Esta é uma obra literária de ficção. Todos os nomes, personagens, lugares e acontecimentos
retratados aqui são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com pessoas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos são reservados à autora. São expressamente proibidas a distribuição ou
reprodução de toda e qualquer parte desta obra por qualquer meio sem a prévia autorização da autora.
Plágio é crime e será denunciado.
Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.
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NOTAS DA AUTORA E AVISOS DE GATILHO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
EPÍLOGO
Primeiramente, gostaria de dizer que eu vivo todos os dias me
sentindo presa na pequena cidade onde moro. Mas, sempre que sou lida,
sinto como se chegasse cada vez mais longe. Muito obrigada por fazer parte
disso.
Espero que aprenda a amar os personagens desta história tanto
quanto eu os amo.
Observação: as datas da Stanley Cup não condizem com a
realidade.
Este livro apresenta conteúdo adulto explícito. A leitura não é
recomendada para menores de dezoito anos.
Gatilhos que podem ser encontrados: Morte, luto, aborto e
infertilidade.
Redes Sociais:
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Twitter: @ autoramilenaf
TikTok: @ autoramilenafarias
Para todos aqueles que têm sonhos
tão grandes que mal cabem
dentro de si mesmos.
Para todos aqueles que
confidenciam seus pedidos
às estrelas.
“Tudo que aprendi foi que não era a minha vez
Não era a hora certa
Algumas pessoas entram na sua vida por uma razão
Outras entram na sua vida por uma época
Mas, amor, você é uma vida inteira”
— Justin Bieber
“Tudo que você sempre sonhou
Perto o suficiente para você provar
Mas você não consegue tocar
(...) Você imagina quando, como e onde
Vai fazer acontecer, você sabe que pode
Se tiver a chance
Na sua cara, parece que as portas
Estão batendo
Agora você está se sentindo
Mais e mais frustrado”
One Step At a Time — Jordin Sparks
Ao chegar à cidade, uma das primeiras coisas que quis fazer foi
caminhar pelas ruas que, mesmo depois de tanto tempo, ainda conheceria
até de olhos vendados. Lembranças que estavam há muito tempo
adormecidas voltavam à medida que revisitava cada local.
Depois de passear pelas margens do rio Avon, continuei andando até
encontrar o parque de diversões Merry Go Round, surpresa por ele ainda
existir. Colecionava inúmeras memórias naquele lugar, e uma em especial
fez com que, involuntariamente, meu coração batesse mais forte.
Ao avistar a roda gigante do parque posicionada exatamente onde
estava há onze anos, recordei cada detalhe de um momento que seria
impossível de esquecer. Foi lá, quando nossa cabine estava no topo, que
Journey me beijou pela primeira vez.
A nostalgia que me atingiu fez com que eu desejasse poder voltar
atrás e viver tudo de uma forma diferente.
Fui dominada por milhares de pensamentos imaginando o que teria
acontecido se eu não tivesse partido. Eu poderia ter sido uma escritora
conhecida mesmo não tendo saído daqui, e ele faria de tudo para se tornar
um astro do hóquei. Tínhamos potencial para ser uma dupla e tanto.
Esse pensamento me fez sorrir, mas imediatamente o afastei. Eu parti
dessa cidade e também o seu coração. Fiquei distante por muito tempo e
não há nada que pudesse ser feito agora, não quanto a isso. Não quanto a
nós dois.
E mesmo que houvesse, não tinha ideia de onde ele poderia estar, o
que fizera da vida e se conseguira realizar seu sonho. Nunca mais procurei
por notícias, acovardada pelo medo de vê-lo feliz com outro alguém,
imaginando que poderia ter sido eu.
Enquanto me recompunha, continuei caminhando e distraindo-se
com as paisagens que havia ficado muito tempo sem admirar.
Mas, internamente, torcia para que, ao dobrar uma esquina qualquer,
esbarrasse com ele.
“Seu cabelo cresceu um pouco
Seus braços parecem um pouco mais fortes
Seus olhos são como eu me lembro
Eu nunca me preparei para um momento como este
Em um segundo tudo voltou de uma vez só
Pois depois de todos esses anos
Eu ainda sinto tudo quando você está por perto”
After All These Years – Camila Cabello
Sabe quando você quer muito uma coisa, e aí, quando ela finalmente
acontece, fica sem reação? Era exatamente o que tinha acontecido. Eu não
sabia o que fazer.
Mesmo quando Journey repetiu, ainda assim, não conseguia acreditar.
Nós caímos juntos no gelo, e ele revelou que me queria de volta e que
estava disposto a esperar até que eu estivesse pronta.
Ele me ignorou, me provocou, me perdoou. Restaurou nossa
afinidade e, então, hoje de manhã, assumiu que queria reatar nosso
relacionamento.
Eu fiquei com medo, por mais que quisesse responder na mesma hora
que também o queria de volta, e tanto quanto ele. Queria me jogar em seus
braços para não mais sair. Voltar para sua vida, tê-lo de volta na minha.
Apoiá-lo e contar com seu apoio. Estar presente sempre e em todos os
momentos e contar com sua presença também.
O que eu não queria, entretanto, era correr o risco de me machucar em
uma fase tão delicada da minha vida, quando precisava estar
completamente focada em me reconstruir.
No fim, tudo isso não passavam de meras desculpas. Estava me
acovardando diante de algo que queria muito. E, quanto mais eu pensava,
mais esse medo se tornava ínfimo, mais ele ia desaparecendo.
Katherine Cohen nunca foi uma covarde, e não era agora que
começaria a ser.
Passei a tarde inteira e o início da noite tentando me segurar, mas
bastava de desculpas esfarrapadas. Bastava de fugir do que eu mais queria.
Bastava varrer sentimentos para debaixo do tapete.
Com cada batida do meu coração fazendo-o arder, com cada uma de
todas as partes de mim e com toda a certeza, eu queria Journey Blake de
volta. E imediatamente.
Decidida a confessar isso para ele de uma vez por todas, eu me dirigi
até sua casa.
Meus batimentos cardíacos martelavam enlouquecidos. Agitados.
Ansiosos.
Ezra abriu a porta da casa dos Blake e, ao se deparar comigo do outro
lado, seu olhar demonstrou confusão.
— Oi, Ezra! Journey ainda está acordado? — As palavras saíram
atropeladas, tamanho era o meu nervosismo, a minha aflição.
Ele pareceu ainda mais confuso e, depois da minha pergunta, um
tanto desolado.
— Como assim, Katherine? Ele não te avisou? Journey voltou pra
Vancouver no início da noite.
“Deixe-me abraçá-lo pela última vez
É a última chance de sentir de novo
Mas você me machucou
Agora eu não posso sentir nada
Eu tento continuar em frente
Mas isso dói muito
Eu tento perdoar, mas isso não é o suficiente
Para tornar tudo bem
Você não pode tocar com cordas rompidas
A verdade dói, e mentiras mais ainda”
Broken Strings – James Morrison ft. Nelly Furtado
Depois que terminei de contar cada detalhe dos últimos oito anos,
chegou a vez de Natasha me deixar a par da história dela e de explicar
como foi parar em Vancouver.
— Pronto, já esmiucei toda a minha vida. Agora é com você, Nat. O
que andou fazendo nos últimos anos? Como está sua família?
— Acho que vou falar primeiro sobre eles. Meus pais finalmente se
aposentaram, compraram um trailer e estão rodando o país, já conheceram
inúmeros lugares. E meu irmão, Nathan, mudou-se com o namorado para
a Holanda... — Ela começou a contar, e eu já estava com inveja deles.
Descobri que ela veio para Vancouver pouco tempo depois que fui
embora de Stratford e estudou na Universidade da Colúmbia Britânica.
Formada em Psicologia, Natasha abriu seu próprio consultório e vinha
tornando-se cada vez mais reconhecida na sua carreira. Não houve
mudanças repentinas e caóticas como na minha vida. Ainda não estava
casada, mas namorava há dois anos com Steve, que conheceu em um café
aqui da cidade e, desde então, os dois não desgrudaram.
Ela estava tão empolgada com a minha ida ao jogo do Vancouver
Canucks que se ofereceu para ir junto, já garantindo seu ingresso no site
do time. Precisava admitir que fiquei mais tranquila ao saber que não
estaria sozinha lá.
Nós tínhamos tantos assuntos para pôr em dia que mal percebemos a
tarde passar, não sei como não nos expulsaram do restaurante. Quando
conferimos o horário, nós nos surpreendemos ao ver que já precisávamos
nos encaminhar à Rogers Arena se quiséssemos conseguir um bom lugar
na arquibancada.
Como ficava perto, decidimos ir a pé.
Mal havíamos saído do estabelecimento quando minha atenção foi
capturada por algo que fez meu coração vacilar. O ônibus do Vancouver
Canucks passou pela rua à nossa frente, também em direção à arena.
Tentei enxergar alguma coisa do lado de dentro, mas os vidros das janelas
eram bastante escuros. Journey certamente estava lá, e logo considerei a
hipótese de que ele pudesse ter me visto. Mas, afinal, quais eram as
chances? Tratei de afastar esse pensamento.
Permaneci inquieta durante o caminho, enfrentando certa dificuldade
para controlar o nervosismo.
Ao perceber isso, Natasha me deu um cutucão com o cotovelo,
pronunciando:
— Se acalma, sua boba, é apenas um jogo.
Assenti, deixando escapar uma risada nasalada. Apesar de todo o
tempo que passou, ela ainda me conhecia tão bem a ponto de decifrar o
que eu estava sentido sem que precisasse proferir uma palavra. Era um
alívio constatar que nossa amizade continuava a mesma, independente da
distância e de todo o tempo transcorrido.
Chegamos ao nosso destino, e, por um momento, eu fiquei
embasbacada. Não me recordava da imponência da Rogers Arena.
Após passarmos pelos portões, dirigimo-nos para a arquibancada e
conseguimos assentos um ao lado do outro na segunda fileira. Eu não me
importaria em sentar mais longe, mas Natasha fez questão de que
ficássemos o mais próximas possível do rinque e, consequentemente, dos
jogadores.
Derrotada, deixei que minha atenção se voltasse para o teto, onde
pendiam as jerseys do time, e logo encontrei aquela na qual estava
estampado o nome Blake, número 11.
Quase uma hora depois, os times começaram a ser apresentados.
Quando o narrador anunciou Journey Blake, a torcida explodiu em
assobios e gritos, e ouvir tantas pessoas aclamando-o era de arrepiar.
Ele adentrou o rinque sério, completamente concentrado. Seus olhos
percorreram as arquibancadas e, por um breve momento, pareciam ter me
encontrado. Journey exibiu uma expressão de surpresa, mas logo em
seguida balançou a cabeça como quem tenta espantar alguma coisa e fixou
os olhos no adversário, o Boston Bruins. Não tinha como ter certeza de
que ele me viu, e instintivamente me encolhi no assento, desejando me
esconder.
A partida finalmente começou, oferecendo-nos um conjunto frenético
de azul e preto disputando a posse do disco.
Journey patinava com ferocidade, riscando o gelo agressivamente.
Seus movimentos eram certeiros, evidenciando a perspicácia de quem
conhecia aquele jogo em todos os seus mínimos detalhes. Tão rápido
quanto um raio, tinha o olhar carregado de determinação.
Ele marcou seu primeiro ponto em pouco menos de vinte minutos. A
buzina ressoou pela arena, e na sequência começou a tocar “Holiday” do
Green Day, a música oficial dos gols do Vancouver Canucks.
Se Journey já era o jogador mais marcado pelo time adversário,
depois desse ponto isso só se intensificou. Todos iam para cima dele, que
era o centro.
Subitamente, um dos jogadores do Boston Bruins começou a avançar
em sua direção rápido demais, justamente quando Journey estava próximo
do vidro que separava o rinque da torcida, deixando-o sem opções para
tentar se esquivar.
Os dois se chocaram em um estrondo, e Journey foi de encontro ao
gelo, permanecendo lá por tempo o suficiente para me deixar nervosa. O
jogo parou e todos foram até ele, obstruindo minha visão.
Comecei a ficar preocupada, pois o choque fora visivelmente forte. O
jogador do time adversário já estava de pé, mas não havia nenhum sinal
do cabelo loiro que eu conhecia tão bem no meio de todas aquelas cabeças
reunidas em círculo.
A equipe de paramédicos adentrou o rinque carregando uma maca.
Percebendo minha aflição, Natasha se agarrou ao meu braço e passou
a nos guiar pelo meio dos torcedores até o local por onde eles
provavelmente sairiam carregando Journey.
Ficava mais apreensiva a cada minuto que se passava, torcendo para
que nada de grave tivesse acontecido. A intenção de não deixar que ele
soubesse que eu estava em Vancouver se foi pelos ares naquele instante.
Os paramédicos avançavam em direção à saída do rinque com ele em
cima da maca, e conseguimos chegar perto o suficiente.
— Journey! — gritei, na expectativa de ser ouvida.
Quando enfim o avistei, descobri que outra pessoa conseguiu se
aproximar mais do que eu. Outra mulher.
Journey parecia vasculhar ao redor com os olhos, como se estivesse
procurando por alguma coisa, e tive um lampejo de esperança de que ele
pudesse ter me escutado. Finalmente seu olhar encontrou o meu, mas a
expressão que exibia era de confusão. E, naquele exato momento, a outra
mulher enunciou:
— Não se preocupe, Journey, vai dar tudo certo. Estou aqui, meu
bem.
Ele a encarou, surpreso. Eu recebi o baque daquela frase, atordoada.
Estagnei onde estava, incapaz de continuar acompanhando os
paramédicos que conduziam a maca. Sem dúvidas aquela mulher era um
tanto quanto próxima de Journey.
Segui pisando duro na direção contrária, avançando para a saída da
arena.
Não queria me sentir daquela forma. Não queria me importar como eu
me importava. E o que eu mais odiava, dentre todas as coisas odiáveis, era
sentir ciúme de alguém que sequer era meu. Isso beirava o ridículo. Eu me
sentia ridícula por ter ido até lá, por tê-lo deixado me ver. E, embora não
conseguisse afastar a preocupação, também me sentia patética por ela.
Natasha apanhou meu braço para fazer com que eu parasse e, quando
cedi, perguntou cautelosamente:
— Você sabe quem é ela, Kath?
— Não sei, e não deveria me importar com isso.
— Pois eu acho importante que você saiba. Aquela é Candice Kinslet,
a ex-namorada de Journey.
Perdoar. Essa nunca foi uma tarefa fácil para mim. Sempre acabava
escolhendo o caminho do rancor, da raiva, daquilo que alimentava o ódio.
Assim era mais simples, só enxergava a culpa no outro, nunca em
mim mesmo. Delegava ao outro a responsabilidade do que eu estava
sentindo, como se, dessa forma, pudesse me manter alheio, me eximir de
enfrentar as questões mais complexas.
No entanto, isso era completamente errôneo. Completamente inútil.
Cultivar esses sentimentos ruins não os faria passar, não tornaria as coisas
menos complicadas, não me faria melhorar. Só faria mal a mim mesmo.
Só me puxaria mais e mais para o fundo do poço.
Finalmente podia dizer que abri meus olhos e me dispus a enxergar
essa verdade. Estava comprometido em aprender a perdoar, enfim.
Essa era mais uma das coisas que Katherine me ensinou. Além de me
inspirar a deixar de ser um covarde para correr atrás dos meus sonhos na
época, agora ela me mostrou que, sem o perdão, a vida não vai a diante.
Sem o perdão, não conseguimos seguir em frente. Não de verdade.
E mesmo ciente dos meus motivos infantis e de que na verdade não
havia o que ser perdoado, pois ela estava apenas seguindo o que seu
coração e todos os seus instintos mandavam-na fazer, eu a perdoei por
todas as coisas que me levaram a pensar que eu deveria me vingar. As
quais achei que não poderia me deixar esquecer nem por um segundo.
Eu não deveria ter mantido esse rancor comigo por tanto tempo. Por
tempo nenhum, para ser sincero. Agora eu conseguia entender.
A parte mais difícil no meio de tudo isso, entretanto, seria perdoar a
mim mesmo. Principalmente se Katherine não conseguisse fazê-lo.
Se ela me perdoasse, se conseguisse imaginar um futuro comigo de
novo, então essa seria uma tarefa um tanto mais fácil.
Porém, se ela não desejasse mais ficar comigo, se não me quisesse de
volta tanto quanto eu a queria, não tinha certeza de que seria capaz de me
absolver dos meus próprios pecados.
Eu sempre quis enxergar o lado bom das pessoas. Acreditar que elas
poderiam mudar, se transformar, evoluir. Mesmo aquelas que me
machucaram. Não me colocava na posição de julgá-las quando também
era alguém que cometia inúmeros erros. Alguém cheio de falhas.
Ainda não sabia o que pensar quanto a Journey, se deveria lhe dar o
benefício da dúvida, a chance de provar que agora, enfim, estava sendo
verdadeiro, ou se reforçava as barreiras ao redor de mim para repeli-lo.
Entretanto, sabia bem que tentar mantê-lo afastado não funcionaria.
Não quando meu corpo reagia daquela forma a ele. Não se ele realmente
me quisesse de volta e estivesse disposto a fazer de tudo por isso. Não
quando estava tentadoramente perto. Mais especificamente, na casa ao
lado.
Katherine Cohen,
Primeiramente, desculpe-nos por não termos dito nada, mas essa era
justamente para ser uma surpresa.
Atualmente você já conta com um bom público, o qual vem
acompanhando seu blog assiduamente.
Sendo assim, pensamos em uma forma de te aproximar desses
leitores, para que eles se sintam ainda mais conectados a você,
aproveitando, também, para divulgar o livro que iremos publicar.
O banner que enviamos é para que fique mais fácil para você
visualizar a nossa ideia. As partes da data, horário e local ainda estão em
branco pois essas coisas precisam ser definidas.
Se estiver de acordo, podemos começar a anunciar que o evento irá
acontecer, bem como acompanhar o interesse que vai ser despertado em
seu público.
Gostando do que planejamos, entre em contato e deixe-nos saber.
Atenciosamente,
Editora Stevia.
Estava tomando café da tarde com meus pais quando ouvi o celular
tocar.
Apesar de ser final de semana, quem ligava era minha editora chefe.
— Olá, Verônica!
— Boa tarde, Katherine! Desculpe por ligar em um domingo, mas
precisamos conversar sobre o evento com seus leitores. Gostaria de saber
se você estaria disponível para que o realizássemos já nas próximas
semanas. Ainda não temos uma data definida, mas não tardaria a
acontecer. O que me diz?
— Não tem problema nenhum, estou disponível para qualquer dia em
que decidam fazê-lo. E ansiosa, também. Quanto antes, melhor!
— Maravilha! Nos vemos daqui a algumas semanas, então. Já vamos
correr atrás dos preparativos por aqui.
Várias pessoas vinham enviando mensagens no blog questionando se
já possuíamos uma data para a realização do evento. Era um alívio saber
que, em breve, disporia de todas as informações para repassar para elas.
Contei aos meus pais sobre a proximidade da nova viagem a Toronto
para o encontro com os meus leitores.
Eles ficaram radiantes, tanto quanto eu estava.
— Lembro de você escrevendo seus primeiros livros à mão quando
ainda estava no ensino fundamental... Parece que foi ontem. Você merece
tudo isso, filha, merece demais! — declarou meu pai, nostálgico.
Eu também me recordava da pequena Katherine se aventurando em
rabiscar histórias nas folhas dos cadernos da escola.
Se ao menos ela soubesse...
À noite, meu celular tocou novamente. Não foi surpresa ver que era
Journey. Trocamos nossos números durante os “encontros da vingança”.
— Oi, Kath! Escuta, preciso te pedir um favor...
Congelei, imaginando que aquilo levaria a uma situação na qual seria
difícil manter meu autocontrole.
— Pode falar.
— O senhor Salvatore soube que eu estou novamente na cidade e me
convidou para conversar com os seus alunos na escola, só que eu ainda
não posso dirigir. Por acaso você poderia me levar e ficar comigo lá?
Usaríamos o carro dos meus pais, claro.
Ele poderia ter pedido isso a Ezra, seu pai, sua mãe... qualquer um
deles. Aquilo era um pretexto um tanto óbvio para nos vermos de novo.
Entretanto, eu não queria recusar. Fiquei com vontade de ir com ele.
— Eu, dirigindo uma Range Rover? Estou dentro!
Conseguia imaginar o tamanho do seu sorriso do outro lado da linha.
— É sério? Você vai mesmo? — Ele pareceu realmente surpreso, mas
não me deu tempo de responder ou de voltar atrás. — Pode vir aqui em
casa pelas três da tarde — prosseguiu rapidamente.
— Combinado!
Se havia qualquer barreira tentando se construir, eu a estava
ignorando conscientemente.
Aos poucos, voltava a restaurar a confiança em Journey. Aos poucos,
cogitava me deixar levar.
No fundo eu sabia que, uma hora ou outra, meu corpo ficaria farto de
esperar e desejaria experimentar todas aquelas sensações de novo. Meu
corpo me faria ceder, se eu não o fizesse antes.
Eu sabia que ele estava lá, esperando para me ter de volta. Sabia o
que ele queria. Em algum momento, teria que me decidir.
Era inevitável.
“Eu preciso da sua graça para me lembrar
Para encontrar a minha própria
Tudo que eu sou, tudo que já fui
Está aqui nos seus olhos perfeitos
Eles são tudo o que consigo ver
Apenas sei que essas coisas jamais mudarão para nós
Se eu me deitar aqui, se eu simplesmente me deitar aqui
Você se deitaria comigo e esqueceria do mundo?”
Chasing Cars – Snow Patrol
Acordar.
Caminhar.
Escrever.
Era a isso que meus dias se resumiam. Era essa a rotina que eu mais
apreciava e que, por muito tempo, pude apenas sonhar em ter.
O bloqueio criativo que estava enfrentando quando retornei a
Stratford se foi por completo. As palavras fluíam soltas, livres, como que
por conta própria.
Isso só se amplificou quando Verônica me ligou, animada, contando
que o formulário disponibilizado para os leitores reservarem suas vagas
para o evento vinha sendo acessado freneticamente. Já havia incontáveis
preenchimentos.
Era real.
O livro que eu estava escrevendo tinha uma editora e pessoas
esperando ansiosas por ele.
Eu seria lida. Minhas palavras estariam presentes na vida de inúmeros
leitores que eu sequer sabia que existiam, mas eles me conheceriam.
Saberiam meu nome. Enquanto dedicassem seu tempo a ler o que escrevi,
eu estaria lá, interferindo indiretamente nas suas vidas.
Era absolutamente tudo o que eu sempre quis.
Naquela segunda-feira, logo após o almoço, liguei para Natasha.
Contei sobre o evento e ela avisou que já havia confirmado presença e
reservado seu lugar.
Aproveitei, também, para desabafar sobre os últimos dias e seus
acontecimentos, pedindo sua opinião.
— Sinceramente, Kath? Acho difícil que esse raio do qual você tem
tanto medo caia duas vezes no mesmo lugar. Aliás, Journey nem teria
como ir embora agora, não até se curar completamente da lesão. Então,
assim, acho que você deveria fazer o que sempre fez, que é obedecer ao
seu coração. E nós duas sabemos muito bem o que ele quer que você faça.
E, mais uma vez, para não perder o costume, Natasha tinha razão.
Acordar.
Caminhar brevemente pelo bairro.
Fisioterapia.
Minha rotina forçada das últimas semanas.
Mais um dia longe do time, dos treinos, daquilo que me era
costumeiro. Dos meus hábitos de verdade.
No entanto, soava até engraçado o quanto eu queria ir embora de
Stratford e, ao mesmo tempo, o tanto que queria ficar.
Ansiava por voltar a jogar, assim como ansiava por convencer
Katherine de que merecia tê-la de volta.
Antes, eu duelava comigo mesmo, uma parte odiando-a e a outra
parte querendo segurá-la em meus braços para não mais soltar.
Agora, duelava com o tempo, torcendo para que ele fosse o suficiente
para reconquistá-la.
Quando anoiteceu, Natasha veio à minha casa para irmos juntas à dos
Blake.
Logo percebi o quanto ela aparentava estar nervosa.
— Nat, pode relaxar. É só um jantar e um jogo de hóquei.
— Eu sei... Nem eu consigo entender por que estou tão ansiosa.
Depois que ela respirou fundo algumas vezes, nos encaminhamos
para a casa ao lado.
Ao chegarmos, Jeremiah atendeu à porta.
— Sejam bem-vindas, meninas. Quanto mais torcida, melhor! —
cumprimentou, animado. — Natasha, quanto tempo! Fico muito feliz de te
ver por aqui de novo.
— Digo o mesmo! — respondeu ela, visivelmente mais tranquila
depois dessa recepção.
Journey veio ao meu encontro, me abraçando, e Ezra foi prontamente
recepcionar Natasha.
— Nossa, essa visão de vocês quatro juntos faz parecer que o tempo
não passou... Como se ainda estivessem no ensino médio. — Pilar
divagou, nostálgica.
Eu não poderia concordar mais. Naquele momento, foi como se todos
aqueles anos não tivessem discorrido.
Ezra e Natasha logo engataram uma conversa como se fossem
próximos há muito tempo.
Journey me lançou um olhar sugestivo, ao qual retribuí. Mas
permanecemos calados, como se compartilhássemos um segredo.
O jantar foi um tanto atribulado, no melhor dos sentidos. Todos
disputavam a atenção, recordando de inúmeros acontecimentos do passado
e rindo daquelas lembranças.
Quando chegou a hora, fomos até a sala para assistirmos ao
Vancouver Canucks.
A noite do jogo não era brincadeira, todos vestiram suas jerseys azuis,
e a bandeira do time foi pendurada abaixo da televisão.
Journey sentou ao meu lado no sofá, esticando seu braço por cima dos
meus ombros.
Não parava de mexer uma das pernas, gesto que denunciava seu
nervosismo.
No primeiro tempo de vinte minutos, a partida sucedeu sem pontos.
Journey estava excepcionalmente quieto e tenso.
Já no segundo, o adversário Montreal Canadiens pontuou, e todos
xingaram em uníssono.
Finalmente, no terceiro e último tempo, o Vancouver Canucks
conseguiu empatar. A buzina ressoou na arena e, logo na sequência, a
música Holiday, a oficial dos pontos do time, começou a tocar.
Todos comemoraram, eufóricos. Com exceção de Journey, que exibiu
apenas um sorriso contido, pois continuava apreensivo.
Houve um acréscimo de cinco minutos para o desempate. A primeira
equipe que pontuasse levaria a vitória.
Por sorte, foi o nosso time.
No geral, o Canucks não fez um jogo ruim, mas não chegou nem
perto de atingir o resultado que se esperava.
Journey ficou bastante decepcionado. Ele queria estar lá com o time,
brigando por uma pontuação melhor na Stanley Cup.
— Ei, fica tranquilo. Vai dar tudo certo. Logo você vai estar lá,
acertando vários discos dentro das goleiras adversárias.
Outro sorriso fraco despontou em seus lábios.
— Obrigado por dizer o que eu precisava ouvir, Kath. É verdade que
não vejo a hora de voltar a jogar, mas, por outro lado, também não posso
mentir... Estar perto de você tem sido incrível, e amenizou muito a
frustração que senti por estar parado durante a competição. Cada minuto
aqui, ao seu lado, tem valido a pena.
Ao ouvir isso, automaticamente abri um sorriso. Um daqueles de
orelha a orelha. Journey me puxou para mais perto e depositou um beijo
no topo da minha cabeça.
Prestando atenção à cena, Pilar e Jeremiah informaram que já
estavam indo dormir, e Ezra e Natasha se encaminharam para a cozinha,
deixando-nos a sós.
Permanecemos em silêncio por um tempo, plenamente confortáveis e
imersos naquele momento. Os dedos de Journey brincavam com meu
cabelo distraidamente.
Ele, então, se remexeu no sofá, ajeitando a postura. Escorou os
cotovelos nas pernas e uniu suas mãos. Em seguida, limpou a garganta e
me dirigiu um olhar preocupado.
Por mais que Katherine tivesse dito que estava tudo bem, alguma
coisa insistia em me incomodar.
Quando mencionei minhas expectativas sobre o futuro, eu esperava
que seus olhos fossem brilhar, que isso a faria sorrir. No entanto, seus
olhos ficaram opacos, distantes.
Ela não complementou minha fala como sempre fazia na época, rindo
e divagando sobre essas imaginações junto comigo. Nossos planos
destoaram completamente quando ela foi embora.
Antes disso, eles traçavam a mesma linha. Estavam em sintonia.
Eu não queria me precipitar, não queria pressioná-la, mas não
conseguia evitar pensar no que poderia estar errado. Não conseguia evitar
cogitar que, assim como seus planos mudaram drasticamente no passado,
poderiam mudar agora, também.
Eu só conseguia visualizar um futuro que fosse ao lado dela, e temia
que Katherine, em contrapartida, não o fizesse.
A última coisa que queria era interromper aquele momento de paz em
que nos encontrávamos, mas eu tinha que ter certeza de que não precisava
me preocupar.
Pela manhã, apesar dos protestos sonolentos de Journey, fui para casa
assim que acordamos, como a covarde que sou.
Estava extremamente arrependida pelo que fiz no passado por causa
do medo e aqui estava, mais uma vez, permitindo que ele me dominasse,
temerosa de que Journey quisesse retomar a conversa que iniciou na noite
passada, e de que dessa vez eu não tivesse escapatória.
Depois de me exercitar, passei o restante da manhã escrevendo. Ao
menos na ficção minha personagem poderia refazer algumas coisas da
forma certa.
Na ficção, ela voltaria para se despedir do amigo.
Mais tarde, fui interrompida por uma ligação de Natasha, que logo me
cercou de perguntas:
— Será que os Blake gostaram de mim? Acha que existe alguma
possibilidade de Ezra e eu termos algo?
— Seria impossível eles não gostarem de você, Nat. E quanto a
Ezra... Como você realmente se sentiria se houvesse essa possibilidade?
Acha que estaria preparada para encarar um novo relacionamento logo
depois de terminar com Steve? — Meu tom não era inquisitivo, era terno.
Não queria que ela se machucasse.
— Eu agradeço a sua preocupação, Kath, de verdade, mas te asseguro
de que ela não é necessária. Lembra de como eu sempre desapegava
rápido nos tempos de escola? Continuo a mesma nesse quesito. E como
falei, o término aconteceu já tem um tempinho, não é tão recente assim...
Estou me sentindo livre como nunca e não quero desperdiçar nenhuma
nova oportunidade que a vida me oferecer.
— Bom, sendo assim, fico muito feliz em ouvir isso. Quando vejo
vocês dois juntos, sinceramente, acho que combinam. Até parece que são
próximos um do outro há muito tempo.
— Ainda não aconteceu nada demais entre nós dois, mas sinto uma
energia tão boa quando estamos juntos... Sei lá, acho que agora é só
questão de tempo, sabe? Será que nós duas desenvolvemos uma queda por
relacionamentos que terão que ser mantidos a distância?
— Seria cômico se não fosse trágico...
Eu ficava inquieta só de lembrar que, em breve, Journey voltaria para
Vancouver e ainda não sabíamos como funcionaria a logística da nossa
relação. Só esperava que ficássemos longe um do outro pelo mínimo de
tempo possível.
Quando encerramos a ligação, ouvi a melodia da campainha
ressoando. A essa altura, já estava devidamente acostumada àquele som.
Entretanto, dessa vez, minha mãe não gritou me chamando do andar
de baixo, ela veio até o meu quarto.
— Hm, Katherine... Tem alguém na varanda pedindo por você —
informou, séria.
Ela dificilmente usava aquele tom, o que logo me alarmou.
— Quem é, mãe?
— Acho melhor descer e ver por si mesma.
Com a curiosidade e a apreensão inevitavelmente atiçadas, desci as
escadas e, ao me dirigir até a varanda, levei um susto.
De fato, aquela não era uma visita que eu esperaria.
— Olá, Katherine — cumprimentou Francis, parado diante de mim.
— Quanto tempo!
Engoli secamente, perturbada pela sua aparição repentina.
Estudei o homem com quem havia me relacionado por anos, e,
deixando a perturbação de lado, desfrutei da sensação de constatar que,
sem sombra de dúvida, não restara nem um resquício de sentimento por
ele.
Era até curioso como eu não senti sua falta em momento algum.
— Oi, Francis. Confesso que estou um tanto quanto surpresa.
Honestamente, não achei que voltaríamos a nos ver.
— Posso imaginar. Mas é que... Será que podemos conversar um
pouco a sós? — questionou, olhando na direção de minha mãe, parada
perto das escadas.
— Tudo bem — concordei, ainda que um pouco relutante, fechando a
porta atrás de mim e me juntando a ele na varanda.
Não era uma boa ideia correr o risco de ser vista com ele ali, mas
acredito que seria pior deixá-lo entrar na casa. Eu mal havia fechado a
porta e ele se aproximou subitamente, me abraçando.
— O que significa isso? — O afastei, incrédula.
— Desculpe-me, é que eu senti muito a sua falta. Ainda não fui capaz
de entender por que foi embora. A verdade é que não estou conseguindo te
esquecer, Katherine. — Seu olhar caiu em desalento.
Respirei fundo, escolhendo cuidadosamente as minhas próximas
palavras.
— Olha, Francis, eu sinto muito, está bem? Em nenhum momento
quis te magoar. Mas você está bem ciente de que não sinto o mesmo que
sente por mim. Isso jamais daria certo, eu jamais seria o que você
precisava que eu fosse. Nós não progredimos juntos, não avançamos na
vida. Somos muito melhores separados.
— Mas será que não poderíamos tentar, ao menos mais uma vez?
Será que não poderia, por favor, pensar a respeito? Considere dar uma
nova chance a nós dois — suplicou Francis. — E, além disso, você não
combina com este lugar. Katherine Cohen pertence à cidade grande.
Precisei respirar fundo pela segunda vez em questão de poucos
minutos.
— Eu não quero ser grossa... Mas não tem o que considerar, Francis.
Acabou, e há muito tempo. Bem antes de eu terminar com você, aliás, já
não estávamos mais dando certo. Nós tentamos por anos e não adiantou.
Por favor, aceite isso. E tem mais uma coisa: você não me conhece de
verdade para opinar sobre onde eu pertenço, ou qual o meu lugar.
Lágrimas brotaram nos olhos de Francis enquanto me ouvia falar.
Cada frase minha deveria estar sendo como um soco no estômago para
ele. Eu detestava ter que ser dura e fria daquele jeito, mas se fosse mais
gentil, ele não entenderia o recado de uma vez por todas.
— É muito difícil ouvir isso, Katherine. Ainda mais enquanto você
olha dentro dos meus olhos ao falar, porque dói perceber que está sendo
sincera. Bom, eu precisava tentar... — Ele suspirou, dando de ombros. —
Então não há mais nada que eu possa fazer, não é? Ao menos permita que
eu te dê um último abraço...
Seu pedido, a princípio, me retesou. No entanto, pensei que ele
pudesse precisar disso para conseguir se desligar de mim, enfim. Como se
fizesse parte do ritual de um adeus definitivo.
— Encare essa como nossa despedida, Francis. É nosso último
abraço.
Em questão segundos ele se aproximou e me envolveu com seus
braços, me segurando como alguém que tem plena consciência de que está
fazendo isso pela última vez.
Seu toque não me despertava sentimento algum. Nosso ciclo já havia
se encerrado há muito tempo para mim.
Esperava que, finalmente, se encerrasse para ele também.
Hoje pela manhã Katherine não ficou para tomar café. Ao acordar,
apesar das minhas tentativas de fazê-la ficar, ela foi embora.
Isso me deixava ainda mais preocupado. Eu só conseguia pensar que
ela provavelmente estava tentando evitar a conversa iniciada na noite
anterior, aquela na qual fomos interrompidos. Ou pior, tentando evitar a
mim.
A agonia se tornava minha companheira fiel quando as coisas não
estavam indo completamente bem, quando havia uma tensão que
precisava ser resolvida e tudo acontecia de modo a atrasar isso.
Katherine também aparentava não estar confortável com essa
situação, e isso só tornaria a nos distanciar, quando tudo que eu mais
queria era aproveitar esses dias passando o máximo de tempo possível
com ela.
Decidi, então, que era hora de resolver esse impasse de uma vez por
todas.
Comecei a me encaminhar para a casa de Katherine com a intenção
de continuar o assunto que não pôde ser concluído.
Porém, quando eu mal havia pisado para fora de casa, já vi algo que
fez meu estômago embrulhar.
Havia um homem que não reconheci parado na varanda dos Cohen, e
ele olhava fixamente para dentro, provavelmente encarando alguém. Essa
hipótese automaticamente me deixou tenso.
Logo na sequência Katherine saiu da casa, parando na frente dele.
Meus sentidos entraram em estado de alerta, mas como não fazia ideia de
quem era ele, resolvi apenas observar.
O homem tomou Katherine em um abraço assim que ela fechou a
porta atrás de si, e senti meu coração vacilar. Ela imediatamente o afastou,
o que me tranquilizou no mesmo instante. Entretanto, precisei de muito
autocontrole para não ir até lá.
O homem estava visivelmente abalado, exibindo uma feição triste. Já
ela demonstrou uma expressão de compreensão no início da conversa, que
depois se transformou em impaciência, como uma mãe que precisa
explicar várias vezes a mesma coisa para o filho que insiste em fazer birra.
Ao notar a menção de um movimento, congelei.
Os ombros dela, por fim, relaxaram, e ele a abraçou veementemente.
Meu estômago embrulhou ainda mais, e, ansiando por me afastar
daquela cena o quanto antes, voltei para dentro de casa.
Ver aquele homem perto dela, mesmo não sabendo quem era, ou
justamente por isso, me deixou ainda mais frustrado do que eu já estava.
Refreei meus passos ao ver que Journey estava na frente de sua casa,
e acompanhado.
Aparentemente, nós dois fazíamos parte do roteiro de despedidas de
Candice.
Eu não sabia se voltava para casa, se ficava parada ali ou se
continuava me aproximando de onde eles estavam.
Meus pés, no entanto, pareceram travar no lugar.
Surpreendendo a nós três, uma luz surgiu repentinamente, seguida de
barulhos incômodos e constantes.
Ao virar para a direção de onde vinham, descobri que havia três
homens com suas câmeras apontadas na direção de Journey e Candice.
Querido Journey,
Na última vez em que nos vimos, quando tentei te beijar sem o seu
consentimento, eu lhe disse que você não iria se livrar de mim. E, de fato,
estava determinada a te perturbar. Como você não queria mais ser meu,
não deixaria que fosse de mais ninguém. Mas aquela ação impulsiva foi
tremendamente errada.
E, no meio de tudo isso, fiquei sabendo que você e Katherine estavam
juntos novamente. Cheguei até a vê-los pela cidade algumas vezes e,
mesmo de longe, não foi difícil notar o quanto estavam felizes.
Finalmente entendi que minhas tentativas seriam em vão, pois não há
como dar continuidade a uma história que foi finalizada há muito tempo.
Na qual já havia sido colocado um ponto final, mesmo que contra minha
vontade.
Doeu quando compreendi que, na verdade, você nunca foi meu, nem
ao menos uma mísera parte sua foi verdadeiramente minha. Katherine
sempre esteve presente em seus pensamentos e até mesmo em seus sonhos,
coisa que talvez você nem saiba. Cansei de acordar ouvindo-o chamar
pelo nome dela no meio da noite. Ela foi e sempre seria a “sua pessoa”,
com quem você se imaginava casando, construindo uma família e
passando o resto da vida ao lado. Eu era apenas alguém com quem
ocupar o tempo para te distrair da ausência dela. Você nunca a esqueceu.
Doeu, também, quando entendi que não havia nada que eu pudesse
fazer, porque eu simplesmente jamais seria Katherine Cohen.
Depois de tantos anos, por fim, eu me conformei.
Nosso filho não teria crescido em uma família feliz, não seria criado
por pais que se amavam de verdade. Mas ainda dói olhar para os
pertences que seriam dele, então estou repassando-os para você.
Eu superei essa parte da minha vida e estou, de uma vez por todas,
deixando-a para trás, no passado, que é onde deve ficar. Pode fazer o que
quiser com todas essas coisas.
Essa é a minha despedida de você, Journey Blake.
Mas eu ainda preciso de uma última vez nos holofotes, como, a essa
altura, lendo a carta, você já deve ter descoberto.
Adeus,
Candice Kinslet.
Por mais que estivesse cansada, acordei cedo no domingo para assistir
à corrida da Fórmula 1 na grande televisão da recepção do hotel e, com
medo de perder a largada, acabei pulando o café da manhã.
Christopher vinha se mantendo na segunda posição, esperando o
momento de abrir a asa móvel para tentar ultrapassar o líder.
Notei quando dois entregadores com o uniforme de uma
transportadora adentraram o saguão carregando um pacote não muito
grande.
— Com licença — Pararam em frente ao balcão de atendimento. —
Temos uma encomenda endereçada à senhorita Katherine Cohen, que está
hospedada neste hotel. — Os ouvi anunciar.
Pasma, ponderei se escutei direito ou se podia ter me confundido.
Resolvi prestar atenção à conversa para ter certeza. Afinal, eu não tinha
encomendado nada.
— Por gentileza, poderia repetir o nome? — pediu o recepcionista.
— Claro, é Katherine Cohen. Katherine com “K” e Cohen com “C”.
Não restava mais dúvida alguma.
Levantei-me do sofá na mesma hora, avançando na direção deles com
a curiosidade plenamente apurada.
— Uma entrega para mim? E mandaram aqui para o hotel? — Não
sei se minha pergunta foi direcionada mais a eles ou a mim mesma,
desacreditada do que estava acontecendo.
Eram pouquíssimas as pessoas que sabiam onde eu estava
hospedada.
— Nossa, essa foi fácil! — Um dos dois comemorou.
— Você é Katherine Cohen? — o outro indagou.
— A própria — afirmei.
Eles ainda aguardaram o recepcionista averiguar as informações do
quarto para ver se batiam com o destinatário. Quando ele confirmou, os
entregadores solicitaram que eu assinasse o comprovante de entrega e,
enfim, me alcançaram o pacote.
Ansiosa para abrir, voltei rapidamente até o sofá.
Verifiquei o remetente: Vancouver.
Journey, só podia ser. E fazia todo sentido, pois ele perguntou o
endereço do hotel.
Ainda mais instigada a descobrir qual era o conteúdo dentro daquela
caixa, rasguei a embalagem sem muito cuidado, até conseguir abri-la.
Bem em cima havia um cartão postal da cidade e, no verso, algumas
palavras redigidas à mão.
Mal posso esperar para te ver de novo. Imagino o quanto ficará linda
vestindo isso.
Até logo, do seu
Journey Blake.
Natasha chegou ao The Ritz quase uma hora depois da nossa ligação,
logo me entregando o jornal para que eu pudesse ler a entrevista na qual
falei sobre a retomada do meu blog e, principalmente, sobre o livro que
estava escrevendo.
Como ela havia dito, a matéria ficou realmente ótima, e guardei
aquela página no meu quarto sabendo que, muito provavelmente, a
colocaria junto dos recortes que fiz no passado todas as vezes em que
apareci nas mídias impressas. Possuía um apego sentimental por isso.
Conforme o combinado, aproveitamos aquela tarde passeando por
Toronto.
Como meu hotel tinha uma localização excelente, pudemos ir
caminhando para os lugares que queríamos visitar, os quais eram bem
próximos um do outro.
Começamos pelo estádio de beisebol Rogers Centre, e de lá fomos
para a CN Tower, um dos símbolos mais marcantes dos cartões postais da
cidade. Por fim, visitamos o Toronto Railway Museum, que ilustrava a
história da ferrovia.
Nós não falamos sobre nenhum assunto pesado durante os passeios.
Permanecemos sob uma redoma de leveza e descontração.
Quando o entardecer anunciou sua chegada, nos encaminhamos para
o Real Sports Bar, que se localizava dentro do complexo da Air Canada
Centre, planejando ficar por lá até o horário de entrar na arena.
Aquele estabelecimento era muito maior do que parecia pelo lado de
fora, dispondo de um amplo salão e até de mezaninos. O ambiente interno
já estava escurecido, destacando as luzes de led azuis, cor do Toronto
Maple Leafs.
Aliás, como praticamente todos os frequentadores do local torciam
para o time adversário, deixei minha jersey do Canucks dentro da bolsa.
Conseguimos uma mesa no primeiro andar, bem em frente à tela
gigantesca exposta na parede principal do bar.
Um garçom se aproximou para anotar nossos pedidos.
Natasha escolheu hambúrguer com batatas fritas, enquanto eu apenas
uma garrafa de água.
— Você não vai se alimentar? — indagou, receosa.
— Acho que não vou conseguir comer nada agora. Estou começando
a ficar nervosa.
Começando, não. Já estava.
Tanto pela saudade que sentia de Journey e pela ansiedade em revê-
lo, quanto pelo assunto inacabado que possuíamos. Pela revelação que eu
ainda precisava fazer. Além disso, ainda não havíamos discutido sobre a
logística do nosso relacionamento, pois, depois de hoje, não sabia quando
voltaríamos a nos ver.
Eu retornaria para Stratofrd. Ele, para Vancouver e para onde mais os
jogos do restante da temporada o levassem.
— Espero que ao menos tenha tomado um café da manhã bem
reforçado, então — retrucou Natasha.
Assenti, omitindo o fato de que, na verdade, nem o tinha tomado.
— Senti sua ausência nos últimos dias, Nat, mas aconteceram tantas
coisas ao mesmo tempo que acabei esquecendo de te chamar pra
conversar. — Troquei de assunto.
— Eu sei, também senti a sua. Desculpe pela minha distância. Acabei
ficando meio ocupada.
— Ah, sim. Até imagino como... Ou melhor, com quem.
Ela sorriu timidamente.
— Então, esperei até ter certeza absoluta para contar... Agora, sim,
está rolando.
— Você e Ezra? Mesmo?
— Mesmo.
— Isso faz de nós, além de melhores amigas, concunhadas? —
Abafei uma risada.
— Acredito que sim.
Seus olhos sorriam junto com a boca.
— Qual sua opinião sobre isso?
— Ué, Nat, nenhuma. Se você estiver feliz, eu estarei feliz. E
torcendo para que dê tudo certo.
— Muito obrigada, Kath. É um alívio ouvir isso, confesso que estava
com um pouco de medo da sua reação. Mas enfim... Entre você e Journey
também está tudo bem, né?
Soltei um suspiro desolado, deixando-a alarmada.
— Aconteceu alguma coisa?
— Você não faz ideia...
Então passei a contar sobre a gravidez interrompida de Candice, sua
despedida, a carta e a cena com os fotógrafos. Contei que evitei Journey
até ter que lhe avisar sobre a viagem repentina e sobre como não tocamos
mais naquele assunto.
Natasha ficou boquiaberta.
— Caramba, eu não fazia ideia! E você teve que ouvir todas aquelas
coisas depois de ter passado por aquilo... Nem consigo imaginar o quanto
deve ter sido difícil.
— Nem tente, melhor se poupar disso.
— E Journey ainda não sabe?
Respirei profundamente mais uma vez.
— Ainda não.
Chegando perto do início do jogo, nos encaminhamos para o lado de
dentro da arena, e voltei a vestir minha jersey especialmente personalizada
do Vancouver Canucks.
Na Air Canada Centre, bandeiras pendiam do telhado com os
sobrenomes, números e rostos dos jogadores do Leafs. Eles, por sinal,
estavam mesmo adentrando o rinque para o aquecimento, riscando o gelo
por cima da folha de plátanos que era o símbolo do time, estampada no
centro da pista.
Logo depois, foi a vez dos Canucks.
Como a cor predominante do time da casa também era azul, dessa vez
Journey e os outros jogadores vestiram o uniforme branco.
Um pouco antes de começar a se aquecer, ele me procurou no meio
dos torcedores, e não deve ter sido difícil me encontrar, pois eu acenava
freneticamente para chamar a sua atenção.
Depois que ambos os times tinham aquecido, eles entraram um após o
outro no rinque, patinando para lados opostos.
O jogo começou pontualmente. As equipes se posicionaram frente a
frente, e o árbitro jogou o disco para o primeiro face-off.
Deu-se início, assim, à disputa incessante pela sua posse, que
discorreria até o final da partida.
Journey ainda não estava jogando, provavelmente em consequência
do tempo que passou fora e da falta de treino.
O Vancouver Canucks dominava o jogo no começo. Um pouco
depois, porém, o adversário alcançou o mesmo nível, e a situação
começou a ficar mais difícil.
Para atiçar nosso nervosismo, o Toronto Maple Leafs marcou seu
primeiro ponto. A buzina ressoou, e “You Make My Dreams”, o rock
clássico de Hall & Oates, tocou na sequência. Essa era a música tema dos
gols deles.
Após quinze minutos de intervalo, nosso time retornou para o
segundo tempo visivelmente mais enérgico e com sede de vitória.
Confirmando isso e apaziguando os ânimos, o Vancouver Canucks
pontuou após algumas tentativas, e foi a vez de ouvirmos “Holiday”, do
Green Day, repercutir pela arena.
No entanto, não foi Journey quem marcou o ponto, pois ele ainda não
estava dentro do rinque.
Finalmente, quando os jogadores patinaram de volta à pista para o
terceiro e último tempo, vi que ele estava no meio deles.
Seu ritmo não era o mesmo do último jogo que assisti, mas isso já era
esperado depois de semanas fora da sua rotina.
No entanto, ele foi mantido na sua posição usual de centro.
Perto dos minutos finais, com a partida ainda empatada, o ala-
esquerda roubou a posse do disco e o lançou para Journey, que já estava
estrategicamente posicionado.
Com uma tacada rápida e habilidosa, ele o arremessou contra a
goleira adversária.
Após semanas longe dos jogos, dos rinques e do time, no seu tão
aguardado retorno à temporada, Journey Blake marcou o seu ponto. Ele
estava oficialmente de volta.
A torcida do Leafs silenciou, enquanto a do Canucks explodiu em
comemoração. Ouvimos Holiday tocar novamente e, dessa vez, Natasha e
eu até dançamos no ritmo de sua melodia, tamanha era nossa euforia.
Depois de comemorar merecidamente com o time, Journey se
aproximou do vidro que separava o rinque das arquibancadas, olhando
fixamente na minha direção.
Ele apontou o dedo para mim, movendo os lábios lentamente até
terminar de formular a frase esse eu marquei pra você.
Um arrepio me subiu pela espinha e percorreu todo o meu corpo.
Eu sentia como se as batidas do meu coração estivessem mais
estrondosas do que os torcedores.
Exibi um sorriso escancarado de orelha a orelha em resposta,
sibilando eu te amo logo em seguida.
Todos voltaram às suas posições para recomeçar a partida através de
mais um face-off, e o placar se manteve o mesmo até o final do jogo,
consagrando a vitória para o Vancouver Canucks.
Todos patinaram na direção de Journey, comemorando sem parar.
Depois que os jogadores deixaram o rinque e participaram das
entrevistas pós- jogo, nós nos encontramos ainda dentro da arena, que já
havia se esvaziado quase por completo.
Eu corri para abraçá-lo.
— Parabéns pela vitória, pelo seu ponto, por tudo! Você foi
absolutamente incrível! — falei, agitada, totalmente contagiada pela
empolgação do ambiente e da torcida.
Journey retribuiu o abraço na mesma intensidade, me rodopiando no
ar.
Apreciei cada segundo em que voltava a sentir seu corpo junto do
meu.
— Obrigado por ter vindo, Kath, te ter aqui fez toda a diferença.
Entendeu o que eu falei naquela hora? O ponto foi para você,
exclusivamente para você.
— Entendi, sim, e amei a dedicatória. — Meu coração palpitou
novamente com a lembrança daquele momento. — E você, conseguiu
decifrar minha resposta?
O sorriso em seu rosto aumentou de tamanho.
— Consegui. Eu também te amo, e muito. Senti tanto a sua falta...
Ele não tirou as mãos de mim desde que nos abraçamos. Uma delas
estava fixa em minha lombar, a outra, brincando com os fios do meu
cabelo.
— Também senti a sua. — Meu olhar estava focado em retribuir o
dele.
Natasha limpou a garganta ruidosamente.
— Ainda estou aqui, pessoal...
Rindo, nos desvencilhamos para que eles pudessem se cumprimentar.
— Parabéns pela vitória, Journey, foi um jogo bem emocionante.
Voltei a ter esperanças de chegarmos à final.
— Muito obrigado, Nat. Espero que isso possa acontecer.
Acho que eles começaram a falar alguma coisa sobre Ezra, mas não
consegui prestar atenção para ter certeza.
Repentinamente, tudo ao meu redor começou a girar. Eu tentava falar
alguma coisa, mas as palavras simplesmente não saíam.
Aos poucos, comecei a perder o controle sobre o meu corpo.
Sentia que meus olhos ainda estavam abertos, mas minha visão estava
completamente embaçada, o que foi piorando gradativamente.
Ouvi vozes que pareciam estar a quilômetros de distância.
— Ela está muito pálida!
— Kath, consegue me escutar?
Não enxerguei mais nada além da escuridão na minha frente.
De repente, tudo se apagou.
“Amar pode doer às vezes
Mas é a única coisa que eu sei, quando fica difícil
Você sabe que pode ficar difícil às vezes
É a única coisa que nos mantém vivos
Nós mantemos este amor numa fotografia
Onde nossos olhos nunca fecham
Nossos corações nunca estiveram partidos
E o tempo está congelado para sempre
E se você me machucar, tudo bem, querida
Apenas palavras sangram
E eu nunca te deixarei ir
Espere por mim para voltar para casa”
Photograph – Ed Sheeran
Quando voltei para casa e avisei aos meus pais sobre o que aconteceu,
já era metade da manhã. Não quis acordá-los de madrugada, pois isso só
os deixaria assustados.
Depois que conversamos, toda a adrenalina das últimas horas
começou a se dissipar e, tomada pelo cansaço da noite em claro, voltei a
dormir.
Acordei de novo ao meio-dia, sentindo o cheiro do almoço sendo
preparado.
Ao pegar o celular, havia uma mensagem de Journey na barra de
notificações. Ele informou que tinha desembarcado em Toronto e já estava
em um táxi a caminho de Straford. Disse, também, que iria direto para o
hospital, e que depois precisava muito me ver.
Respondi que estaria esperando.
Tudo que sucedeu inevitavelmente me levou de volta ao dia da morte
de Leon. Eram normalmente as mesmas mensagens e os mesmos avisos
que nos deixavam desesperados e que antecediam ou uma tragédia ou um
momento de profundo alívio.
Hoje, tivemos sorte. Pudemos agradecer.
Naquele dia, perdemos o chão. Leon perdeu a vida.
E, naquele dia, eu falhei miseravelmente como amiga.
Após almoçar, criei coragem para fazer uma coisa que já devia ter
feito desde os primeiros dias em que retornei à cidade.
No caminho, parei em uma floricultura para comprar lírios azuis. Eles
tinham que ser azuis.
Incapaz de conter a tremedeira que me dominou, adentrei o lugar que
mais detestava no mundo.
A atmosfera lúgubre do cemitério me dava náuseas.
Não demorei a encontrar o túmulo dele. E não levou nem um minuto
para que a tristeza me assolasse e as lágrimas caíssem incontrolavelmente
quando olhei para a foto de Leon sorrindo. Para o rosto que eu nunca mais
tinha visto. Que nunca mais voltaria a ver.
Respirei fundo, tentando moderar a pulsação para que conseguisse
pôr para fora tudo aquilo que estava engasgado há anos em minha
garganta.
— Espero que possa me ouvir de onde estiver, Leon. Me desculpe por
não ter lhe procurado depois que fui embora. Por favor, me desculpe por
não ter vindo me despedir. Eu fui uma péssima amiga, não é? Me
arrependo tanto por isso, você não faz ideia... Tive medo de vir, tive medo
de te ver sem vida. Fiquei completamente apavorada quando recebi a
notícia do que havia acontecido, porque essas coisas sempre acontecem
com os outros, é sempre a tragédia dos outros. Nunca esperamos que a
nossa própria tragédia bata à porta. Nunca esperamos que, um dia, vá
acontecer com um dos nossos. Na hora eu não quis lidar com isso, quis
voltar a dormir acreditando que no dia seguinte teria passado, teria sido
apenas um sonho ruim. Mas eu não preguei o olho a noite inteira, e
continuou sendo bem real. No fim, preferi ficar com as lembranças boas
que tinha de você. Principalmente aquela de quando assistimos juntos ao
último jogo de hóquei na escola. Você nos fez rir tanto naquele dia! Era
isso que eu queria guardar pra sempre. Eram essas as memórias que eu
queria que viessem primeiro à minha mente toda vez que pensasse em
você. Hoje, precisei vir até aqui para me desculpar e me despedir como já
devia ter feito há muito tempo. Espero que esteja bem e em paz. Obrigada
por ter sido um amigo tão incrível.
Coloquei os lírios sobre o mármore. Simbolicamente, os escolhi na
cor azul pois essa era a cor do time pelo qual ele era fanático, o Toronto
Maple Leafs. Isso era o máximo que eu podia fazer por ele agora.
Sequei as lágrimas do rosto enquanto o aperto no meu peito
suavizava.
Eu precisava daquilo, e já conseguia me sentir mais leve. Me redimi
com Leon e comigo mesma.
Finalmente fui capaz de me perdoar pelo erro que cometi no passado.
Ao sair do cemitério, meu celular vibrou, indicando que uma
mensagem havia chegado.
Era de Journey.
Indo para sua casa.
Nos encontramos lá, respondi.
“Porque com a sua mão na minha
E nossas almas entregues
Posso dizer que não há lugar onde não possamos ir
Porque eu não quero perder você agora
Estou olhando bem para a minha outra metade
Mostre-me como lutar
Eu não poderia ficar maior
Com mais ninguém ao meu lado
E agora está claro como esta promessa
Que estamos tornando dois reflexos em um
E eu só quero ver o seu rosto se iluminar
Quando você me desperta
Você é, você é o amor da minha vida”
Mirrors – Justin Timberlake
Mais tarde, fomos juntos até o Hospital Geral de Stratford para visitar
Ezra de novo.
Ele não poderia ter ficado mais feliz ao ver que finalmente tínhamos
nos entendido. Fez com que prometêssemos nos esforçar para que tudo
voltasse ao normal, e garantiu a Journey que ele não precisava se
preocupar, pois logo estaria inteiramente recuperado.
Demandou, inclusive, que ele retornasse a Vancouver para trabalhar
duro até fazer o time erguer a taça da Stanley Cup pela primeira vez.
Journey prometeu que o faria, e aproveitou o assunto para anunciar
que teria que retornar no dia seguinte, para se preparar para o próximo
jogo.
Meu coração vacilou ao ouvir essas palavras, mesmo que, no fundo,
já esperasse por isso.
Fazia um bom tempo que eu não me sentia tão em paz. Tão completo
e satisfeito. Parte disso era por causa da noite intensa que compartilhei
com Katherine, mas, principalmente, pelo fato de que tínhamos nos
entendido de uma vez por todas.
Enfrentamos os inúmeros obstáculos que foram colocados em nosso
caminho, cometemos erros, magoamos um ao outro e aprendemos a nos
perdoar. Passamos por cima de tudo isso, e continuávamos tendo a certeza
de que não havia outras pessoas com quem quiséssemos dividir a vida.
Seríamos Journey e Katherine para sempre.
E, pensando justamente no “para sempre”, decidi que, finalmente,
havia chegado o momento de concretizar algo que eu sempre quis. Algo
que vislumbrava desde o nosso namoro na adolescência, e que se tornou
cada vez mais nítido desde o instante em que a vi parada na frente da
minha casa, oito longos anos após sua partida.
Aquele não era o fim.
E esse era apenas o nosso recomeço.
Quando li o poema que ela escreveu sobre mim em seu blog durante a
viagem de volta a Vancouver, fiquei indescritivelmente ansioso para o dia
em que a ouviria declamar seus votos.
Aquele seria o dia mais feliz da minha vida.
E eu já estava planejando o momento que o antecederia.
“Ela é a minha rainha desde que tínhamos dezesseis anos
Queremos as mesmas coisas
Sonhamos os mesmos sonhos
Eu tenho tudo porque ela é única
Bilhões de pessoas no mundo
Encontrem outra, porque ela é minha
Eu não existo se não tiver ela
O Sol não brilha, o mundo não gira
Ela sabe que eu não vou deixar ninguém
Levar o seu amor para longe de mim”
Steal My Girl – One Direction
Eu sei que não chego nem perto de ser bom com as palavras como
você é, amor, mas não poderia deixar esse dia passar batido. Então,
imitando seu costume de escrever textos e poesias para mim, resolvi
escrever algumas coisas para você.
Eu passei oito anos esperando pelo seu retorno. Imaginando como
seria o dia em que finalmente te reencontraria. Porque eu sabia, alguma
coisa aqui dentro dizia que isso aconteceria. Alguma coisa aqui dentro me
fazia acreditar nisso. E eu acreditei com todas as minhas forças.
Demorou oito longos anos, mas aconteceu.
Dizer que essa espera valeu a pena parece tão pouco. Tão pequeno
perto de tudo que significou. Do quanto mudou a minha vida, colocando-a
nos eixos novamente. De como, enfim, me senti feliz de verdade, amado de
verdade, realizado de verdade.
Eu sempre acreditei, também, que o dia de hoje chegaria para você.
Sei bem o quanto nada pode te deter quando faz uma escolha e corre
atrás dela com toda sua garra.
E aqui está você, brilhando mais do que a explosão de uma
Supernova, assim como eu disse que faria.
Eu te amo com cada parte de mim, por toda minha vida, Katherine
Cohen.
Aproveite sua noite, você merece mais do que ninguém.
Nos vemos amanhã.
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