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LUPERCE MIRANDA

(1904-1977)
Por Jorge Cardoso

Nascido em Recife-PE em 1904, Luperce Bezerra Pessoa de Miranda estudou


bandolim com seu pai João Henrique Pessoa de Miranda, executante de bandolim, violão
e piano (BARBOZA, 2004). Em sua família, quase todos eram músicos. Ele possuía
irmãos também instrumentistas com os quais tocavam e participavam de programas de
rádio e gravações: Nelson Miranda (18?-19?) cavaquinho, João Miranda (19?-19?)
bandolim e Romualdo Miranda (1897-1930) violão.

Em 1919, Luperce elabora sua primeira composição, um frevo1. Apesar de tocar


vários instrumentos musicais, o bandolim era o seu preferido. Aos 15 anos de idade
conheceu Pixinguinha, que estava de passagem em Recife (SÁ, 1999). Na ocasião,
Pixinguinha quis levá-lo com o grupo Oito Batutas à Europa, mas seu pai não deixou por
ser ainda muito jovem. Em 1926, passou a integrar o conjunto Turunas da Mauricéia,
acima citado. Em 1927, os Turunas chegaram ao Rio de Janeiro e Luperce veio unir-se
ao grupo meses depois. No final de 1927, gravaram 20 músicas para a Odeon, sendo três
de sua autoria e Augusto Calheiros: os sambas "Pinião" e "O pequeno Tururu" e a canção
"Belezas do Sertão". Embora "Pinião" fosse uma embolada, foi lançada como sendo
samba. Nesse mesmo ano, animado com o sucesso dos Turunas, organizou em Recife um
novo conjunto: “Voz do Sertão”, no qual tocava bandolim e era integrado pelo violonista
Meira (Jaime Florence, 1909-1982), José Ferreira (cavaquinho), Robson Florence e o
cantor de emboladas Minona Carneiro e, pouco depois, seu irmão Romualdo.

1
Dados disponíveis no dicionário de música popular brasileira, http://www.dicionariompb.com.br/luperce-
miranda , acesso dia 14.06.2011.

1
Figura 01 - Fotografia dos Turunas da Mauricéia contida no catálogo de artistas
da Casa Edison (FRANCESCHI, 2002).

Em 1928, com 24 anos de idade, transferiu-se para o Rio de Janeiro2. Nesta época,
se processava a grande transformação que faria do rádio e do disco os veículos ideais de
divulgação da música popular e de seus intérpretes, o que os tornava grandes ídolos
populares (BARBOZA, 2004). Conheceu o violonista Tute (Artur de Souza Nascimento,
1886-1957), de quem seu conjunto gravou "Pra frente é que se anda" e "Alma e Coração",
valsa que obteve grande sucesso, tendo sido regravada posteriormente. Ainda em 1928, o
grupo Voz do Sertão lançou pela Odeon seis composições de sua autoria: o fox
"Primoroso", a valsa-choro "Lindete", os sambas "Sacode a saia morena", "Samba da
meia-noite" e "Sertão do Surubim" e a embolada "Minas Gerais", as quatro últimas com
Minona Carneiro. Nesse mesmo ano, outras composições suas como a valsa "Alma do
sertão", a marcha "Lúcia" e o choro "A farra o Olegário" foram gravadas pelo grupo Voz
do Sertão. Também nesse ano, fez suas primeiras gravações solo: ao bandolim o choro
"Lá vai madeira" e o fox-trot "Barulhento" e ao cavaquinho o fox-trot "Moto contínuo" e
os choros "O caboclo alegre" e "Rigoroso", todas de sua autoria.

2
Informação contida em ensaio “Os Vários Jacobs”, de autoria do cavaquinista e pesquisador Sérgio Prata,
cedido para publicação no projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela Petrobras através
da Lei Rouanet e disponível em www.musicosdobrasil.com.br .

2
Realizou apresentações em rádios no Brasil e no exterior. Em 1931, apresentou-
se com Carmen Miranda, Mário Reis, Francisco Alves, Tute, entre outros, na Rádio El
Mundo de Buenos Aires. A partir de 1936, passou a atuar na Rádio Mayrink Veiga. Nesse
ano, gravou ao bandolim o choro "Pra quem gosta de nós" e a valsa "Foi um sonho", de
sua autoria. Por essa época, quando os integrantes do conjunto Alma do Norte voltaram
a Recife, constituiu seu próprio regional. Como integrante de regional, acompanhou os
grandes artistas da época, em diversas gravações na Odeon.

O primeiro livro escrito sobre o Choro faz referência a Luperce (PINTO, 1936):
“Julgo e sou capaz de apostar que no Brasil inteiro não terá outro igual... Luperce é como
um cometa que passa de mil em mil anos...” Segundo Barboza (2004), os conjuntos
instrumentais dos ranchos carnavalescos tinham sempre bandolinistas entre os seus
figurantes e os Oito batutas possuía o bandolinista José Alves de Lima. Neste período, os
bandolinistas utilizavam pouco o bandolim em acompanhamentos e menos ainda como
solista. João Miranda, Chico Neto, Jorge Bandolim, Amador Pinho, Aristides Júlio de
oliveira (Moleque Diabo) e Peri Cunha foram bandolinistas da década de 1930 e pouco
participaram das gravações. Assim, é possível afirmar que Luperce Miranda foi o fixador
da presença do bandolim como acompanhante e como solista na música popular brasileira
(BARBOZA, 2004).

Em 1945, transferiu-se para a Rádio Nacional. No mesmo ano, gravou na


Continental a valsa "Eu te amo", de sua autoria. No ano seguinte, voltou a Recife onde
permaneceu até 1955, ano em que reintegrou o elenco da Rádio Nacional do Rio de
Janeiro da qual se aposentou em 1973.

Suas composições focavam gêneros musicais nordestinos em uma forma


“cabocla” de tocar emboladas, frevos, marcha pernambucana e o Choro com um sotaque
musical nordestino. Influenciou bandolinistas no período das primeiras gravações,
destacando-se deles em habilidades técnicas e participações em gravações. Dentre suas
gravações como solista, em seu LP “Ritmos Brasileiros” com o acompanhamento do
Regional de Canhoto, foram gravadas composições de sua autoria e interpretação. Neste
disco, gravou a valsa – concerto “Quando me Lembro”, de sua autoria, demonstrando
uma técnica de bandolim muito próxima à uma linguagem musical italiana. Seu estilo

3
caracterizava um virtuosismo único para sua época na forma de trêmolos, arpejos em
tercinas e frases intercaladas em andamentos diversos. Os bandolinistas não arriscavam
tocar suas músicas pela dificuldade técnica. Além deste fato, sua proximidade ao estilo
italiano de bandolim requeria uma técnica específica para esta finalidade. Uma vez que
Luperce havia aprendido bandolim com seu pai, não foi esclarecido como consolidou seu
estilo musical em seu início na cidade de Recife - PE. Embora tenha se destacado por sua
técnica e virtuosismo, não obteve um retorno financeiro à altura de seu talento. É provável
que o período de seu afastamento do Rio de Janeiro tenha prejudicado sua carreira musical
juntamente com sua vida familiar conturbada.

Sobre o período o qual Luperce Miranda esteve afastado do Rio de Janeiro,


Barboza (2004) constatou um afastamento do meio artístico e de seu público:

O período em que Luperce Miranda ficou afastado do então


Distrito Federal (1947-1955) afrouxou ou, em certos casos,
rompeu as ligações que o grande virtuose do bandolim havia
estabelecido com o meio artístico e com o público, dois
segmentos muito pouco fiéis. Deixou um espaço vazio, logo
ocupado por outros instrumentistas, de modo que, ao regressar,
encontrou pelo menos dois músicos bem instalados na vaga
aberta pela sua ausência: um jovem, também bandolinista,
chamado Jacob Bittencourt, e um cavaquinista sem igual,
Waldyr Azevedo.

Segundo Barboza (2004) Luperce era um “remanescente puro” dos conjuntos de


Callado e Anacleto de Medeiros. Em seu retorno ao Rio de Janeiro, encontrou-se perdido
entre as guitarras elétricas de uma dita “aldeia global”. Enquanto Jacob do Bandolim e o
cavaquinista Waldyr Azevedo alcançavam o sucesso e situação financeira equilibrada,
Luperce enfrentava dificuldades. Jacob havia vendido cerca de cem mil cópias do choro
“Flamengo”, composto por Bonfiglio de Oliveira, enquanto que Waldyr foi eleito o “Rei
do disco”, com a vendagem de quatrocentas mil cópias do choro “Brasileirinho”, de sua
autoria3. Como solista, estava ausente das gravadoras desde 1936, afastado do mercado

3
Informações contidas no encarte “A Música de Porto Alegre”, sobre o Choro, por José Ramos Tinhorão,
Unidade Editorial Porto Alegre/SMC, 1995, pág. 08. Nesta publicação, temos referência à atuações de
bandolinistas na cidade de Porto Alegre-RS, aproximadamente no início do século XX. A partir do trabalho
de Otávio Dutra como professor, surgiram os bandolinistas Antonio Del Bagno, Marino Santos Cotta
(compositor e executante de bandola), o multi-instrumentista Paulinho Mathias.

4
dos discos a vinte anos e a dez anos dos meios musicais da capital política e cultural
brasileira na época (BARBOZA, 2004).

Outros fatores afetaram seu desempenho artístico. Ele fora casado diversas vezes
e possuía uma família numerosa, sendo pai de 18 filhos. Apesar de não ter conhecimento
da teoria musical, sendo apenas semi-alfabetizado, conseguiu desenvolver uma técnica
apurada, sendo conhecido como virtuose no bandolim. Desse modo, conseguiu estruturar
sua carreira em revelia às condições adversas de pobreza, problemas familiares, carências
e preconceitos de toda ordem. Assim, mesmo sem saber teoria musical, encontrou uma
saída para sua subsistência: a criação de uma academia de música. A academia tinha
caráter prático e formou diversos músicos que fundamentavam seu aprendizado na
música popular brasileira instrumental como solista e também no ensino do
acompanhamento. Dentre seus alunos, alguns alcançaram fama e importância no
panorama da prática do bandolim brasileiro como o bandolinista Deo Rian (Déo Cesário
Botelho) e Evandro do Bandolim (Josevandro Pires de Carvalho, 1932-1994)
(BARBOZA, 2004).

Deixou mais de 500 composições e participou como acompanhador de cerca de


700 gravações. Suas composições, na sua maioria foram escritas para bandolim e
constituíram-se estudos, sendo alguns de dificuldade técnica em sua execução. Segundo
Barboza (2004), a difícil execução de suas composições, reflexo de seu domínio do
instrumento, foi um fator no qual suas músicas foram pouco executadas no repertório do
choro. Na maioria das músicas executadas como solista por Luperce, eram de sua autoria,
o que inibiu outros bandolinistas de as executarem sob o risco de uma comparação. Além
da dificuldade técnica, estas músicas possuíam andamento rápido, o que dificultava ainda
mais a interpretação.
Na biografia “Luperce Miranda, o Paganini do bandolim”, Barboza (2004)
realizou uma comparação geral entre o estilo dos dois mais famosos bandolinistas
brasileiros: “... Luperce enchia sua emoção de notas, enquanto Jacob enchia suas notas
de emoção”.

5
Figura 1 - Luperce Miranda
(foto da capa do LP Luperce Miranda, 1971).

6
REFERÊNCIAS

BARBOZA, Marília T. Luperce Miranda: O Paganini do Bandolim. Rio de Janeiro: Da Fonseca,


2004.

MOURA, Jorge Antonio Cardoso. Tradição e inovação na prática do bandolim brasileiro.


Dissertação de Mestrado, Universidade de Brasília. Brasília, 2011.

Sites
Dados sobre Jacob do Bandolim:
http://www.jacobdobandolim.com.br/jacob/index.html

Dados sobre Luperce Miranda:


http://www.dicionariompb.com.br/luperce-miranda

Ensaio “Os Vários Jacobs”, de autoria do cavaquinista e pesquisador Sérgio Prata, cedido
para publicação no projeto Músicos do Brasil: Uma Enciclopédia, patrocinado pela
Petrobras através da Lei Rouanet e disponível em www.musicosdobrasil.com.br.

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