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FICHA TÉCNICA
Realização
ARTIGO 19
Pesquisa e texto:
Gabriel Rechiche, Maria Tranjan, Thiago Firbida
Colaboração
Gizele Martins, Júlia Cruz, Silvia Chocarro
Revisão
Débora Prado, Denise Dora
Diagramação e Arte
Cássio Abreu
ATENÇÃO:
Licença da obra:
CC 3.0 BY-SA
Link da licença
https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/deed.pt_BR
SUMÁRIO
Capítulo 1
Introdução
04
Capítulo 2
Contexto internacional 06
Capítulo 3
Panorama geral da violência contra comunicadores 10
Capítulo 4
A desinformação como risco à saúde pública:
ataque a comunicadores cobrindo a crise da Covid-19 19
Capítulo 5
O papel da comunicação comunitária e popular no combate
à desinformação e no fortalecimento de seus territórios 21
Capítulo 6
O papel do estado na intensificação das violações contra comunicadores 27
Capítulo 7
Conclusões 41
Capítulo 8
Recomendações 43
Capítulo 9
Nota Metodológica 47
CAPÍTULO 1
INTRODUÇÃO
Desde 2012, a ARTIGO 19 produz este Rela- A violência contra comunicadores, como bem
tório de monitoramento das graves violações se sabe, é uma violação dupla: viola os direitos
à liberdade de expressão no Brasil. O cenário individuais das pessoas que sofrem a violên-
de violência contra comunicadores no país cia e, ao mesmo tempo, viola o direito coletivo
é preocupante há décadas e este monitora- à informação que toda a sociedade possui. E
mento contribui para jogar luz na sistematici- é justamente esse duplo impacto que procu-
dade dessa violência. Nesse sentido, sempre ramos entender neste relatório: quais são os
compreendemos que, mais do que apresentar mecanismos que reproduzem essa lógica de
números e gráficos sobre a violência, é funda- ataque contra certos indivíduos para impedir
mental entender que esses números represen- que informações circulem livremente na so-
tam vidas de pessoas reais. Pessoas com sua ciedade? A quem e a que interessa cercear a
história, suas relações, seus interesses, sua pluralidade de vozes?
perspectiva de futuro. Infelizmente, em muitos Estamos cientes que esses mecanis-
casos, apresentamos vidas e trajetórias que mos são complexos e diversos, e não preten-
foram interrompidas. E tudo isso em nome de demos capturá-los e analisá-los de maneira
um objetivo central: o silêncio. O silêncio que exaustiva em um só relatório, inclusive porque
permite arbitrariedades, que fatos sejam dis- os cenários político e social que sustentam
torcidos e manipulados, que o poder corrompi- esses mecanismos de violência continuam se
do se imponha sobre os direitos que deveriam intensificando e complexificando ano a ano no
organizar a vida em sociedade. É contra isso Brasil e no mundo.
que lutamos e porque continuamos a publicar Neste relatório, apresentamos os da-
este Relatório todos os anos. dos das graves violações contra comunica-
4
dores: homicídios, tentativas de assassinato zes por meios institucionais, tendo também
e ameaças de morte que ocorreram em 2019 efeitos deletérios para a liberdade de expres-
Introdução
e dados preliminares do primeiro semestre de são e o direito à informação no país.
2020. No entanto, a cada ano cresce a convic- Para compreender essa construção
ção de que focar a análise somente nessas vio- da censura, também é fundamental perceber,
lações mais graves, de atentados diretos con- para além da ação direta de autoridades públi-
Capítulo 1
tra a vida de comunicadores, não é suficiente cas contra a liberdade de expressão, o cená-
para compreender o contexto de violência. As rio mais estrutural de desigualdade social e de
violações mais extremas e graves são um as- concentração econômica e política dos meios
pecto importante desse contexto, mas a lógica de comunicação. Assim, cientes de que nossa
da violência contra comunicadores também metodologia de monitoramento de casos de
utiliza violações aparentemente mais sutis, violação pode ainda não visibilizar todos os
mas que têm um impacto enorme na limitação setores sociais fundamentais para a garantia
da liberdade de expressão. E que corroboram da liberdade de expressão, trazemos também
para a perpetuação das violações e da impu- uma análise do papel da comunicação comu-
nidade que concorrem para os desfechos mais nitária e popular no combate à desinformação
graves e até fatais. e no fortalecimento da pluralidade de vozes e
Entre esses outros tipos de violações, da luta por direitos e resistência de territórios
têm se destacado nos últimos anos as agres- e comunidades pelo país.
sões digitais contra comunicadores que, mui- Essas perspectivas de análise aqui
tas vezes, são realizadas de maneira massiva apresentadas apresentam uma parte do pro-
e impactando a saúde, a segurança pessoal e blema, e estamos cientes de que há ainda
a própria disposição de continuar atuando no pontos ausentes neste estudo, mas que são
campo. Ainda que essas violações digitais se- igualmente importantes para entender a
jam realizadas por uma diversidade de atores, violação à liberdade de expressão, como os
nos últimos dois anos destaca-se o papel que o recortes de gênero e raça que impactam o
grupo político que hoje ocupa a Presidência da trabalho de comunicadoras de vários perfis
República tem na intensificação dessas violên- no país, e as especificidades da violência
cias. O que vemos são violações sistemáticas digital como forma de ataque a mulheres co-
cometidas por altas autoridades do Estado que municadoras. Temos que avançar no enten-
servem de sinalização para que ataques digi- dimento de como o vigilantismo do Estado
tais massivos busquem deslegitimar, desquali- afeta o trabalho de comunicadores e como
ficar e silenciar comunicadores que produzam um processo de criminalização cada vez mais
matérias críticas ao Presidente da República e intenso coloca em risco esse trabalho. Temos
seu grupo político. que entender melhor o papel da crescente
Nesse sentido, retomamos as obriga- militarização (e milicialização) no silencia-
ções que o Estado brasileiro assumiu perante mento de comunidades e territórios por meio
a comunidade internacional como ângulo de de violações massivas e sistemáticas que
análise para entender como o Estado brasilei- acontecem e não alcançam o mesmo tipo de
ro ativamente viola a liberdade de expressão visibilidade das violações sofridas por outros
no país. Assim, entendemos que a violação setores sociais diante das discriminações es-
das obrigações de prevenir, proteger e punir truturais que ainda operam no país. Essas e
tem servido para (re)construir uma política de outras questões afetam muitas pessoas e gru-
censura no país. Se não aquela censura insti- pos, que estão na luta pela defesa de direitos,
tucional mais formal, que conhecemos no pe- inclusive o direito de existir e viver de maneira
ríodo da ditadura militar, com fechamento de livre e plena, e que contribuem para garantir a
veículos e legislação de censura, certamente pluralidade de vozes e o direito à informação
uma censura informal, mas ainda assim arti- da sociedade. A ARTIGO 19 se compromete a
culada por autoridades públicas e muitas ve- estar ao seu lado nessa luta.
5
CAPÍTULO 2
CONTEXTO INTERNACIONAL
6
rantir sua participação social, fiscalizar o poder comparações realizadas: o indicador caiu 18
público e responsabilizar aqueles com poder. pontos em um ano. Com 46 pontos em um to-
Contexto Internacional
Foram utilizados 25 indicadores em 161 países tal de 100, o Brasil está com sua liberdade de
para criar uma pontuação global da liberdade expressão em “Restrição”, ocupando 94ª posi-
de expressão para cada país numa escala de 1 ção em um ranking de 161 nações, atrás de to-
a 100. Estas pontuações colocam os países em dos os países da América do Sul, com exceção
uma de cinco categorias: da Venezuela. Essa forte queda coloca o país
muito próximo de ser classificado como “alta-
0 – 19 Em crise mente restrito”, sinalizando um alerta para a
Capítulo 2
20 – 39 Altamente restrito sociedade brasileira sobre o cenário que está
40 – 59 Restrito à nossa frente, em que ficará ainda mais difí-
60 – 79 Pouco Restrito cil reconstruir alguns dos pilares democráticos
80 – 100 Aberto que vem sendo derrubados no país. O relatório
indica que o declínio acelerou com a chegada
O Brasil está em destaque negativo no relató- de Jair Bolsonaro à Presidência da República
rio: apresentou a queda mais expressiva no in- no início de 2019, com uma queda de 28% em
dicador de liberdade de expressão em todas as apenas um ano.
7
ao meio ambiente, recursos naturais e direitos destaca o relatório, “dado o tamanho e a influ-
humanos, incluindo direitos das mulheres e da ência do Brasil, essa queda livre dos direitos
Contexto Internacional
comunidade LGBTQI+. humanos tem um efeito significativo na região
A crescente tendência global de cam- como um todo.”7
panhas de deslegitimação e estigmatização O Brasil, assim como outros Estados,
de jornalistas por agentes políticos - fazendo está negligenciando seu dever de proteger jor-
uso, inclusive, de linguagem misógina contra nalistas de acordo com a legislação interna-
mulheres jornalistas e comunicadoras - requer cional de direitos humanos, e o cumprimento
atenção particular. Esta inclui chefes de Esta- de seus compromissos assumidos em diver-
Capítulo 2
do, como o presidente brasileiro Jair Bolsona- sas resoluções das Nações Unidas. O Brasil
ro, que pessoalmente realizou 10 ataques con- co-lidera as resoluções de segurança de jor-
tra jornalistas por mês no ano de 2019, com nalistas no Conselho de Direitos Humanos das
sua aspereza direcionada especialmente aos Nações Unidas e, portanto, deve ser exemplo
ativistas do movimento indígena e às mulheres de sua aplicação.
negras.6 O Brasil viu, de fato, a maior queda na Se os Estados implementassem suas
liberdade de expressão nos últimos dois anos, obrigações e compromissos, a violência contra
de acordo com o Relatório Global de Expressão jornalistas cessaria. Em resumo, ao que o Bra-
da ARTIGO 19, que analisou 161 países. Como sil e outros Estados se comprometeram?
Criar e manter um ambiente livre e seguro para jornalistas e profissionais da imprensa, bem
1 como para a sociedade civil, que desempenha papel vital para a segurança de jornalistas;
Parar de fazer uso errôneo de leis vagas para coibir a liberdade de expressão, incluindo as leis
4 de difamação, leis sobre desinformação ou legislação antiterrorismo e anti extremismo;
6 ARTIGO 19. Organizações denunciam governo brasileiro no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas.
10 de Março de 2020. https://artigo19.org/blog/2020/03/10/organizacoes-denunciam-governo-brasileiro-no
-conselho-de-direitos-humanos-das-nacoes-unidas/
7 ARTIGO 19. Relatório Global de Expressão 2019/2020. O estágio da liberdade de expressão ao redor do mundo.
https://www.article19.org/wp-content/uploads/2020/10/GxR2019-20report.pdf
8
Proteger jornalistas para minimizar o impacto dos ataques
Contexto Internacional
1 Estabelecer mecanismos de resposta rápida contra ameaças;
2 Abordar o assédio sexual e outras formas de violência sexual e com viés de gênero;
Capítulo 2
3 Proteger a prática legal de confidencialidade das fontes de jornalistas;
Garantir que as vítimas e suas famílias tenham acesso à resolução apropriada, bem como à
4 compensação e assistência.
9
CAPÍTULO 3
O período que compreende o ano de 2019 e o violações diretamente por nossos pesquisado-
primeiro semestre de 2020 seguiu, em linhas res. Dessa forma, há uma série de outros casos
gerais, as tendências de violência contra co- não incluídos nos números apresentados nes-
municadores observadas nos anos anteriores, se relatório, por não ser possível delimitar se a
com 38 graves violações, sendo 27 em 2019 violação foi decorrente do exercício da comu-
e 11 no primeiro semestre de 2020. Das 38 nicação. Vale também destacar que os dados
graves violações de todo o período analisado, do primeiro semestre de 2020 são prelimina-
foram 32 ameaças de morte, quatro tentativas res e existem outros casos que ainda estão
de assassinato e dois homicídios. sendo investigados.
Em primeiro lugar, destaca-se que dentro das Considera-se, assim, que o patamar
categorias consideradas graves – homicídio, dos últimos anos se manteve estável no que
ameaça de morte e tentativa de assassinato diz respeito a essas violações mais graves, com
– houve possibilidade de apuração dessas 38 uma média histórica de 30 casos por ano, es-
10
pecialmente levando-se em conta que não foi os casos fossem apurados com maior profun-
possível identificar qualquer indício de trajetó- didade. No mesmo sentido, é importante ob-
Capítulo 3
monstram o aumento da violência velada, de pelas condições sociais de legitimidade das
difícil denunciação e a falta de amparo estatal denúncias de mulheres, negras e negros e
para a proteção dos profissionais da impren- da população LGBTQI+ e o impacto dessas
sa – o que, por si só, também configura uma na possibilidade de exercer a comunicação
forma de violência. e acessar a justiça, e pela visível postura do
Deve-se destacar também que o pri- Estado em deslegitimar o exercício da comu-
meiro semestre de 2020 foi marcado pela nicação e exercer, como ator direto ou indi-
pandemia de Covid-19, pela crise política e reto, a violência contra comunicadores. Estes
pelo marco de primeiro ano do governo do Pre- pontos serão aprofundados ao longo do rela-
sidente Jair Bolsonaro. Os dados de violações tório para melhor compreensão dos dados e
a comunicadores, dessa forma, são reativos à também pelo fato de que tais aspectos da vio-
conjuntura observada, que indica a necessida- lência contra comunicadores colocam novos
de do aprofundamento do debate e formulação desafios para a produção responsável de da-
de estratégias de proteção. dos sobre essas violações. É de extrema rele-
Se os dados gerais de 2019 já suge- vância que se compreenda que, muitas vezes,
riam que a violência contra comunicadores au- algumas narrativas não são alcançadas pelas
mentou, de forma geral, 2020 intensifica essa estratégias de captação de dados aqui utili-
percepção. No primeiro semestre deste ano, zadas - o que não significa que tais espaços,
foram identificados ao menos 160 casos de veículos e profissionais não sofreram ataques
violações contra jornalistas e comunicadores. em decorrência do exercício da comunicação.
Assim, em um semestre, 2020 ultrapassou os Considerando os desafios apresenta-
casos registrados em todo ano de 2019. das - o deslocamento dos ataques aos co-
Nesse contexto, se destaca o crescen- municadores para o meio digital e a atuação
te atrito com comunicadores e veículos de negativa dos órgãos governamentais e agen-
imprensa gerado pelo Governo Federal, agu- tes políticos frente aos direitos de liberdade
çado pelo contexto da pandemia de Covid-19 de expressão e acesso à informação, entre
e os embates relativos à divulgação de dados outros - se apresentam novas questões para
sobre o vírus e sobre a inação do governo fede- os futuros monitoramentos e apurações de
ral em elaborar políticas de contenção da dis- violências contra jornalistas e comunicado-
seminação da doença e reação as crises. Essa res, bem como a revisão das categorias de
conjuntura também foi marcada pelo aumento violência e de quantificação de sua gravida-
da violência na esfera digital, já identificada de. Estes aspectos metodógicos do presente
nos dados relativos ao ano anterior. Relatório devem servir como subsídio para
Cabe destacar que a observação se- que se amplie o escopo de análise e se re-
mestral pode ter apresentado impacto na cap- visem os paradigmas tradicionais de análise
tação e construção dos dados, considerando de midia e violência contra comunicadores
que houve menos tempo disponível para que no Brasil e no mundo.
11
COMPREENDENDO AS GRAVES VIOLAÇÕES DE DIREITOS
Ano de 2019 e 1º semestre de 2020
Em primeiro lugar, se faz necessário apresen- Dentre os comunicadores que relataram ter
tar o que a ARTIGO 19 entende por comunica- sofrido graves violações em 2019, 17 (63%)
dor: para nós, comunicadora ou comunicador narraram ter sofrido violações anteriores, sen-
é aquela/e que exerce a comunicação como do estas, em sua grande maioria, ameaças de
atividade regular, independente de remunera- morte – ou seja, estes comunicadores sofre-
Capítulo 3
ção e de certificação acadêmica ou profissio- ram, por mais de uma vez, graves violações,
nal. O exercício da comunicação, dessa forma, indicando a falta de estrutura que lhes possi-
é compreendido a partir do direito humano da bilite segurança.
liberdade da expressão, não sendo possível li- A grande maioria dos comunicadores
mitá-lo. Jornalistas e repórteres profissionais, que sofreu grave violência em 2019 buscou as
radialistas, blogueiros, repórteres fotográficos autoridades (77%). Destes 21 casos que che-
e cinematográficos, colunistas, apresentado- garam à polícia por meio de Boletim de Ocor-
res, comunicadores populares e comunitários, rência, em 9 casos não houve investigação. Ou
chargistas, midiativistas, entre outros, são o seja, em quase metade dos casos nos quais as
que, aqui, denominamos comunicadores. autoridades foram acionadas, não houve res-
O perfil que mais sofreu graves viola- posta efetiva.
ções foram os jornalistas e repórteres - 22 dos Somam-se aos dados a observação
27 casos graves de 2019 e cinco dos 11 casos de que, dentre os comunicadores que sofre-
do início de 2020. Em 2019, as demais viola- ram graves violações, apenas 2 passaram a
ções foram cometidas contra radialistas; 22 receber proteção após a violação, sendo que
dos casos foram cometidos contra homens, e ambos recebem proteção privada. Portanto,
5 contra mulheres comunicadoras. No ano de nenhum conta com proteção policial ou forne-
2020, diversificou-se o perfil de comunicado- cida pelo estado, mesmo que a grande maio-
res alvejados pelas graves violações, com ata- ria não esteja passando pela primeira violação
ques graves contra radialistas (3), colunistas grave. O risco e o medo, na maioria dos relatos,
(1), apresentadores (1) e blogueiros (1). são persistentes, podendo influenciar no exer-
BLOGUEIRO
1 TENTATIVA DE ASSASSINATO
1 CASO
APRESENTADOR
1 AMEAÇA DE MORTE
1 CASO
COLUNISTA
1 AMEAÇA DE MORTE
1 CASO
12
cício da comunicação e gerar autocensura, ameaças de morte recebidas pelos comunica-
ainda que estes não relatem com frequência a dores. A tendência se repete e se amplifica em
Capítulo 3
plas, multidimensionais e perpassadas pelo apuração do caso e qualificação da análise,
anonimato do ambiente digital, e não raro es- não houve a inclusão do mesmo nos ca-
tes foram interpretados como ‘coisa cotidiana’. sos aqui apresentados. Os casos em que a
O Relatório de Violações de 2018 apontou “a violência não teve relação com o exercício
frequência de ataques online e a quantidade de da comunicação, ainda que cometida contra
agressores é de difícil mensuração e identifica- profissional do meio, também não integram
ção” como um dos desafios para a análise das os dados deste relatório.
A região Sudeste concentrou a maior parte das nos anos de 2014 (3 casos) e 2018 (2 casos),
violações no período analisado, com 16 casos, sendo expressivo o aumento da violência con-
com destaque para os estados do Rio de Ja- tra comunicadores no estado no último ano.
neiro (6 casos, incluindo um homicídio) e São Apenas em 2013 e 2014 os dados apontaram
Paulo (8 casos). Até então, o Relatório de Viola- a região Sudeste como sendo a mais violenta
ções só havia apurado casos no Rio de Janeiro para a categoria. Não obstante, as denúncias
MARANHÃO
PIAUÍ
CEARÁ NORDESTE
RIO GRANDE DO NORTE 11 CASOS
PARAÍBA
SERGIPE
PARÁ
NORTE
RORAIMA 5 CASOS
AMAZONAS
ESPÍRITO SANTO
MINAS GERAIS SUDESTE
RIO DE JANEIRO 16 CASOS
SÃO PAULO
MATO GROSSO DO SUL CENTRO-OESTE
MATO GROSSO 3 CASOS
PARANÁ SUL
RIO GRANDE DO SUL 2 CASOS
EXTERIOR
PARAGUAI
1 CASO
13
de violência nesta região são crescentes como Da mesma forma que nas mensurações dos
um todo - e não somente contra comunicado- anos anteriores, a maior parte das violações
Capítulo 3
Quem cometeu as violações
Nos últimos anos, os dados apontam para po- mais uma vez, o crescimento das violências
líticos eleitos, especialmente no âmbito local, na esfera da internet e das redes sociais, que
como principais autores das graves violações agora não apenas se coloca como central
contra comunicadores. Em 2019, entretanto, nas violações menos graves, como também
o cenário mudou: o destaque de quem come- nas mais graves. Conforme apresentado no
teu as violações está no campo da violência Relatório de Violações de 2018, um traço
digital, muitas vezes cometida sob anonimato marcante dos ataques online é o fato deste
ou por cidadãos comuns, acumulando 13 ca- ser voltado para a figura pessoal do comuni-
sos (34%). Nesses casos, é difícil a identifica- cador, em grande parte dos casos. No perí-
ção do perfil do autor da violação, geralmente odo observado neste relatório esse cenário
não se enquadrando em nenhuma categoria se intensifica, tomando a posição de primeiro
tradicional. Ainda que os políticos ocupem lugar do perfil do agressor dos ataques mais
a segunda posição, é importante ressaltar, graves no ano.
ATAQUES VIRTUAIS
13 AMEAÇAS DE MORTE
13 CASOS
AGENTES PÚBLICOS
5 AMEAÇAS DE MORTE
5 CASOS
CRIME ORGANIZADO 1 HOMICÍDIO + 1 TENTATIVA DE ASSASSINATO + 2 AMEAÇAS DE MORTE
4 CASOS
8 Utilizamos os critérios do IBGE para classificar o tamanho das cidades. Cidades pequenas são as que têm menos de
100 mil habitantes, cidades médias entre 100 mil e 500 mil habitantes e cidades grandes mais de 500 mil habitantes.
14
LISTA DE CASOS
DE VIOLAÇÕES GRAVES EM 2019 E INÍCIO DE 2020
Produção de conteúdos
Romário Barros Repórter 19.06.19 Maricá/RJ críticos sobre política e
segurança pública local
Capítulo 3
Pedro Juan Investigação sobre
Lourenço (Leo) Veras Jornalista 12.02.20
Caballero/Paraguai crime organizado
15
pistoleiros que matou Leo Veras, após sua fuga e judiciais, considerando a falta de jurisdição
do local da execução. A investigação não foi sobre território alheio. Ainda assim, se mostra
Capítulo 3
contra jornalistas e comunicadores, dificultan- que um dos suspeitos tenha sido detido pelas
do, inclusive, os procedimentos investigativos autoridades paraguaias.
Tentativas de assassinato
Conteúdo crítico à
João Marcolino Neto Blogueiro 19.05.20 Caraúbas/RN
administração municipal
Conteúdo crítico à
Vamberto Teixeira Radialista 09.04.20 Sete Lagoas/MG
administração municipal
16
Polícia Civil, que os manteve em sua posse qual só conseguiu se libertar pulando do carro
além do prazo legalmente determinado, aguar- em movimento. O comunicador já havia sofri-
Capítulo 3
parar de fazer críticas à administração do mu- tiveram, até então, alguma conclusão ou sus-
nicípio de Alto de Rodrigues. Os homens o co- peita sobre a autoria do crime. O radialista rela-
locaram dentro do veículo em que estavam, do ta não ter sido alvo de ameaças anteriormente.
Ameaças de morte
17
Vítima Perfil Data Cidade/UF Aparente motivação
Capítulo 3
Produção de conteúdo crítico sobre a
Márcio Bikanca Jornalista 29.11.19 Parnaíba/PI
gestão pública municipal
Mauro Cezar Pereira Jornalista 2019 São Paulo/SP Produção de conteúdo esportivo
Candeias
Carlos Caldeira Jornalista 21.07.20 Críticas à administração municipal
do Jamari/RO
João Costa Radialista 06.2020 Ataque digital (PB) Críticas ao Governo Federal
Rafael Ventura Jornalista 05.2020 Ataque digital (SP) Cobertura relativa à pandemia de Covid-19
Foi possível apurar 25 ameaças de morte con- de 2020, foi possível confirmar a correlação de
tra comunicadores no ano de 2019. Vale desta- setes casos de ameaça de morte com o exer-
car que em 2018 foram incluídas neste mesmo cício da comunicação. Dentre essas, destaca-
relatório 26 ameaças, sendo este o maior nú- mos que quatro foram feitas por meios digitais,
mero desse tipo de violações já registrada pela dificultando a apuração de autoria - mas não
ARTIGO 19, e se identificou o aumento como diminuindo os efeitos deste tipo de violação
proveniente dos números crescentes de ame- na sensação de insegurança dos jornalistas e
aças online. Em 2019 a tendência se mantém, comunicadores que, muitas vezes, se sentem
sendo que 36% (9) destas violações tiveram coagidos a não continuar exercendo a profis-
esse formato. Durante os seis primeiros meses são de forma livre.
18
CAPÍTULO 4
19
trabalho de campo. Assim, os números de ca- período observado neste relatório foram moti-
A desinformação como risco à saúde pública: ataques a comunicadores cobrindo a crise da Covid-19
sos mais graves diminuem uma vez que os jor- vadas por conteúdos sobre o Covid-19. Desde
nalistas e comunicadores estiveram menos que foram confirmados os primeiros casos da
em espaços públicos e, consequentemente, doença no Brasil, a ARTIGO 19 passou a mo-
menos expostos à violência que é empregada nitorar os casos de ataques relacionados a co-
para silenciá-los. berturas sobre a pandemia, registrando, até o
Nesse aspecto, as medidas de higiene final de agosto, ao menos 82 ataques. Quase
e assepsia voltadas para a contenção do vírus 10% destes casos ocorreram durante cobertu-
foram essenciais para garantir a saúde daque- ras em hospitais e comércios que permanece-
les que tiveram que sair a campo durante o ram abertos contrariando Decretos municipais
período. Não obstante, o período da pandemia e estaduais, bem como as políticas de preven-
impôs aos veículos de imprensa e trabalhado- ção contra o vírus. Estas, em sua totalidade,
res do campo da comunicação a necessidade foram interrompidas, por vezes contando com
de pensar cada vez mais na segurança e prote- agressões físicas e verbais, colocando em risco
ção do trabalho jornalístico de forma holística, a segurança dos jornalistas ali presentes.
indo para além das estratégias de segurança Os dados do monitoramento específi-
física contra o vírus. co sobre ataques à imprensa e Covid-19 mos-
O contexto do isolamento social e o tram, ainda, que 72% dos ataques registrados
deslocamento das atividades dos profissionais foram realizados diretamente por membros
do campo da comunicação para o meio digital do Governo Federal, pelo Presidente da Re-
apresentou, também, a necessidade de priori- pública e políticos associados, revelando um
zar debates sobre a segurança de jornalistas cenário em que o descrédito da informação,
e comunicadores no meio virtual, conside- do trabalho da imprensa e as agressões contra
rando evidente aumento dos ataques neste jornalistas são abertamente incentivadas por
ambiente. Durante o ano de 2019, foi possível membros do atual mandato.
registrar 44 ataques no meio digital, dentre as No mesmo sentido, lembramos dos
139 violações monitoradas no total. Ainda que momentos em que o Presidente negou medi-
Capítulo 4
o aumento de 2019 já seja marcante frente aos das para a proteção dos jornalistas e comuni-
anos anteriores, o primeiro semestre de 2020 cadores que realizavam coberturas no Palácio
permite observar intensificação mais laten- da Alvorada, expôs jornalistas à contaminação
te dessa forma de violência: dentre o total de dando entrevista sem máscara após testar po-
160 violações observadas no primeiro semes- sitivo para Covid-19 e acusou - diversas vezes
tre, 85 foram no meio digital. Portanto, nota-se - os meios de comunicação de espalhar histeria
que em apenas um semestre o ano de 2020 já e prejudicar a economia ao realizar a cobertura
apresenta quase o dobro do número ataques da pandemia. O sentimento de desconfiança
virtuais ocorridos em 2019. criado pelos agentes políticos ao redor do tra-
Da mesma forma, pode-se inferir, a balho informativo, mobilizando narrativas sobre
partir da comparação dos números coletados, a pandemia e colocando em jogo a vida de mi-
que o aumento explícito do número geral de lhões de brasileiros através da política de desin-
casos entre um ano e outro é proveniente, tam- formação, é incompatível com a demanda ur-
bém, de um aumento exponencial do número gente de melhoria da condição brasileira frente
de violências cometidas online, bem como pela às crises agravadas pela pandemia de Covid-19.
sofisticação nas ferramentas de captação de Vale destacar que no contexto de de-
dados sobre violências nessa esfera. sinformação crescente e do incentivo por au-
Foi possível identificar grande número toridades públicas a uma relação hostil com
de violências contra jornalistas e comunicado- a imprensa, o Brasil se tornou um dos países
res relacionadas à coberturas e conteúdos so- mais afetados no mundo todo pela pandemia,
bre a pandemia: 12,5% das 160 violações con- registrando mais de 160 mil mortes em novem-
tra jornalistas e comunicadores registradas no bro de 2020.
20
CAPÍTULO 5
O PAPEL DA COMUNICAÇÃO
COMUNITÁRIA E POPULAR NO COMBATE À
DESINFORMAÇÃO E NO FORTALECIMENTO
DE SEUS TERRITÓRIOS
Gizele Martins10
10 Gizele Martins é comunicadora comunitária da MARÉ (RJ). Jornalista e mestre em educação, cultura e
comunicação em periferias urbanas
11 Coronavírus: comunicadores de periferias e favelas se articulam para informar sobre pandemia
https://almapreta.com/editorias/realidade/coronavirus-comunicadores-de-periferias-e-favelas-se-articulam
-para-informar-sobre-pandemia
21
No Rio de Janeiro, o mesmo ocorreu, comuni- cada semana. Além disso, áudios, artes de rua
cadores de diferentes favelas e periferias se pelas paredes da favela, cards e lives para as
Capítulo 5
Na primeira semana, a Frente de Mo- pandemia. Daí, inicia-se a busca por apoio de
bilização da Maré também lançou uma cam- cestas básicas, por doações de máscaras, de
panha virtual para conseguir apoio financeiro, álcool, EPI’s e tantas outras demandas que co-
já que nenhum dos coletivos tinha qualquer meçaram a surgir nas favelas.
quantia para colocar em prática as inúmeras As novas demandas exigiram destes
ações planejadas e emergenciais. Com as pri- comunicadores mais organização e mais bus-
meiras doações, o plano de comunicação co- cas por apoios: reuniões com diversos sindi-
meçou a ser posto em prática: carros de som, catos, organizações de direitos humanos e
mais de 30 faixas e mais de mil cartazes foram autoridades públicas para apoios políticos e
colados pelos comércios, bares e igrejas a de atenção às favelas foram feitas. Reuniões
12 Em tempos de coronavírus, mais importante que higienizar as mãos com álcool em gel é lavá-las com água e
sabão diversas vezes ao dia. Esta é uma das principais recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS)
e do Ministério da Saúde para que a população consiga combater a pandemia em todo o mundo. Mas a realidade
nas favelas do Rio de Janeiro está muito distante do ideal para evitar a Covid-19. https://www.brasildefa
to.com.br/2020/03/23/favelas-do-rio-sofrem-com-falta-d-agua-e-populacao-fica-mais-vulneravel-a-coronavirus.
12 dias sem solução: Moradores da Rocinha continuam sem água e a CEDAE não tem previsão do reabastecimen-
to - A equipe do Voz das Comunidades esteve no local conversando com os moradores que já não aguentam mais
viver nessa situação. https://www.vozdascomunidades.com.br/destaques/12-dias-sem-solucao-moradores-da-ro
cinha-continuam-sem-agua-e-a-cedae-nao-tem-previsao-do-reabastecimento/
13 Frente de Mobilização da Maré, atua para minimizar os terríveis efeitos da pandemia do Covid-19 nas
comunidades locais. Somos mais de 50 voluntários engajados nessa luta, entre moradoras e moradores,
comunicadores populares, assistentes sociais e profissionais das áreas de Educação e Saúde. Desde o início do
mês de março, o coletivo está realizando uma grande campanha de comunicação comunitária em todo o território
local, esclarecendo as pessoas sobre os sintomas da Covid-19, procedimentos de prevenção, com ênfase na
urgência do afastamento social. Retirado da página https://www.frentemare.com/sobre/campanha
22
online com possíveis apoiadores financeiros, Atualmente, com a flexibilização por parte
procura por editais, além de visitas às clínicas dos governantes, as doações financeiras, as-
Falta de financiamento,
equipamentos e censura são
alguns dos principais desafios que
comunicadores e comunicadoras
Capítulo 5
enfrentam historicamente no
Rio de Janeiro e no Brasil
Nos parágrafos acima foram mencionados al- Mas, estes mesmos meios de comunicação
guns exemplos de campanhas sobre a pan- enfrentam cotidianamente enormes desafios:
demia do novo coronavírus e que dão a di- falta de financiamento; não há cumprimendo
mensão do que foi e está sendo realizar esse de leis por parte dos governantes no que se
trabalho dentro dos locais empobrecidos, refere à garantia da liberdade de expressão;
como nas favelas do Rio de Janeiro. Sabe- falta de equipamentos de tecnologia; acesso à
mos que o país inteiro teve comunicadores internet, sem contar nas ameaças e censuras
se organizando para trabalhar neste período enfrentadas diariamente por muitos dos comu-
a comunicação e mobilização interna. Estes nicadores comunitários.
comunicadores, junto aos seus tradicionais O Brasil, que há algumas décadas se
meios de comunicação, vêm ao longo dos declara como um país democrático, ainda não
anos construindo memórias, fortalecendo ter- teve coragem de enfrentar o debate sobre a
ritórios e mobilizando ideais, pensamentos e democratização da comunicação. Poucas fa-
práticas nos seus locais. mílias concentram poucas mídias comerciais
23
no país e quem faz comunicação na favela ou ainda a atuação das Unidades de Polícia Pa-
em outros espaços empobrecidos sofre com a cificadora (UPPs). São polícias ditas comu-
A CENSURA E A
CRIMINALIZAÇÃO
No Conjunto de Favelas da Maré, o mesmo local humanos é o que costuma estar mais presente
que fez essa enorme campanha durante a pan- por causa das constantes violações estatais.
demia com a organização da Frente de Mobili- Em suas pautas, ao longo dos anos, são tam-
Capítulo 5
zação da Maré neste ano de 2020 (trabalho que bém tratadas a defesa da identidade local e a
só foi possível porque há mais de 20 anos essa auto-estima dos moradores que pertencem ao
favela é referência na construção de mídias co- conjunto de favelas. O trabalho de mobilização
munitárias: rádios, TVs, páginas do Facebook, local é outro destaque dos meios comunitários.
mídias impressas, etc), é a favela que nos úl- Todos estes veículos têm como característica a
timos anos também ficou marcada por sofrer produção feita por moradores locais.
inúmeras violações e ter muitos dos seus comu- Um dos piores períodos para se fazer
nicadores comunitários até mesmo ameaçados comunicação comunitária na Maré foi durante
e algumas mídias comunitárias fechadas. os anos de 2014 e 2015, pois por causa da rea-
Nas mídias que são produzidas e cir- lização da Copa do Mundo o governo brasileiro
culam na Maré, historicamente são trabalha- colocou o exército dentro dela. Nesta época,
das matérias direcionadas à cultura nordes- qualquer evento cultural ficou proibido de ser
tina, negra, indígena, e o tema dos direitos realizado sem a permissão do comandante:
14 Em 2010, o rapper e comunicador comunitário Fiell, morador do Santa Marta, favela localizada na Zona
Sul, a primeira a receber a Unidade de Polícia Pacificadora, foi agredido por policiais da UPP. Fiell e outros
comunicadores comunitários de outras favelas do Rio, além de militantes de organizações de direitos humanos
que atuam na cidade, inauguraram a Rádio Comunitária Santa Marta. Todo o processo de construção da rádio foi
coletivo. Festas, assembleias, reuniões e cursos de técnicas de comunicação e sobre a história da comunicação
popular e comunitária foram promovidos na favela.
A rádio ficou logo conhecida pelos moradores. A participação era grande e denúncias sobre as violações
cometidas pela UPP eram divulgadas constantemente. Não por acaso, Fiell foi agredido diversas vezes pela
polícia local. Depois de inúmeras violações e invasões da polícia na sala em que funcionava a rádio, a polícia
federal conseguiu fechar a emissora. Fiell foi levado preso pelos agentes de segurança e até hoje paga um valor
como multa por ter construído junto aos moradores uma rádio comunitária. (Retirado do Livro Militarização e
Censura: A luta por liberdade de expressão na Favela da Maré; Martins, Gizele)
24
churrasco na rua; festa de aniversário; jogo de te. Desde que o atual Presidente da República,
futebol; etc. Foi uma ruptura no cotidiano dos Jair Bolsonaro, ganhou as eleições, ele direcio-
Capítulo 5
frer perseguição por parte do governo brasilei- nham as suas ferramentas de comunicação
ro, que investiu e apoiou a invasão do exército ativas. É preciso que o Estado e a sociedade
na Maré. Neste período, soldados faziam visi- reconheçam e valorizem a comunicação co-
tas constantes aos locais em que funcionavam munitária, uma comunicação que não é só vol-
as mídias, identificavam comunicadores nas tada para a população, mas é feita por e com
ruas, revistavam celulares, ameaçavam e até as populações locais.
expulsaram comunicadores da Maré. É perceptível a importância destas
Ou seja, a falta de apoio, de financiamento, a mídias e dos comunicadores comunitários
censura e a falta de liberdade de expressão são dentro das favelas e periferias do Rio e de
regras no nosso país. Hoje, temos no poder um todo o país. Elas comunicam, informam, tra-
governo de extrema direita que ameaça jorna- balham a defesa da identidade e cultural, va-
listas e comunicadores, inclusive, publicamen- lorizam a solidariedade e o trabalho local, co-
15 Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro; Anistia
Internacional; Witness; Artigo 19; Justiça Global; Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
16 Em 2018 ao menos quatro jornalistas foram assassinados no país em decorrência da sua atividade. Na
maioria dos casos, esses repórteres, locutores de rádio, blogueiros e outros comunicadores mortos cobriam
e investigavam tópicos relacionados à corrupção, políticas públicas ou crime organizado, particularmente em
cidades de pequeno e médio porte em todo o país, nas quais estão mais vulneráveis. A eleição de Jair Bolsonaro
em outubro de 2018, após uma campanha marcada por discursos de ódio, desinformação, violência contra
jornalistas e desprezo pelos direitos humanos, é um prenúncio de um período sombrio para a democracia e a
liberdade de imprensa. O horizonte midiático ainda é bastante concentrado no Brasil, sobretudo ao redor de
grandes famílias (com frequência próximas da classe política). O direito ao sigilo das fontes já foi questionado em
diversas situações no país e muitos jornalistas e meios de comunicação são alvos de processos judiciais abusivos
.(Relatório produzido pela organização Repórteres Sem Fronteiras, demonstra que o Brasil ocupa o 105º lugar no
Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa de 2019)
25
bram políticas públicas para os favelados, etc. próprios governantes e seus apoiadores. Mas
Mas, infelizmente, é perceptível também a elas precisam resistir e continuar, pois um
CAMPANHA
#CompartilheInformação
#CompartilheSaúde
Capítulo 5
A campanha Entre as inscrições, dezenas
#CompartilheInformação de ações potentes de coletivos,
#CompartilheSaúde surgiu num organizações, fóruns e
momento crítico e trouxe um movimentos que são formados
alerta: informação de qualidade é por comunicadores, jornalistas,
essencial, sobretudo num cenário radialistas, estudantes e outros —
de crise econômica, política, social todas empenhadas em apresentar
e de saúde. perspectivas plurais sobre os
impactos das crises e da pandemia,
Por meio de uma chamada aberta, e apontar caminhos para
em maio, a ARTIGO 19 buscou afirmar direitos, compartilhando
apoiar ações de comunicação informação e saúde.
popular, periférica, comunitária e
autônoma e fortalecer uma rede Neste momento de pandemia de
de trocas neste momento crítico: Covid-19 e das crises agravadas
foram mais de 100 inscritos e, ao no atual cenário, 23 parceiros/as
final, 23 iniciativas contempladas envolvidos nesta campanha pelo
em 12 Estados brasileiros. direito à informação na pandemia
deixam um legado importante:
informação confiável vem da
pluralidade de vozes e da união
de iniciativas diversas em seu
campo de atuação, localidades e
territórios.
26
CAPÍTULO 6
O PAPEL DO ESTADO
NA INTENSIFICAÇÃO DAS VIOLAÇÕES
CONTRA COMUNICADORES
O Estado brasileiro, por meio de sua parti- comunicadores em situação de risco; e a obri-
cipação em organismos internacionais de gação de investigar, processar e punir quando
direitos humanos, assinatura de tratados e uma violação ocorre.
convenções internacionais, é responsável pe- Essas obrigações são balizas impor-
rante a comunidade internacional17 pela ga- tantes que nos ajudam a avaliar não só a situ-
rantia efetiva dos direitos humanos no país. ação geral do direitos humanos no país, mas o
Além disso, esses padrões internacionais de papel específico do Estado em reproduzir ou
direitos humanos, também encontram eco na intensificar o cenário de violações de direitos,
Constituição Federal de 1988 e na legislação quando assumiu o dever de atuar para garan-
nacional de garantia de direitos humanos. ti-los. Assim, ao analisarmos como o Estado
Com base nessa responsabilidade assumi- brasileiro tem descumprido cada uma das vio-
da, o Estado tem três obrigações principais lações, podemos identificar quais as reformas
a cumprir: a obrigação de prevenir que vio- institucionais mais urgentes para garantirmos
lações aconteçam; a obrigação de proteger a efetivação da liberdade de expressão no país.
17 Existem diversos documentos de organismos internacionais que organizam esses padrões internacionais e que
informam a análise feita neste relatório. Para referência, o principal documento utilizado aqui foi o relatório da
Relatoria Especial para Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicado em
2013 e que sistematiza uma análise dos padrões interamericanos de proteção a comunicadores: https://www.oas.
org/pt/cidh/expressao/docs/publicaciones/2014%2008%2029%20PROTECAO%20JORNALISTAS%20final.pdf
27
O DISCURSO PÚBLICO DE AUTORIDADES
E A OBRIGAÇÃO DE PREVENIR VIOLAÇÕES
Uma das obrigações internacionais do Estado mas internacionais e nacionais que visem
brasileiro é a de prevenir que violações contra garantir o respeito ao exercício profissio-
a liberdade de expressão ocorram. Segundo os nal, a liberdade de expressão, liberdade
padrões internacionais, a obrigação de prevenir de imprensa e o direito à informação”.18
engloba uma série de responsabilidades e prin-
cípios, destacando-se as obrigações de adotar Com base nessa recomendação central para
um discurso público que contribua à prevenção garantir a prevenção a violações, a ARTIGO
da violência contra jornalistas; de instruir as for- 19 monitorou declarações públicas realizadas
ças de segurança sobre o respeito aos meios de pelo Presidente da República, seus ministros,
comunicação; de respeitar o direito de jornalis- seus filhos com mandatos eletivos e outros
tas ao sigilo de suas fontes de informações, ano- assessores próximos desde que o Presidente
tações e arquivos pessoais e profissionais; de Jair Bolsonaro assumiu o governo, em janeiro
manter estatísticas precisas sobre a violência de 2019. No período entre janeiro de 2019
Capítulo 6
contra jornalistas. Esse conjunto de responsa- e setembro de 2020 foram monitorados 449
bilidades deve orientar tanto o desenvolvimen- ataques, agressões ou declarações deslegiti-
to de políticas públicas quanto o próprio com- madoras contra comunicadores realizando seu
portamento de autoridades públicas no que diz trabalho de informar a população sobre assun-
respeito ao trabalho de comunicadores. tos de interesse público.
No entanto, na prática, o que vemos é A natureza dos ataques pode ser clas-
algo muito diferente: o Estado brasileiro e auto- sificada de diferentes maneiras. A violação
ridades públicas de alto escalão não só ignoram mais comum identificada, que representa
esses padrões básicos, mas sistematicamente 42% dos casos monitorados, foi o uso de dis-
os violam. Um exemplo importante dessa viola- curso estigmatizante, que foram ataques em
ção sistemática diz respeito à primeira e mais que comunicadores e veículos de mídia foram
básica responsabilidade dentro da obrigação acusados de manipular o conteúdo jornalístico
de prevenir violações: a obrigação de adotar produzido para tentar desestabilizar o governo
um discurso público que contribua à preven- ou deteriorar a imagem do Presidente. Aqui
ção da violência contra jornalistas. estão os casos de conteúdos chamados de
A importância desse princípio é tama- mentirosos ou categorizados como ‘fake news’
nha que, além de padrões internacionais de de forma genérica, sem que tenha sido apre-
direitos humanos, há padrões nacionais que sentada qualquer evidência disso, bem como
orientam autoridades públicas em como se os momentos em que foram associados à par-
comportar diante o trabalho de comunicado- cialidade maliciosa, com uma postura política-
res, como é o caso da recomendação nº 07, de -militante com objetivos escusos.
13 de junho de 2019, do Conselho Nacional de Um outro tipo de violação muito co-
Direitos Humanos, que mum nesse conjunto de declarações monito-
radas, identificada em 38% do casos, é a des-
recomenda que o tratamento dado a co- legitimação do trabalho da imprensa, em que
municadores por parte dos agentes públi- se vislumbra, de forma ampla, a associação da
cos siga diretrizes estabelecidas em nor- imprensa e do trabalho jornalístico a termos
18 https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/conselho-nacional-de-direitos-humanos-
cndh/Recomendaon7tratamentodadoacomunicadoreserespeitoliberdadedeexpresso.pdf
28
pejorativos e coloca em xeque a própria natu- Pôde-se observar que a exposição de jornalista
reza e importância do trabalho jornalístico. ou comunicador gerou, quase na totalidade dos
Além do crescente descrédito da po- casos, ataques em massa nas mídias sociais do
pulação nos meios de comunicação e infor- mesmo. Em alguns casos, ocorreu vazamento
mação causadas por esses tipos de violação, de dados pessoais do jornalista e/ou de seus fa-
tanto a estigmatização quanto a deslegitima- miliares e amigos, que por vezes também foram
ção do trabalho da imprensa criam um con- alvejados por ataques nas redes. Ainda, é im-
texto de desinformação crescente, uma vez portante destacar que mesmo que a exposição
que as informações trazidas ao público pela não venha com qualquer menção ao exercício
imprensa acabam associadas a uma suposta do trabalho jornalístico, há consequente des-
estratégia política escusa que só produz in- qualificação do trabalho do mesmo. Em muitos
formações falsas. Além disso, esse discurso casos - em especial, na exposição de mulheres
contribui para o aumento da hostilidade social jornalistas e comunicadoras -, a prática de ex-
ao trabalho de jornalistas e comunicadores, posição esteve associada com a mobilização
criando um ambiente que propicia a ocorrên- de conteúdos discriminatórios, como forma de
cia de violações mais graves, como agressões não somente expor, mas dar um caráter de in-
físicas, ameaças de morte ou mesmo atenta- significância à pessoa exposta.
dos à vida de comunicadores. Um dos casos emblemáticos de expo-
Esse cenário de incentivo ao aumento sição de jornalista e dos seus efeitos é o de
da hostilidade contra comunicadores é refor- Patrícia Campos Mello. A jornalista - que já ha-
çado por outras violações monitoradas nessas via sofrido ataques anteriores por suas cober-
declarações, como a exposição de jornalista turas relacionadas à política - foi exposta por
ou comunicador, que corresponde a 23% dos Eduardo Bolsonaro durante a CPMI das Fake
casos aqui monitorados. Isso acontece em si- News, quando o Deputado sugeriu que a pro-
tuações em que informações pessoais como fissional teria se insinuado sexualmente para
nome, imagem e até contas pessoais de mídias uma de suas fontes obter informações. Na
sociais de jornalistas são divulgadas, associan- sequência, o Presidente Jair Bolsonaro disse
do não só o conteúdo do trabalho do jornalista, em coletiva que a jornalista “queria dar o furo
mas sua própria identidade pessoal a caracte- a qualquer custo”. Essas declarações geraram
rísticas negativas ou discriminatórias. ataques em massa à profissional, que teve
DISCURSO ESTIGMATIZANTE
189 CASOS ~42%
29
suas redes sociais ocupadas por mensagens houve intimidação institucional. O presidente
de cunho agressivo, misógino e, por vezes, expressamente mobilizou conteúdos discrimi-
Capítulo 6
Presidente da República, que se manifestou alguns veículos de comunicação também
de forma vexatória e incendiária contra a im- foram sistematicamente alvejados nesse pe-
prensa por meio de postagens e transmissões ríodo. A Rede Globo e suas afiliadas foram
ao vivo nas mídias sociais (60%), coletivas nominalmente atacadas ao menos 114 vezes
de imprensa, discursos e pronunciamentos (25% dos casos). A Folha de São Paulo, por
(34%), entrevistas (4%), entre outros. Dentre sua vez, teve 56 ataques registrados (12%
estas manifestações do Presidente, 39% (40) dos casos). O jornal Estado de São Paulo foi
apresentaram deslegitimação do trabalho da atacado 22 vezes (5%). Ao mesmo tempo, ve-
imprensa. Além dessas, 39% (40) contaram ículos com a linha editorial mais próxima dos
com discurso estigmatizante sobre a mídia. posicionamentos do Presidente foram men-
Em 13% (13) dos casos, o Presidente expôs cionados de forma positiva e não violenta,
jornalistas e comunicadores, gerando ataques mostrando a direção da intervenção dos polí-
massivos contra estes nas redes sociais. Em ticos direcionadas aos veículos que têm feito
12% (12) dos casos houve impedimento infor- uma cobertura crítica em relação às ações do
mativo, em 4%, omissão institucional e em 2% governo federal.
~27
~23
%
% MINISTROS DO GOVERNO FEDERAL
PRESIDENTE JAIR BOLSONARO 119 CASOS
102 CASOS
~2 %
OUTROS
8 CASOS
~49 %
FILHOS DO PRESIDENTE
COM MANDATO ELETIVO
TOTAL 220 CASOS
449 CASOS
30
O MECANISMO DE PROTEÇÃO BRASILEIRO
E A OBRIGAÇÃO DO ESTADO DE PROTEGER
COMUNICADORES EM SITUAÇÃO DE RISCO
Além de prevenir que violações aconteçam, o Essa inclusão, no entanto, tem um efeito
Estado brasileiro tem a obrigação de oferecer mais simbólico de reconhecimento da situ-
medidas de proteção a comunicadores que es- ação de violência sistemática sofrida por co-
tejam em situação de risco. Nesse sentido, o municadores, já que na prática ela ainda não
principal mecanismo criado no Brasil para ar- se efetivou.
ticular medidas de proteção é o Programa de Segundo informações obtidas pela
Proteção a Defensores de Direitos Humanos ARTIGO 19 em reuniões com a equipe gestora
(PPDDH), do governo federal. Criado em 2005, do PPDDH, nos quase dois anos desde que os
também a partir da mobilização que se seguiu comunicadores foram formalmente incluídos
com o assassinato da missionária Dorothy como parte do programa, somente dois comu-
Stang, no Pará, o foco do mecanismo sempre nicadores foram atendidos pela equipe federal
esteve no atendimento de defensores de direi- do Programa. Isso demonstra que existe um
tos humanos, com destaque para defensores descolamento grande entre o cenário geral de
de terra e território. Diferentemente de outros hostilidade e violência contra comunicadores e
mecanismo importantes na região, como o da a atuação do Programa para incidir nesse con-
Colômbia e o do México, que há bastante tem- texto. Além disso, mesmo que houvesse uma
po previram o atendimento a comunicadores, inclusão real de comunicadores, as medidas
o mecanismo brasileiro só passou a incluir Co- de proteção já oferecidas aos defensores de
municadores Sociais em seus escopo de aten- direitos humanos atendidos pelo programa são
dimento em setembro de 2018, depois de anos consideradas bastante ineficientes e precárias
de pressão da sociedade civil organizada. pela sociedade civil.
19,20 Manual de Procedimentos dos Programas de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Secretaria
Especial de Direitos Humanos. Brasília, 2017. Página 13.
31
Ao longo dos seus dez primeiros anos de exis- em reuniões da sociedade civil que preten-
tência, o mecanismo contou somente com diam criar Grupos de Trabalho temáticos que
Capítulo 6
que trouxe mudanças críticas na estrutura tamento limita a própria eficácia do Programa.
do programa de proteção. Em primeiro lugar, Atualmente, o PPDDH faz parte da
o decreto restringiu o alcance do PPDDH a estrutura do Ministérios da Mulher, da Família
pessoas em situação de ameaça. Isso con- e dos Direitos Humanos. Embora a gestão do
traria a resolução 53/144 da OEA e o pró- mecanismo seja federal e haja uma Coordena-
prio manual de procedimentos do PPDDH, ção-Geral do Programa Nacional responsável
elaborado pela Secretaria de Direitos Huma- por atender os casos em todo o território bra-
nos (SDH) em parceria com a sociedade civil sileiro, a estrutura do mecanismo foi pensada
e outros órgãos públicos, que determina que para que ele funcione também em nível esta-
a proteção de defensoras e defensores deve dual, por meio de parcerias entre o governo
ocorrer à pessoas ou grupos em situação de federal, os Estados e entidades da sociedade
risco e vulnerabilidade, e não apenas pesso- civil. Nos Estados conveniados, a atuação do
as em situação de ameaça. Além disso, o de- Programa ocorre por meio de equipes técnicas
creto também criou o Conselho Deliberativo estaduais das entidades executoras, que são
do PPDDH, mas fixou somente a participação conveniadas por meio das Secretarias de Es-
de órgãos do Estado e excluiu a participação tado. Passados 15 anos da criação do Progra-
da sociedade civil, que luta desde o início ma, menos de um quarto dos Estados possuem
para que esse espaço seja paritário. Segun- Programas próprios em atividade23, sendo que
do a nova composição, apenas dois membros a maior parte do pais ainda é atendida exclusi-
do Ministério da Mulher, Família e Direitos vamente pela equipe federal.
Humanos e um membro do Ministério da Jus- Para o atendimento, o mecanismo bra-
tiça fariam parte do Conselho Deliberativo22. sileiro requisita que os beneficiários tenham
Recentemente, gestores do Ministério da Mu- comprovada relação com a defesa e promoção
lher, Família e Direitos Humanos anunciaram dos direitos humanos e que a haja nexo causal
21 http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=422693
22 http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2016/10/RPU-Defensores.pdf
23 Estados com Programas ativos em 2020: MG, PE, CE, MA, PA, RJ
32
entre a situação de ameaça ou vulnerabilidade É importante destacar ainda que, ao contrário
e a atividade de defensor. O Manual de Proce- de outros programas de proteção na esfera
dimentos do PPDDH entende por violação que: federal, tal como o Programa de Proteção à
Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (PROVI-
A violação caracteriza-se por toda e TA), o PPDDH tem como tarefa prezar pela
qualquer conduta atentatória à ativida- permanência do defensor ou defensoras em
de pessoal ou institucional do defensor seu território, bem como pela continuidade
dos Direitos Humanos ou de organização de suas atividades. Para que isso seja alcan-
e movimento social que se manifeste, ain- çado, o PPDDH tem como diretriz o “forta-
da que indiretamente, sobre familiares ou lecimento do pacto federativo, por meio da
pessoas de sua convivência próxima, den- atuação conjunta e articulada de todas as
tre outras formas, pela prática de crimes esferas de governo na proteção aos Defenso-
tentados ou consumados, tais como ho- res dos Direitos Humanos e na atuação das
micídio, tortura, agressão física, ameaça, causas que geram o estado de risco ou vul-
intimidação, difamação, prisão ilegal ou nerabilidade”.25
arbitrária, falsa acusação, além de atenta- As medidas de apoio previstas pelo
dos ou retaliações de natureza política, re- Programa de Proteção têm três dimensões:
ligiosa, econômica, cultural, de origem, de atuar diretamente na segurança e bem-es-
etnia, de gênero, de orientação sexual, de tar dos defensores atendidos, contribuir para
cor e raça, de idade, dentre outras formas promover a atuação dos beneficiários na de-
de discriminação, desqualificação e crimi- fesa dos direitos humanos e articular medidas
nalização de sua atividade que ofenda a que combatam as situações estruturais de
sua integridade física, psíquica ou moral, conflito nos contextos onde esses defensores
a honra ou o seu patrimônio”.24 estão inseridos.
No entanto, ao analisar casos atendi-
Dentre as diversas diretrizes do programa, que dos pelo Programa, podemos perceber que
podem ser consultadas da leitura do manual, essa incidência estrutural nas causas dos con-
uma de suas principais missões é enfrentar as flitos que geram as violações nunca aconteceu
causas estruturantes dos conflitos. Ou seja, a – e não há nenhum plano efetivo de construir
dimensão de proteção inclui, centralmente, o medidas nesse sentido. Neste contexto, as me-
combate das causas que geraram a situação didas que são implementadas seguem sendo
de ameaça ou vulnerabilidade a que o defen- pouco efetivas para interromper o fluxo de vio-
sor ou defensora de direitos humanos foi sub- lações, como as contra comunicadores, cuja
metido, sob pena de não serem alcançados os perpetuação vem sendo captada neste relató-
objetivos da política. rio desde 2002.
24, 25 Manual de Procedimentos dos Programas de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos. Secretaria
Especial de Direitos Humanos. Brasília, 2017. Página 13.
33
4
O último decreto que institui o desenho institu-
cional atual do programa não conta mais com A necessidade de criação, no âmbito do
Capítulo 6
dações ao governo federal para seu aprimora- de criminalização da sua luta em defesa dos
mento26. Inclusive, a coordenação nacional do direitos humanos;
PPDDH, conforme mencionado no item ante-
6
rior, era composta por cinco organizações da
sociedade civil, todas integrantes do CBDDH.27 A necessidade de ampliação e
O Comitê destaca como principais problemas desburocratização na parceria nos Estados
do mecanismo: federados para além da celebração de
convênios, e buscar novas formas de
1
execução da política de proteção às
A dificuldade na tramitação para a aprovação defensoras e os defensores;
do PL 4575/2009 que regulamenta o PPDDH;
7
2
A necessidade de aperfeiçoamento da
A falta de implementação do Plano Nacional metodologia de proteção, no sentido de
de Proteção às Defensoras e Defensores; atender a grupos e comunidades pelas
quais lutam as defensoras e os defensores,
3
em especial os povos e comunidades
A necessidade de ampliação da estrutura e tradicionais;
do orçamento do PPDDH no âmbito da SDH,
a fim de garantir a proteção das defensoras e
dos defensores de direitos humanos enquanto
política de Estado;
26 Exemplo de algumas cartas enviadas pelo comitê DDH com recomendações ao estado brasileira podem ser
acessadas nos seguintes links: http://www.global.org.br/wp-content/uploads/2016/03/Carta
_comit--_05_2014.pdf / https://www.ecodebate.com.br/2012/12/17/carta-do-comite-brasileiro-de
-defensorases-de-direitos-humanos-a-ministra-da-secretaria-de-direitos-humanos/ / http://www.inesc.org.br/
noticias/noticias-gerais/2010/novembro/sociedade-civil-apresenta-recomendacoes-para-programa-de-protecao
-aos-defensores-as-de-dh
27 Terra de Direitos, Justiça Global, Movimento Nacional dos Direitos Humanos, Comissão Pastoral da Terra e
Conselho Indigenista Missionário
34
8 10
9
A necessidade de criação de metodologia
A necessidade de criação e capacitação específica para atuar com defensoras de
de unidades policiais especializadas para a direitos humanos, incorporando a perspectiva
proteção das defensoras e dos defensores de gênero;
de direitos humanos, bem como órgãos
12
e procedimentos especializados para o
recebimento e processamento de denúncias A necessidade de construir uma metodologia
apresentadas pelas defensoras e defensores específica para atender comunicadoras e
de direitos humanos; comunicadores, de modo a compreender as
especificidades das violações que acontecem
no contexto das violações ao direito à
liberdade de expressão.
O COMBATE À IMPUNIDADE
E A OBRIGAÇÃO DE INVESTIGAR, PROCESSAR E PUNIR
VIOLAÇÕES CONTRA COMUNICADORES
28 https://artigo19.org/wp-content/blogs.dir/24/files/2018/11/O-Ciclo-do-Silêncio-Relatório-2018.pdf.
35
municadores tem papel central no que tange considerando que não somente o comunica-
a violação e a restrição à liberdade de expres- dor em questão perdeu sua vida, mas também
Capítulo 6
tório, há que se destacar alguns casos rela- 2019 Leandro Cintra da Silva, foi condenado
cionados à investigações de violência contra a 14 anos de reclusão pelo envolvimento no
jornalistas e impunidade, sendo necessário crime. Não obstante, em 09 de dezembro de
atualizar o andamento de algumas investiga- 2019, o Tribunal do Júri absolveu outros dois
ções e processos relativos a execuções come- acusados: o ex-vereador José Eduardo Alves
tidas nos anos anteriores. da Silva, acusado de ser o mandante do assas-
Em maio de 2019 foi realizado novo sinato, e o caseiro Marcelo Rodrigues dos San-
julgamento de acusados pelo homicídio de tos foram condenados apenas pela corrupção
Manoel Leal de Oliveira, 21 anos após sua mor- dos menores que praticaram o crime. Os me-
te. O jornalista e proprietário do veículo ‘A Re- nores envolvidos já cumpriram as respectivas
gião’, foi assassinado na porta de sua casa em medidas educativas.
Itabuna (BA), em janeiro de 1998. As investiga- Em 17 de dezembro de 2019 o Juiz
ções do homicídio do jornalista foram retoma- Jesseir Coelho de Alcântara, da 3ª Vara Crimi-
das em 2010 após o filho do jornalista, Marcelo nal dos Crimes Dolosos Contra a Vida e Tribu-
Leal, e Unidade de Resposta Rápida (URR) da nal do Júri, pediu afastamento da presidência
Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) do julgamento dos acusados do assassinato do
apresentarem o caso à Comissão Interameri- radialista Valério Luiz. O radialista foi assassi-
cana de Direitos Humanos (CIDH). A Comissão nado em 05 de julho de 2012 após sair da rádio
recomendou o pagamento de indenização à fa- onde trabalhava, em Goiânia (GO). Alegando
mília da vítima pelo estado e o restabelecimen- motivos de foro íntimo, o magistrado deu a en-
to das investigações. A absolvição dos acusa- tender que seu afastamento decorria de empe-
dos pelo Tribunal do Júri em 2005 foi anulada cilhos colocados pelo próprio Tribunal de Jus-
após requerimento do Ministério Público, sob tiça de Goiás para a realização do julgamento.
a alegação de que os jurados tinham conexões Após o afastamento do Juiz, o julgamento foi
que prejudicaram sua imparcialidade. No novo adiado por conta da pandemia de Covid-19.
julgamento, o Tribunal condenou Marcelo Sar- Já em 2020, tivemos atualizações no
mento a 6 anos de prisão pelo crime. caso do radialista Jairo de Sousa, que foi assas-
O ano de 2019 também foi marcado sinado no dia 21 de junho de 2018, ao chegar
pelos julgamentos dos acusados pelo homicí- na rádio em que trabalhava, em Bragança (PA).
dio do radialista Jefferson Pureza, morto em No dia 12 de setembro de 2020, Madson Aviz
17 de janeiro de 2018 em frente a sua residên- de Melo, suspeito de envolvimento no homicí-
36
dio, foi preso na cidade de Boa Vista (RR). O acu- 2019 o comunicador foi morto em frente a sua
sado estava foragido, com três mandados de pri- casa em Maricá (RJ). Passado mais de um ano
são preventivos decretados contra ele - um deles da morte, não há respostas sobre o crime. O caso
relativo ao assassinato do radialista. O Ministério segue sob a responsabilidade da Delegacia de
Público do Pará ofereceu denúncia contra dez Divisão de Homicídios de Niterói, Itaboraí, São
pessoas além de Madson por envolvimento no Gonçalo e Maricá (DHNISG). O inquérito ainda
crime, sendo que o acusado de ser mandante do não apresentou resultados significativos e segue
assassinato é vereador Cesar Monteiro Gonçal- em segredo de justiça.
ves, a quem o radialista tecia críticas e denún- O caso de Lourenço Veras, assassinado
cias sobre desvio de verbas públicas. Este último em sua casa na fronteira do Brasil com o Para-
teve sua prisão preventiva revogada no primeiro guai em janeiro de 2020, é emblemático no que
semestre de 2019, a partir de habeas corpus. tange a impunidade. Ainda que tenha sido exe-
Em 22 de setembro de 2020, Elias Ma- cutado fora do território brasileiro, por mais de
luco, condenado a 28 anos e 9 meses de prisão uma vez, o jornalista foi ameaçado antes de sua
pela morte de Tim Lopes, foi encontrado enfor- morte e o governo brasileiro falhou em lhe ofere-
cado na cela em que cumpria a pena. O jornalis- cer qualquer tipo de proteção, ainda que reque-
ta foi assassinado em 02 de junho de 2002, na rida. A investigação é conduzida pelas autorida-
cidade do Rio de Janeiro (RJ), após ser seques- des paraguaias, que identificaram e prenderam
trado e torturado por suspeitos de envolvimento o aparente mandante da execução, Waldemar
com o tráfico de drogas durante a realização de Pereira Rivas - e, ainda, ofereceram proteção
cobertura sobre tráfico de drogas e abuso sexual para o jornalista antes de sua morte, de forma
de adolescentes na Vila Cruzeiro. oposta às autoridades brasileiras.
Além das atualizações quanto às execu- Cabe mencionar, por último, que de
ções de anos anteriores, é de suma importância 2018 para 2019 o Brasil subiu de posição no
destacar, novamente, os casos de homicídio ranking do “Índice Global de Impunidade”, pro-
cometidos nos anos de 2019 e 2020, de forma duzido anualmente pelo Comitê de Proteção a
a indicar às autoridades responsáveis a necessi- Jornalistas (CPJ). O ranking analisa os andamen-
dade de que se apure com maior detalhamento tos de investigações de execuções de comunica-
e atenção os acontecidos, e, no mesmo sentido, dores no mundo todo. Em 2019 o país passou a
que o exercício da comunicação seja levado em ocupar a nona posição do índice de impunida-
consideração como possível motivação do crime. de, demonstrando que não há melhoria no que
Em 2019, apenas o caso de Romário tange o processamento e investigação devida
Barros foi registrado como homicídio em que dos crimes graves cometidos contra a categoria,
pode se vislumbrar a relação entre o exercício importando em ampla agressão à liberdade de
da profissão e a violência. No dia 19 de junho de expressão no Brasil.
Desafio do período:
perfil das vítimas e exercício da comunicação como motivação do crime
Um ponto a ser explorado e melhor delimitado especialmente, das redes sociais -, por mais de
é quanto ao perfil das vítimas que exercem a uma vez o perfil de comunicadores assassina-
comunicação, e a consequente dificuldade de dos coaduna a atuação no meio jornalístico à
aprofundar o real impacto do exercício da co- atuação política. Por meio de pré candidaturas,
municação como motivação do crime. Nos anos candidaturas e mandatos, alguns comunicado-
de 2018 e 2019 - marcados pela conjuntura de res tiveram suas atuações profissionais prévias
disputas políticas e eleitorais no país, atravessa- no campo da comunicação confundidas com a
das pelos novos usos da comunicação através, trajetória de construção política daquele sujeito.
37
As apurações desses casos demonstraram a di- e colegas da vítima. A incerteza quanto a este
ficuldade dos familiares e colegas em identificar ponto, portanto, afastou alguns casos da inclu-
Capítulo 6
O PAPEL DAS AUTORIDADES PÚBLICAS
NO COMBATE À IMPUNIDADE
Prevenção
38
Por último, a carência de atuação do Estado no rando que estas falham em se mobilizar para ga-
âmbito da prevenção, a partir da falta de respos- rantir proteção ou mesmo são, em muitos casos,
tas efetivas para inibição de violências futuras, os agentes das violações.
implica em cada vez maior subnotificação de Em uma minoria dos casos foi possível
casos de violência cometidos contra jornalistas identificar bons resultados a partir de respostas
e comunicadores. Isso porque os próprios pro- concretas e incisivas fornecidas pelas autorida-
fissionais, com o passar dos anos sem respos- des. A exceção, entretanto, não implica em efei-
tas, passaram a naturalizar a violência sofrida, tos positivos para a categoria de forma ampla,
entendendo que ela não seria de tanto risco ou já estando consolidada a noção de que as au-
importância, ou ainda que não haveriam efeitos toridades são ineficientes em oferecer proteção
positivos em acionar as autoridades, conside- para jornalistas e comunicadores ameaçados.
Investigação
Uma vez ocorrida a execução de jornalistas e investigação nos mais diversos contextos do país.
comunicadores, é preciso que as autoridades Um ponto central de desigualdade considerando
adotem posturas proativas para dar respostas os diferentes Estados e regiões é o acompanha-
sobre a violação, apaziguando sentimentos de mento das investigações pelo Ministério Público,
injustiça de sujeitos próximos à vítima e a sensa- conforme apresentado em relatórios anteriores.
ção de insegurança e impunidade experienciada Nesse sentido, depois anos de incidên-
pela categoria. cia da sociedade civil sobre o Ministério Público,
Anualmente verificamos o despreparo em maio de 2018 foi apresentada ao Conselho
das forças policiais brasileiras para investigar os Nacional do Ministério Público uma proposta
homicídios contra comunicadores: investigações de recomendação29 que orienta promotores do
lentas, ainda que com a existência de evidências país inteiro sobre procedimentos para tornar as
concretas sobre o crime; falta de infraestrutura e investigações de crimes contra comunicadores
abandono da hipótese de motivação relacionada mais céleres e efetivas. A proposta, fundamen-
ao exercício da comunicação são algumas falhas tal no avanço do combate à impunidade nesses
que pudemos identificar. A falta de protocolo de crimes, ainda não foi aprovada pelo Conselho,
como proceder em tais crimes é evidenciada pe- mesmo passados mais de dois anos desde sua
las diferentes respostas e formas de condução da apresentação.
Considerando que toda sociedade sofre os efeitos Ainda que seja compreensível a existência de
da impunidade - seja pela falta de responsabiliza- mecanismos como o “segredo de justiça” nos ca-
ção e pelo sentimento de injustiça, seja por seus sos considerados sigilosos e que seja importante
efeitos no trabalho jornalístico e na circulação de tomar cuidado para que não haja o vazamento
informações, as respostas sobre as investigações de informações pessoais de investigados, o que
nos casos de jornalistas e comunicadores devem pode ferir o direito à presunção de inocência, as
ser oferecidas a população como um todo. autoridades ainda devem dar alguma resposta,
29 https://www.cnmp.mp.br/portal/images/noticias/imagens/Minuta_Recomendacao_
Profissionais_de_Imprensa_última_versão.pdf
39
mesmo que genérica, sobre o contexto do crime bre o andamento da investigação por parte do
e o andamento das investigações. Os próprios poder público. Entretanto, ao tentar realizar as
Capítulo 6
práticas são, em grande medida, informadas autoridade do começo ao fim;
pela análise de casos específicos de homicídio
6
de comunicadores nos últimos anos e, particu-
larmente, de pontos identificados como barrei- Garantia da imparcialidade das autoridades
ras centrais para o bom andamento das investi- responsáveis, em especial nas violências
gações. Essas boas práticas seriam: aparentemente relativas a conteúdos
de denúncia sobre as forças policiais e
1
políticas locais;
Rápida resposta policial no momento da
7
ocorrência, com presença no local do crime,
garantindo a integridade das provas e Acompanhamento ativo do Ministério Público,
testemunhas; inclusive prezando e fiscalizando o ponto
anterior;
2
8
Empenho das autoridades, evitando a
morosidade entre os atos jurídicos e diligências Atenção ao punitivismo e a busca pelos
necessários para a investigação; responsáveis de forma isenta, garantindo a
celeridade da investigação e do julgamento,
3
de forma que não se estendam possíveis
Engajamento de especialistas e peritos para o períodos de prisão preventiva
maior detalhamento das condições do crime, dos suspeitos;
bem como de suas possíveis motivações;
9
4
Oferecimento de respostas de proteção
Atenção ao exercício da comunicação como aos jornalistas ameaçados, instruindo os
possível motivação do crime, com a investigação profissionais, inclusive, quanto à possibilidade
pautada, também, nos conteúdos recentes e de de se inscreverem no PPDDH, bem como outros
maior polêmica produzidos pela vítima; programas de proteção disponíveis.
40
CAPÍTULO 7
CONCLUSÕES
41
Com base em todos os diferentes tipos e as- aumentando ainda mais o cenário de com-
pectos das violações à liberdade de expressão pleta impunidade. Ou seja, ao invés de am-
Conclusões
que analisamos neste relatório, é evidente que pliar a segurança e o incentivo a pluralidade
o desafio de enfrentamento é enorme e com- de vozes na mídia, estamos caminhando no
plexo. Mais do que isso, esse desafio cresce sentido contrário — com violações atraves-
com a conjunção de violações praticadas há sando diferentes contextos de exercício da
Capítulo 7
décadas que se perpetuam, como as graves comunicação.
violações aqui apresentadas (homicídios, ten- No limite, a pergunta de fundo que nos
tativas de assassinato e ameaças de morte), orienta nas analises aqui apresentadas é em
a um leque de violações que estão emergindo que medida a sistematicidade desse conjunto
nos últimos anos, como ataques digitais, expo- complexo de violações está se consolidando e
sição pública de dados pessoais ou uma estra- gerando alguma forma ampla de censura no
tégia sistemática de articular discurso de ódio país. Infelizmente, as evidências apresentadas
e uma indústria de desinformação chegando neste relatório indicam que essa censura, mais
aos mais altos postos da República. ou menos formal, está avançando e é hoje uma
Assim, ainda que tracemos recomen- das tendências que visualizamos no cenário
dações de ações e de boas práticas, a cons- político e social do país.
tante postura de membros do Governo Fe- A promoção de um ambiente seguro
deral de promover violações e desqualificar para o exercício da comunicação e da liberda-
denúncias feitas por comunicadores importa de de expressão depende, portanto, da articu-
na naturalização e banalização da violência lação das diversas esferas do poder público,
contra esses profissionais. Isso só contribui tanto por meio de ações concretas de preven-
para o aumento da hostilidade social ao tra- ção, proteção e combate à impunidade, como
balho desses comunicadores, aumentando por meio da legitimação das demandas de
sua insegurança. Além disso, também parece comunicadores e da sociedade civil por segu-
impactar no trabalho das autoridades inves- rança e apoio no exercício de uma atividade
tigativas, que falham em inserir o exercício que tem uma função social primordial: a ga-
da comunicação nas linhas investigativas e rantia do livre fluxo de informação, um dos pi-
em oferecer respostas sobre o crime às famí- lares de qualquer sociedade que se pretenda
lias, aos colegas das vítimas, e à sociedade, democrática, livre e justa.
42
CAPÍTULO 8
RECOMENDAÇÕES
43
AO GOVERNO FEDERAL
Recomendações
Autoridades federais devem seguir os padrões internacionais e as
recomendações do Conselho Nacional de Direitos Humanos e se abster de
1 fazer declarações públicas que constranjam o trabalho de comunicadores ou
incentivem que ataques sejam realizados;
Capítulo 8
Retomada da participação da sociedade civil no Conselho Deliberativo do
Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores Sociais
2 e Defensores Ambientais (PPDDH), organizando a estrutura de participação social
do Programa segundo as diretrizes recomendadas pela sociedade civil;
44
AO MINISTÉRIO PÚBLICO
Recomendações
Implementação plena da recomendação que prevê procedimentos
específicos para dar celeridade e efetividade a investigações de crimes
1 contra comunicadores, após aprovação pelo Conselho Nacional do
Ministério Público;
Capítulo 8
Cumprimento de sua prerrogativa constitucional de controle externo da
atividade policial, tanto para evitar o comportamento abusivo de policiais contra
2 comunicadores em certos contextos, como durante a cobertura de protestos
sociais ou de abusos em favelas e periferias, quanto para acompanhar a qualidade
do inquérito policial em crimes contra comunicadores desde o início.
AO CONGRESSO NACIONAL
30 https://www.cnmp.mp.br/portal/images/Publicacoes/documentos/2019/Violencia-contra-comunicadores
-no-Brasil-VERSAO-FINAL-.pdf
45
ÀS ORGANIZAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS
E À COMUNIDADE INTERNACIONAL
Recomendações
Priorizar a proteção de comunicadores como uma parte de suas
1 preocupações a respeito dos direitos humanos nas respectivas agendas;
Capítulo 8
Auxiliar o Brasil a cumprir com suas obrigações internacionais sobre direitos
humanos, de acordo com a legislação internacional, incluindo o acompanhamento
2 da implementação de decisões relevantes e julgamentos de organismos
internacionais de direitos humanos como a Corte Interamericana de Direitos
Humanos e o Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas;
Produzir dados consolidados sobre o tema e divulgar esse trabalho para que
1 ele fortaleça outras iniciativas de entendimento e combate do problema
nacional e internacionalmente;
46
CAPÍTULO 9
NOTA METODOLÓGICA
47
As informações apuradas, detalhadas e anali- Na etapa de monitoramento, foram coletados
Nota Metodológica
sadas no relatório dizem respeito somente às todos os tipos de violação relacionados à liber-
graves ocorrências. No entanto, também são dade de expressão descritas no protocolo. O
monitoradas outras formas menos graves de registro completo contempla somente os ca-
violações, informações que também servem de sos graves – homicídio, tentativa de assassi-
subsídio para a produção do relatório e de aná- nato, ameaça de morte, tortura e sequestro.
lises exploratórias sobre o contexto em que es- São os números relacionados a essas catego-
sas graves violações acontecem e se perpetu- rias que foram sistematizados para a elabora-
Capítulo 9
am. A ARTIGO 19 desempenha três etapas para ção desse relatório.
a checagem e consolidação das informações: Tendo em vista que as ocorrências
coletadas no monitoramento, realizado pela
# Monitoramento: mapeamento dos casos equipe do Programa de Proteção e Segurança
de violações e coleta das informações iniciais da ARTIGO 19, são baseadas em sites de no-
sobre cada ocorrência a partir de matérias jor- tícias e de outras organizações da sociedade
nalísticas publicadas por diversos perfis de ve- civil, assim com alguns contatos diretos que
ículos de comunicação, organizações sociais, recebemos de vítimas, reconhecemos que a
redes de correspondentes e pelas próprias víti- falta de contatos in loco nas diferentes regiões
mas ou testemunhas dos casos. do país podem prejudicar uma coleta comple-
ta de todos os casos ocorridos ao longo do ano.
# Registro completo: detalhamento das in- Dessa maneira, reconhecemos que apesar dos
formações mapeadas no monitoramento por esforços empreendidos, há a possibilidade de
meio da apuração de cada caso por meio de existirem casos que não chegaram ao nosso
entrevistas com as vítimas, conhecidos e fami- conhecimento e que o número de violações à
liares das vítimas, membros de organizações liberdade de expressão sofridas por comuni-
da sociedade civil que trabalham com o tema e cadores pode ser ainda maior do que o consi-
autoridades responsáveis pelos casos. derado para a elaboração deste relatório.
IMPORTANTE
A investigação da ARTIGO 19 independe das investigações oficiais – que
são tomadas por nós como apenas uma possível versão do fato. Isso se faz
necessário uma vez que os agentes públicos e policiais envolvidos podem
ser parte interessada na violação em questão ou a própria falta de estrutura
frequentemente compromete a qualidade das investigações oficiais. Por outro
lado, não é intenção da ARTIGO 19 substituir ou concorrer com o trabalho de
investigação oficial. Pelo contrário, demandamos a resolução oficial dos casos
e que os culpados sejam julgados e punidos, conforme as leis do país.
48
ANÁLISE
DOS DADOS
Nota Metodológica
Para as análises dos dados levantados, primei- dades, segue-se a classificação do IBGE: cida-
ramente foi necessário identificar toda evidên- des pequenas (menos de 100 mil habitantes);
cia disponível que pudesse fortalecer e ajudar médias (de 100 a 500 mil habitantes) e gran-
a sustentar a relação direta entre os fatos, o des (mais de 500 mil habitantes).
trabalho de comunicação e as opiniões e/ou A caracterização do autor da violação
Capítulo 9
informações que possam ter sido expressadas foi feita com a análise do perfil do possível man-
pela vítima ou que ela planejava expressar. dante e das prováveis motivações. O perfil do
Feitas essas correlações, utilizou-se autor é o tipo de atividade que faz com que o
o cruzamento de categorias de análise con- possível mandante esteja ligado ao contexto da
sideradas centrais para a caracterização das violação, com as seguintes possibilidades: po-
violações. Dentre essas categorias, destacam- lícia, político, crime organizado, produtor rural
-se três tipos: as que caracterizam a vítima, as ou extrativista, empresário e agente público.
que caracterizam o crime e as que caracteri- Além disso, procurou-se levantar as
zam o autor. prováveis motivações, ligadas ao exercício da
Para a caracterização da vítima, levan- liberdade de expressão pela vítima, que leva-
tou-se o perfil da atividade da vítima (jornalista ram o autor a cometer o crime. São elas: rea-
ou repórter, radialista, blogueiro, apresentador lização de investigação ou apuração de infor-
e colunista) e o gênero. mações, realização de denúncias, e emissão
Para a caracterização do crime, anali- de críticas ou opinião.
sou-se o tipo de violação (homicídio, tentativa Caraterizada a violação em suas di-
de assassinato, ameaça de morte, tortura, se- ferentes dimensões, procurou-se levantar o
questro e abuso sexual); onde ocorreu (região, status de cada caso no sistema penal, seja o
estado e dimensão da cidade) e existência de inquérito policial, a investigação do Ministério
violações anteriores. Sobre a dimensão das ci- Público ou uma ação penal na Justiça.
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ARTIGO 19 AMÉRICA DO SUL
comunicacao@artigo19.org
www.artigo19.org
apoio: