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Copyright © 2021 MILENA FARIAS

Esta é uma obra literária de ficção. Todos os nomes, personagens, lugares e acontecimentos
retratados aqui são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com pessoas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos são reservados à autora. São expressamente proibidas a distribuição ou
reprodução de toda e qualquer parte desta obra por qualquer meio sem a prévia autorização da autora.
Plágio é crime e será denunciado.
Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.

Capa: Larissa Chagas


Diagramação: Milena Farias
Revisão: Lívia Perry
Leitura Sensível: Giovanna Liz Bissoto
Ilustração dos personagens: @arda.arts nas redes sociais
Este livro possui uma playlist que foi exclusivamente montada para
ele, na qual as músicas seguem a mesma ordem do início dos capítulos.
Você pode acessá-la através do QR Code ou do link abaixo:

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NOTAS DA AUTORA E AVISOS DE GATILHO
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
EPÍLOGO
Primeiramente, gostaria de dizer que eu vivo todos os dias me
sentindo presa na pequena cidade onde moro. Mas, sempre que sou lida,
sinto como se chegasse cada vez mais longe. Muito obrigada por fazer parte
disso.
Espero que aprenda a amar os personagens desta história tanto
quanto eu os amo.
Observação: as datas da Stanley Cup não condizem com a
realidade.
Este livro apresenta conteúdo adulto explícito. A leitura não é
recomendada para menores de dezoito anos.
Gatilhos que podem ser encontrados: Morte, luto, aborto e
infertilidade.

Redes Sociais:
Instagram: @ aquiloqueeununcafalei
Twitter: @ autoramilenaf
TikTok: @ autoramilenafarias
Para todos aqueles que têm sonhos
tão grandes que mal cabem
dentro de si mesmos.
Para todos aqueles que
confidenciam seus pedidos
às estrelas.
“Tudo que aprendi foi que não era a minha vez
Não era a hora certa
Algumas pessoas entram na sua vida por uma razão
Outras entram na sua vida por uma época
Mas, amor, você é uma vida inteira”
— Justin Bieber
“Tudo que você sempre sonhou
Perto o suficiente para você provar
Mas você não consegue tocar
(...) Você imagina quando, como e onde
Vai fazer acontecer, você sabe que pode
Se tiver a chance
Na sua cara, parece que as portas
Estão batendo
Agora você está se sentindo
Mais e mais frustrado”
One Step At a Time — Jordin Sparks

Caminhando pela rua às margens do rio Avon, admirei o pôr do sol no


horizonte, refletindo seus tons alaranjados na água. Mal consegui acreditar
que havia esquecido o quão bela Stratford era durante o outono.
Perguntei-me como, oito anos antes, realmente pensei que dizer adeus
a esse lugar e ir para longe da minha família, de todos aqueles que
conhecia, além de me afastar completamente dele, seria a melhor decisão
que poderia tomar, a única que me faria realizar os meus sonhos. Paguei
um preço tão alto para, no fim, desejar que pudesse voltar no tempo e
impedir minha versão mais nova de cometer aquela que seria nada menos
do que uma grande burrada.
Em A Culpa é das Estrelas, Hazel Grace diz que o mundo não é uma
fábrica de realização de desejos e, infelizmente, nesse momento, eu não
poderia concordar mais. Senti isso na pele, com cada célula do meu ser.
“Katherine Cohen, aluna nota dez da escola, número um em redação e
com um futuro brilhante pela frente. O orgulho da família. A garota que
roubou o coração do melhor jogador do time de hóquei do colégio”. Era
assim que me conheciam até os meus dezessete anos, antes de eu partir.
Quando completei a maioridade, acreditava que tinha o mundo nas
mãos. Meu grande sonho era ser uma escritora conhecida e estava certa de
que, se não começasse a persegui-lo imediatamente, não o alcançaria. Em
um impulso, decidi me jogar no mundo atrás dos meus objetivos.
Não possuía um plano bem elaborado nem metas cuidadosamente
traçadas, e, obviamente, nenhuma noção do que realmente estava fazendo.
A única coisa da qual eu estava convencida era de que precisava ir
embora. E o quanto antes.
Ninguém entendia o motivo dessa partida repentina, assim como não
a apoiavam.
Na minha cabeça, as outras pessoas apenas se conformavam com suas
vidas monótonas em uma cidade pequena, que tinham medo de sair das
suas zonas de conforto e ir em busca de algo que fizesse seus corações
vibrarem, então é óbvio que não seriam a favor de alguém que não
quisesse seguir esse padrão.
Na época, eu me considerava revolucionária.
No entanto, nada fez com que eu me sentisse mais contrariada do que
ele jamais ter compreendido, tentando todos os dias me fazer mudar de
ideia. Journey era justamente a pessoa que eu esperava que ficasse do meu
lado, já que também tinha um sonho bastante grande, mas ele não entendia
o porquê de não podermos ficar juntos. Eu sabia que era perfeitamente
possível mantermos um relacionamento a distância, mas, no fundo,
alguma coisa me dizia que aquele era um caminho que eu precisava trilhar
sozinha.
Gostava dele de uma forma que jamais acreditei que pudesse gostar
de alguém. E, de fato, nunca mais senti o mesmo por qualquer outra
pessoa, nunca mais experimentei um sentimento tão intensamente
recíproco como era o nosso. Mas, naquela época, eu sabia que não poderia
abandonar o meu maior sonho por causa de um namoro de adolescência
que talvez terminasse na semana seguinte.
Eu tinha aquela como minha grande, única e absoluta certeza,
enquanto todo o resto era incerto. Instável.
Decepcionei Journey ao abrir mão de todos os nossos planos, de todo
o futuro que havíamos vislumbrado juntos, e ele vociferou, com todo o
rancor que tinha dentro de si, que apagaria a minha existência da sua
memória.
Deixei a cidade com um nó na garganta, o peito pesado e lágrimas
enclausuradas, mas ávida e confiante em perseguir meu desígnio.
Meu primeiro destino foi Vancouver, onde tudo o que consegui foi um
emprego de garçonete na cantina de uma editora.
Sem jamais cogitar a hipótese de desistir, resolvi dar um passo maior
e me mudar para Nova Iorque, onde depois de batalhar muito, conquistei
uma vaga no curso de Escrita Criativa da Universidade de Columbia.
Nunca estivera em meus planos mudar de país, o que acabou tornando
tudo ainda mais deslumbrante.
Comecei um estágio em uma editora e, após algum tempo
trabalhando lá, fui efetivada como assistente e tomei coragem para
entregar o manuscrito do romance que escrevi para os editores chefes,
que, surpreendentemente, aprovaram-no para publicação.
Eu mal conseguia acreditar que, tão cedo, já estava realizando o
grande sonho de publicar meu primeiro livro. Logo passei a imaginá-lo na
lista dos mais vendidos das grandes livrarias, tornando-se um best-seller.
Essas expectativas exorbitantes sempre fizeram com que eu fosse um
perigo para mim mesma.
Como eram meus pais que viajavam para me visitar e eu praticamente
nunca mais voltei a Stratford, isso acabou não gerando muitos leitores por
lá.
Já em Nova Iorque a pré-venda foi um sucesso. Muitas pessoas da
universidade e do meu trabalho adquiriram o livro e, além de comprá-lo,
divulgaram-no para sua rede de conhecidos. A primeira quantia que recebi
dos direitos autorais me deixou de queixo caído.
Entretanto, infelizmente, isso não prosperou.
Alguns meses depois as vendas começaram a diminuir. Como eu não
tinha escrito novos projetos, caí no esquecimento. Uma quantidade
simbólica de exemplares do livro ainda era vendida, e naquele momento
estava vivendo do pouco que me restava do dinheiro que eu soube investir.
Ao menos uma coisa fiz certa.
Em meio à decepção de ter meu grande sonho frustrado conheci
Francis Gilbert, que, no início, foi apenas um bom amigo. Ele trabalhava
em um grupo editorial maior e arrumou um emprego para mim lá.
Conforme nossa convivência se tornava mais frequente, percebi que
estava começando a gostar cada vez mais dele e descobri que era
correspondida. Quando iniciamos nosso relacionamento, acreditei
que por conta desses sentimentos ainda frescos, eu ficaria bastante
inspirada para escrever novos romances. Porém, toda vez que começava
uma história, em algum momento ela empacava, e terminá-la parecia
impossível. Muitas sequer chegavam à metade.
Convenci a mim mesma de que estava passando por um bloqueio
criativo para mascarar a verdade que eu não queria encarar: não tinha
inspiração alguma. Meus sentimentos por Francis não eram tão intensos
como pensei que fossem e, no fundo, sabia muito bem que nem se
comparavam ao que eu já havia sentido por Journey.
Ainda assim, continuamos juntos durante todos aqueles anos porque
nos acostumamos um com o outro, criamos uma rotina a dois e nos
deixamos envolver completamente pela monotonia. Estávamos
mergulhados até o pescoço na zona de conforto.
E então, impremeditadamente, Francis pediu minha mão em
casamento.
Foi uma surpresa muito grande para mim, e eu sempre detestei ser
surpreendida. Isso me levou a questionar o que estava fazendo com a
minha vida sustentando algo que não era verdadeiro, fingindo sentimentos
que já não existiam e, consequentemente, adiando minha felicidade.
Depois de perder inúmeros anos daquela forma, eu não podia mais
continuar. Não podia mais seguir a diante mentindo para mim mesma,
varrendo a verdade para debaixo do tapete para não precisar encará-la e
achando que estava tudo bem daquele jeito. Podia estar qualquer coisa,
menos bem.
Como em um reflexo do passado, mais uma vez abandonei uma
pessoa e uma vida que se mostrou insuficiente, e voltei para o lugar de
onde descobri que não precisava ter saído.
Formada em Escrita Criativa, relativamente longe de ser uma
escritora best-seller, presa em um bloqueio criativo e vivendo de um resto
de direitos autorais, retornei à minha cidade natal, Stratford, em Ontario,
no Canadá.
Apesar de tudo, não estava completamente arrependida. Muito, eu
diria, mas não em totalidade. Mas me conheço bem e sei que não teria
sossegado até conseguir ir embora. Era algo que eu simplesmente
precisava fazer. Eu tinha que arriscar. Tudo bem que quebrei a cara, mas
ao menos podia dizer que tentei. Não fiquei parada no tempo esperando
até que algo acontecesse.
Agora, encarava uma página em branco, uma história esperando para
ser reescrita. Tinha total consciência de que ainda cometeria muitos erros
pelo caminho, mas me esforçaria para ser o mais racional possível a partir
daquele dia, e tentaria consertar o estrago já feito. Não era mais aquela
adolescente emocionada, teimosa e imprudente.
Eu era Katherine Cohen, e estava pronta para abraçar minha segunda
chance, meu recomeço nessa jornada torta e imprevisível que é a vida.

Ao chegar à cidade, uma das primeiras coisas que quis fazer foi
caminhar pelas ruas que, mesmo depois de tanto tempo, ainda conheceria
até de olhos vendados. Lembranças que estavam há muito tempo
adormecidas voltavam à medida que revisitava cada local.
Depois de passear pelas margens do rio Avon, continuei andando até
encontrar o parque de diversões Merry Go Round, surpresa por ele ainda
existir. Colecionava inúmeras memórias naquele lugar, e uma em especial
fez com que, involuntariamente, meu coração batesse mais forte.
Ao avistar a roda gigante do parque posicionada exatamente onde
estava há onze anos, recordei cada detalhe de um momento que seria
impossível de esquecer. Foi lá, quando nossa cabine estava no topo, que
Journey me beijou pela primeira vez.
A nostalgia que me atingiu fez com que eu desejasse poder voltar
atrás e viver tudo de uma forma diferente.
Fui dominada por milhares de pensamentos imaginando o que teria
acontecido se eu não tivesse partido. Eu poderia ter sido uma escritora
conhecida mesmo não tendo saído daqui, e ele faria de tudo para se tornar
um astro do hóquei. Tínhamos potencial para ser uma dupla e tanto.
Esse pensamento me fez sorrir, mas imediatamente o afastei. Eu parti
dessa cidade e também o seu coração. Fiquei distante por muito tempo e
não há nada que pudesse ser feito agora, não quanto a isso. Não quanto a
nós dois.
E mesmo que houvesse, não tinha ideia de onde ele poderia estar, o
que fizera da vida e se conseguira realizar seu sonho. Nunca mais procurei
por notícias, acovardada pelo medo de vê-lo feliz com outro alguém,
imaginando que poderia ter sido eu.
Enquanto me recompunha, continuei caminhando e distraindo-se
com as paisagens que havia ficado muito tempo sem admirar.
Mas, internamente, torcia para que, ao dobrar uma esquina qualquer,
esbarrasse com ele.
“Seu cabelo cresceu um pouco
Seus braços parecem um pouco mais fortes
Seus olhos são como eu me lembro
Eu nunca me preparei para um momento como este
Em um segundo tudo voltou de uma vez só
Pois depois de todos esses anos
Eu ainda sinto tudo quando você está por perto”
After All These Years – Camila Cabello

Comecei a seguir o caminho de volta para casa e, ao adentrar a minha


rua, tornei a reparar em algo que tinha chamado a minha atenção desde
que cheguei. No lugar da antiga casa dos pais de Journey havia uma
mansão enorme, e confesso que isso me deixou um pouco aliviada. Se a
família dele não morava mais lá, menos lembranças de nós dois surgiriam
para me levar constantemente de volta ao passado.
No entanto, ao me aproximar, foi impossível não olhar para o pátio da
frente e lembrar da última vez em que nos vimos.
— Ainda dá tempo de mudar de ideia, Kath. Você sabe que todos aqui
vão te ajudar a chegar aonde quiser, não precisa ir embora — implorou
ele, com a voz falhando por conta do nó que se formava em sua garganta.
Os olhos brilhavam com as lágrimas que ameaçavam cair.
— Journey, eu tenho que ir... Se ficar, vou me arrepender pelo resto
da vida por não ter tentado. Espero que algum dia você entenda — com a
voz igualmente falha, respondi.
— Sinceramente, não acho que conseguirei. Se você realmente for
embora, se essa for sua decisão final, pode esquecer que eu existo, porque
eu vou apagar sua existência da minha memória.
As lágrimas, a essa altura, já passeavam por ambos os nossos rostos.
Era nossa última conversa, nossa inevitável despedida.
E, depois disso, eu fui embora.
Ao cruzar o portão, olhei para trás uma última vez, bem a tempo de
ver a porta da casa sendo batida com força.
Despertei dos meus devaneios ao ouvir o barulho de um carro
aproximando-se. Completamente perdida nas lembranças do passado, nem
percebi que ainda me encontrava parada na frente daquela nova e enorme
casa.
A Range Rover imponente foi estacionada rente à calçada, a poucos
metros de mim. Imaginei que fossem os meus novos vizinhos e permaneci
onde estava para cumprimentá-los e me apresentar.
As portas do veículo abriram, e eu exibi meu sorriso mais simpático.
Quem saiu de dentro dele, porém, não era desconhecido. Meu sorriso foi
diminuindo aos poucos.
A primeira pessoa que reconheci foi Pilar, a mãe de Journey, e depois
vi Jeremiah, seu pai. Ezra, o irmão dele, desembarcou logo em seguida.
Meu coração acelerou na mesma hora, tão barulhento que achei que eles
seriam capazes de ouvi-lo.
Fiquei esperando, com os batimentos cardíacos aos pulos, que mais
alguém saísse de dentro do carro, mas, para a minha decepção, isso não
aconteceu. Jamais imaginaria que ficaria nervosa dessa forma só pelo fato
de a família dele estar tão perto.
Descobri, afinal, que eles ainda moravam no mesmo lugar, mas que
aparentemente seu padrão de vida melhorara muito.
Quando me reconheceram, Pilar e Jeremiah sorriram como se essa
fosse a melhor surpresa de seus dias e vieram de braços abertos em minha
direção.
— Katherine, querida, há quanto tempo! Sentimos tanto a sua falta
por aqui... — Pilar foi a primeira a se manifestar, ao mesmo tempo em que
me abraçava.
— Também senti muita saudade de vocês — respondi, percebendo
que estava ficando com a voz embargada.
Jeremiah me envolveu em um abraço igualmente acolhedor.
— Pensei que a mulher da cidade grande não daria mais as caras por
aqui! — gracejou.
Era reconfortante ouvir seu tom de descontração, pois significava que
eles não guardavam mágoas, e essa constatação tirou um peso enorme das
minhas costas.
— Você precisa vir jantar conosco alguma noite! — convidou Pilar.
— É só me chamar, estou morrendo de saudade da sua comida —
confessei, fazendo seu sorriso se alargar.
Enquanto o casal parecia eufórico, reparei que meu ex-cunhado exibia
uma feição nada amigável.
— Vai ficar por alguns dias e depois ir embora de novo? — provocou
Ezra, que sempre tomou as dores de Journey e que, sem dúvidas, ainda
guardava ressentimento.
— A princípio eu voltei para ficar, Ezra.
— Engraçado, pensei que tivesse ido embora daqui para conquistar o
mundo e nunca mais voltar. Caiu do cavalo, foi? — Eu definitivamente
não estava preparada para ouvir algo assim. Senti minhas bochechas
queimando e me vi na obrigação de rebater.
— Caí, Ezra, e a queda foi feia. Mas continuo aqui, inteira. Quer
saber se eu mudaria as coisas caso pudesse voltar no tempo? Sim, faria
tudo diferente. Como não posso, vou recomeçar do zero, e espero
encarecidamente que as outras pessoas não me tratem com a mesma
arrogância que você demonstrou.
Pude notar quando a expressão de orgulho pelo próprio sarcasmo foi
substituída por um lampejo de vergonha pela sua atitude. Ezra engoliu em
seco, e então olhou na direção do carro.
Acompanhei seu olhar, e mal consegui acreditar no que meus olhos
viam. Mais especificamente, em quem estava lá.
Meu coração voltou a bater incontrolável e estrondosamente. Puxei o
ar com dificuldade, a respiração ameaçando falhar.
Todos os meus músculos se tensionaram instantaneamente.
Depois de imaginar por anos como ele estaria, de me segurar para não
procurar por notícias suas, depois de tanto tempo, de tanta distância, de
inúmeras indagações, de muito torcer por um encontro inusitado a cargo
do acaso, finalmente, eu o vi.
Journey estava parado ao lado do carro.
Ele me encarava intensamente com aqueles olhos cor de mel que
continuavam tendo um efeito hipnotizante sobre mim mesmo após oito
anos sem nos vermos. Sua expressão, entretanto, era dura. Acusadora.
Tenho certeza de que ele ouviu tudo o que eu disse ao seu irmão, e,
ainda assim, não esboçou reação alguma. Seus pensamentos eram
indecifráveis.
Eu me lembrava bem do quanto ele era alto, e os ombros agora mais
largos deixavam nítido o quanto estava mais forte. Os cabelos loiros
pareciam um pouco mais escuros do que eu me recordava, e seu rosto com
traços adultos era ainda mais bonito do que quando adolescente.
Estudava-o sem ao menos tentar disfarçar, afinal, sabia que isso seria
em vão. Ainda me encontrava completamente atônita por estarmos tão
perto um do outro depois de tanto tempo.
O silêncio se fez absoluto, como se todos estivessem esperando que
algo se rompesse com esse reencontro repentino.
Journey finalmente começou a avançar em nossa direção e nem por
um segundo ele desviou os olhos dos meus. Nem mesmo quando passou
por mim a passos vagarosos, fazendo com que ficássemos bastante
próximos. Seu olhar foi quase insuportável, frio e impassível. Por fim, ele
voltou o olhar para a frente e seguiu até entrar na casa sem pronunciar um
mísero oi.
Respirei fundo, recuperando o fôlego que aquele instante roubou.
Esse breve momento foi como um soco no estômago que me atingiu
em cheio. Testemunhar sua completa indiferença era mil vezes mais difícil
do que lidar com a raiva ou a decepção, pois ao menos essas duas coisas
significariam que ele ainda sentia algo. Já a indiferença era a afirmação de
que ele não dava a mínima. Não se importava o suficiente nem para me
cumprimentar. Ou então estava esforçando-se muito para aparentar isso.
Eu não tive dúvidas de que uma reaproximação seria praticamente
impossível. Mas, antes de qualquer coisa, eu precisava desvendar o que
era esse turbilhão de emoções que me acometeu desde o segundo em que
o vi. Poderia ser tanto um antigo sentimento sendo despertado, quanto
apenas a adrenalina desse reencontro impremeditado.
Esforcei-me para exibir um sorriso que saiu sem graça para Pilar,
Jeremiah e Ezra, e segui em direção à minha casa que, por perversão do
destino, ficava ao lado da deles.

Atirada em minha cama, tinha muito no que pensar.


Como era possível que, depois de tantos anos, ele ainda conseguisse
mexer comigo desse jeito? Como uma ferida que eu acreditava estar
sarada havia muito tempo podia ser escancarada assim, abruptamente, e
parecer inflamar cada vez mais? Será que ele realmente estava tão
indiferente quanto demonstrava ou tudo não passava de uma encenação
motivada pelo seu orgulho ferido?
Cada questionamento sem resposta alimentava ainda mais a angústia
que eu estava sentindo, apertava ainda mais o nó em minha garganta. Eu
não conseguia fazer meu coração desacelerar.
Atraindo minha atenção, uma brisa leve soprou pela janela, fazendo a
cortina balançar. Ao levantar para fechá-la, lembrei-me que na casa antiga
a janela do quarto de Journey ficava de frente para a minha. Questionei a
mim mesma sobre a possibilidade de os cômodos ainda estarem dispostos
da mesma forma na casa nova.
Um sorriso escapou, involuntário, quando me lembrei das noites em
que ficávamos olhando-nos pelas janelas, um pouco antes de tudo
começar. Essa recordação me fez querer ir até lá, e obedeci ao impulso.
Cuidadosamente afastei a cortina e, sentindo-me com catorze anos
novamente, espiei por trás dela.
Satisfazendo as minhas expectativas, ainda havia uma janela em
frente à minha, e assim que ela entrou no meu campo de visão, tomei um
susto.
Parado atrás da janela da casa ao lado, Journey estava se espreitando,
assim como eu.
Meus batimentos cardíacos voltaram a colapsar, mas a empolgação
repentina não durou muito tempo. Após não mais do que alguns segundos
encarando-me com aquele mesmo olhar frio, ele fechou sua cortina.
“Me senti deixado de lado como todo mundo
Eu te odeio, eu te odeio, eu te odeio
Cada momento nosso, eu comecei a substituir
Foi pouco a pouco, até que não houvesse mais nada
Mas tudo que consigo pensar é em
Ver o olhar em seu rosto
Então, antes que você vá
Haveria algo que eu poderia ter dito
Para fazer tudo parar de doer?”
Before You Go – Lewis Capaldi

Naquela época, quando espiávamos um ao outro pelas nossas janelas,


ao fechar a cortina o que eu sentia era sem dúvidas muito melhor do que
estava sentindo agora. Antes, meu coração acelerava pela euforia e eu não
conseguia parar de sorrir porque o garoto pelo qual eu era secretamente
apaixonada estava me dando atenção.
Agora, era dominada pela angústia.
Nós vivemos momentos memoráveis no passado, e hoje sequer nos
cumprimentamos. Nem uma vez eu realmente cogitei a hipótese de que,
ao voltar para Stratford, nós nos reencontraríamos e as coisas voltariam a
ser como antes, mas não imaginei que ignoraríamos um ao outro. Até
cheguei a pensar que, quem sabe, pudéssemos ser amigos caso ele ainda
morasse na cidade.
No entanto, quando o vi pessoalmente depois de tanto tempo, fui
confrontada com a possibilidade de que os sentimentos do passado
pudessem não estar tão adormecidos como julguei que estivessem, o que
havia de ser muito perigoso para mim. E, como se a situação toda já não
fosse complicada o suficiente, Journey não hesitou em demonstrar o
quanto estava indiferente. Ou ao menos vestiu uma máscara que escondia
muito bem todo o seu ressentimento.
Com tantos pensamentos perturbando minha mente, resolvi buscar
por alguma coisa que me distraísse, mesmo que por um breve instante,
daquele turbilhão de sentimentos que surgiu sem aviso prévio, já que
tentar pegar no sono não estava funcionando.
Quando encontrei a solução, perguntei-me como não tinha pensado
nisso antes.
Ao invés de me afastar dos sentimentos, eu iria mergulhar ainda mais
profundamente neles, expurgando-os através das palavras, assim como
fazia quando comecei a escrever.
Dirigi-me até a minha antiga escrivaninha, abri o laptop e deixei que
tudo que eu estava sentindo fluísse e se expressasse através da escrita.
Digitei no rascunho de um blog que estava desativado havia anos, e as
palavras brotavam como que por conta própria, soltas, sinceras,
libertadoras. Tinha muito tempo que eu não conseguia produzir daquele
jeito.
Aqui estou eu, após uma tentativa frustrada de encontrar o sono.
Sofro da desagradável mania de ficar repassando os acontecimentos do
dia antes de dormir, e nesta noite em especial ando bastante inquieta.
Fiquei pensando neste parágrafo e no quanto precisava escrevê-lo
exatamente neste momento para não correr o risco de me esquecer de
alguma coisa. Sinto que preciso colocar para fora tudo que está se
passando em minha mente para tentar desembaralhar essa bagunça, para
tentar entender ao menos um pouco do que está acontecendo e, por fim,
para compreender melhor a avalanche de sentimentos pelos quais eu não
clamei, mas que decidiram vir à tona por conta própria com a única
pretensão de me desequilibrar, de me perturbar. Estou passando por uma
verdadeira montanha russa de emoções na qual o carrinho insiste em
andar vagarosamente pela parte que mais me dá medo, aquela que mais
quero evitar. Pensei que voltar para casa e recomeçar do zero seria um
tanto mais simples, um tanto mais fácil. Não contava com toda essa
angústia, nem com o reaparecimento de uma ferida que eu julgava estar
sarada, da qual a casca foi arrancada brutalmente e que vem inflamando
mais e mais desde então. Estou utilizando inúmeras metáforas para tentar
abranger todos e tantos sentimentos que se misturaram com a bagagem
emocional que carrego comigo há anos, e ainda assim continua tudo tão
confuso...
Terminei o texto, vulgo desabafo, longos parágrafos depois.
Após digitar o ponto final, enquanto relia as palavras na tela do
laptop, respirei fundo, desfrutando da satisfação e do alívio que me
acalentaram.
Ainda assim, senti necessidade de ir para algum lugar onde não fosse
enxergar aquela janela que insistia em me trazer inúmeras lembranças.
Mas a realidade era que, fosse dentro de casa, na rua ou nos mais variados
locais da cidade, eu vivi momentos com Journey em todos eles. Não havia
muitas opções para onde fugir.
Enquanto estava saindo pelo portão, vi Ezra sentado na varanda de
sua casa e, quando o escutei me chamar, pensei não ter ouvido direito.
— Katherine, espera! Será que posso falar com você?
Mesmo que desconfiada, assenti e fiz sinal para que ele seguisse
caminhando ao meu lado.
— Não sei se já te contaram o que aconteceu por aqui depois que foi
embora, mas quero que saiba pelo que Journey passou — iniciou Ezra.
Eu não entendi o porquê de ele querer fazer isso agora, depois de ter
me tratado de uma forma tão desagradável. Mas, mais do que chateada
com ele, eu estava curiosa para saber sobre a vida de Journey, então decidi
adiar esse questionamento por ora.
— Você nem imagina quantas interrogações estão rondando minha
cabeça desde que voltei... — incitei-o a continuar.
— Não preciso dizer o quão decepcionado Journey ficou depois que
você foi embora, né? Foi um momento realmente difícil pra ele. Passava o
tempo inteiro trancado no quarto ouvindo música no último volume, não
queria saber de ninguém. Muitas garotas se ofereceram pra consolá-lo,
acredite, e de início ele as dispensou, mas não tardou a se envolver com
quase todas que apareceram, como se em alguma delas fosse encontrar
algo que preenchesse o buraco que você deixou. Mais de um coração foi
partido naquela época.
Cada palavra que ele dizia fazia com que eu me sentisse pior.
Abraçava meu próprio corpo conforme ele parecia encolher.
Percebendo que eu permaneceria quieta, Ezra prosseguiu:
— Alguns meses depois, chegou uma carta dizendo que ele foi aceito
na Universidade de Toronto e que havia ganhado uma bolsa para jogar
hóquei em seu time. Journey, então, se dedicou totalmente a isso e se
esforçou para ficar cada vez melhor, o que acabou dando certo. Muito
certo, aliás.
— Está me dizendo que Journey conseguiu realizar seu maior sonho?!
Ele se tornou um jogador de hóquei profissional?
— Sim, Katherine, ele conseguiu. Se destacou muito no time da
universidade e em poucos meses assinou contrato com o Toronto Maple
Leafs. Era nítido o quanto estava feliz novamente. E, depois, quando o
Vancouver Canucks chegou à final da Stanley Cup e perdeu pro Boston
Bruins, eles o contrataram pra ajudar a levantar o time, e foi exatamente
isso que ele fez na posição de centro. Journey continua no Canucks e hoje
é a estrela do time. Ele mora em Vancouver, mas sempre passa o máximo
de tempo possível aqui em Stratford.
Saber disso me trouxe uma felicidade que eu não consegui reprimir.
Peguei-me sorrindo escancaradamente e não me importei em ser flagrada
por Ezra. Podia facilmente imaginar Journey glorioso no rinque, no auge
da carreira com a qual sempre havia sonhado. Era tudo que ele sempre
quis, e conseguiu. Mesmo sentindo que não tinha o direito, fiquei muito
orgulhosa.
No entanto, o questionamento que eu havia deixado para depois ainda
estava me incomodando.
— Por que você está me contando tudo isso agora, Ezra?
Considerando que antes, quando nos vimos, você não foi nem um pouco
simpático.
— Eu sei o quanto você fez meu irmão sofrer e pelo que ele passou
até ficar bem de novo. Quando te vi hoje depois de tanto tempo, logo
lembrei do passado, e foi difícil não sentir raiva. Pro Journey foi a mesma
coisa, mas de uma forma ainda mais intensa. Te rever foi uma surpresa e
tanto. Ele ficou no quarto até o início da noite, quando o chamei pra
conversar. Talvez seja um erro te contar isso, Katherine, mas apesar de ele
negar com veemência que ainda sente algo por você, eu conheço meu
irmão. Ele não faria tanto esforço pra parecer indiferente se realmente
estivesse.
Então somos dois, pensei. Não estou fingindo indiferença como ele,
mas seria uma mentira deslavada dizer que não venho enfrentando uma
turbulência de sentimentos. Não posso negar que uma mísera fagulha de
esperança se acendeu bem lá no fundo, mesmo contra minha vontade.
Mesmo ciente do quão improvável seria algo acontecer entre nós dois.
— Journey está com alguém? Deve ter tido várias namoradas depois
que começou a jogar profissionalmente. — Não consegui evitar essa
pergunta, por mais que aguardar pela resposta fizesse meu coração quase
saltar pela boca.
— Ele não está com ninguém agora. — Tentei esconder a expressão
de alívio, mas meus ombros me denunciaram ao relaxarem. — E, sim, ele
teve vários relacionamentos casuais, mas apenas um namoro sério com
Candice Kinslet, que acabou assim que ela percebeu que Journey relutava
em deixar o passado de lado.
— O que quer dizer com isso, Ezra?
Ele me encarou com seriedade, e então vi despontar em seu rosto uma
expressão de quem se sentia contrariado.
— Finalmente chegamos no motivo pelo qual eu quis conversar com
você. Acredito que Journey sempre esperou, no fundo, pelo seu retorno.
Ainda que guarde ressentimentos do passado, ele nunca mais gostou de
alguém como gostava de você. Meu irmão é feliz por fazer o que ama e
por ter realizado seu grande sonho, mas não é uma felicidade plena,
completa. Ele já poderia estar casado agora se quisesse, já poderia estar
construindo sua própria família, mas sempre deu um jeito de se esquivar
dessas possibilidades, e você sabe bem o quanto isso não combina como
ele. Journey sempre quis construir uma família. A questão é que nenhuma
das outras mulheres que cruzaram seu caminho pareceu a certa para isso.
Tenho pra mim que ele estava tentando te encontrar em todas elas. Talvez
porque ainda te ame, ou talvez porque esse assunto ainda esteja mal
resolvido entre vocês, impedindo que ambos sigam em frente.
Engoli em seco, sentindo meu coração martelar violentamente no
peito.
Levei um tempo até processar a magnitude de todas aquelas
informações.
Realmente era estranho Journey ter tudo, menos a família que sempre
sonhou em construir. Eu nem imaginava que pudesse ter uma parcela de
culpa nisso, e menos ainda que houvesse uma probabilidade de ele estar
esperando por mim – mesmo que inconscientemente –, nem que fosse
apenas para resolver essa questão e colocar um ponto final no passado.
Todas as barreiras que ele ergueu me fizeram pensar justamente o
contrário.
— Eu não imaginava nada disso, pensava que o único sentimento que
ele ainda nutria por mim era pura mágoa. Durante todos esses anos nunca
tive certeza do que ainda sentia por ele, ou se sentia algo de fato, mas
preciso admitir que depois que nos vimos fiquei muito angustiada, e eu
detesto ficar com coisas mal resolvidas desse jeito.
Ezra escutou atentamente e, como alguém que parecia estar sem jeito,
colocou as mãos nos bolsos e limpou a garganta.
— Quero te pedir desculpa pela minha atitude antes, Katherine, e
também quero que saiba que não estou dizendo essas coisas pra te dar
alguma falsa esperança de reatar com meu irmão nem nada do tipo, até
porque nem sei se acho essa uma boa ideia... Peço apenas pra que tentem
se resolver e superar tudo que aconteceu de uma vez por todas, pra que
vocês dois possam, finalmente, seguir em frente.
— Fica tranquilo, Ezra, não sou do tipo que guarda rancor. — Não
pude evitar a alfinetada, e ele deixou escapar um riso discreto, claramente
percebendo a intenção da minha fala. — E imagino que tenha vindo até
mim para ter essa conversa porque sabe que seu irmão jamais daria o
braço a torcer, não é?
Logo em seguida, ele confirmou minha suposição.
— Você está certa. Journey não irá atrás de alguém que ele pensa que
o abandonou, mesmo que esteja extremamente incomodado com a
situação.
— Bom, só posso te garantir que vou fazer minha parte, mas não
tenho a mínima ideia de como seu irmão vai reagir a uma tentativa de
conversa.
— Infelizmente, nesse caso, nem eu posso adiantar como ele reagirá.
Vai saber o que se passa de verdade naquela cabeça dura. — Dessa vez fui
eu quem teve que rir, porque se tinha uma coisa que Journey sempre foi,
essa coisa era teimoso. — Ah, e tem mais uma coisa. Quase esqueci, mas
minha mãe pediu pra te convidar pra jantar lá em casa amanhã, pode vir às
oito horas. Se você aceitar o convite, claro.
— Pode avisar a ela que eu vou, sim. Estarei lá na hora combinada.
— Minha resposta foi dada com firmeza, mas apenas usei essa falsa
confiança para mascarar o arrepio que me subiu pela espinha.
Meus batimentos cardíacos vacilaram com a constatação de que iria
encarar Journey novamente. E que, além disso, enfim teríamos uma
conversa que foi adiada por anos a fio.

Depois que encerramos nosso assunto, Ezra deu meia volta, e eu


segui com a minha caminhada noturna por Stratford. Apesar de ser
outono, a temperatura estava bastante agradável.
Sempre detestei correr, mas caminhar para mim era algo sagrado.
Nesses momentos eu conseguia espairecer, pensar com mais clareza e
enxergar as coisas com uma perspectiva mais positiva. Eram raras as
vezes em que recorrer a isso não me ajudava. E agora eu me encontrava
no meio de uma dessas raridades.
Enquanto voltava para casa, tinha total consciência de que dormir
seria um tanto quanto difícil depois daquela conversa. No pouco tempo
em que eu estava de volta a Stratford muitas coisas aconteceram, e não
estava sendo fácil conciliá-las.
Antes de reencontrar Journey, eu me descobri incontrolavelmente
ansiosa por isso e, quando finalmente nos vimos, sua indiferença me
incomodou muito mais do que deveria.
Voltei a escrever depois de um longo período sem conseguir criar
nada.
E Ezra, após me tratar de uma forma nem um pouco amigável,
contou-me que o passado ainda era um assunto tão pendente para Journey
quanto para mim.
Muitas novidades inesperadas precisavam ser digeridas.
Entrei em casa e notei que meus pais já estavam dormindo, então subi
direto para o quarto. Logo vi que deixei o laptop aberto e me aproximei
para fechá-lo.
A barra de notificações estava piscando, o que despertou minha
curiosidade. Depois de averiguar de onde elas estavam chegando descobri
que, ao invés de clicar em salvar, cliquei em publicar, e o texto que escrevi
antes foi postado no blog.
Havia vários novos acessos, pessoas comentando sobre o quanto se
identificaram e perguntando se eu voltaria a publicar com frequência, o
que me surpreendeu muito, pois, mesmo tendo postado por engano, os
antigos seguidores ainda estavam lá, comemorando o meu retorno.
Era cedo para afirmar, mas a possibilidade de a escritora Katherine
Cohen estar ressurgindo das cinzas passava a ser cogitada.

Na manhã seguinte, acordei sendo prestigiada pelos raios de sol que


se infiltravam através da janela e se espalhavam pelo quarto, dando uma
prévia de que aquele seria um lindo dia de céu azul.
Não era novidade o que eu logo senti vontade de fazer, afinal, não
havia conjunto melhor do que caminhar enquanto sentia o calor do sol na
pele. Como era cedo, arrumei-me e saí fazendo o mínimo de barulho
possível, pois meus pais ainda dormiam.
Era indescritível a sensação de desfrutar da calmaria de uma manhã
ensolarada com temperatura amena.
Eu não imaginava, no entanto, que essa calmaria logo se esvairia.
Dois quarteirões a diante, vi que alguém estava correndo na minha
direção sem camisa. Quando cheguei mais perto, descobri que o corredor
que vestia apenas uma bermuda cinza de moletom era Journey.
Diminuí o ritmo dos meus passos e fiquei boquiaberta com aquela
visão. Na época da escola ele já tinha um bom físico devido à prática de
esportes, mas nem se comparava ao resultado dos anos de treino que eu
via agora.
Entretanto, a admiração se logo transformou em frustração, pois, ao
perceber que era eu quem estava alguns passos à sua frente, Journey
atravessou a rua.
Esse comportamento quase que infantil não podia mais se prolongar,
não tínhamos como ignorar um ao outro para sempre. Então, cedendo ao
impulso, decidi falar com ele. Ou ao menos tentar.
— Journey, espere! — tive que gritar para que me escutasse.
Ainda assim, ele fingiu que não ouviu e continuou correndo.
Reuni minha coragem e disparei até conseguir alcançá-lo. Parei bem à
frente dele, impedindo sua passagem, e decretei:
— Você vai ter que me escutar.
Ele estampou um olhar debochado e tentou se esquivar de mim,
obrigando-me a colocar a mão em seu peito para que parasse, gesto que
roubou nossa atenção por um breve e acalorado instante. Estávamos há
oito anos sem tocar um no outro.
Mesmo que ainda houvesse algum sentimento soterrado dentro
daquele coração de pedra, suspeitei de que jamais seria capaz de despertar
um mísero lampejo deles. Journey não aparentava estar nem um pouco a
fim de me permitir fazer isso.
Ele corrigiu sua postura, cruzou os braços e suspirou exageradamente
para enfatizar sua impaciência.
Áspero, proferiu:
— Então fale de uma vez, Katherine.
Seus orbes cor de mel eram desafiadores.
Um silêncio estarrecedor perdurou entre nós enquanto encarávamos
fundo nos olhos um do outro. As lembranças da nossa última conversa
pairavam na minha mente, e desconfio que na dele também.
Ele jurando que me apagaria da sua memória.
Eu virando as costas e indo embora.
Journey ergueu uma sobrancelha como quem dissesse e então, e isso
me trouxe de volta dos devaneios.
Eu não tinha um discurso ensaiado. Pensei inúmeras vezes no que
diria a ele quando esse momento chegasse, mas as palavras pareciam fugir
agora que isso finalmente tinha acontecido.
Respirei profundamente e passei a despejar tudo que vinha na cabeça,
desistindo de me dar ao trabalho de pensar com clareza antes.
— Eu não fazia ideia do quão errada era a decisão que estava
tomando na época, achava que era minha única chance, minha única
opção. Sei o quanto te magoei, e posso garantir que ir embora foi tão
difícil para mim quanto para quem ficou, mas eu precisava perseguir esse
sonho, entende? Sentia que, se permanecesse aqui, ficaria presa nessa
cidade para sempre, teria uma vida pequena como todas as outras pessoas.
E eu queria uma vida grande. Só que nada aconteceu como imaginei, fui
do céu ao inferno e despenquei do topo direto para o fundo do poço. Meu
sonho, que eu acreditei que tivesse se realizado, foi ficando cada vez mais
distante.
Fiz uma pausa para avaliar sua expressão, mas ele se mantinha
imparcial. Inflexível. Então prossegui, determinada a terminar o que tinha
começado.
— Obviamente conheci várias pessoas durante todos esses anos, mas
tive apenas um relacionamento sério que foi completamente embasado na
zona de conforto. E quando esse namorado me pediu em casamento, tive
certeza de que aquela vida não era o que eu queria, que definitivamente
aquilo não me servia mais, e decidi voltar para Stratford. Entendi, tarde
demais, que não precisava ter partido. Agora estou aqui, procurando por
um novo rumo e tentando recomeçar do zero. — Dei de ombros, achando
que tinha finalizado, mas decidi confessar mais uma coisa: — Acabei de
te resumir brevemente a minha vida e em todo esse tempo nunca tive
coragem de procurar por notícias suas ou de pedir sobre você para alguém.
A sua vida nesses oito anos foi uma verdadeira incógnita para mim.
Seu semblante frio e indiferente havia finalmente mudado. Ele
continuava taciturno, mas sua expressão passou a revelar resquícios de
vários sentimentos embaralhados. Tristeza, decepção, surpresa e uma
ínfima e discreta compreensão.
Fiquei fascinada por perceber como eu ainda era capaz de decifrar o
que ele estava sentindo quando esquecia de mascarar seus sentimentos.
Permaneci em silêncio, aguardando sua resposta.
Journey desviou o olhar para impedir que eu continuasse
examinando-o e, por fim, indagou:
— Já terminou?
Antes que eu pudesse responder, ele voltou a correr.
“Tudo que sei desde ontem é que tudo mudou
Você será meu e eu serei sua
Volte e diga-me por que
Me sinto como se tivesse
Sentido sua falta todo esse tempo
E encontre-me aqui essa noite
E diga-me que isso tudo
Não é coisa da minha cabeça”
Everything Has Changed – Taylor Swift ft. Ed Sheeran

Atordoada, permaneci parada na calçada, observando-o correr para


longe. Engoli minha própria saliva, tentando dissipar o nó na garganta
enquanto assimilava toda aquela encenação de indiferença do novo
Journey, um tanto divergente daquele que eu costumava conhecer, que
sempre se mostrou compreensivo e que sabia se colocar no lugar dos
outros. Parecia que tudo o que aconteceu em sua vida desde que parti o
levou a se tornar uma pessoa completamente diferente, e senti uma
pontada de culpa por isso, assim como senti falta do Journey com o qual
eu estava habituada.
Voltei a pensar na conversa que tive com Ezra e em tudo que ele me
contou e precisava admitir que uma parte de mim, bem lá no fundo,
inevitavelmente se encontrava tentada a trazer Journey para perto e
mostrar-lhe que poderia não ser tarde demais. Queria tanto que ele se
livrasse dessa máscara de alguém que não se importa e permitisse que o
muro ao redor de seu coração fosse, pouco a pouco, derrubado.
Mas essa era a emoção falando. A razão me alertava que esse seria
um jogo perigoso, principalmente quando tudo o que eu mais precisava no
momento era de calmaria para conseguir me reconstruir.
Ao retornar para casa, fui recepcionada por uma mesa de café da
manhã farta e por meus pais, Lori e Guido, que estavam me esperando.
Antes de voltar a Stratford, tive medo de que eles não tivessem mais
orgulho de mim, que fossem jogar na minha cara o quanto estava
enganada e que deveria tê-los escutado, mas isso não aconteceu sequer
uma única vez. Mesmo quando iam me visitar, nunca explanavam todos os
meus tantos erros, sempre continuavam me incentivando.
Os dois me conheciam bem e sabiam que, apesar de sua insistência
em tentar me fazer ficar, eu precisava ir e descobrir sozinha o quanto
poderia estar certa ou errada. Sabiam que eu precisava cair para aprender a
me reerguer.
Quando tudo estava ruindo e parecia não ter mais solução, eles
estenderam seus braços para me acolher, permitindo que eu tentasse
descobrir como restabelecer minha vida. Independentemente da situação e
de onde estivesse, eu sabia que sempre poderia voltar para casa.
— Quando te vi entrando pela porta com essa roupa esportiva e o
cabelo amarrado, parecia que eu estava vendo a Katherine de dezoito anos
voltando para casa depois das suas sagradas caminhadas — minha mãe
comentou, nostálgica. — Fazia tanto tempo que isso não acontecia.
— Eu sei, mãe, desculpa por ter ficado tanto tempo sem voltar para
casa — respondi, sinceramente arrependida, enquanto parava atrás dela na
cadeira e brincava com seus cabelos que já exibiam diversos fios brancos.
— E quem me dera ainda estivéssemos naquela época!
— Bom, se estivéssemos lá, com certeza eu te prenderia em casa e
não te deixaria ir embora — brincou meu pai. Ele, sim, já tinha o cabelo
completamente grisalho.
— Agora chega de lamentar, sente-se à mesa e coma alguma coisa,
que, aliás, já deveria ter comido antes de sair — arrematou minha mãe.
Eu poderia ter cinco, dezoito ou vinte e seis anos, que ela sempre se
preocuparia com a minha alimentação e com qualquer outra coisa boba.
Algumas coisas jamais mudariam.

Mais tarde naquele dia, chequei o blog novamente. As notificações


não paravam de chegar. Inúmeras pessoas comentavam o post dizendo que
por muitas vezes se sentiam da mesma forma e pedindo para que eu
continuasse escrevendo.
Foi exatamente o que fiz.
Colocar tudo para fora através das palavras normalmente era um
alívio, mas, naquele momento, só fazia com que a angústia que eu estava
sentindo crescesse ainda mais. Assim como o aperto que eu sentia no
peito.
Detestava ficar com assuntos mal resolvidos e inacabados. Detestava
ficar de mãos atadas esperando as coisas se resolverem por conta própria,
ou então deixar o tempo agir. Sabia que, normalmente, essa era a melhor
opção, mas sempre fui extrema e irremediavelmente insistente. E, àquela
altura, já tinha resolvido que insistiria mais uma vez, pois ainda não havia
me dado por vencida e precisava tentar fazer com que Journey me
entendesse.
Quando percebi, já estava na calçada avançando em direção à casa
dos Blake.
Antes que eu pudesse tocar a campainha, a porta se abriu.
Pelo visto o destino gostava de jogar conosco, pois quem estava
saindo era justamente a pessoa com a qual eu queria falar.
Ele ficou um tanto surpreso em me ver, mas logo se recompôs e
arqueou a sobrancelha. No entanto, a expressão que moldou seu rosto
parecia milimetricamente calculada para me intimidar.
— Quer que eu chame alguém? — perguntou, sarcástico.
— Não. Vim até aqui para falar com você, Journey.
— Pensei que já tínhamos terminado nossa conversa hoje de manhã.
— Você a terminou, mas eu ainda tenho mais para dizer. — Cruzei os
braços e ergui levemente meu queixo, demonstrando que não sairia dali
até ser ouvida.
Ele suspirou, dando-se por vencido. Em seguida, fechou a porta,
recostou-se no batente e colocou as mãos nos bolsos da calça.
— Então fale de uma vez, Katherine — repetiu a mesma frase que
havia dito mais cedo.
Reprimi a irritação que seu comportamento me fez sentir e afrouxei
os braços. Pensei em dar um passo à frente, mas me contive. Isso só iria
afugentá-lo ainda mais.
Antes de vir, não pensei exatamente no que diria, só ansiava por
tentar resolver essa situação esmagadoramente incômoda entre nós dois.
Agora, encarando-o frente a frente, eu queria fazê-lo entender que não
o tinha abandonado. Que ele não foi rejeitado.
— Nada do que eu fiz no passado teve a ver com você. Não foi por
falta de amor, não foi porque eu não estava feliz com nosso
relacionamento nem nada disso. Foi única e exclusivamente porque eu
tinha que ir embora, tinha que correr atrás de tudo com o que sempre
sonhei. Precisava tentar construir uma carreira. E eu era qualquer coisa,
menos paciente. Queria tudo imediatamente. Então, por favor, jamais
pense que eu não te achava o suficiente para mim, que fez algo de errado
ou que eu queria um pretexto para te deixar. Você sempre foi tudo de que
eu precisei. Mas que garantia eu tinha de que ficaríamos juntos para
sempre? De que não terminaríamos, sei lá, no mês seguinte? Nós éramos
tão jovens... — Examinei atentamente seu rosto enquanto falava, e seus
pensamentos pareciam divagar como se estivesse relembrando alguma
coisa. Percebi quando sua mente aparentou estar de volta ao presente
momento, denunciada pela mandíbula travada e pela dor que seus olhos
não deram conta de disfarçar. — Fale alguma coisa, Journey — supliquei.
Ele olhou para baixo exalando melancolia e, depois do que pareceram
longos e incontáveis segundos, voltou os olhos para cima e encarou
diretamente no fundo dos meus.
— Sabe o que mais me deixou com raiva quando você voltou e disse
todas aquelas coisas? Quando pediu desculpa e me contou sobre a sua
vida nesses últimos anos? — Ele esboçou um sorriso amargo,
decepcionado. — O que mais me deixou com raiva foi o fato de que você
largou toda a sua vida aqui por nada. Não chegou a lugar algum,
Katherine. Você jogou fora os nossos planos e a mim, e não valeu a pena.
Foi tudo em vão.
Essa foi uma pancada e tanto. Engoli rapidamente a bile que ameaçou
subir.
Journey me avaliava, aguardando uma reação. No fundo, deveria
saber que não receberia uma resposta, e, honestamente, eu não a tinha. Ele
não mentiu, e eu não podia refutar as verdades que jogou na minha cara. E
essas verdades doíam como o inferno.
— Acho que, finalmente, encerramos essa conversa — declarou
Journey, claramente satisfeito consigo mesmo.
Concordei com a cabeça, mesmo que contrariada e em conflito com
meus próprios pensamentos. Não sei bem o que esperava quando decidi
tentar falar com ele mais uma vez, mas nem cogitava que terminaria dessa
forma.
E, como se não bastasse, eu ainda teria que encará-lo mais uma vez
no final daquele dia.
— Nos vemos no jantar — despedi-me com essa sentença, deixando-o
confuso, mas não lhe dei tempo de protestar, assim como ele fez comigo.
Virei as costas e fui embora.

Não sei o que mais posso dizer


para tentar te convencer de que o
problema nunca foi você
não sei como posso te fazer entender
que era eu quem precisava crescer
que era eu quem precisava deixar de ser
apenas uma garota de cidade pequena
que ansiava por se tornar algo além
do que apenas isso
algo além de alguém fadado a um
futuro predestinado e calculado
monótono e indesejado
eu queria o mundo e não fui capaz
de enxergar que você faria
qualquer coisa para tê-lo me dado
queria ter visto antes
o que só passei a enxergar agora
quero que saiba que da sua parte
nunca me faltou nada

Mais uma atualização publicada no blog.


Se não me fiz entender falando tudo em voz alta e cara a cara, pelo
menos eu ainda podia colocar meus sentimentos mais sinceros nas
palavras. Era poderosa a sensação de ser transparente daquela forma em
um poema. E também era poderosa a sensação de saber que minha arte
não ficaria escondida, que seria lida, seria vista. E que alguém poderia ser
tocado através dela.
Lembrava-me tão bem de quando comecei a escrever e descobri,
instantaneamente, que aquela era a minha vocação, transformando-a na
maior certeza da minha vida. Estava tão certa disso quanto de que o sol
voltaria a nascer no dia seguinte, de que as estrelas voltariam a brilhar à
noite e de que as ondas do mar se dissipariam ao chegar à costa.
Recordo-me excepcionalmente de quando decidi que queria ser
escritora e do quanto me apavorava a possibilidade de permanecer
anônima, de que ninguém quisesse perder seu tempo lendo o que eu havia
escrito. Lembro-me da angústia e do desespero que insistiam em ser
visitas constantes, atormentando-me com o pensamento de que eu jamais
chegaria a lugar algum. Que jamais me destacaria nesse meio.
Quando contei ao meu pai que essa era a profissão que eu tinha
escolhido, surpreendendo-me, ele disse bom, então vamos correr atrás
disso. Recebi tanto apoio em uma escolha que não era comum, que queria
desesperadamente ser motivo de orgulho para todos e angariar conquistas
para serem comemoradas.
Esse desespero foi justamente o propulsor que me levou a ir embora.
Fui completamente dominada pelo medo de nunca conseguir me destacar
e deixei que ele me guiasse.
Talvez esse tenha sido, dentre tantos outros, o meu maior erro. Dar
mais atenção àquilo que me apavorava do que àqueles que me apoiavam.
Ao voltar para Stratford, pensei que seria esse o sentimento que
tornaria a me torturar, pensei que eu teria que lidar novamente com o
receio de não me reerguer na carreira de escritora. Entretanto, eu estava
voltando a chamar a atenção dos leitores e, pouco a pouco, estava
reconquistando um bom público.
Os sentimentos que passaram a me perturbar eram completamente
inusitados. E, em breve, eu estaria olhando nos olhos do motivo deles.

Lembrei-me da primeira vez em que jantei na casa dos Blake para


oficializar o relacionamento com Journey e ser apresentada aos seus pais
como sua namorada, muito embora eles já me conhecessem de longa data.
Apesar de serem meus vizinhos, eu fiquei tão tímida que mal conseguia
falar, estava com medo de que eles pudessem não gostar de mim ao me
conhecerem melhor. Journey ficou rindo disso a noite inteira.
Pilar e Jeremiah foram muito gentis e acolhedores, e aquela acabou
sendo uma noite ótima, provando o quanto meus receios tinham sido em
vão.
Ainda assim, bons anos depois, eu me sentia novamente uma pilha de
nervos. E como que para ampliar minha aflição, o restante do dia passou
voando.
O relógio estava quase marcando oito horas da noite. Havia trocado
cinco vezes de roupa para, no fim, vestir a primeira que provei. Subi e
desci a escada que ligava os dois andares da minha casa inúmeras vezes, o
que fez meus pais trocarem olhares sugestivos, como se compartilhassem
algum segredo. Olhei tanto para o meu reflexo no espelho que imaginei
que ele seria capaz de ganhar vida só para me expulsar da sua frente.
Até que, finalmente, para não correr o risco de desistir, limpei todos
os pensamentos da mente e me dirigi à casa ao lado.
Ao chegar, logo toquei a campainha para impedir a mim mesma de
sair correndo. Meu coração batia tão acelerado que parecia estar tentando
saltar para fora.
Dei-me conta de que, mesmo já tendo jantado várias vezes com
aquela família, seria meu primeiro jantar na casa nova que fora construída,
e minha curiosidade se acentuou.
Pilar abriu a porta pivotante com um largo sorriso no rosto, puxando-
me para um abraço.
— Esperamos muito tempo para te receber aqui novamente,
Katherine. Ficamos tão felizes quando Ezra disse que aceitou jantar
conosco!
— Mal consigo acreditar que já faz tanto tempo desde a última vez!
Fiquei muito agradecida pelo convite.
Jeremiah me recebeu tão animado quanto ela, e Ezra também foi
simpático dessa vez. Depois de cumprimentar os três, todos direcionamos
nossos olhares a Journey, que assistia à cena da sala.
Ele vestia uma camisa azul marinho abotoada até em cima e uma
calça jeans escura. As mãos estavam dentro de seus bolsos, aparentemente
essa era uma mania que havia adquirido.
Vacilei com aquela visão.
Creio que estávamos os quatro ponderando se Journey me ignoraria
novamente, mas, se essa era sua intenção inicial, ele a reprimiu.
— Boa noite, Katherine. — Era a primeira vez que ele se dava ao
trabalho de me cumprimentar.
— Boa noite, Journey. — Era a primeira vez que eu não precisava
obrigá-lo a falar comigo.
Ao mesmo tempo, em uma tentativa de amenizar a tensão, todos
iniciaram assuntos diferentes, o que acabou fazendo-nos rir. Até Journey,
reparei, esboçou um quase imperceptível sorriso, o que dissipou um pouco
do meu nervosismo.
A casa era tão linda por dentro quanto por fora, todos os cômodos
eram enormes e impecavelmente decorados com móveis em tons claros.
Entre a sala de pé direito alto e a cozinha de conceito aberto havia uma
parede repleta de fotografias antigas e atuais, e me aproximei para
observá-las.
Pela primeira vez pude ver Journey com o uniforme azul do
Vancouver Canucks, o qual lhe caía muito bem por sinal, e até através da
foto era possível notar seus olhos brilhando de orgulho e felicidade pela
sua posição.
Na extremidade direita da parede, reparei em algo que fez meu
coração titubear. Havia uma fotografia de nós dois, bem no início do
namoro. Tentei refrear um sorriso, mas ele surgiu involuntariamente nos
meus lábios enquanto fiquei olhando para a foto, e todos perceberam.
Inclusive ele, que não tinha tirado os olhos de mim desde que cheguei.
Durante o jantar a tensão inicial já tinha se esvaído, eu estava menos
nervosa e o clima era até mais tranquilo do que eu esperava.
Pilar cozinhou meu prato predileto, craquelê de frango – requeijão no
fundo da travessa, molho de frango cortado em cubos no meio, queijo
derretido por cima e batata palha para finalizar –, e ainda era tão delicioso
quanto eu me lembrava.
Depois que todos terminamos de comer, eles começaram a se divertir
recordando da primeira vez em que jantei lá.
— Você estava vermelha como um pimentão quando entrou,
Katherine! — lembrou Ezra, emendando uma risada.
— Achei que não ouviria sua voz a noite inteira! — zombou Pilar.
— Eu tinha pensado em algumas piadinhas para te deixar sem graça
de propósito naquela noite, mas você já chegou tão envergonhada que nem
tive coragem de curtir com a sua cara — admitiu Jeremiah.
Estávamos nos divertindo com aquelas lembranças, e me surpreendi
ao ver que Journey também ria. Quando nossos olhares se encontraram,
ele até sustentou o sorriso por alguns instantes.
Acredito que Ezra, Pilar e Jeremiah perceberam isso, pois os três
começaram a se levantar da mesa, inventando desculpas esfarrapadas para
se retirarem. Primeiro, Journey balançou a cabeça negativamente, mas por
fim acabou rindo da inexistente discrição da sua família.
Ele aguardou até que todos tivessem saído do cômodo e, então,
finalmente olhou para mim. O sorriso em seu rosto foi desfazendo-se até
sua expressão ficar séria.
— Kath... Me desculpa — Journey finalmente se pronunciou.
Quer dizer que agora ele tinha voltado a usar o apelido pelo qual me
chamava quando namorávamos?!
Fiquei incrédula, e meus instintos me alertaram para que desconfiasse
daquilo. Permaneci em silêncio, esperando que ele continuasse.
— Agi igual a uma criança por algo que aconteceu há tanto tempo,
isso não está certo. As coisas que te falei foram muito insensíveis, e
gostaria de retirá-las. Você se doou completamente ao seu sonho e não
mediu esforços para persegui-lo, não tem como isso ter sido em vão. Você
não é um fracasso. Na época, eu estava adiando a minha inscrição em
universidades mais privilegiadas por ser um covarde, enquanto você,
destemida, decidia se jogar no mundo sozinha. Então acho que, além de
toda a mágoa por ter me deixado, eu também fiquei com inveja da sua
coragem. — Seu olhar parecia suplicar para que eu o compreendesse. —
Quando te vi ontem depois de tanto tempo, minha primeira reação foi
direcionar toda a frustração do passado em você. Mas não havia motivo
algum para isso, já que, afinal, é passado. Então eu preciso te pedir
desculpa por ter sido tão imaturo e grosseiro.
Pisquei os olhos para me certificar de que eu estava na realidade, e
não em um devaneio. Encontrava-me completamente aturdida com
aquelas palavras, jamais esperava ouvi-las dele, principalmente o pedido
de desculpa.
Eu acreditava desconfiando. Apesar de não saber se poderia
realmente confiar nele, queria muito que tudo aquilo tivesse sido dito com
sinceridade. Precisava admitir que seria um grande alívio. A bandeira de
paz sendo hasteada e anunciando o cessar fogo. Cessar máscaras,
ressentimentos e indiferença.
— Se você conseguir colocar uma pedra no passado e deixar os
sentimentos ruins para trás, eu posso aceitar suas desculpas — propus.
— Então temos um acordo, Katherine Cohen.
— Finalmente, Journey Blake.
Ele sorriu com a resposta, e, enquanto me fitava, percebi que havia
alguma coisa escondida por trás dos seus olhos que eu não fui capaz de
decifrar, como se ele soubesse de algo que eu não sabia.
E o que eu não sabia, de fato, era como agir agora que a paz havia
sido selada. Seríamos meros conhecidos? Vizinhos que se
cumprimentavam enquanto ele estivesse em Stratford? Amigos? Gostaria
de mantê-lo na minha vida se ele voltasse a ser o Journey que eu conhecia,
mas não fazia ideia de quais eram as suas intenções.
Eu estava dividida entre o alerta constante por toda essa mudança
repentina de comportamento e a esperança de que ele realmente
conseguisse se livrar de todo o rancor que guardava.
Todos os resquícios de nervosismo que tinham se dissipado voltaram
a se agrupar, deixando-me inquieta. E a constatação de que seus olhos
estavam caídos sobre mim sem desviar também me impedia de ficar
tranquila.
Sentindo o tanto que meus músculos estavam tensionados ao fazer
isso, interrompi o contato visual e me levantei da mesa, indo até a parede
de fotografias, atraída para onde estava a nossa. Passei os dedos sobre sua
superfície e notei que Journey me seguiu, posicionando-se logo atrás de
mim.
— Eu me lembro do dia em que tiramos essa — confessei, virando de
frente para ele.
— Depois que desfizemos a pose da foto, você me empurrou e saiu
correndo — Journey completou, a recordação o fez sorrir.
— E aí você correu atrás de mim e nós caímos juntos no chão. — Eu
também sorria.
— Então começou a chover, e a gente... — Ele interrompeu a fala,
certo de que eu também me lembrava do que aconteceu quando a chuva
irrompeu sobre nós, e passou a me encarar de uma forma tão intensa que
me deixou ainda mais desconcertada.
Journey começou a chegar cada vez mais perto, tanto que já
conseguia sentir seu calor irradiando em minha direção. Tão perto que
podia sentir sua respiração pesada contra o meu rosto.
Suas mãos firmes se aconchegaram em minha cintura, puxando-a para
si sem pressa. Ele não desviava o olhar da minha boca. Seu rosto foi
aproximando-se até nossas testas se encostarem, e ficamos alguns
segundos apenas absorvendo aquele momento.
— O que está fazendo? — Minha voz saiu fraca. Meu corpo todo
estava em estado de alerta. Parecia que cada parte de mim havia
despertado naquele instante.
Tive a impressão de que minha pergunta o acordou de um transe,
pois, repentinamente, ele afastou seu rosto. Mesmo não gostando de
admitir, senti-me desalentada ao pensar que ele recuaria. No entanto,
Journey me pegou completamente de surpresa ao romper o espaço entre
nós empurrando-me delicada e, ao mesmo tempo, decididamente contra a
parede, prensando seu corpo no meu.
Seus olhos cintilavam de luxúria e desejo, ainda concentrados na
minha boca.
Céus, como eu queria que tudo o que aquela provocação insinuava
que aconteceria realmente acontecesse. Como eu queria me deixar levar
cegamente. Como eu queria calar meu lado racional.
Mas eu não conseguia ignorar o aviso que ele me enviava.
— O que você quer de mim, Journey? O que tudo isso significa? O
que nós seremos a partir de agora? Meros vizinhos, conhecidos... Amigos?
Ele esboçou um sorriso sarcástico, finalmente desviando os olhos da
minha boca para direcioná-los aos meus.
— Você sabe muito bem que não conseguiríamos ser apenas amigos.
Suas mãos pressionaram minha cintura com mais força, como que
para enfatizar seu argumento.
— Então me responda... O que está fazendo?
Ele não me deu uma resposta, mas seu rosto chegou ainda mais perto
do meu. Perigosamente perto. Torturantemente perto, o suficiente para
provocar um beijo roubado se algum de nós ousasse ceder.
Meu coração batia acelerado, pulsando descompassado.
Meus sentidos atingiram o ápice de alerta.
— Você não está em um rinque, Journey. Isso aqui não é um jogo —
sussurrei contra seus lábios.
— É uma pena... — ele sussurrou de volta, sem romper a
proximidade. — Porque quando se trata de jogo, eu não costumo perder.
Uma grande parte de mim torcia para estar enganada, enquanto a
outra estava alarmada, tomada de desconfiança pela sua mudança de
postura.
Finalmente, dando ouvidos aos meus instintos racionais, pousei a mão
em seu peito e o afastei cuidadosamente. Journey se deixou levar sem
protestar, mas não pude deixar de notar sua mandíbula travada.
— Acho melhor eu ir embora — anunciei assim que me recompus.
— Tudo bem — ele respondeu apenas, fitando o chão.
Vasculhei os outros cômodos com o olhar tentando encontrar alguém,
mas aparentemente os outros membros da família Blake tinham
desaparecido completamente pela casa.
— Diga aos seus pais que agradeço muito pelo jantar.
— Uhum, pode deixar — proferiu de modo quase inaudível, ainda
incapaz de me encarar.
Avancei em direção à porta e ele me seguiu, mantendo distância.
— Boa noite — despedi-me, olhando por cima do ombro.
— Boa noite, Kath — Journey permaneceu diante da porta,
acompanhando-me com o olhar até que eu entrasse dentro de casa.
“Mas querida, aí vai você de novo
Me fazendo te amar
Tenho você presa no meu corpo
Como uma tatuagem
E agora eu me sinto estúpido
Rastejando de volta para você
Então faço uma promessa que
Espero cumprir até morrer
Que só ficarei com você mais uma noite
Tento lhe dizer “não”
Mas meu corpo continua te dizendo “sim”
One More Night – Maroon Five

Os cabelos castanhos de Katherine estavam ainda mais longos do que


na época, e seus olhos tão azuis quanto o céu continuavam exatamente
como eu lembrava.
Seria muito fácil me perder nas profundezas deles. Seria muito fácil
me esquecer do passado e do mundo inteiro enquanto estivesse olhando
dentro deles. Seria fácil demais mandar a razão e todo o resto para o
espaço e me deixar levar pela sua incontestável beleza.
Seria, se ela não tivesse optado pelo único caminho que nos separaria.
Se não tivesse me arrancado de sua vida e me jogado para escanteio assim
que a oportunidade surgiu. Se não tivesse ido embora, obrigando-me a
desistir de todos os planos que tínhamos feito até então. Se não tivesse,
unilateralmente, feito uma escolha que mudou tudo para nós dois. E ainda
assim, Katherine queria que eu entendesse o lado dela!
Fui eu quem ficou sozinho naquela cidade, lidando com a rejeição e
com o coração despedaçado, incapaz de compreender sua decisão tão
abrupta e egoísta. Esse era o lado que eu conhecia e entendia. O lado de
quem teve que catar seus pedaços e seguir em frente para encarar uma
vida completamente diferente daquela que havia sido imaginada.
Tudo que eu me esforçava para enxergar quando a via era a mulher
que me deixou. E que me deixou para levar um tombo atrás de outro e não
conquistar nada daquilo que almejava. Ela nos fez passar pelo inferno a
troco de nada. A troco de voltar para cá de mãos atadas tendo que
recomeçar do zero.
O que me deixava em estado de alerta, no entanto, era que apesar de
tudo isso, de todos os motivos que me faziam querer repudiá-la, precisei
reunir todo o meu autocontrole para não a impedir de ir embora na noite
passada. Eu não estava preparado para tudo que senti ao chegar tão perto
dela de novo. Não estava preparado para a vontade crescente de tomá-la
em meus braços e sentir seu gosto novamente, depois de tanto tempo.
Mas eu não poderia, de forma alguma, jamais e em nenhuma
hipótese, me autossabotar dessa maneira. Precisava me manter fiel ao meu
propósito e dar um jeito de manter todos os muros que havia construído
completamente intactos. Precisava fazer com que minhas barreiras
permanecessem firmes e inabaláveis.
Katherine disse que eu não estava em um rinque, e nisso ela tinha
razão. Mas estava enganada ao pensar que não nos encontrávamos no
meio de um jogo.
E esse, por sua vez, havia apenas começado.
E eu, por minha vez, costumava sempre vencer.
Já conseguia ouvir o som da buzina anunciando meus pontos.
Concordava que a palavra vingança soasse um pouco forte demais,
mas tinha uma coisa pela qual eu estava determinado a arriscar minha paz
e meus sentimentos.
Meu desígnio, agora, era fazer Katherine sentir ao menos uma parte
do martírio que me fez enfrentar quando foi embora. Ao menos uma parte
da desolação e da impotência que me assolaram. De saber como era
desejar com todas as forçar algo que não poderia ter.
Então, que seguissem os jogos.

Eu tinha a impressão de que meus sentimentos nunca mais cessariam


seus conflitos.
Pensei que finalmente teria paz quando Journey se desculpou, mas
isso não durou mais do que apenas alguns minutos, e então foi como se o
mundo entrasse em combustão.
Primeiro, eu estava amargamente angustiada por não saber como lidar
com sua indiferença. Depois, estava desesperadamente aflita quando tive
toda sua atenção voltada para mim. Quando seus olhos não desgrudavam
da minha boca. Quando tive seu corpo prensado contra o meu e suas mãos
envolvendo minha cintura.
Os meus sentidos guerreavam entre si, querendo se entregar, ceder,
deixar-se levar. E ao mesmo tempo querendo correr, fugir, proteger-se do
estrago que poderia ser causado caso o lado racional não fosse ouvido.
Agora, estava desgraçadamente confusa.
Journey deixou bem claro que não seríamos amigos. Mas quais eram
as nossas possibilidades, então? Ele realmente estava disposto a reatar um
relacionamento acabado há oito anos, do qual vinha mantendo apenas
mágoa e ressentimento? Ou estava brincando comigo, provocando-me
daquele jeito? Estaria eu disposta a me sujeitar a isso?
Tinha total consciência de que precisei reunir toda a minha força de
vontade para afastá-lo na noite passada, e também de que não devia me
deixar levar dessa forma. Mas quando se tratava de Journey extinguindo
completamente a distância entre nós dois, tudo que eu sentia saía do
controle, ficava fora do meu alcance. Costumava ser assim na época, e
pelo visto continuaria sendo.
Mal consegui tomar café da manhã, tamanha era a agonia que me
perturbava. Passei de uma situação mal resolvida para outra ainda mais
complexa. No fim, apenas troquei o motivo da angústia.
Enquanto tentava transpassar uma parte disso para as palavras, ouvi a
campainha tocar.
Meu coração deu um salto ponderando sobre quem poderia estar do
outro lado da porta, e, ao abri-la, descobri que ele estava certo por ter tido
aquela reação.
— Oi, Kath — Journey cumprimentou em um tom que o denunciava
estar sem graça, assim como eu.
— Oi... — Não sabia ao certo como agir. A lembrança da noite
passada ainda estava bem vívida na minha mente, e acredito que na dele
também.
O suspiro que ele deixou escapar atraiu minha atenção.
— A situação entre nós ficou esquisita, não é? Assim como eu
temia... — confessou. — É por isso que estou aqui. Desde que você
voltou, nós tivemos duas oportunidades de começar do jeito certo, e
estragamos, ou melhor, eu estraguei ambas. Na primeira vez em que te vi,
sequer te cumprimentei. E ontem, quando finalmente nos entendemos,
ultrapassei todos os limites. Acho que precisamos começar de novo, Kath,
e da forma correta desta vez.
Finalmente tomei coragem para encará-lo nos olhos. Tentei buscar
por algum sinal de controvérsia ou do joguinho da noite passada, mas não
consegui enxergar nada de errado, nada que me alarmasse. Ele aparentava
estar sendo sincero.
— Eu concordo plenamente, Journey. Ontem resolvemos uma
situação complicada e acabamos criando outra mais ainda. Nós
precisamos ir com calma, independentemente de qual seja o destino disso.
— Você tem toda a razão. E este é o segundo motivo pelo qual eu
vim, quero te convidar para passar este dia comigo — ele revelou, sem
rodeios.
— Acha que essa vai ser uma boa ideia? — Eu mesma não tinha
certeza de que seria.
— Sinceramente? Acho que vai, sim. Acredito que precisamos nos
conhecer de novo, conhecer aqueles que nos tornamos durante esses anos.
Descobrir o que mudou e o que ainda permanece igual.
Ele me fitava com a ansiedade e a esperança nítidas em seu olhar.
Eu tentava pesar as razões que tinha tanto para aceitar, quanto para
recusar. Mas, no fim, nós dois já sabíamos qual seria a minha resposta.
— E então, você vem? — insistiu.
Sim. Eu iria, sim.

Seguimos caminhando a passos lentos, sem pressa alguma. Era um


tanto nostálgico caminhar ao lado dele na nossa cidade natal. E a nostalgia
se fez ainda mais presente quando avistamos o parque Merry Go Round. O
mesmo que despertou uma lembrança bastante marcante no meu primeiro
dia de volta a Stratford.
— Você deve ter ficado surpresa por ver que o parque ainda existe —
supôs Journey, indicando-o com a cabeça.
— Sim! Mal acreditei quando o vi no meu primeiro dia de volta.
Trocamos um olhar cúmplice de quem compartilhava a mesma
memória, e ela passou a inundar meus pensamentos naquele momento.
Journey foi me buscar em casa às quatro horas da tarde de um
domingo. Parecia uma competição de quem estava mais nervoso, ele ao
finalmente criar coragem para tocar a campainha ou eu ao abrir a porta.
Seguimos caminhando um ao lado do outro. Journey balançou sua
mão despretensiosamente na lateral do corpo até ela esbarrar na minha, e
então ele teve uma deixa para, finalmente, entrelaçar seus dedos nos
meus. Nós nos entreolhamos incapazes de conter os sorrisos abobados.
Era, enfim, nosso primeiro encontro oficial. Estávamos, enfim,
juntos.
Chegamos ao parque e apontamos, frenéticos, para todas as coisas
que poderíamos fazer. Decidimos começar pelas barracas de jogos que
davam prêmios.
No entanto, as expectativas de ganhar algo logo foram frustradas.
Éramos péssimos. Ou, como Journey insinuou, os jogos estavam
programados para nos fazer perder. Não acertamos o arremesso das bolas
dentro da boca do palhaço vezes o suficiente e nem a cesta de basquete —
que bom que o esporte dele era o Hóquei.
Batemos o martelo do teste de força, mas não ultrapassamos o
recorde. No Hóquei de mesa, Journey me venceu de lavada, mas isso não
dava recompensas.
Até que, finalmente, na barraca de atirar em desenhos de patos com a
arma que jorrava água, ele conseguiu vencer e ganhou um urso de
pelúcia cor de rosa enorme, que me entregou pomposamente orgulhoso.
Depois do nosso demorado triunfo, compramos saquinhos de pipoca
e nos sentamos em um banco para comer. Se brincamos de tentar acertar
a boca um do outro com as pipocas? Sim, com certeza.
Quando o céu começou a mudar de azul celeste para os tons
alaranjados do final da tarde, ele me cutucou, anunciando:
— Vem, Kath. Há mais uma coisa que precisamos fazer, e tem que ser
agora.
Journey pegou minha mão e nos guiou até a fila da roda gigante.
Entramos em uma cabine e fomos subindo pouco a pouco. Um de seus
braços já se encontrava ao meu redor, repousando em meus ombros.
Quando todos estavam dentro da roda gigante e ela começou a girar
sem interrupções, Journey aguardou até que chegasse a vez da nossa
cabine parar no topo.
Era exatamente o momento do pôr do sol e estávamos banhados
pelos feixes de luz da hora dourada. A visão que tínhamos dos tons de
laranja e rosa misturando-se no horizonte era de tirar o fôlego. Assim
como o que Journey fez em seguida.
Ele colocou uma mecha do meu cabelo para trás da orelha, e me
encarou com tanta intensidade que fez meu coração saltar.
Pousou uma de suas mãos em minha bochecha e a acariciou delicada
e vagarosamente enquanto chegava mais perto.
Journey desviou o olhar para minha boca e, bons instantes depois,
subiu para os meus olhos.
— Posso? — indagou, a voz quase em um sussurro.
Assenti com a cabeça, distraída demais pelos seus lábios tão
próximos dos meus para falar.
Sua mão que estava livre me puxou para si, e Journey me tomou em
um beijo pela primeira vez.

— Vamos começar pelo básico — sugeriu Journey.


Percorremos a cidade até chegar ao Teatro Avon. Como já era meio-
dia, compramos o cachorro-quente mais famoso da cidade, vendido em
uma lanchonete instalada dentro de um pequeno container do outro lado
da rua, e nos sentamos nas escadarias do próprio teatro para comer. Outra
coisa que remetia ao passado: costumávamos fazer isso mais vezes do que
seríamos capazes de contar.
Estávamos debatendo sobre quais assuntos abordaríamos para
conhecer melhor as nossas “novas versões”.
— O que seria o “básico”? — Representei as aspas com os
dedos. Minhas sobrancelhas se uniram em questionamento.
— As coisas que ainda gostamos, o que não gostamos mais... Por
exemplo, qual é a sua comida favorita?
Até que o “básico” fazia sentido. Perguntas e assuntos triviais seriam
leves, não correríamos o risco de mais momentos tensos. Era uma zona
segura.
Demonstrando minha concordância com o tópico, respondi à sua
primeira pergunta.
— Durante todos esses anos foi pizza de calabresa, mas depois de
comer o craquelê de frango da sua mãe de novo, ele passou para o
primeiro lugar. — Journey exibiu um sorriso. — E a sua?
— Hambúrguer com muito bacon e maionese, sem dúvidas! Qual é o
seu livro favorito atualmente?
— Continua sendo Quem é Você, Alasca? do John Green, mas agora
O Começo de Tudo, da Robyn Schneider, também está no páreo. E você,
por acaso passou a ter algum livro favorito?
— Pior que não — admitiu, meio sem jeito. — O hábito da leitura
não foi algo que eu adquiri nos últimos anos. Eu costumava ler só o que
era escrito por você...
Ele deveria ter feito mais uma pergunta no final da frase, mas ela não
veio. Ao invés disso, apenas nos fitamos, como se pudéssemos escutar
nossos pensamentos. Journey sempre era o primeiro leitor de tudo que eu
escrevia.
O silêncio que se instaurou não era incômodo, mas também não era
confortável. Entretanto, ele não durou muito. Não conseguimos segurar o
riso quando reparamos na boca suja de ketchup um do outro.
A sensação de rir com ele de novo era... Muito boa. Eu não podia
negar.
Quando a risada finalmente cessou, Journey limpou a garganta e
continuou o interrogatório:
— Falando em livros, você ainda odeia o Heathcliff? — Surpreendi-
me por ele ainda lembrar.
— Sim, isso nunca vai mudar!
Ele riu mais uma vez. Journey teve que me ouvir tagarelar por dias na
época sobre O Morro dos Ventos Uivantes e o quanto eu achava alguns
personagens completamente detestáveis.
— Você tem alguma banda favorita agora? — perguntei, lembrando
que ele nunca conseguia escolher uma.
— Ainda sou muito eclético, mas se fosse para escolher a minha
favorita, acho que agora eu conseguiria me decidir por Snow Patrol. E a
sua?
— Continua Maroon 5.
— Nossa, que surpresa! — brincou, pondo a mão sobre o coração de
forma teatral. — Então, muito provavelmente, você ainda é belieber,
também.
— Com certeza. Todos que disseram que essa fase iria passar estavam
muito enganados.
Journey balançou a cabeça negativamente, ainda com um sorriso
divertido nos lábios.
Permanecemos lá, interrogando um ao outro por um bom tempo,
rindo das lembranças que surgiam, descobrindo novas preferências e
dividindo uma lata de refrigerante.
Acabei caindo na real, em determinado momento, de que Stratford é a
cidade natal de Journey, mas não era mais seu lar.
— Como é viver em Vancouver agora? Deve estar bem diferente do
breve período em que morei lá — questionei, pegando-o de surpresa. Não
foi difícil de perceber, pela sua expressão, que ele não esperava por essa
pergunta, mas tratou de responder normalmente.
— A cidade está ainda mais bonita do que quando a visitamos com a
escola no ensino médio e de como devia ser há oito anos, quando você
morou lá. É um lugar realmente incrível, uma pena ser tão longe... —
lamentou.
— Quando você vai voltar? — A pergunta saiu automaticamente,
sem nem me dar tempo de pensar.
— Não precisamos falar disso agora, Kath, ainda temos tempo. —
Journey desconversou, e eu não quis insistir. Admito que, no fundo, estava
apreensiva com a resposta.
Tão repentinamente quanto esse assunto chegou, foi dispensado por
nós.
Pouco tempo depois começamos a fazer o caminho de volta para
nossas casas. Quando fiz esse trajeto sozinha logo ao retornar para
Stratford, torci para que encontrasse Journey ao dobrar uma esquina
qualquer. Agora, após apenas alguns dias, estava caminhando ao lado
dele.
Ficou mais frio do que eu havia previsto, e ele percebeu quando me
encolhi. Antes que eu pudesse revidar, Journey tirou seu moletom e me
alcançou.
— Não precisa, pode ficar com ele. Já estamos quase chegando... —
tentei protestar.
— Não vou te deixar passar frio até lá. Pode usar, não se preocupa.
Meu local de trabalho é uma pista de gelo, lembra? — Exibiu um sorriso
travesso.
Aceitei o moletom e, ao vesti-lo, o cheiro do perfume dele inebriou os
meus sentidos.
Precisava admitir que Journey tinha razão, afinal. Aceitar passar uma
parte do dia com ele tinha realmente se revelado uma boa ideia. Foi leve,
simples e tranquilo. Parecia certo.
Quando paramos em frente à minha casa, ele se virou para mim. Seus
olhos foram de encontro aos meus e a expressão que exibiam era firme,
parecendo carregar a certeza de alguma coisa.
— Kath, sabe o que nunca vai mudar? A forma como o tempo parece
passar mais rápido quando estamos juntos.
— Vou ter que concordar. Isso é imutável. — Sustentei seu olhar sem
vacilar.
— Imutável. — Ele enfatizou.
“Você diz que precisa de mim, então vai e me derruba
Você diz que sente muito, não imaginava que eu fosse
Virar e dizer que
É tarde demais para pedir desculpas
Eu amei você como uma flama acesa
Que agora está se tornando fraca, e você diz
Desculpas como o anjo que os céus me fizeram
Acreditar que você era, mas eu tenho medo
Que seja tarde demais para pedir desculpas”
Apologize – Timbaland ft. OneRepublic

Ao entrar em casa, flagrei Ezra próximo da janela da sala, o que só


podia significar uma coisa.
— Eu vi! — Ele mesmo admitiu que estava espiando.
Droga.
Como eu não tinha certeza de nada que pudesse acontecer no futuro,
não queria que minha família descobrisse sobre esse encontro com
Katherine ou sobre os próximos que estavam por vir. Eles sempre
gostaram muito dela e isso só faria com que criassem milhares de
expectativas que não seriam correspondidas. Não queria que se apegassem
a ideia de reatarmos.
— O que você viu? — meu pai perguntou a Ezra.
Meu irmão me olhou com uma expressão séria, preocupado.
— Vi Journey e Katherine voltando juntos de algum lugar, e ela
estava usando o moletom dele! — Ezra contou muito mais do que
precisava.
— De volta aos velhos tempos, então, Journey?
— Acalma o coração, pai. Não é nada disso que vocês estão pensando
— retruquei.
Ezra fez sinal com a cabeça para que eu fosse atrás dele. Segui-o até a
bancada da cozinha.
— O que está acontecendo entre vocês dois? — ele questionou. —
Não minta pra mim.
— Não precisa se preocupar, Ezra. Já disse, não é o que vocês estão
pensando.
— Olha, você pode fazer o que quiser, não estou tentando bancar o
fiscal da vida alheia. Só não quero que você fique mal daquele jeito de
novo — admitiu.
— Nunca mais vou ficar mal daquela forma. Isso eu posso te garantir.
Ezra me encarou no fundo dos olhos, como se tentasse procurar por
algum sinal de mentira ou vacilo. Sustentei seu olhar com firmeza. Ele
assentiu, dando-se por satisfeito.
No fim, alguém sempre acabava machucado. Mas, dessa vez, não
seria eu.
Entrei em casa furtivamente, torcendo para que meus pais estivessem
tirando sua soneca da tarde e não me fizessem perguntas sobre onde estive
desde que saí com Journey.
Apesar de ser adulta, não conseguia mentir para eles e achava
importante que soubessem onde eu estava para que não se preocupassem,
já que voltei a morar debaixo do teto deles. Esse dia, no entanto, não foi
planejado.
A casa parecia tomada pelo silêncio, até que cheguei na metade da
escada e esbarrei com meus pais começando a descê-la. Para o meu azar,
eles haviam recém acordado.
— Nunca tinha te visto usando essa roupa antes, Katherine. — Minha
mãe foi a primeira a se manifestar, logo se atentando àquele detalhe.
Droga! Eu tinha esquecido de tirar o moletom de Journey.
— Não é o mesmo moletom que Journey estava usando hoje de
manhã? Eu vi vocês pela janela... — Meu pai nem fez cerimônia ao
confessar que estava espiando. — O que isso parece para você, Lori? —
provocou.
Meus pais apoiaram muito meu namoro com Journey na época, então
eu não queria, de forma alguma, deixá-los criar esperança de uma possível
volta. E queria que eu mesma não criasse, também.
— Eu sei o que parece, mas vocês estão enganados. Para ser sincera,
ainda nem sei exatamente o que isso quer dizer e não faço ideia do que
pode acontecer no futuro... — Tentei iniciar uma explicação, que acabou
transformando-se em um desabafo.
— Tudo bem, filha, só estávamos pegando no seu pé. Mas não se
preocupa, o que tiver que ser, vai ser — enunciou minha mãe,
tranquilizando-me.
No fim, ela tinha razão.
O que tiver que ser, vai ser.
Eles terminaram de descer as escadas e eu segui na direção contrária,
subindo-as e indo até meu quarto.
Deparei-me com o celular vibrando, repleto de notificações. Havia
cinco chamadas perdidas de um número que não conhecia. Normalmente
eu ignorava essas ligações, mas, como a pessoa tinha sido insistente,
resolvi ligar de volta.
— Olá, boa tarde! Esse é o telefone da senhorita Katherine Cohen? —
Atendeu uma mulher, logo no segundo toque.
— Sim, sou eu. Nós nos conhecemos?
— Permita que eu me apresente. Sou Verônica Voshalk, chefe de
edição da Editora Stevia, aqui de Toronto. Estivemos acompanhando a
ascensão rápida do seu blog, Katherine, e inclusive foi através dele que
conseguimos suas informações de contato. Gostaríamos muito de lhe fazer
uma proposta e conversar sobre algumas possibilidades com você, mas
preferimos realizar isso pessoalmente. Acha que conseguiria viajar até
aqui?
— Espera... Isso é sério? Tipo, é para valer mesmo? — Eu não
conseguia acreditar!
— Pode ter certeza de que é, sim.
— Nossa, Senhora Voshalk! Nem sei o que dizer... Estou muito
surpresa com sua ligação, eu realmente não esperava por isso. — Respirei
fundo uma, duas, três vezes, tentando manter o controle. — É claro que eu
consigo ir a Toronto, só preciso comprar a passagem de ônibus e reservar
o hotel, e farei isso o quanto antes! Posso retornar à ligação mais tarde
para confirmar a data?
— Claro que pode! Esperarei pelo seu retorno.
— Perfeito. Desde já, muito obrigada!
Assim que desligamos, comecei a pular de alegria pelo quarto. Jamais
passou pela minha cabeça que tudo poderia acontecer tão rápido. Eu
recém havia voltado a escrever e minha carreira de escritora parecia estar
cada vez mais perto de ser retomada, como se fosse um sonho do qual eu
não queria acordar de jeito nenhum. Tive que travar uma luta comigo
mesma para não criar expectativas muito altas, o que era praticamente
impossível.
Por ora, eu manteria isso em segredo. Era importante demais.
Precioso demais.

Depois daquele dia, Journey e eu continuamos nos vendo durante a


semana, visitando alguns lugares de Stratford ou apenas caminhando
juntos pela manhã. Acho que, finalmente, podia afirmar que encontramos
uma forma de estabelecer a paz.
Nós conversávamos sobre vários assuntos, desde mais sérios a
completamente aleatórios. Fazíamos piadas um com o outro, lembrávamos
de momentos engraçados da época, e tudo isso continuava sendo simples.
Leve. Fácil.
Eu não me sentia mais angustiada e pude, de uma vez por todas,
relaxar os ombros e desfrutar do alívio que passou a surgir. Nós estávamos
nos entendendo, e uma pedra foi colocada em cima das mágoas do
passado.
Uma buzina ressoou da rua.
Era Journey esperando-me para a programação do dia. Iríamos até a
pista de gelo da nossa antiga escola, e ele tentaria me ensinar a patinar.
Sempre fui péssima nisso.
Entrei na Range Rover, que descobri que foi ele quem comprou para
os seus pais, e o banco de trás repleto de equipamentos chamou minha
atenção.
— O que são todas essas coisas? — indaguei.
— Bom dia para você também, Kath — provocou. — São
equipamentos de proteção, você vai precisar. — Journey segurou o riso.
— Isso é o que nós vamos ver — rebati, cerrando os olhos para ele.
Ainda que, no fundo, estivesse agradecida. Eu sabia que precisaria.
Quando paramos em frente à escola, uma onda de nostalgia me
assolou. Não tinha voltado lá desde a formatura. Peguei o diploma, atirei o
capelo para cima e fui embora.
Journey percebeu que eu estava imersa em pensamentos e proferiu,
em tom de brincadeira:
— Não vai chorar, não é?
Virei para encará-lo e, para sua surpresa, meus olhos estavam úmidos.
Sua expressão mudou de divertida para preocupada.
— Kath, tá tudo bem? — Ele se aproximou, cauteloso.
— Sim, não se preocupe. É só que... Fazia muito tempo, sabe?
— É, eu entendo.
Permanecemos parados lá por um momento, em silêncio,
contemplando o prédio diante de nós, o qual abrigava uma infinidade de
memórias.
— Nunca vou esquecer o que aconteceu nessa escola. Foi aqui que
tudo começou, e é graças ao que aprendi nesse lugar que cheguei aonde
estou hoje. — A voz de Journey também denunciava emoção. — Mas
chega disso, é hora de ver você levar uns belos tombos — anunciou, o
sorriso reaparecendo.
Ele colocou a mão em minha lombar, pressionando-a levemente para
que prosseguíssemos.
Adentramos a pequena arena onde ficava o rinque, e me impressionei
ao ver que tudo ainda era exatamente como eu me lembrava, com exceção
apenas da nova pintura. Conseguia até visualizar a Katherine adolescente
sentada naquelas arquibancadas torcendo pelo namorado que era o astro
do time. E ele, por sua vez, direcionava os olhos ao meu encontro todas as
vezes em que marcava algum ponto, sussurrando que ele era para mim.
Era perigoso ter esses tipos de pensamentos estando tão perto dele, e
eu não queria estragar o que estávamos construindo, a harmonia que
vínhamos mantendo. Afastei aquelas memórias e me lembrei de algo que
me deixou curiosa quando ele contou que essa seria nossa programação do
dia.
— Como conseguiu a chave daqui, Journey?
Ele me encarou, ponderando se a pergunta era séria, como se a
resposta fosse óbvia.
— Eu sou a estrela da cidade, Kath, e o treinador ainda é o mesmo do
ensino médio, o senhor Salvatore. Me emprestar a chave e ceder um
horário para que eu usasse o rinque foi uma honra para ele — respondeu,
orgulhoso de si.
— Muito bem, estrela. Obrigada por deixar uma mera ex-aluna
desfrutar dessa regalia também.
Journey riu e depois me fitou como se estivesse em um conflito
interno, como alguém que tem algo para falar, mas não tem certeza se
deve.
— Você é a verdadeira estrela aqui, Kath, e ainda vai brilhar mais do
que a explosão de uma Supernova. Eu tenho certeza disso — enunciou,
por fim, deixando-me completamente desarmada.
Minha pulsação se rendeu.
Não seria capaz de explicar o que senti ao ouvir aquilo. As bochechas
esquentando, o coração parecendo duplicar de tamanho... Era isso que ser
apoiada na parte mais importante da minha vida fazia comigo.
Não sabia como responder, mas meu sorriso estava escancarado,
aberto de orelha a orelha. Ele entendeu o recado.
Journey começou a colocar os equipamentos de segurança em si
mesmo e depois veio em minha direção. Trazia joelheiras, cotoveleiras e
um capacete. Entregou-me a proteção dos cotovelos, que coloquei sozinha
enquanto ele se abaixava para amarrar as joelheiras em mim. Tentei pegar
o capacete, mas Journey me impediu. Finalizou nos joelhos, e se levantou
com o equipamento restante na mão.
Ele chegou mais perto e colocou o capacete na minha cabeça sem
tirar os olhos dos meus. Prendeu o velcro das alças abaixo do meu queixo,
demorando-se bem mais do que o necessário. Seu olhar estava fixo, dessa
vez, na minha boca.
Deu mais um passo à frente, diminuindo a curta distância entre nós.
Uma de suas mãos, que ainda estava na alça do capacete, passou
vagarosamente para o meu queixo, acariciando-o.
Senti minha garganta secar. Meu coração batia avidamente em
expectativa, e eu nem sabia que queria tanto assim o que aquele gesto
premeditava.
Porém, Journey pareceu recuperar a razão e, recuando, anunciou:
— Hora de patinar.
Ele pegou minha mão e nos guiou até o gelo.
Suas inúmeras tentativas de me ensinar surtiram efeito um bom tempo
depois de começarmos. Eu era absurdamente terrível patinando. Tive
algum sucesso apenas quando me apoiei nas laterais da pista ou quando
Journey me segurava.
Na última vez em que riscamos o gelo de mãos dadas e eu acreditei
que finalmente conseguiria chegar do outro lado do rinque, atrapalhei-me
e caí com tudo, puxando Journey para o chão junto comigo, desabando
sobre mim.
Passado o susto e verificando que não estávamos machucados,
começamos a rir sem parar, até quase ficarmos sem fôlego.
Assim que a crise de riso passou, ele ficou quieto e passou a me
encarar com a feição séria, enquanto suas íris cor de mel denunciavam
uma imensidão de sentimentos.
Journey colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha, seus
olhos cada vez mais cravados nos meus. Ele soltou o ar pesadamente.
E, então, sem rodeios, revelou:
— Eu te quero de volta, Katherine Cohen.
Ele nunca me olhou com tanta intensidade. Com tanta certeza. E com
tanta expectativa.
Meu coração nunca pulsou tão violentamente. De alívio. De emoção.
E de medo.
Eu escutei o que ele falou. Entendi o que ele falou. Mas precisava de
uma confirmação. E de tempo para processar.
— O que disse? — Queria ouvir aquilo de novo.
Journey posicionou suas mãos em concha ao redor do meu rosto, para
que meus olhos não tivessem opção se não olhar diretamente dentro dos
seus.
— Posso repetir quantas vezes for preciso. Eu te quero de volta,
Katherine Cohen.
Seu olhar parecia capaz de perfurar o meu.
— Journey, eu... — Tentei falar alguma coisa, mas a verdade é que eu
não sabia o que dizer. O que sentir. Ainda tinha medo de me entregar,
embora desejasse isso tanto quanto a lua desejava brilhar no céu todas as
noites.
— Tá tudo bem, Kath, eu não preciso de uma resposta agora. Estou
apenas te deixando ciente disso, e estarei esperando quando você se sentir
pronta. Eu quero que volte a ser minha mais do que qualquer coisa. E vou
aguardar até que você queira tanto quanto eu.

Pelos meus cálculos, achei que Katherine se jogaria em meus braços


assim que falei que a queria de volta. Errei a conta, mas não tinha
problema, afinal, tudo estava correndo muito bem. O plano estava dando
certo. Ao menos para o objetivo final, que se encontrava extremamente
próximo agora.
O que eu não esperava, no entanto, era que isso fosse mexer tanto
comigo. Que eu fosse ficar ansioso para vê-la. Que essa se tornaria a parte
favorita do meu dia. Que ficaria animado ao inventar programações para
fazermos juntos. E que não precisaria usar mentira alguma.
Não estava representando um papel, estava sendo o Journey de
verdade. Pouquíssimas vezes eu conseguia ser tão sincero, tão eu mesmo
como quando estava com Katherine. Gostava daquele que eu era em sua
companhia. Tudo que lhe falei foi verdadeiro.
Prometi para mim mesmo que a faria desejar com todas as forças
aquilo que não poderia ter. Cumpri a promessa. Mas não imaginava me
colocar na mesma posição. Não imaginava que a desejaria tanto quanto a
faria me desejar, o que era extremamente perigoso para mim. Por isso eu
não podia me deixar esquecer, nem por um segundo, do meu desígnio e do
que ela me fez passar quando foi embora.
Às vezes parece que seria tão mais fácil me libertar desse
ressentimento, esquecer do passado e focar somente o que temos no
presente. Uma parte de mim faria isso sem pensar duas vezes. A outra
parte, rancorosa e persistente, não seria capaz. Simplesmente não
conseguiria. Nunca fui bom em perdoar.
Só esperava que, no fim de tudo, eu não me arrependesse. Porque não
voltaria atrás, não agora.
O toque do celular me despertou daqueles pensamentos. Encarei o
visor para ver quem estava ligando.
Então era isso, hora da cartada final.
O dever me chamava.

Sabe quando você quer muito uma coisa, e aí, quando ela finalmente
acontece, fica sem reação? Era exatamente o que tinha acontecido. Eu não
sabia o que fazer.
Mesmo quando Journey repetiu, ainda assim, não conseguia acreditar.
Nós caímos juntos no gelo, e ele revelou que me queria de volta e que
estava disposto a esperar até que eu estivesse pronta.
Ele me ignorou, me provocou, me perdoou. Restaurou nossa
afinidade e, então, hoje de manhã, assumiu que queria reatar nosso
relacionamento.
Eu fiquei com medo, por mais que quisesse responder na mesma hora
que também o queria de volta, e tanto quanto ele. Queria me jogar em seus
braços para não mais sair. Voltar para sua vida, tê-lo de volta na minha.
Apoiá-lo e contar com seu apoio. Estar presente sempre e em todos os
momentos e contar com sua presença também.
O que eu não queria, entretanto, era correr o risco de me machucar em
uma fase tão delicada da minha vida, quando precisava estar
completamente focada em me reconstruir.
No fim, tudo isso não passavam de meras desculpas. Estava me
acovardando diante de algo que queria muito. E, quanto mais eu pensava,
mais esse medo se tornava ínfimo, mais ele ia desaparecendo.
Katherine Cohen nunca foi uma covarde, e não era agora que
começaria a ser.
Passei a tarde inteira e o início da noite tentando me segurar, mas
bastava de desculpas esfarrapadas. Bastava de fugir do que eu mais queria.
Bastava varrer sentimentos para debaixo do tapete.
Com cada batida do meu coração fazendo-o arder, com cada uma de
todas as partes de mim e com toda a certeza, eu queria Journey Blake de
volta. E imediatamente.
Decidida a confessar isso para ele de uma vez por todas, eu me dirigi
até sua casa.
Meus batimentos cardíacos martelavam enlouquecidos. Agitados.
Ansiosos.
Ezra abriu a porta da casa dos Blake e, ao se deparar comigo do outro
lado, seu olhar demonstrou confusão.
— Oi, Ezra! Journey ainda está acordado? — As palavras saíram
atropeladas, tamanho era o meu nervosismo, a minha aflição.
Ele pareceu ainda mais confuso e, depois da minha pergunta, um
tanto desolado.
— Como assim, Katherine? Ele não te avisou? Journey voltou pra
Vancouver no início da noite.
“Deixe-me abraçá-lo pela última vez
É a última chance de sentir de novo
Mas você me machucou
Agora eu não posso sentir nada
Eu tento continuar em frente
Mas isso dói muito
Eu tento perdoar, mas isso não é o suficiente
Para tornar tudo bem
Você não pode tocar com cordas rompidas
A verdade dói, e mentiras mais ainda”
Broken Strings – James Morrison ft. Nelly Furtado

Ouvir aquela sentença foi como levar um soco no estômago.


Pensei não ter escutado direito, ter entendido errado o que ele falou.
Achei que era uma brincadeira. Fiquei esperando Ezra continuar: calma,
Katherine, estava só curtindo com a sua cara! Vou chamar o Journey, mas
isso não aconteceu.
Ficamos os dois encarando um ao outro sem saber o que dizer.
O efeito que essa maquinação de Journey causou em mim logo
começou a surgir, fazendo com que eu me sentisse completamente
derrotada. Como se alguém tivesse enfiado uma faca no meu coração e,
não sendo o suficiente, tivesse-a girado vagarosamente para aumentar a
tortura, a intensidade sôfrega da dor.
A sensação era de que eu estava caindo de um prédio sem previsão de
me chocar contra o chão. Uma queda livre que me deixava cada vez mais
atordoada, e não havia nada em que eu pudesse me segurar, nenhuma
chance de ser salva à vista. Estava apenas despencando irrefreavelmente.
Permaneci parada lá, diante da porta, absorvendo as palavras de Ezra.
Analisei atentamente seu olhar, e ele parecia tão surpreso quanto eu.
Considerei a possibilidade de Ezra saber que isso aconteceria
antecipadamente, mas, ao vislumbrar que ele também não estava
entendendo nada, descartei a hipótese. Journey tramou isso sozinho.
— Vocês não estavam juntos ainda hoje de manhã? — questionou,
atônito.
— Sim, estávamos. — Foi quando ele disse que me queria de volta,
inclusive.
— E ele não te avisou que iria voltar para Vancouver? Não
mencionou nada?
— Não, Journey nem tocou no assunto. — O gosto em minha boca era
amargo.
— Não sei o que ele estava pensando, Katherine. Não tinha a mínima
ideia de que pretendia fazer isso. E eu juro que não tive nenhuma
participação... Sei que não era a pessoa mais favorável à volta de vocês,
mas jamais concordaria com algo assim.
— Tudo bem, Ezra, acredito em você. Notei o quanto também ficou
surpreso.
O silêncio se instalou novamente, não havia mais nada para ser dito.
Mesmo que não quisesse, que tentasse evitar, que desejasse refutar...
Meu coração estava em pedaços. Irremediavelmente desolado.
Sempre odiei surpresas, e essa foi uma das piores.
Percebi que Ezra me direcionava um olhar de piedade, o que tornou
tudo ainda pior. Meus olhos deviam denunciar explicitamente o quanto
estava magoada, o quanto isso estava me machucando.
Sem proferir mais nem uma palavra, dei as costas e fui embora.
Será que tudo o que aconteceu entre nós dois poderia ter sido apenas
parte de uma espécie de... Vingança?
Isso era de uma frieza que eu jamais poderia prever.
Eu já o desejava antes de nos reaproximarmos, não podia negar. Mas
havia barreiras, havia medo. E a razão ainda conseguia falar mais alto.
Journey conseguiu me induzir a mandar o lado racional para o espaço.
Ele me fez derrubar todas as barreiras até que se chocassem contra o chão.
Deixou-me convicta de que uma volta seria possível, e que seria a melhor
escolha. Convenceu-me a, finalmente, entregar-me, ir até sua casa com a
intenção de dizer-lhe que sim, com toda a certeza do mundo, com o
coração aos pulos, sem receio nenhum, eu o queria de volta.
Tudo isso para descobrir que ele não estava mais aqui, que já estava
longe.
Journey teve tanta certeza de que alcançou seu objetivo que nem
precisou ficar e esperar que eu fosse até ele lhe dar a resposta. Nem se deu
ao trabalho de assistir à minha derrota, já sabia que ela viria. Já tinha
cumprido sua missão.
Eu lhe disse que ele não estava em um rinque, que isso não era um
jogo. Mas tinha certeza de que, àquela altura, ele já estava jogando.
Ele respondeu que costumava vencer. Bom, se a vitória para ele
significava me perder, então ele era vitorioso, sim.
Eu voltei depois de tanto tempo sem ter a menor ideia de como ou de
onde Journey poderia estar. Reencontrei-o no meu primeiro dia em
Stratford, e ele ainda estava magoado, ficando um tanto insatisfeito ao me
ver.
Mais tarde, entretanto, eu me permiti acreditar que suas armaduras
estivessem desfazendo-se, que ele estivesse me deixando chegar cada vez
mais perto porque também sentia algo, ainda que não soubéssemos como
nomear esse sentimento.
Nós nos reaproximamos, e eu julguei que estivesse tudo bem, tão bem
que nem me dei ao trabalho de pensar em como as coisas estavam
acontecendo rápido. Rápido demais. De magoado a disposto a tentar, e
então a completamente entregue. Era óbvio que havia alguma coisa
errada, mas eu mesma cobri meus olhos para não enxergar. E logo Journey
voltou para sua vida longe daqui e me fez acordar para a realidade que,
por sua vez, não se parece nenhum pouco com os romances que leio e
vivo tentando escrever.
Odiava a forma como deixei isso me afetar. Odiava ter admitido para
mim mesma o quanto ainda gostava dele e o quanto desejei tê-lo de volta,
porque, a partir disso, eu lhe dei o poder de brincar comigo e com os meus
sentimentos. Eu lhe concedi o poder tanto de me levar às alturas quanto de
me fazer despencar de lá.
Odiava como ele me fez cair bem no centro de sua armadilha, como
me deixou cega, deslumbrada. E, por mais que estivesse inclinada a
esquecer e deixar para lá, não era tão fácil quanto gostaria que fosse.
Os sentimentos são teimosos. O coração quer o que ele quer.
Mesmo ciente do quanto seria difícil, eu tinha que me esforçar para
me esquecer dos últimos dias até que eles se tornassem um borrão do
passado e deixassem um espaço vago para tudo que ainda estava por vir.
Precisava me concentrar no presente e nas possibilidades que se
desenrolavam à minha frente, direcionando todo o foco no meu objetivo
ao voltar para Stratford, que era reconstruir a minha vida e restabelecer
minha carreira.
Na teoria era bem mais fácil do que na prática, porém.
Comprei a passagem de ônibus para Toronto para o horário mais
próximo que consegui e reservei um quarto de hotel.
Apanhei o celular e retornei a ligação que havia recebido mais cedo.
— Fico feliz que tenha ligado tão rápido, Katherine! E, por favor,
peço que me chame apenas de Verônica.
— Você não tem ideia do quanto estou empolgada, Verônica! Mal
posso esperar para ouvir sua proposta. Irei a Toronto amanhã de manhã.
— Que notícia ótima! Em nome da Editora Stevia, gostaria de dizer
que ficamos muito satisfeitos com sua disponibilidade. Faça uma boa
viagem, e até logo!
— Até logo e, mais uma vez, muito obrigada!
Então era isso. Não sentia como se estivesse partindo novamente, pois
seria uma viagem rápida para uma cidade próxima de Stratford, não sairia
nem do estado de Ontario. No entanto, foi inevitável não me lembrar de
quando fui embora de verdade, e percebi que ainda havia mais uma
diferença: dessa vez eu tinha um destino, uma possibilidade real, uma
chance genuína.
Quantas voltas o mundo dá, e o quão imprevisíveis elas são.
Avisei aos meus pais sobre a viagem disfarçando a animação que eu
sentia e tentando não despertar muita esperança neles, e logo depois
comecei a arrumar a mala.
Como sempre, quando sinto que algo importante está prestes a
acontecer, foi quase impossível pegar no sono. Meus pensamentos
estavam inquietos e incontroláveis, e adentrei a madrugada imaginando
coisas que muito provavelmente não aconteceriam, em um universo
paralelo onde nada é impossível.
Sempre gostei dessa hora da noite, momento em que quase todos já
estão dormindo. É quando ninguém vai julgar nossos sonhos, nossas
expectativas. Quando podemos libertar nossas vontades e acreditar nelas
com toda a força que temos, sem ninguém para impedir ou para nos puxar
de volta ao chão, de volta à realidade.
Em um misto de ansiedade, empolgação e nervosismo, acabei
adormecendo sem perceber.
Até que o despertador tocou.
Era hora de ir.

Ao chegar na frente do edifício onde ficava a Editora Stevia, percebi


que estava tremendo de tão nervosa. Depois de oito anos fracassando na
busca do meu sonho, acreditei que jamais entraria em alguma editora
novamente. Mas agora estava diante de uma com o coração pulsando de
expectativa, pois era impossível contê-la. Tudo que eu sempre quis podia
estar prestes a se realizar, e em alguns instantes descobriria se foi certo ou
errado cultivar tanta esperança. Se ela seria correspondida ou se me faria
despencar diretamente do andar mais alto.
Passei pela porta giratória e adentrei o prédio imponente. Identifiquei-
me na recepção e logo fui encaminhada para o escritório de Verônica, que
veio até a porta me receber, animada.
— Katherine, que bom que pôde vir logo! Estou ansiosa para lhe
apresentar nossa proposta.
— Não consegui me segurar, tive que vir o quanto antes. Eu que estou
ansiosa para ouvi-la, Verônica!
— Por favor, sente-se e fique à vontade.
Olhei ao redor enquanto avançava em direção à mesa da editora
chefe. O escritório dela ficava bem no alto, oferecendo uma ampla e
magnífica vista de Toronto. Consegui ver até a CN Tower destacando-se
na paisagem.
Enquanto me ajeitava na cadeira, Verônica deu início ao assunto.
— Estivemos acompanhando o crescimento incrivelmente rápido de
seu blog desde que voltou a postar nele, pois logo passou a ser bastante
comentado nas redes sociais. Em pouco tempo você angariou muitos
seguidores e obteve milhares de visualizações. Então, como já possui um
público engajado e leitores ansiosos por novidades, gostaríamos de lhe
propor a publicação de um livro pela nossa editora.
Durante cada segundo dos últimos anos, essa foi a frase que eu mais
ansiei por ouvir novamente.
Estava extasiada. Meu coração disparou, eufórico, enquanto um
arrepio percorria meu corpo. Achei que seria capaz de me beliscar para ter
certeza de que não estava sonhando. Mas aquele momento era real, aquela
proposta era real. Eu estava ali, diante da chefe de edição de uma grande
editora sendo convidada a, muito além de publicar um livro, ter uma
segunda chance de realizar meu maior sonho. Era tudo que sempre quis.
Tudo pelo que sempre esperei.
— Isso era exatamente o que eu queria ouvir quando recebi sua
ligação e quando comprei as passagens para vir para cá. Publicar um novo
livro é tudo que eu mais quero, Verônica. A resposta para sua proposta é
sim, milhares de vezes sim!
— Fico muito feliz pelo seu entusiasmo, e principalmente por aceitar
fazer da Editora Stevia a casa do seu sonho, Katherine. — Seus olhos
brilhavam tanto quanto os meus. — Pensamos que o gênero do livro
poderia ser romance, como verificamos que já publicou no passado. O que
acha disso?
— Acho que é perfeito! Romance sempre foi a minha principal linha
de escrita. — Tive que controlar a respiração e mensurar a voz embargada
para não começar a chorar ali mesmo.
— Então estamos de acordo! — Verônica exibiu um sorriso largo,
satisfeita.
— Muito obrigada, de verdade! Mal consigo acreditar que isso está
realmente acontecendo, que vocês estão me dando essa oportunidade,
apostando no meu trabalho...
— Não tem pelo que agradecer, Katherine, é uma satisfação para nós
sermos a casa dos talentos que encontramos. E, se estiver tudo bem por
você, gostaríamos que ficasse em Toronto por mais alguns dias para
redigirmos e assinarmos o contrato, combinarmos prazos de entrega e
demais burocracias. Até amanhã à noite ficaria livre, só depois
precisaríamos nos reunir para acertar estes detalhes. Isso seria possível?
— Completamente possível, fico o tempo que precisar!
Assim que nos despedimos e saí da editora, deixei que as lágrimas
finalmente caíssem, passeando pelo meu rosto. Era um choro de alívio, de
finalmente, eu consegui, valeu a pena, obrigada por não desistir.
Ainda era difícil assimilar que isso estava acontecendo de verdade,
que ganhei uma nova oportunidade para fazer tudo como sempre quis e
que, dessa vez, havia uma probabilidade muito maior de conquistar meus
objetivos, de finalmente realizar meu grande sonho exatamente da forma
como sempre imaginei.
Depois de tantos tombos, eu me esforçaria mais do que nunca para
fazer dar certo.

Logo que cheguei ao hotel, liguei para os meus pais e contei a


novidade. Dessa vez não precisei refrear as expectativas. Era oficialmente
real, estava confirmado.
Exatamente como eu imaginava, minha mãe chorou de felicidade e
meu pai não parou de dizer o quanto se orgulhava de mim, assim como em
todos os momentos importantes da minha vida.
Apesar da euforia, quando a ligação terminou eu me senti
inexplicavelmente solitária. Queria comemorar, ter com quem tagarelar
sem parar sobre isso. Precisava fazer alguma coisa que não envolvesse
ficar trancada dentro de um quarto de hotel.
Liguei a televisão para tentar amenizar o silêncio incômodo. Como se
fosse uma conspiração do destino, estava passando o programa de
esportes, e o assunto era o Vancouver Canucks.
Descobri que haveria um jogo na noite seguinte. A noite em que eu
ainda estaria livre.
Meus pensamentos se voltaram, mais uma vez, a Journey Blake.
Não sei dizer o que exatamente me levou a tomar essa decisão, talvez
pudesse culpar a nostalgia de ter estado no rinque da escola. Ou quem
sabe a curiosidade de assisti-lo brilhar fazendo o que amava e sendo
reconhecido e aclamado por isso. Além de querer saber como era a vida
que vivia agora. Em último caso, eu diria apenas que quis matar a saudade
da cidade.
Impulsivamente, comprei uma passagem de avião para Vancouver e o
ingresso para o jogo na Rogers Arena.
Entretanto, jamais, em hipótese alguma, eu deixaria Journey saber
que estive lá.
“Tudo isso parece estranho e irreal
E eu não vou desperdiçar um minuto sem você
A raiva me corrói por dentro
E eu não vou sentir esses arranhões e cortes
Eu quero tanto abrir seus olhos
Porque eu preciso que você olhe dentro dos meus
Me diga que você abrirá seus olhos
Open Your Eyes – Snow Patrol

A viagem durou quase cinco horas, praticamente atravessei o país


sobrevoando mais de duas mil milhas.
Desembarquei em Vancouver logo após o meio-dia e estava faminta.
Lembrei-me do restaurante que costumava frequentar no breve período em
que morei na cidade, o qual, além de ser ótimo, ficava próximo à Rogers
Arena, e chamei um táxi para ir até lá.
Ao chegar, desci do veículo e caminhei até o estabelecimento o mais
rápido possível, tentando escapar do vento que soprava impiedoso.
Adentrei o restaurante tentando freneticamente ajeitar meu cabelo
bagunçado, não prestando muita atenção ao redor.
Distraí-me a ponto de não perceber alguém se aproximando, até que a
pessoa se posicionou bem à minha frente.
— Katherine Cohen, é você?
Reconheci aquela voz no mesmo instante. Por um momento, fiquei
olhando para a mulher parada diante de mim sem conseguir acreditar que
era mesmo ela. A pele preta, o cabelo cacheado mais longo do que na
época e os olhos perceptivelmente surpresos.
— Não pode ser! Natasha Hastings, é você mesma ou eu estou
sonhando?!
— Que bom que a gente ainda se reconhece — respondeu com tom de
descontração.
Nós duas éramos amigas desde o ensino fundamental, do tipo que
sempre souberam tudo sobre a vida uma da outra. Compartilhávamos
todos os nossos segredos, sonhos, medos e inseguranças. Andávamos
sempre juntas em Stratford.
Depois que fui embora, até mantivemos contato por algum tempo,
mas acabamos parando de nos falar, assim como foi com todo mundo.
Não porque eu passei a me achar boa demais para as pessoas da minha
cidade natal, mas porque o assunto parecia desaparecer toda vez que
tentávamos iniciar uma conversa, até que acabamos desistindo, deixamos
de fazer questão.
Natasha fez muita falta para mim. Senti uma pontada de culpa por
não a ter procurado logo que cheguei a Stratford, mas foi tudo tão
tumultuado que minha mente ficou completamente ocupada com outras
questões.
Jamais imaginei, no entanto, que a encontraria em Vancouver.
— Você não tem escolha, vai ter que almoçar comigo! — demandou
ela.
— Não tenho nenhuma objeção quanto a isso.
Segui Natasha até sua mesa e, tão logo nos sentamos, demos início a
um interrogatório mútuo.
Contei tudo o que aconteceu desde que fui embora, e ela se mostrou
uma ouvinte atenta e interessada.
— Fico muito feliz por você, Kath, de verdade! Lembro de como
sempre sonhou em publicar livros e do quanto falava que queria estar
presente no máximo de vidas possíveis através deles. Tenho certeza de que
vai dar tudo certo dessa vez! Ah, e espero que esse tal de Francis nem
pense em reaparecer na sua vida. Você e Journey são um casal épico, e ele
que não venha atrapalhar.
— Sou muito grata pelo apoio que sempre me deu, Nat, isso é tão
importante para mim! Mas quanto ao Journey... Não prestou atenção ao
final da história? Ele só sente rancor, tudo o que queria era se vingar.
Natasha arqueou a sobrancelha com a expressão de quem não tinha
acreditado em nem uma das minhas últimas palavras.
— É mesmo? Sabe, se você realmente acredita nisso que acabou de
falar, então por que veio até Vancouver?
Descobri que continuava sendo uma admiradora da sua sinceridade.
Ela nunca teve receio de falar o que pensava.
No fundo, precisava admitir que sentia que havia algo a mais, não
poderia ser tudo somente por vingança. Journey não poderia ter se tornado
tão frio e bom ator assim. Alguma parte tinha que ter sido verdadeira,
algum sentimento ainda tinha de existir dentro daquele coração adornado
de pedras.
Ele, porém, preferiu ser um covarde. Preferiu fugir.
Eu não poderia utilizar as mesmas desculpas esfarrapadas com as
quais me convenci a fazer essa viagem de um dia para tentar enganar
Natasha. Ela já tinha percebido tudo enquanto eu, inutilmente, ainda
tentava mentir para mim mesma.
Resolvi não responder, ela sabia que estava certa, então apenas mudei
de assunto.

A última jogada foi feita, e eu marquei o ponto da vitória. Fui embora


sem um mísero aviso no mesmo dia em que disse que a queria de volta.
Fiz Katherine conhecer o gosto amargo que me atormentou quando ela
partiu. Dei o troco na mesma moeda.
Deveria estar me sentindo ótimo, vingado, em paz. Deveria, mas não
estava. Não sabia dizer de onde vinha toda essa angústia, ou por que eu
me sentia péssimo.
O plano deu certo, afinal, mas nada foi como o esperado.
E agora, como isso seria? Nunca mais iria procurar por ela? Voltaria a
ignorá-la? Pensei que teria todas essas respostas na ponta da língua
quando comecei a arquitetar tudo, mas não contava com esse sentimento
incômodo me perturbando e me deixando perdido.
Por mais que custasse admitir, não queria que ela fosse arrancada da
minha vida de novo, não agora, não quando Katherine finalmente voltara.
Precisava engolir todo o meu orgulho perante essa confissão, mas não
passei um dia sequer sem imaginar como seria quando ela retornasse.
Honestamente, não sabia o que fazer, não sabia mais o que eu queria.
Posso ter estragado tudo, correndo o risco de me arrepender amargamente.
No entanto, ainda não conseguia me imaginar voltando atrás. Com que
cara eu faria isso?
— Journey, está na hora de ir — chamou Rick, o treinador do time,
trazendo-me de volta daqueles devaneios.
O Vancouver Canucks estava concentrado em um hotel da cidade nos
arredores da Rogers Arena, e era para lá que nos dirigiríamos agora,
dando início à preparação para o jogo. Nós constituíamos um grupo
elegante, digno dos holofotes, vestindo nossos ternos para a entrada na
arena.
Gostava da sensação do início da temporada cheia de expectativa, de
possibilidades. Senti falta disso no período em que estivemos de folga.
Enquanto o ônibus do time cruzava as ruas de Vancouver, fiquei
observando o movimento do lado de fora, as pessoas caminhando, o
trânsito frenético, tudo para tentar me distrair, para ocupar meus
pensamentos.
Quando dobramos uma esquina, achei que estivesse imaginando
coisas.
Pensei ter visto Katherine saindo de um restaurante acompanhada de
outra mulher que também não me era estranha. Mas isso não poderia ser
possível, afinal, quais eram as chances?
Deduzi que eu deveria estar, sim, imaginando coisas, e pelo resto do
caminho permaneci de olhos fechados, concentrando-me apenas no jogo e
em vencer o Boston Bruins.

Depois que terminei de contar cada detalhe dos últimos oito anos,
chegou a vez de Natasha me deixar a par da história dela e de explicar
como foi parar em Vancouver.
— Pronto, já esmiucei toda a minha vida. Agora é com você, Nat. O
que andou fazendo nos últimos anos? Como está sua família?
— Acho que vou falar primeiro sobre eles. Meus pais finalmente se
aposentaram, compraram um trailer e estão rodando o país, já conheceram
inúmeros lugares. E meu irmão, Nathan, mudou-se com o namorado para
a Holanda... — Ela começou a contar, e eu já estava com inveja deles.
Descobri que ela veio para Vancouver pouco tempo depois que fui
embora de Stratford e estudou na Universidade da Colúmbia Britânica.
Formada em Psicologia, Natasha abriu seu próprio consultório e vinha
tornando-se cada vez mais reconhecida na sua carreira. Não houve
mudanças repentinas e caóticas como na minha vida. Ainda não estava
casada, mas namorava há dois anos com Steve, que conheceu em um café
aqui da cidade e, desde então, os dois não desgrudaram.
Ela estava tão empolgada com a minha ida ao jogo do Vancouver
Canucks que se ofereceu para ir junto, já garantindo seu ingresso no site
do time. Precisava admitir que fiquei mais tranquila ao saber que não
estaria sozinha lá.
Nós tínhamos tantos assuntos para pôr em dia que mal percebemos a
tarde passar, não sei como não nos expulsaram do restaurante. Quando
conferimos o horário, nós nos surpreendemos ao ver que já precisávamos
nos encaminhar à Rogers Arena se quiséssemos conseguir um bom lugar
na arquibancada.
Como ficava perto, decidimos ir a pé.
Mal havíamos saído do estabelecimento quando minha atenção foi
capturada por algo que fez meu coração vacilar. O ônibus do Vancouver
Canucks passou pela rua à nossa frente, também em direção à arena.
Tentei enxergar alguma coisa do lado de dentro, mas os vidros das janelas
eram bastante escuros. Journey certamente estava lá, e logo considerei a
hipótese de que ele pudesse ter me visto. Mas, afinal, quais eram as
chances? Tratei de afastar esse pensamento.
Permaneci inquieta durante o caminho, enfrentando certa dificuldade
para controlar o nervosismo.
Ao perceber isso, Natasha me deu um cutucão com o cotovelo,
pronunciando:
— Se acalma, sua boba, é apenas um jogo.
Assenti, deixando escapar uma risada nasalada. Apesar de todo o
tempo que passou, ela ainda me conhecia tão bem a ponto de decifrar o
que eu estava sentido sem que precisasse proferir uma palavra. Era um
alívio constatar que nossa amizade continuava a mesma, independente da
distância e de todo o tempo transcorrido.
Chegamos ao nosso destino, e, por um momento, eu fiquei
embasbacada. Não me recordava da imponência da Rogers Arena.
Após passarmos pelos portões, dirigimo-nos para a arquibancada e
conseguimos assentos um ao lado do outro na segunda fileira. Eu não me
importaria em sentar mais longe, mas Natasha fez questão de que
ficássemos o mais próximas possível do rinque e, consequentemente, dos
jogadores.
Derrotada, deixei que minha atenção se voltasse para o teto, onde
pendiam as jerseys do time, e logo encontrei aquela na qual estava
estampado o nome Blake, número 11.
Quase uma hora depois, os times começaram a ser apresentados.
Quando o narrador anunciou Journey Blake, a torcida explodiu em
assobios e gritos, e ouvir tantas pessoas aclamando-o era de arrepiar.
Ele adentrou o rinque sério, completamente concentrado. Seus olhos
percorreram as arquibancadas e, por um breve momento, pareciam ter me
encontrado. Journey exibiu uma expressão de surpresa, mas logo em
seguida balançou a cabeça como quem tenta espantar alguma coisa e fixou
os olhos no adversário, o Boston Bruins. Não tinha como ter certeza de
que ele me viu, e instintivamente me encolhi no assento, desejando me
esconder.
A partida finalmente começou, oferecendo-nos um conjunto frenético
de azul e preto disputando a posse do disco.
Journey patinava com ferocidade, riscando o gelo agressivamente.
Seus movimentos eram certeiros, evidenciando a perspicácia de quem
conhecia aquele jogo em todos os seus mínimos detalhes. Tão rápido
quanto um raio, tinha o olhar carregado de determinação.
Ele marcou seu primeiro ponto em pouco menos de vinte minutos. A
buzina ressoou pela arena, e na sequência começou a tocar “Holiday” do
Green Day, a música oficial dos gols do Vancouver Canucks.
Se Journey já era o jogador mais marcado pelo time adversário,
depois desse ponto isso só se intensificou. Todos iam para cima dele, que
era o centro.
Subitamente, um dos jogadores do Boston Bruins começou a avançar
em sua direção rápido demais, justamente quando Journey estava próximo
do vidro que separava o rinque da torcida, deixando-o sem opções para
tentar se esquivar.
Os dois se chocaram em um estrondo, e Journey foi de encontro ao
gelo, permanecendo lá por tempo o suficiente para me deixar nervosa. O
jogo parou e todos foram até ele, obstruindo minha visão.
Comecei a ficar preocupada, pois o choque fora visivelmente forte. O
jogador do time adversário já estava de pé, mas não havia nenhum sinal
do cabelo loiro que eu conhecia tão bem no meio de todas aquelas cabeças
reunidas em círculo.
A equipe de paramédicos adentrou o rinque carregando uma maca.
Percebendo minha aflição, Natasha se agarrou ao meu braço e passou
a nos guiar pelo meio dos torcedores até o local por onde eles
provavelmente sairiam carregando Journey.
Ficava mais apreensiva a cada minuto que se passava, torcendo para
que nada de grave tivesse acontecido. A intenção de não deixar que ele
soubesse que eu estava em Vancouver se foi pelos ares naquele instante.
Os paramédicos avançavam em direção à saída do rinque com ele em
cima da maca, e conseguimos chegar perto o suficiente.
— Journey! — gritei, na expectativa de ser ouvida.
Quando enfim o avistei, descobri que outra pessoa conseguiu se
aproximar mais do que eu. Outra mulher.
Journey parecia vasculhar ao redor com os olhos, como se estivesse
procurando por alguma coisa, e tive um lampejo de esperança de que ele
pudesse ter me escutado. Finalmente seu olhar encontrou o meu, mas a
expressão que exibia era de confusão. E, naquele exato momento, a outra
mulher enunciou:
— Não se preocupe, Journey, vai dar tudo certo. Estou aqui, meu
bem.
Ele a encarou, surpreso. Eu recebi o baque daquela frase, atordoada.
Estagnei onde estava, incapaz de continuar acompanhando os
paramédicos que conduziam a maca. Sem dúvidas aquela mulher era um
tanto quanto próxima de Journey.
Segui pisando duro na direção contrária, avançando para a saída da
arena.
Não queria me sentir daquela forma. Não queria me importar como eu
me importava. E o que eu mais odiava, dentre todas as coisas odiáveis, era
sentir ciúme de alguém que sequer era meu. Isso beirava o ridículo. Eu me
sentia ridícula por ter ido até lá, por tê-lo deixado me ver. E, embora não
conseguisse afastar a preocupação, também me sentia patética por ela.
Natasha apanhou meu braço para fazer com que eu parasse e, quando
cedi, perguntou cautelosamente:
— Você sabe quem é ela, Kath?
— Não sei, e não deveria me importar com isso.
— Pois eu acho importante que você saiba. Aquela é Candice Kinslet,
a ex-namorada de Journey.

O choque com o jogador do time adversário foi certeiro. Um dos


meus pés doía muito, e isso agourava más notícias. Poderia não ser nada
demais, assim como poderia ser algo que me afastaria dos jogos por um
bom tempo. A frustração me atingiu em cheio só de considerar essa
possibilidade.
Ouvi alguém chamar meu nome na saída do rinque e, ainda que a voz
estivesse um pouco distante, seria impossível não a reconhecer. Mesmo
sem conseguir acreditar que era realmente Katherine, corri os olhos por
todos os lados, buscando por ela.
E então finalmente a encontrei, já com o olhar caído sobre mim,
evidentemente preocupada. Naquele momento tive certeza de que quem
eu avistei saindo do restaurante no caminho para a arena e no meio da
torcida era Katherine. Mas o que ela estaria fazendo aqui?
Antes que eu pudesse pensar a respeito, escutei outra pessoa chamar
por mim.
Ao direcionar meu olhar até onde vinha a voz, fui pego de surpresa
mais uma vez. Candice também estava lá.
Por mais que fosse rude da minha parte admitir, eu não poderia me
importar menos. Quando procurei por Katherine novamente, vi apenas
seus longos cabelos ricocheteando no ar enquanto ela virava para ir
embora.
Que bela bagunça.
“Você me deixou com a cabeça toda ferrada, garoto
Eu odeio ter te dado poder para esse tipo de coisa
Porque é sempre um passo à frente e três para trás
Você me ama, me quer, me odeia?
Garoto, eu não te entendo
E talvez de uma forma masoquista
Eu meio que acho tudo isso emocionante
Tipo, que amante terei hoje?
Você vai me acompanhar até a porta
ou me mandar para casa chorando?
1 Step Forward, 3 Steps Back – Olivia Rodrigo

Odiando o turbilhão de sentimentos que subitamente me acometeu,


perturbada por não ser capaz de domá-los, caminhava com passos
apressados do lado de fora da arena, fazendo Natasha encontrar
dificuldade para me acompanhar.
— Será que poderia ir mais devagar, Kath?
— Desculpa... Tem tanta coisa na minha cabeça agora que nem
percebi que estava caminhando tão rápido. — Comecei a diminuir a
velocidade. — Eu detesto surpresas, e o destino insiste em jogá-las na
minha vida!
— Sei bem o quanto as odeia. Lembra de quando completou
dezessete anos? Journey e eu organizamos secretamente uma festa e, por
mais que você ame fazer aniversário, ficou muito brava com todo mundo
porque cochichávamos uns com os outros enquanto tudo era combinado.
Não contive o sorriso que despontou em meus lábios graças a essa
lembrança. Natasha era uma das poucas pessoas que conseguiam me
distrair enquanto a angústia teimava em se fazer presente.
Até tentei guardar o que estava sentindo apenas para mim, mas, como
sempre, eu precisava colocar para fora.
— Aparentemente tem mais uma coisa que não mudou sobre mim, o
ciúme sem noção. Detesto sentir isso. Ele nem é meu, Nat!
— Você realmente esteve bem distante e desligada durante todos
esses anos, não é? Candice é uma atriz, digamos, fracassada. Houve
muitos boatos de que, na época em que eles namoraram, ela queria apenas
se aproveitar da fama dele.
— Nossa, que horror! Eu não fazia ideia...
— Sim, péssimo. Achei melhor te contar isso para saber que não
precisa se preocupar com ela.
— A questão é justamente essa, Nat, eu não devia me preocupar. Eu
deveria era estar tratando de esquecer Journey — lamentei, aturdida.
— Finalmente estou conhecendo pessoalmente aquela de quem tanto
ouvi falar — anunciou uma voz que eu não reconhecia.
Natasha e eu nos viramos na direção da pessoa. Claro, só podia ser
ela.
— Você é a Candice, não é?
— Sim, sou eu mesma. Me surpreendi ao te ver em Vancouver,
principalmente na arena. Por acaso se arrependeu do que fez e resolveu
correr atrás do Journey? — Fiquei perplexa pela forma como ela cuspiu
essas palavras sem rodeio algum para alguém que sequer conhecia.
— Com todo o respeito, eu não te devo satisfações.
A expressão que se desenhou em seu rosto deixou claro o quanto ela
ficou indignada com essa resposta. No entanto, ao rebater, tratou de
disfarçar.
— Tudo bem, então. Só queria dizer que, assim como você tem uma
história com Journey, eu também tenho. E não pretendo deixá-la se apagar.

Suspirei, cansada, sem acreditar que aquilo estava realmente


acontecendo. Competição descarada a essa altura do campeonato?
Candice só podia estar de brincadeira.
— Olha só, eu não sou sua inimiga. Não estamos disputando
ninguém, que isso fique bem claro.
Candice deu de ombros, seus braços estavam cruzados na altura do
peito. Seus olhos, cerrados em minha direção.
— Se prefere mentir para si mesma, sem problemas. Só vim atrás de
você para que ficasse ciente do que eu quero e, agora que fiz isso, não
tenho mais nada a dizer.
Ela não esperou por uma resposta. Balancei a cabeça de um lado para
o outro, desacreditada, enquanto a observava dar as costas e se
encaminhar para a direção contrária de onde estávamos.
Natasha e eu nos entreolhamos, incrédulas.
— O que foi isso? — questionei, dirigindo-me à minha amiga —
Qual será que era a real intenção dela ao vir falar comigo? Se desejava
iniciar uma competição infantil, não conseguiu nada além de perder
tempo.
— Candice só queria te provocar, tenho certeza. E, como ela mesma
disse, veio deixar claro que ainda não desistiu de Journey.
— Bom, se ela soubesse o que aconteceu em Stratford, não se
preocuparia em desperdiçar seu tempo comigo.
— As pessoas deveriam escolher melhor suas batalhas — concluiu
Natasha. — Mas não esquenta a cabeça com isso, Kath.
— Falar é bem mais fácil do que fazer, mas prometo me esforçar. —
Exibi um sorriso fraco.
Infelizmente, Natasha e eu não dispúnhamos de mais tempo juntas. O
site da companhia aérea travou quando tentei comprar a passagem da
volta, e eu tinha que estar em Toronto na manhã seguinte.
— Nat, eu tenho que correr para o aeroporto! Preciso conseguir um
voo para estar de volta a Toronto até amanhã de manhã.
Seu semblante denunciava que estava chateada. Nós juramos que
jamais seríamos o tipo de amigas que se afastam no fim do ensino médio,
mas acabamos permitindo que isso acontecesse.
Vários anos depois, reencontramo-nos completamente por acaso. E
esse dia que passamos juntas serviu para mostrar que, quando a amizade é
verdadeira, o tempo não é capaz de aplacá-la.
E agora eu precisava ir embora para algumas boas milhas de
distância.
— Nossa amizade vai sempre permanecer a mesma, hoje foi a prova
disso. Ninguém te substituiu durante todos esses anos, Nat, e nem vai.
Dessa vez não vamos nos dispersar da vida uma da outra. Isso não é uma
promessa, é uma afirmação.
— Você nunca mais vai conseguir se livrar de mim, Katherine Cohen.
Essa também é uma afirmação — completou Natasha, me puxando para
um abraço.
Aquela foi a melhor forma que encontramos de tentar adiar a
despedida por mais alguns minutos.
Nunca fui boa em dizer adeus, então apenas assenti e segui
caminhando pela rua, fazendo sinal para que um táxi parasse.
As pessoas costumavam dizer que a despedida é mais fácil para quem
vai embora, e elas não tinham noção do quanto estavam enganadas.

Ao chegar ao aeroporto, disparei para os guichês de atendimento.


— Boa noite, senhorita. Em que posso ajudar? — cumprimentou a
atendente.
— Boa noite! Eu preciso de uma passagem para o próximo voo para
Toronto, fico com qualquer lugar que estiver disponível. Tenho que estar
lá no mais tardar até amanhã de manhã!
— Desculpe, mas todos os voos dessa noite já estão lotados. Há
lugares vagos apenas no voo que decolará às quatro horas da manhã.
Sendo essa minha única opção, comprei a passagem. Longas horas no
ócio em um banco de aeroporto me aguardavam pela frente.
Com tanto tempo livre e pensamentos atribulados, minha válvula de
escape foi transformar toda a frustração que estava sentindo em poesia,
aproveitando para atualizar o blog.

você, com suas palavras bonitas


com sua máscara de arrependimento
com todas as suas maquinações
frias como o gelo do qual
é tão íntimo
conseguiram me convencer
conseguiram me fazer acreditar
que isso ainda valia a pena
que nós dois ainda valíamos a pena
que éramos dignos de uma segunda chance

você, com um plano bem arquitetado


impetuosamente executado
me puxou para o meio do rinque
nesse jogo unilateralmente programado
para coroar sua vitória
se o significado de vencer para você
for me perder
então pode se orgulhar da sua glória

você não é mais como


eu me lembrava
você não é mais aquele
a quem eu desejava

o que você plantou


espero que esteja pronto para colher
Apesar da frustração de ter sido lesionado no primeiro jogo da
temporada, da dor lancinante no pé e do pensamento temeroso que eu
mais me esforçava para evitar, ainda assim me peguei tentando entender o
que Katherine estava fazendo em Vancouver, tão longe de Stratford.
Imaginar que ela poderia estar de partida novamente e ter vindo até a
cidade para se despedir me deixou um tanto preocupado. Mais preocupado
do que gostaria. Quanto mais eu pensava nessa hipótese, mais meu
estômago embrulhava.
Não podia continuar mentindo para mim mesmo quanto a uma coisa:
se eu realmente não me importasse, não me sentiria dessa forma. Não
ficaria nervoso com a mera suposição de que ela estaria indo embora
novamente.
Cada vez mais eu me convencia do quanto estava sendo um idiota
agindo daquela forma. Depois de me vingar, qual seria a recompensa? Que
proveito eu tiraria disso? Eu só a afastaria e perderia qualquer chance de
um dia poder reconquistá-la de verdade.
O fato é que estava cansado de saber que, para mim, só existia
Katherine Cohen.
Durante oito anos ninguém conseguiu preencher seu lugar, ocupar o
espaço do vazio que ela deixou, e eu só desejava que as coisas não fossem
tão complicadas. Que eu não tivesse me tornado tão rancoroso, tão
relutante em perdoar.
Distraí-me com esses pensamentos a ponto de me esquecer da minha
lesão por alguns instantes, além do medo que me atormentava em relação
a isso. Já tinha feito alguns exames e estava esperando pelos resultados, o
que me deixava ainda mais tenso. Eu detestava esperar, assim como
detestava não ter certeza do que estava acontecendo.
Finalmente, o médico adentrou a sala onde eu estava no Hospital
Saint Paul.
— Olá, Journey, eu sou o Doutor Victor, é um prazer conhecê-lo.
Imagino que esteja ansioso, então vou direto ao assunto. A lesão não é
grave, mas fraturou as falanges dos dedos do seu pé direito. Vamos tratar
com uma imobilização feita com esparadrapos. Sei que isso é tudo que
você menos queria, mas precisará ficar ao menos algumas semanas sem
jogar, fazendo fisioterapia já que também não poderá treinar até receber
alta da profissional que irá atendê-lo.
Ouvir essas palavras foi como levar um chute bem no meio da cara.
Como se eu fosse réu e a sentença tivesse sido procedente, condenando-
me. Meu medo havia se concretizado. Travei a mandíbula para não xingar
em voz alta.
Eu teria que ficar semanas sem jogar quando o time mais precisava de
mim. Estávamos no início da temporada e, embora os jogos não fossem
decisivos ainda, era essencial que começássemos com tudo, mostrando
para o que viemos na Stanley Cup. E agora deixaria o time na mão. A
frustração que eu sentia crescia cada vez mais.
Havia apenas uma única coisa positiva no meio de tudo isso. Como
poderia fazer fisioterapia em casa, fui liberado para me recuperar em
Stratford, contando com o apoio da minha família.
Ansioso para que tudo isso passasse logo, comprei minha passagem, a
única disponível para o último voo da noite, e o técnico Rick me levou até
o aeroporto, pois estava andando de muletas.
Como as opções do que fazer em um aeroporto de madrugada eram
escassas, saí do saguão onde estava sentada e resolvi fazer logo o check-
in. Encontrei um banco vazio na sala de embarque, mas ainda não tinha
me dirigido até o portão do meu voo, afinal, faltava bastante tempo.
Em uma parede estavam os painéis digitais indicando as chegadas e
partidas, e, na outra, havia uma televisão. O canal selecionado era o de
esportes, e tudo sobre o que os apresentadores falavam era a lesão de
Journey. Ao menos descobri que não era nada grave, mas ele teria que
ficar um tempo sem jogar, e foi inevitável pensar no quanto deveria estar
se sentindo frustrado com isso.
Escutei os passos de alguém aproximando-se e em seguida sentando-
se no banco de trás, que ficava de costas para mim. Enquanto a pessoa se
ajeitava, seu perfume exalou no ar e me lembrou muito do cheiro dele.
Não consegui decidir se achava essa coincidência trágica ou cômica.
— Missão cumprida, Journey. Descanse bastante ao chegar a
Stratford. Nos vemos dentro de algumas semanas, o time sentirá muito a
sua falta!
— Ainda não acredito que isso está mesmo acontecendo. Meu lugar é
com o Canucks, treinando e jogando. — Ele suspirou audivelmente. —
Mas ficar me lamentando não vai operar um milagre, não é? — Deixou
escapar um riso sarcástico. — Muito obrigado por me ajudar a vir até
aqui, Rick. Espero que a gente se veja em breve.
— Não precisa agradecer, campeão. Até logo!
O destino estava, sem sombra de dúvida, brincando comigo. Não era
um cheiro parecido com o de Journey, era o cheiro do próprio! Ele
proferiu uma palavra e já reconheci sua voz.
Meu coração disparou de nervosismo. Eu não fazia ideia de como
agir.
Por um momento, ponderei se continuava sentada ali ou se deveria
levantar e procurar por outro banco, passando despercebida. Entretanto,
durante minha indecisão, sua voz fez com que eu paralisasse onde estava.
— Katherine?
Eu tive vontade de levantar e sair dali naquele mesmo instante,
deixando-o me observar se afastando, mas isso seria um tanto infantil da
minha parte, assim como se eu não o respondesse.
— A própria.
Journey se levantou, deu a volta na fileira de bancos com certa
dificuldade por conta das muletas, e se sentou no mesmo lado em que eu
estava, deixando vago um assento de distância entre nós. Permaneceu
cabisbaixo, sem ter coragem de olhar para mim.
— O que veio fazer em Vancouver? — disparou, sua voz soando
urgente.
— Tem certeza de que essa é a primeira coisa que quer me dizer? —
Não consegui deter a acidez em minha pergunta.
Ele finalmente levantou a cabeça e me encarou, o olhar estampando
culpa, vergonha. A perna que não estava machucada não parava de
balançar, denunciando o quanto Journey estava inquieto.
Passou a mão pelos cabelos e respirou fundo, derrotado.
— Eu não devia ter agido daquela forma. Sinto muito — replicou,
enfim.
— Isso é tudo? Essa mísera frase é seu pedido de desculpa?
— Estou honestamente arrependido, Katherine. E estou sendo
sincero.
— E a sua sinceridade vai me fazer sentir menos magoada? Menos
enganada? Seu arrependimento vai magicamente consertar tudo? —
Precisava descarregar minha incredulidade. — Estou bancando a idiota,
não é? Você não deve estar nem um pouco preocupado em se redimir.
Journey fez menção de responder, mas o impedi.
— Quer saber? Tanto faz. Não sou mais capaz de acreditar em uma
palavra que você diga.
Ele engoliu em seco.
— Não posso te culpar por isso. — Sua voz saiu fraca.
Estava prestes a dizer que bom que sabe, mas Journey rompeu o
silêncio antes de mim.
— O que veio fazer em Vancouver? — repetiu a primeira pergunta
que fez, e parecia ansiar por uma resposta tanto quanto antes.
— Por que você quer tanto saber isso? — Arqueei a sobrancelha,
curiosa pela urgência com a qual ele proferiu aquele questionamento nas
duas vezes.
Journey me fitava como se quisesse me fazer entender pelo olhar, e
deduzi que estava debatendo internamente se revelava ou não seus
motivos. Dando-se por vencido, sibilou, encarando o chão:
— Pensei que você estava indo embora de novo, e veio até aqui para
se despedir. Eu estou certo?
Seus olhos se ergueram até os meus, suplicantes, amedrontados.
Surpreendi-me por ele se permitir revelar esse resquício de sentimento.
Antes que eu pudesse responder, uma voz reverberou nos alto
falantes:
— Senhores passageiros do voo AC 123, operado pela AirCanada
com destino a Toronto, por favor, dirijam-se para o portão de embarque
número cinco.
Journey se remexeu no banco, sinalizando:
— É a nossa chamada. Consigo ir sozinho até lá, mas será que você
poderia me ajudar com a bagagem de mão?
A menção a nossa chamada fez meu estômago revirar, mas não
comentei nada sobre isso, ainda. Apenas concordei com a cabeça,
apanhando a pequena mala enquanto ele se levantava.
Naquele momento, depois de tanto amaldiçoar o destino, agradeci-lhe
pelos voos da noite estarem lotados, ou eu acabaria caindo no mesmo que
o dele, o último.
Chegamos ao portão de embarque indicado e, quando Journey
entregou sua passagem para o comissário de bordo, lançou-me um olhar
confuso ao perceber que eu não fiz o mesmo.
— Não está encontrando sua passagem?
— Não estou voltando para Stratford, Journey.
Ele murchou diante dos meus olhos ao ouvir essa sentença.
Eu retornaria para nossa cidade natal dentro de poucos dias, mas
omiti essa informação. Ele deve ter concluído que eu havia, sim, ido até
Vancouver para me despedir, e, ao invés de negar, eu desfrutei disso.
Desfrutei daqueles olhos me fitando desolados.
Essa era mais uma prova de que ele tinha inutilmente bancado um
personagem. De que no fundo ele se importava, sim. E, ainda assim,
escolheu me magoar.
Observei Journey até que desaparecesse pelo corredor que o levaria
até o avião.
Repentinamente, alguém passou apressado, esbarrando em mim
apesar de todo o espaço livre ao redor. Quando descobri quem era, senti
meus músculos se contraindo, e uma pontada de apreensão me atingiu.
Lá estava Candice, embarcando no voo para Toronto. Muito
provavelmente, seu destino também seria Stratford.
“Alguém disse que você tem uma nova amiga
Mas ela ama você melhor do que eu?
Eu sei onde você está, aposto que ela está por perto
Eu estou no canto, vendo você beijá-la
E estou bem aqui, por que não consegue me ver?
Tão longe, mas ainda assim tão perto
Eu continuo dançando sozinho”
Dancing On My Own – Calum Scott

O voo para Toronto foi turbulento, assim como estavam meus


pensamentos.
O infame pedido de desculpa de Journey que não teve mais do que
uma frase.
Candice indo para Stratford.
Minha atitude impensada deixando-o acreditar que estava indo
embora novamente. Aliás, a satisfação momentânea que senti quando seus
olhos me encararam, desolados, havia sido substituída por vergonha.
Descer no mesmo nível de quem me magoou definitivamente não
era motivo para me orgulhar.
Conseguia sentir uma pontada de angústia ameaçando surgir, e tratei
de afastá-la imediatamente. Não deixaria nada roubar a atenção que esse
momento tão esperado merecia.
Esforcei-me para me desvencilhar de todos esses assuntos alheios
rondando minha mente, vagando espaço para substituí-los pela euforia de
estar indo para a editora acertar os detalhes do meu livro.
Do livro que seria publicado.
Por uma editora grande.
Repeti isso para mim mesma inúmeras vezes, e ainda soava como um
sonho. O melhor que eu já tive.

Aterrissei em Toronto no início da manhã e fui para o hotel tomar um


banho rápido e ficar apresentável, dirigindo-me, posteriormente, à Editora
Stevia.
Adentrei o escritório de Verônica, que já estava esperando por mim.
— Bom dia, Katherine! Sente-se, por favor. — Enquanto eu avançava
na direção da cadeira em frente a sua mesa, ela prosseguiu. — Aproveitou
para passear por Toronto em seu dia livre?
Engoli em seco, ciente de que não conseguiria mentir. Acomodei-me
na cadeira, revelando em seguida:
— Na verdade, aproveitei para passear em Vancouver...
Seus olhos desviaram dos papéis em cima da mesa para fitar os meus,
devidamente curiosos.
— Como assim? Isso é do outro lado do país! — Verônica ficou um
tanto surpresa, e parecia cada vez mais interessada.
Limpei a garganta.
— Pois então...
Acabei contando toda a história para ela. Falei sobre meu namoro
com Journey no passado, sobre minha partida, meu retorno. Sobre o sonho
que se realizou para logo depois fracassar e os anos de imersão na zona de
conforto. A bagunça pela qual minha vida amorosa era atualmente
definida e, no fim, em como tudo isso acarretou a minha ida a Vancouver.
Quando terminei, observei-a atentamente, tentando decifrar suas
expressões e ao mesmo tempo com medo do que Verônica poderia estar
pensando. Talvez eu não devesse ter falado tanto. Afinal, nós nos
conhecíamos há pouco tempo.
No entanto, ao invés de seus olhos refletirem decepção como eu
esperava que fizessem, ela abriu um sorriso.
— Olha, não me sinto próxima o suficiente para opinar em sua vida
pessoal, mas, Katherine, creio que não se deu conta de uma coisa. Parece
que você tem em mãos um belo enredo para seu romance. Já havia
considerado essa hipótese?
De fato, eu nunca tinha olhado para a minha vida por esse aspecto,
enxergando-a como um possível roteiro de livro. Ao menos não até agora.
Comecei a ponderar essa ideia e, a princípio, senti-me um pouco
desconfortável com a possibilidade de compartilhar algo que até então
havia sido só meu. Lembranças e momentos que estavam guardados havia
muito tempo apenas na minha memória. Entretanto, quanto mais pensava
sobre isso, mais parecia fazer sentido.
Obviamente, a história não seguiria à risca a realidade, os nomes
seriam outros, assim como os lugares. Afinal essa era, acima de tudo, uma
obra de ficção. Mas a inspiração poderia, sem sombra de dúvida, vir da
vida real.
Ao menos dentro daquele universo paralelo eu teria a liberdade de
criar um final feliz.
O valor emocional do livro seria ainda maior e mais significativo para
mim.
Depois que nossa reunião terminou, conheci o restante dos
funcionários da editora, inclusive aqueles que trabalhariam conosco em
todas as etapas da publicação.
Tudo estava se tornando cada vez mais real.

Katherine não embarcou no voo para Toronto e, como ela mesma


disse, não voltaria para Stratford. Também não respondeu quando a
questionei se estava indo embora de novo. Esquivou-se dessa pergunta
quando a fiz pela primeira vez, inclusive.
Queria conseguir não pensar nisso. Queria conseguir enganar a mim
mesmo, ao menos por um tempo. No entanto, a verdade estava
escancarada na minha frente.
Consegui a façanha de perdê-la duas vezes.
Antes de Katherine voltar, ainda que uma parte de mim estivesse
esperando secretamente pelo seu retorno, as coisas até que eram boas. A
vida era fácil. Fútil, mas fácil. Distraía-me prontamente sempre que
quisesse.
Eu tinha fama, dinheiro e aclamação, e achava que isso poderia ser
suficiente. Agora, percebia o quanto nenhuma dessas coisas realmente
tinha valor, não quando cheguei tão perto de ter o que sempre quis e deixei
escapar pelos meus dedos pela segunda vez. E o pior: conscientemente.
Dominado pela inabilidade de perdoar. Dominado pelo rancor. Fui nada
além de um completo idiota.
Não tinha ideia de como consertaria isso ou sequer se conseguiria.
Enquanto chafurdava nessas lamentações, não havia percebido algo
que, ao ser notado, passou a me deixar inquieto. Candice também
embarcou no voo rumo a Toronto.
Existia a possibilidade de ela estar indo para lá, mas existia, também,
a desconfiança crescente de que seu destino seria o mesmo que o meu.
Ainda me sentia um pouco culpado pela forma como terminei com ela,
apesar de ela ter relutado insistentemente. Mas, quando não há sentimento,
não há como seguir adiante.
Porém, quando há sentimento demais envolvido, tampouco sei como
agir.
Quando desembarcamos no aeroporto de Toronto, Candice
aproximou-se.
— Ei, Journey, espera!
— Oi, Candice, não tinha te visto... — Até tentei evitá-la, mas não
obtive sucesso.
— Como está a sua lesão? Fiquei tão preocupada quando vi o que
aconteceu...
— Não se preocupe, não foi nada muito grave.
— Que bom, isso me deixa mais tranquila! — Seus olhos pareciam
agitados, ansiosos.
— E aí, o que veio fazer em Toronto? — Fingi interesse para tentar
desvendar suas intenções.
— Na verdade, meu destino é Stratford. Resolvi espairecer um pouco
em uma cidade pequena.
Exatamente como imaginei.
Ela resolveu espairecer em uma cidade pequena, especificamente na
minha dentre tantas outras, justamente quando eu também estava indo
para lá. Curioso.
Essa resposta dela nem de longe me convenceria, mas decidi não
implicar. Já tinha preocupações demais com as quais me ocupar.
— Journey, estava pensando... Tudo bem por você se eu almoçar na
sua casa amanhã? Estou com saudade da comida da sua mãe, e seria bom
rever sua família depois de tanto tempo.
Essa ideia não me agradava. Minha família nunca gostou muito de
Candice, principalmente por acreditarem nos boatos de que ela estava
comigo pela fama. No entanto, eu não poderia lhe dizer que não era
querida em minha casa, então apenas assenti com a cabeça. Ela entendeu
que ficou combinado.
Estava sendo um pouco difícil carregar a bagagem de mão enquanto
andava com as muletas, mas não deixaria que Candice percebesse. Não
queria ela andando ao meu lado até o táxi ou, pior ainda, pedindo para
dividi-lo comigo.
Poderia ter pegado um ônibus até Stratford, mas resolvi que seria
melhor estar sozinho em um veículo, apenas na companhia do taxista, e
me preparei para passar quase duas horas na estrada.
Não pude evitar pensar na reação dos meus pais e de Ezra quando
lhes contasse sobre a visita inesperada.

Ao atravessar a porta da frente, fui prontamente recebido pelo abraço


da minha mãe, que sempre se preocupava demais.
— Fiquei tão assustada quando vi o que aconteceu no jogo, Journey!
Foi um alívio quando soube que você estava bem. Que bom que pôde vir
se recuperar em casa, assim posso cuidar de você.
— Está tudo bem, mãe. Foi apenas um susto, logo estarei
completamente recuperado.
— Vai com calma, Pilar, desse jeito ele irá pensar que ainda tem dez
anos! Imagina se Journey resolve parar de trabalhar e de nos dar carros
novos todo ano? —Meu pai sempre encontrava uma forma de deixar a
atmosfera mais leve.
— Cara, você nem dá tempo para sentirmos saudade e já aparece por
aqui de novo!
— Muito obrigado pela recepção calorosa, Ezra. — Esse era meu
irmão sendo cem por cento ele. — Hum, pessoal, tem mais uma coisa que
preciso falar.
Os três direcionaram os olhares na minha direção ao mesmo tempo.
Preparei-me para dar a notícia que não lhes agradaria nem um pouco.
— Candice também veio para Stratford, nos esbarramos no aeroporto
em Toronto. Honestamente, não entendi o porquê de ela ter vindo, mas
isso não importa. Acontece que ela se convidou para almoçar aqui amanhã
e... Eu não consegui dizer não.
Eles permaneceram me encarando, incrédulos. Assim como eu
lembrava, não eram grandes fãs dela.
— Por acaso você está organizando um reality show de ex-namoradas
vindo aqui em casa ou algo do tipo? — Ezra foi o primeiro a se
manifestar. Ao menos disse com humor.
Não contive uma risada.
— Claro, seria a minha cara fazer algo assim.
— Tudo bem, filho, se já está combinado... Só não espere uma
recepção igual à que fizemos para Katherine — avisou minha mãe.
— Sem problemas, nem cheguei a cogitar isso. Concordei com o
almoço para despistá-la logo, na verdade.
— Assim esperamos — enfatizou meu pai, por fim, sério como
poucas vezes ficava.

Como conseguimos acertar todos os detalhes do contrato editorial


antes do previsto, minha estadia em Toronto diminuiu de três dias para
apenas mais uma noite. Já poderia voltar a Stratford na manhã seguinte.
Combinamos que eu enviaria os capítulos por e-mail assim que os
terminasse, e também me comprometi a continuar postando no blog para
tentar aumentar cada vez mais o meu público.
Quando chegou o momento de assinar o contrato, não contive a
emoção que se apossou de mim. Lágrimas incessantes passeavam pelo
meu rosto. Tudo que eu sempre quis, que mais desejei, aquilo pelo que
toda a minha vida foi dedicada, pelo que todos os meus esforços foram
despendidos, estava concretizado.
Assinado.
Carimbado.
Eu consegui.
Deu certo. Valeu a pena não desistir.
Estava sorrindo de orelha a orelha e não havia nem um sinal de que
aquele sorriso fosse desaparecer. Minha alegria acabou contagiando a
todos os funcionários da editora que também se encontravam presentes, e
fiz questão de abraçar um por um.
Depois que assinamos todos os papéis e trocamos os últimos apertos
de mão, incapaz de ficar dentro de um quarto de hotel com toda aquela
agitação, resolvi ir até um pub no final da tarde para comemorar.
Completamente sozinha lá, cercada por inúmeros desconhecidos, não
poderia me importar menos com isso. Gostava da ideia de desfrutar
daquele momento apenas com a minha própria companhia. Tudo estava
voltando aos eixos, a vida tinha um sentido novamente. E eu pude,
finalmente, relaxar os ombros e respirar fundo, aliviada. O sonho tinha
deixado de ser apenas sonho para se tornar realidade.
Enquanto comemorava merecidamente virando uma taça do meu
espumante favorito, não permiti que nenhum outro pensamento rondasse
minha mente. Por um instante, fui capaz até de me desvencilhar da
lembrança da pior surpresa que a vida já me preparou. De longe, a mais
dolorosa e cruel.
Hoje, não deixaria isso me afetar.
Hoje, eu não queria sentir nada além de felicidade.

Fazia tempo que eu não dormia tão tranquila e profundamente. Não


ativei o despertador naquela manhã, deixei que meu corpo acordasse
quando quisesse.
Almocei um pouco mais cedo, pois pegaria o ônibus para voltar a
Stratford ao meio-dia. A previsão de chegada era entre uma e meia e duas
horas da tarde.
Apesar de a felicidade ainda dominar grande parte dos meus
sentimentos, não pude deixar de pensar no que eu encontraria ao chegar à
cidade. Um Journey que pensou que eu tivesse ido embora, somado ao
fato de Candice provavelmente também estar por lá. E provavelmente
correndo atrás dele.
Sim, eu estava magoada. Não conseguia acreditar completamente em
seu ínfimo pedido de desculpa, ou que estava arrependido de verdade.
Porém, vi o pavor em seus olhos quando pensou que eu iria embora de
novo.
Não podia esconder de mim mesma o receio que sentia de encontrá-lo
ao lado de sua outra ex-namorada, apesar de tudo. E com raiva da minha
própria pessoa por isso.
Era difícil distinguir o que era verdade e o que era mentira.
O que era real, e o que eu queria que fosse.
Era fácil se perder no meio de tudo isso.

Acabei dormindo mais do que o planejado e só acordei na manhã


seguinte ao escutar a voz de Candice cumprimentando minha família no
andar de baixo.
Eram quase onze horas.
Tomei um banho rápido e me arrumei de qualquer jeito, considerando
o praticamente inexistente ânimo que tinha para aquele almoço.
Antes de me liberar no hospital, o Doutor Victor informou que eu só
precisaria das muletas no dia da lesão, para que não colocasse meu peso
sobre o pé direito, mas depois disso poderia dispensar seu uso. Eu
conseguiria caminhar sozinho, e o motivo de estar impedido de jogar era
justamente para prevenir qualquer outro impacto até a recuperação total.
Sendo assim, sem precisar de ajuda, comecei a descer as escadas. Respirei
fundo, preparando-me mentalmente para encarar o que se sucederia.
Todos estavam sentados no sofá da sala, e tive que conter uma risada
ao perceber os sorrisos forçados das três pessoas mais importantes da
minha vida por estarem na companhia dela.
— Bom dia, Candice — cumprimentei.
— Bom dia, Journey! — ela respondeu, visivelmente mais animada
do que eu — Pelo visto ainda gosta de dormir até tarde.
Minha vez de exibir um sorriso forçado. Não me agradava essa coisa
de na nossa época, quando estávamos juntos, lembro disso com ela. As
lembranças das quais eu gostava de recordar eram com outra pessoa.
Assim que a comida ficou pronta, minha mãe nos chamou para a
mesa.
Enquanto almoçávamos, não houve outras recordações do passado
por parte da minha família. Meu pai, por incrível que pareça, quase não
fez suas piadinhas. Minha mãe se esforçou para ser o mais gentil possível.
E Ezra ficou mexendo no celular. Não lembrava muito bem da época em
que namorávamos, mas era nítido que aquilo jamais funcionaria.
Quando finalmente terminamos de comer, Ezra e meu pai
prontamente se ofereceram para lavar a louça e organizar a cozinha,
ansiosos por se livrarem da companhia dela. Eles definitivamente não a
engoliam.
Candice se aproveitou da dispersão dos outros.
— Conheci a Katherine em Vancouver — disparou, jogando o
assunto no meio da conversa do nada.
— É mesmo? — Lá vem, pensei.
— Sim. E ela deixou bem claro que não te quer de volta. — Um
sorriso cínico despontou em seus lábios.
Essa afirmação fez meu estômago revirar. Minha pulsação reagiu na
hora, acelerando. Entretanto, não deixei nada disso transparecer. E uma
parte de mim também sabia que, vindo de Candice, não tinha como ter
certeza de que aquilo foi realmente dito.
— E como vocês chegaram nesse assunto? — questionei, mantendo
minha cara de paisagem.
— Bom, eu a procurei com a intenção de deixar uma coisa bem clara,
também.
— Que coisa, Candice?
Essa conversa estava me deixando cada vez mais incomodado.
— Que eu, sim, te quero de volta. — Ela não teve pudor algum ao
fazer essa revelação.
Revirei os olhos instintivamente, incapaz de conter o gesto.
— Candice... — comecei, mas ela interrompeu.
— Não se precipite, Journey. Você pode se arrepender depois.
Não queria ser rude, mas já estava saturado desse assunto e das suas
insistentes tentativas falhas. Será que ela nunca aceitaria o fim?
— Não estou me precipitando. Já terminei esse namoro há muito
tempo e não me arrependi uma única vez. Da minha parte, nós seremos
apenas amigos.
Ela engoliu em seco e endireitou sua postura, exibindo um sorriso que
saiu amarelo, fingindo que não se importava.
Já era cerca de uma e quarenta da tarde, tempo mais do que o
suficiente para uma visita de almoço. Felizmente, creio que Candice
também chegou a essa conclusão, principalmente depois da minha
resposta.
Assim que ela fez menção de levantar, comecei a me encaminhar para
a porta, abrindo-a na sequência. Já a tinha aturado o bastante.
Nós paramos na varanda, onde pude ver um carro se aproximando de
longe. Quando ele chegou mais perto, consegui identificar que era um táxi
com o emblema daqueles que trabalhavam para a rodoviária. Eu não tinha
conhecimento de nenhum vizinho que estivesse viajando, algo que sempre
se sabia em bairros pequenos como o meu.
Nenhum, exceto por Katherine.
Meus pensamentos dispararam na mesma hora.
Eu estava me afundando em arrependimento ao pensar que a havia
perdido mais uma vez. Realmente achei que ela tinha ido embora
novamente, e Katherine permitiu que eu acreditasse nisso. Ela não negou
quando a perguntei. E agora estava ali, voltando para casa.
Candice ainda estava comigo na varanda, e Katherine sem dúvidas a
veria. Não tinha mais a mesma opinião sobre a vingança, não queria mais
magoá-la, e tinha certeza de que me ver ao lado de uma ex-namorada na
minha casa a faria imaginar algo que não chegava nem perto de ser real.
Mas, afinal, por que ela me deixou pensar que iria embora? Essa falsa
constatação me fez perder o chão bem diante dos olhos dela. Por que não
disse a verdade?
Ela me permitiu acreditar que eu a tinha perdido. Propositalmente.
Omitiu o fato de que estaria de volta a Stratford em pouco tempo.
Propositalmente.
Percebi que Candice estava lentamente chegando mais perto, mas não
me ative a isso. Não quando me sentia consternado e, ao mesmo tempo,
inegavelmente aliviado pela mentira de Katherine.
O táxi parou em frente à casa dela.
Enquanto estava completamente imerso na surpresa agridoce de vê-la
voltar, Candice se aproveitou de cada segundo de vantagem.
De repente, sem que eu pudesse prever, sua boca quase tocou a
minha.
Tomei um susto, sendo pego totalmente desprevenido, e a afastei
imediatamente, antes que algo pudesse acontecer. No entanto, a pessoa
com quem eu me preocupava já estava parada na calçada com o olhar
atordoado, parecendo enxergar além de nós dois.
Não senti absolutamente nada com aquele quase beijo que teria sido
covardemente roubado, mas tinha certeza de que, depois de assistir àquela
cena, Katherine sentiria.
“Eu não posso acreditar que você me decepcionou
Mas a prova está no jeito como isso dói
Eu queria que isso estivesse acabado agora
Mas eu sei que ainda preciso de você aqui
Eu tenho te amado por muitos anos
Talvez eu não seja suficiente
Seu coração é inalcançável
Mesmo assim, o Senhor sabe que você possui o meu”
I’m Not The Only One – Sam Smith

Na viagem de volta, apesar de extremamente cansada, não consegui


pregar os olhos. Estava eufórica demais pelo contrato assinado do livro e,
ao mesmo tempo, repleta de tensão, pensando no que teria que encarar ao
chegar a Stratford.
Dentre as coisas que me aguardavam lá, o que mais me incomodava
era não saber como lidar com a mentira que eu havia contado para
Journey. Ou melhor, com a verdade que havia omitido. Como assumiria
que fui imatura a esse ponto? Não fazia ideia.
Quando cheguei à cidade, peguei um táxi para ir da rodoviária até
minha casa. O trânsito estava tranquilo, contribuindo para que o trajeto
não demorasse muito.
Surpreendi-me ao ver que o veículo já adentrava minha rua.
Ao chegarmos perto o suficiente, notei que havia duas pessoas
paradas na varanda da casa de Journey, fazendo minha pulsação saltar com
a possibilidade de ser ele lá, pois isso me obrigaria a enfrentá-lo mais cedo
do que eu esperava. Não prestei muita atenção à outra pessoa, até ter uma
visão mais nítida.
Sim, era Journey quem estava na varanda. E a pessoa ao lado dele era
Candice.
Meu coração despencou.
Não queria ficar nervosa, mas não consegui me controlar. Aquilo
poderia muito bem não significar nada, assim como poderia ser um
reencontro que se transformaria em uma recaída, o começo de uma
amizade, ou então o ex-casal reatando o relacionamento.
Senti um nó começar a se formar em minha garganta
involuntariamente. Detestava lhes dar o poder de me deixar desse jeito.
Detestava com todas as minhas forças.
O táxi começou a diminuir a velocidade e, a essa altura, já tinha sido
avistado por Journey, que não desgrudou os olhos dele, acompanhando
cada movimento. Ao pararmos em frente à minha casa eu desci, receosa, o
mais devagar possível.
Quando criei coragem de olhar em sua direção, os olhos de Journey já
queimavam sobre mim, provavelmente discernindo o que estava
acontecendo. O que aquilo significava. Que eu não tinha ido embora.
Apesar de o ter deixado pensar que sim, propositalmente.
Candice, por sua vez, aproximava-se lentamente de Journey. Ele não
se moveu.
Ela chegava cada vez mais perto.
Ele continuava imóvel, encarando-me firmemente. Perplexo.
Eu me dividia entre confrontar seu olhar e, aturdida, perceber a cena
que estava prestes a se desenrolar na minha frente.
Depois de avançar vagarosamente, dando todos os sinais de que faria
isso, Candice quase conseguiu pousar seus lábios nos de Journey.
O tempo se arrastou durante aquele instante, fazendo com que os
segundos parecessem durar uma eternidade.
Por mais que eu soubesse dessa possibilidade, por mais que tivesse
conhecimento do passado dos dois e de que Candice estava em Stratford
com o intuito de se aproximar dele, ainda assim, eu jamais estaria
preparada para ver aquilo.
Foi como se todas as células do meu corpo estivessem reagindo,
como se cada terminação nervosa tivesse sido acionada.
Meu coração batia agitado. Atordoado. Ardendo em consternação.
Journey empurrou Candice imediatamente, afastando-a de si e
impedindo-a de beijá-lo.
Só que já tinha acontecido. Eu já tinha gravado aquele instante na
minha memória. E já estava imaginando o momento que antecedeu aquilo.
Porque houve um antes enquanto eu estava longe. Um antes que não pude
ver. Mas agora eu vi. E agora eu não conseguiria esquecer.
Fiquei estagnada na calçada, sentindo cada parte de mim vibrando por
um sentimento perturbador diferente.
Não teria sido uma traição, Journey não era meu. E acredito que esse
era, em parte, o problema.
Tratei de me recompor e nem percebi que havia preocupado o taxista.
— Está tudo bem, moça? Precisa de alguma ajuda? — perguntou ele,
finalmente interrompendo aquele momento angustiante e fazendo o tempo
voltar a passar normalmente.
— Desculpe-me por essa cena. Muito obrigada por esperar e por me
ajudar com as malas, não vou mais tomar seu tempo — respondi, ainda
um pouco desnorteada.
Ele se despediu, entrou no táxi e se foi, e eu fiquei observando-o
enquanto se distanciava cada vez mais, principalmente para desviar o
olhar da casa ao lado, mas também desejando que pudesse fazer o mesmo.
Desejando fugir dali e me esconder em algum lugar longe o suficiente
onde nada fosse capaz de me magoar. Onde nada me fizesse mal. Apesar
de ter acabado de chegar.
Como aqueles dois pares de olhos estavam me analisando
atentamente, caminhei a passos largos para dentro de casa querendo me
afastar daquilo tudo o mais rápido possível, ansiando por me livrar
daquela visão. Daquele gosto tão amargo. Daquele nó apertado na
garganta.

O táxi de Katherine parou e ela desceu exatamente no momento em


que Candice tentou me beijar, como se tivesse sido milimetricamente
calculado. Ela viu tudo. E eu me amaldiçoei por não ter me afastado mais
rápido. Por não ter sido ágil o suficiente para impedir que Candice
conseguisse chegar tão perto.
Ao ver aquele misto de confusão, decepção e tristeza estampando seu
rosto, a primeira coisa que pensei em fazer foi correr até ela para
esclarecer tudo, para tentar apaziguar todos aqueles sentimentos ruins.
Mas a culpa foi minha, e isso me deixou frustrado de uma forma que
jamais seria capaz de descrever.
O que também me segurou onde estava, no entanto, foi o fato de ela
ter me feito acreditar que iria embora.
Depois que o táxi desapareceu pela rua, Katherine caminhou
rapidamente para dentro de sua casa.
Ao voltar o olhar para Candice, vi um sorriso surgindo em seu rosto.
Não era o tipo de sorriso que se dá quando você quase beija alguém de
quem gosta. Era um sorriso malicioso, como o de alguém que vence uma
aposta ou toma algo de outra pessoa, o que me fez sentir nojo. Tanto dela
quanto de mim mesmo.
— Quem você pensa que é para tentar me beijar dessa forma? Não
tinha o direito!
— Desculpe, Journey, não fiz por mal... — cantarolou, sem fazer
questão de disfarçar a mentira deslavada.
— Vá embora, Candice. E vá sabendo que não será mais bem-vinda
aqui. Faça um favor para mim e me esqueça de uma vez por todas!
Seu olhar agora era ferino.
— Isso não vai ficar assim — bradou.
Dei as costas e entrei em casa antes mesmo de Candice caminhar em
direção ao portão.
Minha cabeça parecia prestes a explodir, não conseguia parar de
imaginar o que Katherine estaria pensando. E qual motivo a levou a
mentir para mim.

Dentro de casa, meus pais me receberam eufóricos e orgulhosos.


— Oba! Nossa escritora acabou de voltar! — minha mãe anunciou
melodiosamente.
— Eu sempre soube que tudo daria certo, filha. Nunca tive dúvidas
disso! — completou meu pai.
Os dois me abraçaram ao mesmo tempo.
— Obrigada por sempre acreditarem em mim, por me manterem
firme e por estarem ao meu lado em cada passo dessa jornada. Vocês são
as pessoas mais importantes desse mundo. — Minha voz se tornava mais
fraca a cada palavra proferida, tomada pela emoção daquele momento e
também do anterior.
As lágrimas que escaparam pelos meus olhos eram tanto de felicidade
quanto de angústia. Meus pais, no entanto, só estavam a par do primeiro
motivo, e deixei que assim permanecesse. Guardaria os sentimentos
tormentosos apenas para mim.
Consegui reunir um pouco da empolgação que senti nos últimos dias
e contei em detalhes como foi cada etapa até a assinatura do contrato. Os
dois escutaram atentos e interessados, sem conseguirem parar de sorrir.
Eu queria tanto que, ao menos uma vez, a balança da minha vida
ficasse equilibrada. Que para um lado estar no alto o outro não precisasse
pender tão para baixo.
Mais tarde, avisei que estava exausta da viagem e que iria para o meu
quarto descansar.
Abri a porta e logo me joguei na cama, só percebendo a tensão de
parecer estar carregando todo o peso do mundo em meus ombros quando
ela começou a se dissipar.
Ao olhar para o chão, avistei o que aparentava ser um papel pequeno
ao lado da minha estante de livros. Levantei-me para averiguar, curiosa, e
fui pega desprevenida ao me deparar com uma antiga foto de Polaroid
minha e de Journey, tirada em um dia especial.
A vívida lembrança dele não tardou a chegar.

Era início da noite e eu ainda estava estudando na biblioteca da


escola.
— Adivinha quem é! — anunciou Journey, cobrindo meus olhos com
uma das mãos.
Sorri automaticamente ao ouvir sua voz. Ele sabia que eu não
precisaria adivinhar, e liberou minha visão enquanto entregava uma rosa
branca que segurava na outra mão. Respirei profundamente, inalando o
cheiro da minha flor favorita.
Journey permaneceu de pé e fez sinal para que eu também me
levantasse. Puxou-me para bem perto de si, enlaçou minha cintura com
seus braços e colou seus lábios nos meus, depositando um beijo demorado
neles.
Minhas mãos desalinhavam seu cabelo.
— Feliz primeiro ano de namoro, Kath — sibilou, afastando-se o
mínimo possível.
— Feliz primeiro ano de namoro, Journey.
Ambos sorrimos, incapazes de conter nossa felicidade.
Repentinamente, sua expressão se transformou em uma careta, e ele
revelou, receoso:
— Preparei uma surpresa pra você...
— Journey... — Tentei protestar, mas ele me interrompeu.
— Eu sei, eu sei... Você não gosta de ser surpreendida. Mas essa vai
ser especial, confia em mim.
Eu realmente detestava surpresas. Entretanto, ele era uma das
pessoas que melhor me conhecia, então tinha de admitir que fiquei
animada.
Entrelaçando sua mão na minha, Journey começou a nos guiar em
direção à arena de hóquei, o que só aumentou minha curiosidade.
Quando entramos, não consegui disfarçar o quanto fiquei
maravilhada ao ver o que estava diante de mim. Quase todas as luzes
estavam apagadas, havia iluminação apenas no centro do rinque,
destacando uma mesa de jantar impecavelmente arrumada.
Um tapete vermelho atravessava a pista de gelo e marcava o caminho
até ela, fazendo com que não precisássemos usar patins.
Ao chegarmos ao centro, surpreendendo a mim e a ele, lágrimas
desobedientes escorreram pelo meu rosto. Journey passou o dedo em
minhas bochechas, secando-as.
— Minha intenção era te fazer sorrir, não chorar — sussurrou,
claramente orgulhoso da surpresa que havia organizado.
— Como você é bobo! — retruquei, fazendo-o sorrir ainda mais. —
Você deve ter tido tanto trabalho com tudo isso, não precisava...
Journey ergueu meu queixo com a mão, fazendo-me olhar bem no
fundo dos seus olhos.
— Por você tudo vale a pena, Katherine Cohen.
Meu coração inflou, e sorri abertamente em resposta.
Ele me guiou até uma das cadeiras ao redor da mesa e afastou-a
para que me sentasse, acomodando-se posteriormente do outro lado, de
frente para mim.
— Nem sei o que dizer, Journey! Eu realmente amei essa surpresa, e
nunca imaginei que conseguiria gostar tanto de uma. Você é muito mais
do que eu poderia querer.
Ele exibiu um sorriso que aqueceu todo meu corpo.
Segurou minhas mãos por cima da mesa, enquanto me olhava sem
desviar.
— Durante esse nosso primeiro ano tentei ser a melhor versão
possível de mim mesmo para não te decepcionar, e é o que pretendo
continuar fazendo. Eu sei o quanto você sempre gostou de ler e escrever
romances, Kath, e eu quero te fazer viver um na vida real.
“Eu vou lutar
Vou lutar por você
Eu vou ficar com você
Eu vou esticar as minhas mãos no escuro
E esperar as suas para interligar
Eu vou esperar por você
Porque eu não vou desistir
Mesmo quando disserem que não há mais nada
Então, não desista de mim”
Don’t Give Up On Me – Andy Grammer

Quando os últimos fragmentos da lembrança se esvaíram, minhas


tentativas de conter as lágrimas foram em vão. Elas rolaram por vontade
própria, delineando seu caminho pelo meu rosto.
Aquele era o Journey que eu aprendi a amar. Era aquele que eu
conhecia. De quem sentia falta.
Fiquei questionando a mim mesma o porquê de não sabermos as
coisas que aconteceriam após as nossas escolhas. Acreditava que, para
quem criou tudo isso, essa deveria ser justamente a graça.
Nós nunca lidaríamos com as consequências ou teríamos as respostas
se não tentássemos, éramos obrigados a arriscar. Só tínhamos
conhecimento de tudo depois que já era tarde, depois que os caminhos
estavam traçados, quando não havia mais volta. E nada nos deixava tão
impotentes quanto tarde demais.
Apesar do que estava acontecendo entre Journey e eu, ao ponderar se
mudaria minhas escolhas caso pudesse voltar no tempo, acho que eu faria
tudo igual. Por algum motivo era para ser assim, precisava acontecer
exatamente da forma como foi. Sempre acreditei que nada era por acaso, e
isso não mudou.
Se eu não tivesse ido embora aos dezoito anos, a vontade de partir
continuaria comigo e, em algum momento, eu precisaria ir de qualquer
forma. Esse desejo não se aplacaria com o passar do tempo.
No fim, que bom que eu parti. Tentei. Arrisquei. Afinal, nem tudo foi
perdido. Fui digna de receber uma segunda chance, e essa eu aproveitaria
ao máximo.
Antes de fazer qualquer outra coisa, assim que a lembrança se
dissipou transcrevi cada fragmento dela para o bloco de notas do celular.
Apesar de todos os sentimentos que ela me despertava, seria uma cena
perfeita para o livro.
Depois, sentindo uma necessidade imensa de desabafar com alguém
sobre o que tinha acontecido, fiquei extremamente grata por ter
reencontrado Natasha, e liguei para ela para contar da cena que eu havia
presenciado.
— Ah, Kath! Queria tanto estar aí para te abraçar. É difícil entender
essa situação, eu sei, mas te aconselho a não fazer nada sem pensar, não
tome nenhuma atitude enquanto estiver magoada.
— Não tenho disposição nem vontade de fazer algo agora, Nat. Quero
apenas ficar na minha cama, existindo.
— Eu te aconselharia a deixar isso um pouco de lado. Como não
estou aí para te animar pessoalmente, procura algo que te faça bem.
Escrever não é a coisa mais importante para você? Então vai lá, coloca
isso tudo para fora, leia os comentários dos seus leitores. Busque algo que
vai te fazer sorrir, te deixar mais forte.
Considerei a ideia que Natasha me deu, e precisava admitir que ela
realmente fazia sentido.
— Você tem toda a razão. Muito obrigada por existir, sério!
— Consegue se lembrar de alguma vez em que eu não estive certa?
Vai lá, e vê se melhora. Vou estar sempre aqui, é só chamar.
— Digo o mesmo. E obrigada de novo, Nat!
Encerramos a ligação e prontamente levei meu notebook para a cama,
seguindo o conselho de Natasha e acessando a página do blog.
Ela sempre seria a melhor amiga que eu poderia ter, uma das poucas
pessoas que conseguiria fazer com que eu me sentisse melhor não importa
a situação pela qual estivesse passando.
A sugestão que me deu não poderia ter sido mais acertada.
Comecei a ler as mensagens dos leitores na caixa de entrada do blog,
e a cada uma delas, meu sorriso se tornava maior. Era incrível descobrir
que eu havia, de alguma forma, ajudado alguém a melhorar, a enxergar as
situações da vida com outro ponto de vista, e que as pessoas se
encontravam nos meus textos e poemas, identificando-se com eles. Isso
fazia cada palavra escrita valer a pena.
Como não foi possível responder a todas, deixei para continuar em
outro momento e, devidamente mais inspirada a continuar escrevendo, me
dediquei a dar o pontapé inicial no meu romance.
Esperei por um tempo com o objetivo de esfriar a cabeça, mas ao
contrário do imaginado, eu continuava me sentindo angustiado,
continuava preocupado com Katherine.
Quando finalmente estava colocando os sentimentos no lugar, um
mal-entendido podia ter me afastado de tudo aquilo que ainda nem tivera a
chance de reconquistar.
O medo de que pudesse tê-la perdido de vez estava me sufocando.
Antes, nós tínhamos estabelecido uma conexão, estávamos em sintonia.
Agora, ela provavelmente não queria nem olhar na minha cara, e por mais
de um motivo.
Ansiando em resolver isso o quanto antes, esclarecer que não tinha
nada com Candice e questionar qual motivo levou Katherine a dizer que
não voltaria para Stratford, decidi que iria atrás dela.
No entanto, quando comecei a avançar em direção à porta, Ezra
bloqueou o caminho. Ele já estava a par de tudo que tinha acontecido.
— Aonde você vai? — questionou, desconfiado.
— Preciso falar com Katherine, não posso deixar as coisas desse
jeito.
— Journey, não acho que esse seja um bom momento.
— Na última vez em que eu e ela conversamos, meu pedido de
desculpas foi péssimo, ela deu a entender que estava indo embora de novo
e, quando voltou, viu Candice quase me beijando. Consegue entender a
bagunça que isso virou? Preciso arrumá-la o quanto antes.
— Eu sei de todas essas coisas, e é justamente por isso que acho
melhor esperar. Deixa a poeira baixar, irmão. Dá um tempo pra colocar os
pensamentos no lugar. Se for lá agora, corre o risco de bagunçar tudo
ainda mais.
— Não gosto de ficar parado enquanto poderia estar agindo, e não sei
se consigo continuar me sentindo desse jeito. Odeio essa angústia.
— Vocês dois têm essa mania de não conseguir ficar com um assunto
mal resolvido, né? Têm que correr pra resolver tudo logo. Mas eu
continuo achando que não é a hora certa. Me escuta só dessa vez, Journey,
estou falando sério.
Pensando bem, Ezra até tinha razão. Muito provavelmente ela estava
tão perturbada quanto eu. Se fosse até a casa dela agora, era muito mais
provável que tudo terminasse em uma bela discussão ao invés de nos
entendermos.
Sendo assim, eu daria um tempo até os ânimos se acalmarem.

No decorrer dos dias, me concentrei nas sessões de fisioterapia que


haviam começado. Estava focado em me recuperar o mais rápido
possível.
Praticamente não saí de casa, a não ser pelas curtas caminhadas que
fazia pelo bairro para manter uma rotina de exercícios, durante as quais
torcia para esbarrar com Katherine. No entanto, não a vi desde aquele
fatídico dia. Aparentemente também não estava saindo muito.
Apesar do alívio que sentia toda vez que a fisioterapeuta informava
que minha lesão estava progredindo positivamente, isso também me
deixava ansioso. Porque, quando estivesse completamente recuperado, eu
voltaria para Vancouver sozinho e, novamente, não saberia como seguir
em frente. Sentia uma pontada no peito toda vez que pensava nisso.
Deixei o tempo passar para que a poeira baixasse, assim como Ezra
tinha sugerido. Porém, diferente do efeito esperado, isso só me deixou
mais nervoso.
Precisava resolver essa situação. E precisava resolver o quanto antes.
Queria muito saber o que estava se passando na cabeça de Katherine.
Lembrei, então, que ela costumava atualizar um blog quando
namorávamos, onde escrevia principalmente sobre seus sentimentos.
Sempre que alguma coisa acontecia, eu o acessava para descobrir como
Katherine estava se sentindo. Ponderei sobre a possibilidade de esse blog
ainda existir e, mesmo que as chances fossem mínimas, resolvi procurá-lo.
Ainda lembrava do endereço online dele:
aquiloqueguardoparamim.com.ca.
Sendo pego completamente de surpresa, descobri que ele ainda
existia, sim. Cogitei procurar pelas postagens da época em que estávamos
juntos, mas fui novamente surpreendido.
Havia publicações recentes, Katherine ainda estava escrevendo lá! Vi
que ela tinha parado de postar no ano em que foi embora, e os textos
recentes foram publicados a partir do dia do seu retorno. Durante todo o
tempo em que esteve longe, ela não o atualizou.
Isso não podia ser por acaso, não podia ser uma mera coincidência.
Desde que partiu, Katherine não escreveu no blog. Mas, quando nos
reencontramos oito anos depois, ela voltou a fazer isso.
Li seus textos e poemas recentes, os quais estavam carregados de
sentimentos. Ela sofreu com toda a indiferença que demonstrei no início,
enquanto eu relutava em admitir que, no fundo, queria apenas tomá-la em
meus braços e jamais deixá-la partir novamente.
Ela me deu essa oportunidade, mas fiz tudo errado. Agora, tinha total
consciência de que em todos esses anos não deixei ninguém se aproximar
de verdade de mim, nem mesmo Candice.
A única que permaneceu — e ainda permanecia — em meus
pensamentos era Katherine, e eu não queria mais lutar contra isso. Estava
cansado de resistir.
Se o que sentia por ela sobreviveu a todo esse tempo e a todos os
acontecimentos desde então, isso significava que esses sentimentos eram
irrefutavelmente verdadeiros, e não podia mais desperdiçá-los ou ignorá-
los. Precisava parar de fazer besteira e de cometer esses erros ridículos.
Precisava provar para ela o quanto estava arrependido.
Iria me esforçar para reconquistá-la. Katherine tinha que voltar a ser
minha.
Repentinamente, uma notificação surgiu no blog, avisando que ela
estava online naquele exato momento.
Olhei pela janela, verificando que o carro dos seus pais não se
encontrava na garagem.
Ela estava sozinha.
Era a oportunidade perfeita.

Já tinha escrito uma boa quantidade de páginas dos primeiros


capítulos do meu livro. Minha produtividade estava veemente nos últimos
dias, nos quais dediquei praticamente todo o meu tempo à escrita. As
palavras fluíam facilmente, e essa sensação era libertadora. Intrínseca.
Era diferente escrever um livro que eu sabia que seria lido por muitas
pessoas. A motivação parecia ainda maior.
Após longas horas encarando o aplicativo de escrita do laptop, dando
o turno de trabalho daquele dia por encerrado, resolvi responder o restante
das mensagens no blog.
A interação com os leitores sempre me deixava ainda mais instigada a
continuar escrevendo.
Eles estavam lá por mim. Eu estaria lá por eles.
Exatamente no momento em que terminei de replicá-los e a caixa de
entrada ficou vazia, uma nova mensagem chegou.
Anônimo: Será que poderia, por favor, abrir a porta?
“O que você quer dizer?
Quando balança a cabeça que sim
Mas você quer dizer não
Quando você não quer que eu saia
Mas me diz para ir embora
Você é superprotetora quando estou indo embora
Tentando entrar num acordo, mas não consigo vencer
Você me tem desde o início, não vai deixar isso acabar”
What Do You Mean – Justin Bieber

Só havia uma possibilidade, uma pessoa que sabia da existência do


meu blog e cogitaria acessá-lo. E que estava perto o suficiente para vir até
mim.
Meus batimentos cardíacos dispararam em um presságio do que
aconteceria a seguir.
O momento do confronto.
Desci as escadas sem pressa, com a intenção de me acalmar no
caminho, mas essa tentativa não poderia ter sido mais falha. Só me sentia
ainda mais agitada.
A bile ameaçou subir, e a engoli com afinco.
Respirei fundo parada diante da porta, reunindo coragem para abri-la.
Girei a maçaneta e a puxei, revelando exatamente quem eu esperava
do outro lado.
— Você não deveria estar batendo à porta de outra pessoa? — Não
controlei a acidez em minha voz. Ao encará-lo, a primeira imagem que me
veio à cabeça foi a da boca de Candice quase tocando a dele.
O olhar de Journey, antes repleto de expectativa, murchou diante de
mim. Diante das minhas palavras.
— Katherine... — ele fez menção de responder, mas tinha outra
prioridade. — Posso entrar?
Embora relutante, dei um passo para o lado, permitindo sua
passagem. Assim que ele entrou, fechei a porta e me escorei na parede ao
lado dela, cruzando os braços em uma pose defensiva.
— Aquilo não foi nada, não significou nada — prosseguiu,
exasperado. — Ela tentou me beijar sem que eu concordasse, sem que eu
sequer quisesse, e a afastei na mesma hora. Tudo não passou de um mal-
entendido.
— É mesmo? E ela foi parar na sua casa por um mal-entendido,
também? — Arqueei a sobrancelha. Minha voz soou inquisitória, ainda
mais áspera.
— Ela própria se convidou para almoçar lá, só concordei para me ver
livre dela o quanto antes. Candice não significa mais nada pra mim há
muito tempo. — Journey olhou intensamente dentro dos meus olhos ao
proferir essas palavras, como se assim pudesse provar sua sinceridade. —
Mas, afinal, por que você se importa?
Engoli em seco. Não queria ter de responder àquela pergunta.
— Responda, Katherine. O fato de Candice ter vindo à minha casa te
incomoda? Por que se importa? Você me fez acreditar que iria embora de
novo. Mentiu pra mim olhando nos meus olhos. Por quê? — pressionou,
incisivo, dando um passo à frente.
— Eu não menti. Nem uma vez mencionei que estava indo embora.
Só decidi não contar que voltaria dentro de alguns dias. — Ele meneou a
cabeça em negação, soltando um riso sarcástico. — Mas suponhamos que
eu fosse embora de verdade, depois das suas mentiras e dos seus jogos...
Por que você se importa?
A pergunta retórica pareceu atingi-lo como um baque. No entanto,
quem foi pega de surpresa fui eu.
Journey avançou em minha direção a passos largos, extinguindo toda
e qualquer distância entre nós. Seus olhos cor de mel estavam cravados
nos meus.
— Quer saber por que me importo? — vociferou. — Porque eu te
amo, inferno!
Eu me desarmei completamente.
Essa revelação me atingiu em cheio. Foi um tiro certeiro, disparado
sem aviso prévio. Sem que eu estivesse esperando.
Analisei cuidadosamente seu olhar. Enquanto no meu a confusão
deveria estar estampada, no dele não havia nenhum sinal de vacilo ou de
incerteza. Se mantinha obstinado.
— Eu ainda te amo — reiterou, a voz um tanto mais branda.
Senti como se estivesse derretendo diante dele. Diante daquela
declaração.
Suas mãos firmes agarraram minha cintura e me puxaram para si com
destreza, colando nossos corpos. A falta que senti desse contato se
evidenciava cada vez mais enquanto tornava a experimentá-lo, enquanto
sentia seu corpo quente irradiando calor para o meu. O coração batendo
avidamente em expectativa.
Minhas mãos enlaçaram seu pescoço. Encaramo-nos como se nossos
olhares fossem capazes de perfurar um ao outro. Os olhos dele se voltaram
para a minha boca, repletos de luxúria.
Journey se aproximou ainda mais, mordendo meu lábio inferior e
sugando-o, soltando-o lentamente. Eu não revidei.
— Nunca deixei de te amar, nunca perdi a esperança de sentir seu
gosto de novo — sibilou contra minha boca.
Meus dedos se infiltraram nos fios de seu cabelo, implorando por
mais, impedindo que ele se afastasse.
O lado racional estava perdendo.
Finalmente, depois de tanto tempo ansiando por viver esse momento
novamente, nossas bocas uniram-se em um beijo urgente, saudoso. Sua
língua não precisou pedir passagem, aquele lugar era seu por direito havia
muito tempo.
Nossos movimentos começaram lentos, explorando um ao outro
vagarosamente, e então, como se os sentidos vulneravelmente aguçados
lembrassem de tudo que já vivemos, de tudo que já fizemos o outro sentir,
o beijo se intensificou, tornando-se quase selvagem, desesperado por
mais.
Foi nessa hora que os alertas em minha mente se sobrepuseram à
emoção.
Por mais que todo o meu corpo pedisse para que eu me entregasse, eu
temia fazer parte de mais um jogo. Temia que ele brincasse comigo de
novo.
Interrompi o beijo para recuperar o fôlego e indaguei, ofegante:
— O que você quer de mim, Journey? Me tornar mais um dos seus
casos efêmeros?
— O que eu sinto por você jamais foi efêmero, Kath, e jamais será.
Mais de oito anos depois eu ainda estou aqui, completamente rendido por
você, tentando te fazer entender que, apesar de todos os meus erros e do
caminho torto que escolhi, meu destino é e sempre será você — ele
sussurrou com a respiração entrecortada, afastando-se minimamente. Seus
olhos me encaravam em súplica.
— Você já me deu tantos motivos para não acreditar em suas
palavras... — Tentei protestar, inutilmente.
— Deixa eu te mostrar o quanto ainda te desejo, sei que você quer
isso tanto quanto eu... — provocou.
Cada célula do meu corpo voltou a se acender, vibrando em resposta.
O arrepio que me percorreu o encorajou a prosseguir.
Journey me pressionou contra a parede, unindo-nos ainda mais.
Minhas mãos tentaram puxá-lo pelo pescoço para mais um beijo, mas ele
desviou para outro ponto sensível que conhecia muito bem.
— Como eu senti falta disso... — sussurrou em meu ouvido com a
voz rouca, mordiscando meu lóbulo logo depois. Senti sua respiração
pesada contra minha pele, que ficou completamente eriçada.
Uma de suas mãos estava em minha lombar, mantendo nossos corpos
unidos. A outra se posicionou na lateral do meu seio, afagando-o com o
polegar.
Ele trilhou um caminho de beijos demorados pelo contorno do meu
pescoço, até alcançar meus lábios novamente.
— Você me deixa completamente louco, Katherine Cohen —
murmurou entre um beijo e outro.
Quanto mais eu sentia o toque da sua boca úmida e quente em minha
pele, que se arrepiava sem pudor, mais eu queria acreditar nele e menos eu
queria que Journey parasse. Aos poucos, ia desistindo covardemente da
ideia de refrear o que estávamos fazendo.
Conseguia sentir meu coração pulsando tão estrondoso que achei que
ele seria capaz de ouvi-lo.
Sem pressa, suas mãos começaram a passear pelas minhas pernas,
acariciando-as. Todas as partes que eram tocadas pela ponta de seus dedos
se acendiam como labaredas, ávidas para entrar em combustão. Ele
prosseguiu pelo meu quadril, apertando-o, depois pela cintura, e continuou
subindo, deixando saudosas as partes onde não mais se encontrava.
As minhas mãos deslizaram para dentro da camiseta dele, tateando
sua pele nua e se deleitando ao sentir seus músculos enrijecendo sob meu
toque. Travessas, tentaram escorregar para baixo do seu abdômen, mas
Journey as deteve.
Ele agarrou meus pulsos, erguendo-os acima da minha cabeça, e os
prendeu lá. Deixando um arquejo escapar, pressionou o volume dentro de
sua calça no meio das minhas pernas, encaixando-se, fazendo meu ventre
pulsar, ansiando por mais.
Eu me lembrava da sensação de ir até o fim com Journey, de como ele
me fazia enlouquecer até atingir o ápice. Dos espasmos de prazer
percorrendo todo o meu corpo enquanto me sentia deliciosamente
entorpecida. Ninguém chegava aos pés dele.
O que eu também lembrava, no entanto, era da sensação um tanto
mais recente que Journey me fez experimentar, de me sentir enganada,
traída. De quebrar a cara, acreditando que ele me queria de volta para logo
depois perder o chão com seu retorno repentino a Vancouver sem que eu
soubesse.
Meus sentidos travaram uma guerra interna entre eles. Meu corpo
implorava para se perder em tudo que sabia que Journey proporcionaria,
queria se deixar levar até o final, até não aguentar mais, explodindo de
satisfação.
Meu coração parecia querer saltar para fora do peito, batendo
desenfreado.
Mas minha razão, por fim, não me permitiu me render completamente
àquele momento e ao que ele premeditava. Não sem ter cem por cento de
certeza de que tudo o que sentia era recíproco. Que Journey estava sendo
sincero, que ainda me amava de verdade. Que essa não era mais uma de
suas armadilhas. Que o jogo havia terminado.
Sua boca tinha voltado a trilhar um caminho de beijos sobre minha
pele, e estava quase chegando ao meu peito quando pus as mãos em seu
rosto e o trouxe de volta à altura do meu.
Precisando reunir toda a minha força de vontade para isso, relutando
contra o desejo do meu próprio corpo, toquei seu abdômen e o afastei com
delicadeza, criando uma distância entre nós.
Journey passou a mão pelos cabelos, visivelmente frustrado. Inspirou
e expirou diversas vezes, assim como eu, tentando controlar a respiração.
Pensei que encontraria incredulidade ou raiva no seu olhar quando ele
se dirigiu ao meu, mas me deparei com melancolia e angústia.
— Ainda não consigo me entregar a você, Journey, não sem ter
certeza de quem você é, de quem está comigo agora dizendo que me ama,
que o deixo louco. — A profunda verdade dessas palavras doía. — Quem
é você, Journey Blake? O rancoroso? Aquele homem incrível que
apareceu depois, no qual eu acreditei quando estava apenas me
manipulando? Ou esse que banca o arrependido e vem bater à minha porta
quando sente que perdeu? Você não pode dizer que me quer de volta à sua
vida e logo depois me cortar dela. Eu sei o quanto já signifiquei pra você,
não vou aceitar migalhas agora.
Seu olhar caiu sobre o meu em desalento. Exibindo um semblante
agoniado, Journey suspirou.
— Não vou me eximir da culpa, Kath. Fiz tudo errado e vim até aqui
admitir isso. Não consegui me segurar ao chegar tão perto de você de
novo... Eu me precipitei e nem te pedi perdão como deveria. Então, por
favor, me desculpe por tudo que fiz antes e por isso também.
— E como eu poderia ter certeza de que esse não é apenas mais um
dos seus jogos? Que garantia eu tenho de que agora você está sendo
sincero?
— Nada do que eu te falei naqueles encontros foi mentira, nem uma
palavra. Não estava bancando um personagem, estava sendo quem eu
realmente sou. O meu maior erro foi ter seguido aquele plano ridículo de
vingança e ir embora sem te avisar, só pra te deixar sem chão de propósito.
Mas eu juro com todas as minhas forças que não menti para você.
Principalmente quando disse que brilharia mais do que a explosão de uma
Supernova. Principalmente quando falei que te queria de volta. Meu
orgulho não me permitiu esquecer do passado naquele dia, só que isso
acabou. Finalmente me desprendi desses sentimentos inúteis que só me
puxavam para baixo. Agora nada mais importa a não ser te trazer de volta
para a minha vida, de volta para mim.
Em um rompante de desespero, ele deu um passo à frente e segurou
meu rosto com as duas mãos.
— Eu preciso que acredite em mim, Kath. Preciso que acredite...
Senti as lágrimas despontando em meus olhos, e o nó em minha
garganta apertava cada vez mais. Meus lábios tremiam enquanto eu
tentava refrear todas aquelas emoções à flor da pele.
— Ainda não tenho certeza se consigo confiar em você de novo,
Journey.
Ele inspirou profundamente. Quase pude ouvir seu coração se partir.
— Isso é culpa minha, e não te julgo por ter receio. Mas eu não vou
desistir de nós. Vou fazer o que for preciso para provar que estou falando a
verdade. Que ainda te amo. Que te quero de volta. Vou recuperar a sua
confiança, nem que seja a última coisa que eu faça. Eu prometo.
Seus lábios pousaram suavemente em minha testa, dando-me um
último beijo.
“Eu sinto falta de você me deixando no limite
Eu queria ter sabido o que eu tinha
Quando fui embora
Você incendiou o meu mundo
Não pude aguentar o calor
Deixe chover sobre mim
Amor, volte para mim
Quero que você arruíne a minha vida”
Ruin My Life – Zara Larsson

Perdoar. Essa nunca foi uma tarefa fácil para mim. Sempre acabava
escolhendo o caminho do rancor, da raiva, daquilo que alimentava o ódio.
Assim era mais simples, só enxergava a culpa no outro, nunca em
mim mesmo. Delegava ao outro a responsabilidade do que eu estava
sentindo, como se, dessa forma, pudesse me manter alheio, me eximir de
enfrentar as questões mais complexas.
No entanto, isso era completamente errôneo. Completamente inútil.
Cultivar esses sentimentos ruins não os faria passar, não tornaria as coisas
menos complicadas, não me faria melhorar. Só faria mal a mim mesmo.
Só me puxaria mais e mais para o fundo do poço.
Finalmente podia dizer que abri meus olhos e me dispus a enxergar
essa verdade. Estava comprometido em aprender a perdoar, enfim.
Essa era mais uma das coisas que Katherine me ensinou. Além de me
inspirar a deixar de ser um covarde para correr atrás dos meus sonhos na
época, agora ela me mostrou que, sem o perdão, a vida não vai a diante.
Sem o perdão, não conseguimos seguir em frente. Não de verdade.
E mesmo ciente dos meus motivos infantis e de que na verdade não
havia o que ser perdoado, pois ela estava apenas seguindo o que seu
coração e todos os seus instintos mandavam-na fazer, eu a perdoei por
todas as coisas que me levaram a pensar que eu deveria me vingar. As
quais achei que não poderia me deixar esquecer nem por um segundo.
Eu não deveria ter mantido esse rancor comigo por tanto tempo. Por
tempo nenhum, para ser sincero. Agora eu conseguia entender.
A parte mais difícil no meio de tudo isso, entretanto, seria perdoar a
mim mesmo. Principalmente se Katherine não conseguisse fazê-lo.
Se ela me perdoasse, se conseguisse imaginar um futuro comigo de
novo, então essa seria uma tarefa um tanto mais fácil.
Porém, se ela não desejasse mais ficar comigo, se não me quisesse de
volta tanto quanto eu a queria, não tinha certeza de que seria capaz de me
absolver dos meus próprios pecados.

Eu sempre quis enxergar o lado bom das pessoas. Acreditar que elas
poderiam mudar, se transformar, evoluir. Mesmo aquelas que me
machucaram. Não me colocava na posição de julgá-las quando também
era alguém que cometia inúmeros erros. Alguém cheio de falhas.
Ainda não sabia o que pensar quanto a Journey, se deveria lhe dar o
benefício da dúvida, a chance de provar que agora, enfim, estava sendo
verdadeiro, ou se reforçava as barreiras ao redor de mim para repeli-lo.
Entretanto, sabia bem que tentar mantê-lo afastado não funcionaria.
Não quando meu corpo reagia daquela forma a ele. Não se ele realmente
me quisesse de volta e estivesse disposto a fazer de tudo por isso. Não
quando estava tentadoramente perto. Mais especificamente, na casa ao
lado.

No dia seguinte, quando desci as escadas para tomar o café da manhã,


minha mãe veio em minha direção com um envelope grande nas mãos.
— Isso aqui chegou pra você, filha. O remetente é de Toronto.
— Que estranho, eu não encomendei nada...
Admito que fiquei um tanto curiosa.
Peguei o envelope das mãos da minha mãe, apressada para descobrir
qual era o seu conteúdo. Não estava esperando nada de ninguém, nem
havia comprado algo de uma loja online.
Ao checar o remetente, logo reconheci o endereço. Era da Editora
Stevia, o que me deixou ainda mais ansiosa.
Rasguei a embalagem, abrindo-a e revelando dois papéis, um grande
o suficiente para precisar ser dobrado, o outro do tamanho de uma carta.
Este foi o que li primeiro.

Katherine Cohen,
Primeiramente, desculpe-nos por não termos dito nada, mas essa era
justamente para ser uma surpresa.
Atualmente você já conta com um bom público, o qual vem
acompanhando seu blog assiduamente.
Sendo assim, pensamos em uma forma de te aproximar desses
leitores, para que eles se sintam ainda mais conectados a você,
aproveitando, também, para divulgar o livro que iremos publicar.
O banner que enviamos é para que fique mais fácil para você
visualizar a nossa ideia. As partes da data, horário e local ainda estão em
branco pois essas coisas precisam ser definidas.
Se estiver de acordo, podemos começar a anunciar que o evento irá
acontecer, bem como acompanhar o interesse que vai ser despertado em
seu público.
Gostando do que planejamos, entre em contato e deixe-nos saber.
Atenciosamente,
Editora Stevia.

Eu tinha a impressão de que a vida estava tentando me obrigar a


gostar de suas surpresas.
Prontamente, desdobrei o banner mencionado no bilhete. Ele tinha
uma foto minha, o endereço online do blog e uma menção ao livro que
ainda seria publicado, convidando os leitores para um bate-papo comigo.
Abaixo, estava o espaço não preenchido onde seriam colocadas as
informações sobre o evento. Senti um frio na barriga só de imaginá-lo
acontecendo.
Animada, liguei para Verônica na mesma hora.
— Imagino que o correio tenha feito uma entrega hoje. Estou certa?
— questionou, bem-humorada.
— Está, sim! Acabei de receber o banner e o bilhete.
— E o que achou?
— Eu gostei muito da ideia, de verdade! Vou adorar participar de um
evento com os meus leitores. Será ótimo para que eles se sintam mais
próximos de mim.
— Foi exatamente o que pensamos! Então, como estamos de acordo,
vou enviar para o seu e-mail um formulário que elaboramos, para que
quem queira ir ao evento preencha e reserve seu lugar até que tenhamos
uma data confirmada.
— Certo! Assim que receber já vou divulgar o link dele no blog.
Fiquei realmente empolgada com essa possibilidade, Verônica. Obrigada
por tudo que está fazendo por mim, nem sei como te agradecer por tanto!
— Nós nos esforçamos pelo sucesso dos nossos escritores, Katherine,
e acreditamos muito no seu potencial. Não precisa agradecer por isso.
Alguns minutos depois que desligamos, recebi o seu e-mail. Na
mesma hora elaborei um post contando sobre a realização do bate-papo e
avisando do formulário para que os leitores garantissem seus lugares.
Era inacreditável como as coisas estavam dando certo. Eu sentia que
essa era uma recompensa que estava recebendo por abrir os olhos e
retornar para o caminho do qual não deveria ter me desviado. Por ter
voltado a ser quem realmente era, assumindo meus erros, engolindo o
orgulho e retornando para casa de cabeça erguida para recomeçar do zero.
Passei a sentir mais vontade ainda de continuar escrevendo meu livro,
fiquei tremendamente instigada a terminá-lo para poder anunciar mais um
evento. Dessa vez, o lançamento dele.
Coloquei-me a fazer isso pelo resto do dia.
À noite, depois de longas horas no universo do meu romance,
desliguei o laptop e resolvi sair de dentro de casa para procurar a pequena
constelação das Três Marias no céu. Antes eu as buscava para fazer
pedidos, sempre os mesmos. Hoje, as procuraria para agradecer por tê-los
atendido.
Assim que passei pela porta, avistei Journey sentado na escada de sua
varanda. Quando notou minha presença, seus olhos pareceram se iluminar,
e fez sinal para que fosse até ele.
Meramente relutante, decidi ir.
— Ei, senta um pouco aqui comigo — convidou, ao passo que
cheguei mais perto.
— Tá bem — concordei, ajeitando-me no espaço vago ao seu lado. —
Admirando as estrelas?
— Pior que é exatamente isso que estou fazendo — admitiu, me
surpreendendo. — Nesse horário, quando a maioria dos vizinhos já está
dormindo e as luzes estão apagadas, o céu estrelado fica bem mais
visível.
— Essa é uma das coisas que mais me fez sentir falta de Stratford.
Nas cidades grandes, com todos aqueles prédios repletos de luzes acesas,
quase não dá para ver as estrelas.
— Nem me fala... Poder ver esse espetáculo faz parte do refúgio que
nossa cidade natal é para mim. Falando nisso, você ainda costuma
procurar pelas Três Marias?
Encarei-o, surpresa. Não esperava que ele ainda se lembrasse. Deixei
um sorriso involuntário escapar.
— Sempre. É a primeira coisa que faço quando olho para o céu à
noite. Inclusive, foi por isso que saí de dentro de casa agora há pouco.
Foi a vez de Journey deixar um sorriso se desenhar em seu rosto.
— E quando as encontra, ainda faz pedidos?
— Sim, três. Um para cada estrela.
— Algum deles já foi atendido?
Eu sorri ainda mais abertamente.
— O pedido que eu mais repeti está finalmente se realizando! — O
gosto de proferir essa frase era doce como açúcar puro. — Hoje eu
planejava apenas agradecer, aliás.
A forma como Journey me fitava indicava que sua curiosidade tinha
sido devidamente aguçada. Ele parecia ligar os pontos em sua mente.
— Espera aí... Você está falando sério? Aquele pedido, o mesmo da
época?
Cem por cento da sua atenção estava voltada para mim, aguardando
minha resposta.
— Sim! Ter um livro publicado por uma editora grande de novo. —
Meu sorriso se estendia de orelha a orelha, incapaz de diminuir.
Ele arregalou os olhos na mesma hora em que terminei de falar.
— Katherine Cohen! — Ele estava boquiaberto. — Você vai publicar
um novo livro? E com uma editora grande? Caramba, isso é demais! Na
verdade, é extraordinário! — Journey levou suas mãos à boca, e depois
passou a sorrir tanto quanto eu. — Parabéns por essa conquista, era
líquido e certo que conseguiria. Você merece muito isso, muito mesmo!
Nunca desistiu, e agora recebeu a recompensa. — Ele fez menção de se
aproximar, mas recuou, pedindo permissão primeiro. — Posso te abraçar?
Eu permiti.
Não foi um abraço que poderia evoluir para outra coisa, ou que tinha
o intuito de me provocar. Foi um gesto sincero de parabenização, de
orgulho, de alguém que também estava feliz pela minha realização, pois
acompanhou tudo desde o início.
Journey sempre apoiou incondicionalmente meu maior sonho, com
exceção, apenas, da parte que envolveu ir embora. Vê-lo tão empolgado
por mim me trouxe uma nostalgia que foi muito bem-vinda.
— Muito obrigada, Journey, por tudo. Você sempre me incentivou
tanto! Nunca deixou de acreditar, nunca me deixou desanimar quando as
coisas pareciam tão difíceis... Obrigada tanto pelo apoio no passado
quanto por ficar feliz comigo no presente.
Seus lábios se abriram em um largo sorriso mais uma vez.
Então ele exibiu uma expressão de quem parecia estar juntando as
peças de um quebra-cabeça.
— Espera... É isso que você foi fazer em Vancouver? A editora é de
lá?
Senti meu corpo travar, premeditando até onde essa pergunta poderia
levar.
— Não, vou publicar pela Editora Stevia de Toronto. — Ainda não
tínhamos falado sobre o meu dia em Vancouver, especificamente sobre o
motivo que me levou até lá.
— Então naquele dia, no aeroporto, você estava esperando por um
voo para Toronto?
— Sim... — Inevitavelmente comecei a ficar tensa com o rumo que a
conversa estava tomando. — Poderíamos ter caído no mesmo voo,
inclusive, mas quando fui comprar as passagens todos os daquela noite já
estavam lotados.
Journey ficou quieto, provavelmente ponderando se continuava a
tocar nesse assunto ou se recorria a outro ao notar minha hesitação. Mas,
conhecendo-o como eu conhecia, sabia que ele iria querer alguns
esclarecimentos.
— Ok, só mais duas perguntas, e então poderemos falar sobre outra
qualquer coisa. Prometo. — Ele entrelaçou seus dedos uns nos outros
enquanto fazia uma pausa antes de questionar o que eu temia ter que
responder. — O que estava fazendo em Vancouver, Kath? E por que não
contou que voltaria para Stratford poucos dias depois?
Inspirei profundamente. Seria um tanto embaraçoso admitir o motivo
da minha viagem de um dia para Vancouver, bem como a razão de ter
omitido a informação do meu retorno.
Seus olhos estavam fixos nos meus, denunciando sua ansiedade para
ouvir minha resposta.
— Você, Journey Blake.
Ele ficou visivelmente confuso.
— Acho que não entendi...
— Você é o motivo de eu ter ido para Vancouver por um dia. Estava
no hotel em Toronto quando ouvi falarem sobre o Canucks em um
programa de televisão e sobre o jogo que aconteceria na noite seguinte.
Quando percebi, já estava comprando as passagens de avião e o ingresso.
Eu queria muito te ver jogar, mas não tinha intenção nenhuma de te deixar
saber disso. Porém, aconteceu o que aconteceu e disparei na direção dos
paramédicos que estavam te tirando do rinque, fiquei tão preocupada...
Aliás, você me viu lá?
Seu olhar estava embebido de esperança depois dessa confissão.
— Sim, Kath, eu te vi — afirmou, causando uma sensação já
conhecida em meu estômago. — Te vi saindo de um restaurante quando
estava no ônibus do time. Te vi no meio dos torcedores na arena, e
também ouvi quando chamou meu nome. Mas antes que eu pudesse
responder, vi seu cabelo balançando no ar quando se virou para ir embora.
Parece que os meus olhos sempre dão um jeito de te encontrar, onde quer
que esteja.
Dessa vez eu tive que segurar o sorrisinho que ousou tentar se abrir.
— Eu vi o ônibus passar, e também quando você pareceu me achar do
meio de todos aqueles torcedores. Ainda me perguntei quais as chances?.
Pelo visto, todas.
Seus dedos batucavam uns contra os outros, indicando seu
nervosismo.
— E por que não me falou que voltaria a Stratford em poucos dias?
Eu realmente pensei que você estava indo embora de novo.
Journey não conseguiu me olhar ao fazer essa pergunta.
Engoli em seco.
— Admito que isso foi um tanto imaturo da minha parte, e realmente
me arrependi. Você quis me dar o troco na mesma moeda, e eu fiz
exatamente a mesma coisa. Queria te ver tão desolado quanto eu também
fiquei. E funcionou, naquela hora. Mas me senti péssima logo depois. Me
desculpa.
— Imaginei que essa pudesse ter sido a razão... Já falei isso inúmeras
vezes, mas vou repetir. Não sou ninguém para te julgar, não depois de
tudo o que fiz. E não me peça desculpas, as suas ações não foram nada
mais do que um reflexo das minhas próprias atitudes. — Ele ergueu seu
olhar na direção do meu novamente. Vasculhei por alguma fagulha de
manipulação, mas tudo que encontrei foi sinceridade. — Agora, se não se
importa, vou mudar bruscamente de assunto. Não quero que as coisas
fiquem tensas entre nós de novo.
Ele balançou as mãos como se estivesse espantando a tensão que
pairava no ar.
O som da sua risada breve deixou o clima ameno novamente.
— Não tenho objeções quanto a isso — respondi, erguendo as mãos
em rendição e acompanhando seu riso.
— Ótimo! Sobre o que vai ser o seu livro?
— Boa tentativa, mas não vou dar nenhum spoiler. — Sobre a nossa
história, que tal?, pensei para mim mesma. — Falando nisso... Tem mais
uma coisa que está para acontecer — continuei, incapaz de conter a
empolgação. — A editora quer organizar um evento com os meus leitores,
tipo um bate-papo. Ainda não tem data marcada, tudo o que sei é que vai
ser incrível... Mal posso esperar!
— Essa vai ser uma grande oportunidade para eles conhecerem a
mulher sensacional que você é! Naquele dia, no rinque da escola, eu te
disse que ainda brilharia mais do que a explosão de uma Supernova.
Tenho cada vez mais certeza disso, Kath.
Ele exibiu aquele tipo de olhar que parecia sorrir junto com a boca,
refletindo toda a sua intensidade.
Senti como se meu coração tivesse duplicado de tamanho.
— Obrigada, Journey. Isso significa muito para mim, mais do que
pode imaginar.
Exibíamos um par de sorrisos bobos naquele instante.
Apesar do momento surpreendentemente agradável que
compartilhávamos, como já era tarde e eu estava começando a bocejar, fiz
menção de ir embora.
— Ei, espera aí — ele pediu, levantando-se e indo em direção à porta
da casa.
Voltou menos de um minuto depois, com um ar convencido, trazendo
algo em sua mão.
— O que tem aí? — perguntei, mas não precisei de uma resposta. Ele
me entregou uma barra de chocolate da minha marca favorita. — É o meu
predileto, não acredito que ainda lembra! — Encarei-o cerrando os olhos.
— Espera aí... Está tentando me comprar, Blake?
Se eu tinha pontos fracos, chocolate certamente era um deles. Aquele
principalmente.
— Funcionou para te convencer quando eu precisava de companhia
para entregar panfletos divulgando o jogo de hóquei do time da escola.
Funcionou, também, quando eu quis acampar na floresta da cidade
vizinha, e quando eu pedi para que você fosse assistir a todos os treinos
antes dos jogos mais importantes. Não custava tentar... — ele respondeu,
orgulhoso em mostrar que ainda se recordava de tantas coisas.
Sorri com aquelas lembranças, incapaz de conter o sentimento bom
que elas me causavam.
E, falando em sentimentos bons, era notável o quanto eu estava mais
leve depois daquela conversa, depois de tamanha honestidade entre nós.
— Boa noite, Journey. E obrigada por... tudo isso.
— Sinceramente? Eu que agradeço. Boa noite pra você também,
Kath.
Enquanto eu caminhava em direção à minha casa abraçada no próprio
corpo, foi quando me dei conta de que não me via mais na posição do alvo
de uma vingança ou de novas maquinações.
Depois de tantos acontecimentos, finalmente eu sentia que o que
estávamos vivendo era real. Singelo, mas verdadeiro.
“Então abra seus olhos e veja
Os nossos horizontes se encontrando
Pelo rádio (...) eles tocaram
“Chasing Cars” e eu pensei em nós
De volta ao tempo em que você se deitava ao meu lado
Eu olhei para o lado e me apaixonei
Tudo me levava de volta a você
E eu sei que essas cicatrizes irão sangrar
Mas os nossos corações acreditam
Que todas as estrelas irão nos guiar para casa”
All Of The Stars – Ed Sheeran

— Hum, Journey... O que está rolando entre você e a Katherine? —


questionou Ezra, dessa vez mais curioso do que preocupado.
— Sinceramente? Não tenho certeza.
— Como assim? Pensei que vocês tivessem voltado, justamente por
isso perguntei. Achei estranho que você ainda não tinha nos contado
oficialmente.
— Estou me esforçando para dar essa notícia para vocês o quanto
antes. Pode acreditar, é tudo o que eu mais quero. Mas, depois do que fiz,
ela precisa voltar a confiar em mim primeiro, e espero que isso seja
possível... É tão difícil ficar perto dela sem poder tocá-la, sabendo que não
é mais minha. Bate aquela sensação de impotência, sabe? Quando tudo o
que você mais deseja está bem à sua frente e você simplesmente não pode
ter...
Interrompendo o que acabou se tornando um desabafo, a campainha
tocou. Estava no horário da minha fisioterapia.
Atendi a porta quase chamando aquela parada diante de mim de
Senhora Berg novamente, mesmo depois de ela já ter me corrigido.
— Bom dia, Rosa, apenas Rosa.
Levantei os braços em rendição. Ela balançou a cabeça, rindo.
— Bom garoto! Bom dia para você também.
Rosa Berg era uma senhora gentil, mas que sabia ser firme quando
necessário, além de uma excelente profissional. Conhecia seu trabalho
porque já tinha feito parte do Vancouver Canucks, substituindo nosso
fisioterapeuta chefe quando necessário. Além disso, ela tinha
disponibilidade para me atender até aos sábados, como era o caso do dia
de hoje.
Subimos para o quarto para iniciar a sessão.
Quando havia concluído, Rosa reiterou algumas coisas:
— Continuamos fazendo um bom progresso, como eu já tinha dito.
Mas preciso que você siga colaborando, Journey. Não adianta pensar que
está tudo bem e voltar a correr, a dirigir... Permaneça com as caminhadas
curtas e nada de desobedecer, está bem?
— Sim, senhora — respondi, batendo continência.
Acordei cedo no sábado para fazer uma caminhada mais longa, e
ambas a tarde e a noite daquele dia passei escrevendo. Adiantei ao
máximo o meu trabalho, pois na manhã seguinte não poderia perder a
transmissão da Fórmula 1.
Estava fissurada pelo esporte desde que voltei a acompanhá-lo, e a
disputa pela liderança do campeonato ficava cada vez mais acirrada.
Entretanto, ao acordar no domingo, tive certeza de que o destino
estava me testando.
A largada aconteceria em dez minutos, e a internet da minha casa
havia simplesmente parado de funcionar. O sinal da televisão era via Wi-
Fi, ou seja, sem chance de conseguir assistir.
Isso aconteceu justamente quando Christopher Knight, o piloto para
quem eu torcia, começaria em segundo. Parecia brincadeira.
Liguei para o suporte da internet e fui informada de que os técnicos
só poderiam vir na segunda-feira.
Derrotada, precisei admitir para mim mesma que só restava uma
opção.
Minutos depois eu estava batendo à porta da casa ao lado, ansiosa
tanto pela corrida quanto por estar recorrendo a isso.
Não tinha pensado no que diria caso Pilar ou Jeremiah atendessem.
No entanto, vi que o carro deles não estava na garagem. Quem apareceu
do lado de dentro era justamente aquele que eu esperava.
— Katherine Cohen, batendo à minha porta? — Journey aparentava
estar em júbilo diante daquilo, exibindo um olhar que mesclava diversão e
curiosidade.
— Quem diria, não é? — Acompanhei sua descontração. — Olha só...
A internet lá de casa caiu, e eu não tenho como assistir nada. Estava
pensando... Será que poderia ver a corrida da Fórmula 1 aqui? —
expliquei, nervosa. A volta de apresentação dos carros já deveria estar
começando.
Ele nem tentou conter seu sorriso.
— Claro que pode, Kath. Vem, entre e fique à vontade.
Journey escancarou a porta e liberou a passagem para o lado de
dentro da casa.
— E então, não tem mais nada pra falar? Tipo muito obrigada?
— Eu agradeço no final — respondi por cima do ombro enquanto me
encaminhava para a sala.
Ele riu da minha pressa.
Cheguei bem a tempo. A volta de apresentação já tinha sido dada,
como eu imaginava, e os carros estavam se posicionando para a largada.
Sentei no sofá ainda incapaz de me acomodar, os olhos fixos na tela à
minha frente.
Uma a uma, as luzes vermelhas se apagaram. Havia começado o
Grande Prêmio de Mônaco.
Christopher sofreu uma bela pressão do carro de trás, mas conseguiu
manter sua posição após a primeira volta.
Só então eu consegui me ajeitar no sofá, bem mais tranquila. Perder a
largada significaria perder boa parte da emoção da corrida.
Journey permaneceu em silêncio durante esses primeiros instantes,
percebendo minha concentração. Porém, ao notar que eu tinha relaxado,
questionou, claramente curioso:
— Não me lembro de você assistindo à Fórmula 1 enquanto
estávamos juntos... Quando isso começou?
Minha primeira reação foi sorrir. Aquele era um assunto sobre o qual
eu adorava falar.
— Na verdade, essa é uma coisa que vem da infância. Eu sempre
assistia às corridas com meu pai nos domingos de manhã. Mas quando o
piloto para quem ele torcia se aposentou, não se animou mais em
continuar acompanhando. No fim, também parei de assistir.
Estava dividindo a atenção entre Journey e a televisão, mas, ao espiá-
lo pelo canto do olho, percebi o quanto estava interessado na minha
explicação, como se realmente quisesse saber mais sobre mim e sobre
aquela que me tornara nos últimos anos.
Sendo assim, direcionei todo o meu foco para ele também.
— Quando descobri que o novo piloto da Ferrari era jovem, mais
novo do que eu, inclusive, fiquei incrivelmente surpresa pelo fato de
alguém com a idade dele já ter realizado o sonho de ser piloto da Fórmula
1 e, como se não bastasse, em uma das equipes mais tradicionais.
Enxerguei isso como uma grande inspiração e voltei a acompanhar as
corridas, passando a torcer pelo Christopher, obviamente.
Journey assentiu.
— Realizar grandes sonhos “impossíveis” — Ele fez as aspas com as
mãos. — Realmente é algo que mexe com você, não é?
— Sem dúvidas, durante toda a minha vida foi assim. Isso sempre me
levou a pensar “caramba, se essa pessoa conseguiu realizar algo tão
grande, então eu também sou capaz de conquistar aquilo que mais quero”.
Ver as realizações dos outros sempre me inspirou.
— E agora, finalmente, você também conseguiu. Também vai ser uma
grande inspiração para muitas pessoas, como foi pra mim — enunciou.
— Como assim? — Arqueei a sobrancelha, meu interesse sendo
prontamente despertado.
— Apesar de toda a raiva que senti quando você foi embora, te ver
correndo atrás do que queria com tanta garra me inspirou a fazer a mesma
coisa. Me tornei bem mais suscetível a aproveitar as oportunidades que
foram aparecendo. Obviamente, nunca tinha te agradecido por isso. Então,
obrigado, Kath.
— Nossa... Essa era uma das últimas coisas que eu imaginaria.
Obrigada por ter me contado, de verdade.
Ele colocou seu braço sobre a parte de cima do sofá e escorou a
cabeça nele, ficando mais confortável. Seu corpo estava posicionado de
lado, deixando-o de frente para mim.
Seus olhos pareciam perdidamente distraídos pela minha boca, como
se isso fosse tudo o que estivessem enxergando. Não estávamos tão
próximos, mas a distância também não era grande. Meus sentidos se
encontravam bem cientes da sua presença.
Apenas aquele olhar foi o suficiente para me deixar inquieta, para
ocasionar o frio tão conhecido na barriga.
Vi quando Journey travou a mandíbula.
Entretanto, contrariando a atitude que pensei que tomaria, ele desviou
os olhos e os trouxe de volta ao encontro dos meus.
— O que mais mudou nesses anos? — questionou, desfazendo aquele
breve, porém notório, momento.
— Bom, o que não mudou é que eu continuo não gostando de futebol.
Jamais bateria à sua porta para assistir a um jogo. — Ele riu ao ouvir isso.
— Ah, e aconteceu mais uma coisa que não te contei!
Minha empolgação manteve o sorriso no rosto de Journey.
— Quando você me viu saindo do restaurante em Vancouver, lembra
de ter visto mais alguém?
— Sim, você estava com uma mulher que não me era estranha...
— E não era mesmo! Acredita que reencontrei Natasha
completamente por acaso quando fui almoçar lá?
— Tá brincando?! Que coincidência...
— Realmente, era para ser. Desde aquele dia, não paramos mais de
nos falar.
— Fico muito feliz que vocês tenham se reencontrado, lembro que
não desgrudavam na escola.
A essa altura, minha atenção estava completamente dispersa da
televisão. Nós continuamos conversando sobre tantas coisas que
simplesmente não senti o tempo passar.
Quando percebi, faltavam apenas cinco voltas para o final da corrida.
Voltei a ficar nervosa. Christopher estava em segundo, mas, na
próxima volta, poderia abrir a asa móvel e tentar ultrapassar o piloto da
frente.
Assim que o momento chegou, ele alcançou esse feito. Estava
liderando. Só precisava segurar mais três voltas.
Meu coração estava aos pulos e eu já tinha me posto de pé, bem à
frente da tela.
O piloto que se encontrava em segundo tentou recuperar sua posição
faltando duas curvas para a linha de chegada. Eu coloquei a mão na boca
para não xingar. No entanto, mostrando o piloto talentoso que era,
Christopher não vacilou.
Finalmente, fez a última curva e foi o primeiro a cruzar a bandeira
quadriculada.
Eu ria e pulava, comemorando. Minha empolgação era algo que
nunca conseguia conter.
— Ele ganhou, ele conseguiu! — celebrei, animada, olhando na
direção de Journey.
Seus olhos já estavam caídos sobre mim, acompanhando cada
movimento meu sem nem tentar disfarçar.
— O que foi? — indaguei, sentindo a intensidade daquele olhar.
— Fiquei pensando se algum dia vou voltar a te ver torcendo assim
por mim — ele confessou, sem rodeios.
Bastava uma frase dessa ser dita por ele que descargas elétricas
pareciam atravessar meu corpo de uma ponta a outra.
— Muito obrigada por me deixar assistir à corrida aqui, Journey —
proclamei, embora não tivesse assistido nada além da largada e da
chegada. Também não sabia como respondê-lo.
— Você sabe que é mais do que bem-vinda aqui. É desejada, na
verdade.
A eletricidade em meu corpo havia atingido o coração, que passou a
bater ainda mais agitado.
Assenti, mais nervosa do que queria estar.
Fui embora de sua casa com a sensação de que estava traindo meu
próprio coração. Aquelas correntes elétricas pareciam querer me manter lá
à força.
Como se fosse ali que eu devesse ficar. Como se aquele fosse meu
lugar.

Estava tomando café da tarde com meus pais quando ouvi o celular
tocar.
Apesar de ser final de semana, quem ligava era minha editora chefe.
— Olá, Verônica!
— Boa tarde, Katherine! Desculpe por ligar em um domingo, mas
precisamos conversar sobre o evento com seus leitores. Gostaria de saber
se você estaria disponível para que o realizássemos já nas próximas
semanas. Ainda não temos uma data definida, mas não tardaria a
acontecer. O que me diz?
— Não tem problema nenhum, estou disponível para qualquer dia em
que decidam fazê-lo. E ansiosa, também. Quanto antes, melhor!
— Maravilha! Nos vemos daqui a algumas semanas, então. Já vamos
correr atrás dos preparativos por aqui.
Várias pessoas vinham enviando mensagens no blog questionando se
já possuíamos uma data para a realização do evento. Era um alívio saber
que, em breve, disporia de todas as informações para repassar para elas.
Contei aos meus pais sobre a proximidade da nova viagem a Toronto
para o encontro com os meus leitores.
Eles ficaram radiantes, tanto quanto eu estava.
— Lembro de você escrevendo seus primeiros livros à mão quando
ainda estava no ensino fundamental... Parece que foi ontem. Você merece
tudo isso, filha, merece demais! — declarou meu pai, nostálgico.
Eu também me recordava da pequena Katherine se aventurando em
rabiscar histórias nas folhas dos cadernos da escola.
Se ao menos ela soubesse...

À noite, meu celular tocou novamente. Não foi surpresa ver que era
Journey. Trocamos nossos números durante os “encontros da vingança”.
— Oi, Kath! Escuta, preciso te pedir um favor...
Congelei, imaginando que aquilo levaria a uma situação na qual seria
difícil manter meu autocontrole.
— Pode falar.
— O senhor Salvatore soube que eu estou novamente na cidade e me
convidou para conversar com os seus alunos na escola, só que eu ainda
não posso dirigir. Por acaso você poderia me levar e ficar comigo lá?
Usaríamos o carro dos meus pais, claro.
Ele poderia ter pedido isso a Ezra, seu pai, sua mãe... qualquer um
deles. Aquilo era um pretexto um tanto óbvio para nos vermos de novo.
Entretanto, eu não queria recusar. Fiquei com vontade de ir com ele.
— Eu, dirigindo uma Range Rover? Estou dentro!
Conseguia imaginar o tamanho do seu sorriso do outro lado da linha.
— É sério? Você vai mesmo? — Ele pareceu realmente surpreso, mas
não me deu tempo de responder ou de voltar atrás. — Pode vir aqui em
casa pelas três da tarde — prosseguiu rapidamente.
— Combinado!
Se havia qualquer barreira tentando se construir, eu a estava
ignorando conscientemente.
Aos poucos, voltava a restaurar a confiança em Journey. Aos poucos,
cogitava me deixar levar.
No fundo eu sabia que, uma hora ou outra, meu corpo ficaria farto de
esperar e desejaria experimentar todas aquelas sensações de novo. Meu
corpo me faria ceder, se eu não o fizesse antes.
Eu sabia que ele estava lá, esperando para me ter de volta. Sabia o
que ele queria. Em algum momento, teria que me decidir.
Era inevitável.
“Eu preciso da sua graça para me lembrar
Para encontrar a minha própria
Tudo que eu sou, tudo que já fui
Está aqui nos seus olhos perfeitos
Eles são tudo o que consigo ver
Apenas sei que essas coisas jamais mudarão para nós
Se eu me deitar aqui, se eu simplesmente me deitar aqui
Você se deitaria comigo e esqueceria do mundo?”
Chasing Cars – Snow Patrol

Acordar.
Caminhar.
Escrever.
Era a isso que meus dias se resumiam. Era essa a rotina que eu mais
apreciava e que, por muito tempo, pude apenas sonhar em ter.
O bloqueio criativo que estava enfrentando quando retornei a
Stratford se foi por completo. As palavras fluíam soltas, livres, como que
por conta própria.
Isso só se amplificou quando Verônica me ligou, animada, contando
que o formulário disponibilizado para os leitores reservarem suas vagas
para o evento vinha sendo acessado freneticamente. Já havia incontáveis
preenchimentos.
Era real.
O livro que eu estava escrevendo tinha uma editora e pessoas
esperando ansiosas por ele.
Eu seria lida. Minhas palavras estariam presentes na vida de inúmeros
leitores que eu sequer sabia que existiam, mas eles me conheceriam.
Saberiam meu nome. Enquanto dedicassem seu tempo a ler o que escrevi,
eu estaria lá, interferindo indiretamente nas suas vidas.
Era absolutamente tudo o que eu sempre quis.
Naquela segunda-feira, logo após o almoço, liguei para Natasha.
Contei sobre o evento e ela avisou que já havia confirmado presença e
reservado seu lugar.
Aproveitei, também, para desabafar sobre os últimos dias e seus
acontecimentos, pedindo sua opinião.
— Sinceramente, Kath? Acho difícil que esse raio do qual você tem
tanto medo caia duas vezes no mesmo lugar. Aliás, Journey nem teria
como ir embora agora, não até se curar completamente da lesão. Então,
assim, acho que você deveria fazer o que sempre fez, que é obedecer ao
seu coração. E nós duas sabemos muito bem o que ele quer que você faça.
E, mais uma vez, para não perder o costume, Natasha tinha razão.

Acordar.
Caminhar brevemente pelo bairro.
Fisioterapia.
Minha rotina forçada das últimas semanas.
Mais um dia longe do time, dos treinos, daquilo que me era
costumeiro. Dos meus hábitos de verdade.
No entanto, soava até engraçado o quanto eu queria ir embora de
Stratford e, ao mesmo tempo, o tanto que queria ficar.
Ansiava por voltar a jogar, assim como ansiava por convencer
Katherine de que merecia tê-la de volta.
Antes, eu duelava comigo mesmo, uma parte odiando-a e a outra
parte querendo segurá-la em meus braços para não mais soltar.
Agora, duelava com o tempo, torcendo para que ele fosse o suficiente
para reconquistá-la.

À tarde, Rosa chegou para mais uma sessão de fisioterapia.


Quando ela estava quase terminando, perto das três horas, a
campainha tocou.
Quem reagiu primeiro foi meu coração, batendo desassossegado.
Rosa logo percebeu minha inquietação.
— Está esperando alguém? — indagou, curiosa pelo meu
comportamento.
— Estou, sim. E pior que ela não é qualquer pessoa...
— Pela sua agitação, não é difícil perceber. — Ela exibia um sorriso
divertido.
Acredito que alguém tenha atendido a porta, pois a campainha
silenciou.
Diferente do meu coração, que só silenciaria quando eu pusesse os
meus olhos nela.

Perto das três da tarde, como combinado, me encaminhei para a casa


dos Blake.
Foi Pilar quem atendeu a porta, convidando-me para entrar e
informando que Journey já estava quase no fim da fisioterapia.
Assim como tinha imaginado, sua família também se encontrava
disponível para levá-lo até a escola. Entretanto, ele quis que fosse eu.
Pouco tempo depois que cheguei, Journey e aquela que acreditava ser
a fisioterapeuta surgiram descendo as escadas.
A mulher avançou em minha direção, aparentando estar curiosa.
— Prazer, sou Rosa Berg, a fisioterapeuta. Estou tratando de deixá-lo
o mais inteiro possível o quanto antes — informou, estampando um
sorriso simpático.
— É um prazer conhecê-la, Rosa! Sou Katherine. — E não tenho um
título que me relacione a Journey para me apresentar, pensei. — Uma
velha conhecida.
Ele arqueou as sobrancelhas ao ouvir aquilo, mas pude perceber que
estava segurando o riso.
Rosa lhe lançou um olhar sugestivo.
— Hum, sei — proferiu, olhando de um para o outro. — Se é assim
que chamam hoje em dia... — Deu de ombros. — Bom, como meu
trabalho aqui já está feito, vou embora e deixarei vocês com seus
compromissos. Também foi um prazer te conhecer, Katherine. Até logo,
Journey, e continue se cuidando!
— Pode deixar, Rosa! Até breve.
Assim que ela desapareceu pela porta, Journey anunciou:
— Só vou trocar de roupa e já podemos ir, velha conhecida.
Um sorrisinho bobo cresceu em meus lábios, apesar das minhas
tentativas de contê-lo.
Depois que partimos, escolhi o caminho mais longo, demorando mais
do que o necessário na estrada. Eu adorava dirigir, e a sensação de estar no
comando daquela Range Rover era indescritível.
Ao estacionar em frente à escola, descemos do carro e, enquanto o
fazíamos, me esforcei para afastar o pensamento de que aquele momento
se parecia muito com a última vez em que estivemos lá.
Mais especificamente, tentei afastar a lembrança do que aconteceu
depois.

Juntos, adentramos a arena de hóquei da escola.


Logo fomos avistados pela turma de pequenos jogadores sentados em
frente ao senhor Salvatore.
— É ele! É ele! — Começaram a apontar em minha direção,
eufóricos.
Todos estavam bastante ansiosos para falar comigo, passando a
disputar minha atenção assim que cheguei mais perto. Vários deles
traziam consigo suas jerseys do Vancouver Canucks, estampadas com meu
número e sobrenome.
Eu jamais me acostumaria a isso, ser tratado como uma celebridade.
— Seja bem-vindo, Journey, e muito obrigado por aceitar o convite!
— cumprimentou o técnico. — Espera aí, essa é... Katherine Cohen?
— A própria — ela respondeu, sorrindo.
— Quanto tempo, garota! Seja bem-vinda de volta à escola também!
— Muito obrigada, senhor Salvatore.
O técnico nos olhou como se tivesse um vislumbre da época do
ensino médio, provavelmente se perguntando se aquilo significava o que
ele estava imaginando, mas manteve o pensamento para si. Porém, deixou
escapar um sorriso que, combinado ao seu olhar, parecia dizer já entendi
tudo.
— Quem aí joga hóquei? — perguntei às crianças.
Todas levantaram as mãos, empolgadas. Era incrivelmente fácil
agradá-las.
Ficamos um bom tempo conversando. Respondi às suas perguntas,
compartilhei dicas de jogo e contei como era jogar no Canucks e viver em
Vancouver.
As crianças também se mostraram preocupadas com minha lesão, mas
tranquilizei-as informando que estava progredindo muito bem.
— Aquela é a sua namorada? — uma garotinha perguntou, de
repente, apontando para Katherine.
Encarei a mulher parada ao meu lado com um olhar inquisitório. Os
olhos dela, por sua vez, estavam arregalados. Ela claramente não sabia o
que responder.
— Eu sou... Uma velha conhecida — replicou, meio sem jeito.
Novamente, recorreu àquela expressão. Não contive uma risada,
meneando a cabeça em negação. Como se fosse possível que tudo o que
ela significava na minha vida se resumisse a uma velha conhecida.
Quando a tarde com as crianças chegou ao fim e terminei de
autografar as jerseys e os tacos que haviam trazido, seus pais vieram
buscá-las.
Ao observá-los partir, uma imagem capturou minha atenção, fixando-
se em minha memória de uma forma que eu sabia que não a esqueceria.
Havia um pai caminhando em direção à saída ao lado de seu filho,
segurando-o pela pequena mãozinha. O garotinho vestia a jersey do
Vancouver Canucks número 11, sobrenome Blake.
Inevitavelmente, me imaginei no lugar daquele pai. Me visualizei
caminhando ao lado do meu filho, vestindo meu uniforme de hóquei.
Instantaneamente, vislumbrei um mini Blake.
Aquela imagem era a materialização de tudo o que eu sempre quis,
minha própria família.
E então meu olhar se voltou para Katherine, que também observava a
cena, quieta. Ela era a mulher com quem eu sempre sonhara em formar
uma família. Era sempre ela que surgia na minha mente quando esses
pensamentos passavam a me rondar. Era sempre ela lá, entrando na igreja
de branco, esperando os nossos filhos. A mulher que eu imaginava comigo
para o resto da vida, até quando sonhava com isso inconscientemente.
Eu estava total, completa e irrevogavelmente apaixonado por ela.
Irremediavelmente rendido. Sempre estive. No entanto, agora, esse
sentimento estava mais forte e explícito do que nunca. Sentia isso com
cada parte do meu ser, com todas as forças, em cada uma das minhas
terminações nervosas que vibravam e acendiam quando ela se
aproximava.
Eu era inteiramente dela e jamais conseguiria ser de outro alguém.
Tudo o que eu mais queria era que Katherine se entregasse,
finalmente. Que visualizasse o futuro da mesma forma como eu o
visualizava, ao seu lado.
Porque, para mim, não existia outra possibilidade.
As crianças estavam completamente absorvidas, prestando atenção
em Journey como se ele fosse um ser mágico de outro mundo.
Em determinado momento, um garotinho o perguntou se ele tinha
chance de se tornar um jogador profissional de hóquei algum dia, ao passo
que Journey respondeu:
— Claro que sim, você só precisa acreditar e se esforçar para isso.
Todos vocês são capazes de realizar os seus sonhos e de chegar aonde
quiserem, nunca se esqueçam disso.
Tive que reunir todo o meu autocontrole para não o abraçar naquela
hora.
Mais tarde, no final da conversa e dos autógrafos, quando os pais
vieram buscar as crianças, uma cena chamou a nossa atenção. Por motivos
diferentes, porém.
Percebi que Journey não conseguiu desgrudar os olhos de um pai
saindo da arena de mãos dadas com o filho, que vestia a jersey número 11
do Vancouver Canucks, com o sobrenome Blake gravado.
Não tinha dúvida alguma de que ele ficou se imaginando no lugar
daquele pai. Journey sempre quis construir uma família, e aquela cena era
uma genuína materialização desse desejo.
Quando seu olhar se voltou ao meu, mais uma vez, eu conseguiria
desvendar facilmente o que ele estava pensando.
Senti uma pontada no coração.
Imediatamente afastei os pensamentos que ousaram tentar me
perturbar.
— Uma velha conhecida? — questionou Journey, enquanto
caminhávamos em direção ao carro.
— Não deixa de ser verdade... — Virei-me para encará-lo.
— Não, não deixa. — Ele parou bem na minha frente. — Mas não
chega nem perto do que quero que seja.
Journey colocou uma mecha do meu cabelo para trás da orelha
vagarosamente, os olhos fixos nos meus.
— Você poderia ter pedido para Ezra ou seus pais te trazerem hoje —
pronunciei, a pulsação vacilando.
— Você sabia disso, e mesmo assim aceitou vir comigo. — Seus
dedos continuavam brincando com meu cabelo. — Você poderia não ter
assistido à corrida domingo, ou ter procurado algum outro vizinho. Mas
preferiu ir lá em casa.
— É, preferi — admiti.
Ele deu mais um passo à frente.
Eu não me afastei.
Suas mãos pousaram em minha cintura, pressionando-a com firmeza,
como se enfatizassem o que Journey revelou na sequência.
— Você sabe que eu estou te esperando, não é? Sabe que isso aqui
não é uma amizade, tenho certeza de que está tão ciente disso quanto eu.
Não desisti, e nem irei. É só você decidir, Kath. É só fazer sua escolha, me
dar um sinal, porque meus braços estão abertos para você. E desejando
muito te ter entre eles.
Assenti, engolindo em seco.
Incapaz de continuar olhando dentro das suas íris cor de mel, me
desvencilhei delicadamente das suas mãos e segui para o carro em
silêncio, apesar dos protestos do meu próprio coração. Apesar do impulso
de querer me encaixar dentro do abraço dele.
Journey veio logo atrás, e pude sentir seu olhar queimando sobre
mim, fazendo com que todo o meu corpo se arrepiasse.
Continuamos nos vendo no decorrer daquela semana, ambos
inventando qualquer desculpa esfarrapada para isso.
A frase proferida na segunda-feira não saía da minha cabeça. Repetia-
se como um eco.
— É só você decidir, Kath. É só fazer sua escolha, me dar um sinal,
porque meus braços estão abertos pra você. E desejando muito te ter
entre eles.
Era final de tarde na sexta-feira quando eu encarei a mais pura
verdade, enfim.
Desejava estar naqueles braços tanto quanto eles me queriam lá.
Desejava Journey com tamanha veemência que deixava até a mim mesma
aturdida. Não conseguia expulsá-lo dos meus pensamentos nem por um
segundo desde que voltei.
Eu queria que ele me beijasse daquele jeito de novo e, então, em
hipótese alguma o mandaria parar. Queria que fôssemos até o fim.
Estava cansada de esperar, estava cansada de deixá-lo esperando.
Eu não tinha nenhuma chance contra o que sentia por ele. Nunca tive.
Qualquer barreira seria destruída assim que a ousasse construir. Esse era o
poder que Journey exercia sobre mim. De me atrair para ele, não importa
como, quando, onde. Eu sempre acabaria sendo atraída para ele.
E, dessa vez, não revidaria.
Deixaria essa atração me guiar sem tentar resistir.

isso começou parecendo


uma maré baixa da qual a
falsa calmaria camuflava
a rapidez com que a água
estava subindo

nós fomos pegos de surpresa


despreparados
nem poderíamos imaginar
o que nos aguardava
até que a maré alta chegou
com toda a sua força e se instaurou
inundando tudo ao nosso redor
ambos começamos a lutar
contra ela com todas as nossas forças
para tentar não afundar
para permanecer na superfície
para não ser sugado pela correnteza

mas, no fundo, nós já sabíamos


que essa luta seria em vão
que estávamos fadados a
sermos engolidos pela água
fadados a sucumbir
fadados a nos afogarmos
total e completamente
fadados a nos entregarmos
inteira e irrevogavelmente

você é a minha maré alta


Postei o poema no blog.
Eu sabia que Journey o leria.
Minha decisão foi tomada, afinal.
Não muito tempo depois, ouvi algo vindo do lado de fora da minha
janela.
Parecia... A melodia de uma música.
“Você me empurra
Eu não tenho forças para resistir ou te controlar
Você me deixa tão nervoso
Te acordo no meio da noite para dizer
Eu nunca vou embora de novo
Eu nunca vou sair dessa cama
A perfeição do seu rosto me desacelera
Eu preciso que você confie em mim
Eu nunca vou embora de novo”
Never Gonna Leave This Bed – Maroon 5

Sim, definitivamente era a melodia de uma música. E não de uma


qualquer. Conforme avançava em direção à janela, fui prestando atenção
na letra.

Aquelas três palavras são ditas demais


elas não são o suficiente
(...) se eu me deitar aqui
se eu simplesmente me deitar aqui
você deitaria comigo e esqueceria do mundo?
(...) eu preciso da sua graça para me lembrar
para encontrar a minha própria
tudo que eu sou
tudo que já fui
está aqui nos seus olhos perfeitos
eles são tudo que consigo ver
eu não sei onde
confuso sobre como também
apenas sei que estas coisas jamais mudarão para nós

Era a inconfundível Chasing Cars do Snow Patrol, e ela tocava de


uma pequena caixa de som que Journey segurava do lado de fora da minha
casa.
Ele gostava muito dessa banda desde a época em que namorávamos, e
quando estávamos juntos sempre colocava essa música para tocar no
carro.
Um sorriso iluminou seu rosto assim que me viu na janela.
— Vem aqui — sussurrou, enfatizando o pedido com um gesto das
mãos.
Desci as escadas com aquele frio tão familiar na barriga começando a
surgir, assim como um sorriso que eu não poderia – e nem queria –
refrear.
Faltavam apenas alguns passos para estarmos juntos de novo, juntos
para valer. Sem mais desconfiança, sem jogos, sem mentiras, sem precisar
mais esperar, sem barrar qualquer sentimento ou desejo.
Mais alguns passos e estaríamos juntos, enfim.
Avancei ao seu encontro e parei bem à sua frente, deixando apenas
uma ínfima distância entre nós.
— Isso foi uma tentativa de serenata? — questionei, em meio ao
sorriso.
— É, digamos que foi. Espero que tenha dado certo.
— Deu, sim. Mais do que certo.
Seus olhos que sorriam acompanhando sua boca, de repente, ficaram
sérios. Passaram a me encarar com uma intensidade imensurável.
— Você é, sem dúvidas, uma maré alta que chegou de surpresa
inundando tudo, Kath, mas eu não quero lutar contra. Eu quero pular de
cabeça.
Senti todo o meu corpo amolecer naquele momento.
Journey entrelaçou uma de suas mãos na minha. A outra, levou até
meu queixo, concedendo-lhe uma carícia lenta.
Meu coração parecia querer pular de encontro ao dele.
Aquelas três palavras, elas ansiavam serem ditas, ansiavam por sair
da minha boca mais uma vez, finalmente libertas. Sem receio, sem rodeio,
sem voltar atrás.
Direcionei-lhe um olhar carregado com o máximo de sentimento que
consegui reunir. Completamente vulnerável, completamente exposta.
— Eu te amo, Journey Blake. Sempre amei.
Seus olhos cor de mel se iluminaram como o sol ao raiar do dia.
— Eu também te amo, Katherine Cohen. Nunca deixei de amar.
Em um ímpeto, ele rompeu a curta distância entre nós, tomando-me
em seus braços e trazendo seus lábios de encontro aos meus em um beijo
frenético. Um beijo que estava enjaulado há anos, esperando por esse
momento. Que saciava sua sede vigorosamente. Um beijo que não
precisou ser roubado, foi recebido de muito bom grado, e devidamente
correspondido. Um beijo que dizia “você é minha, finalmente”.
Seus braços enlaçaram minha cintura com maestria, e minhas mãos
passearam pelo seu cabelo, pelo seu pescoço, e depois desceram,
atrevidas, pelo seu tronco.
Journey diminuiu a frequência do beijo aos poucos, selando-o
devagar.
— Você tem compromisso hoje? — sibilou, distanciando sua boca
minimamente, de modo que conseguia sentir os movimentos dos seus
lábios contra os meus.
— Nenhum — sussurrei em resposta.
— Ótimo, agora tem — anunciou. — Qual tal dirigir a Range Rover
de novo? — sugeriu, sorridente, deixando-me curiosa enquanto me levava
em direção ao seu terreno.

Journey fez sinal para que eu parasse em frente ao parque Merri Go


Round. Avistei o letreiro piscante e adentrei seu estacionamento.
A noite estava agradável, apesar de estarmos quase no final do
outono. O frio não nos castigava como normalmente faria nessa fase da
estação.
Não havia nuvens no céu, deixando as estrelas livres para brilharem,
agraciando a cidade com toda sua majestosidade.
Journey sibilou um já volto e se dirigiu à pequena praça de
alimentação montada no parque. Retornou equilibrando duas embalagens
em uma mão. Com aquela que estava livre segurou a minha, e passou a
nos guiar em direção à roda gigante.
Apesar do movimento no resto do parque, aquele brinquedo em si
estava inacreditavelmente vazio.
Entramos em uma das cabines, e a roda logo começou a girar.
Quando chegamos ao topo, as engrenagens pararam completamente.
Minha primeira reação foi olhar assustada para Journey, que não deteve
sua risada.
— Surpresa! — exclamou, fazendo menção à vista maravilhosa que
se tinha de Stratford lá do alto.
Então eu compreendi.
— Journey, isso é... Essa vista é tão... Eu nem sei o que dizer! — Me
senti tão maravilhada e surpreendida com aquilo tudo que mal consegui
pensar direito para formular frases inteiras. — Como você fez isso?
Reservou a roda gigante? Eu nem sabia que era possível.
— Não só é, como foi exatamente o que fiz. Ser o astro de hóquei da
cidade tem suas vantagens. — Ele ajeitou uma mecha do meu cabelo para
trás da orelha e deixou que sua mão descesse até meu rosto, acariciando-o.
— Isso é só o começo, Kath. É apenas uma pequena parte de tudo que
ainda pretendo fazer por você.
Pensei que meu coração triplicaria de tamanho e sairia pela boca.
Finalmente, eu não precisava conter meu sorriso mais sincero. Podia
deixá-lo se abrir escancaradamente, o que acontecia com frequência
quando estava com Journey. Era mais um dos inúmeros efeitos dele sobre
mim.
Permanecemos fitando um ao outro quase que torpes de felicidade, os
olhos acompanhando o sorriso dos lábios.
Até que Journey pareceu se lembrar de algo, anunciando:
— Antes que eu esqueça, o jantar está servido!
Ele se curvou para o lado, pegando alguma coisa que estava ao seu
alcance, e, quando colocou em seu colo, vi duas caixas brancas
triangulares. Logo as decifrei, eram as embalagens das fatias de pizza que
ele havia comprado assim que chegamos ao parque.
— Eu espero, no mínimo, que uma delas seja de calabresa.
— Esqueceu que eu te conheço como ninguém? — retrucou,
convencido, abrindo uma das caixas e revelando uma fatia de pizza do
meu sabor favorito.
Apanhei um pedaço, assim como ele, e começamos a comer ali
mesmo, no topo da roda gigante, com uma vista esplêndida de Stratford
aos nossos pés.
Sem frescura e sem necessidade de grandes luxos, como sempre foi
quando estávamos juntos. Como aqueles dois adolescentes que haviam
ficado para trás. Tendo a companhia um do outro, qualquer programação
seria perfeita. Sempre foi assim e, pelo visto, continuaria sendo.

Eu cheguei ao ponto de quase me beliscar para ter certeza de que


aquilo tudo era real.
Começou quando li o poema em seu blog. Katherine sabia que eu o
leria, e desconfio que tenha postado justamente por isso.
Era sua resposta, a revelação de que sua decisão tinha sido tomada.
Não consegui esperar para ir até ela. Para tê-la em meus braços
sabendo que era minha novamente. Para beijá-la sabendo que, dessa vez,
não me pediria para parar. Sabendo que poderia tocá-la como ansiava por
fazer desde que nos reencontramos, sem precisar me segurar com todas as
forças para me manter afastado.
Ninguém poderia imaginar o quanto tive que me esforçar para não a
tomar em meus braços todas as vezes em que estivemos juntos.
Poderia mandar todo esse autocontrole para o espaço, enfim.
Era a minha segunda chance, aquela que tanto quis. E pela qual faria
de tudo para não a desperdiçar, para que ela não tivesse motivos para se
arrepender dessa decisão.
Katherine era o meu destino. Minha sina. Sempre fora.
Não havia ninguém como ela, nunca houve.
Minha maré alta, na qual eu pretendia me afogar irredutivelmente.
Katherine Cohen, minha novamente. Eu mal conseguia acreditar.
Estava tão feliz que o mundo poderia explodir e eu não ligaria. Não
com ela ao meu lado.

Ali, no topo da roda gigante com a minha companhia favorita, tudo


estava saindo melhor do que eu imaginava.
Decidi que era hora de contar o porquê de eu tê-la trazido até o
parque nessa noite.
— Kath, tem um motivo especial para estarmos aqui, especificamente
no topo da roda gigante.
— É, eu estava mesmo suspeitando... — Seus hipnotizantes olhos
azuis, cristalinos como o mar, me encaravam aguardando a resposta que
confirmaria sua suspeita.
— Assim como eu, sei que você também se lembra muito bem do que
aconteceu aqui. Nosso primeiro beijo, quando finalmente ficamos juntos.
Hoje, eu escolhi esse lugar para marcar algo tão importante quanto.
Novamente no topo da roda gigante, quero que este se torne o marco
oficial do nosso recomeço.

— Isso é lindo, Journey. Não conseguiria pensar em um marco


melhor do que esse, ou em um lugar mais significativo.
Ele fixou seu olhar no meu com tamanha intensidade que fez meu
coração colapsar.
Pousou uma de suas mãos em minha perna e, com a outra, me puxou
para mais perto de si. Inspirei profundamente, totalmente inebriada pelo
seu perfume. Totalmente inebriada por ele, por aquele momento.
Journey umedeceu os lábios enquanto encarava os meus com um
olhar sedento, e pude sentir minha garganta secar.
Minhas mãos resvalaram por seus ombros até alcançarem seu
pescoço, impacientes, trazendo seu rosto para junto do meu.
Sua boca tomou a minha em um beijo que já se iniciou arrebatador,
faminto. Nossos movimentos eram impetuosos, como se fossem capazes
de recuperar todo o tempo perdido.
Uma das mãos de Journey escapou para dentro da minha blusa,
subindo pela cintura e cravando-se na altura das costelas, o polegar
roçando o seio por baixo do sutiã em uma carícia incitante. A outra mão
deslizou lentamente pela lateral da minha coxa, apertando-a com afinco.
Cada terminação nervosa do meu corpo vibrava ao sentir seu toque,
arrepiando-se instantaneamente.
Meus dedos, vagando afobados pelas suas costas, tentavam nos deixar
ainda mais próximos.
Interrompendo o beijo para recuperar o fôlego, Journey sussurrou,
ofegante:
— Vamos para casa?
Assenti em concordância. E com todos os sentidos devidamente
aguçados.

Estacionei o carro na garagem dos Blake, e tão logo o fiz, Journey se


projetou em minha direção avidamente.
Roubou um beijo lascivo, o qual correspondi no mesmo instante,
abrindo passagem para que sua língua fosse de encontro à minha,
dançando em uma sincronia perfeita.
Minhas mãos invadiram sua camiseta, ambiciosas por tatearem seu
abdômen definido, querendo sentir seus músculos enrijecerem sob meus
dedos.
Interrompendo o contato ao deixar minha boca, Journey passou a
trilhar um caminho de beijos vorazes sobre minha pele.
— Eu senti tanta falta daqui — sibilou, roçando os lábios em meu
pescoço. — E daqui... — Mordiscou meu lóbulo com suavidade. —
Daqui mais ainda... — Depositou beijos demorados na linha do meu
ombro, descendo em direção à clavícula.
Meu corpo ardia como brasa toda vez que sentia seus lábios macios,
quentes e saudosos contra a pele exposta.
A pressão no meio das minhas pernas aumentava a cada segundo.
Todos os meus sentidos imploravam por mais.
Em um gesto súbito, as mãos possessas de Journey envolveram minha
cintura, puxando-me com agilidade e impaciência para o seu colo.
— Precisamos nos livrar disso aqui — sussurrou, referindo-se à
minha blusa.
— Você tem toda razão. — Anuí sem hesitar.
Ao contrário de instantes atrás, ele puxou a peça de roupa para cima
sem pressa.
Seus dedos deslizaram vagarosamente as alças do sutiã para baixo,
primeiro em um lado, depois no outro, deixando-me completamente
arrepiada com aquele simples toque. E então se deslocaram para as
minhas costas, abrindo a lingerie e jogando-a no chão do carro.
Ao apreciar aquela parte do meu corpo desnuda, os olhos de Journey
faiscaram em chamas, exalando luxúria. Queimando de desejo.
Testemunhar sua veneração por mim me deixou ainda mais libidinosa.
Um sorriso indecente despontou em seus lábios.
Seu rosto se voltou ao meu pescoço, continuando a trilha de beijos.
Suas mãos resvalaram sobre minha cintura, subindo sem pressa.
— Você é absolutamente perfeita, Katherine Cohen. Perfeita... —
murmurou, ofegante, os lábios contra minha pele nua.
Sua boca desceu até meus seios, devorando fervorosamente um deles
enquanto o outro era estimulado pelo polegar em sua região mais sensível,
já completamente entumecido.
— Mal cheguei aqui e eles já estão eriçados... — sussurrou em meio a
um sorriso convencido, enquanto levava a boca ao outro seio.
Meu corpo sempre reagia prontamente aos incentivos de Journey.
— Precisamos nos livrar disso aqui também — demandei, começando
a tirar sua camiseta.
Assim que o fiz, ele me puxou para si com destreza, colando nossos
troncos pele a pele, finalmente.
Arquejei, arrebatada.
Meu coração batia desenfreadamente contra o dele.
Deixei um gemido baixo escapar ao me encaixar em seu colo, unindo
nossas intimidades ainda cobertas pelas roupas.
Movimentei meu quadril contra o volume em sua calça lentamente,
aumentando o atrito, fazendo-o arfar. Causando um arrepio que me
percorreu dos pés à cabeça.
— Tem certeza de que não quer ir lá para dentro? — Ele apontou com
a cabeça na direção de sua casa. — Aqui nós podemos ser pegos. — Sua
boca proferia o aviso, mas estava explícito em seus olhos o quanto queria
ficar exatamente onde estávamos.
— Depois, sim, para a próxima rodada. Agora, não. Estou mais do
que disposta a correr esse risco.
A adrenalina de saber que poderíamos ser pegos corria pelas minhas
veias.
Meu corpo ardia, ansiando pelo que estava prestes a acontecer.
— Banco de trás — ordenou.
Obediente, fui para a parte traseira do carro, sendo seguida de perto
por Journey.
Deitei-me sobre o couro e ele imediatamente abriu o zíper da minha
calça, arrancando-a das minhas pernas e jogando-a no assoalho, repetindo
o gesto com a lingerie restante.
Imitei-o com movimentos rápidos, livrando-o de seu jeans e da cueca
boxer.
Journey se lançou sobre mim, deleitando-se, assim como eu, com o
roçar dos nossos corpos completamente despidos e em chamas.
Seu olhar parecia capaz de perfurar minha alma, tamanha era a
intensidade com a qual ele me encarava.
Sua boca tomou a minha em um beijo lento, desfrutando daquele
instante, sabendo que tínhamos tempo, sabendo que eu estava
completamente entregue e que dessa vez iríamos até o fim.
— Estou louco para sentir o seu gosto de novo — confessou, sugando
meu lábio inferior.
Meu ventre vibrou com antecedência.
— Você pode fazer isso agora. — O pedido soou quase urgente.
Journey começou a percorrer meu corpo detidamente, distribuindo
beijos provocantes e sucções tênues em cada fração minha. Quando sua
boca se encontrava abaixo do meu abdômen, não pude mais aguentar.
— Journey... — implorei, arfante, com os dedos infiltrados nos fios
de seu cabelo, pressionando sua cabeça para baixo.
— Seu desejo é uma ordem, amor.
Ele me acariciou delicadamente e eu abri as pernas, dando-lhe
passagem. Journey tornou a me dedilhar languidamente, estimulando, e
depois com avidez, entrando e saindo sem pudor.
— Você ainda fica logo pronta para mim — constatou, satisfeito,
enquanto eu sentia sua respiração pesada contra minha intimidade já
completamente úmida.
Finalmente, ele rastejou sua língua quente e sedenta sobre meu ponto
mais sensível, passando a me devorar em um beijo insaciável. Suas mãos
agarraram meus seios, preenchendo-se completamente com eles.
Meus dedos continuavam agarrados em seus cabelos com força
enquanto eu me contorcia em um estado de pleno torpor.
Porém, antes que eu pudesse alcançar o ápice, Journey trouxe sua
boca de volta à minha, arrebatando-a.
— Quero que chegue até o fim enquanto eu estiver dentro de você —
declarou.
Ele apanhou sua calça no chão do carro e tirou uma camisinha de
dentro da carteira, colocando-a logo em seguida, fazendo menção de
voltar à mesma posição em que estávamos.
Eu o impedi, empurrando-o para que se sentasse, e subi em seu colo.
Agarrei seu membro já enrijecido, estimulando-o para cima e para baixo,
enquanto seu olhar penetrante e embevecido encarava o meu, que retribuía
com a mesma veemência.
Journey segurou minha mão, barrando seus movimentos.
— Senta em mim, amor — suplicou, deixando um grunhido escapar
por seus lábios inchados.
Obedecendo, mas não completamente, me encaixei em cima dele e
deslizei apenas até a metade, voltando a subir vagarosamente.
Provocando-o.
Torturando-o.
Ele soltou uma risada sôfrega e desacreditada.
— Não acha que já me fez esperar demais? — arfou, pulsando por
mais.
Exibi um sorriso vitorioso em resposta.
Pegando-o desprevenido, sentei até o fim de uma vez, fazendo-o
arregalar os olhos de satisfação.
Comecei a me movimentar subindo e descendo, aumentando a
intensidade gradativamente.
Seus dedos se cravaram ainda mais em minhas nádegas, apertando-as
com uma ferocidade que com certeza me deixaria marcada.
Me deleitei com a sensação de voltar a tê-lo dentro de mim depois de
tanto tempo, depois de tanto desejar que isso acontecesse.
Meus sentidos estavam completamente deturpados, imersos nas ondas
de prazer que percorriam meu corpo.
No entanto, aquele ritmo já não era o suficiente. Eu precisava de
mais, e Journey também.
Suas mãos perpassaram para a minha lombar, trazendo-me para seu
tronco, unindo ainda mais nossos corpos. Pousaram, por fim, em minha
cintura, pressionando-a com firmeza, em um claro pedido para que
aumentasse a velocidade.
Solícita, passei a sentar sobre ele cada vez com mais força, minhas
mãos sobre as suas em meu contorno, ajudando a me impulsionar.
Rebolei impetuosamente, fazendo-o arquejar.
Subitamente, Journey girou nossos corpos, trocando de posição sem
que nos separássemos, voltando a ficar por cima de mim. Enrosquei
minhas pernas em sua cintura, abrindo-as o máximo que pude, facilitando
sua entrada.
Ele se enterrava cada vez mais fundo em mim, cada vez mais
obstinado, mais urgente. Movia meu quadril em uníssono para que fosse
de encontro às suas investidas, enquanto minhas paredes internas
apertavam-no com cada vez mais força, fazendo-o revirar os olhos.
Cravei minhas unhas em suas costas e arranhei com ferocidade,
incapaz de me conter.
Tudo no que conseguia pensar era o quanto queria que ele continuasse
mergulhando para dentro de mim até que eu não aguentasse mais, até todo
o meu corpo estremecer.
Ele estava se esforçando para não terminar antes de mim, para
prolongar aquele momento o máximo possível.
Journey afastou minhas mãos de suas costas e agarrou meus pulsos,
prendendo-os acima da minha cabeça. Seus olhos se fixaram nos meus
quando estocou ainda mais fundo, fazendo-me chegar ao ápice junto dele.
Irrompemos em genuína volúpia quase que ao mesmo tempo.
Clamei seu nome enquanto entrava em combustão, completamente
dominada pela torrente de prazer que se alastrou sobre cada parte de mim.

Senti minhas pernas ficarem bambas, meu corpo completamente


entorpecido.
O corpo de Journey trepidou, aliviado, em seguida amolecendo e se
esparramando sobre mim.
Ninguém jamais faria como ele. Ninguém jamais me proporcionaria
sensações como aquelas. Ninguém seria capaz de me amar como ele
amava.
Se eu ainda tinha alguma dúvida, elas se encontravam cabalmente
exauridas.
Journey aninhou sua cabeça na curva do meu pescoço e, com a
respiração entrecortada e os lábios roçando na minha pele suada, sibilou:
— É, eu senti muito a sua falta.
— Também senti muito a sua.
— Nunca mais vou te deixar escapar.
— Eu não pretendo mais escapar, Journey. Nunca mais.
“Se eu não o fiz ainda, quero que você saiba
Você nunca vai estar sozinha
Deste momento em diante
Se você sentir que está partindo
Não vou deixar você cair
Vou te segurar até a dor passar
Porque para sempre acredito que não há
Nada que eu precise além de você
E vou estar lá para seguir todo o caminho com você”
Never Gonna Be Alone – Nickelback

Quando recuperamos nossas forças, resgatamos as roupas espalhadas


pelo chão do carro e as vestimos de qualquer jeito.
Adentramos a casa de Journey e caminhamos silenciosamente até seu
quarto.
Em questão de minutos, as peças estavam jogadas no chão
novamente.
Durante oito anos eu não tive uma noite como a anterior. Durante oito
anos, não cheguei nem perto de experimentar as sensações que
irromperam sobre mim naquele momento.
Ninguém havia chegado sequer aos pés de Katherine. Percebi
tardiamente que ninguém nunca chegaria.
Perguntei-me por muito tempo se um momento como aquele voltaria
a acontecer, se algum dia isso ainda seria possível, ou se todas aquelas
imaginações não passariam de mera utopia.
Para a minha grande sorte, os devaneios se transformaram em
realidade. Eu pude constatar que, sim, era possível.
E, dessa vez, eu a seguraria para não mais soltar.
Se existia alguma coisa tal qual o paraíso, era definitivamente ali,
com Katherine Cohen deitada em meus braços enquanto eu a observava
dormir.
Permaneci imóvel e em silêncio para não a acordar enquanto me
perguntava o que fiz para merecer tanto.
Noite passada? A mais pura volúpia.
Aquela manhã? A coisa mais parecida com o céu que eu já vivenciei.

Fui tentando abrir meus olhos aos poucos, acostumando-os com a


claridade dos raios de sol entrando pela janela do quarto. Virei-me para o
lado e vi que Journey já estava acordado, me observando dormir.
Ele sorriu preguiçosamente e, com os braços que já estavam ao redor
de mim, me puxou para mais perto.
Estalou um beijo terno em minha testa, pronunciando em seguida:
— Nem acredito que estou acordando ao seu lado de novo, parece um
sonho.
Pousei uma de minhas mãos em seu rosto, afagando-o com o polegar.
— Parece mesmo.
— Eu te amo, Katherine Cohen.
Eu achei que explodiria de tanta felicidade, e esbocei um sorriso que
escancarava esse sentimento.
Aquela era a frase da qual eu mais senti falta nos anos anteriores.
Aquela que eu mais ansiava por ouvir novamente. E agora que podíamos
dizê-la livremente, parecia que nunca seria o suficiente.
— Eu também te amo, Journey Blake. Muito.
Ao ouvir isso, seu sorriso se expandiu tanto quanto o meu.
Por um bom tempo, tudo o que fizemos foi desfrutar desse momento
de paz absoluta. Era como se existíssemos apenas nós dois no mundo.
Como se só isso importasse.
Eu queria que houvesse alguma forma de me teletransportar para uma
fenda do tempo em que esse instante ficasse eternizado, para que eu
pudesse voltar para ele sempre que quisesse.
No fundo, eu sabia que havia uma pequena chance de precisar
recorrer a esse refúgio no futuro, mas não pensaria nisso agora.
Aproveitaria o céu completamente azul e imponente enquanto as nuvens
carregadas não se aproximassem.
Journey interrompeu o silêncio:
— Enquanto eu te observava dormir fiquei pensando em algumas
coisas...
— É mesmo? E que coisas são essas? — incitei-o a continuar,
curiosa.
Ele colocou um braço em cima do travesseiro e escorou a cabeça
sobre ele.
— Imaginei um futuro ainda bastante distante, estou bem ciente disso
e do fato de que acabamos de nos entender, mas... — Journey exibiu um
sorriso bobo e esperançoso. — Você lembra daquele dia na arena de
hóquei da escola, quando os pais vieram buscar seus filhos?
Balancei a cabeça, afirmando que lembrava. Meu coração ia aos
poucos perdendo o compasso.
— Não consegui esquecer a imagem daquele pai indo embora de
mãos dadas com o filho, que vestia a jersey do Vancouver Canucks com
meu número e sobrenome. Foi como ter uma visão do futuro... E aí eu
olhei para você, parada do meu lado, e só pude pensar no quanto precisava
te ter de volta, porque é a única mulher com quem eu me imagino
construindo uma família algum dia.
Seus olhos, que antes pareciam divagar naquela lembrança, caíram
sobre os meus, atentos e nervosos, me analisando.
Escutei cada palavra, e, conforme elas eram proferidas, mais
emocionada eu ficava, de um jeito bom e dilacerante ao mesmo tempo.
Precisei me esforçar para segurar as lágrimas que tentaram escapar
pelos meus olhos.
Aqueles eram planos maravilhosos para o futuro, e era extraordinário
saber que ele vislumbrava o horizonte comigo ao seu lado. Que queria que
eu fosse sua família.
No entanto, havia algo que ele ainda não sabia, do qual não fazia a
menor ideia.
Journey mal desconfiava. E isso era culpa minha, porque eu não
mencionei nem uma vez. Porque vinha mantendo em segredo.
Entretanto, uma hora ou outra seria obrigada a contar, por mais
doloroso que fosse.
Eu sentia que, assim que falasse em voz alta, passaria a ser mais real
ainda, real para valer, porque ele se importaria tanto quanto eu.
Porque isso significaria para ele o mesmo que significou para mim.
Uma vez feita a revelação, lidar com ela não seria nada fácil. Não me
sentia pronta para passar por aquela avalanche de dor novamente. Ao
menos ainda não.
Ouvir cada palavra que ele disse e encarar a expectativa em seus
olhos fez um nó se formar em meu estômago.
Incapaz de ser controlada, a frustração tomou conta de mim e eu não
soube como lidar com ela. Não soube como responder.
Exibi um sorriso que saiu fraco.
Journey se remexeu, preocupado.
— Eu te assustei com o que falei? Me desculpe, Kath, não era essa a
intenção. —Seu olhar denunciava que estava desapontado consigo
mesmo. — Não precisamos cogitar nada disso agora. São pensamentos
sobre um futuro distante, bem distante. Por favor, não pense que eu quis te
pressionar...
— Não, Journey, não é nada disso. Acho que eu só fui... Pega
desprevenida. É muito bom te ouvir dizendo que imagina um futuro
comigo. — Coloquei minha mão novamente em seu rosto, tentando
tranquilizá-lo. — Está tudo bem.
Juntos, descemos as escadas para o primeiro andar. Ele vestindo
roupas novas, e eu com as mesmas peças desgrenhadas da noite passada.
Na sala, Ezra nos acompanhava com um olhar travesso.
Jeremiah, que estava na cozinha, colocou sua xícara vagarosamente
de volta na bancada.
Pilar, circulando entre os cômodos, foi a primeira a se manifestar:
— Apenas uma velha conhecida, não é, Katherine?
Ela se lembrou de como me apresentei à fisioterapeuta e não deixou a
oportunidade passar.
— Não deixa de ser verdade — completou Journey, também imitando
uma de minhas falas.
— Eu estava esperando para ver essa cena desde o dia em que jantou
aqui, Katherine. O destino tarda, mas não falha — Jeremiah se
pronunciou, claramente satisfeito.
— Seja bem-vinda de volta à família, finalmente — completou Ezra,
passando por nós e me dando uma leve cutucada com o cotovelo.
— Obrigada, Ezra — respondi para que apenas ele pudesse ouvir.
Mesmo tendo vinte e seis anos, ainda conseguia ficar envergonhada
em um momento como aquele.
— Já vou pegar mais um prato para o café da manhã — informou
Pilar.
Até que foi mais fácil do que eu imaginava.
Oito anos depois, eu estava de volta à mesa dos Blake, e não mais no
papel de uma mera visitante como da última vez.
Entretanto, por mais que estivesse radiante com o entusiasmo de
todos por termos nos entendido, não conseguia fazer com que as palavras
de Journey desaparecessem dos meus pensamentos.
Quando voltei para casa, dei de cara com a minha mãe lavando a
louça.
— Já posso voltar a chamar Journey de genro? — questionou com um
olhar sugestivo.
— Creio que pode, sim.
Ela estudou minha feição, preocupada, ao perceber que sua fala
descontraída não causou a reação esperada.
— Filha, vocês finalmente se entenderam, saíram ontem e passaram a
noite inteira juntos... Imaginei que haveria um sorriso maior em seu rosto.
Aconteceu alguma coisa?
— Por enquanto só coisas boas, mãe... Mas tem um problema. —
Minha voz foi ficando mais fraca.
— Qual problema? — Ela se aproximou, apreensiva.
Respirei profundamente.
— Journey ainda não sabe... daquilo.

Fiquei me martirizando por um bom tempo depois que Katherine foi


embora. Estava tudo perfeito, e, depois do que falei, ela pareceu se retesar.
Sua expressão se transformou diante dos meus olhos.
Acredito que me precipitei ao contar sobre as minhas pretensões para
o futuro, ao mencionar a cena na arena da escola e essa história toda de
filhos. Me colocando no lugar dela, até conseguia entender. Eu devia ter
ficado quieto ao invés de fazer parecer que a estava pressionando para
algo.
Mas, apesar de saber que poderia estar completamente enganado,
achei um pouco estranha a forma como ela reagiu.
No passado, costumávamos conversar sobre o futuro, e ele era um
tanto parecido com aquele que descrevi.
A mera suposição de que ela poderia mudar de ideia novamente me
deixava terminantemente temeroso.

Na parte da tarde, recebi uma ligação do técnico Rick.


Ele perguntou sobre a lesão e se estava progredindo bem.
Tranquilizei-o respondendo que sim, algo que a própria fisioterapeuta
havia dito.
— É um alívio ouvir isso, Journey... Ainda não tivemos um jogo
realmente decisivo desde que você se machucou, mas já está fazendo falta.
A próxima partida será amanhã à noite, espero que possamos contar com
sua torcida aí de Stratford e, em breve, com seu retorno aos rinques.
Falei que ele poderia ficar tranquilo, afinal, todos os outros jogadores
também eram muito bons. Reafirmei que o time poderia contar com a
minha torcida sem dúvida nenhuma, e que esperava poder voltar o quanto
antes.
Depois da ligação, fui abatido pela falta que sentia da adrenalina dos
jogos, do nervosismo antes deles, do espírito de equipe do Vancouver
Canucks e até da rotina de treinos.
Precisava estar de volta o quanto antes.
E isso também me levava a pensar que teria que organizar a logística
do meu relacionamento a distância com Katherine. E no quanto passaria a
sentir falta dela quando estivéssemos longe.
Só percebi que passei horas em frente ao laptop quando me assustei
ao ouvir a campainha tocando.
Minha mãe atendeu à porta e gritou para que eu escutasse do quarto:
— Filha, tem alguém aqui querendo te ver!
Curiosa, desci as escadas apressada, ao mesmo tempo em que tentava
captar alguma conversa no andar de baixo para descobrir quem era.
Quando uma voz sobressaiu, a reconheci imediatamente.
— Não acredito que você está aqui! — Avancei em sua direção,
abraçando-a eufórica.
— Aposto que dessa surpresa você gostou. — Natasha retribuiu o
abraço na mesma intensidade.
Quando nos afastamos, porém, logo percebi que sua feição alegre
parecia mascarar alguma coisa.
Minha mãe e ela trocaram algumas palavras como quanto tempo, que
saudade, como você está diferente, e por fim fomos deixadas a sós na sala
de estar.
— Veio tirar umas férias na cidade natal?
— É, achei que precisava espairecer um pouco...
— Nat, está tudo bem? — indaguei, preocupada.
— Agora está, mas aconteceram algumas coisas... Não quero te
incomodar com os meus problemas, mas você é a única com quem eu
consigo desabafar de verdade.
— Você jamais me incomodaria! Pode colocar para fora, estou
ouvindo.
Nos acomodamos no sofá, e Natasha começou a me contar sobre o
que a havia deixado daquele jeito.
— Depois do dia em que nos reencontramos, fiquei pensando em tudo
que você me contou, principalmente sobre ter terminado com o Francis
pelo fato de o relacionamento de vocês ser baseado apenas na
comodidade... Sabe, finalmente criei coragem de olhar para o que eu tinha
com Steve sem tentar enganar a mim mesma como sempre fazia, e tive
que admitir que nós estávamos do mesmo jeito. Acostumados um com o
outro, acomodados em um namoro sem sal e monótono.
— Nossa, Nat, sinto muito por isso... — falei, puxando-a para mais
um abraço. — E você tomou alguma atitude?
Seu semblante já estava menos cabisbaixo do que antes, mais
confiante.
— Tomei, sim. Tive que travar uma luta contra toda a culpa que senti
por isso, mas terminei nosso relacionamento. — Ela suspirou, mexendo
nos anéis de suas mãos distraidamente. — Mas confesso que achei que
seria mais fácil, sabe?
E como eu sabia!
— Nem precisa explicar, eu sei exatamente como é. Todos acreditam
que é muito mais difícil para aqueles que são deixados, mas para quem
parte é tão complicado quanto... Não se sinta culpada, tenho certeza de
que não tomaria essa atitude se não fosse o melhor para vocês dois.
— Estava certa de que você me entenderia! — Um sorriso tímido
iluminou seu rosto. — Boa parte disso já passou agora. Na verdade, tem
um tempo que aconteceu, mas, como falei, não queria te incomodar. E, sei
lá, não gosto muito que me vejam vulnerável... — respondeu com a voz já
mais equilibrada.
Sua facilidade em se recompor era mais uma das coisas que eu
admirava nela.
— E como eu também já disse, você nunca vai me incomodar! Pode
ligar para falar sobre qualquer coisa a qualquer hora, é por isso que somos
amigas, afinal.
— Eu sei, me desculpe... Vou tentar não guardar tudo para mim da
próxima vez.
— Acho bom mesmo. Agora me escuta, você estudou muito e
trabalhou duro para chegar aonde está. Construiu uma carreira, tem uma
vida estável e é independente. Você é linda e é uma mulher incrível,
definitivamente não precisa de um relacionamento meia boca, entendeu?
— Muito obrigada, Kath, de verdade! Mesmo ciente de tudo isso, é
sempre bom quando alguém reafirma. Parece que tirei um peso das
costas... Sem dúvidas é muito mais fácil quando temos alguém para
dividir os altos e baixos da vida.
— Não precisa agradecer. E me desculpe por ter ficado ausente
durante tantos anos, prometo que você vai poder dividir o doce e o amargo
da vida comigo por muito tempo a partir de agora.
Ao mencionar isso, me dei conta de que Natasha também não sabia
da coisa mais difícil que havia acontecido comigo durante a época em que
não nos falamos.
Eu também tinha um peso para compartilhar.
E foi o que fiz, sabendo que, em um futuro não tão distante, muito
provavelmente precisaria dela para me ajudar a catar os pedacinhos que se
partiriam.
Algum tempo depois que Natasha e eu nos despedimos e ela voltou
para a casa dos seus pais na cidade, recebi uma ligação sua.
— Por que você não me falou nada sobre o seu cunhado? —
perguntou assim que atendi ao telefone.
— Sobre Ezra?
Não estava compreendendo muito bem o objetivo daquela conversa.
— Isso. Nós nos esbarramos enquanto eu voltava pra casa.
— Ah... E vocês conversaram?
— Como se fôssemos dois velhos amigos! Já tínhamos nos visto
algumas vezes pelos arredores de Stratford quando vim visitar meus pais,
mas hoje paramos para conversar. Lembramos de quando convivíamos
bastante na época em que você e Journey namoraram, e também falamos
sobre tantas outras coisas... Mas, por favor, não vá pensar besteira. Eu só
fiquei surpresa em perceber como ele amadureceu.
— Sei... — Uma pena ela não poder me ver arqueando a sobrancelha.
— É, com isso tenho que concordar. Ezra tem se mostrado um homem
bastante maduro ultimamente.
— Ah, e quase me esqueci! Ele me chamou para a noite do jogo na
casa dos Blake amanhã. Vamos estar juntas lá!
— Noite do jogo? — questionei, sem saber do que se tratava.
— Pensei que Journey já tivesse te chamado... Ezra contou que a
família deles se reúne usando as jerseys do Vancouver Canucks e
pendurando a bandeira do time na parede em todos os jogos, e é isso que
vão fazer amanhã à noite.
— Bom, acredito que o meu convite deve estar a caminho.
Assim que proferi essa frase, ouvi a campainha tocar. Me despedi de
Natasha e desci as escadas, já sabendo quem encontraria. Afinal, fui eu
quem o chamei.
Duvidava muito de que voltaria a dormir sozinha enquanto ele
estivesse na cidade.
— Por que eu ainda não fui convidada para a noite do jogo? —
questionei assim que abri a porta.
— Essa era uma das duas coisas que vim fazer aqui — replicou
Journey.
— E qual é a segunda? — perguntei como se já não soubesse.
— Isso envolve subirmos para o seu quarto.
“Eu quero ficar com você
Até ficarmos grisalhos e velhos
Eu vou te acordar com café da manhã na cama
Com um beijo em sua cabeça
E eu vou levar as crianças para a escola
Eu estou tão apaixonado por você
Nós viemos tão longe minha querida
Eu quero viver com você mesmo quando virarmos fantasmas
Eu vou te amar até meus pulmões desistirem
Agora todo mundo sabe que somos só você e eu
Apenas diga que você não vai embora”
Say You Won’t Let Go – James Arthur

— Foi Natasha quem te falou sobre a noite do jogo? — indagou


Journey, com a voz baixa para não acordar meus pais enquanto subíamos
as escadas.
— Sim, agora há pouco, por ligação. Como você sabe?
— Ezra chegou em casa e logo contou que esbarrou com ela na rua.
Disse que eles conversaram e que acabou convidando-a para vir amanhã.
— Esses dois... Já pensou?
Ele deu de ombros, sorrindo.
— Bom, olha para a gente... Nada é impossível.
Assim que entramos no quarto, algo pareceu chamar a atenção de
Journey, que se dirigiu à minha estante de livros.
Claro. A nossa foto, aquela que encontrei no chão. Tinha pendurado
de volta na lateral do móvel, deixando-a bem visível.
— Você também ainda tem as fotos? — Seus olhos brilharam.
— Encontrei esses dias, caída no chão. Fiz questão de pôr de volta aí.
Journey estava de costas para mim. Me aproximei e passei os braços
ao redor de sua cintura.
— Da nossa época de velhos conhecidos — enunciou, rindo. —
Particularmente, acho que eu só fiquei mais bonito.
— É, não vou poder discordar disso.
Journey se virou, ficando de frente para mim.
Levou sua mão até meu queixo, concedendo-lhe uma carícia
preguiçosa.
— Já você, sempre foi perfeita.
Sorri ostensivamente em resposta, sentindo os meus batimentos
cardíacos acelerarem.
Era tão singular como, apesar de termos namorado por anos e de toda
a intimidade que tínhamos, eu sempre me sentia como uma adolescente
abobada com milhares de borboletas voando pelo estômago ao ouvir seus
elogios. Ele nunca deixava de despertar isso em mim.
Sua mão desceu pela minha coluna, levando meu corpo de encontro
ao seu.
Seus olhos passaram a me fitar intensamente, embebidos de desejo.
Era como se eu pudesse enxergar as chamas flamejando por trás deles.
O olhar obstinado de Journey me fez queimar instantaneamente. Senti
como se meu próprio corpo estivesse se acendendo em labaredas.
Naquele momento, eu limpei a mente de todos os outros
pensamentos. Não permiti que nada me refreasse, que nada me impedisse
de estar inteiramente presente no que aconteceria em seguida.
Incapaz de conter um sorriso devasso e repleto de expectativa,
Journey começou a avançar em direção à cama, fazendo com que eu
percorresse o mesmo caminho de costas.
Quando chegamos ao destino, ele delicadamente me empurrou para o
colchão, projetando-se sobre mim.
— Hoje eu não tenho a menor pressa — sussurrou ao pé do meu
ouvido, mordiscando meu lóbulo logo depois.
Minha respiração já estava oscilando.
Journey tomou minha boca em um beijo e, quando sua língua tocou a
minha, elas passaram a se movimentar lentamente.
Uma de minhas mãos bagunçava seu cabelo enquanto a outra se
infiltrava para dentro de sua camiseta, os dedos passeando pelos músculos
de suas costas.
As mãos habilidosas de Journey agarraram minha cintura por debaixo
da blusa, vindo a subir lentamente, eriçando a pele por onde passavam e
levando a peça de roupa consigo.
Ele interrompeu o beijo para tirar minha blusa, e me aproveitei
daquele momento para puxar a dele para cima, também.
Meu coração havia perdido completamente o compasso, batendo
desenfreado.
Todo o meu corpo pulsava, o que se intensificou ainda mais quando
Journey esfregou o volume em sua calça contra o meio das minhas pernas,
me atiçando ao mesmo tempo em que desfrutava do calor do seu tronco
quente e nu contra o meu.
Suas mãos fugazes logo arrancaram meu sutiã também.
Enquanto ele voltava a me beijar, seus polegares delinearam a curva
abaixo dos meus seios e logo depois subiram para a parte mais sensível
deles, instigando-os. Quando já estavam completamente eretos, Journey
passou a trilhar um caminho de beijos incitantes sobre minha pele, que
parecia se inflamar com seu toque, até alcançá-los, devorando avidamente
um de cada vez, fazendo-me contorcer de torpor debaixo dele.
Deixei um gemido de puro êxtase escapar, e mal havíamos começado.
Minhas mãos tateavam suas costas e ombros, as unhas distribuindo
alguns arranhões, fazendo-o se arrepiar.
Os lábios macios e sedentos de Journey continuaram descendo até
alcançar a barra da minha calça. Seus dedos ágeis abriram o botão e o
zíper rapidamente, e então ele se colocou de joelhos na cama para
terminar de puxar meu jeans. Fez o mesmo com a lingerie.
Levantei, imitando sua posição, e o empurrei em direção ao colchão
para tirar o restante das suas roupas também.
Quando Journey estava completamente despido, me sentei em suas
pernas e agarrei seu membro já enrijecido, estimulando-o para cima e para
baixo.
Comecei a me abaixar olhando dentro dos seus olhos, inebriada pela
expectativa que estava causando neles.
O abocanhei e beijei vagarosamente apenas sua extremidade,
torturando-o, deixando Journey louco de agonia até finalmente engoli-lo
por completo.
Meus lábios circundavam-no subindo e descendo, os olhos ainda
fixos nos dele, apreciando seu deleite. Minhas mãos continuavam
movimentando-se por sua extensão, também.
As mãos de Journey enlaçaram meus cabelos, segurando-os com
força.
Ele movia-se contra minha boca, se projetando ainda mais para
dentro.
— Você faz isso tão bem... — arfou, completamente arrebatado.
No entanto, antes que eu pudesse terminar, ele me interrompeu.
Journey ergueu seu corpo e me deitou sobre a cama.
Afastou meus joelhos, deixando minhas pernas totalmente abertas.
Meu ventre pulsou em expectativa.
Seus dedos se afundaram em mim sem pressa, resvalando para dentro
e para fora lentamente. Ao me ouvir lamuriar, seus movimentos tornaram-
se mais rápidos.
— Você nunca demora a ficar no ponto pra mim — revelou,
esboçando um sorriso de satisfação.
Extasiada de prazer, agarrei os lençóis e fechei os olhos, e foi
exatamente nesse momento que Journey, pegando-me completamente
desprevenida, levou sua boca até a minha intimidade, devorando-a
vorazmente.
— Journey! — Minhas tentativas de abafar aquele grito foram em
vão.
Ele afastou seus lábios minimamente apenas para confessar:
— Eu amo te ouvir gritando meu nome, amor.
Sua língua quente e macia voltou a me devorar, fazendo-me quase
enlouquecer. Meu quadril acompanhava seus movimentos.
Journey posicionou minhas pernas sobre seus ombros, e suas mãos
preencheram-se com meus seios, voltando a incitá-los em seguida.
Incapaz de me segurar por mais tempo, o primeiro orgasmo da noite
arrebatou meu corpo, fazendo-me estremecer dos pés à cabeça, trepidando
enquanto a boca de Journey continuava se saciando com meu gosto.
Uma de suas mãos deixou meu seio, passando a estimular com
maestria o ponto mais sensível e inchado da minha intimidade e me
levando rapidamente à segunda onda torrencial de prazer.
Clamei seu nome fervorosamente.
Quando meu corpo parou de tremer, eu continuava pulsando por mais,
ansiando por tê-lo dentro de mim.
Journey saiu da cama para pegar a camisinha dentro de sua calça e, ao
retornar com ela já em seu membro, se colocou de joelhos sobre o
colchão, me encarando com um olhar depravado e exibindo seu sorriso
mais indecente.
— Fica de quatro para mim — ordenou.
Posicionei-me à sua frente exatamente como ele pediu, arqueando as
costas e empinando o quadril o máximo que consegui, ansiando pelo que
viria a seguir.
Suas mãos firmes seguraram com afinco minha cintura enquanto ele
se encaixava em minha abertura, deslizando para dentro de mim de uma
forma tão vagarosa que chegava a ser torturante. Entrou e saiu novamente,
tão devagar quanto antes.
— Journey... — murmurei em súplica.
— Quer que eu vá mais rápido, amor?
Sem que eu precisasse responder, ele enrolou todo o comprimento do
meu cabelo em uma de suas mãos, puxando-o para trás, e passou a investir
contra mim freneticamente.
Agarrei novamente os lençóis enquanto arquejava, a sobriedade se
esvaindo mais e mais a cada rápida estocada.
Senti que estávamos quase chegando ao limite, cada vez mais
próximos de atingirmos o ápice.
— Ainda quero te ter de tantas formas... — Journey sibilou, tão
ofegante quanto eu.
Subitamente, escorregou para fora de mim. Quando eu estava pronta
para protestar, me girou para que ficasse de frente para ele.
Journey se lançou sobre mim, afastando minhas pernas e enroscando-
as ao redor de sua cintura, facilitando sua entrada.
Encurvei as costas, erguendo a coluna para que ficássemos mais
unidos do que já estávamos.
Journey deslizou para dentro novamente, afundando-se em mim
incessantemente.
Minhas mãos o puxavam para mais perto, ansiando por ter seu peito
contra o meu, tão colados quanto fosse possível. Suas mãos fomentavam
meu quadril contra o dele, intensificando nosso atrito. Minhas paredes
internas o apertavam mais a cada estocada.
Ele mergulhava cada vez mais fundo, abafando seus grunhidos contra
o meu pescoço. Minhas lamúrias, por sua vez, já não eram mais contidas.
Alcancei o clímax antes dele, sendo dominada pelas sensações que
irromperam intensamente sobre meu corpo, fazendo-me estremecer,
plenamente extasiada.
O olhar embriagado de prazer de Journey recaiu sobre o meu
enquanto continuava investindo contra mim, até chegar ao seu limite
também.
— Ah, Katherine... — murmurou, seu corpo tremulando entorpecido
sobre o meu.
Ele escorregou para fora de mim e deitou-se ao meu lado, respirando
sofregamente enquanto tentava reaver o fôlego, assim como eu.
Com as forças parcialmente recuperadas, Journey se virou de frente
para mim e me puxou para si, distribuindo carícias em minhas costas
nuas.
Joguei uma de minhas pernas por cima das suas e delineei o contorno
de sua boca com o polegar.
— Você ainda vai acabar comigo — sussurrou com a voz rouca.
— Com o maior prazer, amor — repliquei, exibindo um olhar que de
inocente não tinha nada, ansiando pelas próximas rodadas.

Dessa vez fui eu quem acordou primeiro.


Logo senti meus músculos protestarem, doloridos. Um arrepio
percorreu meu corpo com a lembrança do que fizemos.
Avassaladora, essa era a melhor definição para a noite passada.
Como Journey estava com o braço por cima de mim, virei-me
vagarosamente para ficar de frente para ele sem acordá-lo.
Fiquei observando-o enquanto ainda dormia. Os braços fortes, o
cabelo loiro quase no mesmo tom de mel dos seus olhos, os cílios
abundantes... Detalhes que eu havia decorado e gravado na memória há
muito tempo, mas que nunca cansaria de admirar.
Cada vez mais eu confirmava o quanto era incontestável e
irremediavelmente apaixonada por Journey Blake. O quanto sempre fui. O
quanto, sem sombra de dúvida, sempre seria.
Os efeitos que ele causava em mim eram inexplicáveis, arrebatadores.
Nunca existiria ninguém como ele. Journey era uma edição única e
exclusiva no mundo. E era meu. Deliciosamente meu.
Meu coração embrandecia ao pensar que essa era apenas a segunda
manhã em que acordávamos juntos de novo, apenas a segunda de tantas
que ainda viriam.
Ou, ao menos, que eu esperava mais do que tudo que viessem.
Estava se tornando mais difícil ignorar a agonia crescente dentro de
mim.
Uma hora ou outra, eu precisaria criar coragem para contar o que
vinha escondendo.
Despertando-me desses devaneios, Journey começou a abrir seus
olhos aos poucos.
Um sorriso despontou em seus lábios ao me pegar no flagra
observando-o dormir.
— Bom dia, Blake — sussurrei.
— Bom dia, Cohen — sibilou em resposta, puxando-me para que me
aninhasse em seu peito. — Meus músculos estão doendo como se eu
tivesse corrido uma maratona — resmungou, bem-humorado.
— Nem me fala, meu corpo todo está dolorido.
— Mas valeu muito a pena.
— Definitivamente.
Ele riu, ainda sonolento.
— Ei, Kath? — chamou, enquanto seus dedos faziam um carinho em
meu braço.
— Sim?
— O que eu sinto quando estou com você é completamente diferente,
completamente único.
Assenti, pressionando meu corpo contra o dele com mais força.
— Ninguém nunca chegou aos seus pés, Journey. Ninguém nunca
chegou nem perto.
O sorriso que ele exibiu poderia iluminar uma cidade inteira diante de
um apagão.
— Promete de novo que nunca mais vai para longe de mim?
— Eu prometo.
Journey trouxe seus lábios de encontro aos meus, selando-os em um
beijo.

Promovemos mais uma cena igual à da manhã anterior ao descermos


as escadas, dessa vez as da minha casa, de mãos dadas.
— Fazia tempo que não te via dentro dessa casa, Journey Blake. —
Meu pai foi o primeiro a se pronunciar.
Estranhei, pois meus pais comentaram que eles continuaram se
falando depois que fui embora.
— Você nunca mais tinha entrado aqui? — questionei.
Com exceção da última vez, claro. Mas mantive isso em pensamento.
— Pior que não. Eu até vinha bastante conversar com seus pais, mas
só ficava na varanda. Era estranho e meio desolador entrar em uma casa
onde passei tanto tempo com você, sabendo que estava tão longe...
Envolvi sua cintura em um abraço no mesmo instante.
— Bom, mas agora ela está de volta. E nós estamos muito felizes por
vocês estarem de volta também — minha mãe completou, sem esconder o
quanto estava satisfeita.
Enquanto tomávamos café da manhã juntos, não consegui conter meu
sorriso ao pensar que, apesar do caminho ter sido torto e sinuoso, eu
estava de volta à família Blake, e Journey estava de volta à família Cohen.
De uma forma que seria difícil de prever, as coisas acabaram se
ajeitando.
No final da refeição, acompanhei Journey até a porta.
Nos despedimos para que cada um seguisse com sua rotina, sabendo
que não demoraria muito até voltarmos a nos ver.

Quando anoiteceu, Natasha veio à minha casa para irmos juntas à dos
Blake.
Logo percebi o quanto ela aparentava estar nervosa.
— Nat, pode relaxar. É só um jantar e um jogo de hóquei.
— Eu sei... Nem eu consigo entender por que estou tão ansiosa.
Depois que ela respirou fundo algumas vezes, nos encaminhamos
para a casa ao lado.
Ao chegarmos, Jeremiah atendeu à porta.
— Sejam bem-vindas, meninas. Quanto mais torcida, melhor! —
cumprimentou, animado. — Natasha, quanto tempo! Fico muito feliz de te
ver por aqui de novo.
— Digo o mesmo! — respondeu ela, visivelmente mais tranquila
depois dessa recepção.
Journey veio ao meu encontro, me abraçando, e Ezra foi prontamente
recepcionar Natasha.
— Nossa, essa visão de vocês quatro juntos faz parecer que o tempo
não passou... Como se ainda estivessem no ensino médio. — Pilar
divagou, nostálgica.
Eu não poderia concordar mais. Naquele momento, foi como se todos
aqueles anos não tivessem discorrido.
Ezra e Natasha logo engataram uma conversa como se fossem
próximos há muito tempo.
Journey me lançou um olhar sugestivo, ao qual retribuí. Mas
permanecemos calados, como se compartilhássemos um segredo.
O jantar foi um tanto atribulado, no melhor dos sentidos. Todos
disputavam a atenção, recordando de inúmeros acontecimentos do passado
e rindo daquelas lembranças.
Quando chegou a hora, fomos até a sala para assistirmos ao
Vancouver Canucks.
A noite do jogo não era brincadeira, todos vestiram suas jerseys azuis,
e a bandeira do time foi pendurada abaixo da televisão.
Journey sentou ao meu lado no sofá, esticando seu braço por cima dos
meus ombros.
Não parava de mexer uma das pernas, gesto que denunciava seu
nervosismo.
No primeiro tempo de vinte minutos, a partida sucedeu sem pontos.
Journey estava excepcionalmente quieto e tenso.
Já no segundo, o adversário Montreal Canadiens pontuou, e todos
xingaram em uníssono.
Finalmente, no terceiro e último tempo, o Vancouver Canucks
conseguiu empatar. A buzina ressoou na arena e, logo na sequência, a
música Holiday, a oficial dos pontos do time, começou a tocar.
Todos comemoraram, eufóricos. Com exceção de Journey, que exibiu
apenas um sorriso contido, pois continuava apreensivo.
Houve um acréscimo de cinco minutos para o desempate. A primeira
equipe que pontuasse levaria a vitória.
Por sorte, foi o nosso time.
No geral, o Canucks não fez um jogo ruim, mas não chegou nem
perto de atingir o resultado que se esperava.
Journey ficou bastante decepcionado. Ele queria estar lá com o time,
brigando por uma pontuação melhor na Stanley Cup.
— Ei, fica tranquilo. Vai dar tudo certo. Logo você vai estar lá,
acertando vários discos dentro das goleiras adversárias.
Outro sorriso fraco despontou em seus lábios.
— Obrigado por dizer o que eu precisava ouvir, Kath. É verdade que
não vejo a hora de voltar a jogar, mas, por outro lado, também não posso
mentir... Estar perto de você tem sido incrível, e amenizou muito a
frustração que senti por estar parado durante a competição. Cada minuto
aqui, ao seu lado, tem valido a pena.
Ao ouvir isso, automaticamente abri um sorriso. Um daqueles de
orelha a orelha. Journey me puxou para mais perto e depositou um beijo
no topo da minha cabeça.
Prestando atenção à cena, Pilar e Jeremiah informaram que já
estavam indo dormir, e Ezra e Natasha se encaminharam para a cozinha,
deixando-nos a sós.
Permanecemos em silêncio por um tempo, plenamente confortáveis e
imersos naquele momento. Os dedos de Journey brincavam com meu
cabelo distraidamente.
Ele, então, se remexeu no sofá, ajeitando a postura. Escorou os
cotovelos nas pernas e uniu suas mãos. Em seguida, limpou a garganta e
me dirigiu um olhar preocupado.
Por mais que Katherine tivesse dito que estava tudo bem, alguma
coisa insistia em me incomodar.
Quando mencionei minhas expectativas sobre o futuro, eu esperava
que seus olhos fossem brilhar, que isso a faria sorrir. No entanto, seus
olhos ficaram opacos, distantes.
Ela não complementou minha fala como sempre fazia na época, rindo
e divagando sobre essas imaginações junto comigo. Nossos planos
destoaram completamente quando ela foi embora.
Antes disso, eles traçavam a mesma linha. Estavam em sintonia.
Eu não queria me precipitar, não queria pressioná-la, mas não
conseguia evitar pensar no que poderia estar errado. Não conseguia evitar
cogitar que, assim como seus planos mudaram drasticamente no passado,
poderiam mudar agora, também.
Eu só conseguia visualizar um futuro que fosse ao lado dela, e temia
que Katherine, em contrapartida, não o fizesse.
A última coisa que queria era interromper aquele momento de paz em
que nos encontrávamos, mas eu tinha que ter certeza de que não precisava
me preocupar.

— Kath, eu quero te pedir desculpas mais uma vez. Naquela manhã,


em hipótese alguma quis te assustar ou te pressionar. Só queria que
soubesse que está em todos os meus planos para o futuro, não sou capaz
de visualizá-lo sem você. É só ao seu lado que eu consigo me imaginar
construindo uma família. — Journey engoliu em seco. — Mas quando
você não disse nada sobre isso, quem ficou assustado fui eu. Está
realmente tudo bem? Aconteceu alguma coisa nesses anos que te fez
mudar de ideia sobre o que quer para o futuro? Não falo apenas sobre
mim, mas sobre ter uma família, sabe... Esse tipo de coisa.
Fechei os olhos, respirando fundo. Quando os abri novamente, não
consegui tirá-los do chão. Não fui capaz de encarar Journey de volta.
Era inevitável. Ele precisava saber, se não agora, em algum momento.
Não tinha escapatória.
Entretanto, enquanto eu tentava reunir alguma coragem, Ezra e
Natasha voltaram para a sala.
Ela exibia uma feição receosa.
— Kath, Ezra e eu estávamos falando sobre várias coisas do passado
e acabamos lembrando de uma... Nada boa. Como você não apareceu na
época e não respondeu ninguém, não temos certeza se você sabe o que
aconteceu.
A essa altura, eu já imaginava do que eles poderiam estar falando.
Senti meu corpo murchar no mesmo instante, mas permaneci quieta,
deixando que continuassem.
— Dois anos depois da formatura do ensino médio, o Leon sofreu um
acidente de carro... E foi fatal. Ele está morto, Kath.
Engoli rapidamente a bile que ameaçou subir.
Leon fazia parte do nosso grupo na escola. Era um grande amigo e
estava sempre conosco nas classes vizinhas da sala de aula, nos intervalos,
nos jogos de Journey...
Sim, eu já sabia. Soube assim que aconteceu. Mas agi da pior forma
possível.
— Eu sei... — admiti, por fim. — Recebi as mensagens e ligações de
vocês naquela madrugada, mas fui uma grande covarde. Eu não queria
aceitar, não queria ter que lidar com isso. Mais tarde, me enviaram as
informações do funeral, e as ignorei. Como nós não nos falávamos tinha
algum tempo, preferi dar a entender que aquele não era mais o meu
número.
Os três me encararam, atônitos.
Senti as lágrimas brotando em meus olhos.
— Me desculpem por não ter voltado, por não ter estado aqui. Se
soubessem o quanto eu me arrependo... Quando a ficha finalmente caiu, a
última lembrança que eu tinha de Leon era do jogo que assistimos juntos
na arena da escola, a final da competição dos colégios da cidade. Ele
estava tão feliz, tão animado. Não parava de fazer graça para que
déssemos risada. Essa era a memória que eu queria guardar para sempre.
Não a dele sem vida, não a de uma despedida eterna... — Minha voz havia
praticamente sumido de tão baixa.
Foi como se o baque de quando recebi essa notícia pela primeira vez
tivesse me atingido de novo. Não consegui refrear o choro copioso.
Journey prontamente colocou seus braços ao meu redor, envolvendo-
me no conforto do seu abraço.
— Tudo bem, Kath... Tudo bem. Nós não estamos te julgando.
Sabemos que nunca foi fácil para você lidar com a morte. Não precisa se
sentir culpada. — Ele tentou me acalmar.
— Desculpe, não queríamos te deixar assim... Mas realmente
achamos que você poderia não saber do que aconteceu — Natasha parecia
arrependida de ter trazido aquele assunto à tona.
— Ei, Kath, ninguém está bravo com você, sério. Já passou, foi há
muito tempo. Não se sinta culpada — completou Ezra, segurando minha
mão.
Inalei e soltei o ar inúmeras vezes até conseguir me tranquilizar.
— Eu sei... Mas me arrependo muito de não ter voltado. Apesar de
ser péssima para lidar com isso, eu devia ter estado aqui por ele. Por
consideração a ele e ao amigo incrível que foi.
— Onde quer que esteja, tenho certeza de que ele sabe disso. Assim
como tenho certeza de que te perdoa. Sem dúvidas, Leon preferiria que
você mantivesse apenas as lembranças boas — declarou Journey,
passando os dedos em meu rosto para secar as lágrimas.
Ele me abraçou novamente, como se não tivesse a intenção de soltar
dessa vez.
Natasha pediu mais desculpas, agradeceu o convite e se despediu.
Ezra foi com ela até a porta.
Ao voltar, se certificou de que eu estava realmente mais calma e então
subiu para o seu quarto.
— Está tudo bem, Kath. Está tudo bem... — Journey repetia,
enquanto seus dedos traçavam uma linha para cima e para baixo em minha
coluna. — Não precisamos mais tocar nesse assunto, e nem no outro que
estávamos falando antes de eles voltarem para a sala. Só quero que você
fique bem, e que fique aqui comigo.
Eu já estava quase no controle das minhas emoções novamente. No
entanto, era uma questão de tempo até que ele repetisse a pergunta que fez
anteriormente.
Inspirei e expirei ritmicamente, distraindo-me com esse movimento,
inalando o perfume dele e desfrutando da paz que voltava a pairar no ar.
Eu sabia que uma tempestade estava prestes a se formar. E que
dependia apenas de mim decidir quando invocá-la.
Mas esse ainda não era o momento. Eu não estava pronta. Journey
não estava pronto. Acho que nunca estaria, aliás.
Não havia como alguém estar preparado para descobrir algo assim.
“É tarde demais para catar os pedaços?
Você se sente abatida assim como eu?
Você está em meus pensamentos
Sempre, sempre
Eu só me apavorei
Prefiro me sufocar com minhas más-decisões
Do que carregá-las para o meu túmulo
Você está em meus pensamentos
Sempre, sempre, sempre”
Always – Gavin James

Pensei que finalmente esclareceria minhas dúvidas e poderia me


livrar dessa preocupação que, muito provavelmente, se mostraria
insignificante.
Entretanto, isso não aconteceu.
Eu jamais imaginaria que Ezra e Natasha começariam a falar sobre
Leon, trazendo aquele assunto à tona, e, menos ainda, que isso mexeria
tanto com Katherine.
Estranhei, na época, quando ela não apareceu no funeral. Assim como
todo mundo, concluí que não tinha ficado sabendo. Descobri que estava
enganado, mas como lhe disse, eu não a julgava. Se não estivesse por
perto, não duvido que também daria um jeito de me esquivar daquela
tragédia, de fugir daquela dor para não precisar encará-la.
Voltando a pensar no que eu temia em relação ao futuro, percebi
quando Katherine respirou profundamente e fitou o chão após a minha
pergunta, incapaz de olhar em meus olhos.
E depois da forma como ficou abalada ao conversarmos sobre a morte
de Leon, eu jamais a pressionaria para me dar uma resposta.
Tudo que passei a desejar, naquele momento, foi que ela se
acalmasse, que ficasse bem.
A verdade era que, durante os oito anos em que estivemos separados,
aconteceram inúmeras coisas que nos machucaram, muitas das quais nem
fazíamos ideia ainda. Mas agora eu estava aqui, disposto a ajudá-la a
consertar o que foi quebrado.
Precisava que ela soubesse disso, que não tivesse dúvidas de que
poderia contar comigo em qualquer situação, que poderia confiar em mim
para qualquer coisa, sempre.

Pela manhã, apesar dos protestos sonolentos de Journey, fui para casa
assim que acordamos, como a covarde que sou.
Estava extremamente arrependida pelo que fiz no passado por causa
do medo e aqui estava, mais uma vez, permitindo que ele me dominasse,
temerosa de que Journey quisesse retomar a conversa que iniciou na noite
passada, e de que dessa vez eu não tivesse escapatória.
Depois de me exercitar, passei o restante da manhã escrevendo. Ao
menos na ficção minha personagem poderia refazer algumas coisas da
forma certa.
Na ficção, ela voltaria para se despedir do amigo.
Mais tarde, fui interrompida por uma ligação de Natasha, que logo me
cercou de perguntas:
— Será que os Blake gostaram de mim? Acha que existe alguma
possibilidade de Ezra e eu termos algo?
— Seria impossível eles não gostarem de você, Nat. E quanto a
Ezra... Como você realmente se sentiria se houvesse essa possibilidade?
Acha que estaria preparada para encarar um novo relacionamento logo
depois de terminar com Steve? — Meu tom não era inquisitivo, era terno.
Não queria que ela se machucasse.
— Eu agradeço a sua preocupação, Kath, de verdade, mas te asseguro
de que ela não é necessária. Lembra de como eu sempre desapegava
rápido nos tempos de escola? Continuo a mesma nesse quesito. E como
falei, o término aconteceu já tem um tempinho, não é tão recente assim...
Estou me sentindo livre como nunca e não quero desperdiçar nenhuma
nova oportunidade que a vida me oferecer.
— Bom, sendo assim, fico muito feliz em ouvir isso. Quando vejo
vocês dois juntos, sinceramente, acho que combinam. Até parece que são
próximos um do outro há muito tempo.
— Ainda não aconteceu nada demais entre nós dois, mas sinto uma
energia tão boa quando estamos juntos... Sei lá, acho que agora é só
questão de tempo, sabe? Será que nós duas desenvolvemos uma queda por
relacionamentos que terão que ser mantidos a distância?
— Seria cômico se não fosse trágico...
Eu ficava inquieta só de lembrar que, em breve, Journey voltaria para
Vancouver e ainda não sabíamos como funcionaria a logística da nossa
relação. Só esperava que ficássemos longe um do outro pelo mínimo de
tempo possível.
Quando encerramos a ligação, ouvi a melodia da campainha
ressoando. A essa altura, já estava devidamente acostumada àquele som.
Entretanto, dessa vez, minha mãe não gritou me chamando do andar
de baixo, ela veio até o meu quarto.
— Hm, Katherine... Tem alguém na varanda pedindo por você —
informou, séria.
Ela dificilmente usava aquele tom, o que logo me alarmou.
— Quem é, mãe?
— Acho melhor descer e ver por si mesma.
Com a curiosidade e a apreensão inevitavelmente atiçadas, desci as
escadas e, ao me dirigir até a varanda, levei um susto.
De fato, aquela não era uma visita que eu esperaria.
— Olá, Katherine — cumprimentou Francis, parado diante de mim.
— Quanto tempo!
Engoli secamente, perturbada pela sua aparição repentina.
Estudei o homem com quem havia me relacionado por anos, e,
deixando a perturbação de lado, desfrutei da sensação de constatar que,
sem sombra de dúvida, não restara nem um resquício de sentimento por
ele.
Era até curioso como eu não senti sua falta em momento algum.
— Oi, Francis. Confesso que estou um tanto quanto surpresa.
Honestamente, não achei que voltaríamos a nos ver.
— Posso imaginar. Mas é que... Será que podemos conversar um
pouco a sós? — questionou, olhando na direção de minha mãe, parada
perto das escadas.
— Tudo bem — concordei, ainda que um pouco relutante, fechando a
porta atrás de mim e me juntando a ele na varanda.
Não era uma boa ideia correr o risco de ser vista com ele ali, mas
acredito que seria pior deixá-lo entrar na casa. Eu mal havia fechado a
porta e ele se aproximou subitamente, me abraçando.
— O que significa isso? — O afastei, incrédula.
— Desculpe-me, é que eu senti muito a sua falta. Ainda não fui capaz
de entender por que foi embora. A verdade é que não estou conseguindo te
esquecer, Katherine. — Seu olhar caiu em desalento.
Respirei fundo, escolhendo cuidadosamente as minhas próximas
palavras.
— Olha, Francis, eu sinto muito, está bem? Em nenhum momento
quis te magoar. Mas você está bem ciente de que não sinto o mesmo que
sente por mim. Isso jamais daria certo, eu jamais seria o que você
precisava que eu fosse. Nós não progredimos juntos, não avançamos na
vida. Somos muito melhores separados.
— Mas será que não poderíamos tentar, ao menos mais uma vez?
Será que não poderia, por favor, pensar a respeito? Considere dar uma
nova chance a nós dois — suplicou Francis. — E, além disso, você não
combina com este lugar. Katherine Cohen pertence à cidade grande.
Precisei respirar fundo pela segunda vez em questão de poucos
minutos.
— Eu não quero ser grossa... Mas não tem o que considerar, Francis.
Acabou, e há muito tempo. Bem antes de eu terminar com você, aliás, já
não estávamos mais dando certo. Nós tentamos por anos e não adiantou.
Por favor, aceite isso. E tem mais uma coisa: você não me conhece de
verdade para opinar sobre onde eu pertenço, ou qual o meu lugar.
Lágrimas brotaram nos olhos de Francis enquanto me ouvia falar.
Cada frase minha deveria estar sendo como um soco no estômago para
ele. Eu detestava ter que ser dura e fria daquele jeito, mas se fosse mais
gentil, ele não entenderia o recado de uma vez por todas.
— É muito difícil ouvir isso, Katherine. Ainda mais enquanto você
olha dentro dos meus olhos ao falar, porque dói perceber que está sendo
sincera. Bom, eu precisava tentar... — Ele suspirou, dando de ombros. —
Então não há mais nada que eu possa fazer, não é? Ao menos permita que
eu te dê um último abraço...
Seu pedido, a princípio, me retesou. No entanto, pensei que ele
pudesse precisar disso para conseguir se desligar de mim, enfim. Como se
fizesse parte do ritual de um adeus definitivo.
— Encare essa como nossa despedida, Francis. É nosso último
abraço.
Em questão segundos ele se aproximou e me envolveu com seus
braços, me segurando como alguém que tem plena consciência de que está
fazendo isso pela última vez.
Seu toque não me despertava sentimento algum. Nosso ciclo já havia
se encerrado há muito tempo para mim.
Esperava que, finalmente, se encerrasse para ele também.

Hoje pela manhã Katherine não ficou para tomar café. Ao acordar,
apesar das minhas tentativas de fazê-la ficar, ela foi embora.
Isso me deixava ainda mais preocupado. Eu só conseguia pensar que
ela provavelmente estava tentando evitar a conversa iniciada na noite
anterior, aquela na qual fomos interrompidos. Ou pior, tentando evitar a
mim.
A agonia se tornava minha companheira fiel quando as coisas não
estavam indo completamente bem, quando havia uma tensão que
precisava ser resolvida e tudo acontecia de modo a atrasar isso.
Katherine também aparentava não estar confortável com essa
situação, e isso só tornaria a nos distanciar, quando tudo que eu mais
queria era aproveitar esses dias passando o máximo de tempo possível
com ela.
Decidi, então, que era hora de resolver esse impasse de uma vez por
todas.
Comecei a me encaminhar para a casa de Katherine com a intenção
de continuar o assunto que não pôde ser concluído.
Porém, quando eu mal havia pisado para fora de casa, já vi algo que
fez meu estômago embrulhar.
Havia um homem que não reconheci parado na varanda dos Cohen, e
ele olhava fixamente para dentro, provavelmente encarando alguém. Essa
hipótese automaticamente me deixou tenso.
Logo na sequência Katherine saiu da casa, parando na frente dele.
Meus sentidos entraram em estado de alerta, mas como não fazia ideia de
quem era ele, resolvi apenas observar.
O homem tomou Katherine em um abraço assim que ela fechou a
porta atrás de si, e senti meu coração vacilar. Ela imediatamente o afastou,
o que me tranquilizou no mesmo instante. Entretanto, precisei de muito
autocontrole para não ir até lá.
O homem estava visivelmente abalado, exibindo uma feição triste. Já
ela demonstrou uma expressão de compreensão no início da conversa, que
depois se transformou em impaciência, como uma mãe que precisa
explicar várias vezes a mesma coisa para o filho que insiste em fazer birra.
Ao notar a menção de um movimento, congelei.
Os ombros dela, por fim, relaxaram, e ele a abraçou veementemente.
Meu estômago embrulhou ainda mais, e, ansiando por me afastar
daquela cena o quanto antes, voltei para dentro de casa.
Ver aquele homem perto dela, mesmo não sabendo quem era, ou
justamente por isso, me deixou ainda mais frustrado do que eu já estava.

Logo depois que me desvencilhei do abraço de Francis, um barulho


não muito distante chamou minha a atenção.
Olhei para o lado e descobri que foi a porta da casa de Journey que
bateu, o que me deixou instantaneamente apreensiva.
Na melhor das hipóteses, algum dos Blake assistiu àquela cena. Na
pior, o próprio Journey.
Não havia acontecido nada demais, porém, ninguém sabia que aquele
era Francis. E aquele gesto era passível de inúmeros mal-entendidos.
Pedi a ele para que fosse embora e, derrotado, ele o fez sem contra-
argumentar.
Provavelmente deixar a poeira abaixar e aguardar a confusão daquele
momento se dissipar seria uma opção melhor. No entanto, eu não
conseguiria me concentrar em mais nada sabendo que alguém da casa ao
lado assistira ao que acabara de acontecer.
Eu sentia a necessidade de me explicar, de esclarecer o que foi aquilo
tudo.
Sem pensar duas vezes, me dirigi à casa dos Blake.
“Às vezes, estou quebrado
Porque, às vezes, essa cidade não é nada além de fumaça
Existe um segredo? Podemos melhorar as coisas?
Diga-me como respirar e não sentir dor
Eu acredito em nós
Depois dos destroços, depois da poeira
Sobre os alvoroços, sobre todo o barulho
E através de toda a preocupação
Ainda ouço sua voz”
Us – James Bay

Toquei a campainha sentindo meu coração quase saltar pela boca.


Foi Journey quem abriu a porta e, sem pronunciar uma única palavra,
deu passagem para que eu entrasse.
Presumi, então, que foi ele quem assistiu àquela cena.
Journey subiu as escadas em direção ao seu quarto e fez sinal com a
cabeça para que eu o seguisse.
Ele se sentou na beirada de sua cama, colocando as mãos dentro do
bolso do moletom que vestia.
Seus olhos me acompanhavam, ansiosos, enquanto eu avançava para
me sentar ao seu lado.
— Você me viu com aquele homem agora há pouco, não é? Escutei
quando a porta da casa bateu.
— Sim, eu vi. Quem era ele?
Puxei o ar profundamente antes de responder, retribuindo seu olhar
sem vacilar.
— Francis Gilbert, meu ex-namorado.
Os olhos de Journey pareceram duplicar de tamanho, nitidamente
surpresos.
— Aquele de Nova Iorque?
— Esse mesmo.
— E o que ele queria?
Mordi o lábio inferior, ponderando sobre qual a melhor forma de
contar, sem ter ideia de como Journey reagiria a minha sinceridade.
— Francis queria que reatássemos, disse que ainda não tinha me
esquecido... Essas coisas.
Journey agora estava perplexo. Seu olhar denunciava sua
incredulidade.
— Bom, não posso dizer que não o compreendo — retrucou
sarcasticamente, dando de ombros. — E o que você respondeu?
— Francis queria uma segunda chance e me pediu para considerar
isso. Respondi na hora que não havia nada para ser considerado, que o
nosso relacionamento já tinha acabado muito antes do ponto final.
O corpo de Journey pareceu amolecer, aliviando a tensão que vinha
acumulando.
— E será que ele entendeu o recado?
— Creio que, dessa vez, eu me fiz compreender. Fui o mais firme que
consegui. No final da conversa ele parecia... Derrotado.
— Então foi por isso que ele te abraçou daquele jeito? — Journey
estava ligando os pontos. — Agora faz sentido... Francis sabia que era um
abraço de despedida.
— Exatamente, foi só por isso que permiti. Ele sabia que seria a
última vez.
Já era possível sentir a atmosfera menos carregada entre nós.
Suspirei, devidamente aliviada depois de tirar aquele peso das costas.
Journey tirou as mãos do bolso do moletom e me puxou para mais
perto, pousando um braço ao redor dos meus ombros.
— Nós e nossos fantasmas do passado... — pronunciou, e vislumbrei
um indício de sorriso. — Vir aqui me contar sobre Francis foi a melhor
coisa que você poderia ter feito, Kath, nem imagina o quanto estou mais
tranquilo. Muito obrigado por isso.
— Preciso admitir que também estou bem mais tranquila depois dessa
conversa... Depois de esclarecer tudo o quanto antes.
Peguei-me pensando se essa frase também se aplicaria à outra coisa
que eu tinha para contar. De qualquer forma, ainda não estava disposta a
descobrir.
O que Journey disse me levou a pensar que, de fato, não havia nada
como o diálogo para acabar com qualquer mal-entendido. Se eu tivesse
esperado, ele ficaria confabulando sobre aquela cena, imaginando coisas
irreais e correndo o risco de tirar conclusões precipitadas. Agora estava
tudo esclarecido, e ambos saímos ilesos.
— Falando em fantasmas do passado, esses dias estava pensando em
quantas coisas aconteceram com a gente enquanto estivemos separados, e
das quais não fazemos nem ideia. Então só queria que soubesse que pode
falar comigo sobre qualquer coisa, Kath. Quero ser aquele com quem você
pode contar a qualquer momento. Não sei quais são todas as coisas que te
machucaram durante esses oito anos, mas agora estou aqui para te ajudar a
consertar o que for preciso. Nunca se esqueça de que pode sempre confiar
em mim.
— Eu sei que posso confiar em você até de olhos fechados, Journey.
Sou muito grata por isso. E digo o mesmo, sempre vou estar aqui por
você.
Pensei que a feição que ele exibiria seria branda, mas notei o discreto
movimento de quando Journey travou sua mandíbula. O que significava
que aquele assunto ainda não estava encerrado.
— Kath, sabe aquela conversa que comecei na noite do jogo? É sobre
uma coisa que vem me deixando um tanto preocupado. Provavelmente
não é nada demais e estou me sentindo assim em vão, mas preciso ter
certeza.
Senti minha garganta secar, ficando nervosa instantaneamente. Antes
mesmo dele continuar, eu já sabia o que viria em seguida.
— Quando você não me respondeu ao ouvir sobre os meus planos
para o futuro naquela manhã, não pude evitar ficar com medo de que
talvez não visualizasse seus próximos passos ao meu lado. Fiquei com
receio de que quisesse seguir sozinha novamente... — confessou,
cabisbaixo, evitando olhar em minha direção.
Então era isso. Estava explicada tamanha insistência naquele assunto.
Durante todo esse tempo, Journey alimentou o medo de me perder de
novo.
Ele não poderia estar mais enganado, tanto sobre a possibilidade de
me perder, quanto sobre o real problema. Não poderia ter menos noção de
quais eram os motivos reais pelos quais eu não respondi.
Coloquei minhas mãos em seu rosto, virando-o delicadamente para
mim.
Olhei bem no fundo daqueles orbes cor de mel.
— Ei, preste atenção. Eu já descobri que não preciso ir embora para
que os meus sonhos se realizem. Não vou a lugar algum. E jamais
conseguiria imaginar a minha vida e o meu futuro com alguém que não
fosse você. É o único que eu quero ao meu lado, Journey Blake, e quero
que siga comigo em cada passo da jornada. Essa é a última coisa com a
qual você deveria se preocupar.
Ele sorriu, finalmente. Um sorriso abobado e convencido.
— Me desculpe por ter deixado isso subir à cabeça. Mas admito que
foi muito bom ouvir essas coisas em voz alta.
Eu sorri de volta.
— Para mais declarações, acesse aquiloqueguardopramim.com.ca.
Sua risada ressoou pelo quarto. Aquele era, definitivamente, um dos
meus sons favoritos.
Aninhei minha cabeça na curva de seu pescoço, envolvendo seu
tronco em um abraço que ele carinhosamente retribuiu.
Desfrutávamos de mais uma dose de paz, enfim.
Algum tempo depois, Rosa chegou para a sessão de fisioterapia do
dia, e eu voltei para casa para continuar escrevendo e me programar para o
evento com os leitores que aconteceria em breve.
À noite, Journey se juntou à minha família para o jantar.
E, por mais uma manhã, despertei dentro dos seus braços desejando
que essa rotina perdurasse o máximo possível.
Achei que minha cota de visitas inesperadas já tivesse sido
completamente preenchida, mas, infelizmente, eu estava enganada.
— Olá, Katherine. — No meio daquela tarde, Candice estava parada
na varanda da minha casa.
Então ela ainda não tinha ido embora de Stratford, que surpresa!
Segurava uma caixa em suas mãos, o que logo atraiu minha
atenção. No entanto, meu orgulho não me permitiu demonstrar isso.
— O que está fazendo aqui?
— Eu soube que você e Journey estão juntos de novo. Até os vi pela
cidade algumas vezes.
— Estamos, sim. E muito bem, por sinal.
Preparei-me para vê-la revirar os olhos, mas ela não o fez.
— É, eu posso imaginar. Não vim até aqui causar mais problemas,
Katherine. Na verdade, estou retirando meu time do rinque.
Precisava admitir que, dessa vez, Candice me surpreendeu. Eu
definitivamente não estava esperando por aquela declaração.
Sem saber o que responder, permaneci calada, encarando-a, pois
aparentava ter mais alguma coisa para falar.
— Acredito que Journey já deve ter mencionado o que aconteceu
quando estávamos juntos. Isso não tem relação nenhuma com as minhas
atitudes, e jamais usaria como desculpa para justificá-las. Mas acho que
passei muito tempo apegada à ideia do que poderíamos ter sido, mas não
fomos. Tudo poderia estar completamente diferente hoje em dia... — ela
continuou, como imaginei que faria. — Bom, de qualquer forma, estou me
esforçando para deixar o passado em seu devido lugar, e isso inclui
Journey. Passei aqui para me despedir.
Eu não fazia ideia do que poderia ser esse acontecimento que ela
comentou, mas, novamente, meu orgulho não me permitiu questionar.
— Acredito que essa escolha vai te fazer muito bem, Candice. Não
adianta insistir em algo que não tem mais chance de acontecer. Não vale a
pena se esforçar unilateralmente em troca de migalhas, ou nem isso.
Honestamente, espero que a vida te recompense.
— Sabe de uma coisa? Até que você não é tão ruim quanto eu
imaginava. — Um ínfimo sorriso cresceu em seus lábios. — Adeus,
Katherine.
— Adeus, Candice. — Essa frase tinha um gosto doce.
Ela deu as costas e seguiu para a calçada, carregando a caixa consigo
e deixando uma semente de curiosidade e apreensão plantada em minha
mente.
Não saberia dizer se ela tinha sido sincera ou se essa era apenas parte
de alguma coisa que estava tramando. Mas não foi isso que passou a
ocupar meus pensamentos.
O tal do acontecimento. Ele, sim, estava começando a me perturbar.
Foi importante, Candice acreditava que Journey já tinha me contado, e era
um dos motivos pelos quais foi difícil para ela desapegar dele. Fiquei
tentando ligar os pontos, mas não estava chegando a conclusão alguma.
Journey vinha mantendo alguma coisa em segredo, e, pela forma
como Candice mencionou, parecia sério, o que prontamente despertou
meu interesse. Porém, eu não tinha o direito de ir até sua casa e exigir que
ele me contasse.
Não quando também estava escondendo algo.
Comecei a travar uma batalha interna entre a razão e a emoção.
Se pensasse demais, muito provavelmente tornaria a concluir que,
mais uma vez, não era o momento certo. Que eu não estava pronta, e nem
ele.
A realidade era que jamais estaríamos, mas precisávamos encarar.
Depois da nossa última conversa mais séria, Journey pensou que
estava tudo bem. Que não precisava mais se preocupar. E isso foi falha
minha.
Agora, a queda seria ainda mais alta.
Mas ele merecia saber.
Ele tinha que saber.
Eu não podia continuar olhando em seus olhos e ouvindo-o falar
sobre o futuro enquanto escondia algo assim.
Rumei para sua casa decidida a, de uma vez por todas, contar tudo a
ele.

Era indescritível o quanto eu estava mais tranquilo depois que


finalmente esclareci tudo com Katherine.
A sensação de ouvi-la dizer que também não conseguiria imaginar um
futuro que não fosse ao meu lado foi um verdadeiro cessar fogo na guerra
dos meus pensamentos e preocupações.
Percorremos um longo caminho para chegar até aqui e
amadurecemos muito na jornada, o que só ficou ainda mais comprovado
quando Katherine veio me contar sobre sua conversa com Francis.
Ela esclareceu tudo de uma forma tão transparente e sincera que só
consegui ter ainda mais certeza de que nós dois estávamos
indiscutivelmente fadados a dar certo.
Sentia-me cada vez mais sortudo pela vida ter nos unido novamente.
Enquanto pensava em Katherine, ouvi a campainha tocar.
Meu coração pulou na mesma hora, na esperança de que fosse ela
parada do outro lado da porta.
No entanto, ao abri-la, me deparei com uma amarga surpresa.
— Olá, Journey — cumprimentou Candice.
— Não esperava te ver por aqui de novo.
Não consegui disfarçar minha insatisfação. O que ela fez na última
vez em que veio à minha casa foi completamente inaceitável.
Distraí-me do desgosto que estava sentindo ao notar a caixa que ela
carregava nos braços, mas não ousei questionar o que era.
— É, eu sei. Mas não vim com a intenção de causar mais intrigas.
— Você realmente espera que eu acredite nisso?
— Não posso te culpar por duvidar... — Ela fitava o chão enquanto
falava. — De qualquer forma, estou aqui para dizer adeus. Vou voltar para
Vancouver e, então, acredito que não nos veremos mais, a não ser que nos
esbarremos por lá, acidentalmente.
Para ser honesto, não sabia o que ela esperava que eu dissesse, e
preferi me manter em silêncio.
— Repassei toda a nossa história durante esses dias, como em um rito
de despedida, e foi inevitável não lembrar daquilo. De como fomos
surpreendidos, primeiro da melhor forma possível, e então da pior delas.
Tudo que eu ainda tinha está dentro desta caixa. Não quero mais guardar
nada disso, preciso deixar o passado em seu lugar de uma vez por todas.
Então a trouxe pra você, pode descartar como quiser... Porque eu não tive
coragem.
Candice me entregou a caixa que segurava, dando-me tempo apenas
de estender os braços para recebê-la.
Notei que havia lágrimas surgindo em seus olhos, as quais acreditei
não serem parte de uma encenação.
O que aconteceu nos abalou imensuravelmente na época.
E era um tanto desconcertante pensar em como tudo poderia estar
completamente diferente hoje em dia.

Refreei meus passos ao ver que Journey estava na frente de sua casa,
e acompanhado.
Aparentemente, nós dois fazíamos parte do roteiro de despedidas de
Candice.
Eu não sabia se voltava para casa, se ficava parada ali ou se
continuava me aproximando de onde eles estavam.
Meus pés, no entanto, pareceram travar no lugar.
Surpreendendo a nós três, uma luz surgiu repentinamente, seguida de
barulhos incômodos e constantes.
Ao virar para a direção de onde vinham, descobri que havia três
homens com suas câmeras apontadas na direção de Journey e Candice.

Um clarão surgiu de repente, parecendo vir do outro lado da rua.


Ao averiguar de onde partia, vi que havia fotógrafos estrategicamente
posicionados, mirando suas lentes em nós dois.
Logo estranhei, pois eles nunca tinham vindo até Stratford e mal
apareciam em Vancouver, e isso só me deixou ainda mais desconfiado.
Estudei a expressão de Candice e percebi que ela não estava nem um
pouco surpresa, o que explicava tudo.
Quando namorávamos, éramos perseguidos por fotógrafos em todos
os lugares. Antes e depois do namoro, porém, eles sempre me deixaram
em paz. Até considerava isso estranho na época, mas nunca pensei muito a
respeito.
Inúmeras pessoas alegaram que Candice se aproximou de mim com a
intenção de me usar para alavancar sua carreira, e eu os repreendia
dizendo que isso era coisa de suas cabeças.
No entanto, acabei de descobrir que eles estavam certos.
Já não sabia mais distinguir o que foi verdade e o que foi mentira
naquele relacionamento, e passei a ter ainda mais certeza de que apenas
uma única pessoa já tinha me amado de verdade, e a avistei assistindo
àquela cena da calçada em frente à sua casa.
— Por que fez isso? Qual é o seu objetivo em nos expor dessa forma?
— Me dei ao trabalho de questionar, incrédulo.
— Uma última vez nos holofotes, Journey — replicou, sem
cerimônia.
— Isso é extremamente desrespeitoso, Candice, beira ao ridículo! E
pode apostar que não vou permitir que alcance seu objetivo.
Coloquei a caixa que ela tinha me entregado no chão e avancei na
direção dos fotógrafos.
— Quanto vocês acham que vão ganhar com essas fotos? — indaguei.
— Com certeza uma grana alta — um deles respondeu.
— Não importa, eu pago o dobro para que nenhuma delas seja
publicada.
Eles se entreolharam, surpresos.
Por fim, concordaram quase que imediatamente em receber a quantia
duplicada para apagar as fotos.
Fiz sinal para Candice ir embora, incapaz de trocar mais uma palavra
sequer com ela. Foi um verdadeiro alívio vê-la partir.
Olhei na direção onde tinha avistado Katherine, mas ela já não estava
mais lá.
Minha pulsação vacilou em aflição.
Ponderei sobre as minhas possibilidades e, assim como ela fez no dia
anterior, decidi não esperar para ir até sua casa e esclarecer o que tinha
acabado de acontecer.
Mas antes fui até a varanda e apanhei a caixa que Candice me
entregou, ciente do que provavelmente estaria dentro dela.
Como eu iria contar tudo para Katherine de qualquer forma, então que
enfrentássemos todas as nuances disso juntos, de uma vez só.

Assim que Journey começou a se encaminhar na direção daqueles


homens, resolvi voltar para dentro de casa. A situação já estava tensa o
suficiente.
Quando finalmente tive coragem, precisei engoli-la.
Entretanto, não muito tempo depois que entrei, ouvi alguém do lado
de fora.
— Kath, você ainda está aí? — chamou Journey.
— Estou, sim — respondi, já abrindo a porta.
Ele passou por mim e, com a mão que estava livre, pegou na minha,
guiando-nos em direção ao sofá da sala.
Na outra, ele equilibrava a caixa que tinha chamado a minha atenção.
— Antes de Candice ir até sua casa ela veio aqui — revelei, enquanto
nos sentávamos.
— E o que ela queria com você?
— Disse que veio para se despedir... — Eu quis comentar sobre o
acontecimento que ela mencionou, mas mordi a língua. Se ele se sentisse à
vontade, poderia contar por si mesmo.
— Ela me falou a mesma coisa... E ainda teve a audácia de admitir
que chamou aqueles fotógrafos para estar uma última vez nos holofotes.
Dá pra acreditar?! — Era nítido o quanto ele estava aborrecido.
— E o que você fez? Vi quando caminhou na direção deles.
— Paguei o dobro do que receberiam pelas fotos para que apagassem
todas elas.
Arqueei a sobrancelha, surpresa.
— Acho que foi a melhor solução. Com certeza isso evitou um
grande desgaste com a polêmica que seria criada.
Journey passou a mão pelos cabelos, denunciando o quanto ainda
estava nervoso.
— Você já olhou o que tem dentro da caixa? — Não consegui conter
a curiosidade.
— Ainda não abri, mas imagino o que deve ser... — Seus olhos foram
de encontro aos meus, exibindo um misto de preocupação e, se eu
estivesse certa, tristeza. — Kath, tem uma coisa que aconteceu quando eu
e Candice namoramos que preciso te contar.
“Tentei manter você perto de mim
Mas a vida se intrometeu
Tentei me adaptar a não estar lá
Mas é lá que eu deveria ter estado
Detenha o rio, deixe-me olhar em seus olhos
Era uma vez uma vida diferente
Mas agora fomos pegos pela maré
Aqueles dias distantes todos em lampejos
Detenha o rio, para que eu
Possa parar por um minuto e estar ao seu lado”
Hold Back The River – James Bay

— Quando estávamos juntos, Candice engravidou.


Journey fez a revelação com um tom que era um misto de tristeza e
apreensão.
Meu corpo todo congelou.
Fui pega completamente de surpresa.
Jamais poderia imaginar que esse seria o acontecimento.
Entretanto, recordando da forma como Candice falou sobre ele,
começava a fazer sentido.
Todas as palavras pareceram sumir. Não fui capaz de formular nem
uma frase.
Assim que Journey contou, seus olhos tristes e preocupados estavam
mais fixos do que nunca nos meus, estudando-os. Avaliando minha
reação.
Eu não fazia ideia de qual era minha expressão, fui dominada por um
turbilhão de sentimentos ao mesmo tempo.
Como permaneci quieta, ele prosseguiu:
— Nós não tínhamos planejado, foi um acidente. Levamos um grande
susto, mas, passada a surpresa, ficamos realmente felizes. Apesar de
nunca ter conseguido imaginar um futuro a longo prazo com Candice, eu
podia facilmente imaginar um longo e maravilhoso futuro com um filho.
Meu filho! Eu estava completamente eufórico! — O olhar dele divagou,
perdendo-se nas memórias. — Mesmo não amando de verdade sua mãe,
eu amaria incondicionalmente aquela criança. Viveria isso de uma forma
bem diferente de como sempre desejei, mas viveria. Ponto. Eu queria mais
do que qualquer coisa tê-la e criá-la, acompanhar seu crescimento e lhe
ensinar tudo que pudesse. Já sonhava com ela vestindo uma jersey do
Vancouver Canucks com meu sobrenome e número, igual à cena na arena
da escola. Acho que em parte foi por isso, também, que ver aquele pai
com o filho mexeu tanto comigo.
Os olhos de Journey brilhavam enquanto ele relatava tudo aquilo.
Mas era um brilho opaco, um brilho que, ao que tudo indicava, foi forçado
a se apagar.
Sentia-me como se estivesse diminuindo diante das suas confissões.
O nó que se formou na minha garganta apertava cada vez mais.
Minha voz havia sumido por completo. Eu não seria capaz de proferir
uma única palavra.
Journey novamente quebrou o silêncio, continuando:
— Antes de completar três meses de gravidez, Candice perdeu o
bebê. A descoberta de que estava grávida foi um baque, mas ficar
extremamente feliz com ela e vislumbrar todo um futuro como pai para
logo depois isso ser arrancado de mim foi um baque muito maior. Eu já
tinha me acostumado totalmente com a ideia e, honestamente, não poderia
estar mais ansioso... Tudo para despencar do andar mais alto e dar de cara
com o chão duro feito pedra quando isso se desfez. Mal tive a chance de
me agarrar a essa fantasia e já fui obrigado a deixá-la escorregar pelos
meus dedos... — Journey engoliu em seco, tentando controlar a voz quase
completamente falha.
Ele fez uma pausa para se recompor.
Eu permaneci em silêncio absoluto.
E certa de que, se os pedaços que se partiam dentro de mim fizessem
barulho ao quebrar, estaríamos ouvindo uma sinfonia estrondosa.
— Desculpe por não ter contado antes, mas é que quando finalmente
nos entendemos tive medo de estragar o que estávamos construindo. Além
disso, fiquei esperançoso com a possibilidade de construir esse futuro com
alguém que realmente amo.
Assim que terminou de falar, Journey voltou a me analisar. Sua
expressão derrotada denunciava o quanto havia sido árduo lembrar
daquilo tudo, e revelava um indício do quanto estava apreensivo,
aguardando minha reação.
Escutei atentamente às suas palavras e, conforme elas eram
proferidas, senti como se cada uma fosse uma faca bem afiada sendo
enfiada lentamente dentro do meu coração, rasgando-me inteira.
Não consegui refrear as lágrimas. Elas rapidamente se transformaram
em uma enxurrada impossível de ser controlada.
Era muito doloroso imaginar o quanto eles deviam ter ficado felizes
com a notícia da gravidez, e como a perda do bebê deve ter sido algo
extremamente difícil de superar.
Se a criança tivesse nascido, eles teriam um laço para todo o sempre,
estariam ligados até o fim de suas vidas. Mesmo que não tenha
acontecido, é inevitável pensar nisso. Tudo poderia estar absurdamente
diferente hoje em dia.
Qualquer resquício da coragem que eu reuni para contar toda a
verdade a Journey havia se esvaído completamente. Não consegui
detectar mais nenhum sinal dela.
Quando as lágrimas caíram, Journey me abraçou, aflito.
— Não precisa chorar, está tudo bem agora, Kath. Aconteceu há
muito tempo, já passou. Sem dúvidas é algo nada fácil de se lembrar, mas
eu superei, segui em frente.
Ao tentar me acalmar, ele pensou que eu estava chorando apenas pela
sua dor.
Não fazia ideia de que possuía a minha própria.
— E tem mais uma coisa... — Journey continuou. — A respeito da
caixa que Candice me entregou, tenho quase certeza de que o conteúdo
dentro dela está relacionado com o que acabei de te contar.
Ele a apanhou e colocou em cima da mesa de centro, bem à nossa
frente. Com cuidado, começou a abri-la.
Ao descobrirmos o que tinha dentro, ambos engolimos em seco, pois
era ainda mais perturbador.
O silêncio que se instaurou era inconsolavelmente fatídico.
No interior da caixa havia roupinhas de bebê minúsculas, alguns
pares de sapatinhos e lenços de renda.
Eram, sem sombra de dúvida, os pertences do filho de Journey e
Candice.
Acima deles, tinha um papel dobrado.
Senti meu estômago embrulhar, enjoada.
Journey ficou encarando o conteúdo diante de nós taciturno, com as
mãos entrelaçadas e os cotovelos apoiados nas pernas.
Em um gesto que pareceu demorar uma eternidade, pegou o papel e o
abriu. Parecia uma carta escrita à mão.
Ele se aproximou de mim e levantou a folha, segurando-a com uma
das mãos para que pudéssemos ler ao mesmo tempo.
— É a letra da Candice. — Foi tudo o que conseguiu falar.
Com milhares de sentimentos conflitantes perpassando sobre mim,
iniciei a leitura.

Querido Journey,
Na última vez em que nos vimos, quando tentei te beijar sem o seu
consentimento, eu lhe disse que você não iria se livrar de mim. E, de fato,
estava determinada a te perturbar. Como você não queria mais ser meu,
não deixaria que fosse de mais ninguém. Mas aquela ação impulsiva foi
tremendamente errada.
E, no meio de tudo isso, fiquei sabendo que você e Katherine estavam
juntos novamente. Cheguei até a vê-los pela cidade algumas vezes e,
mesmo de longe, não foi difícil notar o quanto estavam felizes.
Finalmente entendi que minhas tentativas seriam em vão, pois não há
como dar continuidade a uma história que foi finalizada há muito tempo.
Na qual já havia sido colocado um ponto final, mesmo que contra minha
vontade.
Doeu quando compreendi que, na verdade, você nunca foi meu, nem
ao menos uma mísera parte sua foi verdadeiramente minha. Katherine
sempre esteve presente em seus pensamentos e até mesmo em seus sonhos,
coisa que talvez você nem saiba. Cansei de acordar ouvindo-o chamar
pelo nome dela no meio da noite. Ela foi e sempre seria a “sua pessoa”,
com quem você se imaginava casando, construindo uma família e
passando o resto da vida ao lado. Eu era apenas alguém com quem
ocupar o tempo para te distrair da ausência dela. Você nunca a esqueceu.
Doeu, também, quando entendi que não havia nada que eu pudesse
fazer, porque eu simplesmente jamais seria Katherine Cohen.
Depois de tantos anos, por fim, eu me conformei.
Nosso filho não teria crescido em uma família feliz, não seria criado
por pais que se amavam de verdade. Mas ainda dói olhar para os
pertences que seriam dele, então estou repassando-os para você.
Eu superei essa parte da minha vida e estou, de uma vez por todas,
deixando-a para trás, no passado, que é onde deve ficar. Pode fazer o que
quiser com todas essas coisas.
Essa é a minha despedida de você, Journey Blake.
Mas eu ainda preciso de uma última vez nos holofotes, como, a essa
altura, lendo a carta, você já deve ter descoberto.
Adeus,
Candice Kinslet.

Era um tanto difícil tentar entender Candice, principalmente depois da


cena com os fotógrafos. Entretanto, ao terminar de ler a carta, não
duvidava que ela tenha realmente gostado de Journey em algum momento.
Havia dor demais naquelas palavras para ser tudo parte de um
sentimento falso, encenado.
Talvez, inicialmente, ela quisesse apenas se aproveitar da fama dele,
mas durante o tempo em que estiveram juntos tenha aprendido a amá-lo
de verdade.
Afinal, eu bem sabia que amar Journey Blake não era nada difícil.
Quando finalizei a leitura, não pude evitar a sensação parecida com a
de levar um soco que voltou a me atormentar.
Nenhum de nós se pronunciou.
A sala ficou mergulhada em uma quietude sombria enquanto
absorvíamos o efeito do que tinha sido escrito e lidávamos com a tristeza
de olhar para as roupinhas de bebê que não puderam ser usadas.
Journey devolveu a carta para dentro da caixa e a fechou,
empurrando-a para trás.
— Sinceramente, não sei o que pensar sobre Candice. Ela armou uma
emboscada para que fôssemos fotografados juntos, mas ao mesmo tempo
escreveu uma carta como essa. Acho que nunca vou ser capaz de
compreendê-la. De qualquer forma, ela está finalmente fora das nossas
vidas... — Ele chegou mais perto de mim. — E, além disso, o que
aconteceu me fez perceber que só existe uma pessoa que me amou de
verdade nessa vida. — Journey colocou uma mecha do meu cabelo para
trás da orelha, transferiu sua mão para o meu queixo e o ergueu, fazendo-
me olhar em seus olhos. —Você.
As lágrimas haviam cessado.
Esforcei-me para manter o controle sobre minha voz quando, enfim,
senti que era capaz de falar novamente.
— Não tenha nenhuma dúvida quanto a isso, Journey — respondi
sem vacilar, os olhos fixos nos dele. — Eu lamento muito que você tenha
passado por tudo isso, de verdade. Deve ter sido tão difícil...
— E foi, muito. Ainda dói ao lembrar, sim, mas já deixou de doer
todos os dias. Aconteceu há muito tempo. Não queria que ficasse abalada
desse jeito... Temos toda uma jornada pela frente, Kath, todo um futuro
para construirmos juntos, eu e você. — Sua mão passou a afagar meu
cabelo.
Suspiramos profundamente, quase ao mesmo tempo.
Journey tinha razão, afinal. Era necessário deixar o passado em seu
lugar: no passado. Tudo que aconteceu entre eles ficou para trás.
Havia um presente diante de nós, esperando para ser vivido e, como
ele mencionou, todo um futuro para ser planejado.
Entretanto, depois de tudo que havia discorrido, eu não tinha
estômago e nem forças para engatar nesse assunto sobre o futuro, de jeito
nenhum.
— Journey, espero que não fique chateado, mas preciso de um tempo
para digerir todas essas informações... — Analisei-o cuidadosamente
enquanto lhe fazia esse pedido.
Apesar de parecer desapontado, ele não protestou.
— Tudo bem, eu entendo. Acho que já podia esperar por isso. —
Derrotado, Journey se levantou e apanhou a caixa. — Nos falamos mais
tarde?
— Claro — repliquei, mesmo sem ter certeza de que conseguiria. —
Muito obrigada por entender.
Pela primeira vez, interrompi a sequência de noites em que vínhamos
dormindo juntos.
Eu precisava desesperadamente ficar sozinha.
A culpa que me consumia por ainda não ter contado tudo a Journey
era estarrecedora.
Porém, ao mesmo tempo, estava atormentada demais para fazer isso
agora.
“Eu vou ter que ir embora logo
Nós sabíamos que este dia chegaria
Como ele chegou tão rápido?
Essa é a nossa última noite, mas já está tarde
Essa noite preciso te abraçar bem forte
Porque quando a luz do dia chegar
Nós estaremos separados
Aqui estou eu olhando para sua perfeição
Em meus braços, tão linda
O céu está começando a brilhar
As estrelas estão queimando
Alguém tem que atrasar isso”
Daylight – Maroon 5

Estava aliviado por finalmente ter contado a Katherine sobre a


gravidez interrompida de Candice. Guardei isso por muito tempo, muito
mais do que deveria. Demorei tanto para contar justamente por causa do
medo de machucá-la com a minha dor e, no fim, foi exatamente o que
aconteceu.
Não foi fácil concordar em ir embora quando tudo o que eu mais
queria era abraçar Katherine até fazer com que todos aqueles sentimentos
dolorosos desaparecessem.
Podia imaginar o misto de emoções que deve tê-la acometido com
tudo o que expus. O susto da revelação inesperada, os pertences do bebê,
constatar a minha desolação...
Sem dúvidas, era um combo difícil de digerir.
Por fim, derrotado, deixei-a sozinha assim como pediu, mas fiquei
checando o celular a cada minuto esperando que ela me chamasse de
volta. O que não aconteceu, no entanto.
Mais tarde, pensei em ligar ou ir até sua casa, mas tive medo de que
ela se sentisse pressionada.
Se Katherine precisava de espaço, então eu precisava cedê-lo. Ainda
que isso me deixasse aflito.
Apesar de fazer pouco tempo desde que estávamos dormindo juntos,
naquela noite, foi completamente estranho não ter seu corpo junto ao meu,
não pôr meus braços ao seu redor.
Em breve eu seria obrigado a me acostumar a dormir sozinho
novamente, afinal, minha lesão estava praticamente curada e, tão logo
fosse liberado por Rosa, voltaria para Vancouver.

Ao despertar, automaticamente esperei sentir o calor do corpo de


Journey irradiando para o meu, mas fui tomada por uma intensa sensação
de vazio ao me dar conta de que ele não estava lá. Foi fácil demais me
habituar a dormir e a acordar ao seu lado.
O gosto amargo de todas as revelações do dia anterior permanecia em
minha boca. O nó na garganta ainda se fazia presente também. Queria
tanto que existisse um modo indolor de lidar com essas circunstâncias.
No entanto, não havia outra opção senão processar tudo aquilo, e
então seguir em frente de uma forma ou de outra.
Mais tarde, no decorrer daquele dia, recebi uma ligação que acabou se
tornando exatamente o que eu precisava.
— Oi, Verônica, tudo bem? — atendi.
— Olá, Katherine! Na verdade, não poderia estar melhor.
— Tem boas notícias? — Eu precisava mais do que nunca delas.
— Tenho, sim! Os seus leitores ficaram completamente eufóricos
com a ideia do evento, e não param de enviar mensagens para a editora
perguntando quando ele vai acontecer.
— Sério? Que máximo! Saber disso me deixou ainda mais
empolgada! Que bom que logo poderei ir a Toronto para conhecer todos
eles. Já temos uma data?
Verônica hesitou.
— Então... Eu sei que ficou em cima da hora, mas estávamos
tentando uma vaga em um lugar bastante específico, e houve um
cancelamento lá. Conseguimos reservar o horário da noite na Livraria
Postay, a maior da cidade, onde provavelmente também vai ser o seu
lançamento. Você conseguiria vir para Toronto amanhã? O evento
aconteceria na noite posterior.
— Nossa, assim tão rápido? — Fiz uma pequena pausa para processar
aquilo, mas logo percebi que não haveria uma oportunidade melhor do
que aquela. — Isso foi realmente inesperado, mas no melhor dos sentidos.
Com certeza eu consigo ir, Verônica. Pode contar comigo!
— Perfeito! Já vamos dar início à programação por aqui.
Entretanto, lembrei-me de um detalhe importante.
— Mas e os leitores? Será que eles conseguem se organizar em tão
pouco tempo?
— Não precisa se preocupar com isso. Lembra da lista que
disponibilizamos para que quem estivesse interessado preenchesse e
ficasse com a vaga reservada? Ela já lotou, temos até uma fila de espera.
Aliás, já pode anunciar a data em seu blog também.
— Caramba... Nem sei o que dizer. — Levei a mão até a boca,
impressionada. — Vou anunciar a data agora mesmo. Muito obrigada por
tudo, Verônica! Nos vemos amanhã.
— Por nada, Katherine. Estamos muito animados por aqui! Até
amanhã.
Desliguei o telefone e me joguei na cama, repetindo as palavras dela
em minha mente. Tinha até uma fila de espera!
Esse acabou sendo o momento perfeito para o evento. Era justamente
a fuga da qual eu precisava.
Queria mais do que tudo ter uma breve distração dos últimos
acontecimentos e do peso do segredo que eu guardava.
Ao menos um dos lados da balança da minha vida estava pendendo
bem no alto.
Imediatamente comecei a procurar pelos horários de ônibus e quartos
de hotéis disponíveis, mas fui interrompida por um e-mail de Verônica.
Katherine, mil perdões. Fiquei tão animada com a confirmação da
sua vinda que acabei me esquecendo de uma informação muito
importante. É a Editora que irá bancar os gastos da sua estadia para fins
profissionais aqui em Toronto. Em anexo estão suas passagens
rodoviárias e os detalhes da reserva no hotel.
Receber essa mensagem foi um verdadeiro alívio. Duas coisas a
menos com as quais me preocupar.
Logo na sequência, meu celular voltou a tocar.
— Katherine, você já viu o e-mail que te mandei?
— Acabei de ler. É um alívio não precisar correr atrás de tudo isso às
pressas.
— E você checou a data das passagens?
— Não cheguei a abrir os arquivos ainda. Por quê?
— Então... Eu também não sabia até agora, quando fui verificar. A
ida é para hoje à noite.
— Esta noite? Tem certeza? — questionei, assustada.
— Tenho... Desculpe, foi o setor responsável pelas viagens que
organizou tudo e me repassou. Ficaria muito ruim pra você?
— Na verdade, não. Só fiquei um pouco apavorada, mas vou dar um
jeito de me organizar.
— Ótimo! Peço desculpas mais uma vez pelo imprevisto.
— Está tudo bem, Verônica. Sem estresse.
Minha última frase foi pura encenação.
Eu tinha que correr.
Arrumar as malas e correr.
Escrevi rapidamente um post agradecendo o amplo interesse dos
leitores no evento e divulgando, finalmente, a data na qual ele aconteceria.
Em seguida, o publiquei no blog.
Ciente de que Journey o acompanhava, reuni forças para encará-lo
depois de o ter evitado na noite passada e no decorrer do dia de hoje.
Precisava contar pessoalmente sobre o evento e a viagem imediata.
Acordei instintivamente tateando o colchão em busca de Katherine.
Deparei-me apenas com o vazio ao meu lado.
Soltei um suspiro frustrado.
Não nos falávamos desde o dia anterior. Podia senti-la se
distanciando, e não apenas fisicamente, o que estava me deixando
realmente aflito.
Gostaria de resolver essa situação o quanto antes para aproveitarmos
juntos meus últimos dias em Stratford, mas entendia que não poderia
forçar a barra.
Quando ela processasse tudo e se sentisse pronta, me deixaria saber.
Ao menos era o que eu esperava.
À tarde, Rosa chegou para a sessão de fisioterapia.
— Ansioso? — indagou.
— Muito! Você já tem alguma previsão de quando poderá me
liberar?
— Assim que terminarmos vamos conversar sobre isso. — Pensei ter
visto um indício de sorriso em seu rosto.
Inevitavelmente, criei expectativas.
No momento em que Rosa finalizou, seu olhar se voltou ao meu, e
seu semblante de satisfação era nítido.
— Tenho uma ótima notícia, Journey. Aquela que você mais quer
ouvir desde que começamos.
Arregalei os olhos, surpreso.
— Não vai me dizer que...
Meu coração já estava aos pulos.
— Sim, é exatamente o que está pensando. Somando todas as nossas
sessões das últimas semanas com o cuidado que tomou, as falanges dos
seus dedos já estão em perfeito estado. Você está oficialmente liberado
para voltar a jogar!
— Obrigado, obrigado! — Não contive meu impulso de levantar para
abraçá-la. — Muito obrigada, Rosa!
Ela riu, tão feliz quanto eu por finalmente me deixar voltar aos
rinques.
— Bom, agora que meu trabalho aqui está concluído, só posso te
desejar boa sorte nos jogos. E vê se leva o Canucks para a final da Stanley
Cup!
— Pode deixar, é exatamente isso que pretendo fazer!
Desci para o primeiro andar logo atrás dela, ansioso para contar para
toda a minha família que, depois de semanas me dedicando à recuperação,
o dia tão esperado tinha chegado.
— Atenção aqui! — chamei, posicionado nos primeiros degraus da
escada.
Ezra, minha mãe e meu pai dirigiram seus olhares para mim,
curiosos.
— Adivinhem quem já pode voltar a jogar...
Um largo sorriso despontou no rosto dos três ao mesmo tempo.
— Tá brincando! — exclamou Ezra.
— É sério mesmo? — Meu pai levantou do sofá em um salto.
Minha mãe já avançava em minha direção.
— Que notícia maravilhosa, filho!
Todos vieram até mim e se juntaram em um abraço de comemoração.
— Foi tão fácil me acostumar a te ter aqui todos os dias... Vou sentir
sua falta — sibilou minha mãe, com as mãos segurando meu rosto.
— Eu também vou sentir, mãe. Mas essa é a minha vida... O período
que passei aqui foi apenas uma exceção. Quem sabe um dia eu acabe
jogando em um time mais perto, não é?
— Seria ótimo — ela prontamente concordou.
— Mas só depois de fazer o Vancouver Canucks ser campeão, não é,
Journey? — intimou Ezra.
— Sem dúvidas! E prometo que vou tentar fazer isso acontecer ainda
esse ano.
— Assim que se fala! — completou meu pai.
Logo que nos desvencilhamos, liguei para dar as boas novas a Rick.
— Finalmente, Journey! Estava ansioso para ouvir isso. E não poderia
ter sido em um momento melhor. Como já deve saber, nosso próximo jogo
será daqui a três noites, contra o Toronto Maple Leafs na arena deles.
Acha que já consegue se reunir com o time amanhã para treinar?
— Acho, não, tenho certeza! Mal posso esperar para estar de volta. Já
vou comprar a passagem daqui a pouco, inclusive.
Antes de desligar, pude ouvir Rick contando eufórico para quem quer
que estivesse ao seu lado que Journey Blake estava retornando.
Então era isso. Meus dias ininterruptos em Stratford haviam
terminado. O que significava que o espaço de tempo vendo Katherine
diariamente tinha acabado também.
Apesar da felicidade e do alívio que sentia por poder voltar a, enfim,
ajudar o time a alcançar seu objetivo, a incerteza de como nosso
relacionamento ficaria me deixava mais apreensivo do que seria capaz de
mensurar.
Nós precisávamos fazer tudo ficar bem o quanto antes. Eu precisava
dessa última noite ao lado dela.
Justamente quando estava pensando em Katherine, recebi uma
notificação de que havia postado no blog.
Meus olhos correram a tela do celular lendo suas palavras, até que as
últimas frases me fizeram paralisar.
Senti um calafrio percorrer minha espinha.
Ela estava indo para Toronto.
E eu não fazia ideia.
“Eu costumava acreditar
Que estávamos à beira de algo belo
Diga que iremos juntos pelos mais escuros dos dias
O paraíso está à uma decepção de distância
Nunca te deixarei, nunca me decepcione
Tem sido uma baita de uma jornada
Dirigindo à beira da faca
Eu não desistirei, me deixe te amar”
Let Me Love You – Justin Bieber ft. DJ Snake

Seria impossível me segurar por mais tempo e esperar até que


Katherine viesse.
Depois do que li, decidi que iria atrás dela.
Assim que abri a porta, no entanto, descobri que não precisaria fazer
isso.
Ela estava mesmo adentrando minha varanda, e chegou a levar um
susto quando me viu surgir repentinamente.
— Leu meus pensamentos? — brincou, apesar da sua expressão não
acompanhar a descontração.
Meu sorriso saiu mais fraco do que o esperado.
— Na verdade, eu também estava indo para a sua casa.
Katherine assentiu, mordendo o lábio inferior.
— Precisamos conversar — anunciou, assumindo um tom sério.
— É, precisamos — confirmei, constatando que sua brincadeira
realmente não tinha passado de uma fachada.
Como minha família estava do lado de dentro, segui em direção aos
degraus da varanda. Ela me acompanhou, sentando-se ao meu lado. Não
tão perto da maneira que normalmente faria, porém.
Era desolador como, individualmente, ela deveria estar tão feliz
quanto eu. Meu motivo era voltar a jogar; o dela, o evento com seus
leitores.
Entretanto, esses assuntos se tornavam mais complexos quando
tratados no plural. Quando a questão era o nosso relacionamento.
— Acabei de ler o que postou no blog — revelei, sem rodeios.
Katherine inalou o ar demoradamente antes de iniciar sua explicação.
Seus formidáveis olhos azuis desviaram do chão para irem de
encontro aos meus.
— Imaginei que leria, por isso vim até aqui o quanto antes. A editora
chefe me ligou hoje contando que houve um cancelamento no local que
estavam tentando reservar para o meu evento, que por acaso é a maior
livraria de Toronto, e me perguntou se poderia agendar. Fiquei tão
empolgada que concordei no mesmo instante. Foi tudo bem rápido e em
cima da hora... Já vai ser em duas noites, acredita? Você só não ficou
sabendo disso antes porque acabou de acontecer. Postei no blog para que
os leitores se organizassem e vim correndo para te contar.
Me senti um verdadeiro idiota por ter ficado tão aflito.
— Fui pego de surpresa ao ler aquilo e admito que logo me
preocupei, mas agora estou muito feliz por você, Kath, de verdade. É
incrível como as coisas estão bem encaminhadas e dando certo. Seus
leitores sempre serão seu maior apoio na carreira. Vá para Toronto e
aproveite cada segundo do sucesso pelo qual vem lutando desde os seus
dezoito anos. — Seus olhos cristalinos reluziram como o céu nos dias em
que não há nenhuma nuvem, em que não há nada além da sua imensidão.
Era o meu tipo favorito de dia. E, aqueles, os meus orbes azuis prediletos.

Depois de ouvir sua resposta, me senti tremendamente estúpida por


ter ficado tão nervosa antes de falar com ele.
— Seu apoio significa muito pra mim, Journey. Nunca vou me cansar
de agradecer.
— E eu nunca vou me cansar de te apoiar.
Sorrimos ostensivamente um para o outro ao mesmo tempo.
— Também tenho algo para contar — declarou ele, os olhos
cintilando de euforia — Acha que pode estender sua estadia em Toronto
por mais um dia?
Encarei-o, confusa.
— Rosa me liberou, eu já posso voltar a jogar — esclareceu, exibindo
um sorriso que mal cabia em seu rosto.
— Sério? Isso é incrível, Journey! Você estava contando os minutos...
— Nem me fala! Finalmente poderei ajudar o time. E adivinha: meu
primeiro jogo vai ser em três noites, contra o Toronto Maple Leafs na Air
Canada Centre. Estaremos na cidade ao mesmo tempo... Posso confirmar
sua presença, não é?
— Com certeza! Não perderei esse jogo por nada.
O sorriso dele se alargou ainda mais.
— Sabia que poderia contar com você. Ainda sobre isso... Terei que
viajar para Vancouver amanhã, preciso treinar o máximo que puder.
— Tudo bem, nós já sabíamos que em algum momento esse dia
chegaria... — Soei mais conformada do que realmente estava.
— Pelo menos ainda temos uma noite juntos.
Journey chegou mais perto e me envolveu com seus braços.
Hesitei, receosa com a notícia que ainda tinha para dar.
— Então... — Seus olhos fitaram os meus alarmados pela forma
como iniciei a fala, provavelmente prevendo o que seria dito em seguida.
— Foi o pessoal da editora que providenciou minhas passagens e a reserva
no hotel... Vou ter que viajar ainda hoje, Journey.
Ele desviou o olhar para o chão, cabisbaixo.
— Ah... — murmurou apenas, enquanto processava a informação.
Passou a me abraçar ainda mais forte.
Aninhados um no outro, mantivemo-nos imersos naquela despedida
silenciosa.
Eu me encontrava em um impasse.
Praticamente sem tempo, precisava arrumar as malas e organizar tudo
o quanto antes. No entanto, não queria me desvencilhar dele. Dos seus
braços ao meu redor. Do seu cheiro. Da sua presença.
O relógio corria contra mim, porém.
— Eu tenho que ir agora, Journey...
— Eu sei. Estava aproveitando cada segundo antes que dissesse isso.
Coloquei-me de pé, e ele me acompanhou.
Antes que eu tivesse a chance de virar para ir embora, Journey me
puxou para si e tomou minha boca em um beijo quase desesperado, como
se pudesse matar antecipadamente a saudade que sentiria.
Eu o retribuí avidamente.
Suas mãos se prenderam em minha cintura, enquanto as minhas se
infiltravam nos fios de seu cabelo.
Aos poucos, os movimentos frenéticos diminuíram a intensidade,
tornando-se suaves, degustando de cada instante que ainda tínhamos
juntos.
Só paramos quando fomos obrigados, necessitando de ar.
— Eu realmente preciso ir... — sussurrei com a respiração
entrecortada, minhas mãos espalmando seu peito.
— Tudo bem — ele respondeu, também ofegante. — Nos vemos em
três noites.
Journey uniu nossos lábios novamente, selando um último beijo.
— Nos vemos em três noites — reafirmei.
Encaminhei-me para casa sentindo seus olhos me acompanhando.
Devolvi o olhar antes de fechar a porta.
Se eu tivesse uma ínfima noção do que aconteceria três noites adiante,
não teria ficado tão ansiosa por esse momento.

— Eu sei que já falamos isso milhares de vezes, mas você é o nosso


maior orgulho, filha! — exclamou minha mãe enquanto descíamos as
escadas.
— Esse evento vai ser um sucesso, Katherine, assim como o seu
livro. Eu tenho certeza absoluta — completou meu pai, carregando minha
mala para o andar de baixo.
— Eu amo tanto vocês! Não sei o que faria sem seu suporte —
declarei, no exato momento em que ambos vieram me abraçar.
A buzina do táxi que me levaria até a rodoviária ecoou na frente da
minha casa.
Hora de ir.

Minhas expectativas de ter ao menos mais uma noite ao lado de


Katherine foram amargamente frustradas.
Entretanto, deixei o meu desejo egoísta de lado.
Aquele era um momento muito importante para ela, e a apoiaria sem
pestanejar. Além disso, era um alívio saber que não tardaríamos a nos ver
de novo.
Como tudo que sucedeu no dia anterior já tinha afastado Katherine o
suficiente, achei melhor não tocar no assunto. Ela me evitou até o
momento em que veio me contar sobre a viagem, e não queria que
voltasse a fazê-lo. Não queria a repelir ainda mais.
Estava disposto a seguir o exemplo que a incompreensível Candice
concedeu em sua carta: deixar o passado no seu devido lugar.
Isso envolvia me desfazer da caixa que ela me entregou.
Encontrei uma fita crepe na despensa da casa e prendi a tampa para
que ninguém da minha família a abrisse, principalmente minha mãe. Não
queria que seu conteúdo os machucasse como acabou acontecendo com
Katherine.
Redigi um bilhete escrito “caridade” e o colei na caixa, levando-a
para junto dos outros itens que iriam para a doação.
Mais tarde, depois de tanto tempo esperando por isso, comecei a
arrumar minhas malas.
Quando o dia amanheceu, despertei antes mesmo de o alarme tocar.
Era hora de voltar para o meu time, enfim.

Aproveitei o tempo livre do qual dispunha durante a viagem na


estrada para reler meu exemplar de O Começo de Tudo, da autora Robyn
Schneider.
Tive que me esforçar para desassociar o personagem principal da
imagem do meu cunhado, pois eles tinham o mesmo nome: Ezra.
Cheguei em Toronto tarde da noite, tomada pela exaustão.
Para minha sorte, quem quer que tenha providenciado a reserva no
hotel não se preocupou em economizar.
Quando adentrei meu quarto no The Ritz-Carlton Toronto, tive a
certeza de que uma boa e confortável noite de sono estava garantida.
Meus compromissos na Editora Stevia começaram na tarde seguinte,
e eles se estenderam durante o restante daquele dia, e também do
posterior.
Ocupamos cada minuto da minha estadia na cidade organizando o
evento e os detalhes de como tudo aconteceria.
Além disso, dei algumas entrevistas para os jornais e revistas locais,
divulgando o romance que eu estava escrevendo.
Em conjunto com a equipe da editora, determinamos os detalhes da
capa e os elementos da diagramação do livro.
Journey e eu conseguimos nos falar apenas brevemente por ligações e
mensagens. Seu tempo estava tão atribulado quanto o meu. Ele, inclusive,
solicitou o endereço de onde eu havia me hospedado, e passei sem ter
ideia do motivo.
Foram tantos afazeres e reuniões durante um dia e meio que esse
espaço temporal pareceu voar.
Inacreditavelmente, já estava no quarto do hotel me arrumando para o
evento.
Usei um vestido azul egípcio divino, justo até a cintura, sendo o
restante do comprimento feito de um tecido esvoaçante.
Nós pés, calcei uma sandália preta de tiras e saltos finos.
Ao ver meu reflexo no espelho, admito que aparentava ser um pouco
demais para a ocasião, mas aquele momento era tão importante para mim
que eu simplesmente não conseguiria vestir algo mais simples.
Minha atenção se voltou ao meu celular quando a tela se acendeu ao
receber uma notificação.
Estou enviando essa mensagem antes de embarcar no avião com o
resto do time pra te desejar boa sorte, meu amor. Aproveite cada segundo
desta noite, você merece demais tudo o que está acontecendo. Sempre vou
estar aqui, ansioso por te ver brilhar ainda mais. Te amo.
Respondi a mensagem de Journey em questão de segundos.
Ler meu amor despertou aquela sensação conhecida em meu
estômago quase que instantaneamente.
Seus efeitos sobre mim jamais cessariam.
No horário combinado, o carro enviado pela editora chegou para me
buscar.
Ao chegar em frente à livraria, Verônica veio ao meu encontro e,
juntas, adentramos o local causando um burburinho entre as inúmeras
pessoas que já estavam presentes.
Olhei para ela, espantada com a quantidade de leitores que me
aguardavam. Verônica retribuiu o olhar, exalando satisfação.
Não tardei a sentir as lágrimas de emoção e felicidade surgindo, e
precisei me esforçar para não as derramar.
Mal conseguia acreditar que toda aquela gente foi lá por mim. Que,
de fato, liam o que eu escrevia, e, o mais importante de tudo, o meu
verdadeiro propósito: que eu estava conseguindo interferir em suas vidas
de uma forma positiva, ao ponto de elas desejarem me conhecer.
No meio daquela multidão, uma das pessoas que eu sempre
reconheceria dentre tantas outras se destacou. E ela já estava caminhando
em minha direção.
— Essa é minha garota! Você está maravilhosa, Kath! — exclamou
Natasha, visivelmente impactada. — Não tenho dúvidas de que está
vivendo o seu verdadeiro destino.
— Não acredito que está aqui! — pronunciei, puxando-a para um
abraço.
— Eu jamais perderia esse evento. Estarei presente em cada passo da
sua jornada, e isso é uma promessa. Agora vai lá, porque essas pessoas já
estão ansiosas.
Ela se desvencilhou de mim e, delicadamente, me impulsionou para a
frente.
Meu sorriso estava escancarado, incapaz de ser contido.
Sem refrear minha animação, fui até o local reservado para mim.
Pegando o microfone, cumprimentei e agradeci a todos pela sua
presença.
Iniciei meu discurso contando sobre como comecei a escrever, sobre a
partida impensada e a primeira publicação editorial que até vingou, apesar
de a minha carreira ter, subsequentemente, fracassado.
Detalhei, aos poucos, quase toda a minha trajetória.
Mencionei que voltei a escrever e a publicar no blog acreditando que
ninguém me acompanharia por lá, de forma que toda a audiência que
recebi foi uma grande surpresa.
Agradeci imensamente o apoio de cada um dos leitores que lá se
encontravam, pois, se não o tivesse recebido, não chegaria a lugar algum.
Senti com todas as células do meu corpo que estava fazendo a coisa
certa, que estava exatamente onde deveria estar.
Finalmente vivenciei de novo uma experiência que antes presumia
que jamais voltaria a acontecer. Da qual já havia perdido as esperanças.
Entretanto, lá estava eu, sentindo cada emoção como se fosse a
primeira vez.
Aquele era o meu momento. Todinho meu. E todas aquelas pessoas se
deslocaram até lá para compartilhá-lo comigo. Para compartilhar da minha
felicidade. Sem elas nada daquilo faria sentido.
Precisei respirar fundo mais de uma vez para conseguir conter as
lágrimas.
A noite prosseguiu se mostrando mais incrível do que eu poderia
sequer imaginar. Meu sorriso não desapareceu nem por um segundo.
Depois do bate-papo que Verônica intermediou, no qual revelei
algumas coisas sobre o livro novo para deixar os leitores ainda mais
curiosos, além de responder a cada uma de suas perguntas, tive mais
certeza do que nunca de que jamais pararia de escrever novamente.
Se dependesse de mim, eu continuaria compartilhando minhas
palavras para sempre, buscando fazer alguma diferença, mesmo que
pequena. Visando fazer com que alguém se sentisse melhor ao ler o que
escrevi. Ou então, deixando que soubessem que não estavam sozinhos,
que não eram os únicos a sentirem tudo aquilo que transcrevia para meus
textos e poesias. E, agora, também para um romance.
Quando o último leitor foi embora da livraria, permiti que um longo
suspiro escapasse. Eu me sentia completamente exausta. E, ao mesmo
tempo, completamente realizada.
— Kath! Kath! Você já viu isso?! — Natasha vinha em minha
direção, exasperada, a íris castanha resplandecendo. — O primeiro livro
que publicou está entre os trinta mais vendidos do Canadá!
— Como é que é? — perguntei, sem conseguir acreditar.
— Veja por si mesma!
Ela me entregou seu celular, sorrindo sem parar, e vi a tela aberta no
ranking de vendas de todas as livrarias do país. Era mesmo verdade!
Inimaginavelmente, o livro que publiquei no passado havia voltado
para a lista de best-sellers.
Fiquei pasma. Totalmente chocada enquanto tentava assimilar esse
fato.
— Isso é... Surreal — esbocei, boquiaberta. — Como você descobriu?
— Foi uma das suas leitoras quem me contou. Ela própria tinha
acabado de comprar um exemplar para aplacar a espera pelo seu novo
romance. Acho que eles estão tão ansiosos pelo seu livro que começaram
a comprar o antigo para matar um pouco da vontade.
Essa era mais uma surpresa que a vida colocava no meu caminho.
Mais uma das coisas que eu jamais esperaria viver novamente. A jornada
vinha sendo repleta delas. E, sinceramente, eu não tinha objeção alguma.
Meu coração estava cheio, cada válvula dele sabia da grandiosidade
daquilo. Do quanto significava.
Senti-me ainda mais satisfeita por termos organizado essa noite. Meus
leitores mereciam todo o reconhecimento pelo que estavam fazendo por
mim, por todo apoio que empenhavam à minha carreira.
— Lembro bem de quando éramos adolescentes e você vivia dizendo
que um dia seus livros estariam nas prateleiras das livrarias. Você tinha
razão! E além disso, eles não vão estar em qualquer prateleira, estarão nos
destaques!
O sorriso que cresceu em meu rosto não estava nem perto de
desaparecer.
— Você se importaria de me beliscar para ter certeza de que não estou
sonhando?
— Pode acreditar que tudo isso é real, Kath, e a cada dia mais. E
sobre hoje, você foi incrível! Fiquei emocionada com o carinho que essas
pessoas demonstraram sentir por você e pelo que escreve. Estou tão
orgulhosa... E tenho que admitir que muito cansada, também. — Natasha
não conseguiu conter um bocejo. — Aguentei firme até agora, mas eu
preciso de uma cama. Vou voltar para o meu hotel, mas faço questão de te
ver amanhã.
— Nenhuma palavra seria o suficiente pra te agradecer por ter estado
aqui comigo, Nat, você que é incrível! Imagino que deva estar tão acabada
quanto eu, então vai descansar. E concordo plenamente sobre nos vermos
amanhã.
Demos um abraço de despedida, e só então ela deixou a livraria.
Verônica me parabenizou por conseguir despertar tanto engajamento
naquelas pessoas, agradeceu por eu ter conseguido vir e se desculpou,
mais uma vez, pela forma como tudo foi corrido e em cima da hora.
Só o que importava, porém, era que deu tudo certo. Que tudo correu
muito melhor do que o planejado.
Eu sentia meu coração vibrar, como se dissesse que eu havia nascido
para aquilo.
Uma afirmação com a qual eu não poderia concordar mais.
Assim como tinha desejado, consegui me distrair de todo o resto
durante essa noite.
Foi, sem sombra de dúvida, a fuga perfeita.
Mas a realidade não tardaria a cobrar que eu retornasse para ela.
“Eu lembro do que você usou no nosso primeiro encontro
Você entrou na minha vida e eu pensei
Ei, sabe, isso poderia dar em alguma coisa
Porque tudo o que você faz e as palavras que você diz
Você sabe que tudo isso me deixa sem ar
Então, talvez seja verdade
Que eu não consiga viver sem você
E talvez dois seja melhor do que um”
Two Is Better Than One – Boys Like Girls ft. Taylor Swift

Ao chegar a Vancouver, fui direto para o meu apartamento.


Antes, a solidão não me incomodava. Agora que eu sabia como era
não estar rodeado por ela, no entanto, parecia que havia até ar demais
naquele espaço.
A cada cômodo escuro percorrido, mais ela me atormentava. Tudo
parecia exageradamente grande.
Nunca tinha me sentido dessa forma, e estava ciente de que as coisas
jamais voltariam a ser como no passado recente, quando minha vida ainda
seguia seu fluxo normalmente.
Mesmo sem saber como isso era possível, notei a ausência de
Katherine em um lugar onde ela nunca esteve.
Perturbado pelo peso do silêncio, me organizei depressa e fui para a
Rogers Arena para finalmente me reunir com o resto do time.
Cada evento que sucedeu parecia inédito. Voltar a dirigir o carro que
eu tanto gostava, meu Jeep Mercedes-Benz G550 preto, o caminho da
arena, passar pelos seus portões e adentrar seu estacionamento.
Desfrutei de cada detalhe dessas pequenas coisas enquanto voltava a
vivenciá-las.
— Seja bem-vindo de volta, campeão! — Rick me recebeu com um
sorriso que mal cabia em seu rosto. — Sei que já falei isso inúmeras
vezes, mas sentimos muito a sua falta.
— É incrível finalmente estar de volta, eu não via a hora! E aí,
Canucks, prontos para erguer a taça Stanley?
O restante do time, animado, também já vinha em minha direção para
dar as boas-vindas.
No primeiro treino, foi notável o quanto eu ainda precisava recuperar
o ritmo. Tomar todo o cuidado que Rosa recomendou me ajudou a
melhorar o mais rápido possível, mas não ter podido nem ao menos correr
era algo que me prejudicava.
Teria que me esforçar arduamente para conseguir voltar com tudo.
Durante todo aquele dia e o seguinte ou eu estive em cima do gelo,
aperfeiçoando meus movimentos, ou dentro da academia, correndo na
esteira, me dedicando a recuperar minha melhor forma.
Katherine e eu acabamos não conseguindo conversar muitas vezes,
nem por muito tempo, mas ligamos e trocamos mensagens sempre que
podíamos. As últimas vinte e quatro horas foram tão corridas para ela
quanto para mim.
Na noite do seu evento, antes de o time embarcar para Toronto, enviei
mais uma mensagem desejando boa sorte e enfatizando o quanto estava
orgulhoso. Quase deixei escapar uma dica sobre o simbólico presente que
mandaria entregar em seu hotel, mas consegui me segurar.
Faltava pouco para estarmos juntos novamente.

Quando o dia do jogo finalmente chegou, eu já estava conformado


com o fato de que não atuaria nos três tempos da partida. Muito
provavelmente entraria apenas no último. Mas estava mais do que
disposto a fazer aqueles vinte minutos valerem a pena.
Elegantemente arrumados vestindo nossos ternos, começamos a nos
dirigir até a Air Canada Centre para enfrentar o Toronto Maple Leafs.
Eu mal conseguia conter a agitação por estar de volta aos rinques,
enfim.

Por mais que estivesse cansada, acordei cedo no domingo para assistir
à corrida da Fórmula 1 na grande televisão da recepção do hotel e, com
medo de perder a largada, acabei pulando o café da manhã.
Christopher vinha se mantendo na segunda posição, esperando o
momento de abrir a asa móvel para tentar ultrapassar o líder.
Notei quando dois entregadores com o uniforme de uma
transportadora adentraram o saguão carregando um pacote não muito
grande.
— Com licença — Pararam em frente ao balcão de atendimento. —
Temos uma encomenda endereçada à senhorita Katherine Cohen, que está
hospedada neste hotel. — Os ouvi anunciar.
Pasma, ponderei se escutei direito ou se podia ter me confundido.
Resolvi prestar atenção à conversa para ter certeza. Afinal, eu não tinha
encomendado nada.
— Por gentileza, poderia repetir o nome? — pediu o recepcionista.
— Claro, é Katherine Cohen. Katherine com “K” e Cohen com “C”.
Não restava mais dúvida alguma.
Levantei-me do sofá na mesma hora, avançando na direção deles com
a curiosidade plenamente apurada.
— Uma entrega para mim? E mandaram aqui para o hotel? — Não
sei se minha pergunta foi direcionada mais a eles ou a mim mesma,
desacreditada do que estava acontecendo.
Eram pouquíssimas as pessoas que sabiam onde eu estava
hospedada.
— Nossa, essa foi fácil! — Um dos dois comemorou.
— Você é Katherine Cohen? — o outro indagou.
— A própria — afirmei.
Eles ainda aguardaram o recepcionista averiguar as informações do
quarto para ver se batiam com o destinatário. Quando ele confirmou, os
entregadores solicitaram que eu assinasse o comprovante de entrega e,
enfim, me alcançaram o pacote.
Ansiosa para abrir, voltei rapidamente até o sofá.
Verifiquei o remetente: Vancouver.
Journey, só podia ser. E fazia todo sentido, pois ele perguntou o
endereço do hotel.
Ainda mais instigada a descobrir qual era o conteúdo dentro daquela
caixa, rasguei a embalagem sem muito cuidado, até conseguir abri-la.
Bem em cima havia um cartão postal da cidade e, no verso, algumas
palavras redigidas à mão.

Mal posso esperar para te ver de novo. Imagino o quanto ficará linda
vestindo isso.
Até logo, do seu
Journey Blake.

Sorri automaticamente ao ler o que ele tinha escrito.


Apesar de pensar que eu precisava da fuga dos últimos dias, mal
podia esperar para vê-lo de novo também.
Dessa vez com cuidado, puxei o papel cetim no qual o presente estava
embalado, e então ele se revelou.
Levantei-o diante de mim, admirada. Sabia que poderia esperar algo
assim.
Era uma jersey do Vancouver Canucks exatamente do meu tamanho.
O sobrenome e o número estampados nas costas? Blake, 11.
Subi para o meu quarto e imediatamente a vesti, o peito inflando de
orgulho.
Cogitei enviar uma mensagem para Journey agradecendo, mas decidi
que faria isso pessoalmente depois do jogo, quando ele me visse usando-a.
Desci novamente até a recepção, descobrindo que a corrida já estava
nas últimas voltas, promovendo uma disputa acirrada.
Christopher conquistou a liderança, mas precisava se manter firme
para resistir às tentativas de ultrapassagem do piloto que vinha logo atrás.
Natasha me ligou bem naquela hora.
— Bom dia, amiga famosa! Gostaria de informar que estou tomando
café da manhã enquanto leio sua entrevista para o Diário de Toronto.
— Sério? Nossa, eu não sabia que eles já publicariam, foram muito
rápidos! E ficou boa?
— Está brincando? Ficou ótima! Quer que eu leve o jornal junto
quando nos encontrarmos?
— Quero, sim! Falando nisso, onde e quando vamos nos ver?
— Assim que terminar de tomar café irei até o seu hotel, já que ele
fica perto de tudo. Por mim poderíamos visitar alguns lugares, ter uma
tarde de turistas... O que acha?
— Acho uma ótima ideia. Vou te esperar aqui, então.
Incapaz de me controlar, fiquei ansiosa para ver minha foto
estampada nas páginas impressas e acinzentadas novamente.
Logo que desligamos, os pilotos já se encaminhavam para a última
volta.
Mais uma vez, Christopher garantiu o topo do pódio, mantendo-se na
liderança do campeonato.
Depois de duas temporadas bastante difíceis, ele finalmente estava
reagindo e atingindo seu potencial máximo.
Pude ser uma torcedora da equipe vermelha feliz, enfim.

Natasha chegou ao The Ritz quase uma hora depois da nossa ligação,
logo me entregando o jornal para que eu pudesse ler a entrevista na qual
falei sobre a retomada do meu blog e, principalmente, sobre o livro que
estava escrevendo.
Como ela havia dito, a matéria ficou realmente ótima, e guardei
aquela página no meu quarto sabendo que, muito provavelmente, a
colocaria junto dos recortes que fiz no passado todas as vezes em que
apareci nas mídias impressas. Possuía um apego sentimental por isso.
Conforme o combinado, aproveitamos aquela tarde passeando por
Toronto.
Como meu hotel tinha uma localização excelente, pudemos ir
caminhando para os lugares que queríamos visitar, os quais eram bem
próximos um do outro.
Começamos pelo estádio de beisebol Rogers Centre, e de lá fomos
para a CN Tower, um dos símbolos mais marcantes dos cartões postais da
cidade. Por fim, visitamos o Toronto Railway Museum, que ilustrava a
história da ferrovia.
Nós não falamos sobre nenhum assunto pesado durante os passeios.
Permanecemos sob uma redoma de leveza e descontração.
Quando o entardecer anunciou sua chegada, nos encaminhamos para
o Real Sports Bar, que se localizava dentro do complexo da Air Canada
Centre, planejando ficar por lá até o horário de entrar na arena.
Aquele estabelecimento era muito maior do que parecia pelo lado de
fora, dispondo de um amplo salão e até de mezaninos. O ambiente interno
já estava escurecido, destacando as luzes de led azuis, cor do Toronto
Maple Leafs.
Aliás, como praticamente todos os frequentadores do local torciam
para o time adversário, deixei minha jersey do Canucks dentro da bolsa.
Conseguimos uma mesa no primeiro andar, bem em frente à tela
gigantesca exposta na parede principal do bar.
Um garçom se aproximou para anotar nossos pedidos.
Natasha escolheu hambúrguer com batatas fritas, enquanto eu apenas
uma garrafa de água.
— Você não vai se alimentar? — indagou, receosa.
— Acho que não vou conseguir comer nada agora. Estou começando
a ficar nervosa.
Começando, não. Já estava.
Tanto pela saudade que sentia de Journey e pela ansiedade em revê-
lo, quanto pelo assunto inacabado que possuíamos. Pela revelação que eu
ainda precisava fazer. Além disso, ainda não havíamos discutido sobre a
logística do nosso relacionamento, pois, depois de hoje, não sabia quando
voltaríamos a nos ver.
Eu retornaria para Stratofrd. Ele, para Vancouver e para onde mais os
jogos do restante da temporada o levassem.
— Espero que ao menos tenha tomado um café da manhã bem
reforçado, então — retrucou Natasha.
Assenti, omitindo o fato de que, na verdade, nem o tinha tomado.
— Senti sua ausência nos últimos dias, Nat, mas aconteceram tantas
coisas ao mesmo tempo que acabei esquecendo de te chamar pra
conversar. — Troquei de assunto.
— Eu sei, também senti a sua. Desculpe pela minha distância. Acabei
ficando meio ocupada.
— Ah, sim. Até imagino como... Ou melhor, com quem.
Ela sorriu timidamente.
— Então, esperei até ter certeza absoluta para contar... Agora, sim,
está rolando.
— Você e Ezra? Mesmo?
— Mesmo.
— Isso faz de nós, além de melhores amigas, concunhadas? —
Abafei uma risada.
— Acredito que sim.
Seus olhos sorriam junto com a boca.
— Qual sua opinião sobre isso?
— Ué, Nat, nenhuma. Se você estiver feliz, eu estarei feliz. E
torcendo para que dê tudo certo.
— Muito obrigada, Kath. É um alívio ouvir isso, confesso que estava
com um pouco de medo da sua reação. Mas enfim... Entre você e Journey
também está tudo bem, né?
Soltei um suspiro desolado, deixando-a alarmada.
— Aconteceu alguma coisa?
— Você não faz ideia...
Então passei a contar sobre a gravidez interrompida de Candice, sua
despedida, a carta e a cena com os fotógrafos. Contei que evitei Journey
até ter que lhe avisar sobre a viagem repentina e sobre como não tocamos
mais naquele assunto.
Natasha ficou boquiaberta.
— Caramba, eu não fazia ideia! E você teve que ouvir todas aquelas
coisas depois de ter passado por aquilo... Nem consigo imaginar o quanto
deve ter sido difícil.
— Nem tente, melhor se poupar disso.
— E Journey ainda não sabe?
Respirei profundamente mais uma vez.
— Ainda não.
Chegando perto do início do jogo, nos encaminhamos para o lado de
dentro da arena, e voltei a vestir minha jersey especialmente personalizada
do Vancouver Canucks.
Na Air Canada Centre, bandeiras pendiam do telhado com os
sobrenomes, números e rostos dos jogadores do Leafs. Eles, por sinal,
estavam mesmo adentrando o rinque para o aquecimento, riscando o gelo
por cima da folha de plátanos que era o símbolo do time, estampada no
centro da pista.
Logo depois, foi a vez dos Canucks.
Como a cor predominante do time da casa também era azul, dessa vez
Journey e os outros jogadores vestiram o uniforme branco.
Um pouco antes de começar a se aquecer, ele me procurou no meio
dos torcedores, e não deve ter sido difícil me encontrar, pois eu acenava
freneticamente para chamar a sua atenção.
Depois que ambos os times tinham aquecido, eles entraram um após o
outro no rinque, patinando para lados opostos.
O jogo começou pontualmente. As equipes se posicionaram frente a
frente, e o árbitro jogou o disco para o primeiro face-off.
Deu-se início, assim, à disputa incessante pela sua posse, que
discorreria até o final da partida.
Journey ainda não estava jogando, provavelmente em consequência
do tempo que passou fora e da falta de treino.
O Vancouver Canucks dominava o jogo no começo. Um pouco
depois, porém, o adversário alcançou o mesmo nível, e a situação
começou a ficar mais difícil.
Para atiçar nosso nervosismo, o Toronto Maple Leafs marcou seu
primeiro ponto. A buzina ressoou, e “You Make My Dreams”, o rock
clássico de Hall & Oates, tocou na sequência. Essa era a música tema dos
gols deles.
Após quinze minutos de intervalo, nosso time retornou para o
segundo tempo visivelmente mais enérgico e com sede de vitória.
Confirmando isso e apaziguando os ânimos, o Vancouver Canucks
pontuou após algumas tentativas, e foi a vez de ouvirmos “Holiday”, do
Green Day, repercutir pela arena.
No entanto, não foi Journey quem marcou o ponto, pois ele ainda não
estava dentro do rinque.
Finalmente, quando os jogadores patinaram de volta à pista para o
terceiro e último tempo, vi que ele estava no meio deles.
Seu ritmo não era o mesmo do último jogo que assisti, mas isso já era
esperado depois de semanas fora da sua rotina.
No entanto, ele foi mantido na sua posição usual de centro.
Perto dos minutos finais, com a partida ainda empatada, o ala-
esquerda roubou a posse do disco e o lançou para Journey, que já estava
estrategicamente posicionado.
Com uma tacada rápida e habilidosa, ele o arremessou contra a
goleira adversária.
Após semanas longe dos jogos, dos rinques e do time, no seu tão
aguardado retorno à temporada, Journey Blake marcou o seu ponto. Ele
estava oficialmente de volta.
A torcida do Leafs silenciou, enquanto a do Canucks explodiu em
comemoração. Ouvimos Holiday tocar novamente e, dessa vez, Natasha e
eu até dançamos no ritmo de sua melodia, tamanha era nossa euforia.
Depois de comemorar merecidamente com o time, Journey se
aproximou do vidro que separava o rinque das arquibancadas, olhando
fixamente na minha direção.
Ele apontou o dedo para mim, movendo os lábios lentamente até
terminar de formular a frase esse eu marquei pra você.
Um arrepio me subiu pela espinha e percorreu todo o meu corpo.
Eu sentia como se as batidas do meu coração estivessem mais
estrondosas do que os torcedores.
Exibi um sorriso escancarado de orelha a orelha em resposta,
sibilando eu te amo logo em seguida.
Todos voltaram às suas posições para recomeçar a partida através de
mais um face-off, e o placar se manteve o mesmo até o final do jogo,
consagrando a vitória para o Vancouver Canucks.
Todos patinaram na direção de Journey, comemorando sem parar.
Depois que os jogadores deixaram o rinque e participaram das
entrevistas pós- jogo, nós nos encontramos ainda dentro da arena, que já
havia se esvaziado quase por completo.
Eu corri para abraçá-lo.
— Parabéns pela vitória, pelo seu ponto, por tudo! Você foi
absolutamente incrível! — falei, agitada, totalmente contagiada pela
empolgação do ambiente e da torcida.
Journey retribuiu o abraço na mesma intensidade, me rodopiando no
ar.
Apreciei cada segundo em que voltava a sentir seu corpo junto do
meu.
— Obrigado por ter vindo, Kath, te ter aqui fez toda a diferença.
Entendeu o que eu falei naquela hora? O ponto foi para você,
exclusivamente para você.
— Entendi, sim, e amei a dedicatória. — Meu coração palpitou
novamente com a lembrança daquele momento. — E você, conseguiu
decifrar minha resposta?
O sorriso em seu rosto aumentou de tamanho.
— Consegui. Eu também te amo, e muito. Senti tanto a sua falta...
Ele não tirou as mãos de mim desde que nos abraçamos. Uma delas
estava fixa em minha lombar, a outra, brincando com os fios do meu
cabelo.
— Também senti a sua. — Meu olhar estava focado em retribuir o
dele.
Natasha limpou a garganta ruidosamente.
— Ainda estou aqui, pessoal...
Rindo, nos desvencilhamos para que eles pudessem se cumprimentar.
— Parabéns pela vitória, Journey, foi um jogo bem emocionante.
Voltei a ter esperanças de chegarmos à final.
— Muito obrigado, Nat. Espero que isso possa acontecer.
Acho que eles começaram a falar alguma coisa sobre Ezra, mas não
consegui prestar atenção para ter certeza.
Repentinamente, tudo ao meu redor começou a girar. Eu tentava falar
alguma coisa, mas as palavras simplesmente não saíam.
Aos poucos, comecei a perder o controle sobre o meu corpo.
Sentia que meus olhos ainda estavam abertos, mas minha visão estava
completamente embaçada, o que foi piorando gradativamente.
Ouvi vozes que pareciam estar a quilômetros de distância.
— Ela está muito pálida!
— Kath, consegue me escutar?
Não enxerguei mais nada além da escuridão na minha frente.
De repente, tudo se apagou.
“Amar pode doer às vezes
Mas é a única coisa que eu sei, quando fica difícil
Você sabe que pode ficar difícil às vezes
É a única coisa que nos mantém vivos
Nós mantemos este amor numa fotografia
Onde nossos olhos nunca fecham
Nossos corações nunca estiveram partidos
E o tempo está congelado para sempre
E se você me machucar, tudo bem, querida
Apenas palavras sangram
E eu nunca te deixarei ir
Espere por mim para voltar para casa”
Photograph – Ed Sheeran

Achei que meu coração tivesse parado de bater quando vi Katherine


empalidecendo, sem esboçar reação alguma.
Natasha e eu a chamamos, mas ela não emitiu nenhuma resposta.
Quando seu corpo desfaleceu, por sorte e sem entender como fui
capaz em meio ao desespero, consegui segurá-la bem a tempo de impedir
que se chocasse contra o chão.
Fiquei completamente apavorado ao vê-la imóvel e desacordada em
meus braços.
Foi como se o mundo tivesse parado de girar naquele momento.
Como se tudo estivesse fora de controle.
— Socorro! Socorro! Alguém ajuda aqui! — Natasha saiu correndo e
gritando pela arena.
Não tardou até que os paramédicos aparecessem.
Cuidadosamente, colocamos Katherine em cima do mesmo tipo de
maca que era utilizada para retirar os jogadores do rinque, e eles
carregaram-na em direção à enfermaria do complexo da Air Canada
Centre, seguidos de perto por mim e por Natasha, ambos dominados pela
adrenalina.
Quando chegamos ao destino, eles a conduziram até uma sala fechada
para examiná-la, e pediram para que aguardássemos do lado de fora.
Juntaram-se a angústia de ter que aguardar sem fazer ideia do que
estava acontecendo com as tentativas de refrear o nervosismo e a
preocupação que não paravam de crescer.
O médico oficial do Toronto Maple Leafs adentrou o local, seguindo
para onde tinham levado Katherine.
— Você tem alguma ideia do que pode ter acontecido? — perguntei a
Natasha, incapaz de continuar suportando o silêncio que só me deixava
mais apreensivo.
— A Kath não estava doente nem nada do tipo... Ao menos não que
eu saiba. Passamos a tarde inteira juntas, e ela não se queixou de nada. —
Ela uniu as sobrancelhas, pensativa, até que sua expressão se suavizou. —
A não ser que... Claro, só pode ser isso! Ela não comeu praticamente nada
hoje, Journey. Não me acompanhou na refeição no Real Sports Bar com a
desculpa de que estava nervosa, e quando falei que esperava que ela ao
menos tivesse tomado um café da manhã reforçado, não me respondeu.
Deve ter desmaiado de fraqueza ou desidratação.
— Até que essa hipótese faz sentido. Vou torcer para que seja apenas
isso mesmo. — Fiquei um pouco mais calmo depois da constatação de
Natasha e tentei me agarrar a essa tranquilidade para mantê-la comigo.
Nesse momento eu precisava ser razão, não emoção.
Na teoria era bem mais fácil do que na prática.
Após mais algum tempo esperando, finalmente o médico do time veio
nos dar informações.
— Vocês podem ficar tranquilos, não é nada grave. A senhorita
Katherine ficou desidratada e com um índice muito baixo de glicose no
sangue, pois não se alimentou nenhuma vez durante o dia. Ela já acordou
e foi quem respondeu aos nossos questionamentos, inclusive. Está
recebendo medicação intravenosa agora. Já podem ir vê-la, se quiserem.
Natasha e eu caminhamos a passos rápidos até a sala onde Katherine
estava.
Meu corpo todo reagiu quando a avistei.
Seu rosto, apesar de ter recuperado um pouco da cor, continuava
pálido. Os cabelos estavam úmidos, denunciando o quanto havia
transpirado. A aflição em seus olhos começou a se esvair quando nos viu
entrar.
— Você está bem? — indaguei, preocupado, aproximando-me dela.
— Ainda me sinto um pouco fraca, mas foi um verdadeiro alívio
acordar e perceber que eu estava enxergando novamente. Desculpe por ter
assustado vocês — murmurou, a voz emitindo um som baixo, seu olhar
assumindo uma feição triste.
— Não precisa se desculpar por nada, Kath. Mas, na próxima vez,
vou me certificar de que você comeu nem que eu tenha que enfiar a
comida na sua boca. — Natasha conseguiu fazê-la sorrir, e, ainda que
fosse um sorriso fraco, eu fiquei muito grato por isso.
— Ficamos tão desesperados... Eu não sabia o que fazer quando você
caiu nos meus braços — desabafei, acariciando seu rosto e afirmando para
mim mesmo que o pior já tinha passado.
— Está tudo bem, foi só um susto — respondeu ela, colocando a mão
sobre a minha, tranquilizando-me.
— E que susto... — completou Natasha, tão próxima quanto eu
também estava, porém do outro lado da maca.
Permanecemos lá por mais de uma hora enquanto o restante do soro
era injetado em Katherine. Passamos o tempo atualizando uns aos outros
sobre os últimos dias, tentando nos distrair.
Ela contou cada detalhe do evento com seus leitores, o que desconfio
que ajudou na recuperação, pois as lembranças deixaram-na tão feliz que
seus olhos, antes cabisbaixos, voltaram a brilhar. Notei que o azul deles
combinava com o azul da jersey do Vancouver Canucks.
Meu presente, aliás, ficou ainda mais bonito nela do que eu havia
imaginado.
Eu contei sobre o retorno aos rinques e o quanto precisaria treinar até
voltar à mesma forma de antes, aproveitando para explicar por que só
joguei no último tempo.
Natasha, por sua vez, nos deixou a par de sua recente relação com
Ezra, que se estreitava cada vez mais. Pelo que pude entender, não tardaria
para que mais um prato fosse colocado à mesa dos Blake.
Visivelmente mais forte e corada, Katherine foi, enfim, liberada, e
começamos a nos organizar para voltar ao hotel onde estava hospedada.
Natasha só foi embora depois de prometermos que a manteríamos
informada e que a chamaríamos caso precisássemos de alguma coisa.
Quando chegamos ao The Ritz fui até a recepção e, após me certificar
de que a cozinha ainda estava funcionando por causa do horário, pedi o
jantar.
Dentro do elevador, Katherine passou a mão pelos cabelos, sentindo o
quanto estavam úmidos.
— Preciso de um banho — anunciou, com repulsa —, até as minhas
roupas estão molhadas.
Logo que entramos no quarto, guiei Katherine em direção ao
banheiro.
Ajudei-a a tirar a roupa e a entrar no box, esperando do lado de fora
até que estivesse pronta, com medo de que pudesse escorregar ou até cair.
Naquele momento, mesmo vendo-a nua em minha frente, eu seria
incapaz de sentir desejo. Tudo o que queria era que ela ficasse bem, e o
quanto antes.
Depois que vestiu seu pijama, ela se sentou na cama e começou a
pentear os longos fios castanhos.
Enquanto o fazia, o jantar chegou.
Fui até a porta para buscá-lo e, assim que o coloquei diante dela, seu
estômago roncou.
Ela alternou o olhar do prato para sua mão.
Entendendo o impasse em que se encontrava, anunciei:
— Pode comer, Kath. Deixe que eu termino.
Apanhei o objeto da sua mão, e, ao mesmo tempo em que ela jantava,
terminei de escovar seus cabelos cuidadosamente.
Quando não restava mais comida em seu prato, pus a bandeja em
cima da pequena mesa no canto do quarto e sentei-me ao seu lado.
Mesmo que toda a aflição inicial já tivesse se dissipado, eu
continuava preocupado.
Katherine esticou a jersey que vestia, chamando a atenção para ela.
— Ainda não tive a chance de dizer, adorei o seu presente! Muito
obrigada.
— Não precisa agradecer. Você ficou ainda mais linda nele do que eu
tinha imaginado.
Ela abriu um sorriso cansado.
— Tem certeza de que está melhor, Kath? — insisti, receoso. — Você
está fazendo todos os exames de rotina regularmente? Está tudo bem com
sua saúde no geral?

Seus olhos me fitavam, ansiosos, parecendo mais apreensivos a cada


segundo que se passava sem que eu respondesse.
Apesar da exaustão que sentia e de ainda não ter recuperado
completamente as minhas forças, não tinha mais como evitar aquele
momento. Não havia como continuar postergando o ímpeto de contar a
verdade a ele.
Não depois daquela pergunta.
— Preciso finalmente ser sincera com você. Eu tenho um problema,
Journey.
Ele ficou visivelmente assustado.
Suas mãos apanharam as minhas, exasperadas.
— Como assim, Kath? Do que você está falando?
Movimentei o peito para cima e para baixo languidamente enquanto
inalava e soltava o ar.
— Eu já queria ter te falado isso há muito tempo, mas não tive
coragem. Naquele dia em que me contou sobre a gravidez interrompida de
Candice, estava indo até a sua casa para fazê-lo, mas desisti quando os vi
na varanda e travei mais ainda depois do que aconteceu...
Journey escutava atentamente cada palavra. Seu olhar apavorado fazia
meu coração arder em desolação.
Estava prestes a despedaçar o dele.
Senti as lágrimas brotando no canto dos olhos.
Precisava falar antes que o nó sufocante fechando minha garganta me
impedisse completamente.
— Eu tenho um mioma no útero, Journey. — Assisti ao seu corpo
murchar diante de mim, os ombros caíram. As mãos, que antes apertavam
as minhas com força, afrouxaram, e o que vi estampado em seus olhos...
Não pude suportar encará-los. — Calma, não é como um tumor, e não é
maligno. Na verdade, é até um problema bastante comum nas mulheres.
Essa, em si, não é a questão.
Acredito que ele havia tirado conclusões precipitadas, pois, quando
expliquei melhor, um pouco da sua consternação se dissipou.
Só até eu prosseguir, contudo.
— O meu tipo de mioma é o que chamam de submucoso, justamente
aquele que... Dificulta a gravidez. E por causa da sua localização no meu
órgão, ele certamente comprometeria a implantação dos embriões.
— Então, resumindo, isso tudo quer dizer que... — Sua voz saiu tão
fraca quanto em um sussurro.
— Que eu sou infértil, Journey. Minhas chances de engravidar são
mínimas.
O quarto caiu em um silêncio melancólico.
Journey engoliu em seco.
Apoiou os cotovelos nas pernas e escondeu o rosto entre suas mãos.
Permaneci quieta, estudando-o minuciosamente quando voltou a
erguer sua cabeça.
— Há quanto tempo você sabe? — questionou, incapaz de me olhar
nos olhos.
Sua expressão estava indecifrável.
Baixei o olhar para o chão.
— Há alguns anos...
A confissão foi feita.
O segredo, revelado.
A tempestade, invocada.
E então, com o coração aos pulos, os olhos transbordando e a
respiração cada vez mais falha, esperei até que os primeiros raios
explodissem.
“Mas se o mundo estivesse acabando
Você viria, certo?
Você viria e ficaria a noite toda
Todos os nossos medos seriam irrelevantes
O céu estaria caindo e eu te abraçaria forte
Eu sei que você sabe que nos amarmos
De longe não é a mesma coisa
Eu sei que você sabe que sentirmos
Saudades nos faz mal
If The World Was Ending – JP Saxe ft. Julia Michaels

— Journey, me desculpe. A última coisa que eu queria era que você


descobrisse dessa forma, mas em todas as vezes que reuni coragem para te
contar, simplesmente... Não consegui. Travei. Tive medo. É doloroso
demais para mim, assim como sabia que seria para você. — Ele se
mantinha calado, de modo que continuei falando: — Principalmente
depois que soube sobre a gravidez interrompida de Candice. Sempre que
te ouvia falar sobre o futuro sentia como se uma faca estivesse sendo
enfiada no meu peito. Por um lado, era muito bom escutar que você se
imaginava comigo por todos os anos adiante, mas ao mesmo tempo, era
desolador quando falava sobre o sonho de ter filhos, sobre o quanto
desejava ser pai.
Fiz uma pausa para tomar fôlego.
Journey encarava o chão fixamente com um olhar de partir o coração,
capaz de estraçalhar mais ainda o que já estava completamente
destroçado.
Eu quis prosseguir, mas a quietude dele era perturbadora demais.
Como um furacão que se forma inaudível nos céus, antes de atingir a Terra
com toda sua impetuosidade.
— Fale alguma coisa, Journey — murmurei, insistindo por uma
resposta, mas ao mesmo tempo receosa do que ele poderia dizer caso
resolvesse sair daquele estado de taciturnidade.
Ele ergueu os olhos, levando-os de encontro aos meus, e pude
perceber o quanto estavam marejados. Exibiam a feição de alguém que se
sentia traído.
Journey segurou as minhas mãos com a intenção de enfatizar, através
desse gesto, o que diria a seguir:
— Eu jamais ficaria decepcionado ou irritado com você por ser
infértil, Katherine. Isso não é culpa sua, e nunca te deixaria por esse
motivo. — Suas mãos soltaram as minhas, e notei sua expressão se tornar
profundamente magoada. — O que não estou conseguindo engolir, no
entanto, é o fato de você ter escondido isso de mim por tanto tempo,
inclusive enquanto me ouvia falar sobre o futuro com o qual tanto
sonhava. Poderia ter acabado com essas expectativas logo de cara, não
permitindo que eu continuasse alimentando-as. O que é difícil de engolir é
você ter pensado que não poderia confiar em mim, que eu não a
entenderia. Todas essas coisas estão me machucando ao mesmo tempo
agora, e eu nem saberia dizer qual delas dói mais.
Os raios finalmente rasgaram o céu, e a tempestade se deslocou para
o meu rosto, onde as lágrimas torrenciais encharcavam-no assim como a
água da chuva faria.
Não soube o que responder. Ele tinha razão, afinal.
Eu guardei aquele segredo por muito tempo. Tempo demais.
Exatamente porque pensei que ele não me compreenderia.
Tentei voltar a falar, querendo fazê-lo entender o meu lado.
Entretanto, tudo aquilo me deixou ainda mais esgotada do que já
estava.
Meus olhos insistiam em se fechar sozinhos, por mais que eu lutasse
contra eles, esforçando-me para mantê-los abertos.
A moleza dominava o meu corpo, como se implorasse para ceder e
me entregar, tamanho era o meu cansaço.
Apesar de todo o nervosismo daquele momento, não fazia ideia de
onde tiraria forças para a discussão que possivelmente se desencadearia.
Journey, porém, notou a minha exaustão.
— Pode descansar, Katherine. Poupe suas energias. Voltamos a
conversar sobre esse assunto outra hora.
Assim que ele disse isso, decidi não lutar mais contra, e o sono me
arrebatou completamente.

Ao acordar, precisei de um tempo para acostumar meus olhos à


claridade.
O sol estava brilhando alto no céu, indicando que já era metade do
dia, se não de tarde.
Tateei o colchão ao meu lado e descobri que estava vazio, o que não
me surpreendeu.
Levantei-me para ir até o banheiro, verificando que não havia
nenhum sinal de Journey dentro do quarto.
Depois de uma longa noite de sono, senti meu corpo tão renovado que
nem parecia que tudo aquilo havia acontecido no dia anterior.
Fisicamente, eu estava quase totalmente recuperada.
Emocionalmente, estava em frangalhos.
Quando retornei, o que me deixou surpresa foi encontrar Natasha
sentada na cama com uma bandeja enorme de café da manhã.
— Bom dia, bela adormecida — ela disse, alegre, como se invasões a
quartos de hotéis fossem comuns.
— Nat, não é que eu não esteja feliz de te ver aqui, principalmente
com esse tanto de comida, mas... Como conseguiu entrar no quarto? —
indaguei, confusa.
— Espera... Você não sabia que eu viria?
— Não... Você avisou alguém? Aliás, viu Journey em algum lugar?
Natasha murchou diante dos meus olhos.
— Pelo que posso perceber, aconteceu alguma coisa, não é? — Ela
fez sinal para que me sentasse ao seu lado na cama e, enquanto avançava
em sua direção, continuou: — Hoje cedo Journey me ligou, pedindo que
eu viesse até o seu hotel para ficar com você e me certificar de que
tomaria o café da manhã. E, também, caso precisasse de alguma coisa. Ele
contou que passou a noite em claro com medo de você ter uma recaída, e
depois disse que precisava ir.
— Ele foi embora?
— Acredito que sim, Kath... — Ela pôs a mão sobre a minha. Os
grandes orbes castanhos em seu rosto me analisavam, preocupados. —
Quer me contar o que houve?
Retribuí seu olhar com tamanha melancolia que ela já podia imaginar
por conta própria.
Ainda assim, enquanto começávamos a consumir o que tinha na
bandeja, contei sobre como, finalmente, revelei tudo a Journey.
Após escutar cada palavra com atenção, ela se pronunciou:
— Foi melhor assim. Aposto que uma parte de você está bem mais
leve agora. Quando nos encontramos na recepção, Journey tinha uma
expressão de quem estava arrasado, mas ele não parecia bravo. Não acho
que esteja zangado com você, mas precisamos entender que ele foi pego
totalmente desprevenido.
— Ele ficou muito desapontado por eu ter escondido isso por tanto
tempo. Acreditando que não contei nada antes porque não confiava nele,
por ter achado que não me entenderia...
— Eu posso imaginar. Assim como imagino que, passado o choque
da descoberta, Journey vai conseguir compreender. Ainda está muito
recente, dê um tempo a ele, Kath.
— Você tem razão. Mas não é como se eu tivesse alguma
alternativa senão dar-lhe espaço. Ele já deve estar bem longe a essa
altura.
— Provavelmente. — Ela assentiu. Logo depois, seu rosto assumiu
uma expressão divertida. — Mas sabe o que está bem perto? A comida!
Pode comer mais agora mesmo.
Natasha conseguia me fazer rir sem nem precisar se esforçar. E,
mais uma vez, me senti grata ao destino por tê-la colocado no meu
caminho novamente.
Ela estava completamente certa em uma coisa: ter contado tudo a
Journey realmente fez com que eu me sentisse mais leve.
Um grande peso foi retirado dos meus ombros, enfim.

Verônica soube do ocorrido e logo me contatou, preocupada. Ao invés


de responder pelo celular, fui até a Editora Stevia à tarde para agradecer o
empenho no evento e mostrar que já estava melhor.
Comprometi-me a terminar de escrever o livro o quanto antes para
podermos nos reunir novamente na Livraria Postay, dessa vez para o
lançamento dele.
Ao anoitecer, fiz o checkout no The Ritz e me dirigi à rodoviária,
reencontrando Natasha lá. Ela voltou comigo para Stratford.
— Você e Ezra já planejaram como vão fazer quando retornar a
Vancouver? — questionei.
— Na verdade, antes do que você possa imaginar, ele vai morar lá,
também.
— Como assim? — Minha curiosidade foi despertada no mesmo
instante em que ouvi aquelas palavras.
— Não sei se você sabe, mas o seu cunhado se formou em
Engenharia Civil, e semana passada recebeu uma proposta para trabalhar
em uma construtora em Vancouver, a qual aceitou. Ezra irá se mudar em
breve. Não para morar comigo, claro. As coisas até aconteceram rápido
entre a gente, mas isso já seria um pouco demais...
— Nossa, estou me sentindo péssima agora. Eu não fazia ideia!
Redigi uma nota mental: mesmo estando muito ocupada com a
própria vida e os próprios problemas, não deixe de lado as pessoas que se
aproximaram novamente. Abra os olhos para elas.
Houve várias oportunidades em que eu poderia ter perguntado a Ezra
sobre sua vida, quais os seus planos... Mas não o fiz. No futuro, precisaria
corrigir isso.
Ao chegarmos a Stratford, nos despedimos e cada uma pegou um táxi
diferente da rodoviária até sua respectiva casa.
Apesar do cansaço da viagem, reuni toda a energia que ainda possuía
para detalhar aos meus pais tudo que acontecera.
Comecei pelas partes boas dos dois primeiros dias e, posteriormente,
finalizei com a mais complexa delas, aquela que se desenrolara a algumas
horas antes.
Ambos se preocuparam, mas garanti que foi um episódio isolado e
que jamais voltaria a passar um dia inteiro sem me alimentar.
Eles também ficaram aliviados por Journey estar ciente de tudo,
enfim.

Passaram-se alguns dias sem que Journey e eu nos falássemos.


Natasha estava sempre por perto me apoiando, na minha casa ou na
casa ao lado, e também não tinha recebido mais nenhum contato dele.
Eu cheguei a ligar e a enviar algumas mensagens. Mas, ficando
sempre sem resposta, acabei desistindo.
Estava ciente de que o celular, em vários momentos, deveria estar
próximo de suas mãos, e elas não cairiam se o apanhassem para pressionar
o botão de atender ou responder.
Se ele não estava disposto a fazer um mísero esforço, então eu
cessaria os meus também.
Uma hora ou outra, acabaríamos nos enfrentando de qualquer forma.
Sem saber se Journey havia mencionado algo ou não, em um ímpeto
de coragem, fui até a casa dos Blake e lhes expliquei o que tinha
acontecido, além de falar sobre o meu problema.
A forma como me compreenderam me fez desejar que tudo se
resolvesse e voltasse a ficar bem, para que eu pudesse continuar fazendo
parte daquela família incrível.
— Lamento muito que isso tenha acontecido com você, Katherine, de
verdade. Meu irmão deve estar processando todas essas informações
agora, mas tenho certeza de que vocês vão se entender, já fizeram isso
tantas vezes... E se precisar de qualquer coisa, pode contar comigo.
— Muito obrigada, Ezra. Isso significa muito para mim!

Na quarta-feira, o Vancouver Canucks enfrentou o Ottawa Senators.


No sábado, o Calgary Flames. Somou mais duas vitórias a sua lista, e
Journey tinha voltado com tudo, recuperando sua boa forma e jogando
durante todos os três tempos.
Durante o decorrer da semana tentei me manter o mais ocupada
possível, escrevendo o livro da manhã até a noite, dedicada a finalizá-lo
para que pudesse dar andamento às próximas etapas da edição.
Queria que todos aqueles leitores que estavam no evento pudessem
tê-lo em mãos o quanto antes.
A sensação de criar histórias na minha mente e depois colocá-las “no
papel” para que os personagens passassem a existir, permitindo que todos
os conhecessem, era indescritível.
Era como convidar alguém para visitar um universo paralelo que
antes estava só na minha imaginação, e então, através das palavras,
passava a fazer parte da vida de inúmeras outras pessoas.
Ainda que eu estivesse escrevendo uma história inspirada na
realidade, meus personagens eram totalmente fictícios, e já sabia que
sentiria falta deles quando terminasse.
Continuei a acompanhar o ranking das vendas de livros nos sites que
o divulgavam em escala nacional, e o primeiro que publiquei se mantinha
lá, sempre entre os trinta mais vendidos.
Katherine Cohen, voltando à lista de best-sellers!
Era inacreditável.
Esperava que, em breve, pudesse visualizar dois livros meus nela.

Mantive-me tão concentrada na escrita do romance que me deixei


levar completamente, chegando bem longe. O suficiente para alcançar os
últimos capítulos da história.
Continuei nesse ritmo até que só precisasse escrever mais um deles, e
tudo estaria terminado.
O final era o que estava faltando, a conclusão de todas as situações.
Tive que pensar por um bom tempo até, enfim, tomar minha decisão.
A história se manteve bastante próxima de tudo que Journey e eu
vivemos desde adolescentes, mas ainda assim, não deixava de ser uma
obra de ficção. Não deixava de estar aberta a possibilidades que não
existiam na vida real.
Então eu resolvi que, ao menos no livro, a vida não seria assim tão
injusta e meus personagens realizariam o sonho de construir uma família.
O pequeno Stefan seria gerado no ventre de Caitlin e, quando
crescesse, poderia vestir a jersey do time de hóquei do seu pai, Jordan,
com o número dele estampado nas costas, além do seu próprio sobrenome.
Digitei o ponto final.
Respirei fundo.
Deixei algumas lágrimas indomáveis passearem pelo meu rosto.
Desfrutei da sensação de dever cumprido, e não poderia ter ficado
mais satisfeita.
Lembrei-me de toda a minha trajetória até chegar àquele momento e
me senti infinitamente agradecida pelo privilégio de escrever um livro
sabendo que já contava com uma editora para ser sua casa. Para trabalhar
nele, lapidando-o. Para fazer a sua ponte com o restante do mundo.
Enviei o arquivo completo para a equipe da Editora Stevia. Agora, era
só aguardar pela revisão.
Apesar do desejo de comemorar merecidamente aquela conquista, já
estava tarde, e decidi poupar as energias para celebrar no dia seguinte.
Durante aquela madrugada, no entanto, a tela do meu celular se
acendeu, iluminando o quarto.
Verifiquei que havia recebido uma mensagem.
Era de Natasha.
Ezra sofreu um acidente.
“Então essa é para quem já perdeu alguém
Seu melhor amigo, seu bebê (...)
Porque nunca diremos adeus
Ainda há muito o que dizer
Se você estivesse aqui comigo hoje, cara a cara
Eu nunca soube que podia doer tanto
Sinto saudade mas eu tento não chorar
E é verdade que você atingiu um lugar melhor
Mas eu ainda daria o mundo para ver o seu rosto
É como se você tivesse ido cedo demais”
Bye Bye – Mariah Carey

Li a mensagem de madrugada, exatamente na hora em que ela


chegou.
Soube do que aconteceu logo depois de ter acontecido.
Assim que peguei o celular na mão, ele começou a vibrar, recebendo
uma ligação. Eu a ignorei.
Novas notificações surgiram na tela bloqueada.
Desculpe pelo horário, não queria te contar dessa forma... Mas foi
fatal. Ele faleceu.
A tragédia que sempre afetava a vida dos outros, que acontecia com
os amigos dos outros, tinha batido à minha porta. A minha própria
tragédia tinha me alcançado.
De uma forma terrivelmente precoce e impremeditada, em uma noite
qualquer que deveria ter discorrido como todas as outras ao invés de se
tornar a mais impiedosa delas, Leon perdeu sua vida ao se envolver em
um acidente de trânsito.
Leon havia sido levado do nosso mundo para todo o sempre.
Na época, me recusei a acreditar. Recusei-me a responder aos avisos
e a trazer aquilo para a minha realidade.
Lembro que me levantei da cama para buscar um copo d’água e, ao
retornar, decidi que lidaria com isso pela manhã. Que, até o dia seguinte
chegar, aquele acontecimento poderia se transformar em nada além de
um pesadelo horrível. O pior deles.
Eu fui uma completa covarde, deixei o medo se apossar de mim sem
pestanejar.
Não repetiria esse erro novamente. De jeito nenhum.
Liguei para Natasha imediatamente.
— Onde vocês estão? — questionei no instante em que ela atendeu.
— No Hospital Geral de Stratford.
— Estou indo aí.
Corri para me arrumar e, assim que saí de casa, me deparei com
Jeremiah e Pilar já do lado de fora também.
A expressão de alívio que fizeram ao me ver era nítida. Estavam
nervosos demais para dirigir, então eu o fiz.
Devido ao horário, as ruas se encontravam praticamente desertas, e
chegamos ao nosso destino rapidamente.
Encontramos Natasha no corredor do hospital, tão aflita quanto nós.
Ela correu para nos abraçar, chorando copiosamente.
— Ei, Nath, calma... Calma... Vai dar tudo certo, ok? Vai ficar tudo
bem... — Tentei acalmá-la.
— O que aconteceu? — indagou Pilar, tentando controlar suas
próprias lágrimas.
— Ezra jantou lá em casa hoje e estava voltando para a casa de
vocês quando... Quando se acidentou... — Natasha engoliu em seco,
lutando contra a voz embargada e contra os soluços para continuar
falando. — Parece que o motorista do outro carro envolvido perdeu o
controle e invadiu a pista contrária, batendo nele... Ainda não acredito
que uma coisa dessas pôde acontecer!
— E como ele está? Já soube de alguma coisa? — perguntou
Jeremiah, esforçando-se para se manter firme.
— Não faço ideia. Ainda não vieram me dar nenhuma informação —
respondeu Natasha, desamparada. — Os socorristas me ligaram quando
já estavam na ambulância, trazendo-o para cá. Meu número era o
primeiro na lista das últimas chamadas. Só então consegui avisar vocês.
— Journey já sabe? — questionei.
— Ainda não, não consegui falar com ele — replicou Natasha.
— Ficamos nervosos demais para lembrar de ligar — informou Pilar.
— Será que você poderia avisá-lo, por favor, Katherine? — pediu
Jeremiah.
Assenti, sem ter outra opção.
Droga. Como eu lhe daria essa notícia?
Precisei me isolar por um tempo para compreender melhor a extensão
de tudo o que tinha sido revelado. Eu não fazia ideia de que Katherine
guardava um segredo como aquele. E jamais imaginaria que voltaria a
sentir uma dor tão próxima àquela de quando a gravidez de Candice foi
interrompida.
Tudo em que conseguia pensar era que enquanto ela me ouvia falar
sobre meus planos e sonhos para o futuro, se manteve calada. Não
impediu que eu criasse tantas expectativas, me deixou acreditar que um
dia elas seriam atendidas. Que, um dia, minhas imaginações seriam
transformadas em realidade. Que eu recriaria a cena que assisti
hipnotizado na arena de hóquei da escola.
Eu estava completamente perturbado, também, pelo fato de que ela
hesitou tanto em contar, provavelmente pensando que eu não a entenderia,
ou pior, que a abandonaria por esse motivo.
Katherine não fazia ideia da dimensão dos meus sentimentos por ela,
de tudo que estaria disposto a enfrentar para que ficássemos juntos, para
que nunca mais a perdesse.
Essa foi uma das grandes razões pelas quais fiquei tão magoado. Ela
duvidou disso. Duvidou de que o que sentia seria o suficiente para nos
manter unidos.
Entretanto, quando perguntou em uma de suas mensagens, aquelas
que não respondi, se eu já havia me colocado em seu lugar, isso fez com
que eu finalmente acordasse. Percebi que, realmente, não o tinha feito.
Desde sua confissão pensei apenas em mim, no quanto eu estava
frustrado, na minha própria dor, quando quem mais estava sofrendo era
Katherine. O que, com o meu afastamento, só deveria ter se amplificado.
Lembro bem que, na época, o sonho de ter uma família era dela
também, e teve que assisti-lo ser destruído sem poder fazer nada. Ela
precisou lidar com isso completamente sozinha, precisou abandonar seus
antigos planos e, ao mesmo tempo, se manter firme enquanto tentava
alcançar seus objetivos profissionais, distante de todos aqueles que a
amavam. E conseguiu.
Mas agora tudo veio à tona outra vez, e depois que já havia
consertado a si mesma e juntado os cacos que tinham sido quebrados, se
despedaçou novamente.
Enquanto pensava nela, sentindo-me absurdamente arrependido e
culpado, o telefone tocou.
Meu coração acelerou na mesma hora em que vi o nome no indicador
de chamadas.
Era justamente Katherine quem estava ligando.
Dessa vez, atendi de imediato.
— Journey, me escute com atenção — começou a falar assim que
aceitei a chamada.
Eu a interrompi, desesperado para me desculpar.
— Kath, me desculpe por não ter atendido antes e por não responder
às suas mensagens. Foi um baque muito grande para mim, e lidei com
tudo isso da pior forma possível. O modo como agi até agora é
completamente inaceitável. Pensei só em mim mesmo e não levei em
consideração tudo pelo que você estava passando, fui extremamente
egoísta...
— Journey. — Sua voz soou mandatoriamente firme, me cortando.
Parei de falar no mesmo instante. — Não queria que fosse eu a te dar essa
notícia, mas não tive escolha.
Senti todo o meu corpo travar instintivamente. Seu tom não era nada
bom. Permaneci quieto, esperando-a continuar.
— Ezra sofreu um acidente.

O silêncio que se estendeu do outro lado me assustou.


A cada segundo que ele perdurava eu ficava mais aflita.
— Journey? — Certifiquei-me de que ele ainda estava escutando.
— Meu irmão está bem? — questionou com a voz claramente
embargada.
— Nós ainda não sabemos. Aconteceu faz pouco tempo e não nos
deram nenhuma informação.
Quando terminei de falar, mais uma vez não obtive resposta. Houve
mais um momento tomado por aquela quietude perturbadora. Cheguei a
duvidar de que ele ainda estivesse na linha e precisei checar a tela do
celular para ver se a ligação não tinha sido encerrada.
Rouco, Journey apenas informou:
— Estou indo para Stratford agora mesmo.
E desligou.
Era angustiante imaginá-lo tão distante e preocupado nesse momento.
Admito que foi um alívio ouvi-lo dizer que estava arrependido e
descobrir que tinha, finalmente, se colocado no meu lugar. Mas, logo
depois, partiu meu coração ter que dar aquela terrível notícia a ele.
Queria muito que nada disso estivesse acontecendo.
Queria que tudo voltasse a ficar bem, mas estava com medo do que
esse futuro próximo reservava para Ezra. Ele certamente não merecia nada
disso.
Não havia muito que pudéssemos fazer, mas nenhum de nós cogitou
ir embora do hospital. Sentados um ao lado do outro nos bancos da sala de
espera, permanecemos em absoluto silêncio, cada um atormentado pelos
seus próprios pensamentos.
Quinze minutos depois, um médico adentrou o corredor em que
estávamos pedindo pelos familiares de Ezra Blake.
Prontamente nos colocamos de pé.
— Como ele está? — Pilar questionou antes mesmo de alcançá-lo.
Quando todos nos posicionamos à sua frente, apreensivos, ele deu a
notícia que tanto esperávamos.
— Primeiramente, não se preocupem, ele não corre nenhum tipo de
risco. Ezra quebrou o braço esquerdo e duas costelas, e possui alguns
arranhões superficiais, mas o restante do corpo está bem. Inclusive, por
sorte, a fratura das costelas não perfurou os pulmões nem as vísceras do
tórax, o que implica em uma recuperação mais fácil e rápida. Desculpem a
demora para aparecer, mas tivemos que realizar vários exames para nos
certificarmos de que não havia outras lesões internas.
Todos suspiramos profundamente ao ouvir aquelas palavras,
agradecidos.
Ezra estava bem. Continuaria vivo. Tudo daria certo. Não
passaríamos por mais uma tragédia. Sua recuperação seria rápida e fácil.
Repeti essas afirmações em minha mente até finalmente sentir que
estava me acalmando.
Abracei Natasha com força, que agora chorava de alívio, assim como
Pilar.
Aos poucos, fomos liberados para entrar no quarto.
Enquanto seus pais foram vê-lo, liguei para Journey para repassar as
informações, permitindo que fizesse uma viagem mais tranquila ao invés
de uma repleta de pavor.
O tom de sua voz mudou perceptivelmente depois que contei que
Ezra estava bem e completamente fora de risco, e ele me agradeceu
imensamente.
Natasha e eu entramos para ver Ezra juntas. Acabei não me
estendendo muito para deixá-los um tempo a sós e, também, porque ele
precisava repousar.
— Parece que nós dois gostamos de dar sustos nas pessoas, não é,
Katherine? — brincou, tranquilizando-nos ainda mais com seu bom
humor.
— Nem me fala. Coitados daqueles que convivem com a gente! —
Olhei para Natasha como se pudesse pedir desculpa por pensamento. —
Passamos por um verdadeiro sufoco até descobrirmos que você estava
bem. É um alívio que nada de mais grave tenha acontecido.
— Obrigado por ter estado aqui pelos meus pais e pela Nat, tenho
certeza de que precisaram muito do seu apoio.
— Não precisa agradecer, estive aqui por você também, Ezra. Somos
família.
Ele sorriu em resposta.
— Tem razão. Somos família.

Quando voltei para casa e avisei aos meus pais sobre o que aconteceu,
já era metade da manhã. Não quis acordá-los de madrugada, pois isso só
os deixaria assustados.
Depois que conversamos, toda a adrenalina das últimas horas
começou a se dissipar e, tomada pelo cansaço da noite em claro, voltei a
dormir.
Acordei de novo ao meio-dia, sentindo o cheiro do almoço sendo
preparado.
Ao pegar o celular, havia uma mensagem de Journey na barra de
notificações. Ele informou que tinha desembarcado em Toronto e já estava
em um táxi a caminho de Straford. Disse, também, que iria direto para o
hospital, e que depois precisava muito me ver.
Respondi que estaria esperando.
Tudo que sucedeu inevitavelmente me levou de volta ao dia da morte
de Leon. Eram normalmente as mesmas mensagens e os mesmos avisos
que nos deixavam desesperados e que antecediam ou uma tragédia ou um
momento de profundo alívio.
Hoje, tivemos sorte. Pudemos agradecer.
Naquele dia, perdemos o chão. Leon perdeu a vida.
E, naquele dia, eu falhei miseravelmente como amiga.
Após almoçar, criei coragem para fazer uma coisa que já devia ter
feito desde os primeiros dias em que retornei à cidade.
No caminho, parei em uma floricultura para comprar lírios azuis. Eles
tinham que ser azuis.
Incapaz de conter a tremedeira que me dominou, adentrei o lugar que
mais detestava no mundo.
A atmosfera lúgubre do cemitério me dava náuseas.
Não demorei a encontrar o túmulo dele. E não levou nem um minuto
para que a tristeza me assolasse e as lágrimas caíssem incontrolavelmente
quando olhei para a foto de Leon sorrindo. Para o rosto que eu nunca mais
tinha visto. Que nunca mais voltaria a ver.
Respirei fundo, tentando moderar a pulsação para que conseguisse
pôr para fora tudo aquilo que estava engasgado há anos em minha
garganta.
— Espero que possa me ouvir de onde estiver, Leon. Me desculpe por
não ter lhe procurado depois que fui embora. Por favor, me desculpe por
não ter vindo me despedir. Eu fui uma péssima amiga, não é? Me
arrependo tanto por isso, você não faz ideia... Tive medo de vir, tive medo
de te ver sem vida. Fiquei completamente apavorada quando recebi a
notícia do que havia acontecido, porque essas coisas sempre acontecem
com os outros, é sempre a tragédia dos outros. Nunca esperamos que a
nossa própria tragédia bata à porta. Nunca esperamos que, um dia, vá
acontecer com um dos nossos. Na hora eu não quis lidar com isso, quis
voltar a dormir acreditando que no dia seguinte teria passado, teria sido
apenas um sonho ruim. Mas eu não preguei o olho a noite inteira, e
continuou sendo bem real. No fim, preferi ficar com as lembranças boas
que tinha de você. Principalmente aquela de quando assistimos juntos ao
último jogo de hóquei na escola. Você nos fez rir tanto naquele dia! Era
isso que eu queria guardar pra sempre. Eram essas as memórias que eu
queria que viessem primeiro à minha mente toda vez que pensasse em
você. Hoje, precisei vir até aqui para me desculpar e me despedir como já
devia ter feito há muito tempo. Espero que esteja bem e em paz. Obrigada
por ter sido um amigo tão incrível.
Coloquei os lírios sobre o mármore. Simbolicamente, os escolhi na
cor azul pois essa era a cor do time pelo qual ele era fanático, o Toronto
Maple Leafs. Isso era o máximo que eu podia fazer por ele agora.
Sequei as lágrimas do rosto enquanto o aperto no meu peito
suavizava.
Eu precisava daquilo, e já conseguia me sentir mais leve. Me redimi
com Leon e comigo mesma.
Finalmente fui capaz de me perdoar pelo erro que cometi no passado.
Ao sair do cemitério, meu celular vibrou, indicando que uma
mensagem havia chegado.
Era de Journey.
Indo para sua casa.
Nos encontramos lá, respondi.
“Porque com a sua mão na minha
E nossas almas entregues
Posso dizer que não há lugar onde não possamos ir
Porque eu não quero perder você agora
Estou olhando bem para a minha outra metade
Mostre-me como lutar
Eu não poderia ficar maior
Com mais ninguém ao meu lado
E agora está claro como esta promessa
Que estamos tornando dois reflexos em um
E eu só quero ver o seu rosto se iluminar
Quando você me desperta
Você é, você é o amor da minha vida”
Mirrors – Justin Timberlake

Quando cheguei em casa, Journey já estava sentado na varanda,


esperando por mim.
Assim que pus os pés no jardim, ele caminhou em minha direção.
Envolveu-me em um abraço apertado, o qual retribuí na mesma
intensidade.
— Você veio do hospital? — indaguei quando nos soltamos.
— Sim, voltei de lá agora há pouco.
— E como Ezra está?
— Seu quadro é estável, não apresentou nenhuma piora. Ele teve
muita sorte de as fraturas nas costelas não serem graves. — Journey me
encarou, tomado de tristeza. — Fiquei com tanto medo de perdê-lo... São
geralmente nessas circunstâncias que as famílias recebem as piores
notícias possíveis. É até difícil de acreditar que ele esteja tão bem, parece
um milagre...
— Pensei a mesma coisa quando li a mensagem que Natasha me
enviou de madrugada. Fiquei tão apavorada... É um alívio saber que ele
vai se recuperar logo.
Seus olhos se voltaram para o horizonte, parecendo divagar.
— Antes, no hospital, um dos paramédicos que o socorreu veio
conversar comigo, dizendo que só não havia contado para o resto da
família para não os deixar mais nervosos, mas que pelo estrago que foi
feito no carro, se a batida tivesse acontecido um pouco mais para o lado,
seria fatal. Eu poderia ter perdido meu irmão. Assim, do nada. De uma
hora para a outra. — Ele balançou a cabeça como que para espantar
aquela mera possibilidade da mente. — Comecei a pensar em tantas
coisas... Há várias pessoas que dariam tudo para voltar no tempo e dizer
aquilo que não puderam, consertar seus erros e rever suas atitudes, mas
nunca mais terão a chance. E, ao mesmo tempo, por causa de uma falha na
nossa comunicação, eu me mantive afastado de propósito. Te ignorei de
propósito. Isso parece tão inacreditável agora...
Journey tornou a me encarar, refletindo a amargura que sentia em
relação a si mesmo.
— Temos mais um assunto sobre o qual conversar, não é? — proferi
em voz alta aquilo que pude ler no seu olhar.
— Me perdoe, Kath... Por favor, me perdoe. — Sua voz soou urgente
e aflita enquanto ele dava um passo à frente, chegando mais perto de mim.
Seus olhos estavam visivelmente úmidos.
— Vem, senta aqui. — Peguei sua mão e nos guiei até um banco que
havia em meu quintal.
Eu me encontrava novamente em um impasse. Ele tinha acabado de
passar por um momento tremendamente delicado, então não poderia ser
muito dura. Mas algumas coisas estavam entaladas em minha garganta, e
eu precisava colocá-las para fora.
— Você sabe que não pode simplesmente virar as costas quando as
coisas ficam difíceis, não é? Desse jeito não se resolve nada, Journey.
O semblante dele ficou ainda mais abatido.
— Eu sei... Cometi um erro imenso.
— Consegue imaginar como eu me senti sendo ignorada daquela
forma? Sem ter uma resposta? Foi como se eu estivesse certa sobre todos
os motivos que me impediram de te contar antes. Você acabou agindo
exatamente como eu temia.
— Eu posso imaginar. Agora, sim. E não sei o que posso fazer para
me redimir da forma como você merece.
Silenciei.
Decidi deixar que ele falasse por todos os dias em que se manteve
calado, torcendo para que fosse capaz de consertar as coisas.
— Nunca deveria ter ficado sem falar com você, ignorando suas
mensagens e ligações. Pensei que, se me isolasse de tudo, aquilo não
passaria de um mal-entendido, que poderia fingir que não aconteceu. Que
foi um produto da minha imaginação. Eu não queria encarar, não queria
aceitar, fui um grande covarde. — Suas mãos apanharam as minhas, e eu
não as afastei. — E então, quando em uma das suas mensagens você
perguntou se eu já tinha me colocado no seu lugar, percebi que não havia
feito isso nem uma única vez. Só pensei em mim, na minha dor, no quanto
eu fiquei chateado por você ter escondido esse segredo... Achei que
duvidava do quanto eu te amava, que não acreditava que eu fosse capaz de
te compreender. E me dei conta de que, no fim, foi justamente o que
pareceu. Que eu não entendia, que tinha me transformado naquele Journey
rancoroso novamente. Estava refletindo sobre tudo isso justamente na
hora em que você ligou para contar sobre o acidente de Ezra.
Fechei os olhos e os abri lentamente enquanto respirava fundo,
atestando a verdade para mim mesma. Por mais que tivesse ficado
insatisfeita com o seu silêncio, ninguém estava em posição de julgar. Foi
como uma reação em cadeia. Eu errei, ele errou. Ambos nos magoamos. E
ambos pedimos perdão.
— É muito bom saber que finalmente conseguiu enxergar o meu lado.
Me senti péssima por ter demorado tanto para te falar, nunca foi minha
intenção te deixar alheio a isso. Só não imaginava que, ao invés de reagir
de qualquer forma, você simplesmente não reagiria.
— Não sei se minhas promessas ainda valem alguma coisa, mas eu
juro nunca mais repetir o que fiz. Juro que aprendi a lição. E nunca mais
quero que se sinta insegura em relação a mim, em relação a nós. — Seus
olhos caíram sobre os meus em súplica. — Será que você consegue, por
favor, me perdoar mais uma vez?
Apertei suas mãos com força, ainda entrelaçadas nas minhas.
— Eu consigo, sim, Journey.
Ele soltou um longo suspiro aliviado. Retribuindo o gesto, segurou
com ainda mais firmeza minhas mãos dentro das suas.
O olhar que esboçava, agora era terno.
— Nós já passamos por muita coisa e continuamos aqui, juntos,
porque somos mais fortes do que tudo isso. Eu escolhi você sem pensar
duas vezes, e, com essa escolha, achei que teria que deixar de lado o
futuro com o qual sempre sonhei. — Journey fez uma pausa,
demonstrando um leve receio em prosseguir. — Mas preciso confessar
que pesquisei um pouco sobre o seu problema e a relação dele com a
infertilidade e, mesmo que seja difícil, existem possibilidades, Kath. Li
sobre a fertilização in vitro e alguns outros tratamentos... Eles podem dar
errado, sim, mas ao menos não é impossível. — Ele girou seu corpo para
que ficasse de frente para mim. — Entretanto, jamais pense que vou te
pressionar para tentar qualquer uma dessas coisas. Daqui pra frente, vai
ser tudo conforme você desejar. Se estiver disposta, eu também estarei. Se
você quiser, eu também vou querer. E caso não queira nada disso, tudo
bem por mim também. O que mais importa na minha vida, agora, é que eu
tenho você, e vou fazer de tudo para nunca mais te perder. Você é a minha
pessoa, Katherine Cohen. Sempre foi. Sempre vai ser. Independentemente
de qualquer coisa, é a única que existe pra mim.
Eu me rendi completamente. Senti todos os meus músculos se
suavizarem, toda a tensão se atenuar. Senti, com cada batida do meu
coração, que nada nos deteria.
Sempre acabaríamos voltando um para o outro.
Journey me puxou para mais um abraço. Por um instante, apenas
desfrutei do conforto de sentir seus braços ao meu redor.
Desvencilhei-me somente para olhar bem no fundo dos seus olhos ao
dizer:
— Eu achava que isso não era possível, mas me torno cada vez mais
apaixonada por você, Journey Blake. Completa e perdidamente. Temo que
não há mais salvação, e, mesmo se houvesse, eu mandaria os heróis para
longe. Obrigada por isso. Obrigada por ter voltado à minha vida. Jamais
seria capaz de imaginar meu futuro sem que você estivesse nele.
Um sorriso luminoso moldou seu rosto.
— Eu te amo mais do que tudo — sibilou, aproximando-se.
Os olhos dele se deslocaram para minha boca e, logo depois, seus
lábios também.
Journey me beijou sem pressa enquanto aproveitávamos o primeiro
momento de paz que tínhamos, sabendo que ela seria mantida. Sabendo
que todos os segredos estavam escancarados, que não havia mais nada
sendo escondido.
Sabendo que estávamos plena, total e irrevogavelmente entregues.
De uma vez por todas, enfim.

Mais tarde, fomos juntos até o Hospital Geral de Stratford para visitar
Ezra de novo.
Ele não poderia ter ficado mais feliz ao ver que finalmente tínhamos
nos entendido. Fez com que prometêssemos nos esforçar para que tudo
voltasse ao normal, e garantiu a Journey que ele não precisava se
preocupar, pois logo estaria inteiramente recuperado.
Demandou, inclusive, que ele retornasse a Vancouver para trabalhar
duro até fazer o time erguer a taça da Stanley Cup pela primeira vez.
Journey prometeu que o faria, e aproveitou o assunto para anunciar
que teria que retornar no dia seguinte, para se preparar para o próximo
jogo.
Meu coração vacilou ao ouvir essas palavras, mesmo que, no fundo,
já esperasse por isso.

Ao voltarmos para casa, assim que ele estacionou o carro em sua


garagem, me encarou com um olhar pedinte.
— Posso dormir com você hoje? — questionou, a voz quase em um
sussurro.
— Nem precisava perguntar.
Subimos as escadas até o meu quarto a passos rápidos, ambos
ansiando pelo que estava prestes a acontecer.
Eu mal havia terminado de fechar a porta quando Journey avançou
em minha direção. Suas mãos ardilosas prenderam meu corpo no seu,
esmagando a distância entre nós.
Ele me tomou em um beijo sôfrego, desesperado. Sua língua se movia
freneticamente em sintonia com a minha.
Estávamos com saudade. Na última noite em que nós dois estivemos
em Stratford, não dormimos juntos. Na noite em que nos reencontramos
em Toronto, não dormimos juntos. No dia seguinte, Journey partiria
novamente.
Depois da tormenta de acreditar que poderíamos perder alguém que
amávamos, necessitávamos mais do que nunca sentir uma conexão forte e
palpável. Precisávamos aliviar a tensão, constatar que estávamos vivos.
Presentes. Pulsando. Aqui e agora.
Nossas roupas foram arrancadas e arremessadas contra o chão.
Antes de me tomar novamente, os olhos cobiçosos de Journey me
percorreram dos pés à cabeça.
E então, com destreza, suas mãos me puxaram de volta para si.
— Você é minha. Só minha. Toda minha — murmurou, resvalando
seus lábios macios na curva do meu pescoço antes de eles irem de
encontro à minha boca.
Agarrados pele a pele, nossos corpos ferviam.
Sem perder tempo, ele levantou uma de minhas pernas e a prendeu
em seu quadril, facilitando a passagem dos seus dedos que, depois de
delinearem lentamente o interior da minha coxa, começaram a me
estimular. Sua outra mão me segurava firmemente pela cintura.
Senti seu membro enrijecer, roçando em minha intimidade. Envolvi-o
com uma das mãos, percorrendo todo o seu comprimento. A outra estava
cravada com afinco em seus ombros.
Quando seus dedos afundaram mais em mim, arqueei as costas,
extasiada. Journey aproveitou para levar a mão que estava em minha
cintura até a parte mais sensível de um dos meus seios, atiçando-o,
enquanto sua boca se dedicava ao outro.
Não duvidaria se enxergasse faíscas saltando, tamanha era a
eletricidade que perpassava meu corpo.
Ao me ouvir arfar, ele me puxou de volta, sussurrando ao pé do meu
ouvido:
— Você já está completamente molhada, amor.
Journey ergueu minha outra perna, também prendendo-a em seu
quadril, e me carregou para a cama.
Enquanto eu me deitava, ele buscou o preservativo em sua calça.
Apesar da minha condição, ainda era necessário que nos protegêssemos.
Logo sua pele já estava colada na minha novamente, e enlacei sua
cintura com as pernas. Journey elevou meus braços quase até a altura da
cabeceira, detendo-os lá pelos pulsos.
Deleitávamo-nos com a fricção dos nossos corpos ardendo em
chamas um contra o outro quando ele deslizou para dentro de mim
lentamente. Sua boca encontrou a minha, abafando nossos arquejos.
Suas investidas vagarosas não perduraram, no entanto. Ele começou a
se enterrar em mim com cada vez mais força, cada vez mais fundo.
Seus olhos embriagados se perdiam encarando os meus.
Nossos movimentos eram obstinados e decididos, quase brutos. Dessa
vez, tínhamos pressa. Necessitávamos um do outro, e imediatamente.
Meus pulsos se livraram das suas mãos, e, interrompendo-o, troquei
de lugar para ficar por cima.
Assim que me encaixei em seu colo, Journey ergueu o tronco,
comprimindo seu peito contra o meu. Enrosquei os braços em volta de seu
pescoço e passei a me mover sobre ele languidamente.
Esse ritmo, porém, não tardou a se tornar insuficiente. Logo o
intensifiquei, rebolando incessantemente.
Com uma mão, Journey ajudava a impulsionar meu quadril para cima
e para baixo, e, com a outra, enrolou o comprimento do meu cabelo ao
redor do seu pulso, puxando minha cabeça para trás, terminando de me
enlouquecer.
Clamei seu nome completamente embevecida, deixando-o inebriado
com as sensações que me causava.
Não performamos posições em que tivéssemos que ficar distantes.
Queríamos estar o mais perto possível. Entrelaçados. Unidos como se
fôssemos um só.
Minhas paredes internas apertavam-no sem pudor conforme
chegávamos perto do fim. Minhas unhas arranhavam suas costas,
incontroláveis, certamente deixando marcas.
Suas mãos se cravaram em mim, afundando na minha cintura.
Eu atingi o ápice primeiro. Meu corpo todo estremeceu, arrepiando-
se, completamente arrebatado pela torrente de prazer que o acometeu.
Gemendo ao pé do ouvido de Journey, senti quando ele tremeu de
torpor contra mim, entorpecido pelo êxtase que também o dominou.
Ele abafou seus grunhidos em meu pescoço, afrouxando a pressão de
suas mãos sobre mim conforme recuperava o controle sobre seu corpo.
Amoleci nos seus braços, tão ofegante quanto ele.
Naquele momento, parecia que só o que existia no mundo éramos nós
dois.
Com as pernas ainda bambas, nos esparramamos sobre o colchão.
Desde o início, sabíamos que não duraríamos muito tempo.
Estávamos saudosos demais. Necessitados demais.
Deitei a cabeça em seu peito, me distraindo com as batidas do seu
coração enquanto recobrava as forças. Suas mãos desciam e subiam
acariciando minhas costas.
Embebíamos a calmaria daquele momento, que falsamente camuflava
como seria o restante daquela noite única: voluptuosamente intensa.

Apreciei cada segundo daquele instante em que voltava a acordar


dentro dos braços de Journey, aquecida pelo calor do seu corpo junto do
meu.
Não via a hora de isso se tornar parte da minha rotina. Eu me
adaptaria facilmente a despertar assim todos os dias, sem interrupções.
— Kath? — Descobri que ele também já estava acordado, em
silêncio, desfrutando daquele momento.
— Sim?
Virei-me para que ficássemos de frente um para o outro.
Seus dedos passeavam preguiçosamente pelo meu corpo.
— Não quero acordar sozinho por uma infinidade de dias de novo.
Precisamos nos organizar enquanto a temporada ainda está acontecendo e
você está cuidando dos preparativos do seu livro... — Ele tirou alguns fios
de cabelo do meu rosto, me fitando esperançoso. — Acha que conseguiria
viajar para Vancouver às vezes?
Apenas a menção àquela ideia já me fez sorrir.
— Acho que isso seria perfeitamente possível, sim. Também não
quero mais passar tanto tempo longe de você.
Um brilho vigoroso reluziu em seu olhar, e seus lábios se abriram em
um largo sorriso.
— Essa resposta era tudo o que eu queria ouvir. — Ele estalou um
beijo em minha testa. — Assim que passar mais dias seguidos treinando
na cidade, pode apostar que vou comprar as passagens para que venha até
mim.
— Pode comprá-las à vontade, eu irei na mesma hora.
Permanecemos enroscados um no outro até o despertador dele tocar,
obrigando-nos a voltar para a realidade.
Quando chegou a hora, nos despedimos um pouco menos relutantes
dessa vez, pois, apesar de não termos uma data certa para o nosso
reencontro, sabíamos que o faríamos acontecer.
Ainda inebriada pela noite anterior e pelo fato de que, finalmente,
estava entregue por completo, sem carregar mais nenhum peso, sem estar
dominada por culpa alguma e me sentindo leve como nunca, aproveitei
essa abundância de inspiração para escrever.
Atualizei o blog logo em seguida, ciente de que o destinatário
receberia o recado.

traz seu coração de


encontro ao meu e
o escute bater desenfreado
esse é o seu superpoder
isso é o que você faz comigo
sem ao menos se esforçar

você me beijou novamente


e todo o resto perdeu a graça
você me tocou mais uma vez e
o mundo pareceu infinitamente menor
porque deitada em seu peito
eu me senti a dona dele

você me segurou entre os


seus braços e eu não soube
como sobrevivi por tanto tempo
sem estar dentro deles

você ressurgiu e trouxe


a cor de volta ao universo
com seus olhos que escondem
galáxias nas quais eu
me perco sem pudor

você disse que eu brilharia


mais do que a explosão
de uma Supernova
mas é o nosso reencontro
eu tenho certeza
que explodiu os astros em
estilhaços de luzes e chamas
estelares e flamejantes

você disse que eu te ensinei a


perdoar e a perseguir seus anseios
quando, na verdade
era eu quem estava
perpetuamente perdida
até você reaparecer e
revogar essa sentença

Eu poderia escrever uma infinidade de poesias sobre Journey e, ainda


assim, não seria capaz de descrever tudo o que ele despertava em mim.
Não seria capaz de abranger a imensidão de sensações que ele me fazia
sentir.
Era como se um vulcão entrasse em erupção toda vez que nos
tocávamos. Como se eu fosse o fósforo, e ele, a chama que me acendia e
fazia tudo queimar. Quando estávamos juntos, toda e qualquer fagulha era
amplificada, transformando-se rapidamente em um incêndio.
Aproveitei que estava com o laptop aberto para acessar meu e-mail e
fui surpreendida ao descobrir que a revisão dos primeiros capítulos já
tinha chegado para que eu editasse.
No mesmo instante, coloquei-me a fazer isso.
Journey voltou para o seu time, e eu, para o meu livro.

Fazia um bom tempo que eu não me sentia tão em paz. Tão completo
e satisfeito. Parte disso era por causa da noite intensa que compartilhei
com Katherine, mas, principalmente, pelo fato de que tínhamos nos
entendido de uma vez por todas.
Enfrentamos os inúmeros obstáculos que foram colocados em nosso
caminho, cometemos erros, magoamos um ao outro e aprendemos a nos
perdoar. Passamos por cima de tudo isso, e continuávamos tendo a certeza
de que não havia outras pessoas com quem quiséssemos dividir a vida.
Seríamos Journey e Katherine para sempre.
E, pensando justamente no “para sempre”, decidi que, finalmente,
havia chegado o momento de concretizar algo que eu sempre quis. Algo
que vislumbrava desde o nosso namoro na adolescência, e que se tornou
cada vez mais nítido desde o instante em que a vi parada na frente da
minha casa, oito longos anos após sua partida.
Aquele não era o fim.
E esse era apenas o nosso recomeço.
Quando li o poema que ela escreveu sobre mim em seu blog durante a
viagem de volta a Vancouver, fiquei indescritivelmente ansioso para o dia
em que a ouviria declamar seus votos.
Aquele seria o dia mais feliz da minha vida.
E eu já estava planejando o momento que o antecederia.
“Ela é a minha rainha desde que tínhamos dezesseis anos
Queremos as mesmas coisas
Sonhamos os mesmos sonhos
Eu tenho tudo porque ela é única
Bilhões de pessoas no mundo
Encontrem outra, porque ela é minha
Eu não existo se não tiver ela
O Sol não brilha, o mundo não gira
Ela sabe que eu não vou deixar ninguém
Levar o seu amor para longe de mim”
Steal My Girl – One Direction

As semanas subsequentes seguiram seu fluxo normalmente, sem mais


sustos ou revelações para nos atormentar.
Eu estava quase terminando as edições da versão final do livro e
viajei algumas vezes para encontrar Journey quando os intervalos entre os
jogos eram um pouco maiores.
O Vancouver Canucks continuava acumulando vitórias em cima dos
adversários, aproximando-se cada vez mais da final.
Acompanhar a Fórmula 1 ficava mais emocionante a cada domingo,
pois Christopher Knight vinha se mantendo na liderança do campeonato,
levando sua equipe de volta ao topo.
Ezra recebeu alta do hospital para continuar o tratamento em casa,
apresentando uma melhora significativa e voltando a programar sua
mudança.
Natasha voltou para Vancouver, pois precisava honrar o compromisso
que tinha com seus pacientes. No entanto, retornava para Stratford sempre
que possuía os finais de semana livres.
A pequena constelação das Três Marias atendeu a todos os meus
pedidos, e agora eu só precisava procurá-las no céu para agradecer.
Em meio à paz finalmente restabelecida, Journey e eu nos
preparávamos simultaneamente para os dias mais importantes das nossas
carreiras.
Só faltava descobrirmos as datas em que eles aconteceriam.

— Katherine, querida, acho que vou te preparar uma salada de


cenoura, senão vai ficar com os olhos fracos por passar tanto tempo na
frente do computador. Aliás, você deveria sair um pouco e pegar sol, está
me dando agonia te ver dia e noite trancada nesse quarto — retrucou
minha mãe, direto da cozinha.
Logo depois desci as escadas correndo, o que fez meu pai se
pronunciar:
— Nossa, você está mais obediente agora do que quando era
adolescente!
— Eu terminei! Eu terminei! — Comecei a gritar enquanto corria
pela casa comemorando, eufórica.
Finalmente havia terminado as edições do livro e, como a capa já
estava pronta, só faltava a editora finalizar a diagramação. Então
começaria a pré-venda e a data do lançamento em Toronto seria marcada.
Eu estava em êxtase.
Em apenas algumas semanas, todos os leitores que estavam
aguardando ansiosos poderiam, finalmente, adquirir o seu exemplar.
Em apenas algumas semanas, Aquele Não Era o Fim estaria no
mundo.

Depois de mais uma semana, li a versão final do romance já


diagramada, aprovando-a com louvor.
Enfim, a pré-venda foi aberta. Divulguei os links das livrarias online
no blog assim que ela começou.
A data tão esperada para o lançamento do livro também foi marcada:
19 de dezembro. E esse dia não foi escolhido à toa.
Além de ser próximo ao Natal, tornando-o uma ótima opção de
presente, também cairia em uma sexta-feira, dia da semana bastante
cobiçado para a realização desse tipo de evento.
A Livraria Postay já estava reservada, e os demais preparativos para a
realização do lançamento foram iniciados.
No mesmo instante em que soube da data, passei a anunciá-la e a
convocar todos os meus leitores para que comparecessem.
O frio na barriga se tornava cada vez maior.
Minha felicidade também.
Uma das datas de um dos grandes dias havia sido revelada. Agora, só
faltava a outra.

Depois de dias e mais dias de total concentração nos treinos, com o


time inteiramente focado no último jogo que nos afastava da vitória da
Stanley Cup, descobrimos a tão aguardada data na qual aconteceria a
final: 19 de dezembro, em uma noite de sexta-feira.
Os veículos de imprensa começaram a divulgação assim que ela foi
revelada, e o Vancouver Canucks se reuniu para planejar com precisão a
estratégia do jogo mais decisivo que já chegou perto de enfrentar.
Enquanto o técnico e os dirigentes discutiam alguns detalhes
burocráticos, nós, jogadores, ganhamos uma folga, e a aproveitei para
ligar para Katherine, que, animada, já atendeu anunciando:
— Acabei de descobrir a data do lançamento do livro!
— Até que enfim! Agora é só divulgar e se preparar para o sucesso,
tenho certeza de que ele virá. Ah, e adivinha: eu também soube há pouco a
data da final! Mas conta você primeiro.
— O lançamento vai acontecer em 19 de dezembro! E a vitória do
Canucks, quando será? — questionou, sem conseguir conter seu
entusiasmo, enquanto eu começava a ficar aflito.
Não sabia o que dizer.
A mesma data.
Tantas noites livres. Tantas opções disponíveis. E os dois
acontecimentos mais importantes das nossas jornadas profissionais, pelos
quais tanto esperamos, foram marcados para o mesmo dia.
Notando meu silêncio, Katherine insistiu:
— Journey, ainda está aí?
— Estou, sim. Nem sei como te dizer isso, mas... A final da Stanley
Cup vai acontecer na mesma sexta-feira à noite. A data também é 19 de
dezembro. Não dá para acreditar!
Dessa vez, foi ela quem ficou em silêncio.

Ambos os eventos eram importantes demais. Aguardados demais. E


não apenas por nós dois. Meu lançamento, por inúmeros leitores que já
estavam confirmando sua presença. A final da Stanley Cup, por torcedores
do mundo inteiro.
Não tinha o que ser feito a respeito.
Journey e eu estaríamos separados naquele que seria o momento mais
importante de ambas as nossas carreiras.
Eu queria muito poder estar nas arquibancadas torcendo por ele junto
da sua família. Queria poder ficar nervosa conforme os minutos do jogo
passassem, e comemorar cada ponto marcado dançando ao som da música
Holiday.
Queria recebê-lo na saída do rinque, abraçando-o e parabenizando-o
pela vitória com a qual ele sempre sonhou.
No entanto, isso não aconteceria.
Eu queria que ele estivesse ao meu lado na noite pela qual eu mais
esperei, na noite em que realizaria novamente o meu grande sonho para
nunca mais abandoná-lo.
Queria que ele fosse o primeiro da fila de autógrafos, receber seu
abraço antes de todos os outros e, quando o lançamento terminasse e eu
estivesse tremendamente exausta e, ao mesmo tempo, tremendamente
feliz, ele voltaria para o meu lado com um sorriso que esbanjaria orgulho,
dizendo: você conseguiu.
Isso também não aconteceria.
Estaríamos a milhas de distância em momentos e eventos
completamente diferentes. Torcendo um pelo outro, sempre. Mas sem
estarmos presentes.
Resolver isso estava totalmente fora do nosso alcance. A única coisa
que poderíamos fazer era nos conformar.

Conforme o grande dia se aproximava, fiquei bastante atarefada


definindo alguns detalhes junto da equipe da Editora Stevia.
Precisávamos escolher os brindes que seriam entregues para os
primeiros leitores da fila, decidir se distribuiríamos senhas, qual seria a
arte do banner a ser pendurado na livraria e, também, a dos marcadores de
página, além de outras coisas.
No meio dessa correria, houve uma ocasião especialmente mágica.
De longe, foi um dos melhores momentos dessa jornada.
Meu livro completamente pronto, impresso, foi entregue na minha
casa. Vários exemplares dele, aliás.
Afobada e emocionada, abri a grande caixa que os abrigava.
Quando os senti em minhas mãos, inevitavelmente, algumas lágrimas
desobedientes escaparam pelos meus olhos. Puxei um deles para fora e,
por vários instantes, fiquei apenas admirando-o, completamente
embasbacada.
“Katherine Cohen” escrito na capa. Meu nome na lombada mais uma
vez. Eu, uma escritora publicada novamente, depois de tanto tempo.
Meu maior sonho materializado em minhas mãos. Podia segurá-lo,
podia tocá-lo. Abraçá-lo. Sentir o cheiro das suas páginas.
As lágrimas, que antes nasciam tímidas, transformaram-se em um
choro copioso. Um choro de alívio, de satisfação. Com gosto de vitória.
Aquele Não Era o Fim estava mais do que perfeito! Muito melhor do
que eu poderia imaginar, muito melhor do que eu poderia sequer desejar.
A cada dia que se passava, principalmente depois desse encontro com
a minha obra, mais caía a ficha de que tudo estava acontecendo de
verdade. De que eu não estava em um universo paralelo criado na minha
mente e, sim, na realidade.

Katherine ficou tão frustrada quanto eu com o fato de que os


acontecimentos mais importantes das nossas carreiras aconteceriam no
mesmo dia.
Por fim, não restou alternativa senão nos conformarmos com a ideia
de que não estaríamos apoiando um ao outro presencialmente, mas tão
somente por pensamento.
Seria um tanto estranho olhar para a arquibancada e não a ver
torcendo, não receber seu abraço me felicitando caso o resultado fosse o
esperado, assim como seria estranho para ela não me ver na fila de
autógrafos e nem aguardando, orgulhoso, até que o evento terminasse para
que celebrássemos.
Pensando nisso, decidi preparar uma pequena surpresa para enviar no
dia do lançamento. Assim, ao menos uma parte de mim se faria presente.
A outra surpresa, a maior de todas delas, estava sendo organizada
minuciosamente também.
Os treinos ficaram cada vez mais árduos e passamos a ser
pressionados em dobro conforme a final se aproximava, o que acabou
tornando muito difícil conseguir falar com Katherine com a mesma
frequência de sempre, assim como dificultou suas vindas até Vancouver,
fazendo a saudade que eu sentia dela aumentar cada vez mais.
Nada disso, no entanto, me impediu de manter o empenho no
planejamento do que aconteceria no dia após os dois eventos, e estava
tudo correndo como o esperado.
Ficaríamos separados durante aquela noite, mas, a partir da seguinte,
quando finalmente nos encontrássemos, não nos separaríamos mais.
Sentia-me a cada dia mais ansioso pelo jogo e pela grande
possibilidade de vitória, assim como estava nervoso para o momento em
que surpreenderia Katherine novamente.
Aquela seria a noite mais importante da minha carreira, e, a posterior
a noite mais importante da minha vida.
“Eu nunca soube que você era a pessoa
Esperando por mim
Porque nós éramos apenas crianças
Quando nos apaixonamos
Sem saber o que aquilo significava
Seu coração é tudo que eu tenho
E em seus olhos, você guarda o meu
Encontrei uma mulher mais forte
Do que todos que conheço
Ela compartilha os meus sonhos
Espero um dia compartilhar seu lar
Eu vejo meu futuro em seus olhos”
Perfect – Ed Sheeran
O despertador tocou às sete da manhã, e pulei da cama no mesmo
instante.
Era oficialmente o início do dia mais importante da minha vida até
agora, e queria desfrutar o máximo que pudesse de cada segundo dele.
Recebi uma mensagem de bom dia de Journey, a qual prontamente
respondi, ciente de que nosso diálogo não se estenderia. Ele já deveria
estar se encaminhando para o último treino antes da final.
Sem bater à porta, algo que já estava virando um hábito, Natasha
adentrou o meu quarto, novamente no The Ritz-Carlton, carregando uma
bandeja com café da manhã.
— Não acredito que você já está de pé! Eu queria te fazer uma
surpresa trazendo o café na cama — resmungou.
— Já fico muito feliz só por você ter trazido comida para mim —
respondi, fazendo um sorriso surgir em seu rosto.
E eu fiquei de fato radiante ao ver que ela trouxe pedaços de bolo de
manteiga, croissants de chocolate e um copo de suco de laranja.
— É a melhor refeição que eu poderia ter para começar este dia, você
acertou em cheio! Obrigada por isso, Nat, e principalmente por estar aqui
comigo.
— Eu prometi que estaria presente em cada passo da sua jornada, só
estou cumprindo minha promessa. E garantindo que, enquanto eu estiver
por perto, você não fique sem comer... — Ela fez um gesto que dizia estou
de olho.
Após tomarmos o café da manhã, como não conseguia me aguentar
de tanta curiosidade, convenci Natasha a ir comigo até a Livraria Postay
para ver como tudo estava ficando, e mesmo que a decoração de
lançamentos se resumisse a um banner do livro, um painel com a logotipo
da livraria e a mesa de autógrafos, fiquei completamente encantada ao me
imaginar sentada lá, além de ainda mais ansiosa do que já estava.

O sol já começava a se pôr, anunciando o final da tarde. Enquanto eu


admirava seu espetáculo no céu pela janela do hotel, fiquei pensando no
quão imprevisível a vida era e em como não temos a menor ideia do que o
dia de amanhã nos reserva.
Eu jamais imaginaria que o início da minha carreira de escritora não
daria certo, que viveria por anos me deixando levar pela zona de conforto
e então, de uma hora para outra, decidiria voltar para a cidade da qual na
adolescência tanto quis partir, recomeçando do zero.
Nunca pensei que, ao terminar meu relacionamento embasado na
comodidade com Francis, ficaria livre para reencontrar Journey e dar uma
segunda chance a nós dois, e que isso daria mais certo do que eu poderia
prever. Que ele me escolheria acima de qualquer coisa. E que
permaneceria ao meu lado apesar de tudo.
Não havia nem cogitado a hipótese de reencontrar Natasha e de que
nossa amizade se tornaria ainda mais forte do que era na época. Mesmo
tendo ficado tanto tempo sem nos falarmos, nada tinha mudado entre nós
duas.
A vida possuía um jeito ardiloso de fazer as coisas darem certo por
meio de um caminho bastante tortuoso e, às vezes, por meio de estradas
sem saída que nos obrigavam a voltar por toda a jornada já percorrida e
recomeçar.
Alguns dos nossos sonhos mais loucos se realizavam, enquanto outros
objetivos que julgávamos facilmente alcançáveis eram destruídos e
substituídos por realizações que acabam significando muito mais.
Refletindo sobre tudo isso, percebi que, depois de passar tanto tempo
com medo do que estava por vir, eu não o alimentava mais. Não tinha
mais medo do futuro e do que ele traria.
Inesperadamente, passei a gostar de surpresas e, ao invés de receosa,
agora eu ficava curiosa para desvendá-las.
O sol finalmente se pôs por completo, encerrando seu espetáculo no
céu.
Um tanto emocionada, comecei a me arrumar para a grande e tão
esperada noite.
Meu vestido dessa vez era rosa bebê. Tinha as alças bem finas, o
busto bem delineado e a estampa de pequenas estrelas brilhosas, em
homenagem àquelas que ouviram e atenderam aos meus pedidos.
Nos pés, calcei uma formidável sandália da marca Aldo, aqui do país,
que fazia parte da coleção inspirada no conto da Cinderela.
Quando fiquei pronta, sentei-me na cama para tentar controlar os
meus batimentos cardíacos devidamente alterados.
Pensei nos meus pais, que também vieram a Toronto para o
lançamento, tão entusiasmados quanto eu no quarto em frente. Pensei em
Pilar, Jeremiah e Ezra em Vancouver, provavelmente já na Rogers Arena,
onde seria a final, nervosos por Journey e ao mesmo tempo confiantes na
vitória. Pensei ainda mais nele, que provavelmente mal podia esperar pelo
momento de entrar no rinque rasgando o gelo com seus patins, correndo
atrás do título inédito.
Pensei em Natasha no quarto ao lado do meu, pronta para me dar todo
o seu suporte. Pronta para testemunhar um dos maiores acontecimentos da
minha vida, aquele sobre o qual sempre me ouviu falar.
Apanhei o sobretudo que me protegeria do frio que já começava a
fazer, pois estávamos a dois dias da chegada do inverno impiedoso.
Meu nervosismo prontamente se intensificou.
Olhei para o relógio na parede.
Estava na hora.

Caminhando pelo hotel onde o time estava concentrado antes de


seguir para a arena, fui obrigado a parar no corredor com janela
panorâmica para admirar as cores alaranjadas e rosadas se fundindo no
horizonte daquele fim de tarde. Katherine sempre adorou o horário do pôr
do sol, e me perguntei se ela estaria assistindo-o naquele momento
também.
Inevitavelmente, comecei a pensar no quão longe eu havia chegado,
em como absolutamente tudo havia mudado.
Ainda ontem eu era apenas um adolescente que amava jogar hóquei
na escola, era o capitão do time e namorava a garota dos meus sonhos.
Hoje, era um jogador profissional que estava a poucas horas de
disputar a final da Stanley Cup, a competição mais importante deste
esporte, e que, depois de ter perdido a garota dos seus sonhos, a
reconquistou para nunca mais a deixar ir.
Ponderei sobre como aquela noite e a posterior mudariam
completamente a minha vida.
Dentro de poucas horas, poderia obter meu maior título, e em
algumas horas a mais, executaria a surpresa para Katherine, depois da
qual, se tudo desse certo, nunca mais estaria sozinho.
Deixei-me levar por esses pensamentos por mais tempo do que o
esperado e precisei voltar a passos largos para o saguão, juntando-me aos
outros jogadores.
Ao olhar para o relógio, pude sentir cada fragmento do meu
nervosismo se expandindo.
Havia chegado a hora de ir.

Durante o caminho, fiquei observando as luzes da cidade se


transformando em borrões conforme a velocidade do carro aumentava. O
som emitido pelo meu celular anunciando a chegada de uma mensagem
me despertou daquela distração.
Você não vai acreditar no tamanho dessa fila, Katherine! O
lançamento já está sendo muito bem-sucedido!, informou Verônica.
Virei a tela para que Natasha também pudesse ler, e nós duas não
conseguíamos parar de sorrir.
Quando ia digitar uma resposta, o celular tocou novamente. Me
surpreendi ao ver que era Journey ligando.
Ao atender, ele logo começou a dizer:
— Kath, não vou poder falar por muito tempo, tive que me esconder
para conseguir ligar...
— Tudo bem, meu amor. Estou ouvindo.
— Queria muito estar aí com você hoje, tanto quanto queria que
estivesse aqui em Vancouver.
— Também gostaria muito de que ao menos uma dessas hipóteses
fosse possível.
— Seu lançamento vai ser um sucesso, eu tenho certeza! Nem precisa
se preocupar.
— Muito obrigada pelo seu apoio, Journey, ele faz toda a diferença! E
eu não tenho dúvida de que a vitória do Canucks já está garantida, vocês
vão fazer história essa noite!
— É o que esperamos... Agora preste atenção: ao chegar à livraria,
vai ter uma surpresa te esperando. E, amanhã, você virá para Vancouver.
— Como assim? — indaguei, incapaz de compreender como isso
aconteceria.
— Eu te amo muito, aproveite cada segundo da sua noite. Até
amanhã, estarei te aguardando — respondeu, fingindo não ter ouvido
minha pergunta.
— Eu também te amo muito! Desfrute da vitória — repliquei,
percebendo o olhar de quem parecia saber de alguma coisa que Natasha
me lançou.
Essa mudança repentina de planos me deixou intrigada, e o fato de ele
não responder minha pergunta só contribuiu. Senti um frio na barriga
ainda mais intenso.
Não tive muito tempo para tentar decifrar o que poderia estar
acontecendo, pois o motorista logo adentrou a rua da Livraria Postay.
Verônica já estava nos esperando na entrada.
A fila da qual ela havia falado era muito maior do que eu poderia
sequer imaginar, e já estava do lado de fora.
Repentinamente, todo o meu nervosismo se dissipou, dando espaço à
imensa gratidão por todas as pessoas que estavam lá, à sensação de dever
cumprido e à emoção de ver meus livros, incontáveis exemplares deles,
nas mãos de cada uma delas.
Quando me aproximei mais, ouvi um burburinho se iniciar. Os
leitores, percebendo minha presença, começaram a chamar pelo meu
nome, a abanar e a tirar fotos com seus celulares, eufóricos.
Senti algumas lágrimas tentando saltar para fora dos meus olhos, e as
barrei. Aquela era uma noite reservada aos sorrisos, e fazia algum tempo
desde que eu não sorria com tão pura e sincera felicidade.
Ao chegar na mesa onde me sentaria, fui recebida pelos abraços
orgulhosos dos meus pais.
Em cima dela, havia um buquê enorme de rosas brancas que não
estava lá de manhã, junto de um envelope comprido, o qual imediatamente
abri, curiosa.

À minha Katherine Cohen,

Eu sei que não chego nem perto de ser bom com as palavras como
você é, amor, mas não poderia deixar esse dia passar batido. Então,
imitando seu costume de escrever textos e poesias para mim, resolvi
escrever algumas coisas para você.
Eu passei oito anos esperando pelo seu retorno. Imaginando como
seria o dia em que finalmente te reencontraria. Porque eu sabia, alguma
coisa aqui dentro dizia que isso aconteceria. Alguma coisa aqui dentro me
fazia acreditar nisso. E eu acreditei com todas as minhas forças.
Demorou oito longos anos, mas aconteceu.
Dizer que essa espera valeu a pena parece tão pouco. Tão pequeno
perto de tudo que significou. Do quanto mudou a minha vida, colocando-a
nos eixos novamente. De como, enfim, me senti feliz de verdade, amado de
verdade, realizado de verdade.
Eu sempre acreditei, também, que o dia de hoje chegaria para você.
Sei bem o quanto nada pode te deter quando faz uma escolha e corre
atrás dela com toda sua garra.
E aqui está você, brilhando mais do que a explosão de uma
Supernova, assim como eu disse que faria.
Eu te amo com cada parte de mim, por toda minha vida, Katherine
Cohen.
Aproveite sua noite, você merece mais do que ninguém.
Nos vemos amanhã.

Do seu, Journey Blake.

Em O Morro dos Ventos Uivantes, Catherine Earnshaw, referindo-se a


ela e a Heathcliff, disse: seja qual for a matéria de que nossas almas são
feitas, a minha e a dele são iguais. Eu, Katherine Cohen, a compreendia
perfeitamente.
Lembro-me de impor que essa seria uma noite apenas de sorrisos,
mas ficou um tanto difícil me segurar. Algumas lágrimas irrefreáveis
precisaram escapar.
Respirei fundo, absorvendo o impacto daquelas palavras.
Journey Blake era simplesmente o homem mais inacreditável e
extraordinário desse mundo, e era totalmente, infinitamente, meu.
Atrás da carta, tinha mais uma coisa que chamou minha atenção. Ao
averiguar, descobri que era uma passagem de avião para Vancouver. A
data? O dia seguinte.
— O que é isso? — questionei em voz alta.
— Surpresa! — exclamou minha mãe, exibindo um sorriso de orelha
a orelha.
— Nós já temos as nossas — meu pai revelou.
— A minha já está garantida também — completou Natasha. —
Estaremos todos em Vancouver amanhã, Kath. Mas não pergunte o
motivo, pois não tenho permissão para contar.
Apesar de desejar saber na mesma hora do que aquilo se tratava, não
tinha dúvidas de que seria algo bom. Então resolvi apenas aproveitar que
agora gostava de surpresas para nutrir expectativas positivas sobre essa
em particular.
Limpei as lágrimas desobedientes do rosto e coloquei um sorriso de
volta nos lábios.
Já sentada atrás da mesa, olhei para três das pessoas mais importantes
da minha vida e senti meu coração se encher ao notar suas expressões de
orgulho e emoção. Direcionei o olhar, também, para todos aqueles leitores
que estavam na fila, aguardando ansiosos para que começasse a chamá-
los.
Respirei profundamente.
Eu consegui. Realizei meu sonho mais uma vez. Cheguei lá. Escalei
minha montanha e agora estava admirando a vista, que era muito mais
bonita do que poderia imaginar. Cada mísero passo valeu muito mais a
pena do que pensei que valeria.
Minha felicidade, minha satisfação e meu orgulho eram imensuráveis
a essa altura, e me concentrei em tentar retribuir ao máximo o carinho de
todas aquelas pessoas que fizeram com que isso fosse possível.
Chamei o primeiro da fila, recebi seu abraço, perguntei seu nome e o
escrevi na dedicatória, acompanhado por:
Nunca desista dos seus sonhos.
Com amor, Katherine Cohen.
Prossegui fazendo isso incansavelmente até que a última pessoa se
aproximasse.
Depois de inúmeros autógrafos redigidos, fotos tiradas, abraços
trocados e as mais diversas palavras de incentivo e apoio proferidas, o
lançamento finalmente terminou.
Eu estava exausta e, ao mesmo tempo, mais realizada do que nunca.
A noite foi simplesmente perfeita e, apesar da força desse adjetivo, eu
ainda achava que era pouco, que não abrangia a magnificência de tudo que
havia acontecido durante as últimas horas. Foi muito melhor do que se eu
mesma tivesse escrito um roteiro do evento.
A vida, a grande encarregada de tudo, se saiu maravilhosamente bem
em seu planejamento.
Meu coração estava tão cheio de sentimentos bons que pensei que
transbordaria.
— Você foi absolutamente incrível! — celebrou Natasha.
— Não poderíamos estar mais orgulhosos, filha! E sabemos bem que
não foi à toa que você chegou até aqui. Conhecemos o seu esforço, e ele
não poderia ter sido mais bem recompensado. — Os olhos do meu pai
cintilavam.
— Fiquei me lembrando de todas as vezes em que te mandei parar de
escrever porque já era de madrugada... Toda a sua dedicação valeu a pena,
enfim — completou minha mãe.
Os três me envolveram em um abraço silencioso, mas que dizia muita
coisa.
Quando nos desvencilhamos, logo perguntei o resultado da final.
— O jogo estava bastante tenso. Para ser sincera, não foi nada fácil,
permanecendo a maior parte do tempo empatado. Mas, como o esperado,
Journey se superou jogando melhor do que nunca, e... Marcou o ponto da
vitória! O Vancouver Canucks é campeão da Stanley Cup! — narrou
Natasha, mal contendo a empolgação ao terminar de falar.
Eu me arrepiei na mesma hora.
Nós nos abraçamos novamente, dessa vez pulando de felicidade. Não
consegui parar de pensar em Journey e no quanto ele também deveria
estar feliz naquele exato momento.

Houve algumas vezes em que eu fiquei genuinamente preocupado. O


jogo foi muito imprevisível, ambos os times estavam dando tudo de si.
Vários jogadores se machucaram, e foram feitas inúmeras tentativas
falhas de marcar pontos.
A sede pela vitória era mútua.
No intervalo de quinze minutos que tivemos antes do terceiro e
último tempo da partida, o placar estava empatado.
Ao invés de demonstrar preocupação ou irritação, Rick nos motivou
como nunca havia feito antes. Reafirmou o quanto acreditava em nós e o
quanto éramos mais do que capazes e, então, assim como ele, não tivemos
mais dúvidas disso.
Voltamos para o rinque e acabamos com o nosso adversário. Quando
arremessei o disco na direção da goleira e ele deslizou para dentro dela
como um raio, a comoção tomou conta da arena. A torcida foi à beira da
loucura, e eu também.
Vencemos com um placar de 5 a 4.
O Vancouver Canucks se tornou campeão da Stanley Cup pela
primeira vez, depois de tantos anos de história.
E conquistar essa vitória em cima do Boston Bruins depois de ter
perdido o título para eles em 2011 foi uma bela e merecida revanche.
Deixou o gosto ainda mais doce.
Eu cheguei à minha primeira grande final e marquei o ponto decisivo
dela. Esse foi o maior feito de toda a minha carreira. Nem todas as
palavras que existiam seriam capazes de descrever o quanto eu estava
satisfeito, o quanto estava feliz.
Os torcedores explodiram em gritos de comemoração no final do
jogo, e entoavam a letra da música Holiday sem parar.
Depois de comemorarmos muito no meio do rinque, recebemos o
troféu e as medalhas, tiramos a foto oficial como vencedores e atendemos
às entrevistas pós-jogo.
E então, enfim, fui para onde estava minha família para que
celebrássemos juntos. A sensação de ver o orgulho estampado em seus
olhares era uma das melhores do mundo.
— Eu sempre soube que esse dia chegaria, filho. Nunca duvidei de
que você fosse capaz — pronunciou meu pai, visivelmente emocionado.
— Você é o melhor dos melhores, irmão! Não tem pra ninguém! —
Ezra continuou, contagiado pela animação da torcida.
— Você merece muito essa vitória, Journey! — minha mãe
completou.
— Obrigado por todo o apoio que vocês sempre me deram, sem ele
eu jamais estaria aqui hoje — agradeci, sendo abraçado pelos três ao
mesmo tempo.
Meu irmão já estava quase completamente curado e em poucos dias
poderia deixar de usar a tala imobilizadora no braço. Sentia-me mais grato
do que nunca por ter ele aqui comigo depois daquele tremendo susto.
Assim que todos deixaram o local, os torcedores do Boston Bruins
cabisbaixos ou xingando, e os do Vancouver Canucks eufóricos e se
dirigindo para as festas de comemoração, a equipe que contratei se juntou
aos funcionários da arena que já a limpavam, preparando tudo para a
surpresa de Katherine na noite seguinte.

Natasha e meus pais já estavam me esperando quando desci para


tomar o café da manhã junto deles no hotel.
Na verdade, pelo horário, caberia mais chamar aquela refeição de
almoço. Dormimos até tarde para recarregarmos bem o nosso estoque de
energia, pois ainda enfrentaríamos uma viagem de quase cinco horas até
Vancouver.
Quando Journey e eu finalmente conseguimos nos falar ontem à
noite, depois de nos parabenizarmos e celebrarmos animados sua vitória,
ele ficou ainda mais enigmático do que na ligação anterior ao lançamento,
atiçando minha curiosidade para descobrir de uma vez por todas sobre o
que aquele suspense todo se tratava.

Após aterrissarmos na cidade que ainda fervia em comemoração no


início daquela noite, estampando a cor azul por todos os lados, entramos
juntos em um táxi e, assim que fiz menção de passar o endereço do
apartamento de Journey, Natasha me interrompeu.
— Pode ir para a Rogers Arena, por favor — informou ao motorista.
Encarei-a, confusa. Ela arqueou a sobrancelha e exibiu um olhar
presunçoso em resposta.
— Apenas se deixe levar, Kath. Confie em mim.
— Aparentemente não tenho outra escolha... — repliquei, derrotada e
ansiosa.
Meus pais trocaram um olhar cúmplice e esboçaram sorrisos que
fizeram minha pulsação acelerar.
Quando o carro chegou ao nosso destino, senti meu estômago se
embrulhar de nervosismo. Estava a apenas alguns passos de descobrir qual
era a surpresa que Journey tinha preparado dessa vez.
Ao adentrar a arena, já fui logo surpreendida.
Os autofalantes tocavam Chasing Cars, a mesma música da serenata
improvisada do dia em que, depois de tanto relutar, me entreguei a ele
novamente.
A grande maioria das luzes se encontrava apagada, e aquelas que
estavam ligadas indicavam um caminho que passei a seguir.
Com meu coração batendo cada vez mais estrondoso, continuei
andando a passos rápidos, seguida de perto por Natasha e pelos meus pais.
Perguntei-me se aquilo poderia significar o que eu estava começando
a cogitar, e tudo que já vinha sentindo se intensificou. Caminhei com
ainda mais urgência até chegar a uma porta fechada.
Em um cartaz preso a ela estava escrito: Você chegou ao seu destino.
Abra a porta. Obediente e tremendo de nervosismo, foi o que fiz.
Deparei-me com um acesso pelo meio das arquibancadas que ia direto
para a entrada do rinque, onde, ao invés de haver somente gelo, tinha
também um tapete vermelho que se estendia até o centro dele.
E lá, sorrindo abertamente e sem desviar o olhar, estava Journey,
esperando por mim.
Meu corpo todo vibrou em reflexo. Instintivamente, passei a avançar
em sua direção.
Localizei Pilar, Jeremiah e Ezra nos assentos próximos ao vidro que
ficava entre a pista e as arquibancadas, e vi Natasha e meus pais se
juntando a eles, prontos para assistir ao que aconteceria em seguida.
Assim que finalmente alcancei Journey, incapaz de me conter, joguei-
me em seus braços, que já estavam abertos para me receber.
— Como é bom finalmente te abraçar de novo — confessei,
apertando-o ainda mais contra mim.
— Estava contando os minutos para isso — respondeu, retribuindo a
intensidade do gesto.
Quando nos afastamos, eu não aguentava mais esperar.
— O que significa tudo isso, Journey?
Seus olhos cintilaram de uma forma que eu nunca tinha visto antes.
— Este momento significa muitas coisas, Kath. — Suas mãos
apanharam as minhas, segurando-as com firmeza — Uma delas é a minha
despedida daqui. Da Rogers Arena, do time, de Vancouver...
Uni as sobrancelhas em questionamento.
— Como assim?
— O Toronto Maple Leafs me quis de volta, e eu não precisei pensar
duas vezes para aceitar. Afinal, foram eles que acreditaram no meu
potencial, que apostaram em mim pela primeira vez. Por mais que eu ame
o Vancouver Canckus, e realmente o amo, vai ser muito melhor viver em
Toronto, ficando bem mais perto das nossas famílias. Já vínhamos
realizando as tratativas desde a metade da Stanley Cup. Prometi que
permaneceria até fazer do meu atual time campeão. E agora que a
promessa foi cumprida, estou voltando para casa.
Eu jamais esperaria receber essa notícia. E ela era
extraordinariamente maravilhosa. A melhor possível!
— Journey, isso é... — Fiquei tão extasiada de felicidade que quase
não consegui terminar a frase. — Isso é incrível!
— Sabia que ficaria tão feliz quanto eu. Mas ainda falta mais uma
coisa para que tudo fique completo. Para que tudo seja exatamente como
eu sempre sonhei.
Seus olhos fitaram os meus sem vacilar, decididos como eu nunca
tinha visto.
Senti minha garganta secar.
Meu peito ardeu em visceral expectativa.
Pressenti, com cada batida do meu coração, que sempre estivemos
predestinados a esse reencontro memorável.
Perceptivelmente exultante, Journey prosseguiu:
— Quando eu era apenas um adolescente, você despertou em mim
sentimentos que eu nem sabia que existiam, que nem imaginava que
poderia sentir. E, oito anos depois, você voltou e fez com que todos esses
sentimentos adormecidos despertassem novamente. Você faz com que eu
queira despertar a cada dia só para te ver sorrir, só para ouvir a sua voz, só
para sentir a maior das satisfações ao te olhar sabendo que você é minha,
Katherine.
Ele chegou ainda mais perto, posicionando seu polegar em meu
queixo e erguendo-o levemente, fazendo com que não restasse quase
nenhuma distância entre nossos olhares.
— Eu vou te amar com todo o meu coração até o fim dos meus dias
nesse mundo, e desejo te ter comigo em cada um deles. Você é tudo que
eu sempre quis. Por quem eu sempre esperei. Não há nada que não me
sinta capaz de fazer com você ao meu lado.
Naquele momento, ouvindo aquelas palavras, eu tive certeza absoluta
de que estava exatamente onde deveria estar, exatamente com quem
deveria estar, e soube que não precisaria de mais nada.
Tive certeza absoluta de que cada acontecimento da minha vida me
trouxe até este instante. E, de repente, todos os caminhos errados se
tornaram certos porque me fizeram chegar até aqui.
Journey era o meu destino, sempre foi e sempre seria. E eu fui, era e
sempre seria o seu.
Ele, por fim, ajoelhou-se diante de mim.
Pegou uma pequena caixa aveludada dentro do bolso, levantou-a na
minha direção e a abriu, revelando a joia que eu sempre desejei vê-lo
colocar no meu dedo anelar.
Seu olhar era de uma felicidade genuína.
— Katherine Cohen, você aceita se casar comigo?
A resposta era óbvia desde o dia em que nos conhecemos.
— Sim, sim, sim! Mil vezes sim para uma vida inteira com você,
Journey Blake!
“Você será meu começo, meu meio, meu fim?
Cinco anos depois, e ainda sou sua
Dez anos depois, e ainda sou sua
Cinquenta anos depois, e ainda sou
Seu começo, meio e fim”
Beginning Middle End – Leah Nobel

Chegou mais um dos grandes dias da minha vida. Finalmente, o mais


importante deles.
Desde que eu disse sim para Journey, comecei a contar os segundos
para o dia 11 de maio.
Organizamos nossa mudança e passamos a morar juntos em Toronto
logo após voltarmos de Vancouver. Acordar ao lado dele
ininterruptamente vinha sendo o mais perto do paraíso que eu já tinha
chegado. Iniciar todas as manhãs vendo seu sorriso ao abrir os olhos
iluminava até o mais cinzento dos dias.
Era quase impossível refrear as lágrimas ao lembrar de como tudo
começou, de quando éramos apenas dois adolescentes que não faziam
ideia do que estava por vir. No nosso início, tudo era tão novo que parecia
até mágico.
Aquela magia, no entanto, não se dissipou. Ela permanecia aqui.
Já era tarde do dia 11.
Em apenas algumas horas, Journey colocaria uma aliança em meu
dedo.
Eu me tornaria Katherine Blake.
E estaríamos juntos pela eternidade, enfim.

O dia pelo qual eu esperava desde que pedi Katherine em namoro há


muitos anos, finalmente chegou. O dia que eu duvidei que iria viver
quando ela partiu chegou. O dia pelo qual nós dois estávamos contando os
segundos desde 20 de dezembro chegou.
Se acordar com ela todos os dias ao meu lado já estava sendo
indescritível, torná-la minha esposa a partir de hoje, seria o arremate
perfeito.
Depois de encontros e desencontros, de idas e vindas, mágoas e
perdão, sem ter deixado de amá-la em nenhum momento, tudo deu certo.
Tudo se encaixou.
A mulher da minha vida, da qual eu nunca esqueci, a única que
sempre quis, se tornaria minha perpetuamente.
Quando a pedi em namoro no início de tudo, ouvir seu sim me fez o
garoto mais feliz de Stratford.
Mas nada se comparava ao momento em que a ouvi dizer sim para
meu pedido de casamento. Fui o homem mais feliz do mundo inteiro.
Agora, na cozinha da minha casa em Stratford, junto de meu pai e de
meu irmão, o ambiente estava mergulhado em júbilo.
Eu ficava sorrindo sozinho, sendo flagrado por eles, que também não
conseguiam conter o quanto compartilhavam da minha felicidade.
A verdade era que todos nós imaginávamos esse momento
acontecendo desde a minha adolescência.
Depois que Katherine foi embora e eu me mudei para Vancouver,
parecia que tinha alguma coisa errada. Que algo estava fora do lugar. Mas
tudo havia se alinhado novamente.
O caminho foi tempestuoso, mas não poderia ter me trazido a um
destino melhor.
Um destino que, dentro de algumas horas, estaria selado ao de
Katherine pela vida inteira.

Meus pés tocavam o tapete vermelho aveludado a passos vagarosos


enquanto eu avançava pelo corredor principal da Igreja de braços dados
com minha mãe. Posicionei-me exatamente no lugar onde sempre quis
estar, onde sempre me vislumbrei.
Sempre à espera dela.
Parado no altar, olhei para todas as pessoas sentadas nos bancos à
minha frente, as quais, de uma forma ou de outra, se fizeram presentes na
nossa história.
Nunca senti meu coração bater tão estrondoso.
A qualquer momento minha Katherine, meu amor, minha noiva,
entraria pela porta e se tornaria minha para sempre.
A qualquer momento.

Estava parada do lado de fora da Igreja, diante da porta fechada.


Natasha, minha dama de honra, havia acabado de entrar.
Meu pai já tinha se posicionado ao meu lado, de braços dados
comigo.
Seus olhos, vez ou outra, não conseguiam impedir que as lágrimas
caíssem.
— Filha... — Ele tentou dizer, mas foi incapaz de continuar. Sua voz
embargada o entregava.
— Eu sei, pai. Eu sei... — Afaguei seu braço.
Nós nunca precisamos de muitas palavras, sempre entendíamos o que
o outro estava sentindo, o que queria dizer. Não foi diferente dessa vez.
Imaginei Journey parado no altar, esperando por mim, e senti um
arrepio percorrer todo meu corpo.
Logo estaríamos juntos.
Os sinos começaram a tocar. Lentamente, a porta da Igreja foi se
abrindo.
O coral começou a entoar a melodia da música “Can’t Help Falling in
Love.”
Chegou a hora.
Meus batimentos cardíacos estavam tão fortes quanto eram minha
certeza, minha felicidade e meu alívio por estar exatamente onde sempre
me imaginei. Indo de encontro a quem eu sempre quis.
Vagarosamente, nossos pés avançaram em uníssono pelo corredor da
Igreja, tomado de pétalas de rosas.
Meu olhar foi imediatamente direcionado àquele que estava no altar, e
meu coração desejou saltar de encontro ao dele.
Journey estava absolutamente deslumbrante em seu terno, e nossos
olhares não desviaram até que estivéssemos diante um do outro.
Ao me entregar, meu pai disse, com a voz embargada:
— Eu sempre soube que este momento chegaria. Sempre soube que a
entregaria para você, Journey, e estou certo de que cuidará bem da minha
menina.
Nós nos entreolhamos, ambos com os olhos marejados e incapazes de
conter nossos sorrisos.
Natasha, que também já estava chorando, apanhou o buquê das
minhas mãos.
Journey depositou um beijo em minha testa e, então, de mãos dadas,
nos encaminhamos ao altar.
Meu peito inflou, acalentado.
Mal percebi o tempo passar, só conseguia pensar que estava em meu
casamento, ao lado do homem da minha vida e que, a partir de hoje, ele
seria perpetuamente meu.
Eu tive muita, muita sorte.
O padre, enfim, anunciou o momento mais importante.
Levantamo-nos e demos as mãos.
Lutando contra as vozes embargadas, fizemos nossas promessas e
declamamos nossos votos.
Dissemos sim para uma vida inteira ao lado um do outro.
As alianças foram trazidas.
Em um gesto que simbolizava tudo que sempre desejamos, selando
nossa união, Journey colocou um dos anéis em meu dedo anelar, e eu
coloquei o outro no seu.
Ele olhou no fundo dos meus olhos, eu olhei no fundo dos seus. O
sorriso que despontou em seus lábios era tão grande quanto o que eu
também exibia.
Meu coração batia calmamente agora.
— O noivo já pode beijar a noiva — anunciou o padre.
Primeiro, Journey beijou a mão onde estava o meu anel, e então se
aproximou.
Depositou uma de suas mãos sobre a minha cintura, puxando-me para
si.
Ele me beijou com uma delicadeza que demonstrava o quanto estava
em paz, inebriado por saber que eu era sua daqui até o infinito.
Foi o primeiro beijo do resto das nossas vidas.
Éramos, finalmente, marido e mulher.
Tínhamos o agora e o para sempre.
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