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©2016 Alexandre Guida Navarro; João Costa Gouveia Neto (orgs.)


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de fotocópia, gravação, etc., sem a permissão da editora e/ou autor.

A11193 A Escrita e o Artefato como Textos: Ensaios sobre


história e cul-tura material/Alexandre Guida Navarro; João
Costa Gouveia Neto (orgs.). Jundiaí, Paco Editorial: 2016.

384 p. Inclui bibliografia.

ISBN: 978-85-462-0400-7

1. Ciências Humanas 2. Arqueologia 3. Teoria e Método em Arqueologia


4. Artefatos I. Navarro, Alexandre Guida II. Gouveia Neto, João Costa.

CDD: 900
Índices para catálogo sistemático:
Arqueologia 930.1
Escrita 302.22

IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
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Presidente Interino
Michel Temer

Ministro da Cultura
Marcelo Calero
Sumário

Apresentação ...................................................................................................... 9
Prefácio ............................................................................................................. 13

Capítulo 1 Alexandre Guida Navarro

Las Serpientes Emplumadas de Chichén Itzá: imaginería y distribución


espacial ............................................................................................................. 17

Capítulo 2 Bernd Fahmel Beyer

Tepeyollotli, el dios engendrador de los mesoamericanos ........................ 31

Capítulo 3 E. Elizabeth Jiménez García

Análisis iconográfico del Códice Azoyú, interpretación de fuentes


documentales y el aporte de datos arqueológicos para el estudio de la
historia de La Montaña de Guerrero, México, durante el siglo XVI ........ 51

Capítulo 4 Eréndira D. Camarena Ortiz

Las cerámicas de las tumbas 1 y 2 de Zaachila ........................................... 67

Capítulo 5 Octavio Ramón Rocha Herrera

Mujeres y diosas en Yautepec, Morelos. Un estudio de arqueología de


género ................................................................................................................ 83

Capítulo 6 Octavio Quesada García

La imagen de la creación universal en el antiguo México ...................... 107

Capítulo 7 João Costa Gouveia Neto

Os instrumentos musicais e a cultura material de elite na São Luís da


segunda metade do século XIX .................................................................. 125
Capítulo 8 Cláudio Umpierre Carlan | Pedro Paulo A. Funari

Fontes arqueológicas: o uso das moedas em acervos nacionais............. 141

Capítulo 9 Anna C. Roosevelt

New information from old collections: the interface of science and


systematic collections .................................................................................. 151

Capítulo 10 Juan García Targa

Algunas reflexiones en torno a las ciudades mayas ................................. 161

Capítulo 11 Adriana Zierer

Paraíso, salvação e cultura material na Visão de Túndalo ...................... 179

Capítulo 12 Ana Livia Bomfim Vieira

Atenas: uma sociedade de imagens ............................................................ 201

Capítulo 13 Leila Maria França

Evidências da circulação do jade na pintura mural teotihuacana........... 215

Capítulo 14 Patrícia Boreggio do Valle Pontin

Mito e realidade nos vasos gregos: o escudo em seu contexto .............. 239

Capítulo 15 Alexandre Guida Navarro

Arqueologia da Baixada Maranhense: o caso das estearias e sua


complexidade social ..................................................................................... 267
Capítulo 16 Philipe Luiz Trindade de Azevedo

Terras, castelos e outras doações na história material da ordem do templo


e sua especial influência em Tomar ........................................................... 301

Capítulo 17 Helayne Xavier Bras

O discurso civilizador nas representações da sociedade ludovicense no


romance Vencidos e Degenerados .......................................................... 313

Capítulo 18 Jakson dos Santos Ribeiro

O reduto da bohemia: a poética do Bar do Cantarele como espaço de


sociabilidade para homens caxienses ......................................................... 325

Capítulo 19 Solange Pereira Oliveira

A evidência de um simbolismo: os instrumentos de tortura infernal


num manuscrito medieval............................................................................ 341

Capítulo 20 Tarantini P. Freire

Arquitetura para além da técnica ................................................................ 355

Capítulo 21 Renata Carvalho Silva

O espaço ritual tenetehara: cultura material e análise


sociossimbólica ............................................................................................. 367
Capítulo 8

Fontes arqueológicas: o uso das moedas em acervos nacionais

Cláudio Umpierre Carlan


Instituto de Ciências Humanas e Letras
Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL)

Pedro Paulo A. Funari


Professor Titular
Departamento de História, IFCH, UNICAMP
Laboratório de Arqueologia Pública Paulo Duarte (LAP/NEPAM/UNICAMP)

Introdução: as fontes arqueológicas para o estudo da História

A História iniciou-se como disciplina, no século XIX, como o estudo de


documentos escritos, tanto os conservados em arquivos como os oriun-dos da
tradição textual. Isso dava continuidade à longa tradição literária da
historiografia anterior ao positivismo e que consultava, de maneira prioritá-
ria, a documentação escrita e visava, da mesma forma, a produzir uma obra
literária digna de preservação para a posteridade. Os primeiros historiado-res
foram, antes de tudo, filólogos e isso porque buscavam conhecer “aquilo que
realmente aconteceu”, “wie es eigentlich gewesen”, na famosa frase de
Leopold von Ranke (1795-1886), de 1823 e, para isso, precisavam conhe-cer
as fontes, os documentos escritos, em sua língua original. Esta foi uma
verdadeira revolução epistemológica: a ideia de que a História se faz com
documentos e que os devemos conhecer muito bem. Precisamos diferenciar
documentos falsos de verdadeiros e isso só é possível com um conhecimen-
to aprofundado da língua utilizada. Os documentos escritos tornaram-se
sinônimos de História, a tal ponto que, até hoje, usamos a expressão Pré-
-História para um passado sem escrita. Por sua origem filológica, a História
mantém, portanto, uma ligação fortíssima com o documento escrito.
Uma consequência desta preocupação com a documentação fez surgi-
rem grandes iniciativas arqueológicas de coleta e publicação de artefatos,

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Alexandre Guida Navarro; João Costa Gouveia Neto (orgs.)

edifícios e outros aspectos da cultura material, que deve ser entendida como
tudo que é feito ou utilizado pelo homem. Esculturas romanas eram conhe-
cidas desde o Renascimento, assim como pinturas parietais, tendo servido de
base, inclusive, para que os renascentistas estabelecessem seus cânones.
O próprio nome, Renascimento, deve-se não só à leitura das obras
antigas, como à coleta de objetos artísticos antigos, que passavam a fazer
parte de coleções privadas, papais ou de autoridades.
As pesquisas arqueológicas começaram, a partir do século XIX, a forne-
cer uma quantidade crescente de edifícios, ruas, estradas, aquedutos, artefa-
tos de topo o tipo, descobertos e estudados, publicados. Criaram-se méto-dos
científicos para esse trabalho arqueológico, visando à transformação da
cultura material em fonte histórica. As primeiras escavações em Pompeia, no
século XVIII, retiravam objetos sem qualquer registro de campo, re-
cortavam pinturas das paredes sem muitas vezes sequer marcar de onde
vinham. As escavações científicas surgidas no século XIX tinham como
princípio básico, como bons historiadores, o registro detalhado de tudo que
se encontrava, o desenho das estruturas e dos objetos e até mesmo o des-carte
adotava parâmetros da nascente História.
As sociedades nacionais nascentes encorajaram o desenvolvimento da
Arqueologia e os institutos e escolas, a evolução da pesquisa e do ensino; es-
paços nos quais os arqueólogos se agrupavam em torno de temas de pesquisa
e de revistas especializadas. O mais célebre e importante foi o Instituto de
Correspondência Arqueológica, fundado em 1829 na cidade de Roma. Na
realização de sua primeira sessão, ocorrida em 21 de abril de 1829, dia do
aniversário da fundação de Roma, o instituto aprovou seu manifesto de asso-
ciação, no qual se entendia como uma instituição internacional para dar conta e
criar as ferramentas de investigação arqueológica. Nessa direção, o instituto se
encarregaria da tarefa de recompilar e difundir através de seus correspon-dentes
os descobrimentos arqueológicos da Antiguidade Clássica, bem como estreitar os
laços entre os estudiosos, gerando uma cooperação internacional por meio da
criação de uma associação e da publicação de dois periódicos, o
Boletim e os Anais do Instituto de Correspondência Arqueológica.
Nesse mesmo espírito, a Grécia cria seu Departamento de Arqueologia
em 1834 e a Sociedade Arqueológica de Atenas em 1837. A França também
cria sua Sociedade de Arqueologia Grega em 1837 e, logo depois, a primeira
instituição estrangeira na Grécia, a Escola Francesa de Atenas em 1846,
sendo seguida por outras de várias nações, como o Instituto Alemão de Ar-

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A Escrita e o Artefato como Textos: Ensaios sobre história e cultura material

queologia em 1875, a Escola Americana de Estudos Clássicos em Atenas em


1882 e a Escola Britânica em Atenas em 1885. O mesmo se deu na Itália com
a fundação da Escola Francesa de Roma em 1873, da Escola Italiana de
Arqueologia em 1875 e do Instituto Alemão de Arqueologia em 1929.
Conscientes de que uma ciência só pode perpetuar-se se os resultados de
investigações se difundirem através de publicações e do ensino, medidas
foram tomadas no sentido de criar publicações e cátedras de Arqueologia
clássica nas universidades. Em 1843, são criados os primeiros periódicos, a
Revista Arqueológica em Londres e a Revista Arqueológica em Berlim; logo a
seguir, em 1844, é criada a Revista Arqueológica em Bordeaux. A publicação
desse tipo de revista de caráter especificamente arqueológico confirma que a
Arqueologia Clássica já estava estabelecida por volta de 1840.
A primeira cátedra de Arqueologia Clássica é criada em 1802 na Uni-
versidade de Kiel na Alemanha, sendo titular o arqueólogo dinamarquês
Jörgen Zoëga. Depois, em 1844, Edward Gerhard, um dos fundadores do
Instituto de Correspondência Arqueológica, torna-se catedrático de Ar-
queologia Clássica na Universidade de Berlim. Em 1837, a Universidade de
Atenas cria a primeira cátedra de Arqueologia Grega, ocupada pelo arque-
ólogo alemão Ludwig Ross. Na Itália, Antonio Salinas ocupa a cátedra de
Arqueologia Clássica criada em 1865 na Universidade de Palermo e o ar-
queólogo austríaco Emanuel Löwy, aquela da Universidade de Roma criada
em 1889. Em 1876, a França cria duas cátedras de Arqueologia Grega, com
Georges Perrot na Universidade da Sorbonne e Léon-Maxime Collignon
na Universidade de Bordeaux. Fenômeno que ocorrerá em quase todas as
universidades europeias e em algumas americanas.
Neste contexto, pode entender-se a fundação de instituições como o
Museu Histórico Nacional e a constituição de um acervo arqueológico a
serviço da nação. Neste artigo, trataremos de um caso particular, referente
às moedas romanas lá armazenadas, de modo a mostrar seu valor como
documentação histórica.

1. Moedas romanas no Brasil e seu uso como fonte histórica

O Museu Histórico Nacional (MHN), criado pelo decreto número


15596, de 2 de agosto de 1922 pelo então presidente da República, Epi-
tácio Pessoa (1919-1922), com a função de museu voltado para a História
do Brasil, iniciou as suas atividades no dia 11 de outubro daquele mesmo

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Alexandre Guida Navarro; João Costa Gouveia Neto (orgs.)

ano, integrado à Exposição Internacional Comemorativa do Centenário da


Independência do Brasil.
Além de sua origem histórica, antiga Fortaleza de Santiago e da Prisão do
Calabouço (hoje restam poucas evidências), o MHN sempre foi identificado pela
sua coleção de numismática, o maior acervo monetário da América Latina.
Não se pode falar sobre a coleção numismática do MHN, sem
mencio-nar o fundo reunido anteriormente na Biblioteca Nacional, que
lhe serviu de base. Criada em 1810, durante a regência de D. João, a
Biblioteca Nacio-nal havia inaugurado em 1880, sob a direção de Ramiz
Galvão, uma ofen-siva para reunir uma coleção de moedas e medalhas,
sobretudo brasileiras, que se encontravam em caráter transitório no
Museu Nacional. Galvão não conseguiu que o fundo numismático viesse
para a biblioteca durante a sua administração, mas é considerado como o
iniciador da coleção numismáti-ca naquela instituição.
Em um relatório de 1881, dirigido ao Barão Homem de Melo,
ministro de Império, que doou 114 moedas e 10 medalhas, Galvão
utilizou diferen-tes argumentos para alcançar seus objetivos:
A Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, exmo sñr., não possuía
moedas nem medalhas por um vício de organização que é fácil de
explicar; quando criada, pensou-se que esses trabalhos eram antes ob-
jetos de curiosidades, e por isso os deixaram fazendo parte do Museu
Nacional...É todavia incontestável que moedas e medalhas são antes
de tudo documentos subsidiários da história, e que por conseqüência o
seu lugar próprio não é ao lado das coleções de história natural...o
lugar da numismática é ao lado da história, e o da história é na Bi-
blioteca Nacional. Pensando assim todas as grandes bibliotecas da
Europa tem a sua seção de numismática... (Vieira, 1995, p. 98)

Segundo Poliano, é bem possível que Gustavo Barroso, primeiro


diretor do MHN, tenha usado uma argumentação semelhante para
conseguir a transferência da coleção da Biblioteca Nacional para o Museu
Histórico (Poliano, 1946, p. 9-10). O primeiro lote de peças estava
composto por 406 moedas e 6 medalhas e foi doado à biblioteca em
setembro de 1880. Nos anos seguintes, o acervo continuou a crescer, por
meio de compras ou doações, como, por exemplo, a doação da coleção do
comendador Antonio Pedro de Andrade, que compreendia 13.941 moedas
e medalhas, entre ou-tros núcleos expressivos; de 4.559 moedas e 2.054
medalhas portuguesas; e de 4.420 moedas da Antiguidade.
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A Escrita e o Artefato como Textos: Ensaios sobre história e cultura material

O comendador Antônio Pedro foi o maior doador individual da coleção


numismática da Biblioteca Nacional/MHN (Vieira, 1995, p. 100). Nascido
em Funchal, Ilha da Madeira, em 1839, emigrou para o Brasil com 16 anos.
Trabalhou como jornalista no Correio Mercantil e no Jornal do Comércio.
Como bancário, trabalhou no Banco Comercial do Rio de Janeiro, do qual foi
gerente, diretor e por fim presidente (Dumans, 1940, p. 216). Seus núcleos
mais orgânicos distribuem-se entre moedas de Portugal e colônias (4.599);
romanas e bizantinas (4.420 peças); moedas brasileiras (2.337 peças); meda-
lhas portuguesas (1.101 peças) e brasileiras (950 peças). É também possível
que alguns exemplares sejam precedentes das coleções da família imperial,
legadas pelo imperador D. Pedro II, constituídas desde o Primeiro Reinado e
compostas de 1.593 moedas e 545 medalhas, por ele doadas ao Museu
Nacional em 1891 e incorporadas pela Biblioteca Nacional em 1896.
No termo de abertura do Primeiro Livro de Registro da Biblioteca
Na-cional, assinado pelo chefe da 3ª Seção de Numismática, Aurélio
Lopes, iniciada em 30 de setembro de 1895, lê-se que:
[...] Do inventário geral das coleções da Seção, iniciado em primeiro
de outubro de 1894, e finalizado em setembro de 1895, sendo diretor
da Biblioteca o Dr. Raul d’Ávila Pompeo, constava até essa última
data a existência de 22.863 peças numismáticas: moedas, medalhas...
inclusive papel moeda. (Divisão de Controle de Patrimônio/MHN,
processo 3/documento 1)

Esse número já englobava as 13.741 moedas e medalhas da coleção do


Museu Nacional, segundo relação manuscrita de Gustavo Barroso (1888-
1959), existente no Departamento de Numismática. Além de diretor do MHN
em 1922, Barroso era advogado, professor, político, contista, folclo-rista,
cronista, ensaísta e romancista. Foi um dos líderes nacionais da Ação
Integralista Brasileira e um dos seus mais destacados ideólogos. Infeliz-
mente, em 1937, foram roubadas da coleção 17 barras e 117 moedas de ouro.
Apenas uma barra de ouro foi recuperada, já na década de 1980. Nem os
mais conceituados museus estão livres de ações predatórias.
Em 1922, quando o Museu Histórico Nacional foi criado, o decreto que o
instituiu também determinou que o acervo numismático existente na
Biblioteca Nacional – assim como em outras instituições, como o Arquivo
Nacional e a Casa da Moeda – fosse para ali transferido. No momento em

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Alexandre Guida Navarro; João Costa Gouveia Neto (orgs.)

que se efetivou a cessão, a coleção total ultrapassava as 48 mil peças.


Hoje ela chega a aproximadamente 130 mil.
Grande parte dessa coleção é composta por moedas de bronze, natu-
ralmente mais gastas, devido à sua maior circulação nas camadas mais
po-pulares do Império, que as de prata ou de ouro. E, artisticamente
falando, de categoria inferior, estão determinadas por fatores históricos
precisos e definidos; o seu estudo pode vir a elucidar traços fundamentais
do momen-to histórico em que essas peças se difundem.

2. Moedas brasileiras e sua relação iconográfica com as


cunhagens romanas

As cunhagens romanas influenciaram diretamente as demais emissões


monetárias, tanto na Europa quanto na América. No Brasil, já as primeiras
unidades monetárias cunhadas na Bahia, no final do século XVII, sofreram
essa influência. Como podemos observar nos dois modelos abaixo:

Figura 1

Fonte: Acervo e foto: Cláudio Umpierre Carlan. Alfenas, janeiro de 2013.

Anverso: Coroa de louros circundando estrela (ao centro) e o valor de


1000 réis. Acima, Brasil, abaixo o ano de cuhagem 1924, duante a Presi-
dência de Artur Bernardes (1922-1926). Essa moeda entrou em circulação 2
anos após as comemorações de 100 anos de Independência. A coroa de
louros, simbolismo da imortalidade, emblema romano da vitória, tanto nas
armas como do espírito (Chevalier; Gheerbrant, 1997, p. 581).
No reverso, imagem da República (imagem feminina), com cornucópia,
símbolo da delicidade e fecundidade, representação de várias divindades
greco-romanas (Fortuna, Cosntância, Ceres, Baco, Abundância).

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A Escrita e o Artefato como Textos: Ensaios sobre história e cultura material

Nas amoedações mais antigas, seu trabalho chega a ser artesanal.


Certas emissões possuem características próprias (como as das moedas
cunhadas por Constantino I e Constâncio II).

Figura 2

Fonte: Acervo do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro, junho de

2004. Foto: Cláudio Umpierre Carlan.

Anverso ou cara, busto só (nu), de Constantino I, à direita. Na legenda, a


alusão ao Imperador como Augustus (CONSTANTINVS AVG). No re-
verso, os votos de 20 anos de governo, circundados por uma coroa de louros.
As moedas laudatórias tinham por função passar uma mensagem de
louvor e compromisso entre governante e governados. Constantino preten-
dia comemorar os seus 20 anos de governo cunhando peças semelhantes às
da tetrarquia (da qual se achava o legítimo sucessor). A estrela existente
depois da inscrição VOT XX remete aos tempos de Otávio Augusto (ele
mesmo legítimo sucessor de Júlio César, assassinado no Senado). Otávio
teria visto uma estrela cadente ou cometa cruzando os céus. Ele interpretou
como uma mensagem de Júlio César, reconhecendo Augusto como seu su-
cessor, legitimando, dessa forma, o poder imperial. Essa amoedação data de
324-325, em Heracleia (Macedônia). Trata-se de um aes, pequena moeda de
bronze, uma das mais antigas de Roma. Utilizada, principalmente, para o
pagamento das tropas e pequenas operações econômicas.

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Alexandre Guida Navarro; João Costa Gouveia Neto (orgs.)

Conclusão: a importância das moedas para o estudo da História

A moeda mostra-se uma excelente fonte, pois, a partir de sua análise,


encontramos diversos aspectos que abrangem a série na sua totalidade.
Ou seja, aspectos políticos, estatais, jurídicos, religiosos, econômicos,
mitoló-gicos, estéticos. Podendo informar sobre os mais variados
retrospectos de uma sociedade, ela testemunha determinadas relações
culturais importan-tes para o historiador. Mas também não podemos
esquecer que as amoe-dações como documentos não são reflexo de uma
simples troca comercial ou aquecimento na economia. Elas identificam
um outro acontecimento paralelo, uma materialidade, constituída por
camadas sedimentares de in-terpretações: “o documento, é assim,
pensado arqueologicamente como monumento” (Jenkins, 2001, p. 11).

Agradecimentos

Agradecemos a Eliane Rose Nery, Rejane Vieira e Vera Tosttes. Devemos


mencionar, ainda, o apoio institucional do CNPq, Fapesp, LAP-UNICAMP,
UNIFAL e MHN. A responsabilidade pelas ideias restringe-se aos autores.

Referências

CARLAN, Cláudio Umpierre; FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Moedas: A


Numismática e o Estudo da História. São Paulo: Annablume, 2012.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 8.
ed. Tradução de Vera Costa e Silva, Raul de Sá Barbosa, Ângela Melim e
Lúcia Melim. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1997.
FUNARI, Pedro Paulo Abreu; ORSE Jr., Charles E.; SCHIAVETTO,
Solange Nunes de Oliveira. Identidades, discurso e poder: Estudos da
ar-queologia contemporânea. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2005.
JENKINS, Keith. A História Repensada. Tradução de Mário Vilela.
Revi-são Técnica de Margareth Rago. São Paulo: Contexto, 2001.
MUSEU HISTÓRICO NACIONAL. Volume 1. Anais. Rio de Janeiro,
1940.

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A Escrita e o Artefato como Textos: Ensaios sobre história e cultura material

POLIANO, Luis Marques. A Numismática no Museu Histórico Nacional. Revista


Numismática, São Paulo: Sociedade Numismática Brasileira, ns. 1-4, 1946.
VIEIRA, Rejane Maria Lobo. Uma grande coleção de moedas no Museu Histórico Nacional?
In: Museu Histórico Nacional. Volume 27. Anais. Rio de Janeiro, 1995.

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