se mais tranquilo,
mas nunca relaxado demais. A vigiava de perto, mesmo ela afirmando que
nunca seria negligente daquela maneira com seu bebê. Ela sabia se cuidar e
era responsável, ele sabia, mas não conseguiria permanecer parado, mesmo se
quisesse. Precisava sentir-se útil, precisava sentir-se responsável também.
Seria pai em breve, precisava aprender desde então mais sobre o que
faria dali para a frente. Sofia reclamava da sua vigilância, mas as vezes sorria,
emocionada com tanta atenção.
E, por causa dessa mesma atenção, que ele insistia em demonstrar onde
estivessem, sem ligar com quem ou se estavam sendo observados, a notícia
de que ela estava grávida logo se espalhou e todos os olhavam de soslaio e
cochichavam quando passavam.
Sofia parecia não se importar muito. Na verdade, ela não se importava,
desfilava com suas roupinhas de grávida – que sua sogra a obrigara a
comprar, com ele, rindo do bico inconformado de Sofia, encarregado de
carregar todas as milhares de sacolas – e exibia a barriga com orgulho.
Que todos soubessem que ele seria pai, ele não se importava. Muito
pelo contrário, até sorria ao ouvir algum comentário indiscreto enquanto
passava. Estava feliz por ser pai, estava feliz que o amor de sua vida
esperasse um filho seu. A opinião de terceiros não importava, e nunca
importara.
Sofia parecia reluzir felicidade. Ela estava sempre alegre, sorrindo de
orelha a orelha e ele adorava vê-la assim. Até que seu semblante mudava, seu
rostinho corava e os olhinhos azuis brilhavam maliciosos. Ela sempre o
encontrava, caso ele demorasse mais que dois minutos para responder onde
estava.
Na primeira vez que fizera aquilo fora ali, onde estava agora, na
biblioteca. Ela mandara uma mensagem, que ele não vira por estar tão
concentrado procurando alguns livros que precisaria, e, dois minutos depois,
ela o empurrava de encontro a prateleira mais próxima, derrubando todos os
livros que ele carregava em sua ânsia por tê-lo.
Surpreendido, Henrique abrira a boca para perguntar o que estava
acontecendo, quando ela o puxou pelos cabelos, inclinando-o para si e
devorou seus lábios, enquanto o enlaçava com uma das pernas e dava início
aquele rebolado que o deixava louco.
Ele não precisara de explicações, logo também a atacava com mãos e
lábios e era recompensado com gemidinhos manhosos. Ela gozara
rapidamente nos seus dedos, gemendo nos seus lábios, ouvindo-o sussurrar
sacanagens no seu ouvido.
A sorte estava com eles naquela ocasião, porque, embora o local não
estivesse vazio, haviam poucas pessoas e o local onde estavam era um pouco
isolado das outras áreas. Mas, em outra, no dia seguinte, quase foram pegos.
Ela fizera o mesmo, exceto que não mandara uma mensagem, apenas o
encontrara ali e o atacara no segundo seguinte.
A sra. Brígida, que retornara das suas merecidas férias, estava sentada
no seu trono de sempre; uma poltrona larga, que ficava próximo a entrada do
lugar. A biblioteca era enorme, mas a poltrona era tão alta que a visão que
seus olhos de lince tinha dali nunca perdia nada.
Felizmente, estavam na mesma prateleira do ataque do dia anterior,
portanto foram capazes de ouvir o ressoar de passos se aproximando antes de
serem flagrados.
Afastaram-se as pressas. Henrique rapidamente tomou a frente,
encobrindo Sofia com seu corpo enquanto ela ajustava suas roupas com as
mãos trêmulas.
Estavam ofegantes e visivelmente excitados quando a pequena
senhorinha os alcançou. Ela relanceou o olhar ao redor, provavelmente à
procura de algum dos seus livros fora de ordem. Não encontrando nada,
focou o olhar em Henrique e ali ficou, percorrendo-o inteiro com um olhar
cobiçoso e inquietante. Aparentemente, não percebera que ele não estava
sozinho.
Lambendo os lábios franzidos e sem nunca desviar os olhos dele, ela
disse:
— Sabia que o tinha visto.
Henrique não gostou daquele tom. Se aquele olhar já não tivesse
extinguido por completo sua ereção, aquele tom de voz certamente o faria.
— Hum — disse apenas.
Ele não estava gostando daquilo. Tudo bem, sabia que era um rapaz
bem apessoado, tinha charme e coisa e tal, mas, exceto sua sogra (que
ressaltava sua beleza sempre que tinha chances), ele não era atacado ou
comido com os olhos por senhorinhas de idade com frequência.
Sua sogra nunca o olhara daquela maneira. Quando ela o via, não via
sua boa aparência em si, mas sim como seriam fofinhas pequenas réplicas do
seu rosto. Ou uma junção do seu rosto com os cabelos de Sofia em um bebê.
Ela suspirava com frequência, sempre com aquela expressão sonhadora, os
olhos azuis com os dos filhos brilhando, alegres. O enchia de mimos, era
verdade; o empanturrava de bolinhos e quitutes, mas nunca o fitara como
aquela mulher.
Era horrível e a mulher não fazia questão de esconder seu prazer em vê-
lo. E estava claro que "vê-lo" não era a única coisa que gostaria de fazer.
— Meus olhos nunca me enganam — deixou claro o que dizia com os
ditos cujos ainda escaneando seu corpo. — Posso ser velha, mas eles ainda
trabalham bem.
— Legal.
Ele podia sentir Sofia vibrando atrás de si, e rezou para que fosse de
ciúmes e não que estivesse rindo da situação.
— Soube que terá um filho — comentou, displicente.
— É verdade — respondeu, perguntando-se o que ela queria com
aquela conversa.
— Fico feliz — disse, mas sua expressão azeda deixava claro que não.
Seria possível que ela estivesse com ciúmes?
— Eu também.
Ela passou as mãos enrugadas nos ralos e acinzentados fios de cabelos,
parecendo de repente exasperada.
— Sabe, você estragou tudo.
Henrique franziu o cenho.
— O que?
— Você. Você estragou tudo — disse com a voz repentinamente
embargada. O que diabos era aquilo agora? Ele não gostava da femme fatale
de mais de cem anos, mas, porra, não suportava ver uma mulher chorando.
Por isso se pegou rezando, inconscientemente, para que seu bebê fosse um
menino. Ou, se fosse uma menina, que ele tivesse sabedoria e maturidade
para cria-la, e Deus lhe desse forças porque no primeiro berreiro da sua
pequena, ele lhe daria o mundo se preciso.
— Do que a senhora está falando? — perguntou cauteloso.
— Quem é a mãe? — perguntou abruptamente, a expressão mudando
rapidamente. Agora ela exalava pura fúria.
Ele deu uma passo para trás, ainda mais cauteloso. Definitivamente,
não entendia as mulheres. A mulher que amava o tratava como um capacho
do prazer. Uma senhora de sabe-se lá quantos anos o acusa de traição sem
que sequer tenham trocado mais que 5 minutos de conversa.
Ele iria enlouquecer.
Abriu a boca para responder, quando um vulto pequeno parou ao seu
lado.
— Eu — disse uma Sofia ainda descabelada dos seus beijos e corada de
raiva. Ela apoiava as mãos no montinho inchado de sua barriga e o
acariciava. Henrique moveu-se e a abraçou por trás, unindo suas mãos as dela
e acariciando seu filho com carinho, amando-o através de sua mãe.
Ela se apoiou no seu corpo e suspirou baixinho. Ele a apertou um
pouco mais em seus braços. Perdidos como sempre ficam quando juntos,
esqueceram-se da mulher à sua frente, que ainda irradiava uma fúria
descontrolada.
— Ótimo — disse num grunhido. — Suspeitei que fosse essa daí.
Sofia virou a cabeça tão rápido que, por um momento, pareceu a
menina de O Exorcista e assustou os dois.
Assustada com a raiva que viu em seu olhar azul faiscante, a velha
apenas virou de costas e se afastou, gingando para longe nos seus sapatos
ortopédicos.
Quando se acalmou, minutos depois, Sofia riu muito da expressão
chocada do seu ex-namorado-quase-namorado-outra-vez, parecendo tranquila
e até feliz que ele fosse objeto de desejo para a bibliotecária.
Após serem interrompidos, Sofia irritar-se se e depois rir muito, não
havia mais clima e foram embora.
Henrique pensara, ingenuamente, que aquela fora a última vez daquela
série de ataques deliciosos e frustrantes, em iguais medidas. Ledo engano.
Nos dias seguintes, acontecera o mesmo, em variados lugares e
situações. E em todas elas ela nunca o tocara onde ele mais ansiava ou
atendia suas súplicas de "só a cabecinha". Ela era ardilosa e quando colocava
algo na cabeça, não sossegava até que tudo saísse conforme planejava.
Mas ele tinha um plano. Bolado as pressas e muito simples, rudimentar
até, mas já era alguma coisa. Ela não perdia por esperar.
Ele não a deixaria gozar. Simples assim.
Após sair da biblioteca, caminhou entre os corredores, em busca de
Sofia para mais um dose dos seus remédios. Procurou e nada. Ele não fazia
ideia de onde ela estava. Não estava na sala de aula, não estava na biblioteca,
na cantina ou com suas amigas.
Enviou uma mensagem, digitando com apenas uma das mãos enquanto
segurava um pequeno copo descartável com água e o comprimido com a
outra.
"Onde você está? Precisa tomar o remédio."
Ela respondeu rapidamente e ele respirou aliviado.
"Encontre-me na árvore."
Apenas isso. Ele a princípio não soube a qual árvore ela se referia, mas
logo lembrou-se do dia em que se conheceram e a árvore onde quase a
devorou com os lábios. Só poderia ser aquela árvore.
Sorria com a lembrança, pensando em como fora impulsivo na ocasião,
quando recebeu uma nova mensagem e ela pedia que ele a encontrasse
urgentemente.
Correndo como um louco, pensando no que poderia ter acontecido,
seguiu até onde ela estava e a encontrou recostada tranquilamente na árvore,
sem se importar com a chuva fina que caía. Felizmente, parecia ser apenas
uma garoa e não haviam pessoas no pátio, do lado de fora, porque ele mal
deu dois passos para perto e ela tomou o comprimido da sua mão e o engoliu
rapidamente com ajuda da água.
Em seguida, jogando o copo longe, empurrou-o até tê-lo preso entre seu
corpo pequeno e a árvore e o atacou. Ele reagiu surpreso, mas apenas por
dois segundos, logo ele a beija de volta, com a mesma fome que ela parecia
sentir. Não tinha forças para resistir àquela mulher.
Ela se afastou um pouco, tão abruptamente como quando o atacara e
fixou o olhar no dele.
Sofia o queria. Estava ali na sua expressão, na forma como seu corpo se
inclinava sobre o dele, desejando-o.
— Esses hormônios estão me deixando louca — grunhiu, enfiando o
rosto no seu pescoço e cheirando sua pele. Henrique fechou os olhos,
apertando as mãos em punho e deixando que ela fizesse o que desejasse. —
Estou sempre com fome.
— Fome? Sabe que não pode relaxar com sua alimentação, Sofia —
disse com esforço enquanto ela agora lambia sua pele. — Vamos... Caralho,
Sofia, pare com isso. Você precisa se alimentar e...
— Mas eu vou — ela disse, mordendo o lóbulo da sua orelha. Após,
sussurrou: — De você.
Devido aos inúmeros e variados e criativos sonhos eróticos que
Henrique tivera nos últimos dias, ele deveria estar preparado para o que ela
faria a seguir. Mas nada no mundo o preparou para o que seria aquela visão:
Sofia, de joelhos entre suas pernas e abrindo sua calça, sem nunca tirar os
olhos dele. Ao ar livre.
Ele soube antes mesmo que ela o tocasse ali que aquela mulher seria
sua morte.
Ele não duraria muito. Não com todo o sofrimento que passara na
última semana. Mas não se importava; morreria feliz ali, com os lábios dela à
sua volta, contando que ela estivesse ali.
Ela mordia o lábio enquanto empurrava seu jeans apenas o bastante
para libertar seu pau e ele já se sentia próximo de explodir, apenas com
aquele olhar.
Quando ela o tocou, ele estremeceu dos pés a cabeça e pulsou em
desespero nas pequenas mãozinhas dela.
Mas até ali tudo bem. Mesmo com aquela vista, mesmo sentindo aquele
toque, ele seria capaz de resistir.
Todavia, quando ela colocou a língua para fora como uma gatinha e o
lambeu, ele sentiu-se ruir, antes mesmo que ela o envolvesse com os lábios e
o chupasse. O que ela fez em seguida, magistralmente.
Fechou os olhos, gemendo como um filho da puta, porque, caralho, não
havia maneiras de descrever o estrago que aquela mulher fazia com a boca.
Henrique sabia que fora seu primeiro em todos os sentidos, também naquilo,
e isso por si só o descontrolava ainda mais.
Encontrou seu olhar, prendendo-o no seu. Envolveu as mechas ruivas
daquele cabelo que tanto amava, fechou-os em punho e apenas ficou ali. Não
ditou seus movimentos, gostava quando ela tomava o controle da situação.
Ela o retirou da boca por um instante para respirar e, massageou-o com
uma das mãos enquanto respirava fundo, lambendo os lábios, parecendo
ansiosa por mais.
Erguendo seu pau e continuando o que fazia com a mão, Sofia inclinou-
se e, após sorrir para ele, envolveu uma de suas bolas com os lábios.
— Caralho — gemeu rouco, sentindo um arrepio subir por sua espinha.
Aquela era, de longe, uma das maiores loucuras que já fizeram. Uma
das mais deliciosas também. Estavam no pátio da universidade, poderiam ser
vistos a qualquer momento, mas ele não se importava. Sofia, aparentemente,
também não, porque voltou a chupá-lo com força, como se daquilo
dependesse sua vida.
Com um gemido grave e profundo, ele explodiu na sua boca, fitando
seus olhos, sem piscar. Queria que ela visse o que fazia com ele, queria que
visse o quanto ele era seu e apenas seu. E que estava entregue.
Limpando-o com a língua e depois ajeitando suas roupas, ela beijou
seus lábios rapidamente, também ofegante.
— Obrigada por saciar minha fome — disse, lambendo os lábios.
Beijou-o mais uma vez e se foi, parecendo satisfeita e feliz.
Henrique balançou a cabeça, respirando fundo e de olhos fechados.
Aquela mulher não o enlouqueceria, ele já estava louco. E mais uma vez fora
deixado sozinho.
De repente riu, lembrando-se apenas agora do seu plano.
Não havia escapatórias. Amava aquela mulher e com ele ela poderia
fazer o que quiser.
CAPÍTULO 7
Era visível, talvez até mesmo para um cego, o quanto eles se amavam e
estavam contentes com a gravidez. Então por que ainda continuavam tão
distantes?
Henrique sabia que ela já o havia perdoado. Mas não havia esquecido.
Ela pode tê-lo perdoado em nome do amor ou pensando unicamente no bebê,
mas apagar da mente o quanto sofrera acreditando naquela mentira... ele sabia
que seria difícil.
Por isso compreendia por que ela ainda se resguardava. Tudo bem,
beijavam-se com frequência e faziam outras coisas mais ousadas também – a
lembrança do que fizeram alguns dias atrás nunca sairia de sua mente –, mas
nunca seguiam em frente. Ela o amava, ele sabia, mas quando a confiança em
alguém que amamos é abalada daquela maneira, os danos podem ser
irreparáveis.
Há os que digam que o mais importante em um relacionamento é o
amor. Henrique concordaria com isso, não fosse o seu dilema atual. Agora,
ele sabe que o amor é importante, mas não somente. O amor é o requisito
mais importante para um relacionamento duradouro, mas a base para tudo
isso é a confiança.
Quando confiamos em alguém, a entrega é completa. Quando não, o
que acontece?
Talvez ele estivesse próximo de descobrir. Talvez.
— É sério. Ouvi ele dizer que só estão juntos pelo bebê.
Estava a caminho da próxima aula quando ouviu esse comentário em
particular. A voz vinha da sua esquerda, no final do corredor. Esticando o
pescoço discretamente, viu, parcialmente encobertos por alguns armários
pixados, um considerável grupo de alunos, cochichando entre si.
Henrique não saberia dizer o que o fez parar antes de ser visto e
encostar-se nos armários, aproveitando-se do fato de que o grupinho que
espionava estava de costas, portanto não o veriam. Conhecia aquela voz em
particular, que parecia discursar para as pessoas ao redor. Talvez por isso
tenha permanecido ali, ouvindo com atenção tudo o que ela tinha a dizer.
— Ela está gorda, não é de se admirar que ele não a queira mais, não é?
Claro, ela poderia estar falando de outra pessoa, outro casal. Com
certeza Sofia não era a única grávida por ali. E com certeza ela não estava
gorda; muito pelo contrário. As curvas que ele tanto amava pareciam mais
destacadas a cada dia. Os seios inchados, as coxas roliças, o quadril mais
largo, a barriguinha antes plana, agora formando um montinho lindo e
crescente, a pele translúcida que parecia brilhar, o cabelo cor de fogo, os
olhos que pareciam refletir toda alegria que sentia, a boca rosada... Aquela
mulher era perfeita.
Então, certamente não era sobre ela que falavam. E, se fosse, por qual
razão aquele bando de desocupados se preocuparia com aquilo? Eles não
tinham suas próprias vidas para tomar conta?
— Mas eles estão sempre juntos, ontem mesmo estavam de mãos dadas
e tudo. Parecem felizes. Como você sabe que ele só está com ela por causa do
bebê? — perguntou uma voz que Henrique não reconheceu.
A outra voz, a que ele conhecia bem, bufou ultrajada, certamente
odiando que duvidassem da sua palavra.
— Não importa como eu sei — disse, parecendo irritada e um pouco
tensa, Henrique diria. — O que importa é que tudo que contei é verdade. Ele
só está com ela pelo bebê e porque parece que ela tem alguma doença
infecciosa, pelo que eu soube. Ele só ficou com ela por causa de uma aposta,
como eu disse antes. Quando ela descobriu, ele ficou feliz porque poderia
parar de fingir de uma vez por todas que gostava daquela pata idiota — disse
e retomou o fôlego, prosseguindo sem pausas: — Quando ela descobriu a
verdade, ficou louca, surtou e tentou se matar. Só que a burra não conseguiu
e, quando estava no hospital, descobriu que estava grávida. Então ela o tem
preso pelas bolas desde então.
É estranho ouvir um resumo deturpado do seu relacionamento daquela
maneira, pensou. Quer dizer, ela pegara tudo que de fato acontecera e usara
ao seu favor, modificando uma coisa e outra até obter uma impressionante
versão dos fatos, que poderia facilmente ser verdadeira, não fosse a realidade
algo tão longe daquilo.
Ele, que vivenciara o que acontecera na própria pele, ficou apenas
surpreso. Já as pessoas que rodeavam a portadora de todas aquelas mentiras a
fitavam impressionados, convencidos do que ela dizia e, claro, deliciados
com a fofoca.
Henrique sabia que seria uma questão de tempo até que aquilo se
espalhasse pela faculdade, e menos tempo ainda até que chegasse aos ouvidos
de Sofia. Ela ficaria chateada, tinha certeza; pior: ela ficaria irritada, desejaria
torcer o pescoço de quem inventara todas aquelas mentiras, se estressaria e,
com isso, sua pressão poderia subir, o que, por sua vez, poderia ser
prejudicial para sua saúde.
Ele não permitiria que aquilo acontecesse.
Saiu do esconderijo onde estava e aproximou-se do grupo, notando só
naquele instante, perdido como estava em pensamentos, que a garota mais
uma vez discursava.
—... e eu sei que é verdade, basta olhar para eles e todos notarão que
sim. Ele não a ama, ela foi apenas um joguete nos últimos meses — ela disse
e jogou os cabelos para trás, parecendo ter uma satisfação doentia quando as
garotas em volta imitaram seu movimento. — É claro que ele merece coisa
melhor, se é que me entendem — ela estava de perfil agora, ele podia notar
todas as suas expressões. Ela poderia vê-lo, mas tão concentrada estava em
ser o centro das atenções que não o notaria até que fosse tarde demais. — E,
sendo assim, é lógico que ele não a ama. Não quando pode ter...
— A quem? — Henrique perguntou. Ignorou os olhares assombrados à
sua volta e focou sua atenção apenas nela. Aproximou-se devagar,
infiltrando-se no meio do grupo que se distanciava dos dois, abrindo uma
grande roda. Parou na sua frente e inclinou-se para baixo, forçando-a a olhá-
lo nos olhos com os dela arregalados. — Não quando posso ter quem? Você,
Arianna?
Ela abriu a boca para responder, mas a fechou quando as pessoas em
volta, as que anteriormente ouviam seu relato com atenção e outras que
passavam por ali e agora paravam interessadas, começaram a rir. Ele viu
quando Lorrany e Thaís reuniram-se ali, e olhou nervosamente em volta, à
procura de Sofia. Não queria que ela visse aquilo, não queria que ouvisse
todas aquelas mentiras. Ela não poderia se estressar, não poderia ter grandes
emoções. Mas respirou aliviado ao não vê-la por ali; talvez ela estivesse
próxima dali, talvez procurando-o mais uma vez.
Henrique odiava ser o centro das atenções, mas precisava dar fim logo
ao veneno daquela garota, antes que Sofia surgisse. E para o inferno se
permitiria que aquela garota continuasse com suas mentiras, difamando sua
mulher e saísse impune.
— O que? Perdeu a fala? Posso jurar que há pouco sua boca funcionava
perfeitamente.
Arianna enrubesceu, o que, na opinião de Henrique, não a favorecia.
Não como Sofia. Sua mulher corava com frequência, mas nela aquilo era um
charme, um realce para sua beleza. Naquela garota, cujos cabelos de tão
loiros pareciam quase brancos e a pele era de um tom pálido, quase doentio,
aquilo era quase, quase engraçado.
Parecendo recobrar o controle, ela o fitou de baixo, erguendo o queixo
em desafio.
— Até onde sei, não falei nenhuma mentira — disse, e, em sua defesa,
com a voz apenas ligeiramente trêmula.
— Ah, não? — Henrique perguntou. — Então, por favor, diga-me onde
está a verdade no que você disse.
Parecendo recobrar a confiança e o ar de deboche que lhe eram
costumeiros, ela disse:
— Tudo que falei é a mais pura verdade. Você só se aproximou
daquela idiota por causa de uma aposta. Eu estava lá no dia, lembra? Eu
lembro. Tudo o que você tinha que fazer era enganá-la, comê-la e depois
descartá-la. Só que, por razões que não compreendo, após vencer a aposta,
você continuou com ela. E, depois, jurou de pés juntos que nada havia sido
assim. Que, surpreendentemente, você a ama e coisa e tal. Eu sei e todos aqui
também sabem que isso não é verdade, que você não pode querê-la da
maneira que diz porque, meu Deus, ela é ridícula! E, embora seja idiota, a
espertinha deu um jeito de engravidar. O que, ao meu ver, prova o quanto ela
é baixa — virou-se para a grande plateia que os assistia, rindo
debochadamente e corou ainda mais quando não foi correspondida.
Continuou: — Talvez essa gravidez seja falsa; não duvidaria disso. Ou,
talvez, o bebê nem seja seu — riu com escárnio, ainda fitando a multidão. —
Talvez...
Aproximando-se rapidamente, Henrique deu o último passo que os
separava e falou em alto e bom som, para que todos que estavam ali ouvissem
e para que novas mentiras não repercutissem novamente.
— Meu relacionamento não é da sua conta, nem da de ninguém aqui.
Mas como estão todos curiosos e você, pateticamente, parece carente de
qualquer atenção, mesmo em custa de outras pessoas, vou contar o que
aconteceu — ela tinha os olhos arregalados, quase temerosos e ele esperava
que ela o temesse mesmo, porque não estava brincando. — Se você estava
mesmo lá, quando sugeriram essa aposta ridícula, sabe que não aceitei. Sabe
que eu não disse uma palavra sobre, se aceitava ou não, porque, diferente dos
outros, sou um homem, não um garoto. Não faço joguinhos, não brinco com
os sentimentos dos outros. Eu a vi antes mesmo que sugerissem a aposta.
Soube que a queria e que faria de tudo para tê-la assim que a vi, linda com
aqueles cabelos cor de fogo e as bochechas coradas. Sofia nunca foi e nunca
será apenas um joguinho para mim, e acredito que homem nenhum no meu
lugar faria diferente do que fiz. Eu a amo, sou apaixonado por aquela mulher
desde que a vi a pela primeira vez e pessoas vazias como você deveriam se
envergonhar por sequer proferir o nome dela.
O silêncio a sua volta era sepulcral, mas como aquele seria a primeira e
última vez que se pronunciaria sobre o assunto, Henrique continuou:
— Vou dizer apenas mais uma vez e espero que você compreenda bem:
meu relacionamento não é da sua conta, se a amo ou não, isso também não
lhe diz respeito. Após esclarecer como realmente tudo aconteceu, espero que
essas pessoas — apontou para a multidão que os rodeava. — compreendam o
quanto você adora uma atenção e que não se importa em mentir para ter o que
quer. Quanto ao fato de você achar que mereço coisa melhor, sinto muito,
mas já tenho mais do que mereço. Aquela mulher é mais do que suficiente
para mim, ela é melhor do que jamais serei. Ela é perfeita assim, e toda essa
sua inveja, todo esse despeito não a afetam em nada. Se no passado você foi
capaz de atingi-la com seus comentários maldosos, hoje isso não é mais
possível porque ela me tem, mas, o mais importante de tudo: ela sabe quem
realmente é. Sabe que nada do que você disse é verdade, sabe que beleza
nenhuma define caráter, e que por mais perfeita que ela mesma seja, isso não
a define como pessoa. Ela é bonita por dentro e por fora, tem qualidades que
você jamais terá, por mais que se esforce para isso. Sofia não busca ferir as
pessoas, nem se regozija com isso. Você deveria se envergonhar, Arianna,
porque enquanto você está aí, inventando mentiras e sendo feliz em cima do
sofrimento de outras pessoas, Sofia nem lembra que você existe. Nem eu
lembrava que você existia, até pegá-la fazendo aquilo que você faz de
melhor: mentir. Você mente que é feliz, você inventa mentiras sobre outras
pessoas e vive refém do que sua mente doentia cria. Você não é e nunca será
ao menos um terço da mulher maravilhosa que é a minha Sofia, portanto,
pense bem da próxima vez em que abrir a boca para tentar desmoralizá-la.
Ergueu-se em toda sua altura, olhando-a de cima e viu de relance um
cabelo volumoso e cacheado abrindo caminho entre as pessoas enquanto se
aproximava.
Respirou fundo, odiando todos aqueles olhos à sua volta, mas aquilo
era preciso. Sofia não precisava lidar com mais aquele problema; ele
resolveria tudo por ela. Faria tudo que estivesse ao seu alcance e o impossível
também para vê-la feliz e bem. E ao seu filho também.
Olhando para a mulher ainda mais pálida à sua frente, agora sem sequer
um pingo de cor no rosto, e disse lentamente:
— Da próxima vez que você abrir a boca para falar da minha mulher ou
do meu filho, eu não respondo por mim.
E deu as costas e saiu dali, louco de saudades da sua mulher e ansioso
para saber onde ela estava. Mas não virou-se rápido o suficiente e ainda foi
capaz de ver uma Lorrany suada do esforço de abrir caminho entre a
multidão, de olhos saltados e vermelha de fúria surgindo no meio da grande
roda.
Thaís a seguia de perto, também suada do esforço e parecendo também
muito furiosa. Aparentemente, elas não gostaram de saber o que a loira
dissera sobre sua amiga. Isso explicava porque a mais pacífica das amigas de
Sofia, a que sempre evitava conflitos, foi a primeira a arrancar um alarmante
tufo de cabelos cinzentos de Arianna, enquanto Lorrany socava seu rosto,
bem no nariz e sorria feliz, parecendo de repente nostálgica, parecendo
provar de uma sensação que já tivera um dia.
Sorrindo, ele deixou que elas fizessem o que quisessem. Tinha coisa
melhor para fazer.
CAPÍTULO 8
Após seu pequeno discurso nos corredores da faculdade, quando deixou
uma Arianna chorosa e, posteriormente, com um nariz quebrado e um
megahair destruído - com os cumprimentos de Thaís e Lorrany -, Henrique
soube que Sofia já estava em casa.
Irritado e preocupado por ela sair daquela forma sem avisá-lo e
sozinha, ele subiu em sua Harley e foi para casa, pensando em nada mais que
um banho. Parou para abastecer no meio do caminho, bateu papo com alguns
conhecidos que encontrou no mercado, onde parou para comprar algumas
cervejas e, após mais alguns minutos, seguiu seu caminho.
Todavia, aquele dia parecia longe de acabar, ele constatou quando
encontrou uma visita inesperada e visivelmente furiosa na sua varanda.
Embora não estivesse tão surpreso assim - já havia imaginado que mais
cedo ou mais tarde aquele encontro aconteceria -, perguntou-se o que
aconteceria a seguir.
Não demorou muito para descobrir.
Subiu os degraus da varanda lentamente, não por que desejava adiar o
que aconteceria a seguir, mas sim porque estava cansado de confusões e sabia
que aquela aconteceria quer ele desejasse ou não.
Pelo menos não estavam na universidade, onde centenas de curiosos se
agrupariam ao seu redor, pensou enquanto recebia o primeiro soco.
Retrocedeu com o impacto, cambaleando um pouco, mas não caiu.
Sentiu o sangue escorrer quente de um provável corte no supercílio.
Depositou com cuidado o engradado que carregava no chão, junto com as
chaves da moto e sua mochila. Limpou o rosto com a manga do moletom e só
teve tempo de erguer o corpo parcialmente antes de receber outro soco, dessa
vez nas costelas.
Costelas. Abdômen. Uma joelhada, um mata-leão, dois socos seguidos
que tiraram seu fôlego, uma rasteira e uma chave de braço. Nenhum outro no
seu rosto e ele sabia porquê.
Caído no chão, respirando em rasas lufadas e sentindo uma respiração
pesada atrás de si, Henrique xingou-se em pensamento por não reagir. Ele
sabia que merecia aquela agressão e muito mais; mas agradeceu em
pensamento por acabar logo porque, mais alguns segundos e ele não resistiria
ao ímpeto de devolver alguns socos.
Alguns instantes depois sentiu os braços pesados que o prendiam
relaxarem devagar, relutantes. Henrique permaneceu deitado por algum
tempo, recuperando o fôlego antes de aceitar a mão que lhe era estendida.
Levantou-se com facilidade, embora todo seu corpo estivesse dolorido.
Ambos sentaram-se nos degraus e, em uma trégua silenciosa, se
serviram do engradado ao lado e beberam juntos.
Poderia parecer estranho, e com certeza era para quem assistisse aquela
cena de longe, mas Henrique sempre soubera que aquilo aconteceria, mais
cedo ou mais tarde. Naquele caso, foram meses mais tarde e ele pôde sentir
literalmente na pele o quanto a espera fora difícil para o outro.
Agora, após desabafar com os punhos, ele parecia relaxado, aliviado
até, pensou Henrique.
— Comece do início — disse Sebastian quando secaram a primeira
longneck.
Henrique suspirou e pegou outra cerveja. Esticou as pernas, cruzou os
tornozelos e fez o que seu cunhado pediu.
Contou sobre seu primeiro dia na universidade e aquela aposta ridícula.
Contou como mal ouvira o que falavam ao seu redor quando vira Sofia pela
primeira vez e como algo nela parecia chamá-lo para perto, tentando-o aos
poucos, seduzindo-o com sua timidez e bochechas coradas e aquele mar azul
que o fez se apaixonar de imediato.
Deixou de lado todos os amassos e beijos e sarros e o quanto aquela
mulher o enlouquecera, porque, além de Sebastian ser seu cunhado e
Henrique ter amor por sua vida, aqueles detalhes não eram da conta dele e
não importavam para ninguém além dele mesmo e sua mulher.
Falou sobre as conversas paralelas que rolavam às suas costas sobre a
aposta e as que ele tinha conhecimento, mas não participava nem tampouco
desmentia. Contou sobre o quanto sentira-se culpado indiretamente e o
quanto se arrependia por sua estupidez.
Falou sobre o acidente e como aquele fora o pior momento da sua vida.
Falou como se sentira durante as semanas em que Sofia ficara internada e ele
sem notícias e obrigado a manter distância. Não se aprofundou muito no
assunto; a dor ainda era muito recente e seria por um bom tempo.
Contou como estavam as coisas agora, que estavam juntos, que
conversavam bastante e que as mudanças de humor daquela mulher estavam
acabando com ele. Nesse ponto Sebastian riu e concordou com ele,
confessando que na sua casa as coisas não eram muito diferentes.
Sofia, aparentemente, estava afetando à todos ao seu redor. Todavia,
todos entendiam que ela não tinha culpa, era algo incontrolável. E também, às
vezes, era muito divertido vê-la chorar apenas ao assistir comercias de
margarina e, uma vez, até mesmo um comercial de papel higiênico, contou
Sebastian.
Ambos riram um pouco e Henrique sentiu a última das diferenças entre
eles sumir e relaxou um pouco mais.
Beberam e conversaram pelo que pareceram horas, em um amistoso
sentimento de camaradagem.
— Não sei por que, mas acredito em você. Você não tem cara de quem
sabe mentir — disse Sebastian enquanto subia na sua Harley, que era do
mesmo modelo que a de Henrique, mas apenas um ano mais nova.
Henrique, ainda sentado em um dos degraus, perguntou-se
mentalmente como seria a cara de um mentiroso.
— Obrigada — retrucou debochadamente.
Sebastian riu enquanto ligava a moto. Antes de colocar o capacete, ele
avisou, sem perder o ar tranquilo, mas com os olhos sérios, sombrios:
— Cuide bem dela ou você sabe bem o que acontece.

Henrique levantou-se vagarosamente, sentindo o corpo dolorido


protestar. Com seriedade, respondeu:
— Não que seja da sua conta, mas não vou magoá-la outra vez.
Pretendo cuidar muito bem dela — e sorriu malicioso ao completar: — Bem
demais até. Se é que me entende — ergueu as sobrancelhas.
Sebastian fechou a cara.
— Filho da puta! — grunhiu, colocando o capacete. Suas próximas
palavras saíram abafadas e quase inaudíveis. — Da próxima vez, desgraçado,
eu quebro os seus dentes.
— Acho que não, amigão — Henrique debochou rindo e riu ainda mais
alto quando a resposta do seu cunhado foi acelerar a moto, empinar e partir
em disparada.
Ainda rindo, Henrique recolheu a sujeira que fizeram com as garrafas e
finalmente entrou em casa. Após um banho e uma ligação para sua garota
avisando-a que passaria para vê-la em breve, ele resolveu fazer uma pequena
faxina em casa, que, ao seu ver parecia um grande chiqueiro.
Diego chegou alguns minutos depois, quando ele tentava limpar a
cozinha, que, aparentemente era onde os porcos mais se reuniam.
— O que aconteceu com a sua cara? — perguntou Diego, largando as
chaves no balcão e sentando-se em uma das cadeiras.
A cozinha era enorme, com certeza o maior cômodo da casa e Henrique
resmungou um palavrão tentando em vão encontrar uma vassoura.
— Sebastian esteve aqui — disse apenas e Diego compreendeu o que
acontecera; ele também sabia que aquilo aconteceria, não era nenhuma
surpresa.
— Ah — o moreno disse apenas, recostando-se mais confortavelmente
na cadeira.
Um grande balcão dividia a cozinha da sala de jantar, e era onde Diego
agora relaxava, nenhum pouco incomodado com os olhares acusadores que
recebia do amigo.
Após conferir no armário, atrás da porta e até embaixo da pia, Henrique
exclamou outro palavrão, perguntando irritado:
— Onde caralho está a porra da vassoura desta casa? — e completou:
— E por que você está sentado aí enquanto eu preciso limpar toda essa
sujeira?
— Porque você é um idiota. Se tivesse me perguntado antes eu diria
que não era necessário dar uma de guru da limpeza; já contratei uma pessoa
para isso. E acho que fiz certo, levando em conta o péssimo trabalho que
você fez com a louça — apontou para a lixeira, onde os restos mortais de
alguns pratos e copos que "escorregaram por causa da espuma" agora
repousavam. Henrique fez cara de paisagem e Diego continuou, rindo: — E
não temos uma vassoura.
— O que? Por que?
— Tínhamos uma, mas não sei o que aconteceu com ela.
Henrique bufou e sentou-se ao lado do amigo, rendendo-se e desistindo
de limpar a maldita casa.
Relaxou o corpo e fez uma careta quando sentiu as costelas doloridas
reclamarem pelo movimento. Observando-o com atenção, Diego disse:
— Sebastian pegou você de jeito.
— Pois é — resmungou.
— Você revidou?
— Não — fez uma careta. Diego riu.
— Foi justo.
— É, eu sei.
Ambos conversavam sobre um assunto qualquer quando Vinicius
chegou, acompanhado de duas garotas. Os três estavam visivelmente bêbados
e mal conseguiam colocar um pé à frente do outro.
Notando repentinamente a presença dos amigos, enquanto já guiava
suas convidadas para a escada, Vinicius falou com a voz embolada:
— Meus amigos, essas são as minhas amigas... — fez uma pausa,
claramente tentando lembrar os nomes das tais amigas. Quando não
conseguiu, continuou: — Enfim, não importa. Estamos subindo e vamos nos
divertir muito — estendeu a palavra e balançou sobre os pés, cambaleando
enquanto as garotas riam, também instáveis sobre os próprios pés.
Após mais algumas risadinhas e falas emboladas, o trio finalmente
subiu para o andar de cima, enquanto Henrique e Diego permaneciam
calados.
Quando o primeiro dos gemidos chegou até a cozinha - claramente
falso e vários decibéis mais alto -, ambos levantaram e seguiram até a sala de
estar. Pegando sua jaqueta e a chave do carro, Henrique resmungou:
— Isso está passando dos limites. Não posso trazer Sofia aqui quando
ele está em casa. Não desse jeito.
— Eu sei. Ele precisa maneirar um pouco.
— E já estou cansado de chegar em casa e encontrar desconhecidos na
minha sala de estar. E desconhecidos quase sempre nus, o que é ainda pior.
— Vou falar com ele amanhã, quando estiver com uma ressaca do
caralho e duas garotas desconhecidas do lado.
— Só espero que ele use caminha.
— Eu não — disse Diego. — Espero que ele pegue gonorreia. Ou sífilis
— outro gemido foi ouvido e ambos resmungaram. — Ou melhor: espero que
o pau dele caia.
Henrique gargalhou, jogando a cabeça para trás. Abriu a porta, ainda
rindo e deu de cara com uma massa de cachos volumosos que mal
alcançavam seu queixo.
Surpreso, tentou retroceder um passo para vê-la melhor, já que estavam
muito próximos, mas ela foi mais rápida.
Antes que pudesse dizer ou fazer qualquer coisa, sentiu uma mãozinha
pequena e delicada fechando-se sobre suas bolas.
Com. Força.
Ele arregalou os olhos e abriu a boca, surpreso e, mais que tudo,
sentindo a dor irradiar pelo seu pau.
Ficou paralisado onde estava, quase sem respirar, aguardando
esperançosamente que ela o largasse. Mas ela não o fez, apenas continuou ali,
na sua frente, assassinando seu pau e analisando atenciosamente sua
expressão de quase morte.
— O q-que... — tentou perguntar, mas ela o interrompeu.
— Isso é por ter feito a minha amiga sofrer — Lorrany falou
lentamente, olhando nos seus olhos arregalados de pavor. — Sei que estão
juntos novamente e isso são águas passadas, mas se o idiota do irmão dela
pode socar essa sua carinha perfeita, então eu posso amassar suas bolas.
— Parece justo para mim — disse Diego a alguns passos de distância,
protegendo a frente do jeans com as duas mãos.
Henrique mal conseguia respirar e sentia que já estava começando a
ficar roxo.
— Sua sorte é que Sofia o ama — continuou ela, soltando finalmente
suas bolas, mas não sem antes torcê-las cruelmente.
Henrique desabou no chão gemendo e protegendo o meio das pernas
com as mãos, temendo um próximo ataque, como Diego fazia.
— E, além disso, a pequena Lorrayne precisa do pai vivo, afinal de
contas. Mas esteja avisado: da próxima vez decepo seu pau.
Lorrany ajeitou os cabelos, piscou e soltou um beijinho para Diego, deu
meia volta e desceu os degraus da varanda, seguindo até um carro que estava
estacionado em frente à casa.
Do banco do motorista, Thaís acenou, sorrindo. Depois fez um sinal
com a mão na frente do rosto que claramente dizia "estou de olho".
Henrique ouviu quando o carro se afastou, mas não se levantou. Ainda
não era capaz. Apenas indagou, ainda caído no chão:
— Quem diabos é Lorrayne?
— Acho que ela acabou de nomear a sua possível filha.
CAPÍTULO 9
Desde que seu relacionamento voltou ao normal, sem mais lágrimas ou
acusações ou mágoas, Henrique, à cada dia, conhecia uma nova Sofia.
Ele não sabe se porque antes estava tão focado em tê-la e talvez não
tenha buscado de fato conhecê-la ou talvez ela tenha se resguardado um
pouco no começo, mas todos os aspectos da sua relação agora tinham um ar
diferente. Um diferente bom, não ruim.
Sofia parecia sem reservas, dizia o que queria quando queria, era
honesta com ele, sincera até demais e (coisa que prendia um Henrique muito
bem preso na sua coleirinha) muito, muito, muito carinhosa.
Ele a amava, cada dia um pouco mais e ele se perguntava as vezes se
haveria um limite. Sim, porque, se já amava antes, agora com filho seu na
barriga, com um relacionamento que se fortalecia cada vez mais, com esse
sentimento de cumplicidade, como, como ele poderia amá-la menos?
E como ele, novato nessa história de amar e ser amado, poderia saber se
estava fazendo o certo, se estava seguindo o roteiro direitinho? Parte de amar
é sentir-se inseguro com coisas bobas, mas Henrique não via a felicidade da
sua mulher e filho como algo trivial. Ela era feliz, realmente? Talvez ele
pudesse fazer diferente, talvez houvesse algo mais, doar-se mais, ou algo
assim. Ele poderia fazer mais?
Sim, poderia, refletiu, pensando no quanto ela sorrira para ele, no
quanto a felicidade que ela sentia quase transcendia, quase como algo físico.
Ela era feliz, sim. E ele também.
Mas Sofia ainda estava grávida e, se o brasileiro não conhece a palavra
"limites", então os hormônios de uma mulher assim também não.
— Por que você não reagiu? Por que ficou parado? Por que você
reclama de dores pelo corpo todo e ele não tem sequer um corte? Ou um olho
roxo? Ou o nariz quebrado? Um perna?
— Porque ele estava certo, Sofia.
— Por que bater em você poderia ser certo, pelo amor de Deus?
— Porque é o direito dele. Eu magoei você, ele é seu irmão, tem o
direito de defender você. Está tudo certo agora.
Sofia o olhou com o rosto vermelho, aborrecida. Estavam sentados
juntos num grande sofá, na sala de estar da casa dela, para onde ele foi assim
que conseguiu levantar do chão, onde ficara após ter as bolas massacradas.
Foi surpreendido por uma Sofia aflita, abraçando-o, poucos minutos
antes, quando bateu à porta, perguntando o que doía, onde estava ferido e
prometendo que já havia resolvido tudo, que ele não precisava se preocupar,
aquilo não voltaria a acontecer.
Henrique não entendeu o que ela quis dizer com aquilo, sem perguntar
como ela sabia que estava machucado, a princípio, mas deixou pra lá,
abraçando-a também, matando a saudade de poucas horas e, andando de
pernas abertas, entrou na casa.
Sofia estranhou a forma desengonçada que ele andava e, fitando o meio
das suas pernas com preocupação, perguntou por que ele estava andando
daquela maneira. Quando ele relatou com requinte de detalhes sofridos a
visita inesperada de Lorrany, Sofia riu, na verdade gargalhou e Henrique
pôde distinguir em meio as risadas que ela acusava a amiga de plágio.
Ele deixou-se ser guiado por ela até a sala. Andando com cuidado,
sentindo um repuxar doloroso nas bolas a cada passo, eles estavam quase lá
quando trombaram com Sebastian, que estranhamente também andava de
pernas abertas.
Henrique riu muito da cara de revolta daquele filho da puta quando
Sofia contou, orgulhosa, que quando viu os punhos inchados do seu irmão
juntou um mais um. Ela já havia sido informada sobre o que acontecera na
faculdade por suas amigas, somado aquilo com um Sena de punhos
machucados, ela soube.
Só precisava de uma confirmação e, após atazaná-lo até saber o que
aconteceu, não lhe restara outra coisa a fazer que não amassar as bolas dele,
já que ela não conseguiria alcançar o seu rosto, sendo ele vários centímetros
mais alto que ela.
E continuava repetindo, quando seu irmão a olhava de lado, irritado:
— Você mereceu. Quem pensa que é? Posso muito bem resolver meus
problemas sozinha, obrigada. E se eu quiser quebrar a cara de alguém, de
Henrique ou qualquer um, eu mesma faço isso.
Henrique queria muito acalmá-la, só que ela ficava linda demais
irritada, as bochechas coradas e gesticulando muito. Por isso não resistiu e
alfinetou:
— Mas como você faria isso?
— Com os punhos, Henrique. Sou menina, estou grávida, mas não sou
uma inválida. Que pergunta idiota.
— O que eu quis dizer é: como você faria para socar o meu rosto, se
quase não alcança meus ombros?
Ele assistiu ao espetáculo: os olhinhos azuis chisparam, as bochechas já
coradas adquiriram um tom ainda mais vermelho e ela franziu os lábios.
Irritada e linda, ela pareceu concluir que de fato não conseguiria socar o rosto
dele se tentasse, o que ela ainda parecia disposta a fazer.
Pensativa, ela lançou um olhar sugestivo para as bolas dele. Henrique
sentou-se na velocidade da luz e protegeu as joias da família com uma
almofada, temendo um segundo ataque em menos de uma hora. Ela sorriu
satisfeita.
— Você deveria ter reagido — disse mais uma vez, minutos depois,
sentando-se ao lado dele. Ele apoiava uma bolsa de gelo, com muito cuidado
entre as pernas - cortesia de sua sogra prestativa -, na esperança que aquilo
ajudasse com o incômodo.
— Querendo ou não, eu magoei você, e ele, como seu irmão, estava
certo ao querer tirar satisfações comigo — ele explicou pacientemente pelo
que parecia a décima vez, sem se importar. Amava o fato de ela não se
conformar com aquilo, de não querer que ele se machucasse e muito menos
em seu nome.
Sofia o observou com atenção, sem deixar-se convencer do que dissera
não passar de machismo. Após observá-lo por mais um tempo, ela suspirou e
abraçou-o com cuidado, descansando o rosto no ombro dele.
Henrique acariciou suas costas, beijando seu cabelo macio e abraçando-
a apertado, ignorando os protestos dela de que não queria machucá-lo ainda
mais.
— Dói? — ela perguntou em um sussurro com o rosto escondido no
seu pescoço.
— Não, amor — ele mentiu. Suas costelas doíam um pouco, mas ele
não queria perturbá-la ainda mais. O incômodo entre suas pernas estava
passando, felizmente. Maldita Lorrany e suas mãozinhas assassinas.
Ouviu Sofia suspirar mais uma vez e a abraçou mais apertado.
— Talvez você queira me fazer uma massagem mais tarde — ele
sussurrou com a boca entre os cabelos dela. Sofia ergueu o rosto. Ele viu a
pele dela arrepiar quando embrenhou os dedos entre os fios, puxando-a para
sua boca e falando contra seus lábios. —Para ajudar com a dor, você sabe —
disse maliciosamente.
Ela entreabriu os lábios, os olhos quase fechados enquanto ele quase
podia ver refletido nos olhos dela tudo o que ela pensava.
— Para ajudar com a dor? — ela sussurrou de volta, apertando os
braços dele. Lambeu os lábios vagarosamente, tocando os lábios dele também
no processo e daquela vez ele que se arrepiou. Henrique confirmou com a
cabeça e ela sorriu, fingindo uma expressão inocente ao perguntar: — Você
acha que eu poderia usar minha boca para isso no lugar das mãos?
Henrique fechou os olhos e pôde ver toda a cena na sua mente.
— Ah, Sofia, você pode tudo — sua voz não passava de um sussurro
grave. Henrique sentiu como seu corpo reagia ao dela e agradeceu
mentalmente quando sentiu seu pau ficar duro ao imaginar tudo que ela
poderia fazer por ele com aquela boca.
Felizmente, Lorrany não conseguira capá-lo e, se o mundo estivesse ao
seu favor naquela noite, ele finalmente, após tanto tempo teria novamente
Sofia inteiramente só para si.
Nua contra seu corpo, pele contra pele. Os lábios rosados inchados dos
seus beijos. Os seios generosos de mamilos eriçados, implorando por sua
boca, a barriga inchadinha com o fruto do seu amor e, sua parte preferida, a
bocetinha molhada, louca para que ele chu...
Um pigarro alto se fez ouvir de repente. Sofia teria pulado dois metros
no ar, assustada, se Henrique não a tivesse segurado contra si, enquanto
olhava irritado para onde viera o som.
Sebastian encarou-os com a cara fechada, como se eles estivessem
enroscados um no outro e nus, transando no meio da sala e não apenas de
rostos unidos como estavam. Ainda fuzilando-os com os olhos, ele sentou-se
vagarosamente no sofá de frente ao que o casal estava e acomodou com
cuidado sua própria bolsa de gelo entre as pernas.
Henrique, mesmo irritado pela interrupção, não conseguiu deixar de
sorrir ao ver seu cunhado fazendo careta, tentando encontrar uma posição que
não incomodasse muito. Quando Sebastian, como se fosse possível, fechou
ainda mais a cara, Henrique riu.
— Tá rindo de que, desgraçado? — perguntou o ruivo, puto.
Henrique continuou rindo, sem desviar os olhos e ignorando a cara feia
do outro.
— O destino é uma cadela, amigo — disse entre risadas.
Sofia revirou os olhos e se ergueu com dificuldade do sofá. Henrique a
ajudou e observou-a enquanto ela caminhava pela sala, com passos
calculados enquanto resmungava sobre controles remotos e seus constantes
sumiços.
Ela vestia um vestido rendado, vermelho e que ficava ainda mais curto
quando estufado por sua barriga. Ela havia reclamado alguns dias atrás que
precisava comprar roupas novas - e falara isso com tal angústia que Henrique
não conseguiu não rir do seu tormento.
Ela reclamava que havia ido ao shopping há menos que dois meses e
que as roupas que comprou na época já não cabiam ou apertavam sua barriga.
Ela havia deixado de lado os jeans e odiava usar legging porque dizia ser
incômodo.
Particularmente adorava vestir-se com moletons de Henrique, porque
eram enormes e ficavam folgados do jeito que ela gostava.
Particularment
Então, sem desperdiçar a oportunidade de agradá-la e também de gastar
dinheiro (coisa que ela não gostava que ele fizesse), Henrique comprou
alguns para ela, em lojas no centro e pela internet. Todos enormes, iguais aos
dele, mas de cores mais femininas.
Quando ele a chamou até sua casa e mostrou a cama onde estavam os
presentes recém entregues, Sofia primeiro encarou o monte de sacolas com
desconfiança, com certeza já montando todo um discurso na mente de como
ele gastava demais e que ela não gostava disso e blá blá blá.
Chorou emocionada quando viu as peças de proporções gigantes e com
estampas de ursinhos e flores e disse que era a coisa mais linda que alguém já
havia feito para ela e que seria grata a ele pelo resto da vida.
Henrique riu e disse que era um exagero, ele apenas queria que ela se
sentisse confortável. Então ela começou a soluçar agarrada a uma calça de
bichinhos coloridos, realmente emocionada e ele engoliu a diversão
rapidinho, tratando de consolá-la, porque não suportava vê-la chorar, ainda
assustado com sua instabilidade de humores.
Como o clima naquela época era mais ameno, Henrique optou por
tecidos mais finos, ainda que a agasalhassem bem. Com isso, ela desfilava
pela casa "sambando" naquelas roupas, como Virna costumava dizer, e
parecia não se importar, feliz apenas por sentir-se confortável quando seu
corpo expandia cada vez mais.
A noite estava abafada, quente e Henrique deduziu que por isso ela
usava um vestido agora. Ele precisou acreditar nisso, porque ela não poderia
imaginar o quanto ele estava ficando louco observando as pernas macias e
roliças dela a mostra.
Sofia se inclinou para procurar o bendito controle por entre as
almofadas sobre um poltrona e Henrique inclinou o rosto buscando um
vislumbre sequer... só uma espiadinha...
Algo voou em sua direção e ele grunhiu irritado ao ser atingido no
rosto. Retirou a almofada do rosto e encarou Sebastian, irritado.
— Pare de despir minha irmã com os olhos, desgraçado — Sebastian
rosnou.
Henrique sorriu, mesmo irritado.
— Vou fazer mais que isso mais tarde, filho da puta.
Sebastian começou a levantar do sofá, vermelho de raiva quando Sofia
gritou.
— Achei! — ela balançou o controle no ar, feliz e sentou-se ao lado de
Henrique, ligando a grande tevê sem perceber o clima tenso entre os dois.
Virna escolheu aquele momento para entrar no aposento carregando
uma cesta maior que ela recheada de bolinhos e outras coisas deliciosas que
ela preparou naquela tarde.
Ela mal havia depositado a cesta na mesinha de centro quando
Henrique e Sebastian atacaram como animais selvagens, brigando para ver
quem comia mais em menos tempo, rapidamente esquecidos que à pouco
quase se atracaram.
Sofia e sua mãe sorriram felizes ao observá-los; Sofia, gostando que
dois dos homens mais importantes da sua vida estivessem cada vez mais
próximos, e Virna porque fizera bolinhos demais para o encontro com suas
amigas naquela tarde e não sabia o que fazer com o que sobrara. Até agora.
Sebastian e Henrique estavam focados na disputa infantil, espalhando
farelos por todo lado e Virna os fitava com adoração, quando um soluço
chamou a atenção de todos.
Henrique, engolindo com dificuldade, a boca mais cheia do que
deveria, procurou a origem do soluço até encontrar uma Sofia chorosa,
abraçando o controle remoto e olhando para algo a sua frente.
— É tão lindo. E emocionante — ela disse em um sussurro, apontando
para a tevê.
Henrique focou sua atenção na grande tela.
Uma plantação de girassóis, crianças correndo felizes, pais alegres,
nada a ver com nada e no fim uma frase que coroava tudo, mas que não dava
sentido a porra nenhuma:
"Use o papel higiênico HappyLife, para a sua vida ser mais feliz."
CAPÍTULO 10
Ele pretendia ir para casa e tinha a intenção de levá-la consigo, depois
de todo aquele chororô engraçado com o comercial, as risadas e tudo mais.
Lembrou-se a tempo, enquanto conjeturava o que fariam quando chegasse em
casa, de que Sofia além de grávida também estava doente.
O bem estar dos seus era mais importante que qualquer desejo ou
abstinência, então ele decidiu que iria embora sozinho, abandonou suas
esperanças de uma noite de muito sexo e se despediu de sua namorada e
família.
Mas Sofia conhecia Henrique bem demais para deixá-lo ir embora
daquela maneira.
Ela o convidou para subir um pouco, conversar, ver coisas do bebê,
mansinha e manhosa como só ela, ainda sob incentivos de uma entusiasmada
Virna, que repetia para eles subirem logo e que, se Henrique quisesse dormir
lá, tudo bem, filho.
Henrique não teve como negar, era incapaz de negar o que quer que
fosse para ela, não conseguia. Então, sob os olhos de lince de um emburrado
Sebastian, subiram de mãos dadas e, quando chegaram ao quarto, ela fechou
a porta e de fato começou a mostrar roupinhas pequeninas de tons neutros,
ele não viu problema.
Até o problema atingi-lo bem na cara. Literalmente.
Estavam sentados na cama já há algum tempo, após conversarem um
bocado e dobrarem e redobrarem roupinhas de bebê, quando Sofia, como
uma ninja, empurrou tudo que havia no seu caminho e sentou no colo dele,
envolvendo-o com as pernas antes que ele sequer tivesse tempo de reagir.
Henrique poderia ter resistido na hora, é verdade, mas havia apenas
dois poréns: sentia muita falta de beijá-la, um pouquinho que fosse e Sofia
ainda estava com aquele vestido que lhe tirou o juízo durante toda a noite.
Ele retribuiu o beijo, percorrendo as costas dela com as mãos, subindo
até embrenhar os dedos nos fios do cabelo dela, puxando-a para sua boca,
com fome.
O beijo parecia violento, mas era só saudade. Fazia poucas horas que se
beijaram, é verdade, mas tudo após aqueles dias intermináveis e infinitos de
distanciamento, qualquer tempo era muito tempo.
Sofia rebolava, faminta, mitigando sua pouca resistência, minando seu
autocontrole à cada movimento. Gemendo nos seus lábios, a mulher mais
linda do mundo, dona do seu mundo, regente de todo um futuro, ele não
conseguiu dizer não.
Não conseguiu impedi-la de tirar a própria roupa e a dele, não
conseguiu tirar os olhos dos seios dela, inchados e de mamilos pontudos, um
pouco mais escuros. Não conseguiu não admirar o conjunto perfeito que eles
faziam com a barriga redondinha e, ainda mais perfeito, para coroar tudo,
quando ela tirou a calcinha, o quarteto perfeito.
Henrique estava sem camisa, mas permanecia de jeans. Sofia estava
inteiramente nua no seu colo, puxando as mãos dele para onde queria ser
tocada e tocando-o também.
Ele não resistiu e seguiu aos comandos dela até sua mão repousar entre
as pernas dela, os dedos melando rapidamente com o desejo dela e deixando-
o louco.
Acariciou devagar, sem pressa, apreciando cada segundo, atento a cada
reação dela. Prendeu o pequeno botão entre os dedos, lambendo os lábios e
louco para por a boca lá também. Sofia gozou, estremecendo e pressionando
a boca no pescoço dele para abafar seus gemidos.
Henrique sorriu beijando os cabelos macios e cheirosos dela,
acalmando-a um pouco.
— Isso foi muito fácil, amor — disse baixinho, beijando sua têmpora.
— São os hormônios. Eu geralmente não sou tão fácil — ela
respondeu, rebolando de leve, ainda excitada.
Ergueu o rosto, as bochechas rubras e um sorriso satisfeito nos lábios
que Henrique não hesitou em beijar.
— Você poderia pelo menos acariciar um pouco o meu ego, Sofia.
— Mas foi o que eu fiz, ué.
— Ah, então quando você confessa que gozou não em razão das
minhas habilidades e sim devido aos hormônios da gravidez é um elogio?
Não havia percebido.
Ela riu e o beijou novamente, devagar a princípio, e logo gemia
baixinho, ainda excitada, querendo mais.
Henrique a deitou sobre a cama de lençóis macios, deitando com
cuidado sobre ela, beijando-a sem pausas.
A boca desceu sobre o corpo dela, percorrendo o pescoço e as veias
visíveis sobre a pele dela, lambendo-as e descendo.
Parou nos seios e envolveu-os nas mãos. Estavam pesados, maiores e
os mamilos pareciam implorar por sua boca, duros.
Ele apertou de leve, testando-a e quando ela não reclamou, ele apertou
com mais força. Ela gemeu alto e tapou a boca com as mãos, implorando com
os olhos.
Henrique sorriu e desceu a boca sobre um mamilo, envolvendo o outro
com os dedos e puxando de leve. Circulou a auréola com a língua, tentando-
a.
— Por favor — ela implorou, tentando controlar os sons que saíam por
sua boca.
Henrique queria fazê-la implorar mais, queria brincar um pouco, mas
não podia fazer aquilo com ela, nem com ele mesmo.
Sugou com força, prendendo o mamilo com os dentes, de leve,
enquanto ainda tinha o outro entre os dedos, apertando-o e puxando.
Pressionou o quadril contra o dela e foi o bastante.
Sofia ergueu o tronco da cama, jogando a cabeça para o lado,
pressionando o rosto contra o travesseiro, de olhos fechados e o puxou contra
si, estremecendo.
— De novo? — ele riu rouco, observando-a arrepiar-se inteira, a pele
corada.
Sofia abriu os olhos e o fitou. Henrique estremeceu com o prazer que
viu na expressão dela; os olhos brilhando, as bochechas vermelhas, o rosto
suado, cabelos bagunçados, espalhados pelo travesseiro e a boca entreaberta,
puxando o ar com força.
Não esperou por respostas, seu próprio corpo implorando por
libertação. Dedicou a mesma atenção ao mamilo que tinha entre os dedos até
que ele estivesse tão vermelho e inchado como o outro.
Desceu os lábios pela tatuagem que tirava seu juízo, ampliada duas
vezes pela barriga inchada, ainda mais linda. Beijou as marcas de tinta, amou
seu bebê um pouquinho, acariciando-o sobre a pele da mãe e desceu os
lábios.
Sofia tinha uma das mãos sobre a boca e a outra sob o travesseiro,
puxando-o com força. Ele admirou o prazer dela, buscando seus olhos
enquanto descia ainda mais.
Beijou o umbigo estufadinho, e estacionou logo abaixo, respirando
fundo, sentindo o cheiro dela. Fechou os olhos, matando a saudade que sentiu
de senti-la ali, seu cheiro e, agora seu gosto.
Lambeu de leve, tentando se convencer a ir devagar, curtir o momento,
apreciá-la.
Então sentiu o gosto dela, o sabor de uma mulher excitada, a sua
mulher, inteira molhada e isso tudo por ele. Para ele.
Perder o pouco, o mínimo que restava do seu autocontrole foi questão
de segundos. Ergueu as pernas dela, abrindo-as ao máximo, depositando-as
sobre seus ombros e lambeu-a novamente, gemendo.
Lambeu da entrada ao clitóris e o chupou com força, lambendo-o
faminto, esquecendo o resto do mundo. Sofia gemeu alto, puxando-o pelo
cabelo, querendo mais. E ele deu.
Rebolando e gemendo muito, meio segundo depois, Sofia gozou
novamente, pressionando-se contra a boca dele.
Henrique a lambeu uma última vez, sentindo-a estremecer e ergueu os
olhos, fitando a visão mais linda do mundo:
Deitada no meio da cama de lençóis bagunçados, Sofia repousava
quase etérea. Inteira suada, a pele brilhando e os olhos também, puxando o ar
com força, não existia visão mais linda, mais perfeita que aquela.
Ela decidiu retribuir o favor e, como antes, pegando-o de surpresa
montou sobre ele. De costas.
O que a visão daquela bunda redondinha e linda se aproximando cada
vez mais do rosto dele fez com a sua cabeça não está escrito.
Henrique não esperou mais; puxou-a pelo quadril, afoito, louco como
só aquela mulher o deixava. Ele colocou a boca antes e pode se deliciar com
o som que ela fez, antes que ela também colocasse a sua.
Assim, daquela maneira, ela na boca dele e ele na dela, restavam
poucos neurônios no cérebro de Henrique e, aos poucos, ele se viu perdendo
a razão.
Chupou-a com uma fome incontrolável, como se fizesse dias que não
há provava e não apenas alguns segundos e logo ambos gozavam, ela
primeiro e ele depois.
Sofia parecia longe de sentir-se satisfeita e logo montava sobre ele
novamente, molhando-o ao sentar sobre seu pau ainda duro.
Era incapaz de controlar-se quando assim com ela, nus e em todos os
outros momentos, também. Sofia permaneceu sentada por um tempo,
recuperando o fôlego enquanto rebolava de leve.
Henrique mesmo que louco por mais, agora que teve um pequeno alívio
– ele podia jurar que a pressão que sentira nas bolas nos últimos meses estava
afetando o cérebro – conseguia ao menos pensar.
E pensar naquele momento foi ao mesmo tempo bom e ruim. Bom
porque recobrou os sentidos e conseguiu refletir sobre o momento, finalmente
e ruim pelo mesmo motivo, porque não poderia fazer com ela o que tanto
queriam.
Henrique estava excitado. E preocupado. Morria de saudades de ter a
sua mulher, por horas, como antes. Fazia tanto tempo desde a última vez que
a teve para si daquela maneira, antes do acidente, antes de toda aquela mágoa
das semanas seguintes, semanas que viraram meses.
Todavia, Sofia estava doente.
Era grave, estava tudo sobre controle por enquanto, mas ele não queria
arriscar mais. Não queria ir mais além do que já foram. Quer dizer, queria e
não queria.
Queria tê-la em volta do seu pau, ouvi-la gemer, estremecer de prazer,
entregue. Sentia saudades daquilo, é claro, mas se isso colocasse em risco o
bem estar dela e do bebê, ele poderia aguentar mais alguns meses, anos até.
Contando que mãe e bebê estivessem bem, ele também estaria.
Mas como dizer isso para uma Sofia também excitada, zero
preocupações na mente e sedenta por mais? Mais dele? Era preciso, ele sabia,
mas não deixava de ser difícil. Difícil demais.
Quando ela desceu uma das mãos e o segurou, direcionando-o para
onde pingava de excitação, por ele, Henrique a impediu.
Ou ao menos tentou.
Convivência. Ela o conhecia bem, memorizara todas as suas
expressões, parecia sempre saber o que ele pensava e o que faria.
Henrique estava com a mão no ar e a boca aberta, pronto para discursar
meia hora de argumentos do porquê não poderiam fazer aquilo no momento,
textos decorados do seu livro de cabeceira (Pré-eclâmpsia, Eclampsia,
Descolamento Ovular e de Placenta Vol. I), mas tudo isso, cada uma das
palavras e cada um de seus pensamentos simplesmente sumiram da sua mente
no segundo seguinte.
Sem dar tempo para que ele proferisse uma sílaba sequer, com o
membro dele encaixado onde queria, Sofia sentou sobre ele. Rápido. E com
força.
Dois gemidos distintos cortaram o ar.
Henrique fechou os olhos e retesou o maxilar. Era bom demais. Era
como o céu. Como voltar para casa após anos distante. Era como... Era
maravilhoso.
Ele abriu os olhos para vê-la, ver o que aquilo fazia com ela, se ela
sentia o mesmo que ele, a dor da saudade indo embora. Completude.
Sofia tinha os olhos fechados e a boca aberta, inteira sobre ele, ele
inteiro dentro de si. Lar, a expressão dela dizia. Finalmente.
Ela se mexeu minimamente, testando-o ou testando-se, ele não saberia
dizer, e Henrique sentiu o ímpeto de estocar com força, bem fundo, até que
ambos gritassem de prazer.
Entretanto, ele rolou na cama, depositando-a sobre o colchão, sem sair
um milímetro sequer de dentro. Ambos estavam ofegantes, semblantes
pesados, desejo emergindo sobre a pele.
— Você não deveria ter feito isso — ele disse com esforço, ainda sem
se mover.
Sofia cruzou as pernas sobre suas costas, prendendo-o contra seu corpo
e mordendo o lábio para não gemer quando o pequeno movimento quase a
fez gozar novamente.
— Está tudo bem.
— Não sente dor? – era o céu, senti-la apertando-o internamente,
molhando seu pau, era gostoso demais, mas nada disso superava o bem-estar
dela. Nada. Ele sairia de dentro dela no segundo seguinte caso ela estivesse
sentindo alguma dor, mesmo que isso o matasse em seguida.
— Estou bem — ela sussurrou, puxando-o pelos cabelos para provar da
sua boca novamente.
Henrique beijou-a rapidamente e retrocedeu, apoiando o peso do corpo
nos braços, estudando o rosto dela com atenção.
Nada além de prazer. Nada além de uma necessidade por mais, muito
mais.
Ele respirou e saiu de dentro dela, só um pouquinho, lentamente. Antes
que ela tivesse tempo de reclamar, ele voltou a entrar, estocando devagarinho,
de leve, sem força.
Era maravilhoso. Mover-se lentamente, apreciando cada segundo, cada
expressão dela, cada gemido baixinho, implorando por mais, mais rápido,
mais forte.
Henrique não deu ouvidos e começou com o jogo que ela logo
descobriria ser o melhor de todos.
Ele movia-se lentamente, em uma cadência ininterrupta; entrar, sair,
entrar, sair. De levinho, quase sem se mover realmente.
Beijando-a na boca, no pescoço, nos seios e acariciando todo seu corpo,
Henrique amou-a devagar, com calma, com delicadeza, como nunca fizeram
antes e descobriram juntos o quanto aquilo era gostoso. O quanto toda aquela
lentidão e todas as carícias os deixavam ligados, ainda mais excitados,
quentes.
— Por favor — ela implorou, inteira suada, gemendo gostoso no
ouvido dele, só pra ele.
Ele diminuiu ainda mais os movimentos, demorando-se ao entrar e ao
sair e viu a pele dela arrepiar-se inteira.
— Devagar e sempre, amor — ele sussurrou de volta, encostando a
testa na dela, ambas suadas. As pernas dela deslizavam pelas costas dele. —
Quero amar você assim, devagarinho.
— Henrique — Sofia gemeu seu nome. Era um gemido angustiado,
necessitado. Daquela maneira, os sentidos ampliados, a liberação batendo na
porta, ambos sentiam que daquela vez seria diferente. Seria maior, seria
melhor.
E foi.
Gemendo na boca um do outro, ambos caíram juntos, estremecendo e
movendo-se juntos, uma dança perfeita.
Henrique não queria sair de dentro dela, não queria abandonar sua casa
agora que retornara para ela após tanto tempo. Mas também temia apoiar-se
sem querer sobre a barrigada dela, então deitou-se de costas na cama.
Sofia não precisou de convites; deitou-se ao seu lado, meio sobre ele e,
finalmente satisfeitos, dormiram em questão de segundos. Aliviados. Felizes.
Plenitude, era o que aquilo era.
Acordaram na manhã seguinte ainda felizes e apaixonados, cheios de
beijinhos e carinhos. Pura felicidade. Completos.
Ao menos até perceberem o sangue manchando o lençol florido da
cama de Sofia, entre eles.
E entre as pernas dela.
CAPÍTULO 11
A tormenta que chega após a calmaria é sempre caótica. Em um
momento você ri e no outro chora. Em um momento você está feliz, em
outro, triste. Nesses momentos de alegria dificilmente você lembra dos
momentos tristes do passado. Ou sequer imagina que algo do tipo possa
acontecer. Mesmo que isso sempre aconteça. É sempre assim.
Em um momento você está feliz, amando a mulher da sua vida como
deseja fazer eternamente. No outro...
E no outro, o inferno.
Sofia não sentia dores e isso, para um Henrique assustado e de cabelos
bagunçados às 8:00 da matina, era o pior de tudo. Ele olhou todo aquele
sangue na cama, nela e não pensou em mais nada. Sofia demorou um pouco
para perceber o que acontecia e quando percebeu gritou com o susto.
Isso despertou um Henrique estático. Pulou da cama e, não se sabe
como, se vestiu em questão de segundos. Dois segundos depois, enquanto ele
a enrolava em um lençol, planejando levá-la dali daquela maneira, Sebastian
abriu, na verdade meio que chutou, a porta. Vestia apenas uma cueca e tinha
os cabelos e rosto amassados.
Virna e Otávio, pais de Sofia, chegaram meio segundo depois e a
expressão de todos era a mesma: puro terror.
— Mas eu não sinto nada — Sofia balbuciava para ela mesma.
— Vamos para o hospital! — Henrique ainda a enrolava no lençol.
— Vou ligar para a sua obstetra! — Otávio correu quarto afora,
procurando seu celular.
— Vou... Vou tirar o carro da garagem — Sebastian meio que correu
meio que cambaleou seguindo pelo mesmo caminho que o pai fizera.
— O que você está sentindo, minha filha? — Virna era a única pessoa
que parecia calma naquele quarto. Henrique estava no meio do processo de
transformar Sofia em um burrito, mas ela sentou ao lado da filha, ignorando a
grande mancha vermelha na cama.
— Não sinto nada — Sofia sussurrou, ainda pálida.
— Nenhum desconforto?
— Não — as lágrimas, que com o choque de acordar daquela maneira
até que demoraram um pouco, escorriam por seu rosto.
— Precisamos levá-la para um hospital — Henrique estava impaciente
e com razão. Era a vida do seu filho que estava em risco e, por mais que ele
também se preocupasse e quisesse ele mesmo fazer aquelas perguntas a
Sofia, sabia que qualquer minuto a mais poderia ser decisivo.
— Sim, eu sei, querido — Virna disse pacientemente. — Por que você
não desce até a garagem e tira o carro? Assim não perdemos tempo.
Henrique olhou de Sofia para a porta e da porta de volta para Sofia.
Pareceu concordar a sogra e, após beijar e sussurrar algo contra a testa da
namorada, desceu correndo, esquecendo-se de que Sebastian já havia descido
com esse propósito.
— Olhe para mim, amor — Virna pegou a mão de Sofia e esperou até
que ela focasse os olhos azuis arregalados no seu rosto. — Agora diga o que
sente.
— Precisamos ir para o hospital — ela murmurou. — Meu bebê... —
não conseguiu continuar e as lágrimas desceram mais rápido.
— Nós vamos — Virna fazia o possível e o impossível para passar
alguma calma para a filha, mas mãe é mãe e por seu rosto também escorriam
tantas ou ainda mais lágrimas. Ela pegou o celular de Sofia, em cima do
criado mudo ao lado da cama e digitou o número da médica que sabia de cor.
Desde que soube sobre o diagnóstico da filha, ela sabia que um dia
aquilo aconteceria e às vezes mal dormia a noite, pensando se aquela seria a
noite. Foi pela manhã, mas aquilo, a luz do sol entrando pela janela
parcialmente aberta, o frescor do vento matutino e o cantarolar dos pássaros
ali por perto, aquilo não diminuía em nada o terror que sentia.
— Não sinto dor — Sofia repetia quando Virna ouviu a ligação do
outro lado ser atendida e contou rapidamente qual era a situação e os
sintomas de Sofia.
Nenhum. Se não fosse todo aquele sangue e o choque que aquela visão
causava, Sofia poderia jurar que estava bem. E segundo a médica, que estava
tão aflita como a avó do bebê, porque ela sabe bem o quanto sangramentos
são perigosos em uma gravidez e ainda mais no caso de Sofia, manter a
calma naquela situação era muito importante.
Porque Sofia tinha uma doença gestacional, mais de uma aliás, e, já
ocorrido o sangramento, ela não poderia, de jeito nenhum, sobre nenhuma
hipótese, sofrer um segundo choque antes de chegar ao hospital.
Virna ouviu com atenção as recomendações da médica enquanto
abraçava Sofia. Ela estava gelada e perceber aquilo fez com que Virna a
abraçasse ainda mais forte.
Encerrou a ligação poucos minutos após iniciá-la e respirou fundo.
— Venha, amor — levantou da cama e, segurando as mãos da filha,
ajudou-a a levantar também. Antes que algum dos seus meninos voltassem,
perturbados e amedrontados como estavam, guiou Sofia até o banheiro e
fechou a porta. — Precisamos lavar você, mas não vamos demorar, tudo
bem? É só que a mãe acha que você vai se sentir melhor se estiver limpinha.
Sofia apenas assentiu, os olhos perdidos, como se já não estivesse ali.
Aquilo partia o coração de uma mãe, ver um filho daquela maneira. Com as
lágrimas escorrendo no queixo, Virna ajustou a temperatura da água e
desenrolou Sofia do casulo em que Henrique a enrolara. Lavou-a com
cuidado, com carinho, apenas como uma mãe pode fazer com um filho e
sentiu-se um pouco melhor ao notar que a barriga de Sofia não parecia dura
demais. Ou menos firme.
Quando saíram do banheiro, com Sofia enrolada em um roupão e
menos pálida, os três homens estavam ali, um ao lado do outro, de olhos
arregalados, assustados. Seria engraçado se aquela não fosse uma situação tão
séria.
Eles poderiam não entender por que diabos Virna estava fazendo
aquilo, por que já não estavam a caminho de um hospital, mas sabiam da
situação de Sofia, sabiam das complicações e tentavam manter-se calmos e
deixar alguém que entendia do assunto, no caso uma mulher, assumir o
controle da situação.
Apenas quando Sofia estava devidamente vestida e em posse de todos
os seus documentos e exames é que saíram de casa e, poucos minutos depois,
a família adentrava o hospital, com Henrique carregando nos braços tudo o
que havia de mais importante na sua vida.
A enfermeira sentada atrás do balcão de atendimento viu aquela cena e
só soube sorrir. Ninguém prestou atenção na moça e tudo bem, ela não sorria
para que vissem. Sorria porque conhecia aquele casal. A moça ruiva, apesar
de pálida, parecia estar bem. Conhecia a história deles, o amor e fé que
aquele homem teve para reconquistar a mulher amada.
Existem homens que dão um caldo, homens que não dão caldo nenhum
e existe aquele homem.
Ele é como uma junção de tudo aquilo que a maioria das mulheres
busca: força bruta (mesmo coberto da cabeça aos pés com um moletom
enorme, você sabe, ou melhor, imagina o que há por baixo de todo aquele
pano. Olha ali os bíceps marcando no tecido, as coxas grossas, o peitoral, as
costas... Ah!) e gentileza (dá pra notar o quanto ele ama aquela ruivinha, não
por todo perrengue que os dois passaram naquele hospital, mas pela forma
com a qual ele olha pra ela. Olha ali os olhinhos brilhando, as mãos grandes
que só sabem dar carinho, a forma como o corpo dele parece gravitar entorno
dela).
As mulheres daquele hospital conhecem aquela moça, mas não
pessoalmente. Conhecem-na porque o namorado dela quase morou naquela
salinha de espera uma certa vez e, já que não podiam expulsá-lo, restou-lhes
apenas ouvi-lo. Duas delas estavam de plantão naquela manhã e quando
viram o acompanhante-quase-residente-do-hospital, por quem elas
suspiraram um bocado, correram ao encontro da família e logo eles foram
atendidos. Wânia, a obstetra de Sofia, já estava lá e em poucos minutos,
minutos esses que para Henrique pareceram horas, ela constatou que estava
tudo bem com a mãe e o bebê.
Fora apenas um susto, estava tudo bem.
Não estava. Para Henrique aquela fora a primeira vez desde que
descobrira sobre a gravidez de Sofia em que ele se viu como um péssimo pai.
Para ele, que teve pai e mãe morando juntos na mesma casa por anos e
demonstrando amor um pelo outro dia e noite, que teve pai presente, que
teve, na verdade, um pai que era mais amigo que de fato pai, que teve um
homem a quem se espelhar, a quem admirar, a quem honrar... Para ele, estar
ali ao lado de Sofia em um hospital, respirando aliviado após supor o pior,
aquele era o prenúncio de que ele seria um péssimo pai.
Por que, ele se perguntava. Por que ele não a impediu? Por que não se
controlou e deu fim àquilo? Por que não saiu dali e foi para casa? Por que não
pensou no bem estar do seu filho? Por que decidiu que "estava tudo bem
arriscar", "fariam devagar, não aconteceria nada"?
Ele tentou parar, é verdade. Mas por que não tentou mais um pouco? Se
sabia que era perigoso, que poderia acontecer exatamente o que aconteceu ou
pior, por que continuou, ele se perguntava enquanto observava Sofia trocar o
vestido fino que a mãe dela escolheu por um avental florido com abertura
frontal.
Estavam na sala de ultrassom, após o diagnóstico de que sim, estava
tudo bem e uma pequena conversa particular entre médica e paciente. A
família dela, mais calma, conversava com a doutora do lado de fora, dando
privacidade ao casal para que a moça pudesse trocar de roupa. Henrique
apenas a observava em silêncio, sem querer perturbar uma Sofia
aparentemente calma, mas que tinha os olhos ainda amedrontados.
Quando terminou de se vestir, dando um laço nas fitas do avental, ela
caminhou até a cadeira onde ele estava sentado e o observou em silêncio,
como ele fazia com ela. Ela franziu o cenho e balançou a cabeça.
— Você sabe — começou baixinho e ele tentou levantar da cadeira,
sabendo o que ela diria. Sofia não permitiu que se levantasse e aguardou até
que ele voltasse a olhar em seus olhos. — Você sabe que a culpa não é sua,
não é? — perguntou. Como ele se manteve em silêncio, ela repetiu: — Não
é?
Ele não respondeu. Ela sentou-se em seu colo, de lado, e abraçou-o
com carinho. Movia-se lentamente, ainda com medo do "algo pior" que não
aconteceu, mas que poderia e Henrique notou. Abraçou-a com cuidado,
demonstrando sem palavras que o temor dela também era o dele e que agora
estava tudo bem.
— A culpa não é sua — ela tinha a boca colada no pescoço dele,
cheirando-o um pouquinho, sentindo o cheiro dele que sempre a acalmava.
— Como não? — ele também manteve o tom baixo, sem querer chamar
a atenção das pessoas lá fora e também porque não tinha por que gritar, ela
estava ali, coladinha nele.
— Foi um acidente.
— Um acidente, Sofia?
— Sim. Não existe culpado nessa situação. Você não pode pensar
assim.
— Como você pode...
— Não existe um culpado — repetiu, erguendo o rosto. Olhando-o nos
olhos que é para que ele entendesse, disse: — Na verdade, não foi um
acidente. Isso poderia ter acontecido antes de ontem, mês passado, pode
voltar a acontecer amanhã ou hoje mesmo. Você precisa entender que eu
tenho uma doença, que eu preciso de cuidados e remédios e que estava tudo
sobre controle. O sangramento, amor, não foi culpa sua. Nem minha. Sexo
não estava proibido, não foi por isso que sangrei. A doutora me explicou o
que aconteceu, o que poderia ter acontecido e nada disso importa agora.
— O que...
— Você não pode se culpar por isso — disse, pegando uma das mãos
dele e apertando de leve. — Por que, se de fato existisse um culpado nessa
situação, seria eu, não você.
— Sofia...
— Eu pedi para que você ficasse. Eu que insisti. Eu que pulei sobre
você. Eu. A culpa é minha, não sua.
— Não chora, amor.
— Então não faça isso consigo mesmo. Não se questione, não se culpe,
não se machuque assim. Você não tem culpa. Dói em mim ver você desse
jeito, calado, olhando para mim, olhando para minha barriga, culpando-se em
silêncio. Por favor, não se culpe.
— Não chore — ele enxugou as lágrimas que escorriam pelo rosto dela
e ela fez o mesmo com ele. — Está tudo bem agora. Vamos focar nisso e
tentar esquecer o que aconteceu — disse, mesmo que soubesse que seria
impossível apagar da memória o momento em que a viu deitada naquela
cama, rodeada de sangue.
— Eu estou bem — ela disse, tentando parar de chorar e ele conseguiu
sorrir um pouquinho. Era um sorriso mínimo, mas ela gostou de vê-lo ali e
chorou mais. — Não consigo parar de chorar, mas está tudo bem. Nós
estamos bem — colocou a mão dele sobre a barriga e, como se para
demonstrar que o que ela dizia era verdade, o bebê chutou suavemente.
Henrique fechou os olhos ao sentir aquilo e agradeceu mentalmente.
— Amo você — ela sussurrou e, ao sentir outro chute, reformulou,
sorrindo: — Nós amamos você.
— Eu amo vocês. Mais que tudo no mundo.
CAPÍTULO 12
A espera por um bebê nada mais é que um martírio. Tem o lado bom, é
claro, e grande parte o é. Como comprar roupinhas, mobiliar o quartinho,
ouvir seu coraçãozinho batendo há cada 15 dias, entre mil outras coisas.
O lado ruim é quando a mãe desse bebê, com ele ainda no útero,
desenvolve uma doença gestacional. Ruim é quando essa doença faz com que
você precise estar sempre alerta, preocupado ao extremo e sempre preparado
para o pior.
Para Henrique, que não descansava até assegurar-se de que Sofia estava
bem, alimentada, feliz e sem uma dor na unha, isso era o pior. Esperar
sempre por algo que pode acontecer a qualquer momento, que pode pegá-lo
de surpresa ou talvez até nunca aconteça.
Mas aconteceu, e por mais preparado que ele estivesse, não foi o
bastante.
— Isso não é justo!
— O mundo não é justo — Sofia retrucou, reclinando-se no sofá.
Esticou as pernas e suspirou profundamente aliviada. Agora, aos seis meses,
sua barriga estava cada vez maior e o desconforto, segundo ela, também.
— Você só pode estar de brincadeira, Sofia! Sabe que isso está além
dos seus limites e... — Henrique tentou novamente, mas bastou um olhar dela
e ele se calou abruptamente.
— Além dos meus limites? — ela repetiu, aparentando uma calma que
claramente não sentia. — Por que? E não diga que é porque estou grávida,
porque eu sei e você também sabe que gravidez não é doença.
— Não é doença, mas você está doente. Pelo amor de Deus, isso não
tem cabimento!
Ela apenas revirou os olhos e o ignorou, convicta. Henrique grunhiu
frustrado, jogando-se no sofá oposto ao que ela estava.
O problema era o seguinte: Sofia queria sair. Mas não simplesmente
sair, e sim sair. Dançar, se divertir com suas amigas, conhecer novas pessoas
e curtir a noite.
Curtir a noite! Grávida de seis meses, e ela quer sair pra conhecer
novas pessoas. Um caralho que ela iria sair. Ou, ao menos não sem ele.
— Você não vai — ele decretou e, se olhares pudessem matar, ele teria
caído mortinho no chão.
— Eu não vou? Simples assim? — ela estava vermelha. Inteiramente
vermelha e aquilo era uma merda porque a beleza dela o distraia demais.
— Sim.
— Tudo bem então.
Henrique franziu o cenho, confuso. Aquilo não poderia ser bom. Ela
podia muito bem estar mentindo ou - o que ele achava mais provável -
tentando enlouquecê-lo.
— Mesmo? — ele perguntou, relaxando um pouco, começando a sentir
que vencera a batalha. Longe disso.
— É claro que não! A vida é minha, faço dela o que eu quiser e, sendo
assim, posso sair quando eu quiser sem precisar da sua permissão! - gritou e
ele estremeceu, encolhendo-se no sofá.
Ele sabia que discutir com ela não era uma boa ideia. Sabia que ela
quase sempre vencia e que, além disso, tanto estresse não faria bem para sua
saúde nem para o bebê. Mas sua irritação era maior do que qualquer
impedimento que pudesse pensar no momento.
— Um caralho que você não precisa da minha permissão! Você está
grávida, Sofia! Grávida! E é claro que eu sei que gravidez não é doença, não
sou estúpido. Nem você. Mas você também sabe que está doente. Ou não se
lembra do que aconteceu na semana passada? Porque eu lembro.
Ela abaixou a cabeça, relembrando algo que com certeza ela não
esqueceria tão cedo, assim como ele também não.
A angústia que sentiram há poucos dias atrás ainda estava ali entre eles
e ali permaneceria por um bom tempo, lembrando-os de como tudo poderia
mudar de uma hora para outra e o quanto eles eram impotentes.
A vida aos poucos voltara ao normal nos dias após o sangramento de
Sofia. Ela precisara permanecer em completo repouso por três dias seguidos e
não fazer nada, absolutamente nada além de levantar apenas para ir ao
banheiro e retornar rápida mas vagarosamente para cama quase a
enlouquecera.
Ela foi vigiada de perto pela mãe, pai, irmão, amigas e, é claro, por
Henrique. Eles sempre estavam por ali, cercando-a, certificando que ela
estava bem, se precisava de algo, e atentos para qualquer mínimo sinal de dor
ou desconforto no rosto dela.
Ela os amava e sabia que só recebera alta porque eles prometeram à sua
obstetra que fariam exatamente aquilo, vigiá-la como falcões, mas estava
tudo bem agora. Ela não aguentava mais ficar em casa. Nem descer as
escadas ela podia fazer sozinha e isso, sentir-se tão dependente, inválida, a
deixava louca.
Ela amava seu bebê, mais que tudo no mundo, mais que a si própria.
Faria e fará de tudo para o bem dele, para a saúde e felicidade dele e nunca o
colocaria em risco. Não era imprudente, era a mais responsável da casa em
relação a tudo, mas as pessoas ao seu redor pareciam não ver aquilo. Não
mais.
— Amor — Henrique falou, após pensar um pouco e se acalmar. — É
para o seu bem. Eu não...
— Eu sei — ela murmurou, olhando para a grande tevê sem realmente
vê-la. Parecia de repente triste e Henrique puxou-a para o seu colo.
— Desculpe por gritar com você — ele sussurrou com o rosto
enterrado nos cabelos macios dela. — Eu me preocupo com você, com o
bebê. Não quero que nada aconteça. Com você ou com ele.
— Eu sei. Eu só queria sair um pouco, não aguento mais... — ela calou-
se e um soluço irrompeu por sua garganta.
Henrique abraçou-a mais apertado, sentindo-se um idiota. É claro que
ela queria sair, há quase uma semana estava presa dentro de casa. Visitava-a
todos os dias, dormiu com ela algumas noites, conversaram muito, mas ele
não imaginou nem por um momento que talvez ela estivesse entediada, pra
dizer o mínimo.
Sebastian descia pelas escadas, vestido para sair e parou no meio do
caminho para observar o casal. Viu Sofia toda chorosa, parecendo cansada e
Henrique cheio de dedos e carinhoso como só ele e entendeu tudo. Há dias
que ele via a irmã entediada, sabia lê-la como ninguém mais e ficou feliz pelo
idiota do namorado dela ter finalmente entendido.
Sorriu quando ouviu o tom manhoso e magoadinho da irmã e voltou
para o quarto, retirando o celular do bolso do jeans. Desistiu de sair. Ele
também esteve preso dentro de casa, sentia falta de suas festas, mas escolheu
ficar perto da irmã naquele momento.
Ainda estava assustado. Todos estavam. Aos poucos as coisas voltavam
ao normal, Virna e Otávio saíram para jantar na noite anterior e naquele dia
haviam ido ao cinema. As amigas de Sofia não apareceram naquele dia,
precisavam focar nas aulas e provas que viriam em breve.
Sebastian queria beber. Sair, curtir, transar. Há muito tempo que ele
não sabe o que é uma boa transa e sente muita falta daquilo. Há muito tempo
também que não sabe como é estar solteiro. Acostumou-se a ter uma só
mulher e gostava da sensação que isso trazia. Segurança, estabilidade.
Vanessa era obsessiva, possessiva, chata pra caralho na maior parte do
tempo, mas também era carinhosa e o começo do relacionamento, antes de
toda a loucura, fora algo realmente bom. Ou, caso contrário, ele não teria
passado tanto tempo ao lado dela.
Eles se conectavam de uma forma estranha, nem sempre se entendiam,
nem sempre conversavam, mas quando isso acontecia, ele sentia que era o
certo. Que talvez valesse a pena.
Talvez um dia ele a tenha amado, pensa, entrando de volta no seu
quarto e caminhando até a janela. Acende um cigarro, precisa parar com esse
vício, mas no momento tem preocupações maiores para ocupar a mente,
então traga sem culpa, fechando os olhos e saboreando a sensação.
Vícios, pensa abrindo os olhos e fitando o brilho da lua. Talvez
Vanessa fosse seu vício. Um vício tóxico, agressivo como um câncer
terminal, mas ainda assim algo viciante. Ou, caso contrário, ele teria
terminado com ela há muito tempo atrás.
Hoje ele consegue pensar sobre ela sem sentir-se culpado. Consegue
relembrar os momentos bons e ruins, rir das piadas que compartilharam, das
poucas alegrias que tiveram e pensa em como tudo pode ter terminado como
terminou.
Ele não amou e esse era o maior dilema da sua vida. Por que passara
tanto tempo ao lado de uma pessoa se não a amava? Por que deixou que
aquilo fosse tão longe? Então ele tentava pensar em outra coisa, antes que
toda a culpa e remorso o corroessem.
Lembrando-se do que fora fazer no quarto, ele senta na cama, após
jogar o cigarro pela janela, o que sua mãe já o ameaçara mil vezes para não
fazer. Digita rapidamente uma mensagem para um contato que nem lembra
porque ou como tem.
"Preciso da sua ajuda. Agora."
Conhecendo bem Sofia ele sabe que ela quer sair e também imagina
que o que ela tem na cabeça não é um chá com as amigas em um lugar calmo.
A resposta chega poucos segundos depois e ele revira os olhos.
"Estou a caminho da sua casa, querido, mas saiba que isso, o que quer
que seja, não vai sair barato para você."
Típico, ele ri enquanto digita.
"Você não sabe o que quero ainda e como sabe que estou em casa?"
Sebastian retira os sapatos e deita na cama, sem tirar os olhos da tela do
celular. Poucos segundos depois, outra mensagem.
"Por favor, estamos falando de Sebastian O Regenerado Villar. É óbvio
que você está em casa."
Ele pensa um pouco. De fato, após a morte de Vanessa ele não é mais o
mesmo. Tentou por um tempo voltar a ativa e não era mais o mesmo. Não
tinha mais amigos, não conseguia conhecer outras pessoas por não ser capaz
de confiar outra vez e aos poucos sair a noite passou a não ter mais graça.
Mas ele continuava se esforçando para isso, vai que um dia ele consegue
voltar ao seu "normal".
"Não importa. É melhor você ser rápida, estou incrivelmente
impaciente hoje."
"Tenha modos, querido. Estou fazendo o favor de desmarcar os meus
compromissos por você, você poderia ser mais educado. Afinal, somos
parentes."
"Quais compromissos? Não seja ridícula, você respondeu no mesmo
minuto e nem perguntou do que se tratava. Menos, por favor."
Envia a mensagem e não consegue controlar a risada quando a próxima
resposta que recebe é uma figurinha de um pau gigantesco. Aguarda um
pouco, mas ela não fala mais nada. Volta um pouco a conversa e franze o
cenho ao ler algo.
"Como assim 'somos parentes'?"
A resposta demora um pouco para chegar e ele se pergunta se ela está
digitando enquanto dirige. Possivelmente.
"Hoje você está um pouco mais lerdo que o habitual, nossa senhora.
Somos tios de uma linda criança, querido, portanto se isso não nos torna
parentes, é quase isso."
Sebastian devia imaginar. Quase pode ouvir um absurdo desse saindo
pela boca dela. Típico, pensa novamente.
"Você é louca. Mas disso já sabíamos. Por favor não me diga que está
dirigindo enquanto fala comigo."
"Posso ser louca, mas não sou idiota, idiota. Tenho um chofer
particular. E você pode dizer de uma vez o que diabos quer? Minha mente
está dando voltas e voltas com as possibilidades :)"
Em sua defesa, Sebastian em nenhum momento levou aquela conversa
com malícia. Mas já que ela está pedindo...
"Por que você não me conta o que tem em mente? O que eu tenho em
mente é um pouco... digamos, indecente ;)"
"Sebastian Villar, você é um sem vergonha de pior qualidade. Não foi
isso o que quis dizer com "possibilidades". Você não presta. Minha sobrinha
não ficará um segundo sequer com você, isso pode ser contagioso"
Sofia, aparentando estar mais calma, embora ainda pareça triste, passa
em frente ao quarto do irmão, puxando Henrique pela mão, e para ao vê-lo rir
como um idiota para o celular. Seja o que for que o fez rir daquela maneira,
como há muito tempo ela não via, ela não quis interromper.
Continuou andando, em direção ao seu quarto, mas Henrique, não tão
discreto, fez um sinal de joinha e sorriu malicioso, abraçando Sofia pelas
costas enquanto caminhavam. Sebastian revirou os olhos e voltou a atenção
para o celular.
"Obrigado, é um dom que tenho. Você está a caminho ou não? Demora
do caralho"
"Agora você pode dizer para quê precisa de mim ou vai esperar mais
um século para isso?"
"Na verdade, eu não preciso de nada. É sobre Sofia. O idiota do
namorado dela cagou na pistola mais uma vez."
"Já vi tudo: e você também não é homem o bastante para resolver a
situação sozinho."
Ele retira a camisa enquanto digita rapidamente, sem conseguir para de
rir e revirar os olhos. Daqui a pouco será possível enxergar dentro do seu
cérebro se continuar fazendo isso.
"Sou bastante capaz, mas nesse caso preciso da sua ajuda. Você vem ou
não?"
"Abra a porta"
Meio segundo depois ele escutou três toques nada discretos e
impacientes na porta, além do toque insistente e irritante da campainha.
Levantou devagar e desceu as escadas vagarosamente, rindo por dentro,
sabendo o quanto aquilo a aborreceria.
Abriu a porta um tempo depois, quando as batidas na porta haviam se
transformado em murros ou chutes, não saberia dizer.
— Você tem sorte por eu não chutar as suas bolas agora mesmo — ela
disse, assim mesmo, sem boa noite ou sequer um olá.
— Você demorou, pensei que estava vindo de jumento — ele
provocou.
Ela desceu os olhos rapidamente pelo peito e abdômen expostos dele e
revirou os olhos, olhando em seguida para o lado de fora.
— E vim — ela respondeu e Sebastian seguiu seu olhar até encontrar
Thaís descendo do carro, após estacioná-lo atrás da moto de Henrique.
Ele riu e voltou-se para ela, que mais uma vez fitava seu peito. Ele
sorriu malicioso e ela pareceu acordar do transe. Revirou os olhos com
deboche.
— Qual a situação? — perguntou.
— Sofia quer sair. O namorado idiota não quer deixar. É aí que você
entra — Sebastian resumiu enquanto cruzava os braços sobre o peitoral,
chamando a atenção dela para aquela área mais uma vez.
— Que bom que desmarquei meus planos, então. Adoro chutar bolas
nas noites de sexta — ergueu as sobrancelhas e olhou para o meio das pernas
dele. Sebastian saiu de perto dela rapidinho, cobrindo a frente do jeans, o que
fez ela rir debochada. — Ao menos você é prudente. Vamos, Thaís — disse
quando a outra subia os degraus da varanda e acenava para Sebastian. —
Temos trabalho a fazer. E você, idiota, saia do meu caminho e vista uma
roupa. Nós vamos sair.
— Nós? — ele perguntou surpreso, ainda com as mãos nas bolas,
porque ele era um rapaz precavido.
— Sim, nós. Todos nós. Sofia quer sair, eu quero sair, então vamos
todos sair. Fim de papo.
— Mas eu...
— E é bom que o seu carro seja limpinho. Preciso de um novo chofer
— disse e saiu, caminhando em direção as escadas e gritando por Sofia. Ele
seguiu o balanço dos quadris dela até ela sumir de vista e só então notou que
Thaís estava ao seu lado.
— Bom, amigo. É melhor você se preparar, quero dizer, se arrumar
porque ela não é a mais pacientes das criaturas. Nem a mais calma — disse
rindo e erguendo as sobrancelhas. Piscou para ele e disse: — Lembre-se
disso.
CAPÍTULO 13
Mulheres são seres impressionantes. E incompreensíveis. Sebastian
observava, calado porque tinha amor a própria vida, Lorrany pintar o rosto de
Thaís a mais de uma hora. Ele não entendia como mulheres poderiam
demorar tanto para fazer uma única coisa. E coisa essa desnecessária, ao seu
ver.
— Pra que serve esse troço? — ele cometeu o erro de perguntar,
inocentemente, quando Lorrany pegou dentro da grande maleta de
maquiagem (que ela o fez ir buscar no carro dela, junto com as roupas que ela
separou para a noite) um disco redondo com um tipo de pó rosado.
Estavam no quarto dele, porque Sofia se vestia no quarto dela e
Henrique a ajudava. E, quando ela finalmente decidisse o que vestir, o que
demoraria muito pelo que ele podia perceber, seria a vez dela de assumir o
posto de cobaia da cacheada.
— Esse troço, como você diz, se chama blush, querido. Ele serve para
dar um pouco de cor, saúde sabe, naturalidade para pele após aplicar a base
— Lorrany respondeu pacientemente enquanto passava o pincel na pele da
amiga com delicadeza.
— E o que essa base faz? — coitado, parecia até um garotinho
descobrindo a complexidade do universo.
— Ela serve para cobrir as imperfeições da pele. Manchas, espinhas,
essas coisas. Mas ela tira toda a naturalidade do rosto, por isso é um preciso
um toque de cor, como o blush — ela trocou de pincel, pegou outra coisa
dentro da maleta e começou a aplicar nas laterais do rosto de Thaís. — E isso
aqui funciona como o blush, só que ele precisa ser dois tons mais escuro que
a pele e serve para dar contorno ao rosto.
— Mas a pele dela não tem imperfeições — ele observou,
aproximando-se um pouco para ver de perto. Thaís estava sentada em um
banquinho cor de rosa que obviamente não era seu, no centro do quarto.
Vestia um roupão felpudo de Sofia e a roupa que ela pretendia usar, isso se
não mudasse de ideia pela vigésima vez, estava em cima da cama dele, um
vestido vermelho bonito com um tipo de amarração sobre os seios.
— Obrigada, querido — ela agradeceu pelo elogio à sua pele, sorrindo
para ele enquanto Lorrany resmungava que ela precisava fechar os olhos para
que agora pudesse aplicar a sombra. Ela fechou os olhos obediente. — E
antes que você pergunte, a sombra serve para, literalmente, pintar a pálpebra.
Dá aquele tcham, sabe? Destaca os olhos.
— Sei — ele respondeu absorto no trabalho que a morena fazia.
Inclinou-se um pouco e pegou na maleta uma coisa de metal que parecia uma
tesoura, só que na ponta tinha um troço estranho e, observando bem, tinha o
formato de um olho. — E isso aqui?
— Isso é um curvex, serve para modelar, digamos assim, os cílios —
Lorrany respondeu, parando o que fazia para observá-lo mexendo nas suas
coisas. — Mais alguma pergunta?
— Não — respondeu enquanto vasculhava a maleta. Ele não fazia ideia
do perigo que corria.
— Então por que não me faz o enorme favor de calar a boca e tirar as
patas das minhas coisas? — paciência não era o seu forte, mas ela estava se
esforçando, coisa rara de acontecer se pensarmos bem.
Ele fechou a cara. Só estava curioso, nunca se interessou muito sobre
esse aspecto da vida das mulheres e tudo parecia muito idiota, na opinião
dele. Largou de qualquer maneira o disco redondo que tinha nas mãos, o que
ela chamou de blush e ele caiu dentro da maleta aberta, fazendo um barulho
suspeito que seria o prenúncio da morte das suas bolas.
Lorrany deu um gritinho fino e antes que tivesse tempo de erguer a mão
ou chutá-lo, ele correu para o outro lado do quarto, erguendo as mãos.
— Você tem ideia do quanto custa um blush desse, seu idiota? Não, é
claro que não e agora você quebrou o meu blush da Kylie novinho! — gritou,
tentando alcançá-lo, mas ele usou Thaís de escudo, rodeando-a, fugindo da
fúria assassina da morena.
— Foi sem querer — tentou se explicar, rindo de como o rosto dela
ficara vermelho. Parecia não temê-la e há de convir que, conhecendo o
histórico dela com bolas alheias, é algo a ser ressaltado.
— Sem querer um caralho, filho da puta! Você vai pagar por isso — ela
quase espumava de raiva e ele tentava reprimir o riso à custo. Thaís, rindo
como ele não se permitia fazer, pegou o pincel e a paleta que a amiga usava
anteriormente e começou ela mesma a aplicá-la na pálpebra.
— E quanto custa essa merda? Eu pago se você prometer manter
distância do meu saco — disse enquanto tirava a carteira do bolso. Vasculhou
por alguns segundos e retirou uma nota de vinte reais, entendendo-a para ela
em seguida. — Pode ficar com o troco como indenização pelos danos que as
minhas patas causaram — disse e não conseguiu não rir.
Lorrany apenas o fitou por alguns segundos, muda, os olhos na nota
que ele lhe estendia e, se Sebastian a conhecesse como Thaís conhece, ele
teria se preparado para o que viria a seguir. Thaís afastou o pincel dos olhos,
não queria furar um deles quando a bomba explodisse, e apenas aguardou.
Contou até três mentalmente e então aconteceu.
Lorrany não gritou, não emitiu um único som enquanto pulava sobre a
amiga, direto no pescoço dele. Ou ao menos era o que ela pretendia, mas
como ele era muito mais alto que ela (maldito coqueiro!), ela conseguiu
apenas cair de cara contra o peitoral dele, levando os dois ao chão.
Sebastian tentou manter o equilíbrio, não viu o movimento que ela
fizera, só sentiu o impacto e a abraçou pela cintura, tentando não machucá-la
enquanto caíam.
Bateu a cabeça contra o guarda-roupas e grunhiu, ouvindo,
parcialmente porque seu ouvido zunia, os risos de Thaís. Manteve os olhos
fechados e grunhiu novamente quando ela se movimentou sobre seu corpo,
quase atingindo seu pau.
— Ah, meu deus! — Lorrany gritou no seu rosto e ele gemeu quando o
som quase estourou seus tímpanos. — Você está bem, Sebastian?
Ele permaneceu calado. Fora a dor na cabeça pelo impacto, ele estava
bem. E foi naquele momento que ele notou que ela estava sobre ele.
Sentada sobre seu quadril, as pernas abertas, e deitada sobre seu peito.
Ela tocou seu rosto e ele se movimentou só um pouco, tentando senti-la mais
um pouco e precisou reprimir um gemido quando o movimento fez com que
ela se encaixasse com perfeição à parte do seu corpo que ela ameaçara
segundos atrás.
— Você está morto?! Thaís, eu matei o tio da minha sobrinha! —
drama claramente era seu forte e Thaís apenas ria, porque esse é o papel das
melhores amigas. Ela sabia que Sebastian estava bem, e observando a forma
como a amiga estava sentada sobre ele, ela presumia que "muito bem" seria a
expressão correta naquele caso. .
Sebastian ainda a abraçava pela cintura e desceu os braços
vagarosamente pelo corpo dela, fingindo que acordava aos poucos. Abriu os
olhos apenas parcialmente e aquela visão demoraria um pouco para sair da
sua mente: uma Lorrany ainda vermelha, o cabelo volumoso jogado para um
lado, o rosto de feições delicadas marcado pela preocupação e as mãos
carinhosas que apertam bolas que é uma beleza no seu rosto.
Sentiu que endurecia sobre o tecido do jeans e, embora desejasse
permanecer naquela posição por horas à fio, sentindo-a por todo seu corpo,
precisou lembrar-se que aquela era a melhor amiga da sua irmã. Era gostosa
para um senhor caralho, cheirava bem demais, era extremamente linda e tinha
um gênio do cão, mas não é para o seu bico.
Sebastian não é cego, embora se esforce para isso. Assim que pôs os
olhos em Lorrany, anos atrás, na primeira vez que Sofia a levara em casa, ele
a desejou. As curvas daquela morena eram enlouquecedoras, aquele cabelo
que há cada dia parecia ainda mais volumoso, desafiando as leis da
gravidade, aquela boca ácida capaz de transformar homem feito em menino.
Lorrany é como um combo de tudo aquilo que ele mais buscava em uma
mulher, mas impossível para ele.
Pode parecer babaquice, mas para ele ignorá-la pareceu o certo a se
fazer. Ou ele poderia chamá-la para sair, beijar aquela boquinha carnuda
linda, chupar aquela língua-lança-veneno até cansar e comê-la por horas
seguidas. Mas seria apenas isso. Sebastian não desejava relacionamentos e,
agora, evita até pensar no significado da palavra.
Após Vanessa, ele não se permite mais arriscar. Beija quando tem
vontade, transa quando quer, mas evita dar esperanças. Antes de qualquer
coisa, ele deixa claro que não quer compromisso, que não vai ligar no dia
seguinte e que provavelmente não terá um bis.
Por isso não pode permitir se deixar levar com Lorrany. Ela pode
aceitar que o que quer que possa acontecer entre eles seja apenas um lance de
uma noite, mas ele se conhece demais para se arriscar assim. Ele gosta dela,
gosta da companhia dela e gosta de ver como ela, assim como Thaís, são boas
amigas para sua irmã. Ele não quer estragar o que elas tem por uma ereção.
Isso ele pode resolver rapidinho em três minutos no banho. Três minutos
contra vários anos de amizade.
É uma conta simples de resolver.
— Estou bem — murmura e limpa a garganta rapidamente ao notar o
quanto sua voz está rouca.
— Mesmo? — ela pergunta, ainda parecendo preocupada. Sebastian
não consegue evitar descer os olhos pelo corpo dela mais uma vez e reprime
um palavrão ao afastá-la.
Ergue-se sem dificuldade, levando-a junto, ainda colada ao seu corpo.
Ela ainda fita seus olhos em busca de uma confirmação e ele sorri debochado,
sem conseguir se conter e tentando manter os comandos da parte baixa do seu
corpo sobre controle.
— Estou bem, embora você tenha tentando me matar.
Ela revira os olhos, mas tenta olhar a parte de trás da cabeça dele,
procurando por algum sangramento ou quem sabe um galo. Ele ri baixinho,
abaixando a cabeça para que ela possa ver melhor.
Ela fita sua cabeça e ele observa as formas suaves do rosto dela. Seria
tão fácil deixar-se levar, ceder apenas um pouco...
Lorrany parou de mover as mãos, mas ele não parece notar, distraído
fitando os lábios dela. Uma boca tão linda, aparentemente tão macia...
Ela limpa a garganta afastando as mãos e ele parece acordar do transe,
piscando algumas vezes. Ela tem os olhos arregalados, surpresos e ele
reprime um palavrão. Porra, por que é tão difícil se controlar na presença
dela?
— Hum... Acho que você está bem. Vai sobreviver, digo — ela diz,
rindo um pouco, um sorriso estranho nos lábios. Confusa, ela se afasta um
passo e ele pensa em algo para dizer que a traga de volta ao normal e logo,
antes que aquela situação se torne ainda mais estranha.
— Eu poderia processá-la por tentativa de homicídio, sabia? — tenta
sorrir e ela franze o cenho.
— E eu poderia processá-lo por quebrar as minhas coisas, babaca.
Então estamos quites.
— Quites? Primeiro você tentou me estrangular, depois se jogou sobre
mim e tenho certeza que tenho um sangramento cerebral.
Lorrany faz uma careta engraçada, franzindo o nariz arrebitado e ele
sorri.
— Primeiro, vamos relembrar que você mereceu. E segundo, agradeça
por eu não ter esmagado suas bolas até elas escorrerem como água pelas
minhas mãos — responde e pisca para ele. Parece decidir ignorá-lo e se volta
para Thaís, que estranhamente permaneceu calada por todo aquele tempo. Ela
apenas observa os dois em silêncio, a maquiagem impecável, os olhos
marcados e um sorriso malicioso nos lábios pintados.
— Você está bem, Sebastian? Foi uma pancada e tanto, hein — diz,
sem parar de sorrir e Sebastian sabe que não é bem sobre a cabeça dele que
ela está falando. Ou melhor, é. Uma delas.
Lorrany começa a agrupar todos os instrumentos e recipientes que
havia tirado da maleta e ele pisca para Thaís, sorrindo como ela e não
perdendo a chance de provocar a morena novamente.
— Tudo sobre controle, querida Thaís. Além de uma ligeira dor de
cabeça, de quase ser esmagado vivo pela sua amiga, estou bem.
— O que? — Lorrany indaga sem se virar e Sebastian, coitado, perdeu
a oportunidade de ficar calado mais uma vez. Thaís ri baixinho e balança a
cabeça, mas ele não decifra o que aquilo pode significar e sorri também,
prosseguindo com a provocação.
— Você tem ideia de quanto pesa um elefante? – pergunta e não espera
que ela responda. — Agora eu sei. Nossa, você é muito pesada e...
Ou ele é muito lento ou seus olhos não funcionam como deveriam. Em
um momento ela estava perto da amiga, guardando cuidadosamente suas
coisas, e no outro ele só foi capaz de ver os cabelos dela sob seu queixo e
uma mãozinha delicada no meio das pernas.
— Você tem ideia de quantos anos em média sobrevivem as bolas de
um homem? — ela pergunta próxima do seu rosto, a boca perto demais da
sua. Aquele seria o momento perfeito para beijá-la como sempre quis. Seria,
se ela não estivesse tentando matá-lo, novamente.
Ele tentou falar, mas ela torceu um pouco a mão e a dor que irradiava
do seu pau pareceu se espalhar por todo seu corpo. Ele mal conseguia
respirar.
— Não? — pergunta com doçura, a mão como garras, firmes, sem
trégua. — Banque o palhaço novamente e você descobrirá em breve — diz e
beija o queixo dele antes de finalmente soltá-lo. Sebastian caí no chão, mal
respirando e ela saí do quarto, rebolando como só ela sabe e gritando por
Sofia.
Thaís não viu o rosto da amiga quando ela saiu, estava focada em rir da
cara de quase morte de Sebastian. Se tivesse destinado uma olhadela rápida
para a expressão da amiga, conhecendo-a bem como ela conhece, ele saberia
o que aconteceria naquela noite. Ou ao menos seria capaz de imaginar.
Aquela noite prometia.
CAPÍTULO 14
Seria difícil fazer com que cinco pessoas coubessem em um único carro
– levando em conta que uma delas ostentava um barrigão de seis meses de
gravidez e outros dois mediam quase dois metros, além de possuírem
músculos enormes, essa era uma missão mais que impossível.
Sebastian queria beber, então não poderiam levar um carro extra.
Henrique prometera que não beberia porque queria manter os olhos em Sofia,
ainda assustado e temeroso de que algo ruim acontecesse. Lorrany dissera
que pretendia, nas palavras dela, "beber até o cu fazer bico" e levaria Thaís
no mesmo caminho. Com apenas um motorista disponível, precisaram
solicitar reforço.
Diego chegou pouco minutos depois que as garotas terminaram o
infinito ritual de beleza. Henrique e Sebastian estavam prontos a horas e não
aguentavam mais esperar. Eram três mulheres apenas, por Deus. E três lindas
mulheres, eles não entendiam o por que de tanta demora.
Sebastian, Lorrany e Sofia foram com Henrique e Thaís gabou-se por
todo o caminho da varanda de Sofia até o carro de Diego o quão legal era ter
um chofer e não sê-lo para variar. O percurso até o pub que escolheram não
era muito longo, 15 minutos no máximo.
Quando chegaram ao local, Sofia não conseguiu reprimir o sorriso.
Aquele era o mesmo bar/boate/pub/inferninho que Henrique a levara ao que
parecia ser naquele momento há séculos atrás. Foi naquela pista de dança que
ela se descobriu uma mulher maravilhosa. Foi no estacionamento no qual
acabaram de deixar os carros que ela quase se entregou para o amor da sua
vida pela primeira vez.
Henrique também sorria, ambos compartilhando um segredo com os
olhos, sem palavras. Não precisavam falar para que um soubesse o que o
outro pensava. Eram só sorrisos e olhares um para o outro, trocando
confidências, por isso não perceberam o clima estranho entre os outros
quatro.
Lorrany estava vestida para matar, o que não era uma surpresa; ela
sempre se vestia daquela maneira, não importava o seu destino. Os cabelos
estavam armados, um volume impressionante que desafiava a lei da
gravidade e usava um vestido vermelho-sangue, curto, decotado na frente e
atrás, além de um salto enorme. Desfilava pelo bar e levava consigo dúzias de
olhares masculinos.
Sebastian, muito irritado, vestia o que ela mesma separou para ele: uma
camisa social vinho e um jeans skinny de lavagem clara. Queria ele ter
permanecido com as roupas que estava quando Lorrany invadiu sua casa, mas
o quanto aquela mulher podia ser irritante e insistente não estava escrito.
Ela dissera, com todas as letras e sem se importar com a opinião dele,
que a roupa que ele estava era um absurdo e que não sairia com ele daquela
maneira. Se ela sempre se vestia como uma diva, não esperava nada menos
dos que com ela andassem. Então ele vestiu a roupa que ela escolheu, não
sem antes xingá-la muito e amaldiçoar sua maldita ideia de chamá-la para
início de conversa.
Thaís usava um vestido azul escuro, também curto, decotado e que não
fora escolhido pela amiga, mas que recebera a sua aprovação. Os cabelos
estavam soltos sobre seus ombros, ondulados e a maquiagem era impecável,
assim como a de suas amigas. Usava um sandália prateada, de amarração nos
tornozelos e tão alto como o de Lorrany.
Diego, que fora convidado e chegara de última hora, vestia-se como os
outros homens: camisa social, a dele na cor preta e calça jeans de mesma cor.
Aquele homem era um espetáculo para os olhos, tipo garoto Colírio Teen, só
que com cara e porte de homem feito. Também atraía olhares e, porque ele
não era bobo nem nada, sorria um pouco, um pouquinho apenas, convencido.
Henrique e Sofia estavam perdidos na bolha de amor que os cercava,
concentrados um no outro, enquanto Sebastian, Lorrany, Thaís e Diego
pareciam perdidos em pensamentos.
Lorrany pensava no que acontecera no quarto de Sofia, mais cedo.
Pensava e repensava sobre o que sentira quando tivera o corpo de Sebastian
contra o seu, pensava no que vira no rosto dele quando esteve sobre seu
corpo. Não gostava nada daquilo, mas aquele homem, ainda mais vestido da
forma que ela gostava, não saía da sua cabeça.
Enquanto virava a primeira dose de vodca, Sebastian tentava pensar
sobre o que faria naquela noite. Se cederia ao seu desejo por aquela morena
ou se procurava uma distração. Ele tentava pensar, tentava encontrar uma
solução, tentava decidir o que fazer e era só isso que conseguia fazer: tentar.
Tentar pensar, tentar ser racional, tentar ser forte e resistir, mas não
conseguia.
Não conseguia pensar, não conseguia encontrar uma possível distração,
ou mais de uma, para aquela noite, quando tinha aquela mulher diante dos
seus olhos, confundindo seus sentidos. Sua mente estava uma bagunça,
precisava beber mais, se para ter coragem de beijá-la ou esquecê-la, ele não
sabia, a única certeza que tinha era que precisava beber. Beber muito.
Thaís fitava a dose de tequila que tinha nas mãos e mantinha os olhos
baixos, pensativos. Ignorou ou não notou o garçom que a observava com
gula, louco para receber ao menos um décimo da atenção que ela dedicava ao
copo. Aquela mulher que cantava e pulava, feliz, enquanto entrava no carro,
alguns minutos atrás, não era mais a mesma. Alguma coisa acontecera, isso
era óbvio e qualquer um perceberia apenas olhando.
Diego não deixava transparecer nada. Mantinha a expressão neutra
enquanto olhava ao redor, os olhos distantes. Era óbvio que pensava, mas em
quê, ninguém saberia dizer. Virou a primeira dose de alguma coisa, sem se
importar com o que era e suspirou quando sentiu o líquido descer queimando
por sua garganta.
Alguma coisa acontecera com aqueles quatro. Alguma coisa mudara
naquela noite, todos estavam diferentes, pensativos. A pergunta que restava
era: o que mudara?
— Vamos dançar? — Sofia perguntou para o grupo, mas os olhos ainda
estavam em Henrique. Já que estava incapacitada de beber, ela pedira um
coquetel de frutas, que Henrique fez questão de provar para ter certeza de que
não havia nada alcoólico ali. Bebeu mais do que seria suposto para uma
pequena avaliação e Sofia sorriu. — Ei, isso é meu! Por que não pede um pra
você?
— Prefiro o seu — ele respondeu, sorrindo de lado enquanto a abraçava
pela cintura e se inclinava para sussurrar no ouvido dela: — Tem o seu gosto
no canudo, assim fica mais gostoso.
Sofia sorriu, corando, mas não perdeu a oportunidade de provocá-lo
também.
— Quero provar o seu — sussurrou e ele afastou o rosto para fitá-la, já
se inclinando para pegar o copo. Ela riu baixinho. — Não no canudo.
Henrique voltou a depositar o copo no balcão do bar onde estavam e a
fitou. O desejo nos olhos dele era nítido. Sofia sabia que ele não faria nada,
que não se deixaria levar da próxima vez. Estava tudo bem. Ela também não
arriscaria.
Tinha muitas ideias em mente, nem uma delas envolvia penetração,
mas ela sabia como ser criativa. Henrique pareceu ler o que ela pensava e
sorriu, um sorriso malicioso, cheio de desejo e, como o dela, promessas.
— Vamos dançar — ele disse de súbito e o sorriso de Sofia se alargou
alguns centímetros. Ele estendeu a mão e ela a pegou rapidamente. — Vocês
vêm? — perguntou para os outros.
— Depois. Preciso ir ao banheiro — Lorrany respondeu. Diego e
Sebastian negaram com um aceno, Thaís não respondeu, então Henrique
seguiu com Sofia para a pista de dança.
Henrique foi na frente, abrindo caminho entre as pessoas, protegendo
Sofia com seu corpo. Pescou no meio do caminho meia dúzia de olhares
masculinos para sua mulher e afugentou todos com apenas um olhar.
Se tivesse sido ele a escolher a roupa dela, ele optaria por um vestido
um pouco maior. Mas gostava de ver as pernas dela de fora, os seios inchados
e semi expostos pelo decote e a barriga redondinha e linda fechando o pacote.
Envolveu-a nos braços quando chegaram na pista de dança e sorriu
quando ela fez careta para um grupinho de mulheres que a encaravam com
olhares acusatórios, como se fosse errado uma grávida sair para dançar, como
qualquer pessoa. Os mesmos olhos que a julgavam comiam Henrique com os
olhos e ela fechou a cara ainda mais.
De repente, sorriu com uma expressão maliciosa no rosto e começou a
dançar. Os olhos estavam naquelas mulheres, mas a mente e corpo estavam
nele e no quanto aquelas tatuagens a mostra pelas mangas arregaçadas da
camisa a enlouqueciam.
Desceu as mãos pelo corpo dele, tocando onde queria e Henrique
apenas sorria, entrando no jogo. Puxou os cabelos dela para um lado e beijou
seu pescoço, mordendo de leve. Viu quando ela se arrepiou e sorriu,
murmurando baixinho:
— Dois podem jogar esse jogo, amor — ela afastou o rosto e, corada,
aceitou as palavras dele como um desafio. Sorriu, maliciosa e, puxando-o
para si, beijou-o com fome.
— Vamos, Thaís — Lorrany disse de repente, sorrindo ao observar as
saliências do casal, a poucos metros de distância e tendo uma ideia.
— Para onde? — Thaís perguntou confusa. Aparentemente, ainda
estava perdida em pensamentos e parecia não ter escutado a pergunta de
Henrique. — Cadê Sofia?
— Ali — com uma careta, Sebastian apontou na direção onde o casal
estava, beijando-se e dançando na pista um pouco vazia.
— Você quer dançar? — Thaís perguntou a Lorrany.
— Sim, mas não agora.
— Por que precisa que ela vá ao banheiro com você? — Sebastian
perguntou, pedindo ao garçom mais uma dose.
— Não é da sua conta — a morena respondeu, virando-se para a amiga.
— Venha comigo — e saiu arrastando Thaís em direção ao banheiro.
Sebastian e Diego observaram enquanto as duas saíam e viraram, ao
mesmo tempo, a bebida que tinham nas mãos.
Lorrany soltou a mão da amiga apenas quando chegaram ao seu
destino. Encarou-se no grande espelho que recobria a parede em frente às
cabines e respirou fundo. Puxou outra respiração quando a primeira não foi
suficiente e depois mais uma.
Thaís fitou o reflexo da amiga e, tendo ela presenciado a cena
envolvendo a morena e o irmão de Sofia mais cedo, entendeu tudo.
— Está tudo bem? — perguntou e Lorrany devolveu seu olhar pelo
reflexo. Notou o quanto a amiga estava estranha e juntando as peças, a
maneira como ela entrara no carro do moreno amigo de Henrique, como saíra
e seu comportamento até agora, também entendeu tudo.
Não precisaram se falar. Comunicavam-se com os olhos e assim se
entendiam. Amizades de muitos anos tem dessas. Uma não precisava que a
outra dissesse o que sentia para compreendê-la.
Lorrany viu a maneira que a amiga estava, pensativa, ainda corada, viu
que Diego não estava diferente e soube que alguma coisa ali havia. O que, ela
não sabia, mas o cerne da questão era o mesmo que o seu: ceder ou resistir?
— O que quer fazer? — Lorrany perguntou, virando-se de frente para
amiga.
— Sei o que quero fazer — Thaís disse sorrindo, pegando as mãos da
amiga. — Só não sei se tenho coragem para isso.
— Por que? — Lorrany não entendeu. Thaís, com exceção da sua
pessoa, era a mulher mais corajosa que conhecia. Se não tinha coragem para
fazer o que queria, então o buraco era muito mais embaixo do que supunha.
— É complicado — respirou fundo antes de continuar. — O que você
quer fazer?
— Você sabe o que quero fazer — Lorrany sorria, um sorriso
malicioso, maldoso e Thaís riu. — Cansei de tanto pensar. Agora está na hora
de agir.
— Tem certeza?
— Tenho — respondeu sem hesitar. — Mas o que eu preciso saber é: e
você?
— Não sei, amiga. Estou confusa.
— Eu posso te ajudar, mas você vai ficar me devendo essa — Thaís
podia imaginar o que se passava na mente da amiga e, por isso mesmo, temia
o que poderia ser.
— O que você tem em mente? — perguntou temerosa e Lorrany sorriu.
Contou em detalhes o que tinha em mente e, ao retornarem, ambas
sorriam como apenas duas mulheres que planejam aprontar podem sorrir.
Se Sebastian e Diego soubessem o que se passou naquele banheiro e o
que aquelas duas estavam pensando, teriam escolhido beber algo mais forte.
CAPÍTULO 15
Eram duas mulheres dançando em uma pista de dança que lotava aos
poucos. Duas amigas que riam e trocavam confidências enquanto dançavam.
Nada demais. Nada fora do normal.
Elas riam e gritavam sempre que uma música que gostavam começava
a tocar. O DJ da noite sorria para elas e gargalhava sempre que elas o
aplaudiam pelo bom trabalho em agitar a pista.
Sebastian estava recostado no balcão, de frente para onde elas estavam.
Diego estava ao seu lado e juntos eles bebiam em silêncio enquanto as
observavam. Não eram os únicos olhos masculinos sobre as mulheres, é
claro, mas enquanto nenhum engraçadinho tentasse a sorte com alguma delas,
estava tudo bem.
Estava tudo bem, era o que Sebastian repetia para si mesmo enquanto
observava Lorrany pular na pista de dança. Sofia não estava mais ali, na certa
deveria estar no carro com Henrique e Sebastian nem conseguiu se importar
com isso naquele momento. Pelo menos não era o seu carro.
Diego mal piscava. Levava o copo aos lábios de tempos em tempos, os
olhos seguindo o que desejava e esquentava em silêncio apenas em observá-
la rir.
Lorrany arrastou Thaís para o balcão quando uma música lenta
começou a tocar. Solicitou ao garçom quatro doses de tequila e cochichava
discretamente no ouvido da amiga. Em nenhum momento dedicaram um
mínimo de atenção para os dois homens parados ao lado.
Viraram, juntas, uma dose de tequila e riram. Viraram a segunda e
pediram uma terceira rodada. Sebastian pensou em interferir, em dizer para
que fossem com calma, mas concluiu que seria muita hipocrisia de sua parte.
Ele mesmo já havia virado um bom número de copos e não estava nem
próximo de parar ainda. Claro que ele tinha uma boa tolerância alcoólica, não
ficava bêbado com facilidade e não poderia nem saberia dizer o mesmo sobre
elas.
Mesmo assim, não se meteu. E fez um discreto sinal para Diego quando
este fez menção de falar alguma coisa, os olhos nos copos vazios que elas
depositavam no balcão. Os dois ficaram calados enquanto elas bebiam.
Após a terceira dose, as duas voltaram para a pista de dança da mesma
forma que saíram. Sebastian viu quando Lorrany caminhou, na verdade, com
aqueles saltos e vestido, ela desfilou até o DJ e começou a conversar com ele.
Voltou para onde a amiga estava esperando pouco tempo depois e
Sebastian não soube decifrar o que aquele sorriso malicioso queria dizer. O
DJ pausou a música que tocava repentinamente, fazendo com que algumas
pessoas reclamassem, mas logo outra música começou.
Então aconteceu.
Sebastian reconheceu a música nas primeiras batidas e quando Lorrany
o fitou sorrindo maliciosa ele fechou os olhos.
— Filha da puta — xingou, abrindo os olhos para observá-la no centro
na pista, começando a rebolar devagar, sem tirar os olhos dele um segundo
sequer.
Oh, lover, don't you dare slow down
(Oh, meu amor, não ouse ir mais devagar)
Se o que ela desejava era passar um recado, a letra daquela música era
mais que suficiente. Motivation de Kelly Rowland tocava alto e Sebastian
mesmo assim pode ouvir Diego xingando ao lado quando Thaís começou a
fazer o mesmo com ele.
Go longer, you can last more rounds
(Fique mais tempo, você pode durar mais umas rodadas)
Sebastian não viu o que ela fez, tinha olhos apenas para a morena que o
hipnotizava e o que o rebolado dela era capaz de fazer com a sua cabeça não
estava escrito.
Push harder, your almost there now
(Empurre mais forte, você está quase lá agora)
Lorrany levou às mãos ao alto, rebolando devagar. Passou os dedos
pelos cabelos lentamente e desceu as mãos pelo pescoço. Sebastian não via
nada a sua volta. Não existia nada além daquela mulher e as carícias que ela
fazia no próprio corpo, tentando-o.
So go, lover, make mama proud
(Vai, meu amor, deixe a mamãe orgulhosa)
Lorrany acariciou os seios por cima do vestido e desceu as mãos pelo
corpo, rebolando para ele, chamando-o com seus movimentos. Ele sabia que
provavelmente ela chamava muita atenção dançando daquela maneira, mas
estava mais que óbvio para quem ela dançava. Estava mais que claro quem
ela queria.
(And when were done)
(E quando nós terminarmos)
— I don't wanna feel my legs — ele leu nos lábios dela quando ela
cantou junto com a música, os olhos em chamas, fixos nele e no seu objetivo.
I don't wanna feel my legs
(Eu não quero sentir minhas pernas)
(And when were done)
(E quando nós terminarmos)
I just wanna feel your hands all over me, baby
(Eu quero apenas sentir as suas mãos passando por mim, querido)
Sebastian abriu dois botões da camisa e bebeu o resto do líquido que
tinha no copo, sem tirar os olhos dela. Sentia o corpo em chamas, os nervos
em ebulição, inteiramente pronto para ela.
But you can't stop there, music still playin in the background
(Você não pode parar por aí, ainda tem música tocando ao fundo)
Ela cantava junto com a música, falando com ele, dançando para ele,
seduzindo-o.
And you're almost there
(E você está quase lá)
Desceu as mãos pelos quadris, rebolando, flexionando os joelhos
apenas um pouco. Jogou o cabelo para um lado e acariciou as coxas grossas.
O corpo inteiro dela brilhava àquela altura e Sebastian lambeu os lábios,
faminto.
You can do it, I believe in you, baby
(Você consegue, eu acredito em você, baby)
Não aguentando mais, ele deixou o copo sobre o balcão e caminhou até
onde ela estava, sem tirar os olhos dela. Viu quando respirou fundo, perdendo
por um segundo o ritmo e ele sorriu porque agora era a sua vez.
— So close from here. Baby... — ela cantava quando ele a interrompeu.
Sebastian a agarrou pela cintura, colando-a ao seu corpo.
So close from here
(Está tão perto daqui)
— I'mma be your motivation — murmurou, completando a frase que
ela cantava e a beijou.
Baby, i'mma be your motivation
(Baby, eu vou ser a sua motivação)
Lorrany envolvendo seu pescoço com os braços, lambendo e
mordiscando seus lábios enquanto ainda rebolava... Sebastian envolveu os
dedos nos seus cachos, beijando-a com força, descontando nos lábios e língua
dela a fome que sentia.
Oh, girl, I turn that thing into a rainforest
(Ah, menina, eu vou te fazer virar uma selva)
A música continuava enquanto eles se perdiam. Não se importavam se
quase se comiam na pista, quem estivesse incomodado, que desviasse os
olhos.
Sebastian queria mais. A sentia com todas as partes do corpo, mas não
parecia suficiente, ela não estava perto o bastante. Mordeu seu lábio inferior e
a puxou pelo cabelo.
Rain on my head, call that brainstorming
(Chover na minha cabeça, chame de tempestade cerebral)
Lorrany tinha os olhos febris, os lábios estavam inchados e úmidos. Os
dois estavam ofegantes e ele ainda a mantinha presa pelos cabelos. Sorriu
quando conseguiu se concentrar na música novamente e cantou pra ela,
baixinho:
— This is deep, but I go deeper — Lorrany fechou os olhos quando ele
desceu as mãos por seus quadris, puxando-a de encontro a sua ereção.
Mordeu o lábio e voltou a fitá-lo enquanto rebolava junto com ele.
Yeah, this is deep, but I go deeper
(É, é profundo, mas eu vou mais fundo ainda)
Make you lose yourself, and finders keepers
(Vou fazer você se perder, e achado não é roubado)
Ele a virou nos braços, deixando-a de costas para si e colou-a no seu
corpo novamente. Ouviu quando ela o xingou baixinho, jogando a cabeça
para trás e sorriu. Inclinou-se para beijar seu pescoço e a sentiu estremecer.
It go green light, go
(Vai dar sinal verde, vai)
I like to taste that sugar, that sweet and low
(Eu gosto de provar aquele açúcar, doce e baixo)
Sebastian abria a boca para sussurrar no ouvido dela, quando ela
recomeçou a rebolar gostoso, pressionando-se contra seu pau e ele engoliu
em seco. Afastou o cabelo dela, puxando com força enquanto a inclinava
levemente para frente, fazendo com que ela rebolasse ainda mais.
But hold up wait, new position
(Mas espere aí, posição nova
I put her on my plate then I do the dishes
(Eu pego ela pra mim e depois tomo conta)
Inclinou-se junto com ela, pressionando-se contra sua bunda e desceu
os lábios até o decote retangular que deixava suas costas morenas em
exposição.
She's my motivation, I'm her transportation
(Ela é a minha motivação, eu sou o seu transporte)
Cause I let her ride, while I drive her crazy
(Pois eu deixo ela dirigir, enquanto levo-a à loucura)
Beijou-a alí e lambeu de leve, a vontade de tirar aquele vestido
indecente subindo a cabeça, junto com o desejo que crescia a cada segundo.
Then I just keep going, going like I'm racing
(E aí eu continuo, continuo como se estivesse numa corrida)
Quando o desejo de beijá-la novamente tornou-se quase insuportável,
Sebastian a virou de frente para seu corpo e continuou rebolando contra seus
quadris. Travou o maxilar quando ela desceu as mãos por seu peitoral,
acariciando-o por sobre o tecido e depois enfiando as mãos por baixo do
tecido.
When I'm done, she hold me like a conversation
(Quando acabo, ela me segura como numa conversa)
Lorrany subiu as mãos, tocando sua pele, deixando um rastro de fogo
onde seus dedos tocavam. Depois, fitando-o nos olhos, usou as unhas
compridas, arranhando-o de alto a baixo enquanto cantava:
— And when were done... — sussurrou contra seus lábios e continuou
em português, tocando seu pau com a mão e apertando-o de leve: — Eu não
quero sentir minhas pernas.
(And when were done)
(E quando nós terminarmos)
I don't wanna feel my legs
(Eu não quero sentir minhas pernas)
Sebastian rosnou um palavrão e beijou-a com força, enquanto ela ainda
o tocava ali, onde pulsava de desejo por ela.
— Vamos embora — disse contra os lábios dela, afastando-se apenas
um pouco. Sua voz estava ainda mais grave, rouca e ele a apertava com força,
sem querer soltá-la.
(And when were done)
(E quando nós terminarmos)
Lorrany o fitou por alguns segundos, a expressão fechada, os olhos
brilhando de desejo. Acenou com a cabeça uma vez, olhos nos olhos, para ele
ter certeza do que queria. Sebastian a beijou uma última vez antes de saírem
dali.
I just wanna feel your hands all over me, baby
(Eu quero apenas sentir as suas mãos passando por mim, querido)
O destino era incerto, mas a noite era uma criança e a verdadeira festa
acaba de começar.
CAPÍTULO 16
Ela não tinha ideia do que aconteceria naquela noite quando foi
convocada pela amiga. Não fazia ideia do que faria e muito menos que aquilo
que sentia, olhando para ele, dançando para ele, chamando-o com seu corpo,
seria possível.
Claro que já sentiu tesão antes. Não estava morta, não era freira e muito
menos, há muitos anos, virgem. Estava tudo bem sentir-se assim, estava tudo
bem desejar alguém daquela maneira, estava tudo bem ansiar pelo momento
em que poderia senti-lo de novo contra seu corpo.
Só que não estava tudo bem, ao menos não completamente. Dizem que
são as mulheres, diferentemente dos homens, que anseiam por compromisso,
um relacionamento sério, uma relação. Isso não se aplicava no seu caso.
Thaís não quer um namorado, não precisa disso. É feliz sendo sozinha,
curtindo quando quer, pegando quem quer, uma vez e outras tantas. Pegar e
não se apegar, esse é o seu lema.
Ela não tem nenhum trauma com relacionamentos, não é contra, não
repudia quem gosta, só sente que aquilo não é para ela. Nunca sentiu, nem
quando nova, e isso perdura até ali. Gosta de ser, não estar, ser solteira e essa
é a vida que escolheu para si.
Sair com as amigas, ou sem elas, é o que mais gosta de fazer, mesmo
uma delas sendo comprometida e, portanto, tenha que se acostumar com uma
presença masculina entre o grupinho que até pouco tempo atrás era formado
só por mulheres.
E, pelo visto, havia mais um intruso à caminho. Ou dois, mas ela não
gostava de pensar nisso.
Quando entrou no carro de Diego, horas mais cedo, naquela noite, ela
não viu problemas quando ele começou a puxar assunto. Nem quando
começou a fitá-la, desviando os olhos para a pista e de volta para ela. Não foi
preciso que dissesse nada, ela viu nos olhos dele o que ele sentia. Viu nos
olhos dele que ele a queria e não viu problema nisso.
Sempre foi de buscar aquilo que queria, e ela não era cega. Diego era
um pedação de mal caminho, homem de comer rezando e a queria. Ela era
solteira, tinha um gato daquele na sua, não tinha empecilho nenhum que a
impedisse de fazer o que queria, então foi em frente.
Entre uma parada no semáforo e uma respiração profunda, Thaís virou
o rosto dele para si e o beijou. Diego não esperava por isso, mas não ficou
surpreso ou demorou para reagir. Beijou-a com igual fome, com igual desejo.
Estava tudo bem enquanto se olhavam. Estava tudo bem enquanto
buscavam descobrir o que o outro gostava, descobrir gostos e sabores. O
problema foi quando o beijo continuou e as sensações aumentaram. O
problema foi não querer parar, nunca, de beijá-lo. O problema, para Thaís, foi
encaixar-se nos braços dele e não querer mais sair.
Nunca havia sentido aquilo antes e se assustou. Interrompeu o beijo,
reticente, quase arrependida no mesmo segundo, mas, de qualquer forma, o
sinal abriu naquele momento e Diego precisou seguir com o carro, sob uma
saraivada de buzinas.
Não se falaram durante o resto do caminho, imersos em pensamentos.
Thaís se perguntou se ele sentira o mesmo e, quando avaliou a expressão
ainda mais séria dele, ela supôs que sim.
Não entendia aquilo. Fora apenas um beijo, eram quase amigos, pouco
mais que conhecidos, já se falaram e já se olharam antes. Ele era gostoso, o
seu tipo de homem, com H maiúsculo e porte de macho. Bem do jeitinho que
ela gostava e, com aquela roupa de homem gostoso, embalado pra viagem.
O problema era o sentir. Sentir demais, coisas demais, coisas que nunca
sentira e que não sabia se queria sentir de novo. Não queria relacionamentos
e era isso que vinha a sua cabeça quando pensava em beijar aquele homem de
novo. E isso tudo por causa de um único beijo?
Tentou fugir dele quando estacionaram, mas ele travou as portas, não
permitindo que ela saísse. Thaís xingou-se em pensamento, nunca fora
covarde, por que agora queria fugir, ignorar que aquilo nunca acontecera?
Pelo amor, fora apenas um beijo, coisa besta, não precisa de tanto.
- Precisamos conversar - ele a fitava, sério e parecia não ter gostado
nem um pouco da covardia dela.
- Por quê? - tentou fazer-se indiferente ou confusa, mas o brilho dos
seus olhos e a maneira como apertava as pernas uma na outra a traíram.
- O que você quer? - ela logo entendeu que Diego não é homem de
joguinhos ou meias palavras. Se ele quer, ela também, qual o problema,
Thaís? Medo de se entregar demais? E isso seria tão ruim assim?
Thaís o fitou, correndo os olhos pelo seu rosto, sua pele escura, os
olhos claros, as sobrancelhas franzidas. Ele tinha os lábios carnudos
inchados, a barba por fazer emoldurando o maxilar. As mangas da camisa
social arregaçadas, expondo os músculos e tatuagens que seriam mais que
capazes de roubarem o seu juízo.
Fitou o jeans apertado, o volume estufado sob o zíper e aquele foi seu
fim.
- Você - respondeu sem querer pensar demais, passando as pernas sobre
ele e montando em seu colo. - Eu quero você.
Diego não sorriu como ela esperava ou a atacou como queria. Ele
afastou o cabelo dos seus ombros, jogando os fios para trás enquanto a
observava, sentada sobre seu pau, as pernas abertas e colada nele, em todas as
partes do seu corpo.
Thais gostou de senti-lo ali, alojado onde queria, pressionado contra o
fundo úmido da sua calcinha. Queria que ele agisse logo, que a beijasse, que
a tomasse, que a comesse. Foda-se suas convicções, foda-se se seus amigos
os esperavam, foda-se. Tudo que mais queria estava ali, ela só precisava que
ele dissesse algo.
Ele a fitou mais um pouco e quando ela estava perto de perder a
paciência e talvez fazer uma loucura, ele finalmente agiu.
Envolveu seu rosto com as mãos e Thaís não esperava que um homem
tão grande, tão masculino e musculoso, com mãos enormes e calejadas,
tivesse um toque tão gentil. Diego envolveu seu rosto com carinho, não o
toque agressivo ou a fome que ela esperava.
E isso foi o pior de tudo. Era pra ser um amasso, talvez com sorte uma
foda, coisa de momento e tchau. Não precisavam criar uma tempestade em
copo d'água por causa de um beijo. Um simples beijo, pelo amor.
Mas, dentre todas as coisas, tudo que aquele beijo representava, simples
não era uma delas. Não havia simplicidade, normalidade, banalidade com
relação aquele beijo. Ele a queria e deixava isso explícito, ela o sentia entre as
pernas, duro e pronto, como queria.
Porém não havia aquela fome quase agressividade, quase brutalidade
que ela esperava e que provou dele mais cedo. Diego a beijava devagar,
degustando aos poucos, testando novos ângulos, a língua mapeando território.
Aquilo era perigoso, falava com uma parte de si que ela não conhecia e
nem desejava conhecer. A fazia imaginar coisas, situações, a fazia desejar
coisas, e aquilo não era certo. Era mais do que certo, na verdade, era perfeito,
mas ainda assim era perigoso.
Entregar-se assim a um quase desconhecido, como Sofia fizera, era
perigoso. A amiga quase morreu nessa brincadeira, quase perdeu o bebê,
amou demais, pensou que não fosse retribuída, pensou que havia se enganado
e essa confusão toda quase termina em tragédia. Por muito pouco que não,
mas foi quase.
Talvez no fundo Thaís desejasse ser amada e ter a quem amar com
igual paixão, como a amiga. Talvez no fundo, bem no fundo mesmo, no
subterrâneo do seu coração, quase na camada pré-sal, talvez ela desejasse
aquilo. Só não queria admitir para si.
Diego afastou seus cabelos, ainda com aquela doçura que ela não
entendia e Thaís perdeu a paciência - na verdade, perdia mais do que isso,
mas não vem ao caso. Em uma última tentativa de ter o que queria, ela o
beijou mais forte, pressionando-se contra o corpo dele, rebolando em seu colo
e chupando sua língua com fome.
O gemido que escapou por sua garganta quando Diego perdeu bem
mais do que a calma não foi o som vitorioso que queria, foi um lamurio de
desejo, um pedido por mais, muito mais.
Ele subiu as mãos por suas pernas, apertando sua pele enquanto a
beijava com força. Subiu o vestido, só um pouco e descolou seus lábios,
olhando para baixo. Thaís mordeu o lábio e rebolou de leve, atiçando-o.
Diego observou seus movimentos com os olhos nublados, subiu uma das
mãos pelas costas dela e puxou seu cabelo. Olhou em seus olhos e a desafiou
a fazer melhor.
Thaís sorriu e fez o que ele pedia silenciosamente. Ergueu o vestido até
a cintura e, com os olhos dele grudado no triângulo vermelho de cetim,
rebolou de novo, daquela vez lentamente e com força.
Ele voltou a beijá-la enquanto ela continuava com os movimentos, as
mãos apertando a bunda dela, puxando-a contra si, contra seu pau.
O som repentino de uma buzina ali perto os libertou do torpor em que
estavam e Thaís se perguntou o que estavam fazendo. Não era ela que queria
distância pouco tempo atrás? Onde estavam suas convicções, seus achares,
seus temores? Provavelmente perdidos, como seu juízo.
Aquele homem, toda sua beleza, masculinidade e o que ele fazia com
seu corpo representavam o perigo. Precisava lembrar-se disso.
Saiu do colo dele, ajeitou o vestido, o cabelo e saiu do carro. Daquela
vez ele não tentou impedi-la e ela aproveitou para recompor-se enquanto
caminhava pelo estacionamento, sozinha. Diego demorou um pouco para
acompanhá-la e quando o fez, embora tentasse disfarçar, parecia tão
perturbado como ela.
Seguiram calados até onde os outros estavam, Henrique conversava
com um amigo que encontrara na fila e eles não pareciam ter notado sua
ausência.
Thaís havia decidido que aquilo não aconteceria mais, que não se
deixaria levar outra vez, era um erro. Mas como fazer isso quando fora alvo
dos olhares daquele homem durante toda a noite?
Lorrany e seu problema com Sebastian lhe deram a coragem que ela
não tinha. Para o caralho com suas convicções, queria aquele homem e o
teria. O amanhã a Deus pertence e ela não tem bola de cristal para predizer o
futuro.
Por isso aceitou a ideia da amiga, por isso sugeriu aquela música e por
isso sorria, ali, naquela pista de dança, olhando para ele e unicamente para
ele.
Diego caminhar até ela não foi a cereja do bolo, mas agarrá-la sem
firulas, como se aquele corpo fosse seu, como se o que ela fazia com ele fosse
demais, isso sim foi uma bela e deliciosa cereja.
Beijou-a como ela gostava, sem cuidados ou carinhos excessivos, bruto
e quente como ela queria. Mordeu seu lábio com força, chupou sua língua
como se quisesse mantê-la em sua boca e dançou com ela, rebolando como
ela fazia, pressionando-se contra a barriga dela, duro e pronto.
Não viram quando Lorrany e Sebastian saíram dali, não viram que
havia uma telespectadora em especial que os observava com fúria nos olhos,
não viram quando a pista aos poucos ficou vazia, nem tampouco notaram
quando a música acabou e outra começou.
Diego levá-la dali não seria e estava longe de ser o ponto alto da noite,
muita coisa estava para acontecer e, como disse anteriormente, a noite era
uma criança. Resta descobrir o que aconteceria depois.
CAPÍTULO 17
É preciso dizer que nenhum deles seria capaz de imaginar o que
aconteceria naquela noite. Saíram para dançar, para se divertir e animar a
amiga grávida e doente que não aguentava mais ficar presa em casa. Até aí
tudo bem.
Como explicar os acontecimentos da noite? Como explicar o desejo
que sentiram, a ânsia por mais, a fome e o desejo por coisas que não
entendiam? Tesão não se explica, está ali, ligando dois indivíduos,
transformando-os em um, aguardando para saber quem dará o primeiro passo.
É engraçado essa coisa de destino. Já se conheciam, eram todos amigos
que de repente viram-se com outros olhos, tudo bem, tudo lindo. O problema
seria o depois.
Lorrany desejar Sebastian não era uma novidade. Já colocara os olhos
nele antes, bem no comecinho, quando começou a frequentar a casa de Sofia,
anos atrás. Ele era bonito, gostoso até dizer chega e aquelas tatuagens todas a
tentavam demais.
Sebastian, quando a viu a primeira vez, também demorou os olhos
naquele espetáculo de mulher, mas foi só isso. Nunca deu indícios além de
um olhar ou outro de que a queria, e para ela estava tudo bem. De homem
gostoso como aquele o mundo está cheio, ela não morreria se deixasse aquele
em particular passar.
Com o tempo, com a convivência ela passou a esquecer que ele era
aquilo tudo. Fora difícil no começo, visitava Sofia e não conseguia desviar os
olhos dele. Ele começou a namorar pouco depois e Lorrany se esforçou para
tirar aquele homem da cabeça. Não foi tão difícil como imaginava, desejava-
o, mas com as piadinhas e o humor sarcástico de Sebastian fora mais fácil
passar a vê-lo como amigo, talvez nem isso.
Cumprimentavam-se quando se viam, bicavam-se, é claro, porque os
gênios são parecidos, mas era só. Nunca mais pensou nele daquela maneira,
nem quando o via sem camisa ou só de toalha. Sebastian era o irmão da sua
melhor amiga, era gostoso para um senhor caralho, tinha namorada e estava
tudo bem.
Até aquela noite. Até senti-lo sob seu corpo, até ver aquele brilho nos
olhos dele, aquela expressão em seu rosto. Ficou mexida e não foi pouco. É
engraçado como as coisas são; uma hora quer, outra hora finge que não e
naquela pista o queria outra vez. Daquela vez sem fingimentos.
Não viu problemas. Ele estava solteiro, ela também, ele a queria, ela o
queria também, estava tudo certo. Faltava só descobrir quem agiria primeiro.
Ela dançar para ele como dançou, tentá-lo até o limite, não foi um ato
corajoso. Lorrany queria aquele homem. Via nos olhos dele que era desejada,
só não tinha coragem suficiente para dar o primeiro passo. Já se estrepou
nessa de confiar demais, nessa de dar o primeiro passo, de se entregar. Não
imaginava finais felizes, não predizia o futuro nem construía um. Queria
transar, saber como ele fica quando mete com força e descobrir se ele é dos
que gemem. Só isso, nada demais. Pessoas transam quando sentem vontade,
grade merda.
Dançou para ele porque não tinha coragem de chegar lá e pegar o que
queria. De pegá-lo pela mão e arrastá-lo até um cantinho escuro qualquer ou
para o carro. Dar a cara a tapa, dizer o que quer e esperar que ele seguisse
para onde fosse. É mulher de pegar o que quer, de bater de frente e encarar o
que for, mas só até a página dois. Não entendia aquilo que sentia por e com
ele, não gostava nada daquilo, mas ainda assim o desejava.
Então, se ele também queria, poderia muito bem fazer as honras da casa
e arrastá-la dali. Decidiu tentá-lo, saber até onde ele iria, mas a coragem
acabava por aí.
Quando ele fez o que esperava, quando a agarrou, dançou com ela e a
beijou naquela pista, ela tremeu por dentro. Se ele a arrastaria dali era um
mero detalhe, tudo que queria era continuar beijando aquele homem,
descobrindo seu gosto e sentindo-o contra seu corpo. Sentiu coisas além do
corpo dele, coisas que não entendia nem sabia se queria, mas deixou tudo de
lado e concentrou-se nele.
Sebastian a beijou como se já a comesse. Passou as mãos por seu corpo
e ela sentiu o corpo tremer. Puxou seu cabelo e ela sentiu que aquele seria seu
fim. Então a beijava de novo e de novo, a cada vez uma descoberta, um
ângulo novo, um e outro arrepio.
Lorrany não pensou em nada mais que manter-se ali, colada nele, entre
seus braços fortes. Sentiu o corpo ferver, tremer, estremecer e isso porque ele
apenas a beijava. O que viria depois? Tudo bem não sentir as pernas, ela
pediu por isso, aliás.
Então saíram dali, sabe Deus para onde, mas o que aconteceria a seguir
todos sabiam. Ou, no mínimo, imaginavam.
Henrique e Sofia não estavam mais ali, seguiram para casa e nem
sequer se despediram. Mas o carro de Henrique ainda estava no
estacionamento. Sebastian se perguntou se eles teriam ido para casa mesmo,
quando o barman o chamou com um gesto e lhe entregou a chave de um
carro. Pegou a chave, sem sequer perguntar ao rapaz se havia algum recado e
puxou Lorrany pela mão.
Thaís, outra que também foi arrastada pela mão e estava feliz com
aquilo, não tinha dúvidas do que queria. Queria aquele homem, não
importava o que sua razão pedia, não importavam os alertas que piscavam em
sua mente. Seria uma noite apenas, nada demais, era só sexo.
Para os quatro, aquela seria apenas uma noite de sexo. Normal, pessoas
transam quando sentem vontade e todos estavam de acordo, mesmo que suas
mentes não. O que de pior poderia acontecer?

•••
— Você sabe o que está fazendo? — Sofia perguntou, sentada no
balcão da cozinha, as pernas balançando no ar.
— É claro que eu sei o que estou fazendo — Henrique respondeu,
ajoelhado entre as pernas dela.
— Tem certeza? — riu quando ele grunhiu irritado e afastou suas
pernas com os ombros.
— Você poderia me ajudar abrindo as pernas. Quase não tem espaço
para mim aqui — resmungou, ainda no chão.
Ela riu e fez o que ele pediu, abrindo as pernas o máximo que
conseguiu.
— Assim? — perguntou e ao ouvir o tom manhoso, Henrique ergueu os
olhos do que fazia e franziu o cenho para ela.
— Não me provoque.
— Ou assim? — colocou as pernas sobre os ombros dele, puxando-o
um pouco para frente.
— Você está me distraindo — fitou o vértice entre as pernas dela,
coberto por um tecido delicado cor de rosa, cetim ou seda, não saberia dizer.
Balançou a cabeça e voltou a se concentrar no que fazia, aos pés dela.
— Você não parece distraído — Sofia sentia a respiração dele ali e
aquela brincadeira estava começando a ficar perigosa. — Na verdade, parece
muito concentrado.
— Acredite, estou me esforçando muito para isso — resmungou e
grunhiu aliviado quando conseguiu finalmente retirar os saltos dela. Ela
suspirou aliviada, mexendo os pés. Precisou apoiar as mãos no balcão e por
pouco não caiu quando Henrique, sem aviso, pressionou o rosto entre suas
pernas, puxando uma respiração profunda e lambendo-a lá, sobre o tecido.
Levantou-se depois, rindo quando viu o quanto ela estava vermelha e
alerta.
— Você não parece muito bem — provocou, sorrindo maroto. — Algo
errado?
— Isso não foi legal — reclamou, ainda em suspenso. Sentou-se ereta,
envolvendo-o com as pernas e puxando-o contra si, apertando-se contra ele,
tanto quanto sua barriga permitiu.
— Ah, acredite, eu sei como isso é.
— E o que você vai fazer a respeito?
— O que eu poderia fazer?
— Bom, você poderia começar ajoelhando-se de novo — sugeriu,
sorrindo.
— E depois? — ele também sorria, fazia tempo que não lidava com
uma Sofia tão descarada e provocante.
— Você sabe bem o que fazer — sussurrou, inclinando-se para trás.
Ele foi. Ajoelhou-se novamente entre as pernas dela e fez o que ela
queria, o que ele queria, até que ela restasse em cima do balcão, inteira
trêmula e gemendo gostoso para ele.
Lambeu os lábios e levantou-se, após ajeitar as roupas dela.
— Deseja algo a mais? — perguntou sorrindo contra os lábios dela.
Sofia balançou a cabeça dizendo que sim. Depois, parecendo lembrar-
se da sua condição, fez que não com um bico, mas não parecia muito triste
com aquilo. Seu corpo ainda tremia, ainda sentia os nervos em ebulição,
poderia contentar-se só com aquilo. Por enquanto. Linguinha boa, ele tinha.
Henrique afastou-se após beijá-la de novo, ele também querendo mais
coisas, ansioso por mais, mas ciente das limitações dela e de que prometera a
si mesmo não mais arriscar, brincar com a saúde dela. Por mais que ela ou
seu próprio corpo implorassem por libertação.
Estavam na cozinha da casa dele, para onde seguiram quando saíram do
bar. Não quiseram interromper os amigos que, surpreendentemente, se
agarravam na pista, como eles mesmo fizeram mais cedo. Henrique ainda
estava surpreso com o que viu. Claro que já notara os olhares do amigo para a
amiga de Sofia, mas Lorrany e Sebastian, aquilo realmente fora
surpreendente.
— O que você quer comer? — perguntou de costas para Sofia,
vasculhando o armário. Tentou calcular a quantas horas ela não comia e não
lembrou-se da última vez que a viu comer. Provavelmente, na casa dela,
pouco antes de Lorrany e sua banda de uma garota só chegar. Concluiu que
fazia mais do que três horas que ela não comia nada e xingou-se
mentalmente.
Precisava ficar atento. Precisava manter-se sempre alerta, vigilante.
Não poderia ser negligente, não com ela.
— Você sabe o que eu quero comer — só era difícil manter-se firme
quando ela o provocava daquele jeito. Virou-se para ela, pedindo com o olhar
para que o ajudasse, não dificultando as coisas mais do que elas já estavam.
Sofia sorriu e revirou os olhos. — Tudo bem. Qualquer coisa que você fizer,
estou morrendo de fome.
— Desculpe por isso — ele disse, ainda revirando os armários,
encontrando pouco mais que macarrão instantâneo e poeira. — Não notei
quanto tempo havia se passado desde que você comeu.
— O que você tem aí? Miojo? — perguntou sobre o ombro dele, ainda
sentada na bancada porque não conseguia descer sozinha, nem ver seus
próprios pés.
— Vou pedir alguma coisa. Você não pode comer só isso — disse,
pegando o celular do bolso do jeans e procurando na lista de contatos.
— Mas eu quero comer miojo — ela teimou.
— Sofia, você precisa se alimentar bem, não pode pular refeições e
miojo definitivamente não é uma refeição — ele disse, ainda mexendo no
celular.
— Mas Henrique...
— Vou ligar para um restaurante aqui perto e pedir o menu. Você pode
escolher o que quer comer.
— Quero comer miojo.
— Sofia... — ele tentou novamente, mas ela tomou o celular das suas
mãos. Henrique ergueu os olhos para ela.
— Eu quero comer miojo — repetiu séria, os olhos desviando-se dele
para o pacotinho que ela via dentro do armário. De onde estava conseguiu ler
"sabor picanha" e sentiu a boca salivar. — Miojo.
Henrique franziu o cenho, fitando-a confuso. Poderiam comer qualquer
coisa, certamente algo muito melhor e mais elaborado, mesmo assim ela
preferia o caralho do miojo. Fitou a expressão dela, a forma como os olhos
estavam úmidos e fixos às suas costas, a boca aberta e o corpo inquieto.
— O que você tem? — perguntou, preocupado, aproximando-se dela.
— Eu não sei — ela murmurou. — De repente senti essa coisa
estranha, um desejo, quase uma necessidade.
— Desejo? — Henrique se sobressaltou. Já havia escutado histórias
sobre desejos de grávidas, sua própria sogra já contara sobre alguns que
tivera e já o alertara sobre as crenças sobre isso. Aquele era o primeiro desejo
de Sofia, ele mal lembrava que grávidas têm dessas e se apressou para
atendê-la. Não queria que seu bebê nascesse com cara de qualquer coisa que
não o rosto de um bebê normal. — O que você quer, amor? É só dizer, eu
trago pra você.
As lágrimas escorreram pelo rosto dela e Henrique se desesperou.
Precisava que ela dissesse logo o que queria, não desejava atrasar-se mais e
correr riscos. Era do seu filho que estavam falando, ele precisava nascer
parecido com a mãe, ou com ele mesmo, não com a cara de uma barra de
chocolate ou algo do tipo.
— Vamos, amor, diga pra mim. O que você quer? Eu vou comprar pra
você e prometo que não demoro — pegou as mãos dela, ansioso e Sofia
sorriu só um pouquinho, ainda parecendo um pouco desnorteada.
— Não precisa comprar nada.
— Mas, Sofia, você está com desejo. Sua mãe disse que não podemos
ignorar desejos de grávida. Diga o que quer que eu...
— Eu quero miojo — interrompeu-o.
— Miojo? — perguntou confuso. — Esse é o seu desejo?
— É — Sofia balançou a cabeça várias vezes.
— Mas eu pensei que você queria algo mais... Sei lá, outra coisa. Não
sabia que grávidas desejam miojo.
— Não sei as outras, mas eu quero miojo. Você poderia...? — apontou
para a fonte do seu desejo e Henrique deu de ombros, enchendo uma panela
com água.
Sofia quase dava pulinhos sobre o balcão quando ele abriu o pacote.
Henrique riu com a animação dela. Pelo menos não precisaria sair de casa,
pensou rindo, despejando o macarrão na água. Não tinha muita paciência para
esperar os três minutinhos, então jogava tudo na água e esperava o milagre
acontecer, assim mesmo, de uma vez.
— Sabor picanha? — perguntou sorrindo malicioso e Sofia revirou os
olhos. Riu e estava se esticando para jogar a embalagem no lixo quando um
pequeno detalhe chamou sua atenção. A validade.
Aproximou o plástico dos olhos e xingou um palavrão.
— O que foi? Você não vai colocar isso no fogo?
— Está vencido — disse, virando-se para ela.
— O que?
— O miojo está vencido. Deve estar aí há muito tempo.
Sofia piscou, olhando para ele e depois para o macarrão boiando na
água.
— Não tem importância. Posso comer assim mesmo — disse, tentando
descer do balcão e fazer ela mesma a droga do miojo.
— É claro que não, Sofia. Você não pode comer isso — ele a impediu
de descer e pegou a panela. Jogou a água na pia e em seguida o macarrão no
lixo.
Sofia emitiu um gritinho agudo e por pouco ele não largou a panela no
ar. Virou-se para ela quando recebeu um chute nas costas, e arregalou os
olhos.
— O que você está fa...
— Por que você fez isso? Eu comeria assim mesmo!
— É lógico que não. Você poderia passar...
— E agora o que eu vou comer?
— Eu posso ligar para...
— Você jogou o meu miojo no lixo! No lixo! Como você pôde fazer
isso comigo? — perguntou chorosa e Henrique se apressou para a porta da
cozinha enquanto ela ainda gritava. Voltou pouco tempo depois vestindo a
jaqueta e balançando a chave da moto.
— Vou comprar o caralho do miojo! Não saia daí!
Ele não deu tempo para que ela concordasse e saiu em disparada,
batendo a porta atrás de si. Quando ele voltou, pouco tempo depois, trazia nas
mãos quatro enormes sacolas de mercado.
— Aproveitou para fazer a feira do mês? — Sofia perguntou, sentada
onde ele a deixou.
Ele fechou a porta com o pé e andou até onde ela estava. Colocou as
sacolas no chão e se desfez da jaqueta. Estava suado, vermelho e não perdeu
tempo. Pegou uma outra panela, encheu com água e colocou no fogo.
— Não sabia qual o sabor que você queria, então trouxe todos.
— Todos? — ela arregalou os olhos para aquela quantidade absurda de
macarrão instantâneo. — Mas eu não posso comer isso tudo agora, Henrique!
— Eu sei, não sou idiota, mas se você desejar mais de um ou dez,
temos tudo à mão — disse, retirando também a camisa, de frente para o
fogão.
Sofia riu com o exagero daquele homem. Mas também, o que ela
queria? Deixou o coitado assustado.
— Você é um homem muito esperto — elogiou, sorrindo, mas queria
na verdade comentar o quanto ele era exagerado. Ali havia macarrão
instantâneo suficiente para três pessoas comerem durante um mês inteiro.
— Eu sei — ele sorriu, deixando a panela de lado e se aproximando
dela. — Por que você não me esperou na sala? O sofá é mais confortável que
esse balcão frio.
Ela sorriu amarelo enquanto o abraçava.
— Não consigo descer — confessou envergonhada.
Henrique franziu o cenho e observou a distância dos pés dela no ar até
o chão. O balcão não era muito alto, mas Sofia era baixinha.
— E não consigo ver meus próprios pés, o que é degradante. Não quis
arriscar — continuou.
Henrique franziu ainda mais o cenho, dessa vez sentindo-se um idiota,
mas ela o interrompeu antes que ele se desculpasse outra vez.
— Já se passaram três minutos — disse. Ele voltou a preparar o jantar
dela, não sem antes pedir desculpas com os olhos.
Pouco tempo depois, após tomar um banho e vestir um dos moletons
enormes que ganhara dele, Sofia repousava no sofá, encostada no peito dele,
entre suas pernas, e com um prato enorme, o maior prato que havia na casa,
que mais parecia uma bacia, de miojo sobre o colo.
Ela comia como se não houvesse amanhã e Henrique sorria como um
idiota. Parecia que não comia há dias, tamanho o desejo que sentia. Pensou
que apenas um prato seria suficiente, mas ela comeu outro e estava indo para
o terceiro quando escutaram batidas na porta.
Sofia estava a caminho da cozinha, então aproveitando que já estava
em pé, seguiu até a porta e a abriu, curiosa para saber quem era aquela hora.
Ela arregalou os olhos ao dar de cara com Thaís, ainda vestida com as
roupas que escolhera para a noite, mas com a maquiagem borrada e marcas
de lágrimas no rosto.
Antes que tivesse tempo de perguntar o que acontecera, ouviram
quando um carro estacionou em frente a casa e esperaram para saber quem
era.
Lorrany desceu do táxi e pagou o motorista. Caminhou até onde as
amigas estavam e Sofia viu que por mais que ela tentasse esconder, também
havia chorado como Thaís.
O que diabos aconteceu com aquelas duas?, perguntou-se.
Suspirando, abriu a porta atrás de si e disse:
— Entrem, tem miojo para todo mundo.
CAPÍTULO 18
Amar e ser correspondido com certeza é uma das melhores sensações
do mundo. Reciprocidade. Henrique nunca havia se apaixonado daquela
maneira antes, e tudo naquele relacionamento eram para ele novidades ao
mesmo tempo que traziam una sensação de casa. Sensação de lar. Pertencer.
Querer bem, precisar estar perto, sentir-se estranho quando longe e
cada dia mais ansioso apenas por ouvir a voz dela: isso era estar apaixonado e
ele soube desde o início que era ela. Ela não era a escolhida. Ele não via
assim porque em momento algum pensou em escolher alguém.
Viver um dia por vez, pegar e não se apegar, beijar inúmeras bocas,
outras coisas e sequer ligar no dia seguinte era a sua rotina. Não tinha aversão
a relacionamentos, só não sentia que era o certo. Você não sabe como a vida
pode ser maravilhosa, como um relacionamento pode mudar as coisas, para
melhor na maioria das vezes, até que encontra a pessoa certa.
A sua pessoa, como diz Cristina Yang, uma das personagens de uma
das séries preferidas de Sofia e que ela o obrigou a assistir.
Ela era a sua pessoa e ele não conseguia imaginar como a vida poderia
ser melhor que aquilo. Mas seria.
Com a sua filha.
Sofia estava grávida de seis meses, não descobriram o sexo do bebê
antes porque em todas as ultrassons que fizeram ela sempre estava com as
perninhas fechadas. Decidiram não saber o sexo do bebê, conversaram sobre
aquilo, se aquele não era um sinal e não se importavam de fato com o sexo. O
importante era que nascesse com saúde, entretanto, no dia da consulta, assim
que a médica começou o exame, para a sua surpresa, finalmente o bebê
resolvera revelar-se para os pais.
Era uma menina. E criança mais amada que essa, mesmo antes de
nascer, não existia.
Virna estava em êxtase, já havia montado todo um enxoval, em
segredo, e agora montava um segundo, com a desculpa convincente de que
havia comprado apenas roupinhas de cores neutras e agora que sabiam o sexo
do bebê precisava comprar os complementos, como dizia.
O quarto de Sofia estava cheio de embalagens e sacolas lotadas de
tiarinhas, frufrus, lacinhos, sapatinhos e derivados fofos. Engraçado que
nenhuma daquelas peças fora ela que comprara, tudo obra de sua mãe
ansiosa, futura avó babona, e ela não viu necessidade de comprar mais. A
menina nem havia nascido ainda e tinha roupinhas suficientes para no
mínimo dois anos.
— As roupinhas se perdem logo, Sofia. Por isso que é preciso estar
preparada, bebês crescem rápido e eu sei bem disso. Não se preocupe, mamãe
cuida de tudo pra você — dizia Virna e saía em mais uma sessão de compras.
O pai de Sofia, que renegava até a morte quando a mulher o convocava
para suas intermináveis excursões ao shopping, ao saber que teria outra
menina em casa, ia, feliz, ao lado da esposa e montava ele mesmo seu próprio
enxoval.
Dizer que eram exagerados era pouco, mas Sofia não se importava,
Henrique tampouco. Deixavam que comprassem o quisessem, estavam
felizes com a chegada do bebê, como eles próprios.
Lorrany e Thaís prenunciavam as tias babonas que seriam e não
ficaram nada felizes ao não serem convidadas para as compras. Por isso
arrastaram Sofia para o shopping e deram início ao próprio enxoval.
Sofia, que sempre odiara fazer compras e perder horas à fio em
shoppings, se pegou sorrindo de orelha a orelha escolhendo roupinhas para a
filha. Macacões pequenininhos, lacinhos, mantas, fraldas coloridas e um sem
fim de outras coisinhas.
Engraçado que viu os dois homens enormes e tatuados na lojinha de
coisas de bebês e tão animada e emocionada estava selecionando roupinhas
minúsculas que não os reconheceu a princípio. Não demorou a acontecer,
todavia, porque ficou curiosa com a atenção exagerada que eles recebiam das
atendentes assanhadas da loja.
Não ficou chateada, nem poderia. Àquela altura, já estava acostumada
com as atenções e olhares que Henrique recebia, por onde quer que fosse. Era
um homem alto, o que por si só já chamava atenção. Junto com os músculos
impressionantes, as milhares de tatuagens e o cabelo comprido, ela entendia e
já esperava os olhares que viriam.
Com Sebastian era a mesma coisa, mas com ele ela não precisou
controlar o ciúme que sentia até que ele não mais existisse. Com Henrique
isso fora preciso e ela estava feliz consigo mesma. Não tinha crises de
ciúmes, não tanto quanto seria suposto, porque aquele homem é um absurdo
de tão gostoso, mas ela aprendeu a lidar com isso.
Era seu, tal como ela era dele. Estava tudo bem, quem quiser que olhe.
Só não podem encostar, porque ai já é demais até para ela.
Estava os observando de longe enquanto Lorrany e Thaís discutiam a
certa distância sobre quem seria a melhor tia. Sorria, boba, observando-
os avaliar macacões com olhares críticos, escolhendo cores e aceitando a
ajuda prestativa das atendentes.
Até que uma delas, a mais atrevida, decidiu ser prestativa até demais.
Aproximou-se mais do que seria suposto para uma conversa entre cliente e
funcionária e tocou o braço do seu homem.
Henrique não deu importância para o toque, nem olhou no rosto da
atrevida. Seguia erguendo peças na altura dos olhos, avaliando criterioso e
depositando o que queria em uma cestinha de tamanho médio quase cheia.
Sofia se aproximou devagar.
— Já visitou a nossa sessão de acessórios para bebês? — a mulher
perguntava, ainda com a mão no bíceps dele. — Temos tiaras, lacinhos, uma
grande variedade de enfeites para cabelo e até pequenas coroas.
— Coroas? — Henrique perguntou, parecendo indeciso sobre duas
peças. Um tinha babados delicados na gola e outro nas mangas. Sem
conseguir escolher, colocou as duas na cestinha, não sem antes dobrá-las com
cuidado. Sofia sorriu com aquilo.
— Sim, com pedrinhas delicadas que imitam joias e tudo mais. São
muito fofas. Posso levá-los até lá — ela apertou de leve a mão e Henrique
finalmente pareceu notar que ela o tocava. Fitou a mão da mulher, depois
fitou seu rosto e então olhou para seu cunhado, que sorria, desgraçado, sem
motivos. Henrique não percebeu Sofia às suas costas, mas Sebastian sim.
— E então? Posso levá-los até lá? — ergueu os olhinhos famintos para
o ruivo enorme e Sebastian abriu um sorriso para a mulher, dessa vez um
sorriso malicioso.
— Claro, querida. Pode nos levar onde quiser.
A mulher sorriu ainda mais, desviando os olhos de um para o outro,
tentando decidir-se a quem dedicaria mais sua atenção.
— Você é o pai do bebê? — perguntou para Sebastian, medindo-o de
alto a baixo, sem tentar ser discreta.
— Não — respondeu rindo, e se afastando um passo quando Sofia se
aproximou ainda mais, as bochechas vermelhas e os olhinhos azuis brilhando
de raiva. — Sou o tio.
— Então... — a mulher virou-se para Henrique. Subiu e desceu os
olhos pelo corpo dele, novamente sem discrição. Parecia ter se decidido e o
fato de que ele teria um filho e provavelmente fosse comprometido não
parecia impedi-la de cobiçá-lo.
— Eu sou o pai — disse, retirando delicadamente a mão da moça do
seu braço.
— E eu sou a mãe — Sofia disse sorrindo de orelha a orelha, a despeito
dos olhos estreitos e as bochechas vermelhas.
Henrique virou-se para ela, surpreso. Não havia culpa em seus olhos ou
um pedido mudo de desculpas porque ele não havia feito nada. Sofia não lhe
dedicou um segundo olhar e focou sua atenção na atendente cara-de-pau que
a fitava de olhos arregalados.
— Ele não entende nada sobre coisas de bebês, mas você pode me levar
até essa tal sessão — ainda sorria e sorriu ainda mais quando a mulher ficou
pálida a sua frente.
— Sofia... — Henrique tentou, ignorando as gargalhadas nada discretas
de Sebastian às suas costas.
— Vamos? — Sofia o ignorou e fez sinal para que a mulher seguisse na
frente. Ela demorou um pouco para recobrar o controle, mas fez o que a ruiva
pediu e seguiu a passos rápidos e de cabeça baixa.
Ao chegarem, a moça se pôs a enumerar as diversas opções e
diversificados acessórios, ansiosa para ser útil. Sofia ouviu calada, analisando
as pequenas e fofas coroas que a mulher havia mencionado.
— A senhora deseja uma cesta? — tentava ser solicita, mas Sofia não
lhe deu atenção.
Seguiu pela sessão, admirada e já imaginando a sua pequena com um
daqueles lacinhos fofos nos cabelinhos. Como ela seria? Com quem
pareceria? Com ela ou com o pai? Talvez uma mistura dos dois. Suspirou
baixinho imaginando uma linda menininha de olhos escuros como os dele e
seus traços marcantes em miniatura.
— A senhora deseja alguma coisa? Posso ajudá-la...
— Já ajuda o bastante não dando em cima do meu namorado.
A mulher abriu e fechou a boca, em silêncio.
— É feio cobiçar homens alheios. Ele pode não ter uma aliança no
dedo, mas você deveria ser mais esperta que isso.
— Mas...
— Não preciso nem quero a sua ajuda. Chame uma das outras
funcionárias da loja, de preferência uma que não seja tão descarada como
você.
A mulher não saiu de imediato, demorou alguns segundos fitando-a
primeiro surpresa, depois assustada e por último com ódio. Sofia não se
importou, continuou observando algumas peças que chamaram sua atenção.
Ouviu quando a mulher saiu, pisando duro no chão, como uma criança
faria e sorriu. Henrique estava ao seu lado logo depois, observando-a com
cuidado.
Aos seis meses, Sofia pouco enjoava e eram raros os desejos, mas suas
mudanças de humor ainda eram constantes, embora ela tentasse controlar.
Nunca sabia dizer o que ela faria a seguir, se cairia no choro ou faria com que
ele chorasse. Ela poderia ser malvada quando queria, ele sabia bem, e por
isso mesmo a amava cada dia mais.
— Você está bem? — perguntou, lhe entregando um copo de água.
Sofia não estava com sede, mas entendeu que provavelmente ele estava
preocupado, como sempre, com o seu bem-estar e aceitou o copo que ele lhe
oferecia.
— Estou ótima — disse, pegando uma das coroas. — Veja. Isso não é
lindo?
— Sim. Não está chateada?
— Não. O que acha desse lacinho? Grande demais? Talvez seja, mas é
tão lindo — murmurou encantada, segurando um lacinho enorme, cheio de
pedrinhas e detalhes em renda.
— Isso é enorme, provavelmente maior que a cabeça dela quando
nascer. — respondeu, virando-a para si. — Mas se você quiser comprar
mesmo assim, nós levamos.
— Eu quero.
— Então tudo bem — acariciou suas costas, abraçando-a devagar.
Desceu uma das mãos para a barriga dela, inconsciente. Fazia aquilo sempre,
parecia incapaz de se controlar e Sofia gostava do seu toque. — Tem certeza
que não está chateada?
— Tenho — colocou a mão sobre a dele, sorrindo. — Quer dizer,
fiquei chateada, mas com aquela atrevida, não com você. Já passou.
Gostava quando ele tocava sua barriga porque a bebê sempre chutava.
Talvez reconhecendo a voz dele ou porque sentia o quanto a mãe ficava feliz
e calma ao lado dele.
Seria uma menina tranquila, Sofia previa. Era muito calma, quase
nunca chutava. Exceto quando Henrique estava perto, então Sofia as vezes
chegava a sentir até certo incômodo quando o espaço dentro de si parecia
pequeno demais para as manobras que o bebê fazia. E sempre sorria, ainda
que sem ar, ou que não conseguisse dormir direito, mas sorria. Porque
finalmente, finalmente tudo parecia estar bem.
Seu bebê estava bem. A gravidez seguia em frente, sem grandes alardes
com o passar do tempo, mas nunca relaxou com sua própria saúde. Não
queria novas surpresas ou sustos e estes já há algum tempo não aconteciam.
Estava tudo bem. Estavam bem, mãe, bebê e o futuro papai, também.
Eram uma família, ainda pequena e talvez um pouco desorganizada, louca as
vezes, mas ainda assim uma linda e feliz família. E isso era tudo que
importava.
Por isso, poucos dias depois, se mudou para a casa dele. Precisavam ter
um espaço para sua pequena e também precisavam de um espaço que fosse só
deles. Queriam privacidade, queriam um lugar para aportar, chamar de seu e
esperar o nascimento do bebê, ansiosos, como todos os casais fazem.
Foi difícil dizer adeus ao seu quarto, sua casa, seus pais e irmão, mas
Sofia precisava seguir com a sua própria vida. Agora seria mãe, em poucos
meses a menina nasceria e ela precisava agir. Haviam quatro quartos na casa
que Henrique dividia com os amigos e um deles fora separado para o bebê.
Aos poucos eles montavam o quartinho. A princípio, eles decidiram ir
devagar, comprar só o essencial, porque não pretendiam passar muito tempo
ali. Queriam uma casa, estavam procurando por uma, mas a procura pela casa
perfeita poderia levar tempo demais e a menina não esperaria todo esse
tempo.
Faltavam poucos meses para o seu nascimento, não teriam tempo de
encontrar a casa dos sonhos, montá-la como queriam e se mudarem a tempo.
Por isso permaneceriam ali até pouco tempo depois do parto, quando
supunham que já teriam tudo pronto.
Não demorou a se acostumar com a casa dele ou chamar aquele lugar
de seu. Estavam felizes sendo os três, mesmo que dividissem a casa com
outras pessoas.
Diego não se importou com as mudanças na casa que até em tão era
para ele como o seu covil. Estava feliz pelo amigo e por Sofia, também.
Gostava dela, era uma boa garota, amava seu amigo e teriam um bebê.
Ele teria se mudado para outra casa, talvez um apartamento pequeno,
porque ele não aguentava mais ter que lidar com a limpeza e manutenção de
uma casa daquele tamanho sozinho. Porém Henrique o colocara a par dos
seus planos, o casal não permaneceria ali por muito tempo e ele preferiu ficar.
Também fora alertado que bebês recém-nascidos quase não dormem,
mas ele apenas sorriu para Sofia quando ela lhe disse isso. Tinha irmãos
menores e adorava crianças, não criaria caso por besteira e confessava estar
ansioso pela chegada da menina.
Sofia estava feliz. Acordava e dormia nos braços do seu homem,
sentindo-se amada, amando em iguais medidas e estava em paz.
Até Vinícius voltar para casa, após meses sem aparecer ou dar notícias.
Então ela precisou rever os seus conceitos porque, em poucos dias, tudo que
aquele lugar não representaria para ela seria um lar.
CAPÍTULO 19
Aos 21, quase 22 anos, jovem, muito jovem ainda, descobrindo o
mundo e suas surpresas, Sofia já havia passado por poucas e boas.
Primeiro, crescer ao lado do seu irmão não fora nada fácil. Claro que o
amava, ele era a sua melhor parte, sua metade, mais que irmãos de sangue,
eram irmãos de alma. Se é verdade que esse negócio de alma gêmea existe,
então Sebastian é a sua. Ninguém a conhece melhor que ele, ninguém a
compreende melhor, nem mesmo seus pais.
Mas, além de todo amor que sentiam um pelo outro, também havia as
partes ruins. Como descobrir, após anos, que o fato de não ter namorado
como sempre desejara, de não ter conhecido garotos como queria, de não ter
beijado quando quis e só quando teve coragem de tomar a iniciativa, de não
ser convidada para sair, de se divertir com garotos, tudo isso fora culpa das
intervenções dele.
Não tinha raiva dele, é claro. Sabia que ele fizera toda essa idiotice de
afastar seus potenciais pretendes por julgar que era o certo, seu papel de
irmão. Não o culpava, contudo, embora por um momento quase tenha pulado
no seu pescoço.
Não era culpa de Sena o fato de ela ser tímida, de ser insegura, de ter
esperado que o garoto perfeito um dia surgisse montado em um cavalo
branco, brandindo uma espada para os céus e pronto para amá-la. Pode ter
demorado um pouco, anos para ser precisa, mas toda espera valera a pena,
porque o seu cavaleiro, atrasadíssimo, um dia chegou.
Ela só não esperava que ele surgisse não montado em um cavalo como
supôs, e sim em uma Harley Davidson preta e enorme, com os cabelos
compridos ao vento, braços musculosos e tatuados a mostra, gostoso até dizer
chega. Cavaleiro melhor que aquele não tinha.
Então, não culpava o irmão por sua interferência idiota. Na verdade,
depois de muito pensar, talvez até o agradecesse. Nunca em voz alta, é claro,
porque o idiota não precisava de mais estímulos para se meter na sua vida,
mas o agradecia em pensamento. Talvez, se ele tão tivesse se metido na sua
vida como fez, afastando garotos, ditando ordens imbecis, talvez ela não
tivesse resolvido que seria melhor esperar. Esperar o garoto que a faria se
sentir única, perfeita como era mesmo com suas imperfeições, que a faria
sentir-se amada, como sempre quis.
Apaixonar-se por Henrique fora uma surpresa porque, embora
acreditasse em amor a primeira vista, como a leitora devota de Júlia Quinn e
Lisa Kleypas que era, em nenhum momento pensara que aquilo poderia
acontecer com ela.
Ele a cativou no primeiro olhar, metros de distância. Era um sexta-
feira, finzinho do mês de junho, poucos dias antes das férias. Lembra que
naquele dia acordou mais atrasada que de costume. Lembra que vestiu a
primeira roupa que encontrou, que depois daquele dia passou a ser uma das
favoritas de Henrique.
— Você não imagina o que aquele moletom fez comigo — ele disse
certa vez. — Parecia uma segunda pele, quase da mesma cor da sua, o que, de
longe, fazia parecer que você estava nua. Eu fiquei louco com aquele bando
de idiota que não tirava os olhos do seu corpo.
Ela nunca havia notado os olhares que recebia. Ou, talvez, sim, mas os
julgasse depreciativos. Lembra, rindo consigo mesmo, do tempo que julgou
ser invisível.
Talvez, ela reflete sozinha, talvez em algum momento ela tenha
escolhido ser invisível. Talvez tenha escolhido passar despercebida, tenha
preferido não notar os olhares que a seguiam. Ressentia-se em alguns
momentos, é claro que sim, porque por melhor que você esteja, por melhor
que se sinta, as pessoas, com seus olhares indiscretos, parecem ter o dom de
derrubar todas as suas barreiras e fazer com que você se sinta ínfimo.
Ninguém. Um zero a esquerda.
Envolver-se com Henrique foi fácil. Apaixonar-se também. Difícil de
entender, com seu histórico depreciativo, foi o fato de ser amada em igual
medida.
Agora, grávida aos 21, faltando poucos meses para sua filha nascer,
uma faculdade pela metade, uma doença gestacional parcialmente sob
controle e morando com o namorado, agora, só agora, parece que ela
começou a viver.
É preciso um grande acontecimento para que de repente as pessoas
passem a enxergar a vida como de fato ela é. Passem a ver o mundo como
mundo, sem lentes que deturpam a visão, sem viseiras que cegam. Sua visão
de mundo agora é outra. Seus sonhos são os mesmos, novos sonhos entraram
para a lista e compartilhá-los com alguém era o melhor de tudo.
Engravidar tão jovem nunca passara pela sua cabeça e ela descobria, a
cada dia, dia após dia, um pouco mais sobre si mesma e descobria-se como
mãe.
Não tem um ser humano no mundo, ao menos não um que ela conheça,
que veja uma grávida como uma pessoa normal. Pessoas transam, mulheres
engravidam, engordam, incham, se tornam mais sensíveis, sentem dores, a
barriga cresce até que não se possa ver os próprios pés e, mesmo donas do
seu próprio corpo e vida, parece que perdem boa parte da autonomia e
controle sobre o próprio corpo. Ao menos, é o que as pessoas veem.
Basta que a encontrem na rua ou em qualquer outro lugar que começam
as recomendações e o "grávida não pode isso e aquilo". Parece que a barriga
redondinha que ela ostenta como um estandarte com orgulho é o sinal verde
para que as pessoas interfiram na sua vida.
Grávidas precisam descansar. Grávidas não podem comer demais ou
depois que o bebê nascer vão continuar gordas. Grávidas precisam ser
vigiadas. Não podem usar salto alto. Não podem dormir demais. Não podem
fazer exercício, embora agora isso esteja na moda. Não podem ter controle
sob o próprio corpo. Grávidas necessitam de conselhos. Grávidas não são
mais donas de si. Grávidas precisam aprender a ouvir. Repete.
É como se de repente a mulher grávida fosse vista como algo pequeno,
como algo ínfimo, um quase nada que precisa ser moldado de acordo com as
crenças e achares dos outros.
Sofia se tornou craque na arte do "a vida é minha", "meu corpo, minhas
regras e, adivinhe, a filha também é minha", "não se meta". Para uma Sofia
que até poucos meses atrás se escondia ao menor sinal de confusões e
procurava evitar conflitos, aquele era um avanço e tanto.
Os parentes eram os piores de todos. Primos, primas, tios e tias
espalhados pelo país que, ao saberem que a garota prodígio, a mais
comportada e estudiosa de todas, estava grávida, brotavam aos bandos na
porta da casa da sua mãe e montavam fila para discursar sobre A Vida de
uma Mulher Grávida, volumes infinitos.
Enquanto isso, enquanto as mulheres precisam lutar pelos direitos sobre
o próprio corpo, os homens continuam iguais.
Ela estava gorda, inchada, andava devagar porque não via os próprios
pés, não sentia dores, o que era um alívio, mas gerar uma vida dentro de si
cansa. O bebê se alimenta do que a mãe se alimenta, sente o que a mãe sente,
se alimenta da sua energia e cresce a cada dia. Isso é exaustivo.
Trabalhar por dois, dormir e comer por dois. E chorar por dez, porque
mesmo aos quase sete meses, suas mudanças de humor ainda eram
constantes.
Contudo, Henrique continuava o mesmo. Gostoso até dizer chega,
músculos impressionantes espalhados pelo corpo, quase dois metros de pura
tentação, os cabelos passando da altura dos ombros, as tatuagens que ela não
cansa de tentar tirar na língua, piercing no nariz, agora também nos mamilos
e uma voz grossa que a têm revirando os olhinhos em dois segundos.
E tem gente que diga que mulher grávida não sente tesão. Que mulher
quando grávida não transa, não tem libido. Ou, quando têm, é só por um
tempo. Uma fase em que o desejo é demais para resistir e uma fome
insaciável se abate sobre seu corpo. Mas, ainda assim uma fase.
Ela não saberia contestar essa crença porque, levando em conta o
homem que tem, não sabe se sua libido um dia foi normal. O desejou desde a
primeira vez que o viu e esse desejo só aumentou com o tempo, após
entregar-se para ele pela primeira vez.
Não poderia realizar seus desejos como gostaria, o que era uma pena.
Dormir e acordar nos braços daquele homem eram a melhor coisa do mundo.
Queria atacá-lo sempre que o observava dormir como um anjo, uma
expressão tranquila no rosto, de paz e outra coisa. Mas isso não era tudo, ela
queria atacá-lo em todos os outros momentos do dia também. Henrique
sentava no balcão da cozinha para comer e de repente ela estava salivando.
Ele descia até a garagem para consertar uma coisa qualquer na moto e quando
via ela estava com água na boca, observando os contornos que os riscos
negros faziam na sua pele.
Tudo bem que transa não se resume a penetração, mas ela sentia falta
de senti-lo dentro de si. Eram mestres na arte do "quem tem boca e dedos tem
tudo", mas só isso não era o suficiente. Mas teria que ser, porque enquanto
estivesse grávida, enquanto não estivesse apta ou liberada pela médica,
continuaria resistindo. Não colocaria a vida da filha em risco outra vez. Não
por tesão, nem por qualquer outra coisa.
Até lá, ela reflete enquanto o observa dormir mais uma vez. É uma
mania sua acordar mais cedo que ele e fitar seu rosto adormecido pelo pouco
tempo que ele leva até acordar, sempre sorrindo, porque já se acostumou a ter
os olhinhos dela sobre si.
Até lá, até tudo se resolver, ela pode aguentar. Embora seja uma das
coisas mais difíceis que já fez na vida.
Mas vai valer a pena.

•••
Em uma semana as coisas podem mudar da água para o vinho.
Faziam sete dias que saíra de casa e, embora aquela fosse uma grande
novidade e novidades sempre causam estranhamento no começo, ela sentia-se
em casa.
Não havia constrangimento porque se amavam, estavam juntos, teriam
uma filha e aquilo só parecia certo. Era o certo a se fazer. Seriam pais, uma
família, precisavam ter o seu próprio espaço, ter privacidade, um local para
aportar e sentir-se em paz.
E, o mais importante para Sofia: um lugar onde pudesse gemer em paz.
Logo virou rotina dormir e acordarem juntos, tomarem café da manhã
na cama, a bandeja que ele montava assim que acordava sobre as pernas, o
cheirinho de café pela casa, o dia que amanhecia, o silêncio da casa e os dois
namorandinho sobre a cama até que o sono a pegasse e ela dormisse,
satisfeita. Henrique dormia ao seu lado porque não resistia ao desejo de senti-
la mais um pouquinho, quentinha e confortável contra seu corpo.
Acordavam quase na hora do almoço e, após uma sessão de amasso na
cama e no banheiro, cozinhavam juntos. Sofia aprendera com a mãe desde
cedo a cozinhar e Henrique, um homem, pasmem, conseguia a façanha de
cozinhar melhor que ela.
Eles sempre se divertiam nesses momentos e, com a faculdade trancada
até que o bebê nascesse, Sofia estava feliz. Recebia a visita da mãe quase
todos os dias, chorosa por não ter a filhotinha sobre as asas e com saudades.
A visitava todos os dias, depois do almoço porque ela mesma afirmava não
ter semancol e não se importava de interromper o casal.
— Guardem as saliências para a noite. Preciso ver a minha filha e neta,
então por favor — e fazia um sinal com a mão que Sofia entendia como "me
poupe".
— Ela ainda nem nasceu, mãe.
— Não interessa. Ela pode ouvir a voz da vovó e já se acostumar
comigo porque, minha filha, se você não cuidar bem da minha neta, tomo ela
de você — dizia em parte verdade e parte brincadeira. E de fato acomodava
Sofia no grande sofá da sala, deitada e, ajoelhada perto da sua barriga,
conversava com a neta por minutos à fio e sobre nada de importante.
Sofia já estava acostumada e sorria, descansando as costas um pouco,
relaxando enquanto ouvia a mãe contar para sua barriga o quanto o vovô
estava chato naquele dia. Henrique fazia o mesmo, sempre ao acordar e antes
de dormir. Não falava tanto quanto sua mãe, mas dizia o mais importante:
— Papai ama você tanto quanto ama a mamãe. Continue crescendo e se
exercitando ai dentro, só não chute muito forte porque isso pode machucar a
mamãe — e alisava a pele esticada de sua barriga, sentindo a bebê chutar, os
olhos fixos na altura do seu umbigo. — Isso, assim. Devagar. Papai também
ama você.
Ela costumava conversar com sua barriga também. No banho, antes de
dormir, ao acordar, quando estava sozinha. Logo virou uma mania e ela mal
percebia que se expressava em voz alta até que alguém a interrompesse.
Estava na cozinha tentando preparar algo decente para o almoço
enquanto Henrique havia ido ao mercado. Relembrava o dia que o conheceu e
ria sozinha.
— Então, depois que a mamãe viu que aquele moço bonito também
estava olhando para ela, ela fingiu que não tinha percebido e tentou focar em
outra coisa — contava e ria sozinha, coitada. Pegou a tábua de madeira sobre
a pia e começou a picar os temperos que usaria. — O papai chegou perto da
mamãe bem devagarinho, sem que ela percebesse e sentou ao lado dela. Você
vai saber disso um dia, mas meninas precisam se impor para os meninos,
porque alguns deles, não o seu pai, graças a Deus, alguns deles pensam que
são os reis do mundo.
Derrubou a faca no chão, desastrada e não conseguiu se abaixar para
pegá-la porque sua barriga não permitia. Afastou-a para um cantinho com o
calcanhar do pé descalço e procurou outra no suporte da pia.
— Mas, voltando a história: a mamãe gostou do papai logo de cara,
assim que o viu. O papai diz que sentiu o mesmo e vamos fingir que
acreditamos nele. Ele chamou a mamãe para sair e poucos dias depois, acho
que fizemos você.
Sorriu, sozinha, relembrando o mar de flores azuis que havia se tornado
o quarto dele naquela noite, a luz das velas perfumadas, o carinho e o desejo
nos olhos dele.
— Então a mamãe se apaixonou pelo papai. Ele também e, aqui
estamos hoje — suspirou, parando de trabalhar com a faca para suspirar de
novo. Acordara um pouco mais sentimental naquele dia e podia sentir a
vontade de chorar se aproximando. — Estamos felizes por ter você agora,
estamos feliz que todo esse amor tenha resultado em algo tão lindo, mesmo
que tudo tenha começado com uma imbecil...
— Aposta — concluiu uma voz masculina que não era a de Henrique.
Sofia se sobressaltou, largando a faca no ar. Ela caiu a poucos
centímetros de distância dos seus pés. Virou-se de olhos arregalados na
direção de onde a voz vinha.
— E, para quem sabe que foi enganada por todo aquele tempo, você
parece muito feliz — disse Vinícius, avaliando-a dos pés a cabeça. — Pena
ter que atrapalhar toda essa felicidade — sorriu. E aquele sorriso, maldoso,
malicioso e obscuro parecia predizer os dias que viriam.
CAPÍTULO 20
— Você não vai desmaiar, vai? — ele perguntou, fingindo um tom
preocupado.
Sofia não sabia o que Vinícius fazia ali. Quer dizer, aquela casa
também era dele, mas há meses que ele não aparecia e, quando sim, eram
aparições rápidas para pegar mochilas com roupas e outras coisas.
Não gostava dele. Nunca gostou. Havia algo nele que ela notou desde
que o viu pela primeira vez que não parecia bem. Ele era sombrio, fazia
piadas e sorria com frequência, mas não eram sorrisos felizes e havia algo
nele como um todo que a deixava inquieta.
Embora ela sempre tentasse ser simpática, afinal ele era amigo de
Henrique, Vinícius nunca tentou o mesmo. Nunca fez questão de disfarçar o
desagrado na sua expressão sempre que se viam.
Antes de descobrir sobre aquela aposta imbecil, ele sempre sorria
quando a via, sempre um sorriso desdenhoso de quem sabia algo que ela não.
De fato, era esse o caso. Henrique havia contado toda a história da aposta,
quem sugeriu o que, os termos, as piadinhas e brincadeiras, e, segundo ele, a
ideia toda partira de Vinícius. E Arianna, mas isso não vinha ao caso.
Após todo o alvoroço da descoberta seguido do acidente, a gravidez e a
reconciliação do casal, ele passou a não mais disfarçar que não gostava dela.
Nunca na frente de Henrique, eram sempre encontros rápidos, nos corredores
da universidade ou ali naquela casa. Nunca fora preciso palavras para que ela
entendesse que, se dependesse dele, ela e Henrique nunca teriam ficado
juntos.
Vinícius sorria no batente da porta e desceu os olhos vagarosamente
pelo corpo dela. Sofia vestia uma das camisas enormes de Henrique que,
mesmo com a barriga pronunciada, a cobria até metade das coxas.
— Parece que por aqui tudo vai bem — soprou sorrindo, ainda com os
olhos que subiam e desciam por seu corpo. Sofia remexeu-se, inquieta,
sentindo-se nua. Resistiu ao impulso de puxar a camisa mais para baixo, não
daria essa satisfação a ele.
Como não respondeu nem fez qualquer movimento, ele continuou:
— Você fica bem com essa camisa — caminhou devagar até o balcão
onde ela estava e sentou-se em um dos banquinhos altos, de frente para ela.
— Henrique está em casa?
Ela balançou a cabeça, dizendo que não. Respirou fundo uma vez e
tentou relaxar. Ele não gostava dela, ela não gostava dele, não havia
problema nisso. Ele não faria nada que a machucasse, repetiu mentalmente,
mesmo que algum alerta interior a implorasse para que saísse dali o mais
rápido possível.
Já sentira aquilo uma vez, quando descobriu toda a armação de Vanessa
e Brian, a ex-namorada grávida e o e-melhor amigo de Sebastian. Aquilo
parecia ter acontecido séculos atrás, mas aquela sensação, aquele tremor pelo
corpo, aquele pressentimento ruim, ela já sentira antes. E não acabara bem.
Vanessa morrera ao cair da escada na casa da sua mãe. Ela estava
grávida de poucos meses. Todos acreditavam que o filho era de Sebastian,
exceto Sofia. E fora ela que descobrira a armação. Fora presa a uma cadeira,
grávida sem saber e ameaçada por Vanessa e Brian, o verdadeiro pai do bebê.
Vanessa morreu, Brian cumpria uma pena leve por conspiração, cárcere
privado e agressão. Fora difícil, após aquele dia, voltar a sua rotina, mas ela
conseguira. Chorara todas as noites antes de dormir por semanas, sempre
abraçada com o irmão que também precisava de conforto naquele momento
ou nos braços de Henrique.
Desde que ela e Henrique reataram o relacionamento Vinícius passou a
ficar menos tempo em casa. Quase não aparecia, por isso Henrique nem
sequer cogitou a ideia de perguntar ao amigo, como fizera com Diego, se
estava tudo bem Sofia morar com ele por um tempo.
Ela não sabia se ele tinha conhecimento daquilo e preferiu ficar calada
e aguardar até Henrique voltar. Suas pernas tremiam por trás do balcão e ela
não arriscaria subir a escada até o seu quarto enquanto elas não estivessem
estáveis.
— O que você está fazendo aqui a essa hora?
— Henrique foi ao mercado. Já deve estar voltando — sua voz saiu
firme, a despeito dos tremores que sentia.
— O que você faz aqui a essa hora? — ele repetiu, parecendo aos
poucos perder a paciência.
— O almoço — não queria responder a verdade, sentia que seria
melhor que ele conversasse com Henrique, que ele o contasse sobre o novo
arranjo, sobre as mudanças naquela casa.
Ela não queria contato com ele e rezou baixinho para que daquela vez
ele sumisse e demorasse ainda mais para voltar. Ou fosse embora de uma vez.
— Veio buscar mais roupas? — perguntou tentando manter uma
conversa tranquila, ganhando tempo.
— Sim. Por que o interesse? — ele se inclinou pra trás na cadeira,
avaliando-a com atenção.
— Por nada.
Respirou fundo uma vez. E outra. E uma terceira vez. Quando sentiu-se
mais calma, conseguiu pensar com clareza.
Não era uma mocinha indefesa. E Vinícius não seria louco de tentar
qualquer coisa contra ela. Por que todo esse temor, então? Que besteira,
recriminou-se. Talvez fossem os hormônios.
Ela desviou os olhos para o fogão quando lembrou-se do molho que
estava reduzindo. Pegou uma colher de madeira no suporte sobre a pia e
mexeu lentamente o líquido que fervia tentando calcular a quanto tempo
Henrique saíra e quanto tempo levaria para voltar.
Ele não costumava demorar, não gostava de deixá-la sozinha em casa,
mas ela havia dito que ele relaxasse, não precisava se apressar, ela ficaria
bem. E teria ficado, não fosse aquela visita infeliz.
Buscou sobre o balcão os ingredientes que havia separado para o molho
e prosseguiu seguindo sua receita, sem desviar os olhos do que fazia, mas
atenta a qualquer movimento às suas costas.
Havia decidido preparar uma lasanha, mas não qualquer uma. Todo
mundo sabe fazer lasanha, é simples, fácil até, mas naquele dia era queria
algo diferente. Por isso pesquisou na internet por lasanhas diferentes e
encontrou uma perfeita. Ela não tinha certeza se conseguiria atingir seu
objetivo, deixar a massa parecida com a ornamentada e muito bonita da foto,
mas valia a pena tentar.
Seguiu com os preparos, retirando a massa que ela mesma preparou
com um pouco de dificuldade do escorredor e buscou nos armários um
refratário para que pudesse começar a montagem.
A cozinha da casa de Henrique era enorme, mas prática. Maior que a da
sua antiga casa, mais moderna inclusive, mas quase nunca usada. Henrique
não gostava de cozinhar só para si mesmo, Diego, segundo o próprio Diego,
não sabia nem ao menos como ligar o fogão, e apenas naqueles dias que ela
realmente foi usada.
Encontrou o que procurava, mas o recipiente de vidro estava no
armário sobre a pia, na prateleira mais alta. Esticou-se toda, sentindo a coluna
que não é mais a mesma há meses reclamar, ficou nas pontas dos pés e
mesmo assim não conseguiu alcançar nem mesmo a prateleira mais baixa.
— Precisa de ajuda? — ela ouviu a cadeira que ele estava sentado ser
arrastada pelo piso.
— Não.
Ele se aproximou mesmo assim e Sofia retrocedeu alguns passos,
afastando-se. Disfarçou o tremor das suas mãos voltando a mexer no molho,
ignorando o fato de que ele já estava pronto e que não precisava mais ser
vigiado.
— Aqui — ele alcançou o refratário sem dificuldade, erguendo o braço
só um pouquinho e o depositou sobre o balcão.
— Obrigada — esperou que ele voltasse para a cadeira, mas Vinícius
sorriu e se encostou no fogão, próximo demais de onde ela estava.
Ela virou-se para a bancada, querendo dar mais um passo para o lado e
se afastar dele, mas não o daria essa satisfação.
Vinícius sorria, observando enquanto ela pegava uma terceira faca do
suporte e, apertando-a com força, voltou-se novamente para o balcão.
— Então. Dessa vez é pra valer?
Ela respirou fundo, prestando atenção no que fazia para não se cortar.
— O que é pra valer?
— Você e Henrique. E esse moleque — apontou para sua barriga com
o queixo. Sofia resistiu a vontade de corrigi-lo e de estapeá-lo por chamar o
seu bebê daquela maneira. Apenas acenou com a cabeça, fechando a mão
com força ao redor do punho da faca. — Você é mais ingênua do que eu
pensava.
Não esperava que ele dissesse aquilo e por pouco não cortou o dedo
com a faca amolada.
— O que?
— Vamos lá, Sofia. Todo mundo na universidade sabe da história da
aposta. Sei que você é ingênua, mas não imaginei que também fosse burra —
riu baixinho.
Ignorando o temor que ainda sentia, Sofia focou na raiva e virou-se
para ele, ignorando o que fazia.
— Você não me conhece — murmurou com a voz baixa, trêmula de
raiva e outra coisa.
— Nem preciso, está praticamente escrito na sua cara. Caiu naquela
história do garoto novo interessado, depois apaixonado, e mesmo após que
descobriu tudo, veja só onde você está; na cozinha da casa do homem que a
enganou por meses, que riu pelas suas costas, e o pior de tudo é que você
ainda parece feliz com isso.
— Você não sabe o que está dizendo. Henrique não...
— Ah, pelo contrário. Eu sei muito bem o que estou dizendo porque eu
estava lá. Eu vi você caindo na lábia dele, vi você fazendo papel de otária na
frente de todo mundo, mas, aparentemente, você está muito desesperada ou é
muita cega pra perceber que tudo ainda não passa de um jogo.
— Quem é você para falar no meu nome ou no nome de Henrique?
Você não me conhece e, aparentemente, nem ao seu amigo. Henrique não é
esse homem que você diz, ele poderia até ter aceitado essa merda de aposta, o
que eu não acredito que tenha acontecido, e mesmo assim, mesmo que eu
acredite nele ou não, isso não é da sua conta.
Vinícius jogou a cabeça para trás e riu, debochado.
— Você tem uma boca esperta. Tenho que dar o braço a torcer, parece
mesmo muito apaixonada e acredito que você o ama. Mas como pode ser tão
idiota? Acredita mesmo nele? Acredita mesmo que ele não a continua
enganando?
— Novamente, não que seja da sua conta, acredito, sim. Qual o seu
problema com isso? — ela sentia o corpo inteiro tremer, dos pés a cabeça.
Provavelmente estava vermelha, sentia o suor escorrer por sua nuca, a mão
que segurava a faca estava escorregadia, mas ela não desviou os olhos dele.
Sofia odiava confusões. Odiava discussões, mas não deixaria aquele
homem falar mal de Henrique ou dela mesma.
— Por que você não vê? — ele sussurrou, também vermelho, os olhos
focados nela como se tentasse compreendê-la. — É tudo um jogo, Sofia, você
precisar acordar para a vida. Isso aqui não é um conto de fadas e muito
menos terá um final feliz.
— Você não sabe o que está dizendo. Não tem nem mesmo o direito de
falar assim comigo e muito menos querer interferir no que eu faço ou não da
minha vida. Quem é você para querer se meter no meu relacionamento?
— Ele só queria comer você, pelo amor de Deus! — ele quase gritou,
aproximando-se um passo. Sofia recuou automaticamente.
— E mesmo se fosse esse o caso, e daí? Não é da sua maldita conta!
Vinícius se aproximou mais um passo e Sofia recuou novamente.
Sentiu uma fisgada no pé esquerdo, mas tão irritada estava que não percebeu
quando a primeira faca que havia derrubado cortou sua pele, cravando-se na
sua carne.
— Vou fazer você perceber a verdade. Como pode ser tão estúpida?
Está assim tão desesperada por rola? Pelo amor de Deus, você pode até ser
idiota, mas é gostosa. Não deve ser tão difícil encontrar alguém que a
satisfaça.
— Saia daqui — ela não gritou, embora quisesse muito. Sua garganta
parecia comprimida, seu pulso estava acelerado e só naquele momento ela
lembrou que não podia se alterar.
— Você é muito engraçada — ele ria, debochado. — Quer me expulsar
da minha própria casa? Quem você pensa que é? Que direito você tem?
— Eu moro aqui — cuspiu as palavras, firmando as pernas, erguendo o
queixo.
Vinícius cerrou os olhos.
— Henrique não tinha esse direito. Essa casa é tão minha quanto dele
— falou entredentes, mas pareceu pensar melhor e logo sorria outra vez.
Afastou-se do fogão e lançou um longo olhar por todo seu corpo novamente,
demorando-se um pouco em algum ponto abaixo. Seu sorriso aumentou. —
Na verdade, esqueça o que disse. Você pode ficar.
— Não preciso da sua permissão para nada — cuspiu, com raiva.
Ele riu.
— Os próximos dias serão interessantes — murmurou para si mesmo,
ainda rindo e começou a se dirigir para a saída da cozinha. Parou no umbral
da porta e virou-se novamente para ela. — Decidi que vou passar uns dias em
casa, caso esteja interessada. Ando sentindo falta dos meus amigos, entende?
— ela não respondeu, mas ele não esperava que ela dissesse nada. Seguiu
andando calmamente até a sala de jantar e falou por sobre o ombro — Preciso
adicionar "estabanada" na sua lista de adjetivos. Limpe a cozinha. Odeio
manchas de sangue no meu piso.
Sofia não desviou os olhos do caminho que ele fez até que ouviu o som
de um carro saindo. Apoiou as mãos na bancada, inteira trêmula e olhou para
os próprios pés. Não pode vê-los por causa da barriga, mas a mancha
vermelha e espessa no piso branco era visível e se espalhava cada vez mais
ao seu redor.
CAPÍTULO 21

A primeira coisa que Henrique sentiu quando abriu a porta de casa foi o
cheiro de algo queimando.
Parou com os braços cheios de sacolas e fechou a porta com o pé. Sofia
não estava na sala. Curioso, deixou as sacolas ao lado da porta e seguiu até a
sala de jantar.
— Sofia? — chamou alto quando a fumaça o atingiu.
Seguiu até a cozinha. Havia uma panela aparentemente esquecida sobre
o fogão e era de lá que vinha a fumaça. Desligou rapidamente e jogou a coisa
preta, queimada, que ele não soube identificar na pia.
Ligou a torneira e franziu o cenho para as coisas largadas sobre o
balcão da cozinha, os ingredientes que ela estava separando quando saiu.
Quase sorriu imaginando onde ela poderia ter se metido. Aparentemente,
havia esquecido a panela no fogão e ficaria muito irritada quando descobrisse
que teria que começar tudo de novo.
Então sentiu o cheiro antes mesmo de ver a poça vermelha no chão.
Sangue tem um cheiro específico. Um cheiro que fica no ar, pairando,
quase tão espesso como o líquido. E também quase tão espesso quanto o
medo que percorreu suas veias quando ele encarou aquela mancha.
Sentiu o medo paralisar seu corpo, mas apenas por um segundo, porque
logo encontrou uma trilha de sangue pelo chão.
— Sofia? — chamou novamente, quase gritando, sentindo o desespero
aos poucos crescer.
Não deveria tê-la deixado sozinha.
Seguiu a trilha vermelha até a escada, onde ela seguia, manchando os
degraus. Não deveria tê-la deixado sozinha, repetiu, correndo pela escada.
Não deveria ter demorado tanto. Deveria tê-la levada consigo.
Não deveria ter saído. Deveria ter arrastado ela consigo, ao seu lado,
debaixo do seu braço, onde ela deveria ficar sempre, segura, protegida. Onde
ele poderia ajudá-la, socorrê-la se ela precisasse.
E se. E se ela passou mal? E se ela precisou de ajuda e ele não estava
ali? Ela estava sangrando. O que poderia ter acontecido enquanto esteve fora?
E se... Então o medo triplicou quando ele pensou no bebê.
— Sofia! — daquela vez ele gritou, o medo escorrendo pelas sílabas do
nome dela.
Abriu a porta do quarto com um estrondo, com força, tremendo. Ela
não estava sobre a cama, não estava em nenhum lugar pelo quarto, mas havia
uma segunda poça aos pés da cama, sobre o tecido peludo do tapete que ele
comprara para ela quando ela reclamou que preferia andar descalça porque
seus pés ficavam apertados nas sandálias.
Pretendia espalhar tapetes como aquele pela casa, contando que ela
ficasse feliz, mas ver aquela segunda mancha sobre o tecido branco, tão
branco como o tecido do piso da cozinha, fez com que suas pernas
tremessem.
Ela não estava ali. Ele se preparava para correr de volta o caminho que
fizera e procurá-la pelo resto da casa, o desespero escapando pelos poros, o
suor escorrendo pelo rosto e por todo o corpo, quando viu uma outra mancha
vermelha próxima ao banheiro.
Seguiu até lá e abriu a porta, desesperado. Lá estava ela.
Não conseguiu suspirar aliviado porque ela chorava e havia ainda mais
sangue no piso do banheiro do que nos outros lugares que ele encontrou.
— Sofia — chamou, a voz trêmula. Ela ergueu os olhos para ele,
sentada sobre a tampa da privada. Sofia jogou um grande amontoado de papel
higiênico no chão e ele notou que havia um grande número deles espalhado
por ali, manchados de sangue e sobre o sangue que havia no piso.
Ajoelhou-se entre as pernas dela, tremendo da cabeça aos pés e
procurou a origem do ferimento. Não conseguiu respirar aliviado quando viu
que era um dos pés dela que estava ferido, porque era um corte grande, feio e
profundo.
— Não consigo p-parar isso — ela falou pela primeira vez, em um fio
de voz.
— Vai ficar tudo bem — ele disse, abraçando-a apertado. Soltou-a logo
depois. Segurou seu rosto e o ergueu, fitando seus olhos. — Precisamos ir
para o hospital.
Ela negou com a cabeça devagar, mas Henrique percebeu como aquele
movimento foi fraco. Ela havia sangrado por quase toda a casa e sua pele
estava fria.
Pegou-a nos braços, delicadamente e seguiu até a cama. Deitou-a no
edredom macio e em seguida rasgou um pedaço da ponta do tecido. Ergueu o
pé dela com cuidado e o cobriu rapidamente, fazendo pressão para estancar o
ferimento, dando um nó apertado no tecido.
Ela não reclamou outra vez e Henrique se desesperou ao perceber que
estava quase dormindo.
— Não durma — ergueu seu rosto, fazendo com que ela focasse os
olhos no seu rosto.
— Estou cansada — a voz dela estava fraca, como ela inteira parecia
estar e Henrique correu pelo quarto, procurando a bolsa dela.
Encontrou-a e, após pendurá-la no ombro, ergueu Sofia novamente nos
braços. Desceu a escada com cuidado, sentindo o corpo delicado dela se
aconchegar nos seus braços.
— Estou com frio — ela murmurou contra o tecido da sua camisa.
— Vai ficar tudo bem — murmurou apertando- a nos braços. Não
conseguia pensar, não conseguia focar em outra coisa que não fosse ela e o
bebê. O bem estar deles. — Vai ficar tudo bem — repetiu, porque precisava
acreditar naquilo.
Segurou-a com apenas um dos braços, buscando no bolso traseiro da
calça a chave do carro. Não encontrou. Procurou com os olhos, desesperado,
sobre o sofá, o chão ou no aparador ao lado da porta. Nada.
— Droga! — gritou, sentindo os olhos arderem e Sofia se remexeu nos
seus braços.
Desistiu de procurar a chave e seguiu até a porta. A carregaria a pé até
o hospital, correria com ela nos braços, mas não demoraria nem mais um
segundo para tirá-la dali.
Correu sobre os degraus da pequena varanda e sentiu algo escorrer por
seu braço. Olhou rapidamente e viu que era sangue. O corte do pé dela
escorria outra vez e o tecido que ele havia enfaixado estava vermelho escuro.
Pretendia correr até a rua quando ouviu um carro dobrar a esquina.
Pensou em esperar até que o motorista passasse para pedir socorro, mas o
carro avançou de repente e derrapou bem a sua frente antes que ele tivesse
tempo de abrir a boca. A porta do motorista abriu e fechou e em questão de
segundos Henrique sentiu Sofia sendo retirada dos seus braços.
— O que aconteceu? — Sebastian perguntou de olhos arregalados,
encarando o sangue que manchava as roupas da irmã desacordada e as roupas
do cunhado.
— Precisamos ir para o hospital — Henrique disse, abrindo a porta de
trás e Sebastian não hesitou em entrar com a irmã nos braços, com cuidado.
Henrique fechou a porta, correu e em questão de segundos dirigia como
um louco rumo ao hospital mais próximo.

...
— Vai ficar tudo bem.
— Vai ficar tudo bem.
Os dois tremiam. Sofia fora encaminhada até a emergência. Foram
barrados na porta por uma enfermeira gentil e levados até a sala de espera.
Em questões de minutos a minúscula sala estava lotada.
Henrique queria poder tranquilizá-los, queria poder dizer que fora
apenas um corte, um acidente doméstico, queria poder dizer que ficaria tudo
bem, mas não podia. Primeiro porque não sabia o que havia acontecido e
segundo porque a culpa era sua.
Ela estava bem quando sob suas vistas. Estava bem quando ele estava
ali por ela. Estava bem quando a deixara em casa, sozinha, para ir até o
maldito mercado mais próximo de casa. Foram vinte minutos apenas. Vinte
minutos e aquilo aconteceu.
Se tivesse demorado mais, se tivesse ido até o outro mercado, um
pouco mais distante, como pretendia fazer, só para comprar o queijo favorito
dela, quanto mais teria demorado? Quanto mais ela teria sangrado, sozinha,
sem forças sequer para pedir ajuda? Qual seria o cenário que encontraria
quando chegasse em casa dez minutos mais tarde?
Não queria pensar sobre isso, mas as possíveis situações, a gravidade
do que havia acontecido, sua negligência, não saiam de sua mente. Lá estava
ele, tremendo em silêncio, rodeado pelos amigos, a família e amigas dela. O
que faria se houvesse chegado tarde demais?
Algum dia se perdoaria? Parte do porque se sentia tão culpado é porque
nunca, embora o tempo passasse, embora ela o tenha perdoado, nunca vai
conseguir esquecer ou se perdoar pelo outro acidente, meses atrás.
Mais uma vez, lá estava ele, confinado em uma sala de espera, sem
saber de nada, sem notícias, a angústia o consumindo, o medo maior que
tudo. E mais uma vez lá estava ela, longe dos seus olhos, ferida e correndo
riscos que poderiam e deveriam ser evitados.
Queria saber o que havia acontecido, mas, mais que tudo, queria saber
se ela estava bem.
— Vai ficar tudo bem — repetiu.
— Você já disse isso — rebateu Sebastian, as roupas tão manchadas e
vermelhas como as de Henrique.
— Você também.
— Mas não fico repetindo como você.
— Vá se foder — não tinha paciência para discutir com seu cunhado
naquele momento. Aliás, com Sebastian nunca tinha paciência. Os dois eram
parecidos demais, semelhantes demais e isso era cansativo. Ver a si mesmo
em outra pessoa e notar o quanto aquilo era enervante.
— O que aconteceu, afinal? Você não me disse — perguntou o ruivo.
— Eu não sei. Fui até o mercado e ela decidiu ficar em casa,
preparando alguma receita maluca que encontrou na internet. Voltei vinte
minutos depois e a encontrei sangrando no banheiro.
— Por que a deixou sozinha? — e lá estava. A culpa que tinha certeza
que era sua exposta por terceiros. Aquilo não ajudava em nada, mas merecia
toda e qualquer acusação.
Sofia precisava de cuidados, precisava ser vigiada, assistida de perto e
ele não fizera isso. Constatar que o que sentia também era visto pelos outros
só o fez se remoer em culpa.
— Ela não quis ir e insistiu para que eu fosse sozinho. Não deveria tê-la
deixado sozinha, deveria tê-la levado comigo ou deixado para ir outra hora.
Sei disso.
Sebastian o fitou em silêncio por alguns segundos e permaneceu
calado. Talvez porque fosse perceptível o quanto Henrique sentia-se culpado
ou talvez porque ele mesmo estivesse cansado de discutir.
Esperaram em silêncio por mais um tempo, minúsculos diante da
espera. Diego havia saído para comprar um café e voltou pouco tempo
depois, trazendo uma bandeja. Entregou um por um para todos na sala e
quando foi a vez de Thaís ele cochichou algo baixinho que só eles dois
ouviram.
Thaís abaixou a cabeça e não respondeu. Diego se afastou e se
aproximou de onde Henrique estava, sentando-se na cadeira vaga entre os
dois. Permaneceram em silêncio e, após visualizar a tela do celular, franziu o
cenho.
— O que foi? — Henrique perguntou.
Diego lançou um olhar desconfiado para Sebastian, que fingia não
prestar atenção nos dois, e mostrou a mensagem que havia recebido para
Henrique.
— O que é que tem? — Henrique perguntou sem entender. Na
mensagem, Vinícius comunicava aos amigos que retornaria para casa e dessa
vez seria para valer.
O amigo andara distante nos últimos meses, tanto que poucas vezes se
viram e agora voltaria para a casa que também era dele. Não havia nada de
mais.
— Acontece que fui em casa, quando você avisou sobre Sofia, porque
sabia que provavelmente encontraria a porta aberta e estava certo. Você tem
essa mania as vezes quando está sob pressão.
Henrique franziu o cenho, não encontrando qualquer sentido no que o
amigo falava. Deixou que continuasse porque aquilo o distraía da angústia da
espera.
— E daí?
— E daí que quando eu estava saindo, encontrei o vizinho, aquele cara
do cachorro estranho, lembra? — Henrique confirmou com a cabeça,
estranhando cada vez mais aquela conversa. — Ele queria saber o que havia
acontecido. Disse que estava na varanda de casa consertando qualquer coisa
que eu não lembro agora e viu quando você saiu carregando uma mulher
sangrando nos braços.
Henrique não recordava de muita coisa do momento em que saiu de
casa, tão focado estava em dar um jeito de conseguir ajuda para ela e depois
no alívio momentâneo quando seu cunhado surgiu quando mais precisava.
— Contei parcialmente o que aconteceu, só o básico porque era só o
que eu sabia no momento — Diego prosseguiu e Henrique estava pronto para
perguntar novamente qual o sentido de toda aquela conversa, mas a expressão
séria do amigo o impediu de abrir a boca.
— Por que você não fala logo de uma vez o que diabos isso tem de
importante? — foi Sebastian que encurtou toda a enrolação, ele também
procurando sentindo naquela conversa afiada e cansado de esperar.
— Eu realmente pensaria que isso poderia ser apenas coincidência,
mas, não sei — hesitou apenas por um instante e logo suspirou. — Quando
eu contei o que aconteceu, ele disse que provavelmente se o outro cara
tivesse demorado um pouco mais para sair, ele poderia tê-la ajudado.
Sebastian franziu o cenho, mas foi Henrique que perguntou, sentindo
uma suspeita crescente.
— Que outro cara?
— Poucos minutos antes de você chegar, ele disse que um outro cara
havia estado na casa e que saiu uns dez minutos depois.
— Que cara? E porque Sofia abriria a porta para um desconhecido? —
Sebastian perguntou.
— Porque não era um desconhecido e Sofia não precisou abrir a porta
porque ele tem a chave — esclareceu Henrique, as peças finalmente se
juntando na sua cabeça.
— E quem é esse cara?
— Segundo a descrição do vizinho sobre o cara e o carro dele, Vinícius
esteve em casa poucos minutos antes de Henrique chegar e encontrar Sofia
sangrando.
A expressão de Henrique era dura, tanto quanto a de Diego quando
começou aquela conversa e agora também como a de Sebastian, quando
compreendia a gravidade do que os falavam.
— E onde ele está agora? — engraçado que Sebastian parecia quase
calmo quando perguntou. O tom de voz estava baixo e embora a expressão
fosse furiosa, a voz não. Lorrany lá do outro lado viu o que ninguém além do
grupinho deles via e soube instantaneamente que havia algo de errado.
Antes que Henrique ou Diego tivessem tempo de responder, logo um
médico apareceu com uma expressão alarmada e a sala fora tomada pelo
silêncio.
CAPÍTULO 22

O médico de meia idade que Henrique não conhecia, mas que se


apresentou como Marcelo, parou alguns metros afastado, após confirmar que
o grupo reunido na pequena sala de esperava eram os familiares e amigos da
paciente Sofia Villar.
Henrique se perguntou o que diabos ele estava fazendo parado ali, sem
falar nada, sem dar notícias sobre a sua mulher. A sala mantinha-se em um
silêncio temeroso, apenas a espera do pior.
Aquele homem não ficaria apenas parado ali se as notícias fossem boas.
Se estivesse tudo bem, se Sofia e o bebê estivessem bem, ele não estaria com
aquela expressão séria no rosto.
Estava pronto para perguntar de uma vez o que estava acontecendo
quando a obstetra de Sofia chegou. A expressão dela era idêntica a do médico
desconhecido e Henrique perdeu a paciência.
— O que está acontecendo? — perguntou antes mesmo que a doutora
tivesse a chance de falar.
— Vejo que estão todos aqui — Wânia, a médica, sorriu minimamente
em reconhecimento para a mãe de Sofia e os demais. — Por que não nos
sentamos um pouco? — sugeriu e Henrique balançou a cabeça, sentindo o
medo crescer.
— Apenas conte de uma vez. Adiar isso é pior — podia sentir o temor
escapando pela voz, mas pouco podia fazer sobre isso. Precisava saber o que
estava acontecendo.
Todos permaneceram de pé, então ela continuou.
— Geralmente, conversas desse tipo devem ser feitas apenas na
presença dos familiares. Mas como todos aqui são importantes para Sofia,
vou deixar isso de lado — fitou cada pessoa naquela sala antes de continuar.
— Sofia precisou de pontos e recebeu algumas bolsas de sangue, devido a
grande perda. Ela já está no quarto e vocês poderão vê-la em alguns minutos.
Henrique não conseguiu respirar aliviado porque algo na expressão
daqueles dois, a médica e o homem ao seu lado, dizia que algo mais havia
acontecido.
— E o que mais? — não queria ser grosseiro, mas naquele momento o
medo falava por ele e não havia nada que pudesse fazer para controlá-lo.
Suspirando e olhando rapidamente para o médico ao seu lado, a
obstetra prosseguiu.
— Após todos os procedimentos para conter o sangramento, suturar o
corte e repor o sangue que ela perdeu, ministramos alguns medicamentos e
iniciamos os procedimentos de praxe para checar se tudo estava de fato
realmente bem com o bebê — nesse momento, pressentindo finalmente que
algo realmente grave havia acontecido, Virna desabou sobre uma das cadeiras
dispostas pela sala, sendo seguida pelos outros. Henrique permaneceu de pé,
os olhos fixos na mulher a sua frente. — Infelizmente, durante o exame de
ultrassom, detectamos algo preocupante no bebê.
— O que? — queria as respostas, precisava de todas as informações
possíveis e aquela mulher estava enrolando demais. — Por favor, por favor,
apenas fale de uma vez.
Wânia concordou com a cabeça e prosseguiu:
— Detectamos um defeito congênito chamado Espinha Bífida. É
uma malformação congênita relativamente comum caracterizada por um
fechamento incompleto do tubo neural — explicou ela e assentiu para o
médico ao seu lado.
— Algumas vértebras que recobrem a medula espinhal não são
totalmente formadas, permanecendo abertas e sem se fundirem — o tal
médico chamado Marcelo continuou. — Se a abertura é suficientemente
grande, isto permite que parte da medula espinhal se projete na abertura nos
ossos. Pode conter fluidos em torno da medula espinhal, mas não em todos os
casos. Outros problemas no tubo neural incluem anencefalia, uma condição
em que parte do tubo neural e do cérebro não se fecham e encefalocele,
quando ocorre a herniação do cérebro.
— Isso tem algo haver ou é em decorrência da primeira doença
gestacional de Sofia? — perguntou Sebastian.
— Não. Ambos são casos que não têm ligação. Basicamente, espinha
bífida é o defeito congênito que ocorre quando a medula espinhal de um bebê
em desenvolvimento não se desenvolve adequadamente — Wânia continuou.
— Há três tipos de mal formações englobadas na espinha bífida: espinha
bífida oculta, que é o nosso caso, meningocele, e mielomeningocele. O local
mais comum das malformações é nas áreas lombar e sacral.
Henrique ouvia tudo em silêncio, registrando mentalmente todas as
informações, guardando com cuidado tudo que era dito. Ali ele teve a certeza
de que haveria uma nova batalha a seguir.
Estavam quase bem meses após a primeira surpresa em relação a
gravidez, e agora mais uma. Daquela vez, ele sentia no fundo, apenas repouso
não seria suficiente. Descanso não curaria uma doença aparentemente tão
grave e rara como aquela. A médica ainda não havia terminado, ele tinha
certeza.
— E o que podemos fazer para resolver isso? — perguntou Otávio que
permanecera calado por todo aquele tempo, sentado ao lado da esposa, ele
também abalado e atento. — Remédios, repouso, alguma medida em
particular para casos assim?
— É aqui que o doutor Marcelo entra — respondeu a médica, cedendo
o direito de resposta para o parceiro de trabalho.
— Às vezes, os sintomas podem ser vistos na pele acima da
deformidade da coluna vertebral. Eles incluem um tufo anormal de cabelo,
uma marca de nascença ou tecido saliente da medula espinhal. Quando o
tratamento é necessário, é feito por meio de cirurgia para reparar o defeito.
Outros tratamentos se concentram no controle das complicações — explicou
Marcelo.
— Após o nascimento do bebê, o senhor quer dizer — disse Lorrany,
em pé ao lado de Thaís. Ambas tinham os rostos pálidos e apertavam as mãos
unidas, nervosas.
Ele concordou com a cabeça, antes de continuar:
— A espinha bífida pode ser fechada cirurgicamente após o
nascimento, mas não é suficiente para retomar as funções afetadas da medula
espinhal. Em alguns casos, uma cirurgia fetal também é realizada.
— Espera — Virna falou pela primeira vez, inclinando-se na cadeira,
fitando o médico com os olhos arregalados. — Por cirurgia fetal você quer
dizer antes de o bebê nascer?
— Sim, especificamente quando o bebê ainda está no útero da mãe.
— Mas como... — Henrique engoliu em seco antes de continuar. —
Como isso é possível?
— Inicialmente, a cirurgia fetal para tratamento do mielomeningocele
utilizava a via a céu aberto para operar o feto. Neste tipo de cirurgia é
necessário abrir o abdome da mãe, um corte pouco maior que o da cesárea, e
o útero é cortado para expor diretamente o bebê. Depois de operado, a parede
do útero é fechada, porém como o feto continua crescendo a cicatrização
pode não ser boa, o que leva a um risco do útero romper na região que foi
operada.
— Este tipo de cirurgia pode ser bastante agressivo para a gestante, e o
risco de romper o útero permanece também para todas as gestações futuras.
Se ocorre uma rotura do útero tanto a mãe, quanto o bebê ficam em risco de
vida — informou a obstetra. — Por este motivo, técnicas minimamente
invasivas foram desenvolvidas, inspiradas na cirurgia laparoscópica, onde o
paciente é operado apenas através de pequenos "furos" por onde são
introduzidos uma câmera e os instrumentos cirúrgicos.
Aquilo tudo parecia irreal. Todos aqueles termos médicos, os
procedimentos, a gravidade daquela doença, eram como um golpe certeiro,
um finalizador, os três segundos antes do fim.
— E isso é seguro? — perguntou após alguns segundos.
— Ainda não há cura para os danos causados ​pela espinha bífida, mas
existem tratamentos para diminuir o grau da lesão — Marcelo prosseguiu. —
O tratamento, através de cirurgia, pode ser realizado antes ou depois do
nascimento. No entanto, se a espinha bífida é diagnosticada durante a
gravidez, evidências recentes mostram que a cirurgia fetal traz benefícios
importantes para o desenvolvimento do bebê.
— Essa é a nossa única saída então — disse Virna, apertando as mãos
no colo. As lágrimas que ela havia segurado bravamente até ali escorriam por
seu rosto.
— O objetivo da cirurgia é fechar a abertura da coluna, protegendo a
medula exposta para evitar mais danos ao tecido nervoso e para evitar
infecções. Na cirurgia, a medula espinhal e as raízes nervosas são colocadas
de volta ao lugar de origem, ou seja, para dentro da coluna vertebral. Então,
sim. Essa é a nossa única saída — respondeu Wânia.
— Sofia... — começou Henrique, mas precisou pigarrear para expulsar
o nódulo que obstruía sua garganta. — Sofia. Ela já sabe?
— Sim. Nós tivemos essa mesma conversa, antes. Ela está ciente de
tudo — a médica respondeu assentindo.
— E ela está bem? — Virna perguntou. — Como ela reagiu ao saber...
disso tudo?
— Não podemos falar em nome dela — Marcelo olhou para Henrique e
continuou. — Ela disse que, antes de qualquer coisa, precisa conversar com o
pai do bebê. Presumo que seja você — disse e estendeu a mão.
— Sou eu — Henrique confirmou e retribuiu o cumprimento. Só
naquele momento ele percebeu que aquele médico não havia especificado
qual seria o seu papel naquilo tudo. — Você também é obstetra? —
perguntou, testando o óbvio.
— Eu era — respondeu ele, e apontou para as letras bordadas em azul
no jaleco imaculadamente branco. — Sou especialista em cirurgias fetais.
— Quando poderei ver a minha filha? — perguntou Otávio,
levantando-se da cadeira e sendo acompanhado pelos demais.
Agora que todo o caso clinico de Sofia havia sido explicado, todos
sentiam a necessidade de vê-la, de saber como ela estava com toda aquela
situação e para mostrar que estavam todos ali por e para ela. Não importa o
que aconteça, eles estariam ali.
— Agora mesmo, se desejarem — respondeu Wânia. — Sofia estava
consciente quando a deixamos, mas ela havia acabado de receber uma
medicação, é possível que não esteja acordada — avisou.
— Mesmo assim, podemos vê-la? — Henrique perguntou, sentindo a
necessidade mais forte que nunca de se assegurar que sua mulher estava bem,
mesmo levando em conta toda aquela situação.
— Por aqui — Wânia liderou o caminho, conduzindo-os, todos juntos,
até o quarto onde Sofia havia sido instalada após os exames. Ela abriu a porta
e permitiu que todos entrassem. — Vocês podem ficar pelo tempo que
precisarem. Quando ela acordar, nós retornaremos.
— Muito obrigada, doutora — Henrique agradeceu. Após acenar com a
cabeça, a médica fechou a porta, concedendo-os um pouco de privacidade.
Lá estava ela, deitadinha na cama, dormindo como a médica informou
que provavelmente estaria, parecendo alheia a tudo que acontecia ao seu
redor. Daquela vez, havia máquinas ao lado da cama, conectada no seu peito,
no pulso e outros fios que Henrique não se demorou muito observando.
Virna e Otávio, de mãos unidas, pararam ao lado esquerdo da cama e
lágrimas manchavam seus rostos. Virna acariciou o rosto da filha.
— Minha menina — ela dizia baixinho, controlando o choro, a mão
trêmula. — Meu bebê.
Sebastian, Lorrany e Thaís permaneceram ao pé da cama, os olhos
fixos em Sofia, as mãos também unidas. A mão de Sebastian buscou abrigo
na mão de Lorrany por instinto e a dela o recebeu, apertando-o, confortando-
o.
Henrique parou do outro lado da cama e não se moveu, os olhos
também fixos nela, mas o pensamento longe. Como passariam por aquilo?
Sofia estava quase no finalzinho da gravidez, as coisinhas do bebê, o
quartinho, tudo estava preparado para a sua chegada. Como Sofia lidaria com
toda aquela situação?
A médica não disse, mas era óbvio. A primeira doença de Sofia não
tinha ligação com a segunda, mas poderia agravar ainda mais a situação. Os
cuidados, ali e depois, antes e depois da cirurgia, precisariam ser dobrados e
seriam. Nenhum deles descansaria até tudo estar bem, até a normalidade
banal do dia-a-dia retornar para suas vidas, até mãe e bebê estarem fora de
risco.
Não falaram por muito tempo. O único som que se ouvia eram os
ruídos discretos das máquinas e sons de choro. Sofia dormia pacificamente,
parecendo uma miragem.
Os cabelos vermelhos em contraste com o travesseiro muito branco, a
pele pálida havia deixado de lado aquele tom ainda mais cinzento de quando
chegaram até ali.
A médica retornou depois do que pareceram horas e os informou que
apenas dois visitantes por vez, durante a noite seriam permitidos. Henrique
viu nos olhos de Virna a fraqueza que ele mesmo sentia. Enxergou nos olhos
dos pais de Sofia a dor da impotência diante da situação e não foi capaz de
impedi-los de ter aquele momento.
Virna e Otávio não pediram, reconheciam que ele tinha todo o direito
de ficar com Sofia durante a noite, como companheiro e pai do bebê e
Henrique, embora sentisse a necessidade de permanecer ao lado dela,
impondo suas dores sobre qualquer outra, mesmo assim permitiu que eles
ficassem.
Virna ainda chorou e o abraçou apertado, lamentando o ocorrido,
agradecendo baixinho e murmurando que ele, um dia, seria um bom marido.
Henrique esperava que sim.
Saiu do quarto com Sebastian e as amigas de Sofia nas costas e ao
chegarem na sala de espera, onde ficaria até poder checar suas meninas
novamente, lembrou-se de algo.
Lorrany e Thaís sentaram-se juntas, uma sustentando a outra e
Henrique tirou o celular do bolso da calça. Só naquele momento notou que
Diego havia sumido e ele se perguntou onde ele estaria.
“Onde você está?”
Enviou a mensagem e recebeu a resposta em questão de segundos.
“Recebi uma ligação revoltada do vizinho. Estou em casa.
Aparentemente, estamos dando uma festa, mas não fomos convidados.”
Então Vinícius estava dando uma festa. Henrique sentiu uma fúria
líquida e viscosa como seu sangue percorrer suas veias. Enquanto Sofia
permanecia segura e protegida sob a vista dos pais, ele poderia sair rapidinho
e resolver alguns problemas. Precisava de um banho e uma troca de roupa
também, mas isso não vinha ao caso no momento.
“Estou a caminho.”
Ergueu os olhos do celular e notou os olhos atentos e espertos do
cunhado sobre si. Sebastian fitou sua expressão por um segundo e apontou
para a porta de saída com a cabeça. Henrique concordou e ambos seguiram
até a grande porta dupla, mas se interromperam quando o ruído de passos os
seguiram.
Olhando para trás, Henrique notou Lorrany e Thaís às suas costas.
Ergueu as sobrancelhas, mas foi Sebastian que perguntou, confuso:
— Para onde vocês vão?
— Para onde vocês vão? — rebateu Lorrany.
— Resolver um assunto — Sebastian respondeu.
— Podemos resolver um assunto também. Somos ótimas nisso — disse
Thaís, a expressão séria.
— Não sabem do que se trata o nosso assunto — Henrique disse,
querendo sair logo dali.
— Ah, aí é que você se engana, cunhado — Lorrany rebateu, ela
também séria. — Podemos não saber com certeza, mas vamos descobrir em
breve. Podemos ir agora?
Sebastian parecia pronto para retrucar, mas Henrique o interrompeu.
— Vamos logo — ele queria sair dali, queria fazer alguma coisa, sentir-
se útil. Queria quebrar alguma coisa, queria chorar, mas deixaria o segundo
para depois, quando tivesse privacidade ou quando tivesse um momento a sós
com a sua mulher.
Precisava parar e pensar um pouco, tornar-se parte daquela nova
realidade, entender melhor o que acontecia e qual seria o seu papel para
ajudar a resolver aquilo tudo.
Mas aquilo seria depois. Agora, ele ficava com a primeira opção.
Quebrar alguns ossos talvez o fizessem se sentir melhor, afinal.
Ele esperava que sim, enquanto seguiam até o carro de Sebastian e logo
se dirigiam para a sua casa. De qualquer forma, descobriria em breve.
CAPÍTULO 23
A saudade apertou no momento em que deixaram o estacionamento do
hospital.
Aquela necessidade de começo de relacionamento, o querer estar
sempre perto, ainda estava ali e todos que conheciam disseram que aquilo era
passageiro. Que aquela fase era a melhor, mas que quando o relacionamento
caísse na rotina, aquilo passaria. As coisas se acalmariam, deixaria de sentir
aquela necessidade de sempre tê-la perto de si.
Esse não foi o seu caso. Talvez fosse um caso a parte ou talvez todos
estivessem errados. Mas aquela necessidade de estar sempre perto, de tê-la
sobre suas vistas, de protegê-la, tê-la para si, aquilo nunca passou. Pensando
bem, até se agravou um pouco.
Tendo em vista tudo que passaram e as coisas que aconteciam sempre
que ele não estava ao lado dela, ali para ela, sempre que precisasse, isso era
esperado. Primeiro o acidente de carro, depois a descoberta da primeira
doença de Sofia, agora aquilo. Ele jurou em pensamento, perdido na sua
própria mente nos minutos que levaram para chegar até sua casa, nunca mais,
nunca mais mesmo deixar o lado dela. Nunca mais.
O som repercutia alto, e eles foram capazes de ouvir ainda dá esquina.
Sebastian estacionou o carro do outro lado da rua, porque havia uma fileira
deles na frente da sua casa. Desceram do carro e Henrique seguiu na frente.
Ignorou as pessoas bebendo e se pegando na sua varanda e entrou pela
porta que já estava aberta. Havia praticamente um mar de pessoas
desconhecidas espalhadas do hall de entrada até onde sua vista poderia
alcançar.
Foi difícil tentar abrir caminho, mas depois de empurrar sem gentileza
um garoto bêbado que insistia em ficar na sua frete, alguns mais sóbrios se
afastaram. Observando algo em sua expressão que ele não se preocupou em
saber o que era, mais alguns se afastaram e ele foi capaz de seguir em frente.
Lorrany e Thaís estavam quase coladas nas suas costas e Sebastian
encerrava a fila, protegendo-as de qualquer impacto. Chegaram na sala de
estar e ali a coisa parecia ainda pior.
De onde saíram tantas pessoas? Não conhecia nenhuma delas e
Vinícius não parecia estar em lugar nenhum.
— Vamos nos separar — disse, voltando-se para os três. As pessoas
dançavam, riam e bebiam a sua volta e sua voz fora engolida pelo barulho,
mas por sorte os três compreenderam o que disse.
Henrique seguiu até a cozinha e Sebastian seguiu até a sala de jantar.
Lorrany e Thaís continuaram seguindo pela sala de estar, cada vez mais
fundo entre as pessoas que estavam ali e logo Henrique os perdeu de vista.
A cozinha estava uma zona. Havia bebidas e copos espalhados por
todos os lados. A geladeira estava aberta, o fogão ligado sem motivos e
vários casais se agarravam uns ao lado dos outros. Reconheceu um ou dois
caras da faculdade, mas não cumprimentou nenhum.
Seguiu afastando pessoas do seu caminho até a porta da cozinha que
dava para uma pequena área de limpeza. Três casais se agarravam ali e ele
ignorou os resmungos irritados quando acendeu a luz. Nenhum deles era
Vinícius e ele abriu a porta que havia a esquerda.
Seguiu até o quintal e resmungou um palavrão ao se ver fechado em
meio a mais pessoas. Levando em conta como todos pareciam mais que
embriagados, ele se perguntou a quanto tempo aquela festa havia começado
ou se aquelas pessoas ingeriram mais que bebidas.
Não se passara tanto tempo assim desde que Diego sumira até ele
chegar ali. Ou as bebidas eram muitas ou havia algo a mais que ele não se
preocupou em descobrir o que era.
Perguntou-se onde Diego estava e ao ser imprensado na parede lateral
da casa por duas garotas bêbadas demais, ele perdeu a paciência e voltou até
a porta que levava até a dispensa.
— A festa acabou — informou aos três casais que se agarravam
novamente, ignorando que não estavam mais protegidos pela escuridão. A luz
permanecera acesa e ele indicou a porta. — Saiam.
— Qual é, cara! — disse um dos bêbados, agarrando com as duas mãos
a bunda da garota que tinha nos braços. — A festa está só começando e nós
estamos...
— A festa acabou — Henrique repetiu, interrompendo-o. — Você
precisa de ajuda para sair da minha casa ou pode fazer isso sozinho?
O perigo em sua voz era perceptível, sem contar com sua expressão.
Juntando aquilo com sua altura e músculos, o garoto finalmente largou a
bunda da garota e cutucou os outros dois caras que apenas observavam
calados.
— Vamos dar o fora daqui — disse e saiu rapidinho, acompanhado dos
demais. Henrique fechou a porta e a trancou, restringindo as pessoas que
estavam lá fora. Lidaria com eles depois.
Ao voltar para a cozinha, notou que surpreendentemente as pessoas
pareciam sair por conta própria, seguindo em direção a saída e cochichando
umas com as outras.
Diego ajudava uma garota particularmente muito além a descer da
mesa e a guiou até a multidão desorganizada e bêbada que seguiam se
empurrando para fora.
Aparentemente, ele tivera mais êxito em liberar a casa de toda aquela
gente do que Henrique.
— Aí está você — disse o moreno, fechando finalmente a porta da
geladeira.
— Onde ele está?
Vinícius, embora seus convidados estivessem por toda parte, não estava
em lugar nenhum. Henrique o conhecia o bastante para saber que ele não
daria uma festa como aquela e sairia depois.
Ele estava por ali. Só precisaria procurá-lo mais um pouco. Por sorte, as
pessoas, embora revoltadas com o anúncio do fim da festa, finalmente saiam
da sua casa, liberando o caminho.
— Não sei — Diego respondeu. — O encontrei quando cheguei, mas
me distraí quando encontrei tantas pessoas.
Henrique olhou em volta. A cozinha parecia uma zona de guerra. Pratos
e copos quebrados espalhados pelo chão, os armários abertos e bagunçados,
restos de comida e embalagens de pizza espalhados pelo balcão e pela pia, e
garrafas de bebida e copos espalhados por cada centímetro de todo o resto do
cômodo.
Seguiu até a sala de jantar e não encontrou Sebastian. Havia ainda
pessoas por ali e ele deixou para Diego a tarefa de tira-los dali. O som ainda
estava ligado e ele chegou na sala de estar a tempo de ver Thaís discutindo
com uma garota, aparentemente bêbada, que se recusava a sair. Lorrany
brigava com o aparelho de som, tentando desliga-lo.
Diego se aproximou e seguiu até a parte de trás do aparelho no mesmo
instante em que ela afastou o pé e chutou, revoltada, uma das grandes caixas.
Diego puxou o fio da tomada, encerrando todo aquele barulho.
— Bom — ela disse, passando as mãos pelo cabelo, sem sequer parecer
sem graça por quase quebrar as coisas dos outros. — Isso resolveu o
problema.
Ignorou o fato de que Diego que havia conseguido desligar a coisa e
não seu chute e seguiu até onde Thaís ainda estava, discutindo com a garota
bêbada.
Henrique olhou para o teto. Com todo aquele mar de pessoas a sua
volta, ele não considerou que Vinícius pudesse estar lá em cima. Se dirigiu
até as escadas enquanto ouvia um grito revoltado a suas costas e a risada de
Diego.
— Ai! Solta o meu cabelo! Eu nem te conheço! — gritou uma voz
feminina que ele não conhecia.
— Você não quis sair por bem, então vai sair assim — Henrique ouviu
a voz da amiga de Sofia enquanto seguia até o primeiro andar. — E prazer,
meu nome é Lorrany.
Haviam quatro quartos na casa e ele pretendia seguir até o quarto de
Vinícius, mas a cena que encontrou ao dobrar o corredor o fez erguer as
sobrancelhas e parar onde estava.
Sebastian estava ali e socava, com fúria, um homem embaixo do seu
corpo. Os punhos subiam e desciam com rapidez e o barulho que enchia o
ambiente era duro.
Estava pronto para interferir, certo de que aquele embaixo do cunhado
era Vinícius. De onde estava, apenas um cabelo loiro era reconhecível e ele
presumiu que não restaria muito que ele mesmo pudesse fazer se deixasse
Sebastian continuar com aquilo.
A porta de um dos quartos foi aberta de repente e Henrique mal
registrou que aquele era o seu quarto. Arianna saiu para o corredor e
arregalou os olhos ao dar de cara com aquela cena.
Ela, diferentemente de todas as pessoas daquela festa, não estava
bêbada. Estava quase nua, vestia um short jeans curto com o botão e zíper
abertos e aparentemente esquecera a blusa dentro do quarto.
Cobrindo o sutiã vermelho com os braços ela passou por Henrique
apressadamente e desceu as escadas. Henrique não fazia ideia do que ela
fazia no seu quarto, mas não se importou em perguntar, porque logo uma voz
que ele conhecia muito bem se fez audível mesmo sob o som dos socos e
grunhidos de Sebastian.
— Não se pode dar uma festa em paz nessa casa? — a voz também
vinha do seu quarto e Henrique seguiu até lá. Observou no caminho que o
corpo embaixo do seu cunhado claramente não era Vinícius, e sim Brian.
Ignorou a surpresa ao saber que Brian não estava mais preso e
agradeceu em pensamento ao cunhado. Se ressentia por não ter dado um fim
naquele desgraçado, meses atrás, e confiava em Sebastian para isso.
— Cara, quem desligou a música? — Henrique parou na porta no exato
instante em que Vinícius subia a calça jeans pelas pernas, a cabeça baixa,
focado no que fazia. — Não posso deixar as crianças sozinhas e eles
interrompem minha festa. E a minha transa — fechou o botão da calça e
grunhiu. — Que caralho de barulho é esse?
Sebastian seguia no seu propósito de deformar o rosto de alguém que
um dia fora seu amigo e Henrique, cujo amigo finalmente levantou a cabeça e
o notou ali, faria o mesmo.
— Ah, é você — disse Vinícius, sorrindo. Henrique se aproximou e ele
continuou. — Cara, você que interrompeu minha festa? Você...
O impacto foi forte, repercutiu pelo seu braço e o som de ossos se
quebrando se espalhou pelo quarto.
Vinícius caiu sobre o chão com um grunhido e cobriu instantaneamente
o nariz. O sangue escorreu por suas mãos, cobrindo sua boca e queixo.
Arregalou os olhos.
— Qual é o seu problema? — gritou e Henrique mal parou para
perceber que ele também não estava bêbado, como sua parceira de transa.
Avançou antes que Vinícius tivesse tempo de levantar e o segundo soco
foi abafado pelas mãos que ainda cobriam o nariz sangrento. Ele tirou as
mãos do rosto, grunhindo mais uma vez e Henrique investiu de novo, dessa
vez atingindo um dos olhos.
Montou sobre o amigo da mesma forma que Sebastian fazia lá fora e
seus braços subiram e desceram em sincronia. Um e outro, um e outro. Olhos,
nariz, boca, supercílio, tudo sangrava e apenas após mais alguns socos,
Henrique se afastou e o ergueu do chão.
— O que você disse para ela? — perguntou baixo, os olhos vermelhos
de fúria e o corpo tremendo de adrenalina.
Vinícius sorriu, mesmo em meio a todo o sangue que escorria por seu
rosto. Cuspiu uma boa quantidade do líquido vermelho para o lado.
— Veio aqui defender a honra da princesinha? — debochou, rindo.
— O que você disse para ela? — repetiu, os dentes trincados e as mãos
tremendo de fúria, sedentas por mais.
— Ela não disse a você? Pensei que vocês contassem tudo um para o
outro — riu mais uma vez e Henrique o largou.
Levantou-se e o fitou de cima. Vinícius por um instante pareceu
amedrontado, mas logo recompôs a expressão. Henrique deu as costas e
respirou fundo, fechando os olhos. Ouviu quando o outro se levantou com
esforço, grunhindo, mas não se virou.
— Quanto tempo você acha que vai durar dessa vez? — perguntou ele,
cuspindo novamente. — Da outra vez foram três meses. Agora, quanto tempo
você acha que essa melação toda vai durar?
— Não diz respeito a você — Henrique disse ainda de costas.
Vinícius riu.
— Ah, Henrique. Vocês conseguem mesmo ser muito idiotas. Não vai
durar. Eu sei que não.
— Não é uma decisão sua — disse apenas e deu o primeiro passo para
o corredor.
Precisava voltar para a sua Sofia. Aquilo não valia a pena. Sujar-se
assim, ou ainda mais, isso não valia a pena.
Estava quase na porta quando Vinícius riu mais uma vez.
— Quando a puta acabar com você de novo, quando ela descobrir que
você não passa de um mentiroso — começou e o escárnio que pingava pela
sua voz era tamanho que Henrique parou para ouvir o que ele tinha a dizer.
—, será a minha vez de comer aquela boceta e talvez, da próxima vez, seja o
meu filho que ela carregue na barriga.
Henrique quase riu.
Sentiu o ímpeto e seus lábios se curvaram em um sorriso, os dentes de
fora, reluzindo quando se voltou para o amigo.
Não correu, não pegou impulso. Não precisava daquilo. Aproximou-se
novamente e daquela vez Vinícius teve tempo de reagir, embora
desajeitadamente.
O primeiro socou não o derrubou, mas o fez cambalear para trás. O
segundo o atingiu no estômago, fazendo com que se curvasse, bufando. Uma
joelhada, outro soco no estômago e de volta para o rosto.
Vinícius seguiu de costas até a parede e Henrique não parou. Um e
outro, um e outro. O som repercutia pelo quarto e agora era a sua vez.
Descontou naquele rosto que um dia viu como amigo todo o sofrimento que
sentia, toda dor que guardava e o sentimento de impotência diante da
situação.
Sofia fora ferida, mais uma vez. Um soco, dois. Dez.
Seu bebê corria perigo, mais uma vez. Três, seis. Vinte.
Vinícius desabou no chão e Henrique não parou. Montou sobre o corpo
quase inconscientemente e, àquela altura, irreconhecível. E não parou.
Sofia estava internada, mais uma vez. Sua filha teria que ser operada
ainda no útero da mãe para que talvez um dia possa andar. Dez, vinte, trinta.
Descontou com os punhos toda dor e raiva, e fúria e temor que sentia e
só parou quando sentiu uma mão sobre o ombro.
Ofegante, devolveu o olhar de Diego, as mãos ensanguentadas, as
roupas ainda mais manchadas que antes. Agora com o sangue de Sofia e
também de alguém que um dia chamara de irmão.
— Não vale a pena — disse Sebastian a alguns passos de distância. Ele
também tinha sangue nas mãos e pelas roupas.
Henrique levantou e fitou o corpo caído no chão mais uma vez.
Guardou na memória aquela imagem e quando notou que Vinícius não estava
inconsciente como supora, voltou a se abaixar.
Ergueu o tronco dele do chão e sussurrou em seu ouvido.
— Da próxima vez que você se aproximar da minha mulher, eu te mato
— e aquilo era uma promessa.
Largou-o de volta no chão e saiu do quarto. Brian também estavam
caído, o rosto deformado e tão irreconhecível como o do outro em seu quarto
e Henrique seguiu até as escadas.
Não se sentiu aliviado porque, embora tenha se vingado, embora tenha
aliviado a fúria que sentia, a realidade ainda era a mesma. Sofia ainda estava
internada, sua filha corria perigo, ambas não estavam bem e ele não sabia o
que fazer.
Parou e respirou fundo, sentindo que precisava de uma banho
urgentemente. E voltar para sua mulher, com a mesma urgência.
Os três desceram juntos, calados, dois deles ainda vibrando de
adrenalina e um franzindo o cenho para o barulho que aparentemente vinha
da sala de estar e repercutia pela casa.
Diego seguiu até a origem do som e os dois seguiram atrás, finalmente
notando o mesmo. Ao finalmente chegarem até lá, a cena que encontraram os
fez arregalar os olhos.
Atracadas sobre o tapete da sala estavam Arianna e Thaís. A primeira
claramente apanhava mais do que batia e já tinha a boca e supercílios
cortados.
A segunda sorria enquanto arrancava tufos alarmantes de fios de cabelo
platinado e era incentivada por uma terceira pessoa.
— Isso, Thaís! Arranca o mega dessa vaca pela raiz! Isso aí, amiga!
Agora soca a boca dessa desgraçada para ela aprender a não falar merda!
Isso!
Três pares de olhos arregalados fitaram uma Lorrany sentada
confortavelmente sobre o sofá, as pernas cruzadas elegantemente, parecendo
à vontade.
Ela devolveu os olhares com uma erguida de sobrancelha e uma
interrogação na expressão.
— O que? Só vocês podem? — perguntou, referindo-se a Henrique e
Sebastian. — Essa puta precisava de um lição, então minha amiga a está
ensinando boas maneiras.
— O que aconteceu? — Diego perguntou, já sorrindo, embora os olhos
estivessem focados na mulher que erguia no ar mais um bocado de cabelo,
jogando-o para trás e buscando outro.

— Apenas o de praxe — Lorrany respondeu indiferente. — Insultos,


xingamentos, prepotência, essas coisas.
— E por que você não está lá no meio? — Sebastian perguntou, ele
também sorrindo. Era impossível não sorrir perto daquela mulher.
Lorrany ergueu as mãos, mostrando as unhas enormes e pintadas de um
vermelho intenso.
— Essas aqui são de porcelana e gastei uma boa quantia para tê-las —
disse e fitou as unhas com carinho. — Não posso desperdiçar um trabalho tão
bem feito na cara de uma puta qualquer.
— E Thaís não se importa com as unhas como você? — Sebastian
deduziu.
— As dela são verdadeiras — a morena revirou os olhos, parecendo
ultrajada. — E, além disso, da última vez ela reclamou que eu quase não
deixei que ela batesse na vadia. Então eu a dei essa honra.
Daquela vez os três gargalharam e logo Lorrany voltou a se concentrar
na amiga que ria e na figura deitada no chão que apenas gritava, sem
conseguir se defender.
Henrique deixou o grupo para trás e seguiu até o banheiro próximo a
cozinha. Precisava voltar para o hospital.
Antes de fechar a porta, ouviu a voz de Lorrany mais uma vez.
— Isso, amiga! Arranca mais! Joga para mim! Vou fazer uma vassoura,
aí a gente pode brincar de "lá vamos nós" com uma vassoura de cabelo de
bruxa!
As risadas que entoaram pela casa também entoaram no banheiro.
Lorrany realmente era uma figura.
CAPÍTULO 24
Quando Henrique voltou para o hospital parecia quase normal outra
vez. Por fora, a expressão continuava séria como sempre, o porte e altura que
impressionam por onde passa.
Por dentro ele ruía aos pouquinhos, mas conseguira, no pouco tempo
que tivera sozinho, juntar as partes de si mesmo e manter-se inteiro para
chegar até ali.
Sofia não precisava de mais sofrimento ou preocupações do que as que
já tinha. Preocupá-la com as suas indagações ou incertezas não era o melhor a
se fazer no momento e ele batalhou para controlar suas próprias emoções.
Sebastian havia ido para casa, ele também que precisava de um bom
banho. Diego havia ficado para resolver a bagunça que deixaram para trás e
Lorrany e Thaís sumiram após quase deixarem careca uma Arianna muito
revoltada.
Pretendia parar na sala de espera, mas resolveu seguir até o quarto onde
ela estava. Bateu na porta antes de abrir e se surpreendeu.
Estava acordada. Assistia a um filme qualquer desses que passam
durante a madrugada enquanto os pais, amontoados num sofá perto,
dormiam.
Ela sorriu para ele, os olhos marejando no mesmo instante e Henrique
se aproximou. Ela estendeu a mão que não recebia a intravenosa e ele a
pegou, beijando-a primeiro e depois sua testa.
— Como você está? — perguntou baixinho para não acordar os pais
dela.
— Estou bem — ela respondeu e uma primeira lágrima escorreu por
seu rosto. Henrique a enxugou com o polegar e logo outras a seguiram. —
Estou com medo — confessou em um sussurro.
— Vai ficar tudo bem — ele a consolou. Sentou-se na beiradinha da
cama e se inclinou para abraça-la como pôde, tentando não encostar sem
querer nos fios que estavam nela.
— Você está com medo? — ela perguntou quando ele se afastou.
— É claro que sim. Mas vai ficar tudo bem, amor — garantiu.
— Não queria fazer uma cirurgia — confessou. — Não queria que...
que... — não conseguiu continuar e Henrique apertou sua mão, levando-a até
os lábios.
— Eu sei — disse. — Também não queria que eles tivessem que fazer
isso, não quando ela ainda nem sequer nasceu, mas é preciso.
— Eu sei — ela murmurou. Respirou fundo depois de um tempo e
tentou se acalmar. — A doutora conversou com você?
— Sim. Ela nos explicou tudo.
— Você acha que... — ela hesitou, mas depois de um segundo
continuou. — Você acha que essa cirurgia pode ser perigosa para ela?
Henrique pensou por um instante.
— Eu acho que não — respondeu. — Os médicos pareciam muito
confiantes sobre o que diziam e sobre o que é preciso fazer agora. Acho que
mais perigoso seria não fazer nada.
Ela concordou com a cabeça. Os dois permaneceram em silêncio por
um tempo, ambos perdidos em pensamentos.
— Vai dar tudo certo, não é? — ela parecia ter dúvidas ainda, o que era
esperado. Henrique tremia na base, o corpo tenso em apenas imaginar, mas
seria ela que passaria pela cirurgia.
Era a vida dela e do ser que crescia em seu ventre que corriam perigo,
não a dele. Ele seria apenas o dano colateral, o atingido depois. Sofia estava
com medo, e ele compreendia.
— Vai ficar tudo bem — disse, demonstrando uma confiança que não
sentia, mas que ela precisava que ele tivesse. — Logo, logo nós vamos voltar
para casa.
Ela não falou mais nada e Henrique se permitiu pensar no que fazer
além da situação que tinham ali. Quando saíra de casa, deixara uma zona e
três corpos quase inconscientes para trás.
Sabia que haviam se esforçado para dar o melhor e acomodar sua filha
quando ela nascesse com conforto, mas sentia a necessidade de se mudar
daquela casa.
A última imagem que tivera do ex amigo para trás, o último e o
penúltimo algoz de Sofia desacordados e ensanguentados no chão. Além da
cena que encontrara mais cedo, quando fora ela a ensanguentada e quase
inconsciente.
Talvez ela não gostasse daquilo, talvez ela quisesse voltar para lá, mas
ele não. Voltaria se essa fosse a vontade dela, mas primeiro procuraria por
outra casa. Talvez uma mais próxima da casa dos pais dela.
Uma enfermeira bateu na porta e entrou pouco tempo depois. Sorriu
para o casal e pediu desculpas pela interrupção, informando que precisava
ministrar uma medicação de nome complicado que eles não entenderam.
Henrique se afastou para que ela pudesse alcançar a bolsa de soro ao
lado da cama e logo estavam sozinhos novamente.
— Que horas você acordou? — perguntou, voltando a sentar ao lado da
cama, após uma rápida visita ao banheiro do quarto.
Deitou-se ao lado dela quando ela o cedeu um espaço. Evitou bater no
pé dela que estava enfaixado e se acomodou com cuidado, puxando-a contra
seu corpo.
— Há pouco tempo. Eles já estavam dormindo — disse apontando para
os pais. — Onde você estava?
Henrique permaneceu relaxado, acariciando os fios macios do cabelo
dela sob seu queixo e contou uma meia verdade.
— Fui em casa em quanto você dormia e seus pais estavam aqui.
Precisava de um banho.
— Hum — ela murmurou, abraçando-o. Prestaram atenção no filme
depois, em um silêncio confortável. Depois de um tempo, ela perguntou: —
Alguma vez eu já disse que você é muito cheiroso?
Henrique ergueu as sobrancelhas, sorrindo.
— Não que eu me lembre. Mas você pode dizer agora.
— Você é muito cheiroso — ela disse, virando a cabeça o suficiente
para fungar no pescoço dele. — E gostoso. Por que você tem que ser tão
gostoso?
Ele riu e afastou-se um pouco até poder observar o rosto dela. Sofia
tinha os olhos brilhantes e sonhadores, quase como se estivesse bêbada.
— Não sei — respondeu sorrindo. — Mas agradeço pelo elogio.
Ela bufou e voltou a se alojar sobre o ombro dele.
— Você bem que poderia ser menos bonito. E menos cheiroso. E
menos gostoso também — resmungou com a voz estranha e Henrique, ainda
rindo, apertou o botão ao lado da cama para chamar uma enfermeira.
— Peço desculpas, então — respondeu quando a porta novamente se
abriu e a mesma enfermeira de antes apareceu.
— Algum problema? — perguntou ela gentilmente, os olhos atentos.
— Poderia ser ao menos careca — Sofia prosseguia, inconformada. —
Ou não ter um rosto tão perfeito. Ou um corpo tão perfeito — resmungou e se
afastou, parecendo irritada. — E TÃO gostoso — notou a enfermeira confusa
para de frente parada em frente a cama só naquele momento e parou por
instante. — Você também acha que ele é muito gostoso, moça?
Henrique riu do rosto envergonhado da mulher e apontou para Sofia.
— Este é o problema. Ela parece estar drogada.
A enfermeira também sorriu e se aproximou. Checou o pulso de uma
Sofia ainda resmungona e se afastou.
— É uma das possíveis reações ao medicamento — esclareceu ela. —
A respiração e o pulso dela estão normais, não há com o que se preocupar.
— Obrigado — agradeceu e logo ela os deixava a sós novamente,
informando que a ruiva logo dormiria.
— Eu não quero dormir — Sofia murmurou, brincando com a gola da
camisa dele. — Ela disse que eu vou dormir, mas não quero. Quem ela pensa
que é? Eu...
— Tudo bem, amor — tentou acalmá-la.
— ... tenho um namorado gostoso, muito, muito, muuuuito gostoso.
Como eu poderia dormir? — ela prosseguiu.
Ele riu e ela se afastou para observar o rosto dele.
— E a culpa é sua.
— Culpa de que?
— Por eu não poder dormir — ela explicou, revirando os olhos como
se ele fosse lerdo. — Você deveria se envergonhar.
— Por ser muito, muito, muuuuito gostoso? — perguntou, brincando
com ela. Sofia não bebe e aquilo era o mais próximo de uma Sofia bêbada
que ele veria na vida.
— Isso mesmo — ela confirmou, balançando a cabeça com pesar. —
Deveria se envergonhar. Muito. Muito mesmo.
— Eu me envergonho.
— Acho bom. Você não é um caso perdido então — assentiu
novamente e voltou a deitar sobre seu ombro enquanto Henrique ria.
Ele a abraçou com carinho, sentindo seu mundo aos poucos entrando
nos eixos. Ficaria tudo bem, fariam o possível e impossível para isso e, no
fim, tudo ficaria bem.
Sofia pareceu dormir e ele permaneceu ali, abraçando-a e brincando
com os fios do seu cabelo, sem fazer movimentos bruscos para que ela não
acordasse.
— Durmo se eu quiser, ora essa — ela resmungou depois de um tempo
e Henrique riu mais alto do que deveria. — Shhh — o repreendeu, colocando
um dedo sobre os lábios. — A carcereira vai ouvir você e vai saber que não
estou dormindo.
— Desculpe — ele pediu ainda rindo e ela o fuzilou com os olhos. Mas
logo esqueceu da tal carcereira e voltou ao monólogo.
— Sabe, em um mundo justo, toda essa gostosura daria para outras três
pessoas. Ou dez — refletiu por um tempo, mas logo deu de ombros. —
Enfim, ainda bem que você se envergonha. Imagina que feio seria.
— Além de muito, muito, muuuuito gostoso também sou um ladrão? —
ele sugeriu e ela balançou a cabeça com vigor, quase atingindo seu queixo
com a testa.
— Isso mesmo. Eu não vou dormir, porque eu não quero, mas você
pode ser preso a qualquer momento, ladrão.
Estava ficando impossível controlar a vontade de gargalhar, mas
Henrique conseguiu se segurar.
— Desculpe? — disse apenas, porque se dissesse mais, estaria tudo
perdido.
— Está desculpado, mas não faça mais isso — repreendeu e logo
descansou a cabeça, relaxando contra seu corpo.
Henrique ria em silêncio, os tremores do seu corpo sacudiam
delicadamente o dela e aos poucos conseguiu se controlar.
Relaxou, ele também, um sorriso de orelha a orelha, pela primeira vez
naquele dia.
Teriam um longo caminho pela frente, é verdade, mas daria tudo certo.
— Alguma vez eu já disse que você é muito alto?
Sorrindo de olhos fechados, ele rezou mentalmente imaginando um
futuro não tão distante dali, ao lado da mulher da sua vida e sua filha, família
e amigos. Ficaria tudo bem.
— Não.
— Além de roubar a gostosura dos outros, você também roubou altura?
Cara, você tem sérios problemas.
CAPÍTULO 25
Erros forjam um ser humano mais forte. Mais capaz, mais durável,
mais seguro, mais sábio. É errando que se aprende, é errando que pontos de
vista são modificados, que vidas são modificadas. Para melhor ou pior, erros
moldam pessoas.
A história muda de sentido quando passa de apenas palavras para o que
acontece na vida real. É bonito chegar para um fulano e dizer que tudo bem
errar, é assim que as coisas são, é assim que a vida é. Aquele erro bobo não
tem importância, é tipo o café-com-leite dos erros; não vale realmente. É
como um teste: é preciso cometer o primeiro erro para aprender como as
coisas realmente funcionam.
Na vida real a história é outra. A realidade é dura, viver é dureza e
poucos são os que não ralam os joelhos aprendendo a engatinhar em meio a
todo o caos. Erre uma vez e você será julgado. Não tem desculpa, ou você foi
estúpido ou negligente. Das duas uma.
Errar é humano. Pessoas são frágeis, voláteis, estúpidas. É claro que
erros são e sempre serão considerados como parte do ser humano.
A história fica ainda pior no segundo erro. Se errar uma vez já foi ruim,
se ser negligente uma vez quase a matou, quase matou seu bebê, o que fazer
quando mais uma vez a vida das pessoas que mais amava no mundo estavam
em risco e a culpa caía tão somente nas suas costas?
O primeiro erro foi regido pela estupidez. Idiota demais, focou no que
queria, focou em conseguir a garota e esqueceu que havia um mundo inteiro a
sua volta. Fechou-se na sua bolha feliz e ignorou todo o resto.
O desfecho foi catastrófico e aconteceu, aliás, naquele mesmo hospital.
Por pouco não a perdeu, por muito pouco mesmo. Praticamente viveu
naqueles corredores por um bom tempo. Dias e semanas de um martírio que
pareciam não ter fim e a culpa e o remorso como únicas parceiras.
Após todo o sofrimento, o auto imposto e o merecido, estavam,
finalmente, felizes. Então a vida, que grande meretriz, mais uma vez o acerta
com um tapa bem dado na cara. Um "acorda, mané" eficiente e doloroso.
Então a vergonha da humanidade: o primeiro não foi o bastante, nunca
é.
O segundo erro foi a negligência. E lá estava ele: a representação de um
ser humano imperfeito em carne e osso, nervos e remorsos.
O primeiro não foi o bastante? Não aprendeu nada? É certo que o
primeiro foi mais uma omissão que qualquer outra coisa, estupidez mesmo,
mas olhando para trás, visualizando e relembrando todas as consequências
que vieram, é de se esperar que ele seria mais esperto.
Não existem maneiras de se predizer o futuro, mas erros podem ser
evitados. Dessa forma, não existem consequências.
— O que você tem?
Ela o observava atentamente há algumas horas, ignorando a tevê ligada
em um programa qualquer. O mesmo período de tempo em que ele se perde
cada vez mais em milhares de pensamentos e julgamentos. Imaginando
situações, refazendo passos, mudando o passado mentalmente e trilhando
novos caminhos.
— Nada — responde, sem encará-la de volta, mas sentindo os olhinhos
curiosos dela sobre si.
— Você está calado — observa e não parece feliz. Ele a fita
rapidamente e tenta não deixar transparecer em sua expressão o que sente.
Culpa é algo capaz de consumir aos poucos uma pessoa. Em camadas
cada vez mais profundas, ela vai ganhando forma, vai crescendo e criando
raízes.
— Só estou cansado — sentado na poltrona ao lado da cama, ele tenta
assumir uma postura relaxada. O quarto é parecido com o de meses atrás,
quando estiveram ali pela primeira vez.
Espaçoso, confortável e prático, havia uma armário de tamanho médio
no canto esquerdo, onde os pertences e presentes que ela recebia eram
guardados. Havia também um sofá de dois lugares logo abaixo da grande
janela que dava vista para um espaço verde bem planejado, além da cama e a
poltrona em que estava sentado.
Havia um enorme vaso de rosas azuis ao lado da cama e ele perdeu a
conta de quantas vezes a viu observando as flores com olhos sonhadores.
— Você não tem dormido muito — ela observou, alisando o edredom
macio e florido, presente de uma mãe e futura avó cuidadosa e babona.
— Estou bem — não estava, mas ela não precisa saber disso.
— Poderia deitar aqui um pouquinho — sugeriu, liberando um espaço
para ele na cama. .
— Estou bem — ele repetiu, tentando sorrir um pouquinho para relaxa-
la.
Sofia suspirou. Ele também.
Estavam ali há duas semanas. Com o histórico que tinha, a doença
gestacional agora parcialmente controlada, ainda se recuperando do estresse e
do choque de alguns dias atrás, além da nova descoberta, Sofia permanecia
em observação.
A cirurgia estava marcada para o dia seguinte e ele podia vê-la tremer.
Fingia estar bem, estar calma e confiante, tal como ele, mas Henrique a via.
Além da fingida expressão relaxada, confiante, ele via todas as perguntas que
rondavam sua mente, todos os "ses", todas as possíveis situações.
A cirurgia não oferecia muito risco e, para que sua filha um dia tenha a
chance de andar, correr e brincar como qualquer outra criança, era necessária.
Sofia permaneceu em observação até que seu corpo, funcionando por dois e
sob todo aquele estresse, se recuperasse da perda de sangue. Os médicos
queriam ter certeza que o Descolamento Ovular não atrapalharia quando
finalmente a abrissem, e por isso esperaram até ali.
Henrique queria mais tempo. Mais alguns dias para se acostumar com a
ideia de que sua filha, ainda no útero da mãe, ainda em desenvolvimento,
passaria por uma cirurgia. Precisava de um tempo para se acostumar com o
fato de que mãe e bebê, as pessoas mais importantes da sua vida, seriam
submetidas a algo daquelas proporções.
Os médicos foram pacientes, explicaram mais de uma vez todo o
procedimento, cada passo, cada instrumento cirúrgico que usariam e, àquela
altura, eles sabiam de tudo.
O problema seria o depois. A cirurgia fetal é recomendada quando o
bebê ainda está no útero para casos de Espinha Bífida, porque dessa forma o
bebê passa a ter mais chances de um dia ter uma vida normal, sem sequelas
ou deficiências. Mas ela não era a cura.
Sua filha precisaria de acompanhamento antes e após o nascimento e
eles foram avisados que, embora a cirurgia tenha uma taxa de sucesso
elevada, talvez ela fosse inútil. Tentariam, dariam o melhor para que isso não
acontecesse, para que desse tudo certo, pais e médicos, mas o destino era
incerto.
O dia de amanhã seria decisivo e Henrique se puniu em silêncio por
tornar tudo ainda mais difícil para ela. Ele não era assim. Ficar se remoendo
em silêncio, se culpando e esquecer que ele não era o único ali.
Sofia seria operada. Sofia teria a barriga aberta e o bebê seria exposto,
além de também ser operado. Ela tinha motivos para se remoer em silêncio,
ela tinha razões para chorar, tinha razões suficientes para se fechar para o
mundo e não ele. Afinal, não era ele que passaria por tudo aquilo.
Então ele focou no depois. Não tinha controle sobre o presente,
tampouco o futuro, mas daquela forma ele conseguiu se manter ao menos
inteiro.
Se nos primeiros meses de gravidez o repouso fora preciso, agora quase
ao final da gestação e após aquela cirurgia ele seria além de preciso também
crucial. Nada de esforços desnecessários e nem mesmo os mais simples.
Nada de estresses, nada de movimentos bruscos, nada de preocupações. Nada
além de repouso absoluto.
Parecendo de repente irritada, Sofia se inclinou e começou a procurar
por algo ao lado da cama. Franzindo o cenho e sem entender, Henrique
indagou:
— O que você está fazendo?
Ela resmungou algo e se inclinou para o outro lado quando não
encontrou o que procurava.
— Procurando a droga do botão para erguer essa porcaria de cama
idiota.
— Eu posso... — ele começou a dizer, levantando-se.
— Não precisa — o interrompeu, sem desviar os olhos da sua busca. —
Estou bem — resmungou outra vez, imitando-o.
Henrique franziu ainda mais o cenho e suspirou mais uma vez.
Aproximou-se e encontrou ao lado da cama, onde ela já havia procurado, o
caralho do botão e ergueu a cama, mas apenas um pouco.
— Assim está bom? — indagou, observando-a se acomodar melhor na
cama.
— Estou bem — o imitou novamente e ele sorriu involuntariamente,
achando engraçado e fofo o bico de descontentamento que ela fazia.
— Se eu deitar ao seu lado você deixa de manha? — perguntou,
retirando os tênis com os próprios pés.
— Manha? Está me chamando de mimada? — ela passou de irritada
para ofendida em segundos.
— Estou — ele respondeu, deitando ao lado dela, mesmo quando ela
virou o rosto para a janela e não o encarou novamente.
— Idiota — fitou a paisagem lá fora, ignorando-o, mas não o afastou
quando ele se acomodou no colchão macio e a puxou contra o peito.
— Sou mesmo — ele murmurou contra os cabelos macios dela,
sentindo a respiração quente contra o peito, mesmo sobre o tecido da camisa.
— Mas o idiota que você ama.
— Hum — ela fez um som que era para ser desdenhoso, mas saiu mais
como um suspiro de contentamento. — Sorte a sua.
Ele sorriu. Tudo parecia mais fácil quando assim, sentindo-a contra seu
corpo, com a certeza de que ela estava bem, ou ao menos tão bem como a
situação permitia. Em momentos assim, ele conseguia esquecer todos os
problemas, erros, consequências e demais coisas ruins características da vida.
Acariciando a barriga dela, ele fechou os olhos. Ficaria tudo bem, daria
tudo certo. Em breve eles sairiam daquele hospital com a certeza de que
fizeram tudo que podiam e estariam prontos para quando a bebê nascesse.
Eram pais. Lidariam com quaisquer problemas futuros e fariam sempre o seu
melhor para que ela ficasse bem.
— Eu nunca havia reparado, mas ela quase não se move — Sofia
murmurou, juntando a mão com a dele, sobre sua barriga. — Lembro que
comentei sobre isso uma vez com a minha mãe e ela disse, antes mesmo de
descobrirmos o sexo, que o bebê era uma menina.
— Por que? Sua mãe tem bola de cristal e eu não sabia? — brincou e
sorriu quando ela riu.
— Não. Ela disse isso baseada na crença de que meninas são mais
calmas. E também falou algo sobre como minha barriga, desde o início, era
bem redondinha e que em gravidez de menino a barriga fica mais pontuda
para um dos lados.
— Isso existe?
— Não sei, mas ela estava certa, não é? Estou esperando uma menina.
— Sua barriga é mesmo redonda. Muito. Bem redonda — provocou e
riu quando ela o atingiu com o cotovelo.
Não é idiota. Pode assumir toda culpa do mundo, mesmo que não a
mereça, mas tem força de vontade o bastante para seguir em frente. É verdade
que erros ensinam, que moldam, e ele é a prova viva disso.
Não a deixou sozinha nem uma vez sequer, após todo o alvoroço de
semanas atrás. A mantinha sob a vista, atento, fazendo-se preciso e
necessário, ao lado dela, com ela, mesmo quando ela parecia quase farta de
tanto cuidado.
Aos poucos aprendia e se moldava. Pessoas embora estúpidas e
negligentes, às vezes também aprendem.
— Você ainda não me disse o que aconteceu com as suas mãos —
murmurou ela contra sua camisa e acomodou-se melhor, encaixando o rosto
no ombro dele.
— Eu contei o que aconteceu. Um pequeno acidente com a porta do
carro — ela havia notado os hematomas nas juntas dos seus dedos assim que
o viu, mas não falou nada até o dia seguinte. Ele inventou uma história rápida
e qualquer envolvendo a porta do carro e seus dedos.
Ela pareceu acreditar a princípio e ele conseguiu relaxar. Não queria
perturba-la com o assunto. Então, ela notou que as mãos de Sebastian
também estavam tão ou mais machucadas que as dele.
Ela não disse nada. Não comentou, não indagou, apenas fitou um e
depois o outro, observou as mãos dos dois por um tempo e permaneceu
calada. Henrique sabia que ela possivelmente imaginava o que aconteceu,
mas como ela não perguntou novamente, ele preferiu manter a boca fechada.
Até agora. Ele não queria mentir, não queria omitir coisas dela, mas se
fosse preciso, o faria. O assunto estava resolvido, não precisava preocupá-la
com aquilo.
— Meu irmão estava com você?
— Quando?
— Quando você prendeu os dedos na porta do carro — esclareceu,
afastando-se e fitando-o nos olhos
— Por que a pergunta? — se esquivou.
— Porque, não sei se você percebeu, ele também aparentemente sofreu
o mesmo acidente que você — comentou.
— Hum — restringiu-se a murmurar e voltou a puxá-la conta o peito.
Ela permaneceu em silêncio por algum tempo, confortável contra seu
peito, a respiração cadenciada, relaxada.
— Espero que o carro tenha ficado em pior estado — Sofia comentou e
ali ele teve a certeza de que ela sabia o que havia acontecido.
— Garanto que sim — respondeu apenas e a abraçou apertado quando
ela riu contra seu peito.
— Ótimo. Ele merecia.
CAPÍTULO 26
— Você precisa de alguma coisa? — perguntou, ajeitando os
travesseiros para que ela ficasse mais confortável. Seus nervos estavam em
ebulição, mas teve o cuidado de não deixar nada do que sentia transparecer
na sua expressão.
— Estou bem — ela respondeu, respirando fundo uma última vez.
A cirurgia seria realizada naquela manhã. Os médicos disseram que não
havia por que esperar mais, quando já tinham a certeza de que ela estava bem.
Havia se recuperado do choque de dias atrás, as taxas no seu sangue estavam
ótimas, a bebê também, então aquele seria o dia.
Estavam todos reunidos ali desde as primeiras horas da manhã. Os pais
dela, o irmão e as amigas dela e Diego. Alguns parentes mais próximos dela,
preocupados e que apareceram assim que foram comunicados sobre o que
aconteceria, aguardavam na sala de espera.
Estavam todos ali para ela. Para elas. Daria tudo certo. Ficaria tudo
bem. Henrique repetia em sua mente vez ou outra que aquilo era preciso. Era
para o bem da sua filha. Ficaria tudo bem.
Quase não saíra do hospital nos últimos dias, tomava banho e almoçava
ali, dormia ao lado dela e as enfermeiras passaram a se acostumar com sua
presença.
As únicas vezes que a deixara, sempre na companhia dos pais, amigas
ou irmão, fora para colocar seu plano em prática. Não fora um processo
demorado como imaginava que seria e ele se arrependeu por não ter tentado
antes.
Procurou casas à venda em classificados e ligou para corretores, mas a
procura pela casa perfeita, segundo o último corretor com o qual falou,
poderia levar meses. Ele não tinha meses. Sua filha nasceria em breve e ele
queria que Sofia saísse do hospital direto para a casa nova.
Estava quase desistindo, já havia trocado de corretor pela quarta vez e
ainda não havia encontrado o que queria. Saiu para comprar rosas para ela,
enquanto ela dormia vigiada pelos pais certa manhã, na única floricultura da
cidade que tinha rosas azuis e na volta para o hospital fez um caminho
diferente.
Viu a placa de vende-se apenas de relance e voltou para averiguar. Não
custava nada tentar e ele estava começando a ficar preocupado.
Poucos minutos depois, estava feito. O proprietário da casa também
tinha pressa para fechar a venda e ainda não havia contratado nenhuma
corretora. Dessa forma, a burocracia foi menor.
A casa era perfeita, maior do que ele queria a princípio, mas aquilo não
era problema. Ficava a poucas quadras da casa da mãe de Sofia, o que queria
desde o início, porque sabia que, após o nascimento da sua filha, a sogra
visitaria sua casa com frequência. Daquela forma seria cômodo para todos;
mãe e pai de primeira viagem e a sua filha, que seria assistida de perto por
alguém com experiência na maternidade.
Diego e Sebastian ficaram encarregados da mudança e Thaís e Lorrany
cuidaram do resto, deixando a casa com cara de lar e pronta para quando
Sofia recebesse alta.
Estava tudo pronto. Faltavam apenas alguns pequenos detalhes, coisas
básicas que ele deixou para que decidissem e fizessem juntos. Agora, com ao
menos uma coisa na sua vida que ele pôde resolver sozinho, estava mais
tranquilo e bastava apenas esperar.
Sofia não reclamou uma vez sequer pela superlotação do quarto, os
médicos e enfermeiras, naquele dia, também não. Ela estava nervosa, tinha
medo e a presença de todas aquelas pessoas ajudava.
Estava sentada na cama, as costas retas, tensa, as mãos unidas sobre a
barriga. E a família a sua volta, Henrique a sua volta, sempre atento, sempre
necessário.
— Você tem certeza de que não precisa de nada, bebê? — Virna
perguntou, apertando uma das mãos da filha. — Mamãe pode ir buscar para
você. Rapidinho. É só dizer.
— Está tudo bem, mãe — Sofia sorriu, colocando a mão da mais velha
sobre barriga porque sabia que aquilo sempre a acalmava.
— Mesmo? Papai pode ir também. O que o meu bebê quer? — Otávio
brincou, mas também havia preocupação na sua expressão e embora sorrisse,
era óbvio que também estava nervoso.
Sofia riu e Henrique a acompanhou.
— O bebê disse que não precisa de nada. Não é, bebê? — brincou e riu
novamente quando ela fez uma careta.
Virna e Otávio, tendo em vista toda aquela situação, a tratavam como
uma criança. Chamando-a de bebê, neném e sempre cheios de cuidado. O que
era compreensível e bonito de ver, mas que também divertia Henrique. E
Sebastian.
— O neném tem certeza que não precisa de nada? Posso buscar
qualquer coisa que quiser, princesinha do Sena.
Todos riram e após franzir ainda mais o rosto em uma careta, Sofia riu
também.
— Não preciso de nada. Estou bem — respondeu com carinho para os
pais. — E você — apontou para Sebastian. — só está com inveja porque
nunca, nem quando era um, foi o bebê da casa. Eu sou — ergueu o queixo e
apontou para Henrique. — E você, bonitão, cresça.
As risadas ressoaram pelo cômodo.
— Crescer mais um pouco? Mas eu pensei que já era alto o bastante —
fingiu uma expressão inocente e sorriu triunfante quando Sofia corou.
Ela havia acordado no dia seguinte confusa, após a experiência
engraçada com o medicamento, dias atrás e disse não lembrar de muita coisa.
Henrique, que havia passado a noite em claro, sorrindo para o escuro e rindo
sozinho relembrando as reações dela, a vigiou durante horas e contou em
detalhes o que havia acontecido.
Sofia negou-se a acreditar que tenha dito aquelas coisas em voz alta,
mas acabou confessando, após ele rir muito, que tinha certa razão.
— Segundo você, passei na fila da altura vezes sem conta, ou furei a
fila, ou roubei alguém, vai saber. Assim como na fila da...
— Não ouse.
— ... gostosura.
Sofia cobriu o rosto com as mãos enquanto as risadas explodiam pelo
quarto. Henrique sentou ao seu lado na cama e abaixou suas mãos, sorrindo
ao encontrar o rosto dela tão vermelho quanto os cabelos.
— Está tudo bem. Eu já me regenerei.
Ela riu da sua expressão arrependida e o bateu no ombro.
— Idiota.
Ele sorriu.
Quando a médica apareceu, pouco tempo depois, eles ainda estavam
envolvidos naquela bolha divertida, longe das preocupações e daquela
maneira fora mais fácil para Sofia despedir-se, ainda sorrindo, dos seus.
Para Henrique também. Sorriu para ela, com a certeza de que ficaria
tudo bem e ela assentiu uma última vez, a imagem do seu sorriso
esquentando e confortando o coração dele.
A espera não levou muito tempo e Henrique buscou conforto durante as
duas horas em que Sofia permaneceu na sala de cirurgia em um artigo médico
sobre a doença da filha. Buscando entender mais, buscando conhecimento,
buscando estar preparado para o futuro, descobriu que o novo método, a tal
cirurgia inovadora sobre a qual os médicos falaram e estavam realizando no
momento fora criado por uma médica brasileira.
Leu para que todos ouvissem, quando sua sogra indagou sobre o que
ele fazia tão concentrado no celular:
— Em fetos com mielomeningocele, os ossos e a dura-máter (uma das
meninges que envolvem a medula espinhal) que deveriam cobrir a medula
não se formaram, e a medula fica exposta — pouco entendia sobre o que
falava, mas continuou lendo quando a atenção de todos se voltaram para ele.
— A cirurgia deve soltar essa medula, colocá-la no canal medular, onde
deveria estar desde o começo, e cobri-la com uma película que a proteja e
ajude a evitar que a medula se prenda na pele. O material dessa película e o
lugar onde a prendemos no feto é o que diferencia a minha técnica da alemã.
— É uma técnica nova então? — alguém perguntou e Henrique não
tirou os olhos do artigo, prosseguindo com a leitura.
— Na técnica alemã, o médico costura a película do tamanho exato do
“buraco” na pele deixado pela medula exposta. Esse trabalho é minucioso,
exige que sejam feitos 16 pontos no feto e dura aproximadamente três horas.
O método não fecha a pele do feto, mas coloca um curativo nela. Depois, a
pele do bebê pode ser fechada naturalmente com a cicatrização ou com
pontos depois do nascimento. O método da médica brasileira e pioneira no
país, após anos de estudos e testes avançados, não usa a película como um
“remendo” da pele, mas sim fecha o buraco costurando pele com pele. A
película usada é menor, com tamanho suficiente apenas para cobrir a medula,
e não o buraco inteiro deixado na pele. Nesse caso, a película fica entre a pele
e a medula. São necessários apenas de quatro a seis pontos e o procedimento
dura uma hora a menos do que o alemão.
— Qual o nome dessa médica? — perguntou Virna.
— Denise Pedreira — Henrique respondeu e guardou o celular.
— Que trabalho magnífico! Criar um novo método, um ainda menos
evasivo e mais eficiente para um procedimento que já existia... Isso é
maravilhoso! E ela é brasileira — Virna balançou a cabeça, enfatizando o
fato. — E mulher. Este país ainda tem salvação se mais mulheres como ela
continuarem se destacando desse jeito.
— Eu concordo — Lorrany assentiu. — Um dia dominaremos esse
mundo.
Uma risada na porta da sala de espera chamou a atenção de todos e
Henrique levantou em um pulo ao reconhecer a médica de Sofia e o doutor
Marcelo, quem liderou a cirurgia e para quem Henrique avançou, afoito.
— Elas estão bem?
Os médicos sorriram e o suspiro aliviado que escapou por seus lábios
repercutiu pelo cômodo, sendo repetido às suas costas.
— O procedimento foi um sucesso. Sofia está bem e em breve será
encaminhada para o quarto — respondeu Marcelo e riu ao continuar. — Vejo
que não preciso discorrer sobre o processo cirúrgico, tendo em vista que
vocês parecem estar por dentro de tudo.
Henrique riu de puro alívio.
— Sabe como é, doutor — disse Virna, após abraçar com carinho e
gratidão a médica e estendendo os braços para ele também. — O senhor sabe
o que a internet faz com esses jovens de hoje em dia.
— Sei bem — ele riu, aceitando o cumprimento.
— Quando poderemos vê-la? — Henrique perguntou, querendo estar
do lado dela quando acordasse. Queria estar ali quando ela soubesse que deu
tudo certo. Quando soubesse que sua filha estava bem. Que elas estavam
bem.
— O procedimento foi um sucesso, mas ainda assim, como toda
cirurgia, Sofia precisará de cuidados. Vocês poderão vê-la, mas não agora —
respondeu a médica e olhou para ele, em especial. — Vá para casa, tome um
banho e descanse um pouco. Sofia está bem e continuará assim até você
voltar. Todos vocês, aliás — prosseguiu, fitando cada uma das pessoas
naquela sala. — Está tudo bem. O pior já passou. Vão para casa, descansem e
depois voltem. Vocês também precisam de repouso, foram dias difíceis para
todos.
— Obrigada, doutora — Virna a abraçou mais uma vez e Henrique
fechou os olhos, agradecendo em silêncio.
Poucos foram os que obedeceram a ordem da médica. Assim que ela
deu as costas, Henrique voltou a sentar e permaneceria ali até o momento em
que pudesse ver a sua mulher, mas Lorrany tinha outros planos.
— Vamos.
Henrique ergueu os olhos para ela e se perguntou se aquela mulher
estava louca. Ele não iria sair dali. Já havia tomado banho naquela manhã e
não estava cansado. Entendia a preocupação da médica, mas ele não
precisava de descanso.
— Para onde?
— Sair daqui. Preciso resolver algumas coisas — respondeu ela, de
frente para ele.
— Boa sorte, mas eu vou ficar aqui — se recostou contra a cadeira. —
Não deve demorar muito e eu...
— Obrigada, mas não preciso de sorte e alguma vez eu disse que você
tinha escolha? Disse que vamos e nós vamos. Agora — ordenou, irritada e
Henrique franziu o cenho, pronto para dar uma resposta malcriada, mesmo
que fosse algo infantil como "você não manda em mim".
— O que ela quis dizer — Thaís interviu, a voz tranquilizadora como
sempre. — é que nós estamos indo até a sua casa nova.
— Mas por que? — perguntou confuso. Elas fizeram um ótimo serviço
nos últimos dias e não restava nem sequer uma peça de decoração fora do
lugar. A casa estava perfeita, ele não entendia o que elas pretendiam.
— Nós queremos organizar uma festa surpresa para Sofia, quando ela
tiver alta — Thaís explicou antes que Lorrany tivesse tempo de responder.
— Ah. Mas nós nem sabemos quando ela terá alta ainda. E...
— Você tem que questionar tudo? Levante a bunda dessa cadeira e
vamos. Estou com pressa — Lorrany bateu o pé, quase como se estivesse
cansada com a lerdeza dele.
Henrique levantou, fazendo cara feia para ela, que simplesmente
ignorou.
— Vocês dois — ela apontou para Sebastian e Diego que riam, mas
que engoliram a risada rapidinho. — Precisamos de mão de obra. Parem de
grasnar e vamos.
Virna riu e se levantou, de mão dada com o marido.
— Como vocês parecem ter planos, nós vamos dar um pulinho em
casa. Tenho que assar muitos bolinhos de agradecimento para os médicos e
de melhoras para o meu bebê.
— E o que eu vou fazer? — Otávio perguntou divertido.
— Você é o meu apoio moral, querido — beijou seu rosto com carinho
enquanto todos riam. — As meninas conseguiram sua mão de obra, mas a
minha mão de obra sou eu mesma. Você não sabe nem fritar um ovo. Pode
ficar sentadinho enquanto eu faço tudo.
— Boa sorte — Sebastian bateu no ombro do pai, sorrindo solidário.
— Você também — respondeu o mais velho.
A sala de espera ficou vazia aos poucos e Henrique, Sebastian e Diego
seguiram atrás das duas mulheres que andavam na frente, cochichando e
planejando o que fazer.
— Por que eu tenho a sensação de que somos apenas burros de carga?
— Diego perguntou quando chegaram ao estacionamento e foram capazes de
captar entre os cochichos das duas as palavras "shopping" e "compras".
— Você ainda tem dúvidas? — Sebastian ironizou. — Essas duas não
precisam de ajuda para nada. Nunca e se esse é o caso, então essa festa
promete ser mais do que apenas boas-vindas.
— Só espero que não quebrem a minha casa — Henrique resmungou,
embora sorrisse. A ideia de preparar uma festa para Sofia o alegrava e mais, a
deixaria feliz.
— Sabe, eu não sou surda e estou bem aqui — Lorrany disse, parando
ao lado do carro de Thaís, um Ford Ka minúsculo e cheio de frufrus
femininos. — Agora entrem e sentem bem juntinhos.
CAPÍTULO 27
Henrique não conseguiu ficar longe por muito tempo. Nenhum deles
conseguiu, aliás. Após duas longas e intermináveis horas de compras no
shopping, que envolveram coisas que Henrique nem sequer fazia ideia de que
seriam precisas para uma festa, ele estava de volta ao hospital.
Passou em casa antes, tomou um banho, trocou de roupa e deixou que
Lorrany e Thaís fizessem o que quisessem. De qualquer forma, elas tinham
uma cópia das chaves da casa, que foram necessárias enquanto elas
arrumavam as coisas da mudança, e, agora, seria novamente. Ele anotou
mentalmente que precisaria lembrar de pegar de volta uma vez que Sofia
tivesse alta. Não queria ser incomodado quando estivesse com ela.
Sebastian e Diego ficaram para ajudá-las, mas não demorariam muito.
Uma vez que soubessem quando Sofia seria liberada para ir para casa, aí sim
que o trabalho para deixar tudo "maravilhosamente divino", como disse
Lorrany, começaria.
Os pais dela ainda não haviam voltado e Henrique se encaminhava para
a sala de espera quando trombou com Marcelo, o médico, no caminho. Antes
que tivesse tempo de indagar, ele falou primeiro:
— Vejo que ao menos uma das ordens da doutora você obedeceu —
disse sorrindo e tocou o ombro de Henrique, em um gesto camarada. —
Venha, vou levá-lo até a sua mulher. Eu também não aguentaria ficar
afastado da minha por tanto tempo. E muito menos em uma situação como
esta.
— Já posso vê-la? — surpreso, Henrique apenas seguiu o caminho que
o médico fazia.
— Pode, mas lembre-se que ela acabou de passar por um procedimento
cirúrgico. E, além disso, está grávida — seguiu por um corredor da ala leste
do hospital. — Então, ela não pode e realmente não deve se exaltar, fazer
movimentos bruscos, nada disso.
— Eu sei.
Parando de frente para uma das portas do extenso corredor, Marcelo
sorriu.
— Sei que sabe. Só achei que seria bom ressaltar.
— Obrigado, doutor — estendeu a mão e o mais velho retribuiu o
gesto.
— Não tem de quê — deu duas batidinhas na porta e disse: — Vocês
podem ter alguns minutos de privacidade. Vou tentar segurar os familiares
dela enquanto isso, mas não prometo.
— Eu agradeço.
O médico assentiu e deu as costas, seguindo pelo corredor. Henrique
abriu a porta um segundo depois. O quarto estava parcialmente iluminado,
apenas uma luzinha tímida escapava pelas frestas da cortina que recobria a
janela a esquerda da cama.
Aproximou-se devagar quando percebeu que ela tinha os olhos
fechados. O quarto era diferente dos outros que estiverem antes, mas, embora
houvessem mais aparelhos naquele, ainda assim era um ambiente acolhedor.
As coisas dela também estavam ali. Henrique recolheu as bolsas e
sacolas de presentes e guardou o que pôde em um dos armários, ao lado da
grande janela. As rosas que ele havia comprado para ela estavam dispostas
em um vaso novo, mas muito longe da cama.
Após pensar por um instante, ele as colocou sobre o criado mudo ao
lado da cama, onde estivesse ao alcance dos olhos dela e também onde
pudesse receber a luz do sol, quando as cortinas estivessem abertas.
Estava quase satisfeito, tudo parecia estar nos devidos lugares, mas ele
sentia que faltava alguma coisa. Percebendo finalmente o que faltava,
Henrique saiu do quarto, não sem antes beijar a testa dela, prometendo
baixinho que não iria demorar.
Desceu pelas escadas porque não estava com paciência para esperar o
elevador e parou de correr apenas quando chegou ao térreo do hospital.
Haviam três lojas de presentes, dispostas uma ao lado da outra, o que ele
agradeceu em pensamento, antes de entrar em uma delas.
Cerca de dez minutos depois, que seriam sete se ele não tivesse
resolvido usar o maldito elevador porque carregava sacolas demais, ele estava
de volta ao quarto.
Ajeitou tudo rapidamente, o mais silencioso possível e parou apenas
quando sentiu-se satisfeito. Afastou-se alguns passos para observar melhor e
esbarrou na porta do armário, que havia deixado aberta por alguma razão
desconhecida.
— Você é muito barulhento.
— Desculpe. Eu... — interrompeu-se quando percebeu que ela estava
acordada e o fitava sorrindo. Franzindo o cenho e captando a malícia naquele
olhar, ele afirmou: — Você não estava dormindo.
— Não — ela respondeu ainda sorrindo.
— Você está acordada desde que eu cheguei?
— Sim. Quer dizer, não. Acordei pouco tempo depois da cirurgia. Não
consegui dormir.
— Por que você não falou nada? — ele perguntou, se aproximando.
— Porque você estava muito bonitinho arrumando tudo. Não quis
atrapalhar — respondeu ela, relaxando o rosto contra a mão dele, quando ele
a acariciou devagar.
— Era para ser uma surpresa — reclamou, embora sorrisse.
— Eu não olhei — Henrique estreitou os olhos e ela revirou os dela. —
Tudo bem, eu olhei. Mas está muito escuro, não vi quase nada.
Voltou a sorrir porque Sofia era uma pessoa curiosa por natureza e ela
parecia mesmo inconformada por não conseguir ver o que ele fez. Ainda
sorrindo, ele ignorou os interruptores e seguia até a janela. Abriu a cortina
aos poucos e quase a fechou novamente quando ela fechou os olhos,
protegendo-os da claridade.
Aos poucos ela retirou as mãos do rosto e observou o quarto. A parede
ao redor da janela, a única visão parcial do quarto que ela teve enquanto ele
estava ocupado, estava decorada com balões e fitas coloridas com desejos de
melhoras. Alguns deles possuíam frases infantis, coisas como "melhoras,
amor da mamãe" ou "para curar o dodói" e Henrique sorriu quando a viu
franzir o cenho.
Lançou um olhar para ele, os olhos franzidos, desconfiados e virou-se
para observar o resto. Parou por um instante ao notar como a luz natural do
dia, que agora iluminava o quarto inteiro, fazia com que o vaso de rosas ao
lado da cama e as pétalas das flores brilhassem.
Aquilo fez com que ela voltasse a sorrir com carinho e os lábios de
Henrique imitaram os dela.
Haviam mais balões e também ursinhos dispostos no pequeno sofá
disposto na parede oposta a cama e ela sorriu ainda mais ao fitar os ursinhos.
Pareceu perceber finalmente qual era a intenção dele e, ignorando o resto da
decoração infantil, seguiu com os olhos até a porta e ofegou em silêncio.
Então riu, uma gargalhada alta, para fora, feliz e sem restrições como
há tempos Henrique não ouvia. Ele riu junto com ela, feliz por vê-la feliz.
A porta estava decorada com adesivos de ursinhos, bonecas de pano,
coroas, de flores e de princesas, e corações. Acima da porta, uma fileira de
bandeirinhas, as usuais onde geralmente se lia "parabéns" ou "felicidades",
havia a frase: O nosso bebê.
— Idiota — ela resmungou e Henrique riu, sentando-se ao lado dela na
cama.
— Eu sei. Você gostou?
— Não — respondeu ainda varrendo o quarto com os olhos. — Eu
amei. Embora, claramente, você tenha alguns problemas, está tudo lindo. Eu
amei — suspirou e Henrique riu, levantou-se rapidamente e buscou por algo
que havia escondido no armário.
— E o que você acha disso? — seguiu de costas até a cama e apenas
quando estava próximo o suficiente, virou-se e mostrou o que tinha nos
braços.
Sofia arregalou os olhos e Henrique pôde jurar que eles estavam
brilhando mais que antes.
— É para mim? — antes que ele tivesse tempo de responder, ela
suspirou e colocou as mãos sobre o coração. — É tão lindo! Eu amei,
obrigada!
Tentou pegar o objeto dos braços dele, mas Henrique o afastou do seu
alcance, balançando a cabeça.
— O que... — ela começou a perguntar confusa, mas ele a interrompeu.
— Não é para você.
— Mas eu pensei...
— É para ela.
Sofia ainda franziu o cenho por um segundo, mas logo sorria e tomou o
grande urso dos braços dele, abraçando-o apertado.
— Então eu vou cuidar bem dele até ela nascer — era engraçado ver
uma mulher já adulta agarrando com todas as forças um urso de pelúcia quase
do seu tamanho. — Você sabe que ela provavelmente vai se assustar quando
ver o tamanho dele, não é?
— Não. Ela logo vai se acostumar.
— E por que você tem tanta certeza?
— Você não demorou para se acostumar comigo — ele deu de ombros.
Sofia franziu o cenho.
— Você não é e nunca foi um Teddy Bear.
— Mas ela não vai precisar saber disso.
Rindo, ela colocou o urso sobre a barriga e o ninou por um instante.
Sorria, parecendo encantada.
— Eu sei. O papai não acerta sempre, mas dessa vez ele está de
parabéns.
Sentando-se ao lado dela novamente, Henrique a olhou sem entender e
logo ela explicou.
— Eu estava dizendo para ela que você nem sempre é assim, mas logo
ela vai se acostumar com isso também — acariciou o rosto dele e logo
colocou a mão sobre a barriga. — Ela parece concordar.
Finalmente entendendo o que acontecia, Henrique sorriu emocionado.
— Ela está chutando?
Sofia confirmou com a cabeça, colocando a mão dele sobre a barriga,
bem onde depois de um instante Henrique pôde sentir definitivamente um
grande chute.
— Uma hora depois de sair da cirurgia, pude senti-la se movendo —
disse, os olhos nas mãos unidas sobre o grande volume sobre o lençol. — Foi
reconfortante sentir aquele primeiro chute depois que a anestesia passou.
— Dói? — Henrique perguntou porque, porra, sua pequena, mesmo
ainda na barriga da mãe, parecia ter muita força. Ele afastou o lençol e a
camisola hospitalar que ela vestia e fitou sua barriga com atenção. Havia um
grande curativo que recobria o corte da cirurgia, que ia quase de uma ponta a
outra do quadril, pouco acima da linha da pélvis.
Não conseguiu se impedir de arregalar os olhos quando o movimento
foi perceptível e claramente compatível com um pezinho.
— Eu sei — ela tinha os olhos marejados. — Não dói. Às vezes sinto
um leve incômodo, nunca foi tão forte assim. Ela sempre se movia muito
levemente, mas agora eu acho que ela está recompensando.
— Ela é muito forte — o sorriso que iluminava seu rosto e o brilho que
refletia nos seus olhos eram de pura alegria. E alívio. E gratidão.
Estava tudo bem. Sua mulher estava bem, sua filha estava bem e
continuariam assim.
— Eu não estava completamente apagada durante a cirurgia — ela
comentou depois de um tempo em que permaneceram em um silêncio
deslumbrado, observando a barriga dela. — Não estava inteiramente
consciente tampouco, mas consegui compreender algumas coisas.
— É mesmo? — ele perguntou interessado, se acomodando melhor ao
lado dela.
— Sim. Eu consegui sentir quando fui aberta — Henrique arregalou os
olhos e ela se apressou a explicar melhor, sorrindo. — Não dessa forma que
você está pensando. Não senti dor. Nenhuma — ele suspirou aliviado e ela
sorriu com carinho antes de continuar. — Quero dizer, não sei como explicar
direito, mas consegui sentir quando ele abriu minha barriga. E senti quando
ele começou a operá-la.
— E não doeu?
— Não. Foi mais como uma sensação estranha, tipo um frio na barriga,
entende? Não doeu, não foi incômodo, só parecia estranho. Senti quando ela
quase saiu de mim e tenho certeza que ouvi o médico dizer o quanto ela é
linda — contou sorrindo.
— Disso eu tenho certeza — beijou sua testa em um carinho.
— Após a cirurgia, quando fui movida para esse quarto, os médicos
conversaram comigo. Eles disseram que a cirurgia foi um sucesso e que agora
só nos restava esperar e observar. E também disseram que o principal
nivelador de todo esse sucesso seria o próprio bebê e seus movimentos.
— Então isso que dizer que está tudo bem com ela agora?
Sofia foi interrompida antes que tivesse tempo de responder por uma
batida discreta na porta que anunciou a presença de uma simpática
enfermeira.
Ambos esperaram até que a mulher ministrasse a medição, verificasse
rapidamente a pressão e outras coisas em relação ao estado de Sofia que
Henrique não entendeu, e logo estavam sozinhos novamente.
— Gosto de pensar que está tudo bem agora. E isso... — ele disse,
colocando a mão sobre a barriga dela e sendo recompensado pouco tempo
depois com um chute. — Isso é apenas a certeza disso.
— Eu também — ela murmurou, colocando a mão sobre a dele. — Mas
você sabe que a cirurgia também pode ter sido apenas paliativa, não é? E,
mesmo que tenha dado certo, temos um longo caminho pela frente para que
tudo fique realmente bem.
— Eu sei.
Henrique havia pesquisado. Crianças com a mesma malformação que
sua filha precisavam de fisioterapia e outros acompanhamentos médicos
durante os primeiros anos de vida, para garantir que tudo estava de fato bem,
para garantir que continuasse assim e para ajudar nos primeiros movimentos
da criança.
Contando que ela estivesse bem. Contando que eles estivessem
preparados para o que viria, daria tudo certo.
— Vai ficar tudo bem — murmurou após algum tempo, perdido em
pensamentos, prevendo futuros e imaginando situações. Ficaria tudo bem.
Olhou para Sofia quando não recebeu uma resposta e franziu o cenho
quando a encontrou fazendo careta.
— O que...
— Que cheiro é esse? — ela perguntou, olhando ao redor do quarto, a
expressão fechada.
— Que cheiro? Você...
— Tem alguma coisa fedendo nesse quarto — ela disse, se inclinando
ligeiramente na cama para pegar um panfleto de alguma coisa que não
prestaram atenção sobre o criado mudo. Paralisou o movimento por um
instante e olhou para ele, a careta aumentando.
Pegou o papel com movimentos leves e voltou vagarosamente a
recostar-se contra os travesseiros, os olhos colados nele e franzidos. Henrique
piscou, confuso.
— O que foi?
Ela pareceu pensar por um segundo, a expressão estranha, os olhos
arregalados e brilhantes e ele já viu aquilo antes.
— Alguma vez eu já disse o quanto você fede?
Henrique não resistiu, foi mais forte que ele. Antes que pudesse se
impedir a gargalhada escapou alta por sua garganta.
CAPÍTULO 28
— Eu posso andar — ela reclamou pelo que parecia a décima vez nos
últimos minutos.
Recebeu o silêncio como resposta e resmungou.
— Não sou uma inválida.
— Não disse que era — Henrique respondeu, a voz tranquila.
— Mas é o que parece — ela continuava resmungando. Henrique sorriu
sem que ela visse, empurrando a cadeira de rodas e sem ligar para os
resmungos dela. — Eu tenho pernas, você sabe.
— Sei.
— E posso usá-las muito bem.
— Sei disso.
— E não sou uma inválida, como já disse.
— Sei disso também.
— Então você concorda que sou capaz de andar. E que essa cadeira de
rodas é desnecessária.
— Claro. Quer andar, mas isso não quer dizer que possa. Ou precise —
ele rebateu enquanto atravessavam a saída norte do hospital, que dava
diretamente no estacionamento.
Era final de tarde e estava quase anoitecendo. Agradeceu por aquele dia
em especial não estar tão frio, porque ele não lembrara de pegar um casaco
para ela. Seguiu empurrando a cadeira pelo estacionamento e sorrindo dos
resmungos dela.
— Eu queria andar.
— Você vai.
— Agora?
— Não.
— Eu queria agora.
— Já disse que não.
— Quando então?
— Em casa.
— Você é muito chato.
— Também amo você — sorriu, parando ao lado do carro. Avaliou por
um segundo que, embora ele fosse um carro realmente grande, não oferecia
tanto conforto assim. Abriu a porta traseira para ela, pensando em comprar
outro. Um maior. E melhor. E mais seguro. — Agora seja uma boa menina e
estique os bracinhos.
Ela fez cara feia. O que era impossível, com aquele rostinho perfeito de
boneca. Fechou ainda mais a cara quando ele não conseguiu reprimir um
sorriso e daquela vez ele até suspirou.
Sem se conter, ela sorriu de volta, gostando de ser admirada daquela
maneira por ele. Nunca se cansava.
— Idiota — resmungou, mas ainda sorria.
Henrique a pegou nos braços com cuidado, sem deixar que ela nem por
um segundo colocasse os pés no chão e a depositou no banco. Afivelou o
cinto com cuidado, afastando-o da área da cirurgia e folgando-o um pouco
para que não incomodasse a barriga dela.
— Está tudo bem? — perguntou, retirando a pequena bolsa do ombro e
colocando-a ao lado dela. As demais coisas dela, presentes e roupas do tempo
que usou enquanto esteve internada já haviam sido levadas por Sebastian.
— Estou bem — ela respondeu e acariciou o rosto dele como
agradecimento. Henrique beijou seu nariz e logo fechava a porta, dando a
volta no carro.
Deu partida no carro e o nervosismo, ao contrário do que pensava, não
apareceu. Estava tudo pronto para a chegada dela desde a noite anterior.
Lorrany e Thaís, Sebastian e Diego garantiram que estava tudo certo,
que ele não precisava se preocupar com nada e foi isso que ele fez. Claro que
estava ansioso para saber qual seria a reação dela e curioso para saber o que
fizeram. Porém, tinha certeza que ela gostaria, todos se esforçaram para isso.
Olhou pelo retrovisor e Sofia estava absorta, olhando pela janela do
carro. Ele a abriu apenas um pouquinho e ela sorriu ao receber o suave bater
do vento no rosto. Sorriu para ele e ele sorriu de volta.
Sensação de completude. De paz, finalmente, após tantos problemas,
após tanto sofrimento. Mereciam ser felizes, agora mais que nunca. Desviou
do sentido que geralmente fazia para ir para a antiga casa e Sofia não
percebeu.
Teriam um bebê. Eram um casal, se amavam e agora teriam um bebê.
Isso era motivo suficiente para comemorar e, devido a todos os perrengues
dos últimos meses, eles não tiveram tempo para isso. Sentar juntinhos,
conversar sobre o futuro, sobre a criação da filha, sobre todas as pequenices
da vida e apenas relaxar juntos. Sem neuras, ou preocupações demais, ou
problemas e dores demais.
Apenas quando ele diminui a velocidade ao chegar na rua em que agora
morava foi que Sofia notou que não conhecia aquele endereço. Estacionou
em frente a casa, ignorando a interrogação na expressão dela e desceu do
carro.
Abriu a porta para ela e a ajudou a retirar o cinto, com cuidado.
— Onde estamos? — avaliou a expressão dele e Henrique tentou não
demonstrar nada. Evitou sua pergunta e com um pouco de dificuldade devido
ao pouco espaço, conseguiu pegá-la nos braços, fechando a porta com o pé.
— Aciona o alarme para mim, amor — disse quando começou a
caminhar até a varanda. Sofia pegou a chave da sua mão e fez o que ele
pediu, olhando em volta, curiosa e confusa.
O antigo proprietário do imóvel havia contando enquanto assinavam
todos os papéis necessários para a compra, embora Henrique não estivesse
interessado, que a casa havia sido projetada por algum arquiteto famoso de
nome estranho que ele nem sequer lembrava. Aparentemente, o tal arquiteto
tinha um projeto de criar um condomínio ou algo do tipo, mas algum
problema com a prefeitura o impediu de seguir adiante.
O que resultou em três casas semelhantes, uma ao lado da outra,
separadas por cercas de um metro de altura e um vasto jardim. Ele
particularmente não se importava com aquilo e admitia que a distância entre
as outras casas da rua o agradava.
As três casas formavam um estranho contraste com as outras, a metros
de distância. Mas ele gostava daquilo. Só esperava que não tivesse vizinhos
barulhentos. Ou fofoqueiros, mas isso já era pedir demais. Não precisava se
preocupar com aquilo no momento, entretanto, porque as casas estavam
vazias. Aparentemente, foram colocadas à venda a pouco e ainda não haviam
compradores interessados.
Voltou a focar na sua casa e tentou decifrar na expressão dela o que
ela estava pensando. A fachada possuía movimentos de laje, duas grandes
colunas, iluminação nos degraus de acesso a entrada e vitrais que contornam
a grande porta de entrada.
Caminhou devagar com ela nos braços, deixando que observasse tudo
com atenção. Percebeu a careta que ela fez quando ignorou o caminho
ladrilhado até a porta e andou sobre o gramado. Queria que ela tivesse uma
visão geral de tudo e depois perguntaria o que ela achava, já que sabia que ela
não teria tempo para isso quando entrassem em casa e a festa tivesse início.
O projeto arquitetônico de 538 metros quadrados possui dois
pavimentos e a integração de ambientes. Após a sala de estar, uma grande
porta de correr separa a área social da cozinha, composta por uma grande
bancada de trabalho e uma mesa que ele já imaginava servindo de apoio para
as maluquices culinárias da sua mulher.
A área do living também possui uma pequena galeria que leva ao home.
Grande, confortável e decorado com adesivos que remetem a clássicos do
cinema, obra de Sebastian. O home possui uma grande porta de vidro que
também dá acesso à área de lazer.
A única coisa que ele foi capaz e fez questão de opinar foi a área da
piscina, que também conta com um espaço gourmet completo, coisa que ele
não faz questão de descobrir o que seja, mas planeja usar como um espaço
para reunir os amigos em um domingo pós jogo do Brasileirão. Não faz ideia
de porque chamar um espaço e não uma comida de "gourmet", mas o enorme
forno a lenha, o fogão e a churrasqueira fazem com que esqueça de todas suas
indagações.
Na bancada de refeições, obra também do seu cunhado que ele tem
certeza que fez pensando nele mesmo, foi instalada uma choperia. Estava
ansioso para inaugurara-la e Sebastian não falou em outra coisa nós últimos
dias. Talvez fizessem aquilo naquele dia.
Subindo a escada de saída do living há um mezanino com vista para
toda a área social e também a área externa da casa. No andar superior estão
uma sala de estar de tamanho médio, que ele planeja encher de brinquedos e
coisas de crianças o mais rápido possível, um escritório que será o cantinho
de estudos de Sofia, a suíte do casal e outros três quartos, além de um outro
cômodo que ele pretende montar uma surpresa para ela.
De fora, a casa não demonstra tudo, todos os cômodos elaborados e
todas as surpresas montadas para ela. Parece uma casa comum, bonita é claro,
um pouco parecida com a casa dos pais dela e com um gramado bonito. Ele
teve o cuidado de pedir que deixassem a luz da varanda e a iluminação do
jardim ligados, para que ela tivesse uma visão geral de tudo antes de entrar.
De fora não se ouvia nem sequer um ruído do que acontecia lá dentro e
ele sorriu com expectativa. Esperava que ela gostasse.
— De quem é essa casa? — ela parecia não entender o que estava
acontecendo, também não era para menos, mas ele não respondeu. Pensou
que assim que visse a casa ela entenderia tudo, mas agradeceu em
pensamento por não.
Era muito difícil esconder coisas dela, mesmo as mais bobas, e Sofia
havia desenvolvido um dom único para detectar quando ele estava
escondendo algo. Pensou que na hora ela sacaria, mas como aparentemente
este não era o caso, sorriu e parou em frente a porta.
Sofia ainda o fitava, aguardando por uma resposta e Henrique abriu a
porta. Caminhou, no escuro, pelo hall de entrada e só parou quando quase
chegava à sala de estar.
Ela abriu a boca para perguntar novamente, mas ele foi mais rápido e a
colocou no chão com cuidado. Ela fechou os lábios e firmou as pernas,
sempre apoiada por ele.
E antes que tivesse tempo de perguntar qualquer coisa, a algazarra
começou.
— Bem-vinda! — um coro de vozes gritou ao mesmo tempo que as
luzes foram acesas.
Henrique estava apostos quando ela pulou de susto e a segurou,
abraçando-a por trás.
No térreo está localizada toda a área social da casa; living, sala de
jantar e bar integram um único espaço sem nenhuma parede e decorados
básica e unicamente por Lorrany. Thaís, que disse não entender muito da
coisa, deixou que a amiga tomasse conta daquele assunto e Henrique
precisava assumir que a morena fizera um bom trabalho.
Os móveis combinavam entre si e montavam um ambiente confortável.
Em tons alegres, mas semelhantes, Henrique podia imaginar Sofia lendo em
um dos sofás que davam vista para o jardim, ou, a imagem que parecia
gravada na sua mente, correndo pelo espaço com uma menininha ruivinha e
linda como a mãe. Talvez ela tivesse os seus olhos, mas ele gostava de
imaginar um outro par de olhinhos azuis para iluminar seus dias.
Haviam balões, bandeirinhas como as que ele comprara para ela no
hospital, uma mesa enorme que ele não reconheceu contendo comes e bebes e
todos os que eram importantes para eles ali, sorrindo para eles, felizes e
aliviados.
Aquela festa não era apenas de boas vindas, Henrique pensou enquanto
a abraçava, observando as primeiras lágrimas e o sorriso feliz iluminarem seu
rosto. Aquela festa era o marco que encerrava toda a fase ruim pela qual
passaram nos últimos tempos.
Os sustos com a saúde de Sofia, os sustos com a saúde da sua menina,
os perrengues da vida que não respeitam ninguém, toda a fase de
desconfiança e sofrimento do início daquele relacionamento, tudo. Ali,
finalmente e após meses, eles estavam inteiros.
Fizeram o que podiam. Lutaram, perseveraram, mas ainda não havia
vitória. Tinham a certeza de que fizeram o possível e o impossível para que
tudo ficasse bem, deram o seu melhor para isso e agora o que restava apenas
era esperar. Esperar e curtir o momento, ter esperanças. Soltou-a apenas
quando ela foi tomada em um abraço apertado e carinhoso pelo irmão.
Com a certeza de que ela estava amparada, ele se afastou um pouco e
deixou que ela curtisse o momento. Aquele momento era dele também, mas
se de tudo que passaram, se de tudo que sofreram ele era um sobrevivente,
ela era a razão disso.
Por ela que ele lutou. Por ela, por elas que ele estava ali. As mulheres
da sua vida, os amores da sua vida. As razões pelas quais existia. Ali,
observando o sorriso feliz dela ao ser acolhida pela família, ele pôde
finalmente respirar aliviado.
Aquilo tinha gosto de final feliz. De para sempre. De vitória, mesmo
que ainda não fosse uma. Lembraria de agradecer as amigas dela depois. Era
justamente daquilo que Sofia precisava, estar entre os seus, feliz,
comemorando uma pequena vitória na batalha que ainda não acabou. Não se
ressentiu por não ser ele a pensar naquilo em primeiro lugar, em elaborar uma
festa para ela, porque o que importava era aquele sorriso lindo e aliviado nos
lábios dela.
Não importa quem pensou em que primeiro. Importa a felicidade dela,
o sorriso dela para ele depois de ser abraçada pela família, o corpo dela
contra o seu quando ela o abraçou apertado. Importa que ela estava bem, que
elas estavam bem.
— Agora entendi o que estamos fazendo aqui, mas você ainda não
respondeu de quem é essa casa — ela disse, ainda nos braços dele.
— É nossa — esperou que ela se surpreendesse, mas como isso não
aconteceu, ele prosseguiu. — Vamos criar a nossa menina aqui.
— Então era isso que você estava escondendo — ela sabia, é claro.
Notava tudo sobre ele, mesmo que ele não contasse. Mesmo que ela mesma
não contasse.
Ele sorriu. Gostava de ser lido daquela maneira, da mesma maneira que
fazia com ela.
— Você gostou?
Ela também sorriu e a alegria no rosto dela, aquele sorriso, os olhos
brilhando, aquele mar azul que o encanta desde o dia um, era por aquilo que
vivia.
— Eu amei — beijou-o um pouquinho e se não fosse a algazarra de
vozes da família e amigos deles lembrando-os que estavam ali, ele a teria
beijado por horas. — Obrigada.
— Não precisa agradecer. Fiz por você — ele disse, beijando a testa
dela. —, mas por mim também. E por ela — a mão que já estava sobre a
barriga dela, era a primeira coisa que fazia quando a abraçava, recebeu um
pequeno chute em resposta e ambos sorriram.
— Amo você — ela disse. — Nós amamos você.
— Também amo você — beijou-a novamente porque era isso que o
momento pedia e porque era isso que ele queria fazer pelo resto da vida. —
Amo vocês mais que tudo.
CAPÍTULO 29
Sentado observando enquanto Sofia ia para lá e para cá pela cozinha,
descalça e com liberdade de espaço para sua barriga, Henrique sorria.
Era domingo, eles estavam completando um mês na casa nova, sem
surpresas, sem infortúnios, e naquele dia decidiram comemorar. Sofia havia
acordado cedo na intenção de pesquisar, encontrar e preparar um almoço
digno de um domingo ensolarado como aquele e ele estava encarregado de
picar os temperos.
— Lorrany está pensando em dar um chá de casa nova — ela disse,
separando sobre o balcão os ingredientes que iria precisar, pensativa.
Henrique supôs que ela calculava as medidas de cada coisinha e multiplicava
por dois ou três, levando em conta, sabiamente, que era domingo e, como de
costume, naquele dia sempre recebiam visitas.
— Lorrany se mudou? — perguntou curioso, tentando não cortar os
dedos.
— Não.
— Então por que ela... Ah. Um chá de casa nova para a nossa casa
nova.
— É — ela confirmou sorrindo. — Ela diz que, com uma casa desse
tamanho, festas são necessárias.
— Isso é bem a cara dela mesmo — Henrique riu, sem se importar.
Lorrany era tão da família como Sebastian e ele já havia se acostumado com
as imposições dela.
Se ela disse que daria uma festa de casa nova ou coisa que o valha, ela
faria. Mesmo que ele seja o dono da casa e não ela, obviamente, mas aquilo
estava longe de seu controle. E Sofia parecia sempre animada com as
maluquices da amiga, por mais incomuns que fossem, estão estava tudo bem.
— E você quer isso? — ele perguntou só por perguntar mesmo, o
sorriso dela era resposta suficiente e a animação iluminava seus olhos.
— Seria legal — parou um pouco o que fazia e olhou para ele. — Quer
dizer, se você não se importar...
— Não me importo.
— ... Porque a casa é sua e...
— Mais sua do que minha — ele a cortou mais uma vez, deixando de
lado o que fazia e olhando bem para ela, olhos nos dela, que é pra que ela
tivesse certeza. — Não me importo, de verdade. E acho que uma festa pode
ser legal, seu irmão vive enchendo o meu saco para usar a churrasqueira.
Ela sorriu, grata e Henrique sorriu de volta, voltando a picar os
temperos. Sofia havia se sentido incomodada a princípio em relação à casa,
falando sobre como gostaria de ter contribuído, que tinha um bom dinheiro
guardado, anos e anos de mesada guardadas em uma poupança, que ela nunca
usava para comprar outras coisas que não livros, e que teria gostado de ajudá-
lo de alguma forma.
Fora difícil convencê-la de que não era preciso, ele também tinha um
bom dinheiro guardado, parte do lucro que recebia da sociedade da boate e
parte do seu antigo trabalho, lá em São Paulo, antes de se mudar. Ele só
conseguiu acalmá-la quando sugeriu que montassem e comprassem, juntos, o
restinho das coisinhas da bebê que ainda faltavam.
Então eles saíram às compras, por dias seguidos e ela finalmente
sossegou. O quartinho da sua menina estava pronto, lindo e digno de uma
princesa. Sofia estava bastante animada e assistia quase que diariamente
tutoriais de decoração e coisas do tipo e também vídeos de relatos, desabafos
e conselhos de mães para outras mães.
Esse último ela fazia em segredo, não queria que ele visse e ele deu a
privacidade que ela queria, procurando coisas para fazer pela casa enquanto
ela se enfurnava no escritório que havia transformado em uma mini biblioteca
para ela.
Aos poucos eles foram se habituando àquela nova rotina e Henrique
descobria a cada dia o quanto era maravilhoso ter privacidade com a sua
mulher. Ou o tanto quanto possível considerando as amigas abelhudas e o
irmão entrão dela.
Eles não eram os piores. Longe disso, Henrique era muito grato por tê-
los agora também na sua vida, mesmo que por muitas vezes eles não tivessem
noção das coisas. Ele só reclamava às vezes quando eram acordados, ele e
ela, às sete da manhã de um sábado pelas amigas dela, desesperadas para
montar um enxoval que já havia sido montado, remontado e atualizado
milhares de vezes, ou quando recebia ligações animadas tarde da noite de um
Sebastian muito bêbado e animado para um churrasco pós balada.
Todavia, isso de fato nem o incomodava muito, ele os compreendia;
Lorrany e Thaís estavam animadas para serem tias e Sebastian estava
afundando cada vez mais na sua nova fama de pegador. Algo que preocupava
Sofia e, consecutivamente, ele também.
Não foram poucas as vezes que eles conversaram sobre aquilo, sobre o
quanto Sebastian parecia a cada dia mais diferente, mais fechado e focado em
pegar e não se apegar. Sofia havia observado em silêncio por tempo demais e,
após duas semanas daquilo – Henrique pensou que ela não aguentaria
permanecer calada nem uma semana sequer –, não aguentou mais e chamou o
irmão para conversar.
— Você está quase casada, vai ser mãe, estou muito feliz em ser tio,
estou mesmo, mas sigo sendo solteiro. E é isso que solteiros fazem — o ruivo
havia rebatido após Sofia discorrer por quase meia hora, sem tomar fôlego,
sobre ele sempre ser visto com uma ou outra garota, apenas uma vez cada, ao
ponto de elas sequer serem lembradas depois.
— Eu sei que você é solteiro, que pode pegar e não se apegar, todo esse
papo machista e não sei o que — ela retrucou e, sem ao menos recuperar o
fôlego, prosseguiu: — Mas, se essa fosse a minha única preocupação, eu não
me meteria na sua vida.
E continuou, discorrendo daquela vez sobre a possibilidade de ele
causar problemas sérios ao fígado, como cirrose ou doenças do tipo.
Henrique soube que ela havia pesquisado a respeito quando ela citou três ou
quatro doenças de nomes complicados que ele nunca ouviu falar, seus
sintomas, tratamentos e os casos mais graves de cada uma.
— Então, eu acho... — ela continuava, mas Sebastian a interrompeu.
— Sofia, eu tenho a sua idade — a lembrou, sorrindo. — Você não
pode querer me dar lição de moral como uma velha.
— Mas eu acho que...
— Eu sei o que você acha, mas já ouvi o bastante. Nem mesmo a
mamãe enche o meu saco como você está fazendo agora.
Henrique permaneceu de telespectador, os olhos desviando de um para
o outro, tentando adivinhar quem ganharia aquela quase discussão. Ele
apostava na sua mulher, sempre, mas Sebastian estava se saindo bem. Ele no
lugar do cunhado já teria cedido no primeiro discurso.
Sofia o ignorou e começou um novo discurso, daquela vez sobre
doenças sexualmente transmissíveis e preservativos e Henrique precisou
controlar o riso. Não sabia quem estava mais vermelho com aquela conversa,
se era Sofia, recitando "intimidades" e gaguejando ao falar a palavra "pênis",
ou Sebastian, ouvindo a irmã falar sobre como ele deveria encapar o boneco
antes de sair para brincar, como se ele fosse um adolescente.
O silêncio reinou ao final do discurso dela e, após uma eternidade,
Sebastian pareceu recuperar a fala.
— Agradeço pela aula, mas, sinceramente, você está anos atrasada. E
preciso ressaltar que a mamãe foi mais eficaz que você — disse e conseguiu
rir um pouquinho, sendo acompanhado discretamente por Henrique.
— Eu só quero o seu bem — ela disse e, ao ouvirem o tom magoado,
os dois engoliram o riso rapidinho.
— É sobre a minha vida que estamos falando, Sofia. Você precisa
entender que não pode se meter e que...
Então a primeira lágrima escorreu pelo rosto dela e se aquela visão já
não fosse o bastante para amolecer o coração de Sebastian, Henrique olhou
tão feio para ele por fazer sua mulher chorar que rapidinho, tão rápido quanto
havia engolido a risada, ele se pôs a consolar a irmã, afirmando que tentaria
levar os conselhos dela em consideração e que tentaria ser menos galinha.
Quando o cunhado foi embora, sentindo-se mal por fazê-la chorar,
Henrique pensou que seria a vez dele de consolá-la e já se levantava para
buscar o pote gigantesco de sorvete emergencial, que ele guardava
exatamente para ocasiões como aquela, mas então ela sorriu e enxugou as
lágrimas.
— Foi mais fácil do que eu pensava — disse, sorrindo satisfeita.
— Você... Você estava fingindo? — Henrique estava perplexo com o
dom para atuação dela.
— Ah, é claro. Ele não estava me dando ouvidos — disse, cruzando as
pernas, longe da visão de uma mulher angustiada. — E, alias, tenho o direito
de me meter na vida dele, porque, além de ser meu irmão, ele já se meteu
demais na minha no passado. Agora é a minha vez.
— Você é... Terrível — ele afirmou, ainda chocado, mas sorrindo para
a perspicácia daquela mulher.
— Obrigada — ela retribuiu o sorriso, satisfeita consigo mesma, mas
logo disse: — Você pode ir buscar o sorvete agora. Acho que eu mereço uma
gratificação pela atuação.
Henrique não se surpreendia mais com o quanto ela parecia conhecê-lo
e mais: decifrá-lo. Ele conseguia fazer o mesmo com ela, por isso notou
quando ela parou os movimentos que fazia de frente ao fogão, preparando o
que quer que aquele monte de ingredientes estranhos juntos resultassem.
Levantou, largando a faca de qualquer jeito sobre o balcão da pia e a
virou com cuidado para si. Ela tinha os olhos ligeiramente arregalados e ele
não conseguiu respirar aliviado mesmo quando viu que não havia dor na sua
expressão.
— O que foi? — perguntou ansioso, uma mão no rosto e a outra sobre a
barriga dela.
— Nada — ela respondeu depois de um tempo. — Foi só um chute. O
mais forte até então, mas só um chute. Eu acho...
Mas ela se interrompeu e prendeu o fôlego, os olhos arregalados
encontrando os dele também no mesmo estado. Definitivamente fora um
chute e tanto, ele havia sentido o movimento sob a mão que ainda estava na
barriga dela.
— Dói? — perguntou, quando ela conseguiu respirar.
— Não, só é incômodo. Parece que ela está pressionada contra as
minhas costelas — desceu a mão para a área que se referia, acariciando com
cuidado, tentando aliviar o incômodo.
— Acho que seria bom sentar um pouco — Henrique sugeriu, sentindo
o temor por supor que talvez fosse algo grave aos poucos ir embora.
— Acho que sim.
— Consegue andar? — aquela pareceu ser uma pergunta retórica
porque, sem que ela tivesse tempo de responder, logo ele a tomava nos braços
com cuidado, sem fazer movimentos bruscos demais e caminhava até a sala.
Sofia não reclamou, aconchegada nos seus braços, já acostumada com
o cuidado e preocupação dele. Henrique a colocou sobre o sofá devagarinho,
sem pressa. Sentou ao lado dela e ajeitou as almofadas para que ela ficasse
confortável.
— Está tudo bem? — perguntou, afastando os fios avermelhados e
macios do rosto dela, atento a sua expressão.
— Sim, já passou — ela o assegurou, acariciando a barriga volumosa
com as duas mãos. Aos oito meses, ela ainda crescia, o que parecia um pouco
desconfortável para ela e impressionante e lindo aos olhos dele.
— Devemos ligar para alguém? Sua médica ou sua mãe? — ele
perguntou, um pouco mais tranquilo que ela parecesse bem, mas sempre
alerta e preocupado.
— Não — ela respondeu e sorriu para todo aquele cuidado. Mas então
um outro movimento e outro seguido foram perceptíveis mesmo sob o tecido
da camisa que ela vestia e, após se assegurar que ela conseguia respirar outra
vez, Henrique discou o número da médica dela.
Após contar rapidamente o que estava acontecendo, Henrique ouviu
por alguns segundos, sempre atento, os olhos nela, preocupados. Só
conseguiu respirar aliviado quando a médica o assegurou de que Sofia estava
bem, de acordo com o que ele relatou e que aquilo era comum.
— O que ela disse? — perguntou Sofia, curiosa.
— Que isso é normal — ele contou, sentando-se novamente ao lado
dela, sem lembrar quando havia levantado. Colocou a mão novamente sobre a
barriga dela, acariciando devagar. — A doutora disse que, após a cirurgia, a
bebê finalmente tem a mobilidade motora que não possuía antes e que
provavelmente ela só está se encaixando direitinho.
— Se encaixando direitinho? — Sofia perguntou franzindo o cenho,
confusa.
— É, você sabe. Se encaixando na posição que os bebês geralmente
devem estar para o nascimento.
— Ah — ela exclamou ao compreender e suspirou de alívio logo
depois. — Faz sentido. Eu senti que ela estava, tipo, dando voltas dentro de
mim.
Henrique riu quando ela arregalou os olhos para expressar o quanto
havia se assustado com a sensação.
— Ela também disse que, uma vez que a bebê estiver encaixada, ela
não vai se mover tanto quanto antes. E definitivamente não vai dar mais
voltas na sua barriga.
Sofia riu relaxando contra o sofá, as pernas no colo dele e os pés sendo
massageados. Permaneceram em silêncio por um tempo, apenas curtindo o
momento. Henrique não desviou os olhos da barriga dela, as mãos ocupadas a
massageando. Perdeu a noção do tempo fazendo aquilo e só percebeu que
Sofia estava relaxada demais quando perguntou se ela estava confortável e
ela não respondeu.
Ela dormia, apoiada nele, sob os carinhos dele e ele sorriu. Ajeitou as
pernas dela sobre o sofá, cobriu-a com uma manta fina que encontrou por ali
e levantou. Abriu parcialmente a porta de vidro que dava no jardim, deixando
que a brisa fresca entrasse pela fresta. Beijou a testa dela com carinho e sorriu
quando ela resmungou alguma coisa, franzindo o cenho ligeiramente, sem
acordar.
Seguiu sorrindo até a cozinha e pegou o celular dela esquecido sobre o
balcão. Buscou pela receita que ela havia encontrado na internet e precisou de
alguns minutos para conseguir entender o que diabos era aquilo.
Após conseguir compreender o mínimo possível e ter uma vaga noção
de por onde começar, ele deixou o celular de volta sobre o balcão e se
encaminhava até o armário, em busca de um refratário grande, porém o
aparelho vibrou sobre a superfície lisa de mármore.
Esticou a cabeça tentando conseguir ler de quem era a mensagem, os
braços esticados e as mãos pegando com cuidado uma grande bacia de vidro.
Franziu o cenho quando voltou a se aproximar do balcão. O número era
desconhecido, o que era um pouco estranho, mas não foi isso que o
incomodou.
Pensou ter lido errado, estava um pouco distante do aparelho, podia ter
confundido as palavras. Largou a bacia e pegou o aparelho. Não estava
enganado e ele precisou trincar os dentes de ódio ao presumir exatamente de
quem era aquela mensagem.
Então sorriu, mesmo exalando pelos poros a fúria que sentia por ele ter
tido a audácia de tentar incomodar ou assustar Sofia. Sorriu mesmo quando
mil e uma maneiras de como acabar com aquele desgraçado invadiram a sua
mente, uma pior e mais macabra que a outra, mas todas definitivas.
Largou o celular dela de volta no balcão, após copiar no seu o número
desconhecido e voltou a seguir a receita que ela havia escolhido. O
pensamento estava longe, criando situações, ignorando possíveis
consequências, e o sorriso permaneceu nos seus lábios.
Respirou fundo quando viu pela grande janela que dava vista para o
jardim e a rua primeiro o carro de Sebastian parando na sua garagem, seguido
do carro dos seus sogros e poucos segundos depois pelo carro de Lorrany.
Porque eles não haviam se juntado e vindo em apenas um carro, Henrique
não sabia, mas, ao ver Diego estacionando ao lado do carro da morena, ele se
parabenizou por ter escolhido uma casa com uma garagem tão grande.
Escondeu em um cantinho da mente aquela mensagem, o que ela
implicava e em que ela resultaria e seguiu até a porta, após apagar a
mensagem do celular dela, antes que algum deles tivessem tempo de apertar a
campainha. Não queria que Sofia despertasse com o barulho.
Abriu a porta, ainda sorrindo e relaxou as mãos fechadas em punho.
Não queria que ninguém percebesse, não queria ser desencorajado nem
tampouco ser incomodado. Faria o que deveria ter feito desde o começo,
desde que notou o quanto ela ficava desconfortável na presença dele.
Quase o fizera uma vez, fora impedido e convencido a voltar atrás e
pensar melhor, mas daquela vez ele não iria parar. Daquela vez ele não se
impediria, colocaria um fim aquilo e, daquela vez...
Recebeu a família dela, as amigas dela e o seu amigo e conseguiu pelo
resto do dia ignorar as palavras que agora pareciam gravadas na sua mente.
“Você vai me pagar. Não perde por esperar.”
Ah, mas quem não perdia era ele. Vinícius o pagaria com juros,
correção monetária e alguns dentes. Talvez todos. Sorriu.
CAPÍTULO 30
Sofia acordou pouco mais de meia hora depois e encontrou a cozinha
lotada, cada pessoa responsável por uma tarefa e uma parte do preparo.
Henrique conseguiu que trabalhassem todos juntos e com o mínimo de
barulho possível, conseguiu até mesmo compreender aquela receita maluca e
tinha certeza de que estavam fazendo tudo certo.
Viu quando ela acordou, viu quando se espreguiçou com cuidado,
coçando os olhos e bocejando. Sorriu para ela quando ela arregalou os olhos
para as pessoas na cozinha e largou o que fazia para seguir até ela.
— Bem-vinda de volta, dorminhoca — beijou o rosto dela, sentando-se
ao seu lado.
— Por quanto tempo eu dormi? — ela perguntou com a voz rouca de
sono, após beijar o rosto dele também.
— Não o bastante. Nós ainda não terminamos tudo.
— Hum — ela se aconchego no pescoço dele quando ele a abraçou. —
Vocês pareciam bem concentrados na tarefa de fazer o almoço. Está dando
certo?
— Não sei se você sabe, mas eu sei cozinhar — resmungou e Sofia riu,
erguendo o rosto. Olhou bem para ele e ergueu as sobrancelhas. Henrique
suspirou, se rendendo. — Tudo bem, a sua mãe basicamente está fazendo
tudo, eu apenas fiz o que ela mandou.
Ela riu e beijou os lábios dele rapidamente. Afastou-se um pouco,
acariciando o rosto dele com o seu e depois com os dedos. Olhou nos olhos
dele, sem desviar, atenta e Henrique sabia que ela havia notado alguma coisa
na sua expressão, mesmo que tenha tomado cuidado para não expressar nada
e nenhum dos outros tenha notado.
— Você quer se juntar a nós? Ainda faltam algumas coisas, tenho
certeza que você pode fazer alguma coisa — ele sugeriu, na esperança tola de
desviar a atenção dela para outra coisa.
— Sim. Tenho certeza de que eu posso fazer alguma coisa — ela
repetiu e ele captou naquela frase um outro sentido que não se aplicava ao
que faziam na cozinha.
— Então vamos — respondeu e se ergueu rapidamente, fugindo sem
nem tentar ser discreto das perguntas que sabia que viriam. Sofia cerrou os
olhos, ainda olhando para ele, mas escolheu deixar aquilo de lado por um
momento.
Tentou se levantar e ele a ajudou, prestativo. Seguiram até a cozinha,
ela com a mão nas costas como uma espécie de apoio gravitacional e ele a
auxiliando com cuidado, atento.
— Ora, vejam quem resolveu acordar. Bem-vinda de volta, Cinderela
— Sebastian debochou e parou o que fazia tempo suficiente para beijar o
rosto da irmã.
— Cinderela? — ela perguntou sem entender. Beijou o pai e a mãe, as
amigas e Diego antes de sentar na cadeira que Henrique puxou para ela.
— É. Você estava adormecida como aquela mina do conto de fadas.
Cinderela.
— É Bela Adormecida, idiota — Henrique rebateu enquanto os outros
riam.
— É a mesma coisa — Sebastian resmungou ignorando Lorrany rindo
ao seu lado. Virna havia colocado os dois juntos na tarefa de preparar o
camarão e Henrique não viu nada de mais a princípio.
Observando a forma como os dois pareciam se evitar, sem fazer grande
alarde, desconfortáveis ao lado um do outro, ele não saberia dizer se daquela
vez sua sogra fizera o certo. Os dois pouco se falavam, apenas o necessário e
nunca se olhavam nos olhos.
Henrique viu Sebastian observar a morena dos pés a cabeça quando ela
se virou para pegar algo na mesa ao lado. Viu os olhos azuis famintos por
cima do corpo dela, mapeando cada curva e depois viu quando ele
rapidamente voltou a pose despreocupada e indiferente.
Henrique precisou reprimir o sorriso quando viu Lorrany fazendo o
mesmo pouco tempo depois, aproveitando que o ruivo estava distraído
implicando com a irmã e correndo os olhos pelo corpo dele. Chegou até a
morder o lábio, os olhos perdidos. Mas logo voltou a se concentrar no que
fazia, fazendo de conta que o homem ao seu lado nem sequer existia.
Não sabia o que havia dado errado naquela noite, algum tempo atrás,
quando pegou Lorrany e Sebastian, Diego e Thaís quase se comendo na pista
de dança. Sofia, quando viu os dois casais, sorriu feliz. Então, mais tarde
naquela mesma noite, ele teve que dormir no sofá, porque as amigas de Sofia
pareciam desoladas, mesmo após comerem quase todo o miojo da casa, e sua
mulher decidiu que naquela noite suas amigas precisavam dela.
Sofia havia reclamado que nenhuma das duas quis contar o que havia
acontecido e que ela havia esperado por tempo demais. Ela queria já há
algum tempo organizar uma noite só das garotas, mas devido aos últimos
problemas essa ideia fora esquecida até então.
Estava ansiosa e curiosa para descobrir finalmente o que havia
acontecido e Henrique não poderia negar que também estava curioso. Por
isso quando ela sugeriu que ele também fizesse uma noite dos garotos, ele
não reclamou. Lembraria de retornar ao assunto com ela mais tarde, quando
todos fossem embora.
Virna, sempre atenta às necessidades da filha, preparou com rapidez
uma vitamina para Sofia, enquanto Henrique separava no balcão algumas
coisas que ela poderia fazer, ainda sentada e sem se esforçar.
— Então — Sebastian começou, lavando as mãos na pia após terminar
a sua tarefa naquele almoço coletivo. — Será que agora nós podemos
inaugurar a churrasqueira?
Henrique riu ao observar os olhos pidões do cunhado, que foi imitado
rapidamente por Diego e Otávio, os três desesperados para deixar de lado as
tarefas domésticas. Antes que ele pudesse responder, entretanto, sua sogra
parecia ter outras ideias.
— Não, querido. Mamãe precisa de você aqui. Corte isso aqui em
rodelas bem fininhas, tudo bem? — estendeu para o filho uma tábua de
madeira, uma faca e uma calabresa enorme. — Cuidado para não cortar os
dedinhos.
— Isso, cuidado com os dedinhos, Sena — Sofia debochou rindo.
— Pegue com carinho a calabresa, Sena. Cuidado para não apertar
demais — Henrique não resistiu à oportunidade de implicar com o cunhado.
— E se quiser pegar com as duas mãos, seria melhor. Mas lembre-se:
não coloque na boca ainda, não seja guloso — Diego deu dois tapinhas nas
costas dele e todos riram da cara de nojo de Sebastian ao pegar das mãos da
mãe a calabresa.
Ele ficou olhando por um tempo para a coisa, enojado com os
comentários e ignorando as risadas às suas costas, o que apenas fez com que
rissem ainda mais. Lorrany, que também havia terminado sua tarefa, o
afastou com o corpo, empurrando-o para o lado e assumiu a tábua e a faca.
— Homens e suas idiotices de macho — ela resmungou, cortando
rapidamente a calabresa da forma que Virna pediu. Com eficiência e
ignorando os olhos irritados de Sebastian sobre seu rosto, ela olhou
rapidamente para Sofia. — Você está disposta hoje?
— Ah, sim. Muito — Sofia respondeu sorrindo.
— Então aquele negócio que eu te falei ainda está de pé?
— Que negócio é esse? — Sebastian perguntou, os olhos atentos aos
movimentos que a morena fazia. — E você poderia prestar atenção no que
está fazendo? Vai acabar cortando os dedos.
— Não é da sua conta e eu não preciso me esforçar para fazer duas
coisas ao mesmo tempo. Pode se afastar um pouco? Obrigada — ela rebateu
e olhou para Sofia novamente quando ele fez o que ela mandou, afastando-se
emburrado.
— Sim, Henrique concordou — Sofia respondeu, os olhos curiosos
sobre aqueles dois. Não era a única, todos pareciam prestar atenção na
interação deles.
— Ah, bom — ela disse, e piscou um dos olhos para Henrique como
um agradecimento. — Então só preciso pegar algumas coisas no meu carro e,
quando terminar aqui, já começo tudo.
— Tudo o que? E por que vocês estão conversando em código? —
Sebastian permanecia irritado por ter sido excluído da conversa.
— Porque não é da sua conta — Lorrany finalmente olhou para ele ao
rebater novamente e daquela vez a faca, que ela ainda manuseava com
mestria, errou o alvo principal e acertou um dos seus dedos. — Ai!
Sebastian agiu rapidamente, parecendo já esperar por aquilo. Afastou-a
do balcão, pegou o primeiro pano que encontrou por perto e pressionou na
mão dela.
— Eu avisei que isso aconteceria, mas você nunca se importa com o
que eu falo — ele resmungou enquanto ela choramingava.
— Isso porque não sou obrigada a obedecer ordens de ninguém e...

— E agora você vai ficar calada e fazer o que eu digo — a interrompeu


e brigou. — Mulher teimosa do caralho, custa prestar atenção no que faz e
deixar para conversar sobre o que quer que seja depois? Poderia ter perdido o
dedo e isso tudo por ser teimosa demais — a arrastou pelo braço que ainda
segurava, pressionando o pano sobre o corte. — Vamos, vou fazer um
curativo nesse dedo — ela abriu a boca para provavelmente retrucar, mas ele
foi mais rápido. — Vamos. E cale a boca por cinco minutos.
Mais engraçado que aquele tom autoritário de Sebastian foi que
Lorrany fez o que ele mandou. Seguiu o comando dele e caminhou de boa
vontade para fora da cozinha, em direção ao banheiro mais próximo. E
calada.
Após a saída dos dois, um silêncio quase decifrador se seguiu. Virna
tentou esconder um sorriso satisfeito, mas Sofia e Henrique perceberam.
Otávio também sorria, esse sem nem se fingir de desentendido. Ele conhecia
a mulher que tinha e sabia que ela não dava pontos sem nó.
Thaís e Diego, ocupados em cantos distantes, outros dois que não se
encaravam, até sorriam, mas pareciam incomodados. Henrique viu quando a
sogra os observou com atenção e sorriu, já prevendo o que viria.
— Thais, querida, você poderia ir até o carro de Lorrany e pegar as tais
coisas que ela comentou? — começou ela, ignorando os sorrisos discretos do
marido, da filha e do genro. — Você sabe, ela está com a mãozinha
machucada, então não vai poder fazer esforço. Você poderia fazer isso por
mim, por favor?
— Claro — Thaís sorriu em resposta, inocente e, após lavar as mãos,
seguiu até a garagem.
Diego, coitado, com os olhos colados na bunda da mulher saindo da
cozinha, não viu o momento em que os olhos da sogra do amigo se focaram
nele.
— E você, Diego, meu bem, poderia ajudá-la com isso? — ela sugeriu,
sorrindo um sorriso que apenas as mães tem, parecendo apenas preocupada
com o bem estar de todos, sem demonstrar quais de fato eram as suas
intenções.
Diego arregalou os olhos e olhou rapidamente para o amigo.
— Eu? — ele perguntou assustado para a diversão de Henrique.
— Meu bebê está ocupado ajudando Lorrany, coitadinha. Meu marido
está ocupado me ajudando e Henrique não vai sair do lado de Sofia nem por
decreto — ela esclareceu, sorrindo. — Então só sobra você. Poderia me fazer
esse favor, querido?
Ele não teve tempo de responder, logo era colocado para fora da
cozinha e encorajado a seguir Thaís até a garagem.
— Não precisam ter pressa, nós damos conta de terminar o almoço —
Virna ainda salientou. Sussurrou a última parte no ouvido do moreno,
enquanto ainda o empurrava, mas todos na cozinha foram capazes de ouvir.
— Aproveite e resolva o que quer que precise resolver com ela. E só volte
quando colocar um sorriso no rosto dela e ela um no seu. Boa sorte.
E o empurrou uma última vez, se voltando para as três pessoas que
restaram na cozinha. Bateu as mãos uma na outra.
— E seja o que Deus quiser.
CAPÍTULO 31
Lorrany só pareceu recuperar a voz e voltou a ser ela mesma quando foi
praticamente arrastada pelas escadas.
— Tem um banheiro lá embaixo — comentou.
— Eu sei — Sebastian respondeu, sem olhar para ela.
— Então por que estamos subindo?
— Porque eu quero. E eu não disse que você deveria ficar calada?
— Disse, mas desde quando você manda em mim?
— Desde que você parece precisar de ajuda e eu que a estou ajudando.
— Posso cuidar do meu dedo sozinha, obrigada. Você está dispensado
dos seus serviços, doutor — ela debochou quando finalmente chegaram no
andar de cima e ele parou de frente para o banheiro.
— Entre — disse ele, ignorando a provocação dela e abrindo a porta.
Lorrany revirou os olhos antes de entrar e fez isso batendo os pés com
força no chão, como uma criança de 10 anos. Sebastian a observou de cima,
as sobrancelhas erguidas e ela revirou os olhos mais uma vez. Por que aquele
homem tinha que ser tão alto? Evitou olhar muito para ele, não queria se
distrair com a visão que ele era e preferiu continuar fingindo-se de irritada.
— Já falei algumas vezes, mas acho que preciso dizer novamente — ela
resmungou enquanto ele procurava no armário do banheiro por um kit de
primeiros socorros. — Você não manda em mim.
Ele riu em resposta e ela quase deu um tapa na própria testa por não
conseguir se impedir de parecer uma criança ao lado dele.
Fechou os lábios com força e deu apenas uma olhadinha básica para
aquela bunda maravilhosa bem no seu campo de visão. Não tinha culpa se ele
havia se inclinado na sua frente e aquela delícia ficou bem na sua cara.
Era quase desumano o quanto aquele homem era gostoso. Lindo com
aqueles cabelos cor de cobre, a barba cheia e bem aparada, os lábios que
pareciam implorar por um beijo e os olhos azuis mais lindos que ela já viu.
Juntando tudo isso com a altura, os músculos e aquelas tatuagens... Ela
precisou morder o lábio e colocar as mãos nas costas para se impedir de dizer
algo idiota ou esticar a mão e tocá-lo para ter certeza que ele era real.
Ele encontrou o que procurava e se voltou para ela. Lorrany tentou
disfarçar rapidamente a expressão, mas a olhada profunda que ele deu no seu
rosto deixou claro que ela falhou vergonhosamente.
Sebastian a observou em silêncio e se aproximou um passo. Depois
outro. E mais um. Parou apenas quando seu corpo quase encostava no dela e
Lorrany respirou fundo discretamente, se arrependendo disso no segundo
seguinte ao ter os pulmões invadidos com o elixir do pecado que aquele
homem chamava de perfume.
Os olhos dele, azuis e lindos como ela nunca viu, focaram nos dela e
ela retribuiu o olhar, tentando fingir uma expressão irritada. Sebastian deu
mais um passo, colando o corpo no dela e esticou uma das mãos, buscando
nas costas dela o braço que ela mantinha para trás.
Segurou a mão enrolada no pano com cuidado e retirou a faixa que
havia feito com o tecido, revelando o dedo machucado. O corte era pequeno,
no dedo indicador da mão esquerda e já não sangrava mais. Buscou por
algodão e algo que desinfetasse o ferimento, sem desviar nunca os olhos dela.
Limpou com cuidado o ferimento e Lorrany reclamou baixinho quando
sentiu o dedo arder. Sebastian assoprou com cuidado, aproximando a mão
dela dos lábios. Protegeu o corte agora limpo com um curativo, mas não
largou a mão dela.
Lorrany mal respirava, em suspenso. Pensou que não havia como ele se
aproximar mais, mas descobriu estar errada. Foi empurrada até a porta, o
corpo pressionado contra o dele e quase fechou os olhos quando sentiu que
ele empurrava o quadril contra o seu, permitindo que sentisse uma parte
especifica do seu corpo que não era discreta.
Ainda segurando a mão que ele havia tratado, Sebastian, sem tirar os
olhos dos delas, a ergueu devagar e a depositou sobre seu ombro. Fez o
mesmo com a outra mão, sem pressa, seduzindo-a aos poucos, prendendo-a
com o olhar, com o corpo contra o dela e a boca próxima demais, mas não o
bastante.
Seguiu os comandos dele e envolveu os braços no pescoço dele,
ficando nas pontas dos pés. Sentiu o vestido que usava subir um pouco, mas
não se importou. Olhou dos olhos para a boca dele e quando ele começou a se
inclinar, ela pareceu recuperar a consciência.
Virou o rosto no último segundo, quando já sentia a respiração dele se
misturando com a sua. Sebastian pressionou o rosto contra o seu pescoço e
ela fechou os olhos.
— Não podemos — sussurrou, mas seu sussurro se transformou em um
suspirou quando o sentiu beijando sua pele.
— Eu sei — ele respondeu, subindo a boca por sua pele, beijando-a e
fazendo sua pele arrepiar.
— Da última vez... — ela se interrompeu quando sentiu a respiração
quente dele contra a orelha.
— Eu sei — ele repetiu.
— Da última vez você disse... — ela tentou novamente, mas se
interrompeu quando ele mordeu o lóbulo da sua orelha, percorrendo os dentes
sobre sua pele, fazendo-a gemer.
— Eu sei o que eu disse — ele murmurou, beijando seu pescoço mais
uma vez antes de erguer o rosto. — Eu só preciso...
A voz dele estava rouca, profunda e ele não conseguiu continuar.
Lorrany o observava com os olhos febris, o desejo exposto nos pelos
arrepiados pelo seu corpo, na calcinha úmida que ele não via e nos olhos que
brilhavam.
Ele não conseguiu se controlar e tomou o rosto dela nas mãos,
erguendo-a e se inclinando para ela. Lorrany fechou os olhos, ansiosa e antes
mesmo de sentir os lábios dele nos seus, ela já gemia.
Sebastian a beijou devagar, como se mapeasse o território, como se
estivesse descobrindo algo novo. Entreabriu seus lábios, após percorrer a
língua por eles. Sua língua encontrou a dela, o gosto dela e ali ele se perdeu.
Uma das mãos que seguravam a cabeça dela se infiltrou nos cachos
macios e volumosos e ele não resistiu e puxou levemente, apenas para ver o
que isso faria com ela. Lorrany não só gemeu na sua boca como também
puxou o cabelo dele, puxando-o mais para si e colando seus corpos ainda
mais.
Sebastian pressionou o quadril contra o dela mais uma vez e Lorrany
desistiu de se fazer de caça. Era bom ser pressionada daquela forma por ele,
era bom permanecer ali enquanto ele a beijava daquela forma, mas ela queria
mais.
Desceu as mãos pelos ombros dele, sem parar de beijá-lo, afastando da
mente o que aconteceu da última vez em que esteve em um cômodo fechado
com ele, sozinhos. Percorreu as mãos pelo peitoral forte, louca de vontade de
ver aquele monte de tinta na pele bronzeada. Sentiu os piercings nos mamilos
dele mesmo sobre a camisa e gemeu quando a vontade de percorrer a língua
por ali quase a deixou louca.
Desceu pelo abdômen maravilhoso que ele tinha e não resistiu em
enfiar as mãos por baixo do tecido, tocando a pele quente e sentindo os
músculos se retraírem ao toque dos seus dedos. Sebastian desceu a mão que
ainda tocava seu rosto, a outra ainda puxando seu cabelo, os lábios famintos
consumindo os dela. Percorreu suas curvas apenas por um instante, refém das
carícias dela, mas quando ela mordeu seu lábio, quase com força demais e em
seguida lambeu, ele sentiu o último resquício das suas forças indo embora.
Agarrou a bunda dela com força e vontade, gemendo junto com ela.
Soltou seu cabelo e infiltrou as duas mãos sob o tecido do vestido dela,
percorrendo a pele macia das cochas grossas e chegando a bunda, daquela
vez sem um tecido que o impedisse de sentir o calor da pele dela.
Apertou com vontade, puxando-a contra si, alojando a parte mais
necessitada do seu corpo contra a parte mais necessitada do corpo dela,
movendo-se devagar, aumentando a sensação, fazendo com que ela gemesse
mais uma vez e ele se esforçasse para conter os sons que queriam sair por sua
garganta.
Apertando a bunda dela com fome, Sebastian descolou seus lábios,
ofegante e perguntou:
— Você não está usando calcinha? — sua voz mal passava de um
murmúrio rouco e profundo, mas ela pareceu compreender o que ele
perguntou e ainda sorriu, a maldita, ao responder:
— Claro que estou. Só que ela é bem pequena.
Sebastian fechou os olhos, jogando a cabeça para trás e Lorrany atacou
seu pescoço sem demora, ela também faminta.
Beijou, chupou e lambeu a pele dele, tentando tirar com a língua todas
as marcas de tinta que encontrou por ali. Sebastian deixou que ela fizesse o
que queria e permaneceu parado enquanto ela seguia investindo contra seu
corpo, rebolando devagar, percorrendo seu corpo e gemendo contra sua pele.
Não aguentou muito daquilo, entretanto. Deixou que ela o tocasse,
permitiu que puxasse sua camisa para cima, para observar o caminho que
suas mãos pequenas faziam, mas quando ela percorreu sua pele com força
com as unhas, de alto abaixo, sorrindo como uma filha da puta, ele grunhiu e
a atacou novamente.
— Desgraçada — rosnou contra os lábios dela e engoliu o sorriso que
iluminava aqueles lábios cheios. Beijou-a com ainda mais fome, atacando-a
como queria, quase comendo-a mesmo por sobre as roupas.
Retirou a camisa com rapidez, ele já muito perdido no que aquela
mulher e apenas ela era capaz de fazer com seu corpo. O desejo que sentia
por ela, a necessidade, a fome, a loucura, eram coisas que ele não
compreendia e que buscava apenas sentir, longe de possíveis consequências e
problemas futuros.
Jogou a camisa longe e ela percorreu os olhos pelo seu peito, mordendo
o lábio ao estacionar o olhar no volume que estufava a frente da sua jeans.
Lorrany esticou a mão, os olhos voltando para os dele e, sorrindo, ela o tocou
delicadamente. Era mais a sugestão do que seria um toque do que de fato um,
mas o que aqueles olhos castanhos colados nos seus e a mãozinha delicada
tocando-o fizeram com a sua cabeça...
Ele voltou a colar o corpo contra o dela, retirando a mão dela dali,
apenas para se pressionar novamente contra ela, com força, da forma que
queria fazer se estivessem sem roupa. Ergueu o vestido dela devagar, os
olhos devorando cada centímetro de pele morena que descobria.
Ouviu o sorriso dela, mas não o viu, o olhar colado no triângulo
minúsculo de tecido que ela chamou por calcinha.
— Você quer me matar — ele conseguiu desviar os olhos para os dela,
mas apenas por um segundo, logo ele estava quase babando, olhando para o
que parecia ser o seu presente de aniversário adiantado.
Ela riu daquela vez e apenas para provocar mesmo, porque pense numa
mulher maldita era aquela, ela ergueu os braços ao lado da cabeça. Como se
estivesse a disposição dele. Como se ela fosse dele. E só dele.
— Filha da puta — ele grunhiu antes de atacar o corpo dela e ela riu
mais uma vez. Sebastian tirou aquele sorriso da boca dela com a sua e depois
foi ele a sorrir quando rasgou a calcinha dela com força e ela gemeu nos seus
lábios.
Com uma mão ele segurou o vestido sobre os peitos dela, agarrando um
com força com a mesma mão que segurava o tecido, sem resistir, e desceu a
outra até onde queria. Ela prendeu a respiração e ele sorriu, tomando seu sexo
inteiro na mão, mas sem tocá-la como ela queria.
Afastou-se, querendo observar de perto aquela mulher se desfazendo
contra seus dedos, mas foi ele que quase explodiu quando percorreu um dedo,
só um, pela comissura dos lábios da boceta dela e a encontrou encharcada.
Era para ser um toque suave, apenas uma provocação, queria brincar um
pouco mais com ela, sem se importar com o que as pessoas lá cozinha
pensassem da demora.
Mas então lá estava ela, escorrendo para ele, molhada por ele e
gemendo gostoso só para ele. Sebastian não tinha mais como voltar atrás.
Não tinha mais como tentar ir devagar, não lembrava mais o que havia
acontecido da última vez. Tudo o que ele queria estava ali, presa junto com
ele naquele banheiro, entregue e gemendo bonito para ele.
Ele deslizou um segundo dedo junto com o primeiro, o barulhinho
molhado repercutindo pelo cômodo, o cheiro dela nublando sua cabeça e a
visão dela entregue, inteira ali e só para si.
Percorreu da entrada da boceta dela até o clitóris e massageou devagar.
Lorrany gemeu manhosa, contorcendo o corpo, a feição desfeita em prazer e
Sebastian franziu o cenho, mordendo o lábio.
— Não faz isso — pediu e aproximou os lábios dos dela, falando contra
sua boca. — Não geme gostoso assim para mim.
Ela fez de novo e daquela vez ele pinçou seu clitóris com os dedos.
Então ela gemeu de verdade e ele não sabia o que era pior, ela gemendo
manhosa ou assim, gemendo alto, angustiada, necessitada.
Sebastian a massageou sem pressa, observando e absorvendo as reações
dela, louco de vontade de sentir o gosto dela e ainda mais louco para ouvi-la
gemer daquele jeito quanto estivesse enterrado dentro dela, até as bolas e com
força, como ela merecia.
Lorrany abriu os olhos, gemendo e mordeu o lábio. Franziu o cenho de
prazer e de outra coisa, e ele soube antes mesmo que ela abrisse a boca o que
diria.
— Não podemos — ela meio que gemeu, meio que suspirou e ele
enfiou um dedo, só um, dentro dela, apenas para testá-la.
— Por que? — perguntou, retirando e enfiando o dedo, sentindo como
ela estava quente e ainda mais molhada.
— Você sabe porque — ela rebateu e segurou a mão dele com esforço.
Sebastian não resistiu e parou os movimentos, mas ela segurou a mão dele
ali, o dedo ainda dentro dela, mas agora imóvel. — Você pode não lembrar o
que disse da última vez, mas eu lembro.
Sebastian fechou os olhos. Não sabia o que era pior, ela dizer não, jogar
aquilo na sua cara logo ali ou continuar mantendo a mão dele contra a boceta,
mas sem deixar que ele a movesse.
— Eu lembro — ele disse, abrindo os olhos e tentando adotar uma
expressão séria, falhando miseravelmente. Ele ainda segurava o vestido dela
para cima e não resistiu em descer os olhos pela barriga chapada e linda dela
e a bocetinha ainda coberta por sua mão e pela dela.
Lorrany retirou a mão dele do seu sexo devagar, gemendo só um
pouquinho ao esbarrar no seu clitóris. Sebastian observou ela afastar sua mão,
os dedos molhados do mel dela, brilhando. Ele lambeu os lábios e Lorrany
sorriu.
Era um sorriso depravado, repleto de desejo e ele não entendeu o que
significava. Não até que ela ergueu a mão dele, os dedos dele brilhando com
o seu suco e aproximou do rosto dele, apenas o bastante para que ele sentisse
o cheiro dela, ainda mais forte.
Sebastian inclinou a cabeça, quase como um cachorrinho querendo
receber comida na boca, tentando capturar os próprios dedos, mas ela foi
mais rápida. Afastou a mão e chupou os dedos dele, sentindo o próprio gosto
e cheiro e sorriu quando ele soltou um palavrão.
— Filha da puta. Se não vai me deixar nem ao menos lamber o caralho
dos meus dedos, vá embora.
Lorrany riu, sem vergonha e maliciosa ao extremo. Lambeu os dedos
dele pela última vez e os soltou.
— Desculpa, não resisti — ainda deu de ombros, aumentando a
irritação dele. — Você pode sentir meu gosto agora.
Sebastian fez como que ia pôr a mão de volta na boceta dela, ansioso,
mas ela o parou novamente, rindo mais uma vez.
— Não, não foi isso que eu quis dizer.
— E o que você quis dizer, mulher desgraçada do caralho?
Ela riu mais uma vez, o sorriso malicioso apenas aumentando. Segurou
ela mesma o próprio vestido para cima e se pressionou mais firme contra
porta. Sebastian abaixou os olhos para a vista espetacular lá embaixo, a boca
quase salivando e finalmente entendeu o que ela queria dizer.
— Ajoelha e chupa — quase ordenou e seria de fato uma ordem se ela
não parecesse tão desesperada por aquilo como ele.
— Eu tenho uma ideia melhor — ele rebateu, porque é claro que queria
chupá-la mais do que tudo naquele momento, mas seguiu os comandos dela
até ali. Agora era a sua vez.
Puxou-a pela mão e sentou sobre a borda da banheira, que era mais
baixa que o normal. Era a altura perfeita. Com ela de pé a sua frente,
encaixou uma perna dela entre as suas e a outra ele ergueu até depositar ao
lado do seu quadril, sobre a banheira.
Lorrany entendeu tarde demais o que ele pretendia fazer e tudo o que
pôde fazer foi gemer alto quando ele a puxou para sua boca pela bunda, não
sem antes dizer:
— Quero ouvir você gemendo meu nome e não me importo se as
pessoas lá embaixo ouvirem.
E ela obedeceu, gemendo uma vez atrás da outra, quase gritando o
nome dele, pelo tempo que ele levou descontando com a língua ali todas as
suas provocações.
CAPÍTULO 32
Ela não o viu chegando, nem o ouviu. Estava inclinada sobre a mala do
carro, tentando pegar de uma vez as dezenas de sacolas que a amiga havia
colocado ali. Sabia mais ou menos o que eram todas aquelas coisas, haviam
planejado juntas o que fazer, mas parecia ter mais coisas ali do que se
lembrava.
A saia que usava era um pouco curta demais, obra de Lorrany, mas não
se importou se talvez estivesse pagando calcinha. O carro estava estacionado
no canto da garagem e sua bunda estava virada para a parede, então não tinha
problema.
Só que tinha. E o problema em questão tinha mais de dois metros de
altura, braços e pernas musculosos, sem contar com todos os outros músculos
e os olhos escuros que não desgrudavam da parcela da bunda dela que estava
de fora.
Diego se aproximou, como que hipnotizado, os olhos fixos na bunda
dela, rezando para que ela se inclinasse um pouco mais, só um pouquinho, só
até que ele tivesse uma breve visão do que queria.
Aquela saia era quase indecente de tão curta e ele não conseguiu tirar
os olhos das pernas dela por toda a manhã. Começou quando a viu descendo
do carro, quando chegaram. Viu muito de longe e com os olhos atentos que
ela usava uma calcinha vermelha, mas não poderia dizer mais sobre. Tão
rápido quando a breve visão veio, foi embora e ele ficou parado no meio da
garagem, tentando rebobinar a imagem na sua mente.
Então aquilo. Thaís quase de quatro, sem saber que era observada,
metade da bunda para fora da saia e zero rastros de uma calcinha vermelha.
Ele até inclinou a cabeça, perguntando-se se não havia imaginado coisas. Mas
tinha certeza do que viu, tinha certeza de ter visto um pedaço quase
microscópico de um tecido vermelho ali. Porém, onde estava?
Então ela se inclinou um pouco mais, como que atendendo ao pedido
silencioso dele e ele teve a visão que esperava. Só que não tinha calcinha
vermelha ali. Não tinha nada.
Foi difícil pensar em não atacá-la depois daquilo e ele sequer tentou.
Antes que ela tivesse tempo de erguer o corpo, lá estava ele, tomando-a
pela cintura, puxando-a para si e se encaixando contra ela, do jeitinho que
desejou fazer a manhã inteira.
Não ouviu um ofego de surpresa, não a sentiu tensa contra seu corpo,
nada e apenas quando ela riu baixinho foi que entendeu. Ela sabia que ele
estava ali, talvez até soubesse que ele iria atrás dela.
Mordeu o lábio quando Thaís, antes de erguer o corpo, rebolou
levemente, pressionando-se ainda mais contra ele. Subiu as mãos pelo corpo
dela, do quadril para a cintura e da cintura para os peitos, por cima da blusa
mesmo. O decote discreto quase não chamou sua atenção antes, mas pelo tato
e pela visão que tinha de cima por ela ser baixinha ele notou que ali também
não tinha uma segunda camada de roupa.
Que aquela mulher queria tirá-lo do juízo, agora estava claro. Qual a
sua intenção com aquilo, entretanto, ele ainda não sabia. Ela que da última
vez deu para trás. Ela que pediu para parar e ele parou. Ficou muito puto, é
verdade, quis dizer alguns desaforos, quis falar algumas verdades, e até disse
algumas, ela também, mas agora não entendia qual era a dela.
Thaís virou entre seus braços, ficando de frente para o seu corpo. Tão
colados estavam que ele não sabia onde terminava seu corpo e começava o
dela. Foi ela que se inclinou para beijá-lo, pouco tempo depois, quando
apenas os olhares não foram suficientes.
Diego inclinou-se um pouco para ela, para ajudá-la a alcançar sua boca
e deixou que ela assumisse o controle. Deixou-se ser beijado por aqueles
lábios que havia observado vezes sem conta, deixou que ela o tentasse como
queria, segurou a perna que ela ergueu até sua cintura e morreu em silêncio
quando ela começou a rebolar contra seu pau, mesmo por cima da roupa.
Foi difícil como um inferno manter-se imóvel, mas ele conseguiu.
Permitiu-se ficar ali e serviu ao que ela queria. Beijou de volta, é claro,
porque até tinha controle, mas não tanto. Mordeu o lábio dela quando ela
rebolou mais forte, gemeu contra a boca dela quando ela o puxou para baixo,
mais para perto, como se já não estivessem perto o bastante.
Ela parecia fora de controle, atacando-o daquela maneira, rebolando
contra ele, gemendo na sua boca e lambendo seus lábios. Ele queria mais que
tudo jogá-la contra aquele carro, abrir a porta e fazê-la sentar no seu colo,
rebolar aquela bundinha gostosa para ele e gemer com seu pau todo enterrado
dentro dela.
Queria, mas não fez. Não é assim que a banda toca, ela precisa
entender. Não pode dispensá-lo um dia, sem dar explicações e depois fazer
aquilo, tirar a calcinha, ficar de quatro e esperar que ele avance. Ele até o fez,
mas não fez mais nada desde então.
Percebeu quando ela foi diminuindo aos poucos e sua boca
acompanhou o ritmo da dela, como um bom servo. Ela se afastou depois e
olhou nos olhos dele. Seja lá o que procurava, aparentemente não encontrou.
Diego viu nos olhos dela que ela queria se afastar, que talvez estivesse
arrependida por ter o atacado. Desceu a perna dela devagar e deixou que se
afastasse.
Thaís virou de costas, as mãos nos cabelos, o corpo inteiro trêmulo
como ele só viu uma vez e ele deixou que ela tivesse o seu momento.
Percorreu os olhos pelo corpo dela, incapaz de se conter e precisou de muito
controle para deixá-la de lado e se concentrar em outra coisa.
Observou por um segundo as dezenas de sacolas que estavam
guardadas na mala do carro e viu, apenas de relance e porque ele não deixa
passar nada, a calcinha dela, vermelha e minúscula como ele sabia que era,
jogada no cantinho, escondida atrás de uma sacola. A pegou e guardou no
bolso traseiro da calça. Fez isso sem pensar, apenas no automático.
— Por que você faz isso? — ele ouviu a voz dela depois de um tempo.
Diego a olhou apenas por um segundo. Respondeu enquanto juntava as
sacolas em grupos e as agarrava pelas alças.
— Isso o que? Servir de brinquedo para você? — atirou sem nem
avisar, porque Diego até é um bom garoto, até é um amor de pessoa e sabe se
controlar como ninguém, mas também não é idiota, tampouco santo.
— Eu não disse que quero você de brinquedo — ela respondeu depois
de um instante, a voz trêmula e os olhos longe dos dele.
Diego largou as sacolas e se voltou para ela.
— E o que você quer, então?
Ela não respondeu e ele pensou que não o faria. Voltou a pegar as
sacolas, todas de uma vez porque ele não queria dar uma segunda viagem.
Fechou a mala do carro com esforço, eram sacolas demais, mas pelo menos
não estavam tão pesadas como pensou.
— Quando você descobrir — ele começou, já se encaminhando para a
porta que dava passagem direto para as escadas. Se ele fosse pelo o outro
lado, encontraria todos os outros reunidos na cozinha e precisava de um
tempo para pôr a cabeça no lugar antes disso. — Quando descobrir o que
quer, então eu estarei aqui. Até lá...
Foi interrompido, entretanto, porque aparentemente ela não tinha
terminado. Engraçado como uma mulher minúscula como aquela deu conta
de o empurrar e de pressioná-lo contra a parede mais próxima. Agora
estavam no corredor que levava até as escadas.
Diego manteve os braços ao lado do corpo, pesados com as sacolas e
ergueu as sobrancelhas quando ela colou o corpo no seu, pressionando-se
contra seu corpo, aparentemente pronta para tentá-lo mais uma vez.
— O que eu quero de você — ela começou e ele quase fechou os olhos.
A voz dela estava rouca, necessitada e ele soube, antes mesmo de ela fazer
qualquer coisa, que daquela vez não haveria controle no mundo que o fizesse
ficar parado. — é que você pare de fingir que não quer, tanto quanto eu.
— Não disse isso, ao contrário de você.
— Não, você não disse — ela confirmou, subindo e descendo as mãos
pelo corpo dele, sedenta. — Mas eu não sou idiota.
— Então eu devo ser, porque primeiro você diz que quer, depois diz
que não quer, me ignora, finge que eu nem existo e ainda fica com raiva
quando eu faço o mesmo.
Ela sorriu, longe da figura fragilizada que ele viu naquela noite, depois
do que aconteceu naquela pista de dança, e longe, muito longe da mulher fora
de controle que ele viu a pouco. Agora ela tinha outro propósito, agora ela
parecia certa do que fazer, sem joguinhos e ele a amaldiçoou baixinho.
— O que acontece, Diego — ela sussurrou, parando as mãos no botão
da calça dele, deslizando os dedos devagarinho, tentando-o. — é que você
precisa entender...
Era bonitinho ela querer dizer agora o que ele precisava entender ou
não, mas Diego não tinha paciência para aquilo. Se ela queria, se o queria,
que dissesse aquilo em voz alta.
— O que você quer? — a interrompeu, largando as sacolas no chão,
mas deixando as mãos paradas ao lado do corpo e longe do dela apenas
porque ainda tinha algumas coisas a dizer. — Já estou cansado disso. Uma
hora você diz uma coisa, outra hora diz outra e não disse nada pelas últimas
semanas. É engraçado você fingir que tem o controle da situação, mas não
dizer de uma vez o que caralho quer.
— Você — ela disse. Diego colou os olhos nos dela, focado apenas
nela e gravando na mente o que ela disse a seguir. — Eu quero você.
Ele se inclinou um pouquinho, só um pouquinho, porque ela ser baixa
demais não era um problema, mas queria ouvir aquilo de pertinho. Queria
capturar as palavras dela com a sua boca, guardá-las num cantinho especial e
visitá-las quando ela o irritar novamente.
— O que você disse? — perguntou, só para ouvir ela dizer de novo e
com todas as palavras.
Ela sorriu, provocadora que era e ficou na ponta dos pés, falando contra
a boca dele.
— Eu quero você — seus lábios se moveram junto com os dela, a
língua dela lambeu os próprios lábios e os dele de tabela e foi difícil se
controlar depois disso. — Quero você, mais do que quis naquela noite, mais
do que quis alguns minutos atrás e quero agora.
Ela se afastou um pouquinho, as mãos ainda no fecho da calça dele.
Abriu o botão devagar, correndo os dedos sobre seu pau, por cima da jeans e
continuou.
— Quero você dentro de mim — ela quase cantava, a voz repercutindo
pelo corredor, quase um sussurro, quase um gemido, fazendo miséria na
cabeça dele e deixando-o muito além. — Quero você me comendo com força.
Quero você gemendo para mim, batendo na minha bunda, me chupando com
força...
Ele subiu as mãos pelas pernas dela e apertou aquela bundinha gostosa
com força, quase fora de controle, mas refém das palavras dela, querendo
ouvir mais.
Thaís desceu o zíper da sua calça devagar, separou as duas partes o
máximo que conseguiu e mordeu o lábio quando o encontrou pronto para ela,
duro como uma pedra e pulsando contra o tecido de algodão da cueca branca.
— Mas agora...
Ela se interrompeu quando ele a agarrou com força, uma mão ainda na
bunda e a outra enrolando o cabelo dela em punho, puxando-a para os seus
lábios.
— Agora o que? — Diego perguntou e mordeu o lábio dela com força.
Resistiu ao desejo de beijá-la, queria ouvir o que ela ainda tinha a dizer. — O
que você quer?
Ela baixou os olhos para a calça aberta dele e colocou as mãos ali outra
vez. Forçou o cós um pouquinho para baixo, descendo pelos quadris dele e
manteve os olhos ali por um tempo.
Quando voltou a olhar para ele, nos olhos dele, ela sorria. Sorria como
uma filha da puta, sorria com a certeza de que tinha controle sobre aquele
homem e que, naquele momento, ele era seu.
E com ele ela poderia fazer o que quiser.
— Agora eu quero ouvir você gemer enquanto o tomo inteiro na boca.
CAPÍTULO 33
Lorrany voltou primeiro quando eles terminavam o almoço. Virna
havia tomado conta da cozinha e o marido, Henrique e Sofia apenas assistam.
Contava sobre sua gravidez, de como os gêmeos eram quando pequenos
quando Lorrany chegou e se ocupou rapidamente com a primeira coisa que
encontrou sobre o balcão, sem dizer uma palavra. Sebastian chegou depois,
calado como ela e logo procurou algo para fazer também.
Henrique olhou de um para o outro, para o vestido fino dela meio
amassado e para o cabelo dele assanhado, mas não notou nada demais ali.
Claramente eles fizeram mais do que um curativo no dedo machucado dela,
claramente tinham se agarrado em algum momento, mas mais do que isso era
impossível dizer.
Thaís e Diego voltaram juntos pouco tempo depois, carregando as tais
sacolas que estavam na mala do carro de Lorrany. Também calados, também
inexpressivos e Henrique olhou de um para o outro tentando captar alguma
coisa. Olhou para Sofia que fitava as amigas, tentando ler alguma coisa que
não diziam e ela franziu o cenho. Não havia como dizer se as coisas estavam
bem entre aqueles quatro, se haviam finalmente se entendido ou se a situação
estava pior.
Virna, talvez percebendo algo que Sofia e Henrique não, sorria discreta
e rapidamente continuou conversando. Logo todos conversavam outra vez,
ocupados e rindo.
Sofia decidiu tomar um banho antes do almoço, cansada de ficar
sentada por tanto tempo no banco alto do balcão e Henrique se prontificou a
ajudá-la.
No quarto, ela sentou na cama, massageando as pernas doloridas
enquanto Henrique enchia a banheira para ela.
— Não sei dizer se eles se acertaram ou se continuam na mesma. Ou se
a situação está pior.
— Nem eu — voltou para o quarto, enxugando a mão numa toalha.
— Espero que dessa vez elas me contem o que aconteceu. E sobre
aquele dia da boate também — tirou o vestido pela cabeça e tentou jogá-lo no
cesto a alguns metros dali, mas errou a pontaria.
— Aham — Henrique jogou a toalha no cesto, só que ele acertou e ela
fez uma careta enquanto retirava o resto das roupas.
Observou os movimentos dela, quase hipnotizado. Ela tirou primeiro o
sutiã, com alguma dificuldade, porque o fecho ficava atrás. Os seios o
saudaram, balançando levemente, cheios e pesados. Sofia havia dito que eles
estavam muito sensíveis e, nos últimos dias, Henrique, mesmo morrendo de
vontade, evitou tocá-la ali. Mas queria. Agora mais do que nunca, observando
os mamilos um pouco mais escuros e as pequenas manchinhas que surgiram
ao redor da auréola há algum tempo.
Não podiam transar, transar, em todos os sentidos da palavra, já há
algum tempo. Não podia amá-la como queria, mas para tudo nessa vida se dá
um jeito. Dedos e bocas e línguas estão aí para isso também, aliás. Não são
poucas as vezes por dia que se dão prazer, mesmo que não possam seguir
adiante depois.
No começo era mais difícil. Vê-la, linda como sempre foi, mas ainda
mais assim, grávida e inchadinha, e com uma carinha de desejo sempre que o
via. Fora difícil, as vezes manteve-se distante intencionalmente para que ela
não sofresse, para que não escolhesse começar algo que não poderiam
terminar. Ele também não, mas para isso não havia nada que pudesse fazer.
Era só vê-la, fazendo o que quer que fosse, comendo ou até mesmo
dormindo, e ele estava lá, duro e pronto mais uma vez.
Aprenderam, aos poucos, a se acostumar com aquilo. A não se privar
do pouco que podiam fazer em razão do algo a mais que não poderiam
naquele momento. Agora estavam craques naquilo. Agora eles não temem, só
vão, só se entregam e, no final, ficam satisfeitos, mesmo que ainda queiram
um pouco mais.
Com os olhos colados nos peitos dela enquanto ela tenta massagear os
próprios pés, Henrique vai longe. Sofia não teve esse desejo desenfreado por
sexo que dizem por aí ser comum às grávidas. Com exceção daqueles
pequenos lapsos no início da gravidez, quando ela o atacava na faculdade
sempre que o via, quando ainda estavam se entendendo após toda a confusão
com a coisa da aposta, Sofia não o atacou mais.
As vezes, quando o universo sorria para ele e fazia dele um filho da
puta mais sortudo do que já era, acordava já gemendo, despertando de um
sono muito profundo, apenas para encontrar uma Sofia desgrenhada, de
bochechas coradas, olhos em chamas e uma boquinha esperta em volta do seu
pau. Nesses dias, que não eram muitos, ela parecia sempre um pouco fora de
si, afoita e muito além, e era difícil, muito difícil resistir. Não considerava
aquilo como os tais impulsos das grávidas sedentas, apenas uma mulher
necessitada do seu homem, tal como ele necessitava dela.
Aproximou-se e nem sabe como, mas, quando vê, já está ajoelhado aos
pés dela. Sofia falava de algo que ele sequer presta atenção, os olhos fixos,
colados nos mamilos durinhos dela, a boca molhada de desejo. Ela ainda
falava quando ele tocou um seio, delicadamente, sentindo o peso na mão,
quase louco para por a língua ali.
— O que você está fazendo? — ela pergunta, só um pouco confusa,
porque a expressão no rosto dele é clara demais e ela conhece o homem que
tem.
— Tocando você.
— Isso eu estou vendo. E sentindo, mas por que aí?
— Porque sim — com as duas mãos agora nos peitos dela, Henrique
quase não escuta o que ela diz.
— Meus pais estão lá embaixo.
— Eu sei — meio aéreo, meio perdido, já além e nem colocou ela na
boca ainda.
— Henrique, para com isso. Temos visita.
— Sim, visitas. Na nossa casa — aproveitando que ela entreabriu as
pernas só um pouquinho, para ficar mais confortável, não como um convite,
ele se aproxima mais um pouco.
— Eu não quero agora — a voz é quase mínima, quase um sussurro e
ele sorri, reconhecendo o jogo.
Ficaram bons naquilo, nos jogos preliminares. Ajuda um pouco,
esquenta as coisas e serve como uma preliminar que antecede as preliminares
que agora são o único prato da casa. Não podem ir muito longe, ele sequer a
toca por dentro, sempre por fora, boca, língua e dedos.
Ela aprendeu rapidinho que Henrique fica muito além quando nega um
pouquinho. Faz aquilo de ruim que é, apenas para deixá-lo louco e um pouco
fora de si. Geme um não sussurrado, quase um lamento, com a calcinha quase
pingando de desejo e as mãos coladas nele e ali ele se perde.
As vezes foge dele pela casa, sem correr, porque não enxerga os
próprios pés, e ele segue atrás, afoito, quase fora de si, mas ainda um pouco,
um pouquinho só racional. Esses joguinhos, entre outros que aprenderam
com o passar do tempo, fazem com que aquela única etapa, a que geralmente
precede o ato em si, seja ainda melhor. Seja ainda mais intensa e satisfatória.
— Não quer? — ele quase pode sentir o cheiro dela. Ajoelhado entre as
pernas dela, ela nua da cintura para cima, os peitos sob o domínio dele, Sofia
negou com a cabeça, depois afirmou, então suspirou rendida.
Ela ainda vestia o shortinho de malha que agora usava por baixo dos
vestidos. Estava um pouquinho acima do peso, nada alarmante como ela fazia
parecer, e reclamava que a fricção de uma perna com a outra as vezes deixava
sua pele irritada. Henrique pensou que fosse brincadeira, na primeira vez que
ela disse aquilo, mas então ela o mostrou a pele vermelha e reclamou quando
a tocou ali.
Agora, tudo o que mais queria era tocá-la. Não se importava com as
pessoas lá embaixo, com a família ou as amigas dela. Os dois casais, pouco
tempo antes, devem ter se comido em algum lugar da casa. Por que ele não
poderia fazer o mesmo? E, além disso, a casa era deles, poderiam e fariam o
que quisessem ali.
— Meus pais vão saber — ela comenta, não como uma negação, só
constatando fatos.
— É, sua pele fica muito vermelha depois e eles vão notar isso —
enfiou as mãos no cós do shortinho dela e ela o ajudou a tirar.
— São os meus pais. Eu não quero que eles saibam que...
— Que você transa? Sofia, você está grávida, a essa altura, eles com
certeza sabem disso. Seus pais transam também, seu irmão, suas amigas, todo
mundo transa.
— É, mas...
— Não tem com o que se preocupar. Nós não vamos transar.
— Ah, não? E vamos fazer o que então? — ela o ajudou a descer
também sua calcinha e Henrique viu a pequena careta no seu rosto quando o
tecido macio e florido desceu por suas pernas. Não era uma calcinha sexy,
não tinha renda, cetim ou qualquer enfeite ou detalhe, era apenas confortável.
Sofia se incomodava com aquilo, por usar calcinhas como aquela, que
não a apertavam e que não eram nada bonitas, mas Henrique nem ligou para
besteiras naquela altura. Passou a peça pelos pés dela, ergueu até o rosto e
cheirou, os olhos colados nos dela, bem fundo, direto, sem margens para
erros e para que ela entendesse de uma vez que aquilo, para ele, não importa.
É só tecido, é só um pedaço de pano, o que o interessa realmente fica por
baixo.
— Você não tem vergonha na cara — ela quase geme quando ele afasta
a calcinha do rosto e sorri, quente e gostoso como só ele.
— Nem um pouco — a ajudou a deitar na cama, no centro do colchão,
e Sofia relaxou as costas no macio das roupas de cama, abrindo as pernas
para ele.
Henrique fitou a visão que era aquela mulher nua, grávida, aberta e
linda para e por ele. Tirou as roupas com pressa, embora tenha dito que não
se importava com o quanto demorariam ali. Ele não se importava mesmo com
o que iriam pensar, mas aquela mulher o chamava com os olhos e com todo o
resto do corpo. A pele dela arrepiada, as pernas abertas, o desejo escorrendo
por elas, os dedinhos dos pés contraídos em antecipação. Era a sua visão
preferida no mundo.
Subiu sobre ela, roçando contra o corpo dela e beijou sua barriga com
carinho na altura do umbigo e depois sobre a tatuagem antes de se apoiar nos
braços e se inclinar para tomar os lábios dela com os seus. Sempre que a
beijava, sempre se perdia um pouquinho. Sofia sempre foi entregue, nunca
retrocedeu e nunca se entregou menos. Beijava-o com fome, como se da boca
dele ela bebesse o elixir da vida, longe de fingimentos ou joguinhos.
Separou a boca da dela minutos ou horas depois, não saberia dizer,
sempre se perdia, ele também, quando ela se entregava assim. Beijou olhos,
nariz, bochechas, testa e de volta para a boca, só para sentir o suspiro dela
contra os lábios quando desceu uma das mãos. Percorreu os lábios pelo
pescoço dela, mordendo de levinho, só um pouquinho, porque não resistiu.
Queria amá-la assim, devagarinho, de levinho, porque assim que se
demonstra amor, assim que se entrega também.
Há um bom tempo que eles só se amam assim, pelas beiradas, devagar
quase parando, porque é o que a situação exige, mas também porque pegaram
gosto na coisa. Sentiam falta de se comerem com pressa, com força, bem
fundo e rápido, é claro que sentiam, mas haveria tempo para isso depois.
— Diz que me ama — era um pedido quase ordem que ela não
demorou a atender.
— Amo, amor. Amo muito — suspirava bonitinho enquanto o beijava,
mas foi só descer a boca para os peitos que ela se remexeu inquieta,
suspirando mais forte. — Henrique...
Lambeu de leve um dos mamilos, a mão massageando o outro. Passou
a língua, beijou com carinho e Sofia já quase se perdia só com aquilo. Sorriu.
Não mentiu quando disse que estava mais sensível, ela se remexia e gemia
um pouquinho, manhosa que só ela e parecia que mais um pouco, só mais um
pouquinho, ela já se ia, sozinha e sem esperar por ele.
Resolveu tirar a prova e chupou com força, roçando língua e dentes
pelo mamilo inchado. Roçou um das mãos lá embaixo, quase sem fazer
contato, tomando sexo dela inteiro na mão, só por fora. Ela gemeu mais alto,
contraiu o corpo e se perdeu, como ele esperou que fizesse. Esperou que se
acalmasse e abrisse os olhos e sorriu para ela.
— Um — ele contou, sussurrando contra a boca dela em mais um beijo.
— Um o que? — parecia mal ter forças para falar e ele sorriu bonito,
como só um homem satisfeito por dar prazer a sua mulher pode sorrir.
— Só estou contando.
— Você não vai contar os meus orgasmos — ela quase resmungou
quando entendeu o que ele dizia.
— Certo.
E desceu a boca para o outro seio dela, dedicando tanta atenção quanto
ao primeiro e sorriu quando ela quase perdia o controle de novo. Juntou os
dois nas mãos, lindos e pesados, cheios, um pouco maiores e então a
brincadeira ficou séria. Fez miséria com a cabeça dela, beijou e chupou,
lambeu e mordeu até se sentir minimamente satisfeito e ela se perder mais
uma vez.
Desceu pelo corpo dela, sem conseguir esperar mais, beijou sua filha
com carinho, e desceu mais. E mais. Desceu até a boca repousar contra a
parte mais necessitada do corpo dela que implorava, jorrava e clamava por
ele.
— Já foram dois — entreabriu os lábios do sexo dela só um pouquinho,
só para ver o que fazia com ela, só para confirmar o que já sabia e captava só
pelo cheiro. Lambeu de levinho, de baixo para cima, da entrada molhada até
o clitóris inchadinho, sem resistir. — Quantos você acha que consegue com a
minha boca aqui?
— Henrique, por favor — não sabia se ela pedia para parar ou se
implorava por mais.
Lambeu de novo e de novo, mantendo o ritmo e a língua calmos por
quanto tempo conseguiu, o que não foi muito. Sempre se perdia quando
assim, quando ela se entregava, quando abria mais as pernas, quando o
puxava pelo cabelo, pedindo mais. E ele deu, por quanto tempo levou até o
primeiro colapso dela com ele ali, depois o segundo e o terceiro, até que
perdesse as contas de quantos foram.
Não queria parar, não queria sair, tirar a boca dali e só o fez porque ela
implorou, baixinho e sem forças, dizendo não aguentar mais. Beijou-a uma
última vez, de até logo e quase sem querer sair dali, mas subiu pelo corpo
dela, observando o espetáculo que era aquela mulher inteira vermelha e
inteira linda, suspirando baixinho, os lábios inchados, os seios vermelhos e
ainda pingando lá embaixo. Por ele.
Beijou os lábios dela e deitou ao seu lado, ele também satisfeito,
embora continuasse duro por ela. Permaneceram assim por um tempo, apenas
regularizando a respiração. Ela se acomodou contra seu corpo, satisfeita,
ainda suspirando. Ouviu quando a respiração dela foi ficando mais calma,
mais profunda e sorriu.
Pensou que dormisse e fez o mesmo, ignorando as súplicas do próprio
corpo, tão relaxado estava. Acordou sabe-se lá quanto tempo depois com uma
sensação estranha pelo corpo, sentindo a pele inteira arrepiada, a boca aberta
e gemendo sem nem saber porquê.
Não até que sentiu a boca dela em si. Não até que ouviu o som que ela
fazia enquanto o tomava inteiro na boca, gemendo também, junto com ele,
porque sentia tanto prazer quanto ele quando fazia o mesmo com ela.
Sofia ergueu os olhos quando percebeu que ele estava acordado, a boca
ainda nele, aos mãos ali e os olhos nele. Henrique gemeu, querendo dizer
algo, mas refém das carícias dela.
— Minha vez — ela disse, a boca ainda o tocando, tentando-o um
pouquinho e quando ele fez que ia falar, o lambeu de baixo para cima,
chupando com um pouquinho de força no final. — Quantos você acha que
consegue com a minha boca aqui?
Henrique jogou a cabeça para trás quando ela não esperou por resposta
e o chupou novamente. Não sabia dizer se era sorte ou azar ter uma mulher
tão sedenta como ele ou vingativa como só ela. Sorte, com certeza, repetiu
mentalmente enquanto ela o fazia se perder, vez após outra, da mesma forma
que fizera com ela.
CAPÍTULO 34
Estavam todos reunidos na sala, após o almoço ter finalmente ficado
pronto. Satisfeito e de barriga cheia, Henrique estava sentado ao lado de
Sofia, no grande sofá da sala de estar, enquanto observavam Lorrany
distribuindo ordens para todos os presentes, exceto eles dois. Sofia queria
muito colocar as mãos na massa, mas Henrique não deixou e sentou ao lado
dela, fugindo das ordens de Lorrany dizendo que não poderia ajudar,
infelizmente e que aquilo era por um bem maior.
Sofia pareceu irritada apenas nos primeiros minutos, mas logo se viu
confortável e feliz longe das ordens e dos resmungos inconformados da
amiga. Lorrany não tolerava erros e, com exceção dos pais de Sofia, todos
recebiam reprimendas vez ou outra por não realizarem suas tarefas como ela
queria.
Fato é que ela mais fazia tudo sozinha que qualquer outra pessoa. Virna
era eficiente, sabia o que estava fazendo e Otávio já contava com muitos anos
nas costas recebendo ordens da mulher para, naquela altura do tempo, não
entender o que fazer. Henrique sorria, abraçado a Sofia, puxando-a para seu
colo.
— Isso está errado. Não, não foi isso que pedi. Faça de novo. Não me
importo que esteja cansada, faça de novo e dessa vez faça como eu digo —
Lorrany repreendia uma Thaís que já não via mais graça em ser repreendida
sempre que fazia qualquer coisa.
Daquela vez, ela não fizera um laço da forma correta e Lorrany não
ficou nada satisfeita. Resmungou um palavrão, xingou a amiga de algo que
ela não ouviu e lançou um olhar de súplica e inveja para Sofia e Henrique,
confortáveis no sofá.
— O que você disse? — Lorrany perguntou, olhando para Thaís.
— Nada. Estava apenas relembrando o passo a passo de como fazer um
laço perfeito como você quer — respondeu rapidinho, desfazendo a
expressão emburrada.
— Não foi isso que ouvi — a morena estreitou os olhos, desconfiada e
Thaís fingiu uma expressão inocente.
— Acho que você está ouvindo coisas, amiga.
— Deve ser — lançou um último olhar para o laço nas mãos da amiga e
fez uma careta. Logo deu as costas e seguiu até o seu próximo alvo. —
Diego, querido, o que você pensa que está fazendo? Não foi isso que eu pedi.
Não, está errado. Faça de novo.
Henrique riu ao ver a careta do amigo para a morena, mas aquela ali
não tem medo de cara feia. O encarou até que ele desviasse o olhar,
desistindo do confronto e foi fazer o que ela mandou. Novamente. Pela
terceira vez.
— Muito bem, bom garoto. E tente não amarrar tão apertado da
próxima vez— e ainda era debochada.
As sacolas com as coisas que ela havia trazido estavam espalhadas pelo
chão, numa quase desordem que ela organizava aos pouquinhos. O cômodo
aos poucos foi ganhando um toque festivo aqui e ali, com balões,
bandeirinhas, fitas e uma infinidade de pequenas coisinhas.
Henrique e Sofia descobriram que aquele não seria apenas um chá de
casa nova, mas também um chá de bebê. Ele não se opôs quando descobriu e
nem o faria, o sorriso surpreso e feliz de Sofia falava por ela e por ele mesmo.
Com os últimos acontecimentos, entre a doença dela, a preocupação
com a saúde do bebê, idas e vindas do hospital, era bom ter momentos como
aquele, para relembrar ao casal que estava tudo bem, que aquilo era só uma
fase e que, mesmo que nada parecesse bem agora, no final tudo ficaria bem.
Um bebê estava a caminho, alegria maior e melhor que aquela não existia.
Henrique ainda ficava surpreso com o quanto as amigas de Sofia a
conheciam. Com o quanto se preocupavam com ela e pareciam saber,
sempre, do que exatamente ela precisava no momento. Ele também sabia,
fazia e faria de tudo para o bem dela e da sua menina, mas coisas como
aquela, um chá de bebê quase esquecido e já na reta final da gravidez, ele não
havia pensado. Nem poderia, homens não se atentam a detalhes pequenos,
porém tão significativos como aquele.
Por isso sorria, divertindo-se vendo Lorrany botar ordem no barraco.
Sorria vendo o amigo, o cunhado e Thaís resmungando pelos cantos, porque
ela é perfeccionista demais e não aceitava nada diferente do que havia
planejado.
Pensando nisso, ele indagou como e quando ela havia planejado aquilo
tudo, porque não se passara muito tempo desde que saíram do hospital, pouco
mais de um mês, e ela havia conseguido em tão pouco tempo planejar tudo
nos mínimos detalhes.
— Ah, alguns dias. Tenho pensado em um chá de casa nova desde que
você comprou esta e o chá de bebê, desde que Sofia descobriu que está
grávida, mas só comecei a planejar tudo alguns dias atrás — ela respondeu,
enquanto avaliava o trabalho de Sebastian em carregar a grande mesa que
ficava perto da churrasqueira, para dentro de casa. Pareceu se perder em
pensamentos por um segundo, mas logo piscou e continuou: — Ainda
faltaram algumas coisas, não consegui encontrar tudo que queria, mas vai dar
para o gasto.
Henrique se perguntou, quando terminaram a organização e estava tudo
pronto, o que mais aquela mulher havia planejado. Porque estava tudo
perfeito, cada pequeno detalhe, cada enfeitezinho, até o bolo, os docinhos e
salgados que ela havia encomendado sabe-se lá quando, que acabavam de
chegar.
Havia uma grande mesa com presentes, que ele não havia visto até ali,
coisas para a casa e para o casal. Havia também uma mesa só para as
coisinhas do chá de bebê, como um grande bolo de fraldas descartáveis,
sapatinhos cor de rosa, os presentes, pequenas roupinhas penduradas num
varal delicado, entre outras coisinhas.
Lindo, estava tudo perfeito e ele não conseguia parar de sorrir. Sofia
também não, nem mesmo quando foi direcionada até o andar de cima pelas
amigas, para alguma coisa que ele não entendeu até que ela desceu de novo.
Sofia vestia agora uma roupa que ele não reconheceu e que provavelmente
era obra das duas mulheres que a assessoravam enquanto desciam as escadas
com cuidado.
Usava uma saia bonita e longa, branca e com uns detalhezinhos aqui e
ali, de renda e outra coisa que ele não soube dizer. Vestia uma camisa social
de mesma cor, do tamanho certinho para ela e amarrada abaixo dos seios,
expondo a barriga redonda e linda e a tatuagem que marcava sua pele,
amplificada devido a gravidez.
Linda, ela também. Vestida com um sorriso que o encantava, por ser
tão verdadeiro, feliz e único. Contente, ela estava. Irradiava felicidade e se
entregou as brincadeiras que as amigas haviam planejado, rindo feliz.
Aquela foi uma tarde e começo de noite de muitas brincadeiras
preparadas por duas futuras titias atenciosas, piadinhas bestas de um tio
babão, de muito chororô e emoção para os avós e de muita felicidade para os
pais ansiosos. Aquela pequena festa, aquele encontro, tudo, as pessoas e todo
amor que os cercavam apenas confirmava o que eles já sabiam: era para ser.
Eles dois, o amor que os unia, o fruto daquele amor que em breve viria
ao mundo, selando tudo, amarrando um ao outro, criando laços e espalhando
amor apenas com a espera.
Ele também se entregou a brincadeira, desenhando formas abstratas
com um batom na barriga de Sofia, enquanto ela ria e Virna registrava tudo,
tirando um milhão de fotos e fazendo planejamentos para o primeiro book da
bebê, antes mesmo da menina nascer. Henrique riu porque sabia que aquele
não seria o único, tal como os enxovais que lotavam o quarto da sua pequena.
Ali ele se realizava. Tinha uma mulher para chamar de sua e ser dela
em iguais medidas e em breve seria pai. Felicidade como aquela, ele nunca
havia experimentado. Jamais havia desejado ou idealizado, entretanto, lá
estava ele, nem um pouco surpreso com as artimanhas do universo e feliz e
pronto para o que ainda estava por vir.

...
Poucos dias depois do chá de bebê barra chá de casa nova, Sofia enfim
conseguiu o que queria: uma noite das garotas. Só elas, reunidas na sua casa,
prontas para uma noite de muitas brincadeiras e fofocas, enquanto os
meninos faziam o mesmo na casa nova de Diego.
Não foi difícil planejar aquela noite, como pensara que seria. As amigas
se mantinham fechadas sobre o que acontecia nas suas próprias vidas, mas
continuavam ali para ela, sempre que precisasse. Henrique conseguiu
convencer seu irmão e Diego a fazerem o mesmo e ela esperava que ele
tivesse sucesso no verdadeiro propósito daquela noite: obter informações
sobre o que diabos aconteceu e estava acontecendo com aqueles quatro.
Sofia não estava menos motivada do que ele, além de muito curiosa e
esperançosa de que pudesse fazer algo por suas amigas. Elas sempre estavam
ali quando precisava, sempre a apoiavam, sempre a ajudavam, e nada mais
justo do que fazer o mesmo. Por isso, após algumas horas de muita fofoca e
muitas guloseimas ingeridas, ela perguntou, como quem não quer nada, mas
quer tudo:
— E os namoradinhos?
— Ora, olá, tia Gertrudes. Como tem passado? Não sabia que a senhora
havia sido convidada para a nossa festa do pijama — Lorrany respondeu
rindo, sabendo exatamente onde Sofia queria chegar com aquilo. Não era de
hoje que ela está curiosa e nem sequer tenta esconder.
Thaís, coitada, só ria da piada da amiga. Ela era outra que preferia
manter aquele assunto para si e, por mais que amasse a amiga e odiasse
esconder coisas dela, ainda não queria falar sobre aquilo.
— Você sabe o que eu quero saber, não vou me fazer de idiota. Nem
você — Sofia decidiu cortar logo a enrolação e foi direto ao assunto. — O
que aconteceu ou está acontecendo com vocês?
— Como assim, amiga? — Thaís perguntou, sentando-se sobre as
pernas cruzadas. Estavam as três sentadas na cama de Sofia, a tevê ligada
para ninguém em particular transmitia um filme qualquer que elas haviam
escolhido, mas que sequer prestavam atenção.
— Quero saber o que está rolando entre você e Diego — respondeu e
apontou para Lorrany. — E você e Sebastian.
— É complicado — a morena respondeu, fugindo descaradamente de
elaborar uma resposta melhor.
— Você jura? Não havia percebido até agora — Sofia ironizou. — Por
que não querem me contar o que aconteceu? Eu fiz alguma coisa e por isso
vocês não querem mais me contar as coisas?
— É claro que não — Lorrany respondeu rápido, arrependida que sua
omissão deixasse a amiga triste. — É só que... É complicado.
— É. Não estou escondendo coisas de você porque quero, amiga. Só
não quero falar sobre isso agora — Thaís explicou.
— Mas vocês conversam entre si. Por que é tão complicado conversar
comigo também?
— Nós conversamos, mas não sobre o que aconteceu. Lorrany tem os
assuntos dela e eu tenho os meus, assim como você tem os seus. Ela não me
contou o que aconteceu e eu também não contei para ela.
— Mas por que isso é tão complicado?
— Não quero falar sobre o que aconteceu, porque preciso me entender
antes. Nem eu sei dizer o que está acontecendo, preciso de um tempo até
conseguir entender tudo — disse Lorrany. — Você é a minha melhor amiga,
Thaís também e quero conversar sobre isso, só não consigo agora.
— Nós amamos você, amiga. Não quero que fique chateada por isso,
amo você e quero poder conversar com você sobre tudo e qualquer coisa, mas
preciso de um tempo para mim também.
Sofia sabia que seria difícil fazer as amigas se abrirem, mas não havia
pensado que aquilo seria impossível como percebia agora. O que quer que
tenha acontecido, elas não estavam prontas para falar ainda. Mas estariam.
Não queria pressionar as amigas, queria apenas ajudá-las da mesma forma
que elas faziam por ela.
Mesmo embora estivesse chateada, entendia. E continuaria ali para
elas, se e quando precisassem.
Henrique retornou algumas horas depois e elas esperaram por ele
porque foi um pedido dele que esperassem até que retornasse, não queria
Sofia sozinha. Nem por dois minutos, ou pelos poucos segundos que levou da
casa vizinha até a sua.
Diego havia comprado naquela mesma semana uma das casas ao lado,
sem contar a ninguém e Henrique riu muito quando, em uma manhã como
qualquer outra, saiu para comprar pão e deu de cara com o amigo, lavando o
carro na casa vizinha, tranquilo e acenando como se aquilo não fosse nada
demais.
Quando as amigas foram embora, Sofia avaliou a expressão dele e
soube que ele havia se saído tão bem quanto ela. Suspirou resignada e só
conseguiu amenizar a curiosidade e preocupação que sentia quando
relembrou as mulheres fortes e seguras de si que são as suas amigas. Naquela
noite, dormiu abraçada ao amor da sua vida, quietinha e amada, como todos
os dias, com a certeza de que ficaria tudo bem e o desejo que um dia suas
amigas tivessem o mesmo que agora tinha.
Elas poderiam não querer falar, mas estaria ali para elas independente
de qualquer coisa, assim como Henrique estava ali para o amigo e seu irmão.
Ficaria tudo bem ou, caso contrário, sempre poderia mexer alguns pauzinhos
para que tudo desse certo e aqueles quatro deixassem de suspirar ou
resmungar pelos cantos. Ficaria tudo bem.
CAPÍTULO 35
Faltavam poucas semanas para a chegada da sua filha e Sofia não
parava quieta por um minuto. Já havia inventado de arrumar e rearrumar o
quarto da menina três vezes, havia checado a bolsa da maternidade que
Henrique organizou duas vezes, havia escolhido as roupinhas que levaria para
o hospital, tudo.
Henrique também estava ansioso, inquieto e preocupado, mas preferia
focar nela e somente nela e esquecer as próprias neuras ao menos por um
tempo. Por isso mudava os móveis do quarto da bebê quantas vezes ela
pedisse, até que voltasse atrás e decidisse que ficaria melhor do jeito que
estava.
Então ele mudava tudo de novo, dobrava e redobrava as roupinhas,
checava e rechecava a bolsa duas, três ou dez vezes. Faria aquilo quantas
vezes ela quisesse e achasse melhor, porque ela não podia fazer esforço de
qualquer forma, porque ele não gostava de vê-la tão preocupado ou
insatisfeita com algo e porque, daquela forma, fazendo o que ela queria, ele
se distraia das preocupações que rondavam sua mente.
Uma forma que encontrou para distraí-la e também se distrair foi
passear pelo shopping. Caminhavam devagar entre as lojas, observando
coisas para a casa e os futuros melhores e mais indicados brinquedos para sua
filha. Iam ao cinema, sem programações, e assistiam qualquer filme que
estivesse em cartaz e parecesse interessante.
Perdiam horas, as vezes, naqueles jogos de mesa e nos simuladores e
sempre se divertiam muito. Então voltavam para casa, ela mais calma,
cansada mesmo que ele sempre tenha o cuidado de não deixar que se esforce
demais, e dormem tranquilos. Na manhã seguinte, ele inventa qualquer outra
coisa, uma sessão interminável de filmes melosos, do jeitinho que ela gosta, e
vão seguindo, lidando com a ansiedade e os temores da melhor forma que
podem.
Também cozinham sempre que possível, mas também pedem muita
comida, sempre com o aval da médica de Sofia. Faltando poucas semanas
para o nascimento da bebê, ela parece um pouco menos preocupada com as
"futuras gorduras permanentes" que restarão quando a bebê nascer.
Henrique nem se importa tanto com aquilo, sabe fingir muito bem uma
expressão compreensiva quando ela começa com aquele assunto, mas não
poderia se importar menos com gorduras e coisas do tipo. Sofia é e sempre
será a mulher mais linda que já viu, algumas gorduras ou muitas delas não
farão diferença.
Melhor, que assim ela vai ficar mais cheinha, vai ficar mais gostosa e
ele será feliz com isso. Gosta de carne, não tem frescuras e demonstra aquilo
para ela, sempre que reclama que está gorda ou inchada demais, apertando,
lambendo e beijando as gordurinhas que ela tanto odeia.
Juntos, eles se descobrem a cada dia como casal e como pais.
Conversam muito sobre como será lidar com um bebê, como farão para
educá-la, os prós e contras de cada decisão, sempre em acordo e sempre
pensado no melhor para a criança. São novos, os dois. Para serem pais, nos
dias de hoje, isso não é lá muita coisa, mas ainda assim são jovens. Ambos
tinham planejamentos que não incluíam uma criança e ajustes foram feitos
para que tudo desse certo.

Por isso, naquela manhã, foram até a universidade. Sofia havia trancado
o curso, tempos atrás, quando precisou dedicar mais tempo para a sua saúde e
Henrique fez o mesmo. Quer dizer, ele só não foi mais. Ficou ao lado dela,
esqueceu que deveria fazer algo com relação ao seu curso, mas nada fez.
Nenhum aviso, nenhuma ligação, e-mail, nada.
Sofia ficou sabendo daquilo só agora e não ficou nada feliz. Pensou que
ele tivesse feito o mesmo que ela, e ele não contou porque pensou que ela
soubesse. Esqueceu daquilo e foi, ao lado dela, quase rebocado e de orelhas
quentes, ter uma conversa com o reitor da universidade.
— Irresponsável — ela resmungava, aceitando a mão que ele a estendia
para descer do carro.
— Eu pensei que isso não teria tanta importância — ele repete o que já
disse milhões de vezes, mas ela segue resmungando.
— Irresponsável, isso que você é. Trancar a faculdade é uma coisa,
abandonar é outra. Onde já se viu uma coisa dessa.
E lá se ia ele, mais uma vez, se desculpando por ter esquecido uma
coisa que era realmente importante para o seu futuro, falando que não fez por
mal, só não lembrou daquilo. Então ela relaxava, embora ainda resmungona,
mas não se passava muito tempo e voltava as reprimendas mais uma vez.
Henrique sorria, afirmava que ela estava certa, ele havia sido mesmo
muito irresponsável, ela tinha toda razão em passar uma lição de moral e
arrastá-lo até ali. Acionou o alarme do carro e caminharam juntos, de mãos
dadas, pela entrada da universidade.
Lá estava o banco em que se sentaram juntos a primeira vez, quando se
conheceram. Lá estava a árvore em que ele a agarrou, naquela falsa conversa
que antecedeu o primeiro encontro.
Passavam, alheios e perdidos em lembranças e eram a sensação do
momento. Lá estava a menina da aposta, a que foi enganada, a que foi
humilhada, a que eles pensavam ser uma mosca morta. Lá estava o gostosão
comedor que conseguiu ganhar a aposta, o sonho de muitas garotas ao lado
daquela garota, a sonsa, logo daquela que era o sonho de consumo de muitos,
mas que sempre fora muito alheia ou cega aos olhares que recebia.
Lá estava o casal que ninguém supôs que daria certo. Lá estavam os
sorrisos felizes dos dois, o amor que os unia perceptível mesmo a metros de
distância, e não era só a barriga dela uma prova disso. O jeito que ele a
olhava, o jeito que ela olhava para ele, o como ela parecia reluzir, feliz e ele
também.
Os viam e presumiam que aquela menina tinha feito um belo de um
pacto para conseguir um homem como aquele. Olhavam e viam o que
queriam. Olhavam para ela e todos apostavam que, para tê-lo, ela fazia todas
as vontades dele. Que ela fosse seu capacho, quase uma submissa, refém aos
desejos dele e só dele.
Viam o que queriam e não faziam ideia de que era exatamente o
contrário. Ele que é o capacho da relação. Ele que faz as vontades dela, ele
que mata e morre por ela, submisso aos desejos dela e só dela. O refém da
relação é ele, o escravo dela, o homem dela e ela é a rainha do seu mundo.
Elas são.
As pessoas veem aquilo que querem. Lá estava um casal que irradiava
felicidade, e eles presumiam o que queriam, longe, muito longe da verdade.
Ela também mata e morre por ele, mas antes que chegue a um extremo como
esse, ele já foi lá e fez. Sou seu, o sorriso dele diz. Sou seu, você é o meu
mundo, eu te amo.
Ela olha para ele enquanto ainda resmunga e o pega sorrindo como um
bobo. Sorri também, porque ganhou na loteria dez vezes com um homem
desse. Um homem para fazer as suas vontades, que a ama mais que a si
próprio, que a coloca em um patamar lá em cima, antes de si mesmo.
Sofia não se importa mais com o que as pessoas pensam, não se
importa se é observada, só sorri. Vê os olhos que os seguem até a entrada, vê
alguns olhares femininos direcionados para o seu homem e sorri ainda mais.
Não precisa olhar para ele de novo para saber que os olhos dele estão e
sempre estarão nela.
Henrique não devolve olhares, não liga para duas ou três meninas que o
acompanham com os olhos, choramingando um pouquinho, e só se incomoda
quando os olhares, tão desejosos como os no seu corpo, focam no dela. Então
ele fecha a cara e encara cada um, enquanto Sofia ri baixinho.
Passa um braço pelos ombros dela, marcando território como se aquela
barriga já não fosse suficiente. Ajeita o óculos escuro sobre o nariz, fazendo
careta para ela e Sofia ri ainda mais.
— Sabe, nós somos quase como Bella e Edward quando assumiram o
namoro.
Henrique sabe de qual filme exatamente ela está falando porque é um
dos favoritos dela e ele foi obrigado a assistir a saga inteira dezenas de vezes
até que passasse a gostar ao menos um pouquinho.
— Você não quer repetir as falas, quer? — ela sabe todas de cor, de
tanto que já assistiu e ele, também.
— Estão todos olhando — ela pisca os olhos e finge colocar as mãos
nos bolsos de uma jaqueta invisível.
Faz uma carinha parte de quem não se importa com os olhares e parte
de quem está se achando por estar saindo com o garoto mais gato da
universidade. Henrique ri e se prepara para recitar a fala do Edward sem sal
que ele nunca foi com a cara, mas ela o interrompe, rindo.
— Esqueça. Você não vai para o inferno.
— Se você soubesse as coisas que pretendo fazer com você quando
chegar em casa, não diria isso.
Ela ri e cora e quase tropeça nos próprios pés e Henrique gargalha com
gosto.
— Você, definitivamente, não presta — ela resmunga, sorrindo.
— Eu sei, mas você me ama do jeito que eu sou.
— Amaria um pouco mais se você brilhasse no sol, mas fazer o que, né.
Nem tudo nessa vida é perfeito.
Henrique belisca a bunda dela de brincadeira, punindo-a pela
provocação e, rindo, eles avançam pela universidade até o segundo andar do
prédio principal, onde fica a sala do reitor.
Estão na sala de espera quando o celular dela toca e ela atende,
envergonhada pelo barulho alto. Esqueceu de pôr o celular no silencioso, mas
de qualquer forma não vão demorar muito por ali.
— Oi, Sena. Não, não estou em casa — ela escuta por um instante e
revira os olhos, rindo. — Porque sou eu, idiota. Estou na universidade com
Henrique, você não está vendo coisas.
Henrique é chamado pela secretária do reitor enquanto ela ainda
conversa com o irmão. Beija sua testa, avisa que não vai demorar, que ela
fique ali, quietinha até ele voltar. Ela faz careta para a ordem e concorda com
a cabeça.
— Boa garota, vai ser muito bem recompensada quando chegarmos em
casa.
Ela cora, porque a secretária provavelmente ouviu e porque o irmão
dela também, Henrique foi capaz de ouvir o grunhido de Sebastian do outro
lado da linha mesmo a distância.
Sorri para ela, beija sua testa mais uma vez e segue a secretária risonha
até a sala do reitor. Henrique o havia visto apenas uma vez, quando foi fazer
a matrícula, na semana que chegou naquela cidade.
A conversa não foi fácil. O reitor era um homem mais velho, quase na
terceira idade e rígido quando se diz respeito a sua universidade. Henrique
não tentou se desculpar, estava errado mesmo, fora irresponsável mesmo e
aceitaria o que aquele homem decidisse.
Não queria contar quais foram suas razões para fazer o que fez, ignorar
o seu futuro, mas o homem insistiu em saber, curioso e intrigado. Henrique
contou porque ele pediu e aguardou o tempo que o homem levou para digerir
a história.
Não se importava se ele não acreditasse e pensasse que estava
mentindo, fato é que não queria demorar muito por ali. Sofia estava lá fora
conversando com irmão, ela também pretendia ter uma conversa com o reitor,
mas não agora. Queria esperar o nascimento da bebê e ter uma verdadeira
noção do que seriam as coisas dali para frente, antes de decidir qualquer
coisa.
— Então, pelo que entendi, sua filha está para nascer em breve. O que
você quer fazer? Voltar para o curso agora ou depois do nascimento dela?
— Não, não agora. Só queria me desculpar por não ter avisado antes
que ficaria um tempo afastado das aulas.
— Considere o curso trancado. Vou fazer isso porque você parece ser
um bom rapaz e fez o certo de acordo com a situação. Mesmo que uma
ligaçãozinha não fosse gastar muito do seu tempo — ele briga um pouquinho,
apenas para manter a pose e Henrique reprime um sorriso. — Vou fazer tudo
como se você tivesse trancado o curso a partir da data que não veio mais.
Dessa forma, você só vai precisar seguir de onde parou, não precisará
recuperar as matérias que perdeu todo esse tempo.
Henrique agradeceu e deixou a sala, não sem antes ouvir várias outras
reprimendas. Aquele parecia ser o seu dia de sorte, tinha certeza que Sofia
riria muito da sua cara quando soubesse que não era a única irritada com ele.
Sorriu para a secretária que retornava provavelmente do banheiro e seguiu até
a pequena sala onde Sofia o aguardava.
Já sorria e tinha uma piadinha na ponta da língua, uma brincadeira
besta que morreu nos seus lábios porque Sofia não estava ali, embora sua
bolsa estivesse. Olhou para os lados, perguntou a secretária onde a moça
ruiva que estava com ele havia ido e ela informou que Sofia havia dito que
não demoraria, mas que isso foi poucos minutos depois de ele entrar na sala
do reitor. E isso já fazia algum tempo.
Henrique não queria ter demorado tanto, mas o homem estava curioso e
ele fora quase obrigado a contar em detalhes o que havia acontecido. Fez isso
porque sabia que ela ficaria feliz em saber que estava tudo certo, que
poderiam voltar juntos quando fosse o momento. Pensou que ela estivesse ali,
sob os olhos da secretária, não estaria desacompanhada e ele só estava a uma
porta de distância.
Pegou a bolsa dela, agradeceu a mulher prestativa que agora parecia
curiosa e partiu em busca dela.
Não era nada demais. Ela poderia ter ido ao banheiro, ou atrás do
irmão. Ou poderia estar conversando com alguma colega de classe. Ou
qualquer besteira do tipo que explicasse sua demora.
Mas por que ele sentia aquele aperto no peito, avisando-o que algo
estava errado com ela? Que talvez ela não estivesse bem? Poderia ser apenas
seus temores falando por si, gato escaldado que é, porque sabe que sempre
que ela não está sob suas vistas coisas ruins acontecem.
Andou apressado e, quando percebeu, corria pelos corredores, caçando
um cabelo ruivo por onde passava. Talvez fosse isso, apenas besteiras da sua
cabeça. Paranoias e medos demais.
Ou talvez não.
CAPÍTULO 36

Sofia estava ansiosa. E preocupada. Estava tudo pronto para a chegada


da sua menina, estava tudo bem, mas ao mesmo tempo não estava.
Sua saúde estava bem, a da bebê também, tudo sob controle. Tudo que
pôde fazer para evitar futuros problemas ela fez, mas o futuro, ainda assim, é
incerto. Não há maneiras de adivinhar o que vai acontecer, tudo o que pode
fazer agora é esperar. E rezar para que tudo dê certo. Rezar para que tudo
fique bem, para que sua filha fique bem. Mesmo que ela não esteja mais ali.
O parto estava marcado para dali a algumas semanas. Se corresse tudo
bem, o parto seria normal, o que ela queria e sua médica também. A
recuperação é mais rápida, menos arriscada e, nessa altura, ela prefere não
correr riscos. É certo que o parto normal é algo muito doloroso, que pode
demorar horas, talvez dias e tudo mais, mas Sofia sequer considera a dor
como um problema. Contando que sua filha venha ao mundo sem
complicações, está tudo bem.
Há algum tempo ela vem sentindo que, por mais que agora esteja tudo
bem, esta é a calmaria que precede o caos. O dia de sol que antecede a
tempestade. Não gosta de sentir isso, não gosta de esperar que algo ruim
talvez aconteça, mas isso está além do seu controle. É algo que foi difícil de
esconder de Henrique, porque ele a decifra e lê como ninguém, mas
conseguiu.
Lutou consigo mesma no começo, quando o sentimento ruim surgiu,
mas logo percebeu que aquilo ia além das suas forças. Aprendeu a lidar com
aquilo, aprendeu a fingir que estava tudo bem, mentindo todos os dias para si
mesma e também para ele. Não sabe dizer de onde veio aquilo, mas tem uma
boa ideia.
Nós últimos meses passou por problemas, situações e complicações que
deveriam acontecer durante uma vida, não em um espaço de tempo tão curto.
Caiu e levantou vezes sem conta, teve ajuda, nunca esteve sozinha, mas boa
parte da força usada para levantar após a queda foi sua. Física e mental.
Cuidou de si mesma o quanto pôde, o máximo que pôde, mas sabe que,
quando chegar a hora, talvez tudo isso tenha sido em vão.
Na última consulta com a obstetra, enquanto Henrique havia saído para
pegar o carro no estacionamento do hospital, Sofia voltou rapidamente na
sala da médica e disse, com todas as letras e com a certeza que vinha nutrindo
no seu interior já há dias:
— Se algo der errado no parto, se algo acontecer comigo e vocês
precisarem escolher quem salvar, não percam seu tempo comigo — a doutora
ainda tentou abrir a boca, ainda tentou conversar sobre aquilo, talvez
convencê-la de que aquilo não aconteceria ou coisas do tipo, mas Sofia
prosseguiu. — Escolham a criança. Salvem a minha filha e não se preocupem
comigo, eu vou estar bem de ela estiver bem. Não importa onde eu esteja.
Saiu da sala serena da mesma forma que entrou. Não chorou, embora a
dor em seu coração fosse tamanha. Sorriu para Henrique quando ele parou o
carro na entrada do hospital, para que ela não precisasse caminhar muito, e
deixou-se estar. Não se arrependia do que fez, não se arrependia da ordem
N.R que assinou dias depois, em segredo. Estava bem com aquilo e esperava
que todos ficassem bem também.
Não queria morrer, não queria deixar esse mundo, queria ver sua filha
crescer, queria se descobrir mulher e mãe a cada dia, mas talvez aquilo não
fosse possível e ela era uma pessoa prática. Assinou a ordem de Não
Ressuscitar quando cogitou a hipótese de talvez, devido à alguma
complicação, na melhor das hipóteses, vegetar em cima de uma cama para o
resto da vida. Queria a sua vida do jeitinho que era e do jeitinho que
programara para ser, não queria ser um peso para sua família daquele jeito,
não queria seu homem e sua filha vivendo em razão de um corpo quase sem
vida, dependente, a âncora que os impediria de viver, de aproveitar a vida do
jeito certo.
Não queria morrer tampouco, mas também não conseguia afastar
aquele sentimento ruim. Por isso aproveitava todos os dias como se eles
fossem os últimos, por isso sorria, por isso se esforçava para deixar tudo
pronto, nenhuma ponta solta, nenhum possível problema na vida do seu
homem. Levá-lo até ali, arrastá-lo até a universidade é uma dessas coisas.
Queria que ele tivesse um futuro satisfatório, sem impedimentos ou
problemas futuros. Henrique via aquilo apenas como preocupação e de fato
era, mas ela o fazia agora porque talvez um dia não estivesse ali para fazê-lo.
E estava tudo bem. A morte não é o final. Vai ficar tudo bem se todos
ficarem bem. Vai ficar tudo bem, ela acredita nisso porque se esforçou para
isso, se esforçou para deixar que todos acreditassem que estava bem.
Henrique vai saber se virar sozinho e, se não, sua família vai estar sempre ali
para ele. Sua mãe vai estar ali para ele, vai ajudá-lo, vai ensiná-lo coisas que
só as mães sabem e ele vai conseguir.
O quarto da sua menina estava pronto, sua casa estava pronta. Ele sabe
onde vai cada coisa, onde está cada coisa. Sabe que vai ser um pouco difícil
no começo aprender na prática o que ele agora só sabe na teoria. Ele sabe
quais brinquedos são os mais indicados, os que são perigosos mesmo que o
vendedor e a própria faixa etária do brinquedo digam o contrário.
Sabe onde estão as roupinhas, em qual lugar o berço fica melhor, a
poltrona de amamentação, o trocador de fraldas, os lacinhos, tudo. Ele vai
ficar bem, vai tirar aquilo de letra, ela se esforçou para aquilo e tem certeza
disso. Vai ficar tudo bem.
Ainda falava com Sebastian após sair do banheiro. Foi só Henrique dar
as costas que ela correu para o banheiro mais próximo. Desligou a ligação
sem querer na pressa de entrar na cabine e Sebastian ligou preocupado no
mesmo instante.
— O que está acontecendo? Você está bem? — ele quase berrava
assustado e ela riu.
— Está tudo bem, Sena. Estou bem — respondeu.
— O que você está fazendo? Por que desligou na minha cara?
— Eu estava no banheiro, não conseguiria falar com você e fazer xixi
ao mesmo tempo.
— Que nojo — ele respondeu, parecendo relaxar e ela sorriu. — Seu
namorado ouve você fazendo xixi? Ele deve mesmo amar você.
— Não, idiota. Henrique está na sala do reitor, estou sozinha no
banheiro.
— O que? Por que você está sozinha? Por que ele não está com você?
— ele começou a ficar preocupado de novo e Sofia revirou os olhos.
— Porque, por acaso, eu não preciso de ajuda nesse departamento.
Posso muito bem fazer xixi sozinha, obrigada.
— Você está sozinha? Você não pode ficar sozinha! E se passar mal? E
se a sua bolsa estourar? E se a bebê decidir nascer? E se você passar mal, sua
bolsa estourar e a bebê resolver nascer no banheiro da universidade enquanto
você está sozinha? — Sofia não deveria, mas gargalhou. Sebastian, desde que
ela completara oito meses, parecia sempre a espera, assustado, desesperado.
— Eu não estou mais no banheiro, Sena. E estou bem — disse após
ajeitar as roupas e sair para o corredor. Tentou acalmá-lo, mas ele estava
surtando.
— Diga onde você está. Estou no estacionamento, mas posso chegar até
você em um minuto — ela pôde ouvi-lo começar a correr e resolveu brincar
com ele um pouquinho.
— Vou encontrar você — riu e começou a se dirigir para o
estacionamento, desviando das poucas pessoas que transitavam pelo corredor.
— Fique onde está, eu já estou chegando — ele respondeu e, embora
corresse, não estava sequer ofegante.
— Mas você nem sabe onde eu estou, Sena — brincou.
— Se Henrique está na sala do reitor, você deve estar em um dos
banheiros por perto. Ele não deixaria você ir muito longe, tenho certeza —
Sebastian não era idiota e Sofia parou alguns corredores depois, desistindo da
brincadeira.
Desligou a ligação após anunciar que estava esperando por ele e se
encostou na parede. Olhou em volta, ignorando as poucas pessoas que nem
sequer disfarçavam os olhares curiosos. Viu apenas de relance na esquina do
corredor o reflexo de um cabelo extremamente platinado, quase branco e
bufou.
Como não estava com paciência para os insultos de Arianna no
momento – como nunca teve –, seguiu a passos calmos em direção a saída
mais próxima para o pátio. Sentiu a brisa fresca na pele e inclinou o rosto
ligeiramente para receber os raios de sol. Olhou para baixo por um instante
enquanto caminhava tranquilamente, apenas porque não queria ficar parada, e
viu que o sol também atingia o topo dos seus seios, expostos pelo decote
discreto do vestido.
Descobriu há algum tempo que uma das várias superstições – ou
conselhos como gosta de dizer sua mãe – para mulheres grávidas é colocar
diariamente os seios no sol. Algo a ver com a produção do leite ou qualquer
coisa assim que ela não entendia, mas que tentava fazer todos os dias apenas
porque não custava nada tentar. Mal não faria também.
Riu sozinha daquela besteira e olhou em volta. Nenhum sinal de
Sebastian. Estranho. Como o estacionamento não ficava tão longe de onde
estava, ele já deveria estar ali. Resolveu ir a procura dele, caminhando sem
pressa e a procura de um cabelo ruivo entre as pessoas que entravam e saíam
do prédio. Não seria difícil encontrá-lo; não bastasse o cabelo chamativo, de
tom idêntico ao seu, Sebastian é muito alto e sempre se destaca entre os
outros.
Nunca entrou na sua cabeça, refletiu enquanto se dirigia ao
estacionamento, por que ele era alto e ela não. Uma das grandes injustiças do
universo, sem dúvida. Sempre se ressentira por ser baixinha demais, por
precisar pular ou ficar na pontinha dos pés para alcançar livros nas prateleiras
mais altas da biblioteca, enquanto tudo que Sebastian precisava fazer era
erguer um pouco o braço, simples assim.
Olhou em volta do estacionamento e franziu o cenho. Não havia muitos
carros ou motos por ali, mas ainda não conseguiu distinguir a figura do seu
irmão. Também não sabia se ele estava de moto ou carro. Deveria ter
perguntado. Quase dava a volta para tentar procurá-lo pelos corredores
quando avistou o carro dele. Sorriu e se aproximou.
Conferiu a placa apenas para ter certeza e deu uma boa olhada no carro.
Sebastian também não estava ali. Onde estava então? Possivelmente lá
dentro, procurando por ela pelos corredores. Resmungou baixinho ao
começar a fazer o caminho de volta, mas não se importou muito. Nos últimos
tempos quase não fez esforço algum, passava a maior parte do tempo quando
estava em casa deitada e, mesmo quando saía, Henrique nunca a deixava
caminhar demais.
Era bom poder mover o corpo, caminhar um pouco sozinha, mesmo
que sempre devagar porque tinha consciência de que não poderia se esforçar
muito. Há muito tempo que não tinha um tempo só para si como aquele,
sozinha ao ar livre e com a cabeça longe de preocupações.
Deveria saber que estava certa, deveria saber que aquilo que vinha
sentindo há algum tempo aconteceria, embora não soubesse quando ou como.
Era uma intuição muito forte, uma certeza, um sentimento como nenhum
outro. Soube disso na primeira vez que o sentiu, mas só agora tinha certeza.
E a voz às suas costas, maldosa e maliciosa, apenas confirmava isso.
— Vejam só o que eu encontrei por aqui — Sofia sentiu o sangue gelar
e paralisou.
Virando-se lentamente, ela suspendeu a respiração e piscou apenas para
ter certeza do que via e que aquilo não era apenas uma ilusão. Dando de cara
com aquele rosto tão maldoso quanto a voz e o brilho obscuro naqueles olhos
verdes, Sofia estremeceu.
Vinicius sorriu.
— E sozinha, o que é uma surpresa ainda maior. Hoje parece ser o meu
dia de sorte — debochou e começou a se aproximar.
Sem saber o que fazer, Sofia se limitou a retroceder lentamente, sem
tirar os olhos da expressão obscura dele e rezou em pensamento para que
nada de mal acontecesse.
Tarde demais para isso.
CAPÍTULO 37
Henrique correu por todo o caminho até a saída do prédio e depois
pelos corredores. As pessoas ao seu redor, que transitavam aos montes devido
ao encerramento das aulas da manhã, o olhavam curiosos. Não se importou
com nenhum deles, não respondeu nenhum dos cumprimentos que recebeu,
de conhecidos e de desconhecidos que provavelmente julgavam ter algum
sentimento de camaradagem para com a sua história.
Avistou novamente a sala de espera em que deixara Sofia, viu
Sebastian, suado e quase tão desesperado quanto ele, interrogando a
secretária do reitor e deu a volta. Fez outro caminho, sentindo o cunhado
correr ao seu lado. Subiu as escadas, seguiu pelos corredores da ala leste
enquanto Sebastian seguia para a ala oeste e não conseguia afastar, por mais
que tentasse, aquele sentimento ruim do peito.
Era como um presságio, um aviso de que ela talvez não estivesse bem,
de que talvez estivesse precisando de ajuda e o desespero também do seu
cunhado para encontrá-la só fermentava isso. Desceu as escadas, ignorando
todos a sua volta, de garotas gritando na pressa de saírem do seu caminho a
caras desconhecidos que insistiam em falar com ele. Não queria
cumprimentar ninguém, não queria socializar logo agora.
Tudo o que queria, tudo o que importava era encontrar a sua mulher. E
logo. Garantir que ela estava bem e, se não estivesse, cuidar dela. Tê-la sobre
suas vistas, ali, ao seu lado, protegida e segura mais uma vez.
Desceu as escadas correndo, pulando os degraus, desviando das pessoas
no seu caminho e até empurrando algumas. Seu coração batia apressado, o
aperto no peito apenas crescia, tornando difícil a tarefa de puxar ar para seus
pulmões. Não havia fôlego para ser recuperado, não havia sequer tempo para
isso. Saiu pelo pátio e olhou em volta, procurando-a, virando a cabeça de um
lado para o outro.
Percorreu o gramado com os olhos, as pessoas sentadas nos bancos,
conversando animadas, rindo umas com as outras. Caminhou apressado entre
os grupos, procurando, fitando cada pequeno rosto feminino, e desistindo
apenas quando a cor de cabelo não batia com os cachos avermelhados dela.
Talvez tenha esperado demais da vida. Talvez, em algum momento, ele
tenha relaxado demais. Talvez mereça tudo que aconteceu na sua vida, mas
não ela. Sofia é a pessoa mais amável que já conheceu na vida. Tem valores,
tem caráter, é carinhosa, tem compaixão e nunca fez mal a ninguém. Mesmo
assim, mesmo que nunca tenha feito por merecer, tudo o que recebe da vida
são rasteiras e mais rasteiras.
Ele deveria ter presumido que estavam a tempo demais vivendo apenas
de alegrias, sem dores, sem problemas além das preocupações costumeiras.
Era sempre assim. Quando descobriu-se apaixonado, quando se entregou a
paixão que sentia, quando encontrou naquela menina o amor da sua vida, ele
se entregou, sem pensar duas vezes, sem nem ao menos piscar. Ela era tudo o
que queria, tudo em que podia pensar, seu coração batia mais rápido por ela,
apenas em pensar nela e ele não pensou duas vezes.
Não deu cartaz para o que as pessoas comentavam as suas costas, não
deu importância para as suposições que faziam nem do que falavam sobre ele
e sobre ela. Então ela descobriu sobre aquela aposta imbecil, pensou ter sido
enganada, pensou que tudo que viveram foram apenas mentiras e quase
morreu na pressa de fugir de alguém que acreditava tê-la enganado.
Henrique lembra o inferno que foram as semanas em que ela passou
internada naquele hospital, recusando-se a vê-lo, a falar com ele, a deixar que
se explicasse. Lembra do quanto morria por dentro sempre que cogitava o
que poderia ter acontecido com ela se o carro em que ela bateu não tivesse
desacelerado de última hora. Lembra da angústia que sentiu a supor que sua
filha, na época apenas um feto minúsculo, tivesse morrido. Que ele a tivesse
matado com sua omissão.
Lembra do quanto fora difícil encarar sua mulher outra vez e ver
naqueles olhos que ele tanto amava toda a mágoa e sofrimento que ela nutria.
Lembra das palavras dela, de quando disse que não o amava mais, que ele
não passava de um mentiroso e não pôde se sentir pior. Aquilo, decepcionar
quem mais se ama daquela forma, é um suplício, uma dor maior que qualquer
outra dor que já tenha sentido.
Lembra com carinho de quando finalmente conseguiram ficar juntos,
de quando a doença gestacional dela os desesperou e os aproximou, do
quanto se conheceram naquele novo recomeço. Do quanto passaram a se
amar ainda mais, fortalecendo laços, juntos pelo amor e pela dor, pela
preocupação e porque não conseguiam mais disfarçar, lutar contra o que
sentiam.
Lembra do baque que fora receber a notícia de que a sua menina, que
sua filha não estava bem. Que ela precisaria de mais cuidados do que tinha
suposto, que precisaria ser mais forte do que tinha suposto, que todos eles
teriam que ser mais fortes, que precisariam lutar mais, se esforçar mais,
prevalecer e ter fé, sem nunca desistir.
Lembra dos dias de pura alegria e felicidade, pouco tempo atrás.
Lembra dos sorrisos dela, de como ficava feliz ao conseguir preparar a
primeira receita maluca que encontrasse na internet, de como sorria dobrando
as roupinhas da bebê, fazendo-o trocar os móveis de lugares, ou assistindo
filmes melosos ou sobre vampiros sem sal, ou apenas passeando pelo
shopping, passando horas apenas observando coisas para a casa, para sua
menina, para presentar as amigas e a família.
Lembra do bico irritado que ela manteve desde a noite anterior, quando
descobriu que ele não havia trancado o curso como ela, até aquela manhã,
quando o arrastou até ali, resmungona. Lembra do quanto se desculpou
porque, embora ela ficasse linda com aquele bico e vermelha de irritação, não
gostava de deixá-la chateada. Lembra do quanto precisou se abrir para o
reitor, na esperança de que conseguisse resolver tudo em prol do seu futuro,
mas principalmente porque não queria decepcioná-la.
Respirou fundo, afastando o passado, tudo que passaram e sofreram até
ali, ligando mais uma vez para o celular dela, apenas para novamente ser
direcionado à caixa postal. O celular estava desligado e aquele era apenas
outro indicativo, além do sentimento ruim no seu peito, de que algo estava
errado com ela.
Seguiu até o estacionamento, cogitando que talvez ela tivesse ido até o
carro, já que estava com a chave. Caminhou apressado, tentando pensar no
que fazer, tentando encontrar alguma saída, algo que pudesse fazer para
encontrá-la logo. Poderia ter gritado seu nome, mas sua garganta parecia
obstruída, fechada. Suas mãos tremiam quando afastou o cabelo dos olhos e o
prendeu de qualquer jeito em um coque, afastando os fios da testa úmida.
Tão desnorteado estava que não lembrava onde havia estacionado o
carro. Fechou os olhos, o medo aos poucos consumindo seu ser, transpirando
por seus poros. Fechou as mãos em punhos e tentou lembrar, tentou recordar
onde havia estacionado, e apenas após refazer mentalmente o caminho que
percorreram mais cedo do carro até o pátio foi que lembrou.
Deu a volta porque estava longe demais, do outro lado do
estacionamento. Apressou o passo e logo mais uma vez corria, aproveitando
o amplo espaço entre os corredores de carros e agradecendo mentalmente por
não haver tantas pessoas por ali.
A cena que encontrou ao finalmente chegar ao local onde havia
estacionado o carro ficaria gravada na sua mente para sempre.
Sofia estava caída no chão sobre uma poça de água. As mãos
protegendo a barriga, inteira trêmula enquanto aquele que um dia ele chamara
de amigo esguia o braço, com a mão fechada em punho, seu alvo claro.
O medo que sentia transformou-se em fúria. Os tremores de um pesar
quase antecipado que antes tomavam seu corpo agora possuíam outra origem.
Olhou para ela, olhou bem para ela caída ali, ainda sem ser notado e deixou
que seus instintos agissem. Deixou-se ser controlado pela fúria e agiu.
O braço que descia em direção ao rosto delicado e banhado de lágrimas
da sua mulher fez o caminho contrário e teria se surpreendido pelo som
horrível de ossos se partindo não fosse a fúria que nublava seus sentidos.
Um grito lancinante e angustiado ecoou pelo estacionamento e quase
sorriu de satisfação. Só não o fez porque aquilo não era nem o começo.
Vinicius segurou o braço ferido, grunhido de dor e Henrique não
permitiu que falasse. A boca que se abria para talvez lançar insultos ou talvez
outro grito de dor se fechou e se transformou em um vermelho intenso no
instante em que seu punho, muito maior e com uma força que Henrique nem
sequer supunha ter, o lançou para longe.
Vinicius caiu com força, batendo cabeça e ombros no chão e apenas por
um segundo Henrique olhou para Sofia. Sebastian estava ali, sabe Deus
como, e a ajudava a levantar. Ela parecia bem, não estava machucada, mas a
dor nos seus olhos, o temor e a forma com a qual ela tentou afastar os fios do
cabelo do rosto, com as mãos tremendo tanto que não conseguiu, fez que sua
ira crescesse ainda mais.
Há os que digam que na limiar entre o dever e o desejo de vingança, o
dever vence. Na verdade, um não pode ser distinguido do outro, ambos se
completam e são um só. Não há o que se fazer, não há como lutar contra, não
há como se controlar. Lançou-se para frente e descontou com os próprios
punhos toda a dor que viu nos olhos da sua mulher.
Ela não merecia aquilo. Não merecia ter escutado o que quer que a
tenha feito chorar, não merecia essa merda de rasteira da vida, mais uma de
centenas de outras. Não merecia sofrer, não merecia chorar.
Bateu e bateu, um soco atrás do outro, os punhos manchados de sangue,
a imagem do sofrimento dela gravada na sua mente, as lágrimas espalhadas
por seu rosto, a forma como se encolhia no chão, tentando se proteger quando
a encontrou. A imagem do que poderia ter acontecido caso não tivesse
aparecido naquele momento, a certeza de que aquilo era sua culpa, que
Vinícius só fora atrás dela porque, semanas atrás, Henrique o procurou. E o
ameaçou. E socou até voltar a si e finalmente perceber que ninguém ganharia
se prosseguisse com aquilo.
Agora não mais. Não outra vez. Agora ele vai até o fim. Agora ele cede
ao monstro que ruge no seu ser, da sua alma até atravessar sua pele, e se
permite ser dominado por ele. Se permite ceder o controle, se permite bater e
bater, ignorando o sangue que jorra no seu rosto, os gritos as suas costas, as
mãos fortes que tentam puxá-lo dali.
Agora ele se vinga. É o seu dever.
Vinícius não possuía mais os dentes da frente, sua boca pendia aberta,
apenas uma bola de sangue escapava por ela e seu rosto era um show de
horrores e sangue, mas ele não parou. Não deu ouvidos as vozes que
chamavam seu nome, aos curiosos que se juntavam ao seu redor, não se
importava com os cortes nos dedos, com o cansaço nos braços, ele só deu.
Deu até cansar, deu até expulsar por meio dos punhos todas as angústias que
sentia, todos os cenários que surgiam na sua mente, um pior que o outro.
Sua mulher ferida. Sua filha em perigo. Ele a causa daquilo tudo. E
aquele corpo embaixo do seu, quase sem vida, quase um nada, um monte
disforme de sangue e fluidos, de dores e vinganças, o culpado por tudo
aquilo. Alguém que um dia fora sua família, alguém que um dia chamara de
amigo, de irmão.
O mostro dentro de si rugia pedindo mais. Todo aquele sangue não era
suficiente. Aquilo não o fazia melhor, não apagava da sua mente a imagem
dela chorando desamparada, largada naquele chão e algum tempo atrás,
sozinha e sangrando pela casa.
O mostro dentro de si não queria parar. Não estava satisfeito. Rugia por
mais, mais sangue, mais dor, em busca de um mínimo de satisfação com o
cenário que agora pintava. Rugia e exigia por mais, ignorando tudo e todos e
continuaria ali, até que não houvesse mais o que fazer, até que o que restasse
naquele chão não passasse de um corpo sem vida.
Era isso que faria, era isso que planejava fazer, não fosse por ela. Não
fosse a voz dela, o toque dela no seu braço que mais uma vez subia, pronto
para mais uma queda, mais um impacto, mais sangue.
— Não — disse ela, colando-se no seu corpo, envolvendo-o, tremendo
tanto quanto ele, se não mais.
Sofia chorava, abraçada as suas costas.
E só ali Henrique acordou. Só ali ele se livrou daquela cede de sangue,
daquele desejo por mais.
Sofia não foi feita para isso, ela quebra quando sofre. Ela não deveria
estar ali, não deveria tê-lo parado, não deveria tê-lo visto daquela maneira.
Ela teme violência, ela treme ao menor sinal de conflito, de confusão. Vê-lo
daquela maneira, ensanguentado, gritando, rugindo furioso, mais animal que
homem, era demais para ela.
E apenas por ela que ele parou. Apenas por ela que ele respirou fundo e
fechou os olhos, expulsando de si tudo o que talvez também pudesse assustá-
la.
Levantou com ela ainda colada nas costas e evitou olhar ao redor.
Focou os olhos no homem caído no chão, no sangue que rodeava seu rosto e
no peito que insistia em descer e subir conforme sua respiração.
Ainda vivo, então. Ainda ali, ainda presente, mas nunca mais, nunca
mais ele vai se aproximar da sua mulher novamente. Ele vai garantir isso.
— Olhe para mim — ela implorou, colocando as mãos no seu rosto,
desviando seu olhar do chão. Henrique tentou afastá-la, não queria que ela
tocasse seu rosto sujo de sangue, mas não poderia tocá-la com as mãos que
estavam em pior estado. — Hen-henrique, olhe para mim!
Olhou, porque ela pediu. Ela ainda chorava, mas era um choro
silencioso, sentido. Não gostou de tê-lo visto daquela maneira, estava claro,
mas não se afastou. Deixou que o observasse de perto, deixou que limpasse
seu rosto com um paninho que ele não soube dizer de onde tirara e depois
suas mãos.
— Você está bem? — perguntou para ela a voz muito baixa e rouca.
Ainda evitava olhar ao redor porque nada mais importava que não fosse ela e
seu bem estar.
Ela não possuía nenhum ferimento no rosto, nenhum hematoma,
machucado visível pelo que pôde perceber, mas precisava ter certeza.
Sofia assentiu uma vez, os olhos preocupados focados nos dele,
procurando por algo que ele não entendeu.
— Você está bem? — repetiu a pergunta dele, franzindo o cenho. —
Está ferido? Está com dor?
— Pensei que tinha perdido você — confessou, o medo permeando as
palavras que deixaram sua boca sem o seu consentimento.
Sofia pareceu surpresa, mas conseguiu sorrir um pouquinho, ainda
tentando acalmá-lo.
— Eu estou bem aqui — murmurou e se aproximou um pouco mais.
Henrique suspirou e seguiu o instinto de abraçá-la, sentindo-se
automaticamente mais calmo apenas por tê-la nos braços. Seu mundo inteiro
cabia no espaço entre seus ombros, pequena e delicada, linda e compreensiva
como apenas a sua mulher é.
Sofia deitou a cabeça sobre seu peito, balançando o corpo levemente de
um lado para o outro, como se não conseguisse ficar parada ou como se
estivesse tentando confortá-lo. Henrique a abraçou mais apertado. Olhou para
Sebastian, parado alguns metros distantes, que olhava intrigado para algo no
chão aos seus pés.
Sofia o apertou mais forte e Henrique acariciou suas costas, ouvindo ao
longe o som de uma ambulância e provavelmente da polícia se aproximando.
Seguiu o foco do olhar do cunhado, distraído por um segundo e franziu o
cenho ao encontrar o mesmo que ele.
Percorreu o chão com os olhos, de um lado a outro, até os pingos que
levavam da poça de água até os pés de Sofia. Notou suas pernas molhadas e
desceu as mãos gentilmente até a parte de trás do seu vestido, uma suspeita
terrível invadindo sua mente.
Ao tocar com as pontas dos dedos o tecido macio e molhado, Henrique
arregalou os olhos.
Sofia se afastou, notando a súbita tensão no seu corpo e sentindo os
dedos paralisados na sua bunda. Abriu a boca para provavelmente perguntar
o que ele estava fazendo, mas Henrique foi mais rápido. A afastou
delicadamente, subindo e descendo os olhos preocupados por todo o diminuto
comprimento do corpo dela.
— Sofia — ele a segurou pelos ombros, mantendo-a parada e também
impedindo que suas mãos tremessem. — O que... O que é isso?
Percebendo o que ele havia notado só agora, ela abriu um sorriso
imenso, que não disfarçava sua surpresa, sua alegria nem tampouco seu
temor.
— Minha bolsa estourou — disse ela, fingindo uma calma que não
sentia, apoiando as mãos na barriga enquanto esperava pelo tempo que ele
levou para entender o que dissera.
Henrique arregalou ainda mais os olhos e o sangue fugiu do seu rosto.
Sebastian estava ao seu lado em um segundo, tão pálido e assustado quanto.
CAPÍTULO 38
Henrique tentou não surtar. Tentou pensar racionalmente, tentou
impedir que suas mãos tremessem, que seu corpo suasse de nervoso, os
nervos em ebulição, a mente desesperada, mas não conseguiu.
— Quando você entrou na sala do reitor, eu estava tão apertada que
corri para o banheiro mais próximo — contava Sofia enquanto Henrique e
Sebastian pareciam paralisados. — Mas não tão apertada assim para a
quantidade de líquido que... saiu — corou. — Mas mesmo assim continuei
apertada, o que era estranho. Então, alguns minutos atrás, simplesmente...
saiu.
Ela deixou de lado o fato de que Vinícius e sua surpresa em vê-lo ou o
que quer que ele tenha lhe dito provavelmente contribuíram para isso. Que
talvez o que a fez cair no chão, se ele a empurrou ou se ela mesma se jogou
no chão para se proteger, com certeza também ajudaram para isso.
Em um segundo ela estava ali na sua frente, contando como se aquilo
não fosse nada demais, o momento que acha que sua bolsa estourou, e no
instante seguinte Henrique a levantava nos braços com cuidado, tentando não
fazer movimentos bruscos, gentilmente. Ignorou o gritinho surpreso dela e
caminhou até o carro, a apenas alguns passos dali.
Estranhou que ela não reclamasse do seu gesto desnecessário, mas
Sofia fechou a boca e só ficou olhando para ele de olhos arregalados.
Sebastian abriu a porta traseira do carro e Henrique a acomodou com cuidado
sobre o banco.
Ouviu o barulho das sirenes ficarem ainda mais altas e olhou para seu
cunhado.
— Informe a polícia o que aconteceu e traga os paramédicos aqui assim
que chegarem — disse e Sebastian concordou com a cabeça. Subiu e desceu
os olhos pelo corpo encolhido da irmã sobre o banco, talvez apenas se
assegurando de que ela estava bem, apesar de tudo, e depois foi embora.
Henrique agachou no chão no espaço da porta aberta e fez o mesmo
que o ruivo, correndo os olhos de alto abaixo pelo corpo dela, fazendo ele
mesmo a sua investigação e diagnóstico preliminares, mesmo com os
paramédicos a alguns passos dali.
— O que você está sentindo? — perguntou após limpar a garganta,
avaliando um pequeno arranhão no joelho do dela que só precisava ser limpo
e desinfetado.
— Estou bem — disse Sofia baixinho, as mãos cruzadas sobre a
barriga. Os cabelos estavam soltos e assanhados, a roupa estava molhada e os
olhos estavam tão arregalados quanto os dele, mas ela tentava disfarçar.
— Nenhum desconforto? Nenhuma dor? Nenhuma contração? —
perguntou ansioso, desejando que ela confiasse nele o bastante para se abrir e
contar a verdade.
Ela parecia bem fisicamente, ao menos por fora, mas tentava ser forte.
E Henrique sabia que não era por si mesma, ela tentava fingir um controle
emocional que não tinha para que ele não se preocupasse. Para que ele ficasse
bem. Ele sabia lê-la como ninguém, e ela sabia disso.
— As contrações são leves — confessou ela. — Mas, fora isso,
nenhuma dor ou desconforto.
Henrique assentiu, tentando lembrar todo o conteúdo que lera nos
últimos tempos sobre as contrações. Sabia que quanto mais curto fosse o
espaço de tempo entre elas, mais perto o bebê estaria de nascer. Era só o que
conseguia lembrar, com a mente ainda enevoada, com os nervos a flor da
pele.
Quando não conseguiu lembrar de mais nada, decidiu verificar ele
mesmo o corpo dela. Os paramédicos estavam demorando demais, mesmo
que não tenha se passado nem mesmo dois minutos desde que Sebastian os
deixou a sós.
A bolsinha da bebê já estava no carro, lembrou com um mínimo de
alívio. Não era a que ela tinha separado com cuidado, em casa, mas era
idêntica e ele tentou arrumá-la da mesma forma que ela fez com a outra. Os
documentos estavam todos na bolsa dela, porque ela nunca saía de casa sem
eles. O celular estava caído na poça de água que ele vira sob o corpo dela, a
tela quebrada. Mas ele tinha o seu por perto, lembrou a custo.
— A bolsa dela estourou — falou apressado assim que Wânia, a
obstetra dela, atendeu a ligação.
— O que aconteceu? — perguntou a médica, sem o alarde que ele
esperava. Ela era profissional e, além da leve preocupação em sua voz,
Henrique não conseguiu detectar mais nada.
Explicou rapidamente o que aconteceu, o pouco que sabia, na verdade,
porque Sofia ainda não havia lhe dado os detalhes do tempo que ficou ali
naquele estacionamento e a médica ouviu tudo em silêncio.
— Qual é o intervalo de tempo entre as contrações? — perguntou ela
ao final.
— Não sei dizer — franziu o cenho. — Estamos a caminho do St.
Clara, a ambulância já chegou.
— Certo. Vou estar a espera — garantiu a doutora e continuou. — Há
algum sangramento?
Henrique manteve o celular pressionado contra a orelha com uma mão
e com a outra levantou o vestido de Sofia, olhando atento para o espaço entre
as pernas dela. Sofia tentou afastá-lo dali, corando muito e olhando pela porta
do carro para as pessoas curiosas que os assistiam a alguns metros dali.
— Não. Nenhum sangramento — ele respondeu com alívio, voltando a
cobrir as pernas dela e soltando a respiração.
— Isso é bom — a médica garantiu, a voz tranquilizadora. — Preste
atenção. Você precisa manter a calma. Está tudo bem.
— Mas ela só deveria nascer daqui há semanas. Claro que não está tudo
bem.
— Ouça, Henrique. Não quero preocupá-lo, mas nós já esperávamos
por isso desde a cirurgia fetal. É normal que bolsa estoure antes nesse caso,
isso não indica propriamente que há algum problema. E até em casos de
gestações sem complicações, também é normal que o bebê nasça alguns dias
ou semanas antes do previsto. Isso só quer dizer que sua filha quer vir ao
mundo antes do planejado.
Ele até tentou não se preocupar. Passou o celular para Sofia quando a
médica pediu, deu a privacidade que ela precisava para contar a médica o que
estava sentindo, deu a volta no carro e checou a bolsinha. Tudo certo.
Quando voltava para o lado dela, enquanto ela ainda sussurrava no celular,
viu que o motivo pelo qual os paramédicos estavam demorando tanto era
porque estavam atendendo Vinícius.
Sebastian, conversando com um policial ali perto, viu o mesmo e logo
informou sobre o estado da sua irmã. O paramédico que parecia estar a frente
dos outros respondeu algo que Henrique não ouviu, mas não poderia ser nada
bom porque Sebastian fechou a cara no mesmo instante.
— Você não vai atender esse desgraçado antes da minha irmã — ele
praticamente gritou. — Ele a atacou. Uma mulher grávida. Ele é a razão da
bolsa dela ter estourado antes da hora, ele é a razão pela qual provavelmente
agora ela está sentindo dor e, se o estado clínico dele o preocupa tanto, posso
garantir que ele fez por merecer.
O paramédico, assustado e de olhos arregalados para o ruivo alto e
nervoso ao seu lado, ainda tentou discutir. Felizmente, entre os socorristas
havia uma mulher e foi ela que deixou de lado os cuidados com o homem
caído no chão para se aproximar de Sofia.
— Como você está se sentindo? — perguntou ela a Sofia, após
Henrique abrir espaço para que se aproximasse.
— Bem — respondeu Sofia, desligando a ligação e passando o celular
para Henrique.
— Isso é bom. Qual o seu nome? — a socorrista sorriu simpática e se
ajoelhou aos pés de Sofia, deixando de lado a caixinha de primeiros socorros
que trazia nas mãos. Sofia respondeu seu nome baixinho, tentando ver o que
acontecia a alguns passos dali, mas Henrique se colocou na sua frente. —
Bom, Sofia, você parece mesmo estar bem. Mas eu posso avaliar você?
Sofia assentiu e Henrique ficou por ali, observando enquanto a mulher
levantava gentilmente a saia do vestido de Sofia, da mesma forma que ele
havia feito. Conversou com ela baixinho, perguntando como se sentia,
quando a bolsa havia estourado, qual o intervalo entre as contrações, se ela
sentia algum desconforto e coisas do tipo.
Não respirou aliviado quando, pouco tempo depois, Sebastian se
aproximou com um policial, que exigiu saber o que diabos havia acontecido
nos mínimos detalhes. Enquanto Sofia era atendida e porque ele não tinha
outra coisa para fazer, ele narrou os acontecimentos do dia e tudo que os
levou até ali.
O policial parecia muito cético ao ouvir aquela história toda, mas
Henrique não se importou. Primeiro precisava ter certeza que Sofia estava
bem. Por isso, quando a socorrista anunciou, sem alarde, que deveriam seguir
o quanto antes para o hospital, ele pegou Sofia nos braços e seguiu até
ambulância.
O policial cético o seguiu de perto, ladrando ordens para os seus
homens e para aquele cabeludo irritado em particular, mas Henrique não
parou. Colocou Sofia na ambulância e entrou junto, dizendo para o homem
carrancudo as suas costas:
— Já contei tudo o que aconteceu. O que eu fiz e o porquê fiz — disse
ele. — Se você acredita ou não, não é problema meu. Minha mulher e minha
filha precisam de mim agora e nós vamos para o hospital.
— Preciso que você... — começou o policial, mas Henrique o
interrompeu.
— Você pode ter o meu depoimento e o de Sofia depois. Agora, essa
não é a minha prioridade.
Saíram dali pouco depois, com o policial ainda de boca aberta para sua
ousadia e Sebastian que ficou com a intenção de esclarecer as coisas, se
assegurar de que a polícia soubesse o que aconteceu e que prendesse
Vinícius.
Henrique lembrava pouca coisa do caminho até o hospital. Tudo
parecia apenas um borrão na sua cabeça.
Sofia deitada na maca. A socorrista ligando-a a monitores. O celular
dele no bolso da calça que não parava de vibrar. O rosto pálido da sua
mulher. E a expressão de dor quando as contrações ficaram mais fortes.
Abaixado ao lado dela, uma mão na dela, eles conversaram baixinho.
— Você deveria ligar para minha mãe — ela disse.
Henrique assentiu.
— E vou, assim que chegarmos ao hospital.
— A bolsinha... — ela resmungou baixinho. — Tanto cuidado para
prepará-la e ela nem sequer está aqui quando finalmente preciso.
Henrique sorriu e virou-se um pouquinho para mostrar a bolsa que ele
lembrou de pegar no carro antes de levá-la até ali.
— Não é a que você arrumou — esclareceu quando ela ficou olhando
para ele sem entender. — Mas tem tudo que você precisa e tentei organizar
tudo do jeito que você me ensinou.
Ela sorriu, emocionada. Tentou conter as lágrimas, ele viu, mas não
conseguiu. Apertou a mão dele enquanto chorava e Henrique se baixou para
beijar seus lábios de leve, apenas porque não resistiu.
— Amo você — ela sussurrou na sua boca e Henrique sorriu.
— Também amo você.
Chegaram no hospital sem nenhuma complicação minutos depois. A
médica de Sofia estava a espera, com uma equipe ao seu lado e, assim que as
portas da ambulância foram abertas, ela assumiu a situação.
Henrique beijou seus lábios mais uma vez, em despedida. Parecia quase
anestesiado quando seguiu uma enfermeira para uma sala no segundo andar
do hospital, onde foi instruído a trocar as roupas que vestia por uma túnica
azul-bebê. Fez tudo no automático, perdido em pensamentos.
Alguma coisa estava errada. Ele sabia que sim, só não tinha certeza do
que. Ligou para os pais de Sofia antes de lavar e desinfetar as mãos e
informou o que havia acontecido e o que estava acontecendo agora. Tentou
não preocupá-los demais, tentou deixar de lado o temor e foi breve.
Estava tudo bem, ao que parece. Sofia estava bem, sua filha estava a
caminho. Então por que sentia que algo estava errado? Por que sentia o
coração pular no peito, quase desesperado? Por que sentia as mãos trêmulas,
o suor brotar e escorrer frio pelo seu corpo? Alguma coisa não estava certa,
algo estava errado e ele tentou afastar aquela sensação pelo caminho que
levou até o quarto onde Sofia estava.
Lá estava ela, meio sentada, meio deitada sobre uma maca hospitalar
estranha. A sensação não sumiu, mais diminui um pouco apenas por vê-la.
Apenas com ela sob suas vistas conseguiu respirar, retomar o fôlego.
— Como você está se sentindo? — perguntou, colocando-se ao lado
dela rapidamente.
— Prestes a ser rasgada? — ela meio que perguntou, sem ter certeza.
Henrique não riu como ela esperava que fizesse e pegou uma das mãos dela,
beijando sua pele que estava tão suada e fria quanto a sua própria.
— Vai ficar tudo bem — garantiu, porque estava ali para isso. E iria
garantir que tudo desse certo. Esse era o seu trabalho.
E pelo tempo que levou até as contrações levarem apenas dois minutos
entre uma e outra ele esteve ali. Pelas horas que passaram até que a médica
anunciasse, animada, que Sofia estava pronta para o parto, com 10
centímetros de dilatação, ele esteve ali.
Quando ela chorou reclamando que a barriga estava contraída, quando
chorou de dor, ele esteve ali. Quando a médica pediu que empurrasse a cada
contração, quando ela gritou de dor, quando chorou ainda mais, o desespero
crescendo, ele esteve ali. Sua mão na dela, as lágrimas no rosto dela e no seu
também, ele esteve ao seu lado.
Sua mão estava dormente, não sentia os dedos, a circulação parecendo
interrompida devido ao agarre forte e desesperado dela, mas ele não se
importou. Permaneceu ao seu lado, sussurrando no seu ouvido, chorando
tanto quanto ela, mesmo que não fosse ele que estivesse sentindo dor, mas
emocionado demais para se importar com aquilo.
Murmurou no seu ouvido o quanto ela era forte, o quanto a amava, o
quanto era corajosa e Sofia deixou de chorar para sorrir. Sorriu mesmo em
meio às lágrimas que escorriam pelo seu rosto, sorriu mesmo em meio aos
gritos enquanto se curvava para frente e fazia força, sorriu mesmo quando
parecia esgotada entre uma contração e outra.
Ele também sorriu, a despeito das lágrimas no seu próprio rosto. Sorriu
mesmo com a mão dormente, mesmo com a audição afetada pelos gritos dela,
mesmo com o corpo inteiro trêmulo, mesmo com aquela sensação ruim ainda
no peito.
E sorriram, mesmo trêmulos, mesmo chorando pelo tempo e força
necessários até que um som preenchesse a sala.
Era algo tão destoante dos gritos dela, algo tão único e lindo que ele só
percebeu o que era quando Sofia desabou contra a cama, exausta, mas
satisfeita e a medida ergueu nos braços um embrulhinho pequeno e inquieto
enrolado numa mantinha cor de rosa.
— Venha, Henrique — chamou a médica, os olhos tão inundados de
lágrimas que seus olhos castanhos brilhavam. — Corte o cordão umbilical e
conheça sua filha.
Henrique permaneceu paralisado por poucos segundos até fazer o que a
médica pediu. Com as mãos trêmulas, ainda sem fitar o embrulhinho nos
braços da médica, cortou o cordão umbilical, sem jeito e tentando fazer da
forma que ela comandava, prendendo a ponta que ainda estava ligada a Sofia
com a ponta rombuda da tesoura.
Só então ele a viu. Só então ele a fitou. E só então aquela sensação ruim
que tomava seu peito foi embora. Só então ele entendeu.
Agora as suas duas meninas, os amores da sua vida, estavam sob suas
vistas. E nada de mal as aconteceria enquanto estivessem ali.
Com as mãos trêmulas, Henrique estendeu os braços e a médica o
ajudou, colocando sobre seus braços a segunda razão da sua vida. Caminhou
até a primeira, ainda deitada na cama, parecendo exausta, mas com um
sorriso nos lábios que Henrique nunca tinha visto. Resplandecia, iluminava
seu rosto inteiro, deixando transparecer toda alegria, todo amor, toda
felicidade que sentia.
Parando ao lado dela, Henrique colocou a bebê nos seus braços e
presenciou o reconhecimento das duas. Elas já se conheciam, conviveram
juntas por um longo tempo. A bebê a reconheceu, se ajeitando sobre a curva
do seu braço, conhecendo e reconhecendo o terreno.
Henrique examinou seu rostinho perfeito. Os dedinhos contraídos das
mãos inquietas, o rostinho enrugado e lindo, o chorinho baixinho que parou
no instante em que ouviu a voz da mãe.
— Linda — Sofia sussurrou, o sorriso envolvendo a palavra, as
lágrimas escorrendo agora mais rápido que antes.
Henrique envolvia as duas nos braços, seu mundo inteiro ali. Os amores
da sua vida, as razões da sua vida. As suas meninas.
— Inteira linda — disse ele, encantado. — Tão linda como a mãe.
Ruiva, como a mãe. A pele branquinha como leite, a boquinha pequena
em formato de coração, o nariz pequenino e delicado, as bochechas coradas.
Era uma cópia perfeita do primeiro amor da sua vida e Henrique não poderia
estar mais feliz. E encantado.
Não tinham como saber qual a cor dos olhos agora, mas ele esperava
que o azul que iluminava seus dias desde que chegou naquela cidade também
estivesse presente ali.
— Vocês mantiveram em segredo por todo esse tempo, mas agora acho
que é o momento apropriado — disse a médica, parando ao lado deles e
parecendo tão emocionada quanto. — Qual o nome dela?
Quando Sofia o fitou, os olhos tão iluminados e cheios quanto os dele,
Henrique sorriu. Havia deixado a decisão para ela, porque confiava que ela
faria uma boa escolha, independente de qual fosse, e porque tinha certeza que
amaria. Por isso deixou que ela contasse, beijando seu rosto e sentindo seu
mundo finalmente entrar nos eixos.
Sensação de completude. Felicidade. Amor. Sensação de vitória, aquele
momento tinha. Após tantos problemas, complicações. Após todo o medo,
todo o temor dos últimos meses, todos os problemas, as preocupações. Após
todo o choro e todas as brigas, ali eles tinham certeza. Ali eles se
concretizavam.
Eram homem e mulher. Marido e mulher, mesmo sem assinaturas numa
folha de papel, apaixonados, completos. E agora pais. A vida finalmente
entrou nos eixos. Sua vida inteira, seu mundo inteiro cabia no espaço entre
seus ombros.
Olhando para aquele rostinho enrugadinho e mesmo assim lindo,
ouvindo a voz da sua mulher coroar tudo, Henrique teve certeza que sua vida
começava ali. E sorriu ao ouvir pela primeira vez o nome da sua filha.
— Seja bem-vinda, Helena.
CAPÍTULO 39
Três meses depois.

Sofia abriu os olhos no escuro, acordando de súbito. Presa naquela


breve letargia quando não se sabe onde está ou que horas são, ela levou
apenas alguns segundos para identificar o som que a acordou. Um chorinho
baixinho atravessava a porta aberta do quarto, sendo seguido de um
murmúrio rouco, profundo e logo apenas o segundo se ouvia.
Esperou mais alguns segundos, surpresa com o silêncio. Estava
esgotada, sentia o corpo reclamar por deixar o conforto da cama macia, mas
levantou mesmo assim. Coçou os olhos e bocejou enquanto calçava as
sandálias e saiu do quarto lentamente, tentando não emitir nenhum som.
Deveriam ser por volta das três horas da manhã, alta madrugada ainda e
a casa estaria escura, um breu completo, não fosse o brilho da lua que invadia
as janelas e iluminava seu caminho. Não que precisasse das luzes acesas para
caminhar até o quarto ao lado. A porta estava entreaberta, como sempre
deixava a noite e a luz baixa e aconchegante do abajur iluminava uma parcela
do corredor.
Ouviu um choramingar baixinho, não era um choro propriamente dito,
mas evoluiria para um em um instante, ela sabia. Esticou a mão para a
maçaneta da porta, mas parou quando um outro som se fez ouvir sobre o
choramingo.
— O que você tem, amor? — ouviu a voz perguntar com infinito
carinho, um murmúrio baixinho, cheio de cuidado. Como resposta obteve
outro choramingo, esse que Sofia reconheceu mais como um resmunguinho
irritado, e sorriu. — A mamãe está dormindo, ela está muito cansada. Vamos
deixá-la dormir mais um pouquinho, então somos só eu e você. Quer contar
para o papai o que está sentindo?
Ele pareceu esperar por uma resposta, o que fez Sofia sorrir quando
outro resmungo se fez ouvir.
— Está com fome? É cólica? — Henrique perguntou, talvez mais para
si mesmo, porque não havia como receber uma resposta verbal positiva ou
negativa naquelas circunstâncias. — Dói aqui? — voltou a perguntar. —
Não? Tudo bem. É fome então? Mas não faz nem uma hora desde que você
mamou pela última vez — obteve outro resmungo como resposta. — Que
mocinha insaciável.
Sofia se recostou na parede, reprimindo o riso e um bocejo. Estava
mesmo cansada e com sono, parecia que nunca dormia o suficiente e logo
estava de pé outra vez. Mas não reclamava e nenhuma vez sequer nesses
últimos três vezes relutou em levantar da cama, fosse a hora que fosse, por
mais exausta que estivesse, assim que ouvia um chorinho vindo do quarto ao
lado.
Aos três meses, Helena ainda trocava o dia pela noite e a casa girava
entorno das suas necessidades, como deve ser. Eles dormem quando ela
dorme e acordam quando ela acorda. O lado bom de não ter outras
responsabilidades, de ter trancado o curso, por exemplo, é que não precisava
sair de casa para nenhum compromisso diário. Estava sempre cansada, é
verdade, mas em compensação o sorriso sincero e realizado parecia fixo no
seu rosto.
Ouviu o som de passos do outro lado da porta, seguido do protesto da
poltrona onde Henrique provavelmente havia sentado. Helena voltou a
choramingar e ele rapidamente a acalmou.
— Shhh. Diga para mim o que você quer — ele pediu baixinho. — Não
é fome, não é cólica, então o que é? Hum? — outro resmungo e Sofia ouviu
Henrique suspirar profundamente. — Desculpe, princesa, mas o papai não é
muito bom de entender resmungos.
"Isso é manha" diria a mãe de Sofia se estivesse ali. "Vocês mimaram
demais a menina, por isso ela resmunga". Sofia não se importava com aquilo.
Estava calejada desde a gravidez e aprendeu a custo a não deixar que os
conselhos e achares dos outros interferissem na sua vida, ou a fizessem agir
diferente em determinada situação, ou até mesmo a impedissem de ninar a
sua própria filha quando ela chorava.
Sabia que mãe não fazia por mal, ela mesma mimava a menina tanto
quanto os pais babões. Todos faziam aquilo, na verdade. E Helena ainda era
muito pequena, o que deveria fazer? E é verdade que, quando contrariada, ela
tende a resmungar baixinho. E se chorava, é claro que iria buscar consolá-la,
não importa como. Ou a que horas. Henrique pensava o mesmo.
— Quer ouvir uma historinha? — a voz dele soou no silêncio do
quarto, quebrado apenas pela própria voz e pelo chorinho baixinho da
menina. — Não sou muito bom nisso, mas posso tentar por você. É isso que
você quer?
Sofia achava lindo a forma como Henrique falava com Helena. Era um
tom de voz, calmo, amoroso, um carinho envolto nas palavras que ele usava
apenas com ela.
— Tudo bem. Não conheço muitas histórias, mas posso fazer isso —
ele soou apenas um pouquinho nervoso e Sofia ouviu quando se ajeitou na
poltrona, provavelmente buscando uma posição mais confortável. — Era uma
vez... — ele hesitou, sem saber como prosseguir. — Era uma vez uma
menina... — hesitou novamente e suspirou profundamente. — Espere um
segundo. Deixe-me pensar um pouco.
Sofia sorriu. Eram pais de primeira viagem, eram jovens, mas a
maternidade não era um bicho de sete cabeças como todos diziam. Levaram
pouco tempo, dias, na verdade, para desenvolver uma rotina e sentirem-se
confortáveis no papel de pais e responsáveis por uma outra pessoa.
Estavam assustados em um primeiro momento, precisou admitir, mas
lidavam com um dia de cada vez e aprendiam sozinhos como tudo deveria
ser. Conversavam muito, pesando prós e contras antes de casa decisão,
mesmo quando a decisão em questão se referia a marca de fraldas
descartáveis ou qual a melhor mamadeira, e pensando unicamente no que
seria melhor para Helena.
Após três meses sem quaisquer problemas, Sofia tinha certeza de que
estavam indo bem. Helena crescia a uma velocidade impressionante, tal como
sua mãe a havia avisado meses atrás, estava saudável, linda e fofinha como só
ela. Em um lar feliz, com pais amorosos e carinhosos, visitas quase diárias de
tios e tias babões e dois avós corujas experientes como sentinelas atenciosos.
Não tinha motivos para reclamar da vida, mesmo embora estivesse
sempre cansada. Pelo contrário, acordava feliz todos os dias, mesmo após
descansar por um par de horas apenas, ou com os seios doloridos, ou com um
choro estridente cortando o silêncio da casa. Porque aquilo não importava.
Helena estava bem, era mimada e ficava ainda mais manhosa a cada dia, e ela
estava ali para ver tudo aquilo.
Tinha motivos apenas para agradecer, nada a reclamar. Era grata a vida
por tudo que agora tinha e também por tudo que teve que passar. Porque
todos os problemas, complicações, toda a dor e o sofrimento a levaram até
ali. E, se para ter a sua filha e o seu homem ao seu lado e vivenciar a alegria
que vivia agora ela precisasse passar por tudo novamente, ela não pensaria
duas vezes.
— Hum — Henrique limpou a garganta, ainda hesitante. — Você ainda
está acordada? — perguntou em um sussurro que Sofia só foi capaz de ouvir
porque estava com a orelha grudada na porta. Sorriu quando Helena
resmungou mais um pouquinho como resposta a pergunta do pai. — Certo.
Tudo bem. Lembre-se que o papai não é tão bom em contar histórias como a
mamãe deve ser, certo? Hum... — hesitou mais uma vez e após limpar a
garganta e respirar fundo, começou: — Era uma vez uma menina chamada
Branca de Neve.
Recostando-se melhor contra a parede, Sofia se concentrou na história,
tentando ouvir com atenção, já que Henrique falava baixinho, um tom
cadenciado e apressado na voz, para que a menina dormisse.
— Branca de Neve era uma linda menina. Era gentil e carinhosa, mas
tendia a desobedecer os pais de vez em quando — continuou. — Um dia,
enquanto ia visitar a vovó, Branca de Neve entrou na floresta, coisa que sabia
que não deveria fazer nunca. Seus pais a haviam alertado sobre um monstro
sombrio que morava na floresta e que assustava criancinhas como ela. Sem
dar ouvidos ao conselhos dos pais, ela seguiu em frente...
Henrique prosseguiu com a história e Sofia quase cochilo em pé. Ele
passou aos poucos a não fazer sentido, pulando partes da história e
retrocedendo do nada e isso talvez se devesse ao sono, já que ele passou a
bocejar a cada minuto. Sofia franziu o cenho e sorriu no escuro quando ele
subitamente passou de uma história a outra sem perceber.
— ... então a Bela Adormecida acordou com um beijo do príncipe
encantado e eles viveram felizes para sempre — terminou, bocejando
abertamente ao final. Fez-se um ou dois minutos de silêncio e Sofia presumiu
que os dois daquela vez haviam pegado no sono.
Até que Helena voltou a chorar, provavelmente acordando o pai,
levando em conta o sobressalto que Sofia foi capaz de ouvir mesmo atrás da
porta.
— Shhh... — a cadeira começou a ranger baixinho com os prováveis
movimentos que ele fazia para frente e para trás, tentando tranquilizar a
menina. — Pensei que você estivesse dormindo — ele murmurou baixinho,
mas sem chateação na voz. Quando Helena mais uma vez se acalmou, ele
pareceu relaxar um pouco e parou com os movimentos na cadeira. — Quer
ouvir outra historinha? — perguntou pacientemente.
Sofia morria de amores com o eterno carinho e a eterna paciência de
Henrique. Era lindo de ver. Ela supôs que não havia formas daquele homem
se superar, mas desde o nascimento da sua filha ele a surpreende a cada dia.
Ele a ajudava, era o seu apoio, seu suporte, mas, mais do que isso, ele
cumpria com o seu papel de pai.
Henrique não esperava que Sofia delegasse ordens ou aguardava por
comandos. Se havia algo que precisava ser feito, ele ia lá e fazia. Se Helena
estava com a fralda cheia, ele ia lá e trocava, sem esperar por ela. Se havia
feito o número dois, ele nem sequer fazia careta, embora Sebastian quase
tenha surtado quando descobriu o estrago que uma menininha daquele
tamanho poderia fazer.
Ele a banhava com cuidado, trocava a roupinha, e até havia se rendido
aos benditos laços de cabelo que Sofia comprou meses atrás, que ele sempre
dizia serem enormes para a cabecinha de qualquer bebê. Ele escolhia suas
roupas com atenção, combinando a cor da manta com o macacão, o vestido
com o sapatinho. Penteava seus cabelos com infinito cuidado e no final
escolhia o pequeno enfeite que combinasse com todo o resto.
Era o seu parceiro, aquele homem. Pai da sua filha em todos os sentidos
da palavra. E Sofia se descobria a cada dia mais apaixonada.
— Era uma vez uma princesa de um reino distante — ele começou
novamente, após pigarrear para afastar o sono. — Seu nome era Helena e ela
era linda como um anjo. Seus cabelos eram longos e ondulados, vermelhos
como o pôr do sol e sua pele era branca como leite. A princesa Helena era de
longe a menina mais bela de todo o reino e todos se encantavam ao vê-la.
A voz dele não passava de um murmúrio baixo, profundo. Ele parecia
estar distante enquanto falava, como se estivesse sonhando ou visualizando o
cenário que descrevia agora; uma campina repleta de flores onde a pequena
princesa brincava todos os dias com seus amiguinhos, as outras crianças do
reino.
— A princesa Helena crescia a cada dia e tornava-se, se possível, ainda
mais bela — continuou. Helena emitiu um pequeno som, daquela vez pareceu
a Sofia como um bocejo, não um choramingo ou um resmungo. — Eu sei,
parece impossível, mas é verdade — ele rebateu, como se a menina o tivesse
contestado. — Ela era gentil e educada, estudiosa e carinhosa. Respeitava os
mais velhos e nunca, nem uma vez sequer, decepcionou seus pais. Quando a
princesa Helena atingiu a adolescência, ela não ficou chata como os outros
adolescentes do reino, pelo contrário. Ela obedecia os pais e os avós e sempre
pensava duas vezes antes de fazer qualquer coisa — Henrique bocejo outra
vez e provavelmente tapou a boca com a mão, pois o som chegou abafado até
onde Sofia estava. — Por isso — continuou, daquela vez parecendo
ligeiramente mais alerta. — quando seu pai a avisou que princesas boazinhas
não devem ficar perto de meninos nem tão bonzinhos, Helena ouviu e,
enquanto todas as outras meninas desobedientes do reino ficavam se
engraçando por aqui e por ali com garotos, ela focou nos estudos.
Naquele ponto, Sofia precisou sufocar a risada. O ciúme de Henrique
para com Helena não era algo tão irracional, tão forte como já esperava que
fosse, mas, em contrapartida, ela ainda é apenas uma bebê. Talvez as coisas
piorem com o tempo. Até lá, ela vai juntando a paciência necessária para
enfiar na cabeça dele que Helena um dia vai crescer. Que talvez um dia ela
será uma adolescente rebelde, que um dia, quando tiver idade suficiente, vai
conhecer alguém e vai namorar, sim, como todos os outros jovens.
Perdida em pensamentos, perdeu uma parte da história e quando voltou
a prestar atenção, aguçando os ouvidos, Henrique contava com a voz
sonolenta:
— ... e ela fez várias amiguinhas no convento, com as quais brincava e
estuda e também rezava, todos os dias, até se tornar uma freira — ele bocejou
ao final, o som felizmente encobrindo a risada baixa que Sofia não conseguiu
mais segurar.
Henrique prosseguiu contando com a fala arrastada como eram os dias
da princesa Helena no tal convento, o quanto ela era feliz e que não sentia
falta nenhuma dos meninos do reino, que eram chatos e atrevidos. Balançou a
cabeça quando ele foi ainda mais longe com aquele absurdo e reprimiu a
risada tanto quanto pôde pelo tempo que ele levou até chegar ao final da
história — com a princesa Helena feliz e realizada casada com Deus e longe
das tentações mundanas —, até que o único som que repercutia pelo quarto
eram duas respirações profundas e calmas.
Saiu do seu esconderijo devagar, com cuidado para não fazer nenhum
barulho e entrou no quarto. Sorriu encantada com a imagem que encontrou e
que explicava com exatidão por que era tão feliz.
Henrique estava sentado na confortável poltrona de amamentação ao
lado do berço e Helena, embrulhada em uma mantinha fofinha, dormia
tranquila nos seus braços, a face encostada no peito do pai. A luz fraquinha e
rosada do abajur iluminava parcialmente o quarto, jogando um pequeno feixe
de luz sobre os dois e tornando aquela imagem ainda mais perfeita.
Henrique estava sem camisa, como sempre dormia. Todas aquelas
tatuagens, o cabelo comprido bagunçado e a calça de moletom escura
criavam um contraste gritante com os diversos tons de rosa espalhados por
todo o quarto e tornavam o pequeno embrulhinho dormindo e ressoando
baixinho no seu peito ainda mais precioso.
Guardou aquela imagem na mente, em um cantinho especial reservado
para momentos como aquele. Quando era relembrada do quanto era
abençoada, do quando era sortuda e felizarda por tudo o que tinha.
Estava realizada. Era mulher daquele homem e mãe daquela menininha.
Tinha motivos de sobra para sorrir e comemorar e não precisava de mais nada
na vida. Tinha tudo o que precisava para viver bem ali, naquele quarto.
CAPÍTULO 40
Henrique estava nervoso. Estava tudo organizado, tudo pronto, tudo
como planejou, mas o nervosismo quase o consumia. Passou a mão pelo
cabelo, se irritou com os fios e decidiu prender tudo em um coque. Um
minuto depois, soltou tudo de novo quando lembrou que Sofia gostava
quando o via com os fios soltos.
Precisava dar uma aparada, o cumprimento já passava dos ombros,
onde ele sempre mantinha, mas isso ficaria para depois. Não tinha cabeça
para besteiras como aquela agora e um dia lembraria de cortar a porra do
cabelo. Ou não. Tanto faz.
Passou as mãos no rosto, irritado com o quanto estava irritado, o que
não fazia sentindo nenhum. Era o nervosismo falando, ele sabia, mas não
conseguia se controlar. Deu uma olhada no relógio, confirmou que ainda
faltavam alguns minutos para ela chegar e respirou fundo, em uma tentativa
falha de se acalmar.
Não funcionou, é claro, então decidiu checar tudo outra vez.
Quando teve certeza de que estava tudo nos conformes, tudo do jeitinho
que se lembrava, tudo do jeitinho que fez na primeira vez, com exceção de
dois pequenos detalhes — estes programados e escolhidos com cuidado –
conseguiu relaxar, mas só um pouco.
Não tinha motivos para estar nervoso, repetiu uma e outra vez
mentalmente. Tinha certeza do que queria, tinha certeza de que era o certo a
se fazer, mais que isso, era o que mais desejava na vida, e estava tudo bem.
Deveria estar sorrindo e tranquilo, não uma pilha de nervos. Mas lembrou
que na primeira vez que planejou uma noite como aquela, ele também faltou
pouco subir pelas paredes. Por um motivo totalmente diferente, é verdade,
mas que de certa forma também se aplicava naquela situação.
Olhou em volta uma vez mais, tentando se abstrair do nervosismo. As
rosas eram da mesma cor da última vez, a sua cor favorita. As velas
iluminavam parcialmente o quarto, apenas alguns pontos de luz aqui e ali que
tornavam o ambiente mais aconchegante e contribuíam com o romantismo da
coisa.
Henrique nunca imaginou que poderia ser tão romântico, tão piegas e
clichê, mas também nunca imaginou que poderia amar alguém como ama
aquela mulher e, ainda melhor, ser amado por ela em iguais medidas.
Admitiu para si mesmo que não fazia aquelas coisas apenas por ela, embora
ela fosse o seu foco principal, mas gostava de fazer aquilo por si mesmo
também.
Dedicar-se tanto por algo, trabalhar duro para que tudo fosse perfeito, e
depois ser recompensado com um sorriso imenso e um brilho que o
encantava naqueles olhos azuis, fazia com que tudo valesse a pena. Fazia
com que desejasse fazer mais por ela, fazia com que pensasse em coisas ainda
mais piegas e românticas porque era daquilo que ela gostava e também
porque faria de tudo para fazê-la feliz.
Por isso estava ali. Por isso organizou tudo aquilo para ela, as rosas, as
velas, as lembranças que aquele quarto agora guardava, todas boas, só para
que ela tivesse certeza de que era real. Só para que soubesse que ele se
importa, é assim que sempre foi e é assim que sempre vai ser.
Apanharam demais da vida, ela mais do que ele, para que agora fosse
diferente. Sofreram, caíram e levantaram vezes sem conta, mas nunca
perderam as esperanças. Também nunca foram céticos ao ponto de acreditar
que, após tantos problemas, agora que estavam finalmente felizes e tudo
corria bem, os problemas tinham acabado. Pelo contrário.
Quando os problemas chegaram, dessa vez, eles estavam preparados.
Calejados, após tantas quedas. Fortes e certos de que havia, sim, motivos para
serem felizes. E que qualquer problema que por ventura surgisse, qualquer
nova batalha, qualquer nova barreira não era intransponível, bastava ter fé.
Quando Henrique foi indiciado pela agressão à Vinícius, enquanto
Sofia ainda estava no hospital, tudo que ela disse ao vê-lo deixar o quarto na
companhia de polícias foi:
— Não demore. Nós precisamos de você — sem chorar, sem se abalar
demais. Ela sabia que estavam certos, sabia que não haviam feito nada de
errado, apenas agiram de acordo com a situação e ela não chorou, nem uma
vez sequer, quando restou sozinha com sua filha recém-nascida enquanto seu
homem era levado.
E ele voltou no dia seguinte, cansado, irritado, ao menos até encontrá-
las esperando por ele, mulher e filha, impossivelmente lindas e suas. Vinícius
foi preso logo após receber alta do hospital, um braço quebrado, o ombro
coberto por pinos, direto para o presídio de segurança máxima. E vai ficar lá
por um bom tempo. Vai pagar por tudo que fez, vai pagar por todos seus
pecados, acompanhado de Brian, albergado que burlou as regras.
Tinha gosto de final feliz aquele desfecho, e o era. Voltou para casa
com mulher e filha, ambas gozando saúde, protegidas e sempre sob suas
vistas. Não poderia estar mais feliz, não poderia estar mais encantado com a
sua menina, acompanhando seu crescimento dia a dia, assistindo o
transformar da sua mulher em mãe, o nascimento da leoa, chefe e pilar
principal daquela família.
Quando sentiu que faltava alguma coisa, um sentimento estranho que o
abateu em um dia qualquer, demorou um pouco até descobrir o que era. Não
era um problema daquela vez, pelo menos não um propriamente dito, mas o
estava incomodando e ele tentou descobrir o que era.
Estavam bem, ele e sua pequena família. Suas meninas estavam
saudáveis, sem problemas à vista, mas ainda não havia um anel no dedo
anelar da sua mulher, nem uma assinatura em um papel qualquer e era apenas
aquilo que faltava para a alegria ser completa. Para sua união ser completa.
Então estava ali. Então organizou aquilo tudo para e por ela e não tinha
motivos para estar nervoso. Ela era sua, desde o princípio. Ele mesmo já
havia dito que uma assinatura em um papel qualquer não mudava nada, não
legitimava nada, Sofia tampouco se importava com isso, mas, se é pra ser
perfeito, se é para sempre, quer fazer tudo do jeitinho que deve ser. Do
jeitinho que ela merece.
Por isso organizou tudo. Sozinho, como fez da primeira vez que fez
aquilo tudo para ela. Encomendou rosas, comprou velas, alianças e tudo mais
e agora só o que faltava era a presença dela. Fez tudo em segredo, morrendo
de medo de ela descobrir antes que fosse a hora, e estava tudo pronto, do
jeitinho que imaginou.
Quando ela chegou, minutos mais tarde, ele estava um pouco menos
nervoso. Helena estava na casa dos avós, protegida e querida. Teriam a noite
só para eles, a primeira desde que sua filha nasceu e ele queria que tudo fosse
perfeito.
Ouviu quando ela se despediu da amiga, agradecendo pela carona.
Ainda não superou o trauma de dirigir após o acidente, então para onde
precisasse ir ia de carona com ele ou com o irmão ou com as amigas. Ela
entrou em casa depois, balançando as chaves e tropeçando nos próprios pés
devido ao escuro que tomava a casa.
Sorrindo, o nervosismo agora quase inexistente, Henrique ouviu seus
passos suaves pela escada, sua voz desafinada cantando uma música
qualquer, sem fazer ideia do que esperava e seguindo direto para onde ele
estava, de pé no meio do quarto, sorrindo no escuro, mais certo do que nunca.
Ela parou no corredor, provavelmente estranhando o silêncio da casa só
agora. A única luz que guiava seu caminho era o bruxulear das velas que se
derramava pelo chão.
Surgiu pouco depois na porta, andando devagar, pé ante pé,
desconfiada, curiosa e ofegou quando o viu parado ali, centenas de rosas ao
seu redor, velas e mais velas refletindo direto no seu sorriso e a certeza que
brilhava nos seus olhos de que aquela mulher nasceu para ser sua.
— O que... — balbuciou confusa, os olhos arregalados. Entrou no
quarto incerta, olhando ao redor, os olhos que aos poucos se enchiam, o
sorriso que começou a crescer nos seus lábios, as mãos trêmulas ajeitando o
cabelo. — Henrique, você...
Ele a interrompeu, cobrindo o espaço que os separava e tomando suas
mãos com as suas. Ela estava gelada, as mãos frias e suadas e o rosto inteiro
vermelho, pega de surpresa. Então ele começou.
— Um ano atrás, eu conheci o amor da minha vida — disse, ele
também emocionado. — Não lutei contra quando meus instintos me fizeram
ir até você, não resisti quando tudo que meu coração desejava era ter você
mais perto, beijar você, estar ao seu lado e amar você — as lágrimas que
enchiam aquele mar azul que tanto amava começaram a cair e ele sorriu. —
Nunca imaginei que seria possível amar alguém mais do que a qualquer outra
coisa, até que a conheci. Até que a beijei pela primeira vez e me senti
completo, não à deriva, não um qualquer em meio a tantos. Mas seu, da
mesma forma que você foi minha, desde a primeira vez.
Envolveu seu rosto com as mãos, acariciando a pele avermelhada que
tanto o encantava, macia, os contornos que tornavam tão único o amor da sua
vida.
— Eu sei que errei muitas vezes, que a magoei, que a fiz chorar e
sofrer. Por omissão de algo que julguei não ter importância quase perdi você.
E a nossa filha. Prometi enquanto você estava naquela cama de hospital pela
primeira vez que nunca mais a faria sofrer novamente, que nunca mais a faria
olhar para mim com olhos sem vida, sem um pingo do amor que eu me
acostumei a ver no seu olhar todos os dias e acredito que tenho feito um bom
trabalho — brincou e ela riu, confirmando com a cabeça enquanto as
lágrimas escorriam por seu rosto. — Eu amo você mais que tudo e agradeço
todos os dias por ter você, por ter tido a oportunidade de conhecer você, de
amá-la, de tê-la e, sobretudo, agradeço a você por ter me dado o melhor
presente que eu poderia querer — Sofia tentava conter as lágrimas, mas não
conseguia. Ele tampouco, deixou que a emoção o dominasse e seguiu em
frente. — Ter você, Helena, a nossa pequena família é tudo o que jamais
sonhei em ter e tudo em que consigo querer da vida, tudo que eu preciso para
se feliz, para me sentir completo, para me sentir realizado. Então eu queria
agradecer, do fundo do meu coração, por ter dado uma nova chance para o
nosso amor, mesmo quando a magoei, mesmo quando a fiz sofrer, mesmo
quando a fiz chorar e quando tinha todos os motivos do mundo para não me
perdoar. Agradeço, amor, por ter me dado a vida de novo, porque sem vocês
hoje eu não seria nada.
Respirou fundo uma vez só, não porque estava nervoso, mas para
conter um pouco a emoção e beijou sua testa. Ela fechou os olhos,
prolongando o carinho e o quando os abriu novamente, Henrique estava
ajoelhado aos seus pés, uma mão estendida para ela, um pedido mudo nos
olhos cheios e todo amor que sentia por aquela mulher escorrendo pelo seu
rosto.
Sofia arfou e soluçou, os olhos arregalados, a boca aberta em surpresa e
uma nova torrente deixando seus olhos.
— Quer tornar oficial o que já vivemos? — ele perguntou, sorrindo
bonito como só um homem muito apaixonado é capaz de sorrir, os olhos
colados no amor da sua vida, o coração batendo forte no peito com a certeza
de que era para ser. Não importa quanto a vida os batesse, não importa
quantos problemas ainda viriam, quantas vezes ainda caíssem. Eles se
amavam e não existe barreira nesse mundo que separe ou detenha aqueles
que acreditam no amor. — Aceita casar comigo?
Esperou que ela respondesse, pelo tempo que levou chorando e
cobrindo a boca com a mão trêmula, sorrindo chorando ao mesmo tempo e
acenando com a cabeça.
— Sim, eu aceito — ela meio que riu, meio que chorou a resposta e
Henrique sorriu, colocando na mão que ela estendia o anel que não era
símbolo de todo seu amor, que na verdade não representava quase nada, mas
que coroava tudo, servia de confirmação caso uma fosse precisa.
Beijou seus dedos com carinho e levantou, quase caindo para trás no
segundo seguinte quando ela se atirou nos seus braços, gritando e beijando
seu rosto e onde seus lábios alcançassem.
Ali, abraçado ao amor da sua vida, quase esmagado e um pouco surdo
devido aos gritos felizes na sua orelha, ele teve ainda mais certeza, se isso
fosse possível.
O amor os uniu, mais de um ano atrás. Não foi coincidência, não foi
obra do acaso, eram predestinados e caso não a tivesse encontrado naquele
dia na universidade, tinha certeza que hora ou outra se conheceriam. E se
apaixonariam. E se entregariam ao amor, do jeitinho que fizeram. Porque
aquilo era o certo. Ele nasceu para ela e ela nasceu para ser sua.
Eram predestinados. Estavam juntos e assim seria para sempre.
EPÍLOGO
Meses depois

O dia amanheceu nublado em um prenúncio da chuva que certamente


em breve cairia, mas nem o clima frio, nem o cinza profundo do céu foram
capazes de tornar aquele dia menos perfeito. Pelo contrário, a temperatura
amena, a tranquilidade que parece envolver os dias nublados, tudo parecia
contribuir para a beleza do que aconteceria mais tarde.
Sofia não estava nervosa. Acordou atrasada, mesmo sem saber como
seria possível uma pessoa acordar às seis da manhã e estar atrasada para
qualquer coisa e logo foi obrigada a seguir diversos rituais que sequer tinha
conhecimento. Não abriu a boca uma vez sequer para reclamar, entretanto,
não porque estava nervosa como pensavam, mas porque gostou daquilo e não
tinha muito o que dizer. Não era muito dada a rituais infinitos de
embelezamento, mas permaneceu parada pelo tempo que levou para ser
esfoliada, hidratada, cutucada, massageada, apertada e maquiada.
A equipe que havia contratado para organizar tudo estava em polvorosa
com a chuva iminente, suas amigas estavam nervosas, sua família impaciente,
e ela, contrariando tudo e todos, apenas sorria, tranquila. Inabalável,
despreocupada.
— Por que você não está surtado? — Lorrany perguntou, quando
finalmente notou que todo seu silêncio não era devido ao nervosismo, e sim
uma tranquilidade infinita. — Eu estou surtando, e isso não tem nada a ver
comigo. Como você pode não estar nervosa?
— Vai dar tudo certo — tranquilizou Sofia, olhando preocupada para o
vinco que se formava na testa da moça da organização, a que controlava tudo
e todos. Uma veia pulsava bem ali, perigosamente visível e ela gritava com
alguém no telefone, dizendo que sabia que a encomenda das tendas extras
fora feita de última hora, mas que ela precisaria delas ali agora, ou o mais
rápido possível, então que dessem um jeito de entregá-las logo porque aquilo
era uma catástrofe!
— Essa sua calma inabalável está começando a me irritar — disse
Lorrany apontando uma unha quase do tamanho do seu dedo em direção ao
olho de Sofia. — Isso não é normal, não está certo.
— O que não está certo? — perguntou Thaís, que havia deixado o
quarto para fazer sabe Deus o que, e agora voltava estranhamente segurando
um vaso sem flores. Seus cabelos estavam assanhados e o vestido um pouco
torto para um dos lados, mas ela não parecia notar. Estava até um pouco
suada, Sofia percebeu.
— Sofia não está nervosa. Nem tremendo, nem assustada, nem
surtando, nada — respondeu Lorrany, ainda fitando Sofia com os olhos
cerrados, de costas para Thaís. — Eu havia me preparado para o surto, mas
não sei o que fazer com essa tranquilidade toda.
— Só não estou nervosa.
— Talvez um murro bem no seu olho resolva — ela refletiu e Sofia
sorriu, sem se abalar.
— Você não faria isso.
— Você é uma péssima amiga — ela resmungou. — Tenho remédios e
tranquilizantes na bolsa, até aqueles florais que as madames dos filmes usam.
Não imagina o quanto foi difícil encontrar essa bosta — reclamou ela. —
Você me faz parecer uma péssima madrinha.
— Você é uma ótima madrinha — garantiu Sofia, sorrindo com
carinho. Lorrany cerrou ainda mais os olhos.
— Nem parece que é você falando — disse, desconfiada. — Quer
dizer, você parece você, mas não é você. É? Ou não é?
— Talvez seja um poltergeist — sugeriu Thaís, mostrando que estava
prestando atenção na conversa, apesar da expressão sonhadora. Sentou na
poltrona ao lado da que Lorrany estava.
— Pode ser — Lorrany refletiu. — Ela parece com nossa amiga Sofia,
aquela que é nervosa por natureza, chora vendo comerciais de papel higiênico
e essas coisas.
— Eu estava grávida e com os hormônios em combustão, e isso não é
brincadeira. Só não estou nervosa e ponto — esclareceu a ruiva e foi
devidamente ignorada quando Thaís prosseguiu.
— Talvez a verdadeira Sofia esteja jogada em algum canto da casa,
escondida em algum quarto desocupado, ou em um armário, sozinha e
desesperada porque quem vai casar com Henrique é um alien e não ela.
— Poltergeists não são alienígenas, idiota — rebateu Lorrany,
voltando-se para Thaís pela primeira vez desde que ela voltou para o quarto.
Observou seu rosto sem disfarçar o interesse e a curiosidade, mas continuou.
— São demônios. Ou mutações de seres humanos. Ou filhos de demônios
com alguma outra coisa muito feia. Ou sei lá, mas eles não são alienígenas.
— Como você pode saber? Não sabe nada do assunto — rebateu Thaís,
aparentemente não gostando nada de ter suas ideias descartadas.
— E você sabe?
— Claro que sim. Sou uma caçadora com 14 temporadas de
Supernatural de experiência. Tenho conhecimento no assunto — rebateu ela,
se achando.
— Talvez eu deva dar aquele murro no seu olho, não no de Sofia —
Lorrany refletiu e Thaís rapidinho encontrou qualquer outra coisa para fazer
que a mantivesse longe da amiga por pelo menos três metros.
Sofia apenas sorriu enquanto observava Lorrany vagando de um lado
para o outro, parecendo tão inquieta como a moça do organização. Espiava
pela janela do quarto vez ou outra, conferindo se estava tudo em ordem lá
fora ou procurando alguém em especial.
Seria uma cerimônia pequena, apenas sua família e amigos, todos que
amavam ali e só os que realmente importavam. Havia decidido que seria
perfeito organizar tudo no grande quintal da sua casa, e não desistiu da ideia
nem quando Lorrany afirmou que nem mesmo todo aquele espaço seria
suficiente para tudo que tinha em mente.
Mesmo contrariada, coube à morena aceitar as suas vontades, mas isso
não sem antes resmungar muito. Sofia havia contratado com a ajuda da sua
mãe uma organizadora ou sabe-se lá qual o nome dado a mulher que planejou
e organizou toda a cerimônia e Lorrany dava pitacos vez ou outra, porque não
seria ela se não fizesse isso e a coitada da mulher parecia a beira de uma crise
nervosa.
— Sebastian não está aqui — disse Sofia, desviando a atenção da
amiga da janela do quarto. Lorrany fez careta, mas não disse nada,
aparentemente cansada de negar seu envolvimento com o ruivo, ainda mais
tendo em vista que sempre eram pegos no flagra se agarrando pelos cantos.
— Ele saiu com Henrique e Diego para fazer alguma coisa.
— Eles já chegaram — disse Thaís. — Encontrei Di... — pigarreou. —
Encontrei com eles lá embaixo agorinha mesmo.
— Sei — murmurou Sofia, olhando de uma para a outra. Thaís
claramente ainda estava sob os efeitos do recente amasso com Diego e
Lorrany parecia muito ansiosa para encontrar Sebastian, com certeza com o
mesmo em mente.
Levantou-se depois, quando a moça que arrumava seu cabelo deu o
trabalho como concluído após vários retoques e litros de spray de cabelo.
Andou com tranquilidade até o espelho mais próximo, observando-se
criteriosamente.
Não parecia ela mesma. Seu reflexo mostrava uma mulher vivida, de
sorriso feliz e realizado, de olhos azuis que pareciam as águas tranquilas de
um rio de tanto que brilhavam, o corpo envolto em metros de cetim e renda, o
cabelo de um vermelho intenso brilhando como chamas, o rosto maquiado a
perfeição.
O vestido, embora tão majestoso como geralmente são os vestidos de
noiva, não era tão rebuscado e volumoso quanto todas as mulheres ao seu
redor pareciam preferir. Era simples, bonito, elegante e nada espalhafatoso,
como ela mesma. Sorriu para seu reflexo, mais uma vez perdida em
pensamentos, relembrando todos os momentos vividos que a levaram até ali,
até aquele dia.
Os bons e maus dias. Os sorrisos e todo o sofrimento. Toda luta dos
últimos meses, todas as batalhas vencidas até ali e todas que ainda virão. Em
algum lugar da casa estava o homem da sua vida, aquele que chegou e
plantou mudanças, que chegou como quem não quer nada em um dia comum
e enfadonho como qualquer outro.
Foi em um dia como aquele que se conheceram. Em um dia nublado e
sem muitas expectativas, calmo como são os dias nublados. Haviam esperado
para oficializar os votos, mesmo contrariando o desejo da sua família e
amigos. Aprenderam, como pais e agora homem e mulher, a não levar tanto
em conta a opinião dos outros e que libertador é seguir as próprias vontades.
Tinham um bom motivo para a espera, não podiam estar mais felizes e
realizados, gratos à vida por tudo e pela mais recente vitória. As horas
passaram sem que visse, a correria das pessoas ao seu redor de um lado para
o outro passando despercebida enquanto resolviam problemas, montavam
tendas extras, ou tão nervosas quanto seria suposto que ela estivesse.
Via tudo como uma expectadora distante, assentindo e respondendo
perguntas no automático sem prestar atenção. Então finalmente chegou a hora
final, quando os últimos retoques foram aplicados, cabelo, maquiagem e
vestido perfeitos e finalmente foi deixada sozinha.
Ele chegou depois, do jeito que sabia que faria, lindo como um príncipe
em terno três peças, que não escondia todos os músculos que marcavam o
tecido fino e sorrindo como só um homem que está realmente feliz pode
sorrir.
— Encontrei você — ele disse, parando atrás do seu corpo, observando
o casal sorridente que refletia o espelho.
— Sabia que você viria — ela disse, sorrindo para ele, os olhos nele e
em toda a alegria que aqueles olhos escuros refletiam.
Henrique sorriu em resposta, envolvendo seu corpo com cuidado com
medo de danificar de alguma forma o vestido. Ela estava linda como um anjo,
o cabelo vermelho em contraste com a alvura do vestido e também as
tatuagens que agora cobriam um dos braços da altura do ombro até o pulso.
Sorria para ele o mesmo sorriso do dia 1, tempos atrás. Apaixonada, ela
estava. Feliz, realizada da mesma forma como ele estava. Lutaram, não
perderam a fé, sofreram um bocado e, afinal, ali estavam. Valeu a pena.
Aquele dia marcava não o início de uma nova vida, nem um ponto final, nem
um encerramento de um clichê qualquer.
Aquele dia só coroava tudo. Era só um dia, como qualquer outro seria.
Um dia para celebrar o que já tinham, para sorrirem para a família e amigos,
para festejarem. Não era final, porque estavam longe daquilo ainda. Era só
uma celebração, uma confirmação do que já tinham e viviam e ambos sabiam
disso.
Sofia virou em seus braços, abraçando seu corpo com carinho e ele
observou o azul límpido que iluminava seus dias.
— Eu amo você — ela disse, o rosto inteiro iluminado, reluzente, o
sorriso sincero e os olhos puros. — Amo você mais que tudo e vou amar até o
fim dos meus dias.
— Eu também amo você — sabia que não era nada de mais como
faziam parecer, mas ainda assim não conseguiu conter a emoção por vê-la
vestida daquela maneira, como uma princesa de um dos contos de fadas que
contava para Helena todas as noites, linda como um anjo, bela como só a sua
mulher é. — Sou grato a vida por ter tido a sorte de encontrar você.
Ela sorriu, os olhos cheios, a boca aos poucos formando o biquinho
lindo de choro que ele tanto amava. Beijou seus lábios com medo de borrar a
pintura perfeita neles, apenas para que não chorasse e borrasse os olhos.
Namoraram um pouquinho, sem o fogo que parecia os consumir desde
que voltaram finalmente a ativa após o nascimento de Helena. Aprenderam
que amor assim aos pouquinhos, horas para chegar ao final, horas até
restarem em suspiros satisfeitos, pode ser até melhor do que qualquer pressa e
selvageria. Também se amam aos extremos, é claro, porque as vezes é difícil
demais se controlar e não atacar aquela mulher e assim eles revezam ou se
misturam, uma vez e outra.
Desceram mais atrasados do que qualquer noiva na história das noivas
atrasadas, ela com a aparência só um pouco bagunçada e um sorriso satisfeito
no rosto que não escondia o que acabaram de fazer e ele sorrindo como o
sortudo que era.
A moça da organização tinha o rosto vermelho de irritação e outra
coisa, Lorrany e Sebastian, Thaís e Diego mal disfarçavam os sorrisos
cúmplices, mas não se importaram com aquilo.
Otávio veio primeiro, sorrindo como só um pai orgulhoso pode sorrir
em um dia como aquele e Virna veio em seguida, carregando nos braços o
que de mais precioso Sofia e Henrique tinham na vida, que sorria de volta, os
cabelos vermelhos arrumados em um penteado bonitinho, os olhinhos
castanhos como os do pai brilhando e iluminando tudo ao seu redor como
fazia em todos os dias desde seu nascimento.
Sofia a beijou e abraçou apertado enquanto ela ria e tentava fugir de
seus beijos e depois esticava os bracinhos para o pai, clamando
silenciosamente por uma rota de fuga. Henrique a beijou e apertou tanto
quanto, rindo enquanto ela suspirava, como se soubesse que aquilo
aconteceria. Permaneceram ali, a pequena família reunida em volta da base,
do pilar que os relembrava todos os dias de que todo e qualquer esforço valia
a pena.
Os casais de padrinhos entraram primeiro, sorrisos que demonstravam a
felicidade pelo casal e que não ocultava o que sentiam um pelo outro e que
não era segredo para mais ninguém. Então, após mais uma sessão
interminável de beijos e carinhos, eles deram início ao que já haviam
começado tempos atrás e só agora concretizavam.
Juntos, como sempre foi e sempre seria dali para frente, eles
percorreram o corredor que os levaria para o felizes para sempre e para além
dele. Com Helena segura entre os pais, dando passinhos ainda incertos sobre
o tecido branco que os guiava pelo caminho.
Cada passinho marcava a vitória que lutaram para conseguir, cada
choro, todo sofrimento, as visitas infindáveis ao hospital, as consultas, os
tratamentos, as cirurgias, o acompanhamento médico rigoroso. Marcava
também todos os sorrisos, as alegrias e felicidade que sentiam, o resultado de
dias e noites em que não dormiram, que choraram em silêncio e em que não
perderam a fé.
Tinha gosto de final, enquanto caminhavam sob as vistas das duas
famílias ali reunidas, dos amigos queridos, todos que foram importantes e
contribuíram e ajudaram para que finalmente aquele dia chegasse.
Não apenas a cerimônia em si, mas tudo que aquele pequeno percurso
pelo corredor representava. Não era final, estavam longe disso ainda, mas
tinha gosto de final feliz. Tinha gosto de para sempre, e o era.
E para sempre seria.
Fim.
Leia também:

MEU DESTINO – RECOMEÇOS III

Tudo que ele queria era uma distração. Para a dor, para o sentimento de
derrota, algo que o fizesse esquecer o passado, o quanto a ferida causada por
pessoas nas quais confiou, as que sempre estiveram ali para ele, ainda doía.
Não havia amor, ele sabia, mas havia confiança, carinho e amizade.
E tudo que recebeu em troca foi traição.
A música alta estrondava nos seus ouvidos, corpos esbarrando por todo
seu corpo, desinibidos pelo álcool e uma música barulhenta qualquer. Levou
o copo à boca, sem sentir o gosto do que bebia, buscando apenas o
esquecimento almejado que viria quando seu corpo estivesse além demais
para ser controlado. Ou sua mente anestesiada demais lembrar de alguma
coisa no dia seguinte.
Ainda sofria, mesmo mais de um ano depois. Era como uma ferida
nova, ainda aberta, ainda vertendo sangue, a dor fresca na sua memória e na
sua pele, a descoberta de todas as mentiras e joguinhos como cenas
ininterruptas invadindo sua mente.
Confiou demais, esse foi o seu erro. Não se entregou como era
esperado que fizesse, e aquilo ainda doía como se fosse uma ferida na alma.
E se houvesse amor?, ele se pergunta. Se estivesse apaixonado e não cômodo
com o relacionamento, e se não tivesse ignorado todas as coisas que o
incomodavam naquela amizade, como estaria agora? Pior? Melhor? Menos
pior do que se sentia agora?
Vanessa e Brian, mesmo sem nunca terem chegado até o fim com
aquele plano idiota, conseguiram destruir sua vida. Porque antes, ele não se
sentia como se fosse vazio. Antes ele acreditava em amor, antes ele sonhava
com o dia em que seria pai, sonhava com uma família para chamar de sua,
construída com amor e carinho, forjada das suas dores e do seu esforço.
Sangue do seu sangue, mulher e filho seriam.
Agora não resta mais nada.
Não tem esperanças em um futuro que não mais acredita, não sonha
mais com essas coisas. Está ferido e sofre todos os dias em luto por um filho
que não era seu, mas que era o único inocente naquela história. Também
sofre pelos sonhos que indiretamente incentivou e que por fim acabaram com
a vida daquela mulher. Era uma mentirosa, pouco valia para ele, nunca a
amou, mas mesmo assim era uma vida, ainda na flor da idade e que se foi de
maneira brutal.
Desde então ele definha por dentro, sem deixar transparecer nada, para
que ninguém saiba. Sorri em detrimento das dores do passado e vive um dia
de cada vez. Consegue ser feliz com a felicidade daqueles que ama, consegue
sorrir com sinceridade quando tem a sobrinha por perto, mas é só. Não sonha,
não tem esperanças e só sobrevive, quase um vegetal, não mais ser humano.
Talvez aquela dor nunca vá embora, ele reflete enquanto agarra um
corpo feminino qualquer, na intenção de cumprir com seu objetivo de afogar
as mágoas recorrentes de maneira mais prazerosa, já que o álcool não o
estava ajudando. Talvez seja o seu destino viver com aquela dor para sempre
e para ele tanto faz. Não acredita mais em amor, não almeja isso e
provavelmente é melhor assim, porque não vai alimentar o amor e a
consequente desilusão de mais ninguém.
Nunca mais será o responsável ou alvo de um sentimento tão volátil,
tão perigoso. Não é incapaz de amar, pelo contrário, acredita com todas as
forças que seja, mas não quer aquilo para si. Perigoso demais, doloroso
demais e ele já soma um bom número de feridas para desejar mais uma.
O corpo colado no seu remexe no ritmo da música, pulsa, o envolve
com sua feminilidade. Deixa de lado todas as dores e memórias e volta a
focar no objetivo daquela noite: esquecer.
Mas então o perfume daquela mulher desconhecida e até seu próprio
corpo o fazem lembrar daquela mulher e ele pragueja. Não a que morreu e
que o visita apenas em lembranças, mas aquele demônio de cabelo cacheado
e curvas deliciosas que tiram o seu juízo e já foram capazes mais de uma vez
de tirá-lo do limbo em que agora vive.
Lorrany e suas respostas ásperas, seu corpo gostoso e sua boca atrevida
são o mais próximo que ele já chegou de se entregar a alguém. E aquilo é
perigoso. Quer se entregar e não é pouco e isso o assusta. Por isso foge dela
como o diabo foge da cruz, desde a última vez que se entregou aos desejos do
seu corpo e quase fez aquela mulher como sua.
Ela é perigosa. Tenta afastar da mente o quanto queria que fosse ela ali
e não uma garota qualquer, sem sucesso. Ela tem o poder de afetá-lo, de tirá-
lo da sua zona de conforto e deixá-lo maluco por mais, sedento, cego de
desejo e caído aos seus pés.
Mas ele não vai ceder. Não é mais assim. Ele foge, afoga as mágoas na
bebida e esquece de tudo pelo tempo que dura a letargia do passatempo da
vez. Beijando a boca da garota desconhecida e disposta, querendo fugir da
própria mente, geme quando até naquilo elas se aparecem. Pode estar bêbado,
mais para lá do que para cá, o efeito do álcool finalmente surgindo, mas os
lábios daquela menina parecem carnudos como os dela, o corpo curvilíneo, o
cabelo cacheado e armado, a pele macia e aquele cheiro de mulher que é só
dela.
Lorrany o enlouquece, mas aquela noite não é sobre ela. E talvez afogar
as mágoas com alguém que se pareça tanto com ela não seja uma distração
tão ruim assim.
Talvez.
PRÓLOGO
A lembrança é clara na sua mente, repleta de detalhes e cores, tão cheia
de sensações que é como se fosse algo recente.
As aulas naquele dia pareceram se alongar, infinitas, um tédio sem fim
e, assim que a última acabou, ele correu para casa. Tinha trabalho para fazer
na oficina, havia deixado tudo de lado para se concentrar no que fazer da sua
vida após Vanessa soltar a grande novidade no seu colo e o trabalho serviria
mais como uma distração do que uma obrigação.
Subiu na moto e pilotou devagar para casa, sem pressa, curtindo o bater
do vento contra o corpo e desejando mais que tudo um banho para despertar
de vez. Não havia dormido direito, passou a noite inteira virando de um lado
para outro na cama, ignorando o corpo feminino ao lado do seu também
inquieto, mas por outra razões que ele fingiu desconhecer.
Vanessa havia decidido se mudar para sua casa e ele não teve tempo
sequer de conversar com os pais sobre aquilo, contando que tivesse a
intenção de aceitar aquele absurdo, o que não tinha. Mas, quando viu, era
tarde demais. Uma noite ela disse que aquilo talvez fosse o melhor para os
dois e, no dia seguinte, enquanto ele estava na universidade, ela mesma fez a
mudança, sem um convite propriamente dito e sem esperar mais.
Então ela passou a morar na sua casa, dormir na sua cama e incomodá-
lo todos os dias. Ele levantava cedo, sem fazer barulho e chegava na
universidade mais cedo até que o vigia do turno da manhã. Quando as aulas
terminavam, seguia para oficina do amigo, onde trabalhava desde que
terminou o ensino médio, e só voltava para casa tarde da noite, coberto de
graxa dos pés a cabeça e com a esperança de que ela já estivesse dormindo.
Pelo contrário. Vanessa não só o esperava chegar como também o
esperava nua, esparramada na cama, no que ela pensava ser uma posição sexy
e convidativa. Nem toda a graxa espalhada pelo seu corpo ou o quanto
estivesse cansado e fedendo a desmotivavam e ele precisava se controlar para
não ser grosseiro, todas as vezes.
Não queria aquele relacionamento, estava pronto para acabar com tudo
quando ela começou com o fingimento e tudo que ele queria era esquecer que
ela estava ali e dormir. Mas ela não desistia fácil. Insistia, apelava para
posições ainda mais ousadas, tentava-o de todas as formas e mesmo assim ele
não cedia. Não tinha mais tesão, não sabia nem mesmo o que tinha visto nela
de tão atrativo que o fez querer um relacionamento sério.
As coisas ficaram ainda mais complicadas, ele mal dormia, passava o
dia inteiro fora de casa, estava cansado, mas não poderia fugir da sua
obrigação. Seria pai, ou pensava que sim e Vanessa e a criança precisariam
de assistência.
Foi para casa naquele dia pensando que ela não estaria, já que seus pais
não estavam. Ela odiava ficar sozinha, supôs que talvez tivesse ido visitar a
mãe ou fazer mais uma sessão interminável de compras no shopping.
Nada o preparou para a cena que encontrou. Abriu a porta e entrou em
casa sem fazer barulho, um instinto básico comandando suas ações antes
mesmo que tivesse alguma noção do que estava acontecendo. Viu os restos
de um lanche pela metade sobre a mesa da cozinha, viu a chave com o
chaveiro cor de rosa de Sofia e franziu o cenho.
Ao mesmo tempo em que teve a certeza de que algo estava errado,
antes mesmo de pensar sobre o que estava acontecendo, ouviu o inegável som
de um tapa, seguido de um resfolegar de dor vindos do andar de cima.
Não pensou antes de subir as escadas, certo de que algo estava errado, e
novamente, sem que percebesse, não fez nenhum som que denunciasse sua
presença. As vozes ressoavam pelo corredor e ele demorou apenas um
segundo até reconhecê-las.
— Do que ela está falando? Quem é o pai? — perguntou a voz que ele
reconheceu como sendo de Brian, fazendo-se ouvir por cima das risadas de
Vanessa, que soavam histéricas mesmo de onde estava, parado a poucos
passos da porta do seu quarto.
— Você me usou como um consolo. Me usou porque não podia ter essa
daí — respondeu Vanessa com a voz rouca. —Bom, acho que estamos quites
então.
Sebastian hesitou em se aproximar mais, a mente trabalhando rápido
para entender do que aquilo se tratava e a preocupação com Sofia crescendo.
Não se perguntou o que Brian estava fazendo na sua casa, o relacionamento
dos dois já não era o mesmo há um bom tempo, mas estava intrigado demais
para escutar um pouco mais, sem que fosse percebido.
Ouviu o som de passos pelo quarto e Vanessa começou a rir
novamente, daquela vez com deboche, mas sem deixar de lado a histeria.
— Do que você está falando? O que você fez? — Brian perguntou,
gritando.
Vanessa riu outra vez e respondeu, sua voz ecoando pelo quarto e além
dele até onde Sebastian estava, de repente paralisado, sem acreditar no que
ouvia ao mesmo em que tudo começava a fazer sentido.
— Sebastian e eu nunca transamos sem camisinha. Nunca, embora eu
insistisse — confessou ela. Fez uma pequena pausa e riu mais uma vez. —
Você e eu, no entanto, não usamos uma nem uma vez sequer. Você me usou
para esquecer outra e eu te usei para enganar outro. Estamos quites — cuspiu
e prosseguiu com desdém pingando da voz: — Parabéns, você vai ser papai.
Sentiu o sangue gelar nas veias. Descobriu ali que tudo não passara de
uma armação, de um plano para amarrá-lo de uma vez naquele
relacionamento. Como se fosse um brinquedo, como se seus sentimentos não
importassem, como se, para ela, ele fosse apenas um objeto, algo desejado e
que por isso ela faria o que fosse preciso para conseguir.
— Mas, é claro que, como eu disse, apenas usei você — Vanessa
continuou e Sebastian piscou, voltando a se concentrar na conversa. — Esse
filho, para todos os efeitos, é um Villar. Sebastian vai registrá-lo, com o
tempo vamos nos casar e seremos felizes com esse moleque nos unindo para
sempre. Você foi apenas o doador, essas coisas acontecem. Mas, sabe, é
engraçado. Você disse que Sebastian sempre teve tudo que você não teve,
sempre teve tudo que era para ser seu. Agora, definitivamente, ele terá algo
seu — riu debochada.
— Você é uma cobra — Brian sussurrou, parecendo fazer um esforço
para falar. Sebastian quase não foi capaz de ouvir, levando em conta o tom de
voz baixo e o quanto seus ouvidos zuniam, a raiva aos poucos se espalhando
pelo seu corpo. — Isso nunca vai dar certo. O que vai dizer quando a criança
nascer com os olhos verdes, iguais aos meus?
— Isso não importa — Vanessa descartou a hipótese, sem se alterar.
— Esse filho é meu! Ele não terá meu filho, não vou permitir.
— Não importa o que você quer, vou seguir com o meu plano e você
pode se divertir com a vadia. Faça-a calar a boca e faça com que não diga
nada a ninguém — ela ordenou, obviamente se referindo a Sofia e Sebastian
finalmente sentiu o corpo reagir, livre da paralisia que o abateu desde o início
daquela conversa e fechando as mãos em punho, ainda lutando para absorver
tudo que havia escutado.
— Não vou deixar que ninguém atrapalhe meus planos. Não vou —
ouviu Vanessa murmurar enquanto dava os pequenos passos que o levariam
até o quarto. — Sebastian e eu vamos ter um filho, vamos nos casar, em
pouco tempo posso ter outro pirralho, dessa vez um legítimo e seremos
felizes. Ele nunca saberá de nada.
— Pelo contrário — ele respondeu, saindo das sombras e parando na
porta.
Tudo não passou de um jogo, um plano idiota para usá-lo, fazê-lo
acreditar que aquele filho era seu e prendê-lo àquela mulher pelo resto da
vida.
Talvez ele gostasse um pouco, um mínimo que fosse, de Vanessa. Não
a odiava, tampouco a amava, mas não a repudiava. Até ali. Até aquele
momento onde as máscaras finalmente caíram e ele descobriu quem era
aqueles dois de verdade. Até descobrir tudo.
Catalogou o quarto com os olhos. Observou Vanessa que o fitava com
os olhos arregalados. Deixou que todo o ódio que sentia transparecer na sua
expressão. Deixou que soubesse que agora ele sabia de tudo. Que se antes nas
mãos dela ele fora um brinquedinho, agora não mais.
Fitou aquele que um dia chamara de amigo, paralisado do outro lado do
quarto, os olhos tão arregalados como os de Vanessa, mas com tanto ódio que
Sebastian não soube por que não percebeu aquilo antes. Por que nunca viu
quem ele era de verdade, desde o princípio. Sempre esteve ali, sempre sentiu
um incômodo, algo que o alertava inconscientemente, mas nunca prestou
atenção e só ali ele viu.
Ele lutou para se controlar, lutou para não ceder e agir como o animal
que era, buscando vingança pelos dias de angústia que viveu, pela traição, por
todo aquele plano idiota. Então ele viu Sofia, amarrada em uma cadeira no
centro do quarto, o rosto coberto por hematomas que ainda se formavam e o
sangue que escorria pelo queixo é manchava toda a frente do seu corpo.
Guardou aquela imagem na mente, embora não precisasse; ela estaria
sempre ali para assombrá-lo. Sua irmã era inocente naquilo tudo, não tinha
culpa de nada, mas mesmo assim lá estava ela, sangrando e ferida, mas
mesmo assim retribuindo seu olhar com o amor que ele sempre viu ali. Ela
sofria por ele e junto com ele pela situação, sofria por ele ter descoberto
aquilo da pior maneira possível.
Olhou mais uma vez para o sangue que escorria pelo seu rosto e
encharcava sua camisa, vermelho vivo e fresco e viu o mesmo tom de
vermelho que manchava os dedos de Brian. Não havia sangue por mais
nenhuma parte do quarto, nem nas mãos de Vanessa, só ali, nas mãos de um
homem forte o bastante e que, se não tivesse sido interrompido, talvez fizesse
pior.
Sentiu ceder as últimas amarras que prendiam o animal sanguinário na
casinha e não parou para pensar. Já havia pensado demais e teria tempo para
isso depois. Só agiu, deixando que o ódio que percorria suas veias assumisse
o controle da situação.
Saltou sobre Brian e o derrubou no chão, grunhindo furioso. A ira, o
sentimento de ser traído, enganado, feito de brinquedo transbordando com a
força que seus punhos subiam e desciam.
Ele não viu mais nada, não viu o sangue que começara a jorrar dos
ferimentos de Brian, não vira como novos se formavam. Não prestou atenção
nos gritos femininos às suas costas, nem nos pequenos toques em seus
ombros, tentando tirá-lo dali.
Ele não viu quando Vanessa correu do quarto, certamente tentando
fugir. Não viu quando Sofia conseguiu se soltar da cadeira e a seguiu,
correndo atrás dela. Não viu quando sua irmã conseguiu alcançá-la no final
do corredor, perto das escadas.
Sebastian não viu como Sofia tentou escapar dos golpes furiosos de
Vanessa, resistindo ao impulso de feri-la também, sem querer bater em uma
mulher grávida.
Seus braços subiam e desciam e cada vez mais sangue jorrava, o animal
fora da casinha, louco por mais. Mais sangue, mais dor, mais sofrimento.
Não viu quando a porta da casa de repente foi aberta. Não viu quando
Vanessa se assustou com som e tropeçou para trás.
Sebastian não a viu cair, não viu que Sofia tentou segurá-la, gritando
assustada. Não viu quando Vanessa rolou escada abaixo, gritando e batendo
violentamente a barriga e a cabeça em cada degrau, seu pescoço sofrendo
uma nova fissura em cada batida.
Ele não viu nada disso, mas ouviu. Ouviu o som horrível do corpo
rolando pela escada e ouviu quando alguém gritou desesperadamente por
Sofia e finalmente conseguiu sair do transe em que estava. Ignorou o corpo
coberto de hematomas e sangue aos seus pés, ignorou o desejo por mais, não
estava sequer satisfeito.
Levantou-se rapidamente e correu, alcançando Sofia antes que ela
também caísse, desmaiando nos seus braços, enquanto ele fitava seu cunhado
correr pela sala, desviando do corpo sem vida caído ao final da escada.
Vanessa morreu, junto com o bebê que não era seu, mas que ele amava,
junto com a crença em uma um amor que ele nunca foi capaz de retribuir.
Morreu não somente, mas também arrastou sua alma junto.
E depois daquele dia ele nunca mais foi o mesmo.
CAPÍTULO 1
Junho, mês de festas.
Reuniões familiares, comidas típicas, bebidas liberadas, shows
gratuitos, pegações à mil e Sebastian está presente em todos. Bebe, fuma,
gosta de ir à shows, gosta de estar em festas, no meio de dezenas de pessoas
conhecidas ou até mesmo desconhecidas e fazer o que sabe de melhor.
Gosta de sair por aí na sua moto faça chuva ou faça sol, não tem muitas
preocupações na vida, mas leva a sério suas obrigações, seu trabalho, seu
curso e todas as responsabilidades para com sua família. Vive em festas,
shows, beija inúmeras bocas por noite, pega e não se apega e foge como o
diabo foge da cruz de compromisso.
Galinha, dizem.
Um homem que aprecia sua liberdade, gosta de sempre variar o
cardápio e curtir a noite na presença de alguns poucos amigos ou
desconhecidos em boates ou bares, cheios de badernas, confusões, brigas e
discussões, ele diz.
Sebastian, no auge dos seus 23 anos, é um homem vivido mesmo
embora ainda tão jovem. É daqueles que tem sempre um sorriso debochado
no rosto, uma piadinha maldosa na ponta da língua, um olhar desdenhoso e
uma beleza que arranca suspiros. Pena que por dentro se sinta tão vazio.
Sempre uma cabeça maior que qualquer outra pessoa onde quer que vá,
ele se acostumou a não passar despercebido e juntando a altura com sua
aparência, isso é quase certo. Os desenhos espalhados por sua pele, fruto de
uma paixão por tatuagens desde que era um adolescente espinhento, chamam
atenção por si só e ele gosta dos olhares que recebe – sobretudo, é claro, os
femininos.
Os cabelos, tão vermelhos quanto os de sua irmã, são uma de suas
marcas registradas e mesmo quando recebia apelidos idiotas na escola nunca
se importou muito. São muitos os ruivos na sua família, com exceção de sua
mãe, loira natural e também de farmácia – e, segundo ela, com muito
orgulho.
Para Sebastian, não havia muitas coisas com o que se preocupar na
vida. Sempre encarava um dia por vez, sem planos ou metas, buscando viver
o momento, divertir-se sem reservas e ser feliz. "Carpe Diem", afirmava
sempre que o questionavam sobre o seu futuro. Esse virara o seu lema, tanto
que o tatuou em seu corpo. Em letras garrafais e no pescoço, para completo
horror da sua família.
Mas isso tudo foi antes.
Agora ele se fecha sem perceber, prende tudo aquilo que foi ou sonhava
em ser em um espaço mínimo e tenta apenas sobreviver com as dores do
passado. Dores que deixaram sua marca, que moldaram quem é hoje e o que
jamais voltará a ser.
É fácil demais pegar um ser humano repleto de sonhos e desejos e fazer
com ele o que quiser. Fizeram isso com ele não muito tempo atrás, ou não
tempo suficiente para que a ferida cicatrize. Agora ele só segue um dia por
vez, sem planos, sem sonhos e sem nunca, jamais se envolver demais.
Muitas das suas escolhas foram arriscadas no passado e agora ele
sequer mede consequências, embora deixe claro que não busca aquele algo a
mais. Se envolve por uma noite apenas ou, se a moça for muito receptiva e
faça valer a pena aquela noite, talvez então duas.
Após deixar claro que não haverá um depois, uma ligação no outro dia
ou sequer um repeteco, ele segue. Faz o que tiver vontade, faz valer daqueles
poucos instantes como se fossem únicos e para ele está tudo bem. Não o
incomoda tanto agora que está acostumado.
Até ela surge diante dos seus olhos, linda como um anjo, o corpo que o
enlouquece, o cabelo que chama atenção e a língua mais ferina que já
conheceu na vida. Então é a vez dele de fugir dela, de caçar distrações em
boates e bares e de fingir que os pequenos momentos que teve com ela foram
o mais perto que chegou da superfície desde que tudo ruiu.
Ficou famoso na universidade depois que pegou todas as mocinhas
dispostas por lá. Um ponto a favor no seu cardápio sempre variado é que as
moças sempre comentam umas com as outras e ele muitas das vezes nem
sequer precisa procurar muito. Elas estão sempre ali, à procura, querendo e
ele só vai, sem mentiras, sem meios termos.
Seu envolvimento com Lorrany não foi algo que planejou. Sempre
manteve um olho focado naquelas curvas todas e outro que fingia demência
desde o dia um, quando a conheceu. Não deu em cima dela como queria
porque ela era amiga da sua irmã e ele nunca havia feito aquilo antes, nem
quando eram adolescentes.
Sofia prezava muito por suas amizades e também eram poucas as
pessoas em que confiava, ele não colocaria aquilo a perder por apenas uma
noite. Opções não faltavam também, então manter-se distante dela não era
nenhum sacrifício.
Até que passou a ser. Até o fatídico dia em que sentiu o corpo daquela
morena sobre o seu, as curvas dela sumindo sob seu toque.
Tentou abstrair, fugir do tesão que sentia, das coisas que ela despertava
no seu corpo. Então ela, seu corpo delicioso e aquela dança indecente
aconteceram. Aquela música infernal e que deixava explícito tudo o que ela
queria dizer e fazer com ele e mais um pouco. Ele não foi capaz de resistir e
depois daquilo, nem sequer tentou.
Deixou de lado a consideração para com sua irmã, focou no desejo que
sentia e foi. Se jogou de cabeça naquela mulher, deixou para pensar no que
aconteceria depois apenas quando este chegasse e se perdeu.
Beijou aquela boca carnuda como se dependesse do gosto dela para
viver. Tocou todas aquelas curvas que observou pelo canto do olho por anos.
Se rendeu a ela sem perceber, deixou de pensar, de medir possíveis
problemas, de cogitar possíveis consequências. Era isso que ela queria
quando o olhou com todo desejo que sentia, era isso que ela buscava quando
dançou para ele daquela maneira, quando expressou com o corpo o que não
conseguiu dizer com palavras.
Lorrany fez dele refém naquela pista de dança, fez miséria com sua
cabeça, os pensamentos todos voltados para ela, o corpo dela e em ter mais.
O toque dela em seu corpo o fazia se sentir vivo, seus beijos, a dança
indecente, tudo sobre ela e aquela noite foram demais para suportar e ele nem
sequer tentou reprimir o que sentia.
— Vamos embora — dissera ele naquela noite, quando o desejo por
ameaçou consumi-los.
Ela apenas acenou com a cabeça uma vez, os olhos febris, a expressão
repleta de desejo, o corpo aceso, ansioso por ele. Ele a beijou uma última vez
e logo saíram dali.
Levou-a para casa porque não havia ninguém lá e ir até um motel nem
sequer passou pela sua cabeça. Se agarraram por todo o caminho até lá, os
lábios dela no seu pescoço enquanto dirigia, as mãos dela no seu corpo e as
dele que se controlavam e tentavam manter a direção estável. Quando
chegaram, ele a carregou nos braços, as pernas delas na sua cintura, o corpo
colado no seu e a boca na sua.
Quando a jogou na cama e viu aquele espetáculo de mulher deitada ali,
sorridente e o corpo que o chamava, jogou de lado qualquer reserva que por
ventura ainda tivesse e manteve os pensamentos apenas nela. E em tudo em
que apenas sonhara em fazer, sem nenhuma esperança futura. Sorriu como
um aniversariante que havia recebido o melhor presente do mundo e pelo
tempo que levou mapeando todas aquelas curvas, beijando aquela boca e se
perdendo nela, ele não pensou mais.
Retirou aquele vestido que não passava de um pedaço de tecido, retirou
a própria roupa e se deliciou com os gemidos que encheram o quarto
enquanto a tocava onde queria, enquanto a beijava e lambia por todo o corpo.
Sebastian não sabe até hoje o que aconteceu. Uma hora tinha as pernas
dela sobre os ombros, o gosto dela na boca, o corpo inteiro trêmulo de desejo
enquanto ela também tremia e gemia e no outro, quando estava prestes a
afundar dentro dela, aproveitando enquanto ela ainda era tomada por
tremores, Lorrany tencionou o corpo.
— Não — ela dissera, tão baixinho que ele pensou ser um gemido e
teria seguido em frente, não fossem as mãos dela que o empurravam e o
corpo que a um segundo chamava por ele, então tenso.
— O que? — perguntou ele, ainda muito além, o gosto dela na língua e
o desejo por mais reverberando por todo seu corpo.
— Não — repetiu ela e daquela vez ele ouviu. Focou o olhar no rosto
dela, na sua expressão estranha, quase sofrida e não entendeu.
— Não o que? — não entendia o que ela queria dizer e precisou se
abster do corpo dela colado no seu para poder prestar atenção.
— Eu não quero — murmurou e para que não restassem dúvidas e não
ter que se repetir de novo, esclareceu: — Eu não quero mais.
Sebastian não insistiu, embora não compreendesse. Afastou-se dela,
saiu da cama e quando viu que ela procurava por suas roupas, vestiu a própria
calça. Pelo tempo que ela levou para se vestir, as mãos trêmulas e o rosto
inteiro vermelho provavelmente de vergonha, ele tentou entender o que
estava acontecendo. Tentou entender porque ela não queria mais ou o que
poderia ter feito de errado para que desistisse.
— O que aconteceu? — perguntou quando ela terminou de vestir a
roupa e parecia pronta para ir embora, sem dizer nem sequer uma palavra.
Lorrany parou na porta do quarto, a bolsa embaixo do braço e a mão
que quase tocava a maçaneta. Respirou fundo e depois se voltou para ele.
Parecia estranhamente resignada e, o que ele não entendeu, triste.
— O que aconteceu? — ele repetiu quando ela apenas o observou em
silêncio.
— O que aconteceu é que eu não quero mais — respondeu ela quando
ele pensou que não diria nada.
— Isso eu entendi. Quero saber o por que.
— Por que você quer saber? Eu só não quero mais e ponto. Não é tão
difícil de entender.
Ela não tinha por que agir daquela maneira, grosseira e debochada.
Sebastian tentou controlar seu temperamento, tentando entender o que diabos
estava acontecendo; sem sucesso para as duas tentativas.
— Se você não quer mais, quer ir embora, pode ir para a puta que
pariu, não vou impedi-la — disse, os olhos focados nela e o desejo finalmente
esfriando. Caminhou até parar onde ela estava, procurando seus olhos,
procurando ver neles uma pista que indicasse o que realmente estava
acontecendo. — Só quero entender o que aconteceu, porque um minuto atrás
você parecia estar muito disposta para terminar o que começou naquela
maldita pista de dança.
— Já entendi o que está acontecendo — ela riu com desdém depois de
apenas observá-lo por um tempo. — Você não se conforma que uma garota
dê para trás de última hora, não é? Acha que é o gostosão poderoso e que
todas sempre caem aos seus pés. Mas você precisa entender uma coisa: eu
não sou qualquer uma.
E ele entendeu. Ela não diria a verdade. Não importa qual fosse o
motivo, ela não diria e pelo tempo que continuasse ali buscaria feri-lo da
mesma maneira que parecia estar ferida.
— Vá — ele disse, apontando para a porta. E apenas porque ela fizera o
mesmo, quando ela deu as costas, abriu a porta e já saía do quarto, disse: — E
é verdade, você não é qualquer uma. É do tipo que provoca um homem, finge
interesse e para na hora H apenas por prazer. Apenas porque pode — viu
quando ela parou no corredor, os ombros tensos, ainda de costas e continuou:
— Posso ser do tipo que fica irritado quando uma garota dá para trás, mas
não sou como você. Não finjo interesse e não minto. Para ninguém, nem para
mim mesmo.
Ela foi embora depois, pediu um táxi e foi. Sebastian tentou entender
aquela noite, o que havia acontecido, tentando entender porque tinha cedido
tão facilmente para ela, porque havia se deixado levar. Tentava não pensar
em como ela parecia abatida quando deixou seu quarto e saiu da sua casa,
tentou não lembrar das coisas que disse para ela, para feri-la como ela o feriu.
Chumbo trocado não dói e ele resolveu focar naquilo e esquecer todo o resto.
Ao menos, enquanto pôde.
Ele a via quase todos os dias e embora por muitas vezes fingisse que
ela sequer estava no mesmo cômodo, seus olhos pareciam não responder aos
comandos de sua mente. Ela chegava e ele era atraído para ela como polos
diferentes de uma imã.
Seus olhos a seguiam, mapeavam as curvas que já teve nas mãos, a pele
cor de chocolate que beijou de alto a baixo. O cabelo volumoso e cheiroso, a
boca gostosa, os olhos que diziam mais do que ela se permitia revelar. Via
nos olhos dela sempre que a flagrava o observando que ainda o queria. Que o
desejava, que queria mais, tal como ele também queria.
Fingiu indiferença, ignorando sua presença, o perfume que o tentava.
Fugiu dela pelo tempo que pôde, até que não resistiu mais. Até que olhar para
ela apenas com o canto dos olhos não era mais suficiente.
Não eram estranhos, mas agiam como se fossem. Conversavam o
mínimo possível, apenas o necessário e só quando não estivessem sozinhos.
Passou noites sem dormir depois daquela fatídica noite e tentar ignorá-la
passou a ser ainda mais difícil quando ela passou a habitar seus sonhos.
O fato de Lorrany ser uma das melhores amigas de Sofia apenas
complicava tudo, como soube que seria desde o princípio se por acaso se
envolvesse com ela. A via quase todos os dias quando ia visitar sua irmã,
quando a acompanhava em consultas e exames.
Tentou não se render outra vez, não se deixar levar pelo charme dela,
não rir com suas tiradas debochadas, mas concluiu não ter forças o suficiente
para isso. Fingiu estar preocupado com o bem-estar dela quando se feriu, um
corte mínimo, ridículo no dedo, em um domingo qualquer de almoço na nova
casa de Sofia.
Fingiu indiferença enquanto pôde, o que não foi muito. Bastou ver os
olhinhos famintos dela sobre seu corpo e ele se deixou levar mais uma vez.
Quase a fez sua naquele banheiro, beijou e chupou e aproveitou o
quanto pôde, e no final quem deu para trás daquela vez foi ele.
Ela ainda revirava os olhinhos, a cabeça jogada para trás, a boca aberta,
os gemidos que enchiam o cômodo e as mãos no seu cabelo. Então ele se
afastou, duro como uma rocha, o sangue fervendo de desejo, e um sorriso
cafajeste no rosto de quem finalmente tivera a vingança que queria.
— Não quero mais — disse quando ela tirou a perna de cima da
banheira, soltando seu cabelo e parecendo pronta para se ajoelhar entre suas
pernas. Falou antes que ela fizesse aquilo ou não seria capaz de falar por um
bom tempo e tentou apagar da cabeça a imagem daqueles lábios carnudos e
rosados ao redor do seu pau.
Primeiro ela parou, parecendo não ter escutado direito, depois fitou sua
expressão satisfeita, os olhos brilhando de satisfação. Lorrany xingou dois
palavrões, depois mais quatro, olhou do seu rosto para o volume que estufava
seu jeans, depois olhou para seu rosto mais uma vez e fez uma careta.
Então se virou, pegou a calcinha no chão e, ainda de costas para ele, se
inclinou para a frente, esquecendo que o vestido continuava para cima,
expondo toda sua bunda e mais além. Ela se voltou para ele depois. Olhou
para seu rosto, percebeu o que havia acontecido e olhou mais uma vez para
seu pau.
Então sorriu como uma filha da puta.
— Que pena então — disse ela abrindo a porta do banheiro. — Espero
que seu pau se contente com sua mão. Boa sorte — sorriu por sobre o ombro
e saiu, batendo a porta.
Eles meio que fizeram um trato depois disso. Não se conversam, não
precisam de palavras para dizer o que querem. Onde se encontram, onde
estão os dois juntos, sempre dão um jeitinho de encontrar um canto qualquer,
um quarto desabitado, algum lugar escuro e logo estão se agarrando
desesperados, como um casal de adolescentes. Mas nunca chegam aos
finalmentes. Ela o provoca, ele a atiça e quando estão os dois muito além, um
dos dois interrompe a brincadeira que passou aos poucos a não ter mais
graça; mais ela do que ele.
Não é um trato ruim. Não seguir adiante pode ter sido irritante, para
falar o mínimo, antes, mas agora parece ser a piadinha interna deles. É um
caso que ao ver de Sebastian pode ser benéfico para os dois e que a longo
prazo não causará problemas.
Ao menos é o que ele acredita e repete para si mesmo dia após dia.
AGRADECIMENTOS
Eis-me aqui, mais uma vez, onde achei que nunca estaria.
Tenho muito a agradecer a muitas pessoas que me ajudaram nesse
trajeto, que não me deixaram desistir, que me apoiaram, que me presentearam
com palavras de carinho quando mais precisei e que me fizeram chegar até
aqui.
Aos meus leitores, que me enchem de orgulho a cada comentário, que
me amam e me xingam na mesma sentença, que me acompanharam em mais
uma loucura e que nunca desistiram de mim.
As minhas leitoras betas, Tainá, Yara e Flávia, que tanto me ajudaram e
alertaram e também, por vezes, me xingaram e ameaçaram pela demora.
Vocês são maravilhosas!
À Thatyanne Tenório, pela capa maravilhosa feita de última hora
(menos de 24 horas antes do lançamento), por suportar todas as minhas crises
de indecisão, por procurar e trocar de imagem vezes sem conta, por ser tão
paciente e, é claro, pelo trabalho maravilhoso. Toda luz à você, mana, e conte
comigo pra tudo.
À Thaís, que se dos meus textos poucas palavras leu, mesmo assim
sempre me pôs pra cima quando a bad batia, quando o xaxu era eterno e por
todo amor e carinho. Amo você, mana.
E, por último, mas não menos importante, à Bárbara Lorrany, para
quem essa série sempre será dedicada.
Sofia e Henrique são tão teus quanto meus, Babi, porque se até aqui
cheguei, foi por pura insistência e suporte seus. Você que me levanta, que me
faz ir além, que me acorda pra vida e mostra qual caminho seguir, que me diz
o que está certo e o que está uma bosta, que me xinga dia e noite, que me
suporta mesmo com todos os meus defeitos e crises e que me ama, mesmo
que não pareça, mas não tanto quanto eu te amo.
Você é e sempre será, desde que nos conhecemos, ao que agora parece
séculos atrás, uma das melhores coisas que aconteceram na minha vida, com
certeza a pessoa de coração mais puro que já conheci e a irmã que não é do
meu sangue, mas é como se fosse.
Muito obrigada por tudo que fez por mim, por ter me feito chegar aqui
e por me encorajar a ir mais longe. Amo você de todo meu coração.
SOBRE A AUTORA
La Martine é apaixonada por livros há mais tempo do que é capaz de
lembrar, mas seu amor também pela escrita começou a cerca de quase 5 anos
atrás, quando descobriu que havia uma plataforma online de livros onde
qualquer um poderia se tornar um escritor.
Lê e escreve compulsivamente em iguais medidas e seus livros são as
retratações do que mais a encanta na literatura. Nascida e criada na cidade de
Campina Grande, Paraíba, considera-se uma nordestina de raiz e tem o sonho
de, um dia, poder apresentar para o mundo as belezas da sua terra.
REDES SOCIAIS DA
AUTORA:
WATTPAD: https://my.w.tt/ZOXral3XbY

FACEBOOK: https://m.facebook.com/autora.p.martins.1?
ref=bookmarks

PÁGINA NO FACEBOOK:
https://m.facebook.com/autoralamartine/?ref=bookmarks

INSTAGRAM: https://www.instagram.com/lamartineautora/?hl=pt-br

TWITTER: https://mobile.twitter.com/autoralamartine

Você também pode gostar