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Título: Para a crítica da economia política desenvolvimentista: aproximações heterodoxas ao marxismo

latino-americano

Autores: Rodrigo Castelo e Fernando Correa Prado

Endereços eletrônicos: rodrigo.castelo@gmail.com e fernandoprado@gmail.com.

Filiação Institucional: Pesquisador do Laboratório de Estudos Marxistas (LEMA) do Instituto de


Economia/UFRJ; Doutorando em Economia Política Internacional na Universidade Federal do Rio de
Janeiro, pesquisador do Instituto de Estudos Latino-Americanos (IELA/UFSC).

Resumo: A presente comunicação tem como objetivo central resgatar a controvérsia que envolveu as
teses desenvolvimentistas e dual-estruturalistas sobre as nações periféricas, focando em algumas das mais
importantes críticas marxistas a essas teses realizadas nos anos 1960/70. Neste sentido, a intenção é
apresentar uma espécie de mapa aproximativo a um amplíssimo debate, que permanece atual e seguirá
sem se esgotar enquanto vigorar o tropo desenvolvimentista. Para tanto, este escrito inicialmente
apresenta – de forma apenas pontual – algumas das mais significativas contribuições da crítica marxista
ao mito do desenvolvimento capitalista, começando, desde logo, pela própria crítica da economia política
empreendida por Karl Marx. A segunda parte esboça a formação da hegemonia desenvolvimentista no
pensamento econômico e político brasileiro, tomando como base algumas obras de síntese sobre o tema.
Em seguida, na terceira seção, delineamos, de modo resumido, diferentes eixos das críticas marxistas ao
desenvolvimentismo, em geral elaboradas durante as décadas de 1960 e 1970, tais como as teses de
Florestan Fernandes sobre o capitalismo dependente e a revolução burguesa e as teorias marxistas da
dependência de Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra.

Palavras-chave: Desenvolvimentismo, marxismo, dependência, subdesenvolvimento, crítica da economia


política

Abstract: This communication aims to rescue the central controversy surrounding the theories of
development and dual-structuralists, focusing on some of the most important Marxist critiques of these
theories during the years 1960/70. In this sense, the intention is to present a road map to approximate a
huge monumental debate that will follow and stay current without depleting the trope as a developmental
force. Therefore, this writing has first - so just point - some of the most significant contributions to the
Marxist critique of the myth´s capitalist development, starting by the critique of political economy
undertaken by Karl Marx. The second part outlines the formation of developmental hegemony in
Brazilian economic and political thought, based on some works of synthesis on the subject. Then in the
third section, we outline, in brief, the various strands of Marxist critiques of developmentalism, usually
developed during the 1960s and 1970s, such as Florestan Fernandes's thesis on the bourgeois revolution
and dependent capitalism and Marxist theories dependence of Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos
and Vania Bambirra.

Key-words: Developmentalism, Marxism, dependency, underdevelopment, Critique of Political


Economy.

Área temática: O Serviço Social e o desenvolvimento


Para a crítica da economia política desenvolvimentista:
aproximações heterodoxas ao marxismo latino-americano

No existe, pues, un conflicto real entre el revolucionario y la tradición,


sino para los que conciben la tradición como un museo o una momia.
El conflicto es efectivo sólo con el tradicionalismo.
Los revolucionarios encaman la voluntad de la sociedad
de no petrificarse en un estadio, de no inmovilizarse en una actitud.
A veces la sociedad pierde esta voluntad creadora,
paralizada por una sensación de acabamiento o desencanto.
Pero entonces se constata, inexorablemente, su envejecimiento y su decadencia.

José Carlos Mariátegui, “Heterodoxia y decadencia”, 1927.

Introdução
Os cenários político e ideológico brasileiros, reforçados pela atual crise capitalista, apontam para
um renascimento das teses desenvolvimentistas como uma saída da condição periférica do nosso país. No
plano político, há um crescente apelo – em geral, apenas retórico – no sentido de encampar um projeto de
desenvolvimento nacional, contrário ao ideário neoliberal. No plano teórico, autores influentes do
pensamento econômico nacional – tal como Luiz Carlos Bresser Pereira – buscam atualizar as teses
desenvolvimentistas para o presente, dando fôlego a um “novo-desenvolvimentismo”.
Em um passado não muito distante, o marxismo latino-americano desenvolveu uma instigante e
consistente linha de crítica às teses desenvolvimentistas. Esta crítica ganhou ainda mais força com o
aparecimento de saídas socialistas para o impasse da condição periférica e dependente da América Latina
e com o esgotamento histórico que o modelo de substituição de importações – expressão política e
econômica daquelas teses burguesas – sofreu nos anos 1960/70, saídas essas representadas pela
Revolução Cubana e pela “via chilena ao socialismo”, e catalisadas pelas mobilizações mundiais de 1968.
Neste contexto, as posturas desenvolvimentistas – de direita e também de esquerda – foram colocadas em
questão, tanto no âmbito prático como no campo teórico.
A presente comunicação tem como objetivo central resgatar a controvérsia que envolveu as teses
desenvolvimentistas e dual-estruturalistas sobre as nações periféricas, focando em algumas das mais
importantes críticas a essas teses realizadas nos anos 1960/70. Neste sentido, a intenção é apresentar uma
espécie de mapa aproximativo a um amplíssimo debate, que permanece atual e seguirá sem se esgotar
enquanto vigorar o tropo desenvolvimentista.
Para tanto, este escrito inicialmente apresenta – de forma apenas pontual – algumas das mais
significativas contribuições da crítica marxista ao mito do desenvolvimento capitalista, começando, desde
logo, pela própria crítica da economia política empreendida por Karl Marx, e passando por Lênin,
Gramsci, Mariátegui e Trotsky. A segunda parte esboça a formação da hegemonia desenvolvimentista no
pensamento econômico brasileiro, tomando como base algumas obras de síntese sobre o tema. Em
seguida, na terceira seção do texto, o foco retorna ao pensamento brasileiro – procurando ainda, na
medida das limitações deste trabalho, dar pistas do quadro latino-americano –, para então delinear,
também de modo resumido, diferentes eixos de crítica ao desenvolvimentismo, em geral elaborados
durante as décadas de 1960 e 1970, todos eles passando pelo marxismo de Caio Prado Jr. Florestan
Fernandes, Francisco de Oliveira, Ruy Mauro Marini, Theotônio dos Santos e Vania Bambirra. As
considerações finais retomam o escrito em seu conjunto, não tanto num sentido de concluir o texto, mas
sim para abrir novos caminhos de reflexão, tendo como ponto de partida a ideia de que, com as devidas
mediações, o resgate das críticas marxistas ao desenvolvimentismo pode ajudar a entender os atuais
rumos das teorias e da política brasileira e latino-americana.

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I. A crítica marxista ao mito do desenvolvimento capitalista

Desde os escritos de Marx e Engels, o marxismo desenvolve uma crítica ao desenvolvimento


econômico sob o comando do capital. Talvez a principal síntese desta crítica esteja contida no capítulo
XXIII de O Capital, intitulado A lei geral da acumulação capitalista. Neste trecho do livro, o processo de
desenvolvimento econômico é analisado a partir da exploração da força de trabalho, da geração da mais-
valia e da acumulação capitalista. Neste sentido, está explícita a crítica à visão tradicional dos
economistas a respeito do desenvolvimento, entendido como um tema ligado fundamentalmente a taxas
de crescimento do produto interno de um determinado país, bem como de inversão capitalista, emprego
(ou desemprego) dos fatores de produção e distribuição de renda.
Ainda no mesmo capítulo, Marx descreve de forma precisa os impactos sociais da acumulação
capitalista na classe trabalhadora, resultando na riqueza das classes proprietárias e no pauperismo
(relativo e, em alguns casos, absoluto) dos trabalhadores. Sob esta perspectiva, Marx entende o
desenvolvimento econômico como um mito fundador do capitalismo, pois seus resultados – alienação,
subsunção, dominação e pauperismo – são sempre desfavoráveis à classe trabalhadora. Em linhas gerais,
para Marx, a acumulação capitalista não pode prover o bem-estar social para a totalidade da população,
mas somente para uma fração. Desta impossibilidade, ele defende a revolução socialista como sendo a
única saída para os trabalhadores construírem uma sociabilidade que atenda seus interesses próprios
enquanto classe social.
Apesar da profundidade desta crítica, o marxismo entende o tema do desenvolvimento para além
das suas determinações econômicas mais diretas. É possível dizer que a porta de entrada do marxismo na
temática é a sua abordagem histórica, que discorre a respeito das grandes transformações dos modos de
produção, isto é, como eles se sucedem ao longo do desenvolvimento das forças produtivas, das
revoluções políticas e como formas pretéritas de organização social sobrevivem e se articulam com o
modo de produção capitalista. Isto está presente tanto nos clássicos internacionais quanto nacionais do
marxismo. Na obra marxiana destacam-se os textos sobre as revoluções burguesas na Alemanha (Nova
Gazeta Renana) e na França (As lutas de classes na França de 1848 a 1850 e O 18 de brumário de Luís
Bonaparte); na obra engelsiana, os estudos históricos sobre as lutas de classes na Alemanha (As guerras
camponesas na Alemanha e Revolução e contrarrevolução na Alemanha).
As tradições hegemônicas dentro do marxismo, como as formuladas pelas II e III Internacionais,
adotaram uma abordagem evolucionista para explicar o processo de desenvolvimento histórico dos modos
de produção. Segundo esta visão, a história da humanidade seria contada mecanicamente como uma
sucessão ordenada de modos de produção: comunismo primitivo, asiático, antigo, feudal e capitalista. Por
meio das crises ocasionadas pelas contradições geradas pelo desenvolvimento das forças produtivas e das
relações sociais de produção, um novo modo de produção sucederia o antigo na escala evolucionista.
Alguns dos escritos mais influentes de Karl Marx demonstram certo grau de influência do
evolucionismo na sua obra. No Manifesto do Partido Comunista, os autores anotam que “sob a ameaça da
ruína, ela [a burguesia] obriga todas as nações a adotarem o modo burguês de produção; força-as a
introduzir a assim chamada civilização, quer dizer, a se tornar burguesas. Em suma, ela cria um mundo à
sua imagem e semelhança”. No prefácio do livro Para a Crítica da Economia Política, afirma-se que “em
grandes traços podem ser caracterizados, como épocas progressivas da formação econômica da sociedade,
modos de produção: asiático, antigo, feudal e burguês moderno. As relações burguesas de produção
constituem a última forma antagônica do processo social de produção (...)”. Até mesmo em O Capital,
aparecem traços evolucionistas na forma que Marx vê o desenrolar do processo histórico: “o país mais
desenvolvido não faz mais do que representar a imagem futura do menos desenvolvido”.
Já no final da sua vida, Marx, todavia, viu-se novamente envolto em questões a respeito do
desenvolvimento histórico dos modos de produção. Por conta do seu contato com os socialistas russos,
Marx recebeu uma carta que continha a seguinte pergunta: “Será verdade que todos os países do mundo
devem, por uma necessidade histórica, passar por todas as fases da produção capitalista?” Em resumo,
Vera Zasulitch, uma das líderes do movimento operário russo, questionava a forma evolucionista de
sucessão dos modos de produção (do comunismo primitivo ao capitalismo).

3
Este contato com o movimento operário russo obrigou-o a estudar com mais afinco a história, as
estruturas de propriedade e as relações sociais de produção no campo daquele país então considerado
atrasado. Examinada a literatura, Marx responde que, dentro de certas condições sociais, seria possível
operar a revolução socialista na Rússia tendo como base a propriedade comunal do país. Ou seja, seria
possível a transição para o socialismo por meio de elementos presentes em modos de produção não-
capitalistas, sem passar necessariamente pela fase capitalista do desenvolvimento das forças produtivas.1
Na carta de resposta a Vera Zasulitch, Marx ([1881] 1982, p. 187-188) declara que a forma de
transição operada na Europa Ocidental do feudalismo para o capitalismo por meio da expropriação dos
meios de produção dos camponeses trata-se de uma especificidade histórica daquela região. Esta forma de
transição não deve ser entendida, segundo suas próprias palavras, como uma “fatalidade histórica”, como
um modelo generalizável para todos os países. Assim, podemos concluir que:

Diversos escritos de Marx e Engels, em primeiro lugar o Manifesto do Partido Comunista,


contêm, seguramente, aspectos de uma tendência evolucionista ou econômico-determinista na sua
interpretação da História. Entretanto, é totalmente equivocado reduzir o conjunto do pensamento
de Marx a uma visão da sociedade e da História resultante das leis naturais do desenvolvimento
das forças produtivas, ou a uma série de etapas calcadas no modelo europeu. (LÖWY, 2000, p. 30-
31)

Após a morte dos epígonos, desenvolveram-se correntes dentro do marxismo que romperiam com
a visão evolucionista da história dos modos de produção. O primeiro passo foi dado por Lênin na obra O
desenvolvimento do capitalismo na Rússia (1898) e, posteriormente, de forma mais lateral, porém com
importantes implicações, em seu famoso panfleto sobre o Imperialismo, fase superior do capitalismo
(1916). No primeiro título, Lênin escreveu a respeito do desenvolvimento capitalista numa formação
econômico-social periférica, averiguando como um mesmo país comportava diferentes níveis de
desenvolvimento das forças produtivas entre setores como indústria e agricultura.
Em Imperialismo, fase superior do capitalismo (1916), a partir de uma síntese crítica de algumas
análises sobre o fenômeno do imperialismo que até o momento circulavam (John A. Hobson, Rudolf
Hilferding, Karl Kautsky, Rosa Luxemburgo, Nicolai Bukharin, entre outros), Lenin buscou demonstrar
que a imanente dinâmica expansiva do capitalismo havia chegado a uma nova etapa, acentuando os
processos de concentração e centralização do capital e levando à formação de grandes monopólios. Em
sua breve definição, “o imperialismo é a fase monopolista do capitalismo” e se caracteriza por cinco
traços fundamentais:

1) a concentração da produção e do capital levada a um grau tão elevado de desenvolvimento que


criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do
capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro” da
oligarquia financeira; 3) a exportação de capitais, diferentemente da exportação de mercadorias,
adquire uma importância particularmente grande; 4) a formação de associações internacionais
monopolistas de capitalistas, que partilham o mundo entre si, e 5) o termo da partilha territorial do
mundo entre as potências capitalistas mais importantes. O imperialismo é o capitalismo na fase de
desenvolvimento em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro,
adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts
internacionais e terminou a partilha de toda a terra entre os países capitalistas mais importantes.
(LENIN, [1916] 2002, p. 67)

Sem entrar no amplo debate sobre imperialismo – talvez um dos mais ricos dentro do marxismo –,
o que importa ressaltar aqui é que, em seu “folheto popular”, Lenin toca o tema do desenvolvimento
desigual, que viria a ter grande relevância no entendimento da divergência de padrões de
desenvolvimento entre diferentes economias nacionais: “o desenvolvimento desigual, por saltos, das
diferentes empresas e ramos da indústria e dos diferentes países é inevitável sob o capitalismo” (Ibid, p.
47). Trazendo à tona especificamente as passagens referentes às consequências do desenvolvimento

1 Para uma análise destes textos dentro da obra geral de Marx, relacionando com uma leitura da realidade da América Latina,
ver Enrique Dussel (1990).

4
desigual para a periferia, vale apontar que, em sua análise, o processo de exportação de capital desde os
países centrais teria cunhado “uma sólida base para o jugo e exploração imperialista da maioria dos países
e nações do mundo, para o parasitismo capitalista de um punhado de Estados riquíssimos”, e essa
exportação de capitais “repercute-se no desenvolvimento do capitalismo dentro dos países em que são
investidos, acelerando-o extraordinariamente”. (Ibid., p. 49) O desenvolvimento desigual das empresas,
dos ramos das indústrias e, particularmente, dos diferentes países, dentro da fase imperialista, marcada
pela exportação de capitais, levaria à política do capital financeiro de partilha do mundo pelas grandes
potências. E o desenvolvimento do capitalismo na periferia, por sua vez, viria acompanhado
intrinsecamente de uma condição dependente:

Ao falar da política colonial da época do imperialismo capitalista, é necessário notar que o capital
financeiro e a correspondente política internacional, que se traduz na luta das grandes potências
pela partilha econômica e política do mundo, originam abundantes formas transitórias de
dependência estatal. Para esta época são típicos não só os dois grupos fundamentais de países – os
que possuem colônias e as colônias –, mas também as formas variadas de países dependentes que,
dum ponto de vista formal, político, gozam de independência, mas que na realidade se encontram
envolvidos nas malhas da dependência financeira e diplomática. [...] Este gênero de relações entre
grandes e pequenos Estados sempre existiu, mas na época do imperialismo capitalista torna-se
sistema geral, entram, como um elemento entre tantos outros, na formação do conjunto de relações
que regem a ‘partilha do mundo’, passam a ser elos da cadeia de operações do capital financeiro
mundial. (Ibid., p. 65-66 )

Pela sua força incisiva, enorme difusão e mesmo clareza de análise – além, é claro, da atração pela
figura histórica extraordinária de Lenin –, as formulações contidas neste “ensaio popular” tiveram
impacto dentro do campo marxista, tornando a questão do imperialismo um tema central dentro das
reflexões críticas ao desenvolvimento capitalista. No que se refere às consequências do imperialismo na
periferia ou nos “países dependentes”, tais formulações viriam a se desdobrar, já na segunda metade do
século XX, no debate sobre a condição dependente da América Latina e da periferia em geral, debate este
que, como se verá mais à frente, condensou um dos pontos altos da crítica à ideologia desenvolvimentista.
De todos modos, não obstante o peso incontestável de Lenin como fonte à esta crítica, outros
revolucionários, escrevendo sobre diferentes condições e realidades, também deixaram raízes
fundamentais para a interpretação e a prática de rompimento com a ideologia desenvolvimentista.
Já na década de 1920, Antonio Gramsci e José Carlos Mariátegui escreveram, de forma
independente e autônoma, a respeito da coexistência muito particular de diferentes modos de produção
dentro de países periféricos tais como a Itália e o Peru, respectivamente. Nestas localidades, o
desenvolvimento capitalista tinha uma história muito específica, que diferia enormemente, por exemplo,
dos modelos clássicos da Inglaterra e da França. Lá setores modernos (industriais e mineração) e arcaicos
(agricultura de subsistência de base familiar e indígena) conviviam em regiões dentro de uma mesma
nação, isto é, o desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção era desigual, tal
qual Lenin havia escrito sobre a Rússia czarista. Nos parece correto afirmar que os escritos de Gramsci e
Mariátegui recolhem as contribuições leninistas contidas em O desenvolvimento do capitalismo na Rússia
e Imperialismo como um método de “análise concreta de situação concreta” das transições históricas
entre modos de produção pré-capitalistas e o capitalismo em formações econômico-sociais do elo fraco
do mercado mundial e como tais transições se deram por meio de combinações entre o velho e o novo.
A unificação política italiana – Il Risorgimento –, ocorrida no final do século XIX, foi um caso
emblemático da contraditória relação entre revolução e restauração. Gramsci retrata a transição italiana do
feudalismo para o capitalismo como uma revolução passiva ou, então, como uma revolução-restauração,
na qual as novas classes dirigentes impõem seus projetos estratégicos de modernização econômica
negociando a manutenção de privilégios e certos interesses políticos e econômicos das antigas classes
dominantes. No caso da forma de governo, adotou-se a monarquia parlamentar, com amplo domínio da
cena política por parte do Legislativo, cabendo à Casa Real um papel simbólico; já no caso do setor rural,
impediu-se um processo de reforma agrária, bandeira típica de uma revolução democrático-burguesa, o
que resultou na conservação da antiga estrutura latifundiária, tão prejudicial as condições de vida dos
milhões de camponeses do sul do país. O processo de revolução passiva italiano foi conduzido por

5
acordos firmados pelo alto, pelas novas e antigas classes dominantes. As classes subalternas, em especial
os camponeses, foram subtraídas de qualquer tipo de protagonismo dos acontecimentos políticos e, por
isso, elas foram marginalizadas em todo o processo, não conseguindo negociar projetos do seu interesse
classista (GRAMSCI, [1934-1935] 2002).
A estreita relação entre Antonio Gramsci e José Carlos Mariátegui, por certo, mesmo não sendo
direta, tampouco é forçada. Há em ambos revolucionários eixos de interpretações em grande sintonia,
mas isso não pode derivar numa tentativa de determinar linhas claras de influência.2 Tal como afirma José
Aricó, “Mariátegui se aproxima a Gramsci não pelo pouco que pode ter lido e aceito dele, mas porque,
frente a uma problemática comum, tendeu a manter uma atitude semelhante”. (ARICÓ, 1978, p. XLII,
nota 28) Em linhas gerais, pode-se dizer que Gramsci e Mariátegui comungam do método sugerido por
Lenin de análise das transições históricas, que recusa a linha evolucionista defendida pelo marxismo-
leninista dos modos de produção ao longo do tempo e, levando a cabo suas consequências políticas,
defendem que a burguesia nacional dos seus países não são capazes sequer de cumprir as tarefas
históricas das revoluções democrático-burguesas, restando ao proletariado organizado e consciente
realizá-las no bojo das revoluções socialistas.
Mariátegui tratou de analisar a situação concreta peruana para além da tentação de adaptar esta
realidade a uma série de conceitos fechados, tratando a fonte irredutível do marxismo como instrumento
de transformação social, e não como corpo de doutrina. Contrário ao positivismo, ao materialismo vulgar
e às filosofias idealistas da história – assim como Gramsci –, a presença marxista em José Carlos
Mariátegui deve ser buscada precisamente em sua interpretação antidogmática do marxismo e em sua
busca por entender e transformar a própria realidade. Na medida em que Mariátegui se enfrentava à
questão da formação de uma linha política capaz de revolucionar a sociedade peruana, a definição dos
instrumentos teóricos para interpretação da realidade levava necessariamente a um tratamento crítico das
próprias fontes de seu pensamento.
É esta veia “leninista” de Mariátegui, imbricada com sua prática concreta, o indigenismo peruano
e as transformações políticas mundiais, latino-americanas e nacionais, que faz o autor ser amplamente
considerado ainda hoje como “o pensador marxista mais vigoroso e original que a América Latina já
conheceu”.3 (LÖWY, 2006, p. 17) Recuperar plenamente seu pensamento é tarefa inicial – que aqui
somente se anuncia – para a crítica marxista ao desenvolvimentismo latino-americano.4
Além de Marx, Engels, Lenin, Gramsci e Mariátegui, outra fonte fundamental a respeito de uma
visão dialética da história do desenvolvimento capitalista na periferia se encontra no legado de Leon
Trotsky, particularmente a partir da lei do desenvolvimento desigual e combinado. Segundo esta lei5, a
formação econômico-social russa é vista como uma formação histórica sui generis que escapa ao
esquematismo evolucionista e mecanicista, pois ela mescla, de forma desigual e combinada, elementos
modernos e arcaicos: dos setores modernos, tinha-se a indústria moderna trazida pelo capital estrangeiro
internacional dos países imperialistas (Inglaterra, França e Alemanha); dos setores arcaicos, o governo

2 Entre a crescente bibliografia que relaciona Gramsci e Mariátegui, ver os estudos de Robert Paris (1978, 1981). Vale conferir
também o artigo de Fernanda Beigel (2005).
3 Segundo José Aricó (1978, p. XIX), “los 7 ensayos de interpretación de la realidad peruana siguen siendo, a cincuenta años
de su publicación, la única obra teórica realmente significativa del marxismo latinoamericano”.
4 Nas duas décadas seguintes à precoce morte de Mariátegui, em 1930, seu pensamento foi distorcido de diferentes formas.
Conforme resume Michael Lowÿ: “Mariátegui foi acusado de eurocentrismo pelo seus adversários apristas e, por outro lado, de
‘populismo nacional’ por certos autores soviéticos” (LÖWY, 2006, p. 18). Desde aproximadamente a Revolução Cubana,
porém, seu legado tem sido recuperado em toda a América Latina e, nos últimos anos, também no Brasil, país cuja
intelectualidade – mesmo marxista – historicamente se centrou mais na Europa que na própria região. Aliás, esta tendência
pode facilmente ser vista como sinal de retorno à crítica marxista ao desenvolvimentismo.
5 “As leis da História nada têm em comum com os sistemas pedantescos. A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do
processus histórico, evidencia-se com maior vigor e complexidade nos destinos dos países atrasados. Sob o chicote das
necessidades externas, a vida retardatária vê-se na contingência de avançar aos saltos. Desta lei universal da desigualdade dos
ritmos decorre outra lei que, por falta de denominação apropriada, chamaremos de lei do desenvolvimento combinado, que
significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases diferenciadas, amálgama das formas arcaicas com as mais
modernas. Sem esta lei, tomada, bem entendido, em todo o seu conjunto material, é impossível compreender a história da
Rússia, como em geral a de todos os países chamados à civilização em segunda, terceira ou décima linha”. (TROTSKY, [1930]
1967, p. 25)

6
autocrático dos tzares e o baixo nível de desenvolvimento das forças produtivas rurais. Ambas conviviam
dentro de uma mesma totalidade – a formação econômico-social russa – e o setor arcaico não era tido
como uma barreira ao avanço do capitalismo mas, ao contrário, proporcionava certos estímulos a ele,
como a repressão autocrática do czarismo ao nascente movimento operário.
Em suma, nas primeiras três décadas do século XX, uma tradição heterodoxa do marxismo –
Lênin, Gramsci, Mariátegui e Trotsky – se colocou em posição de combate contra as tendências
mecanicistas e evolucionistas proferidas pelos órgãos oficiais do movimento operário mundial, como as II
e III Internacionais. Tais revolucionários, a partir do princípio metodológico de “análises concretas de
situações concretas” observado nas obras de Lênin, desenvolveram uma leitura dialética do
desenvolvimento histórico dos modos de produção, estabelecendo os elos de ligação entre as relações
sociais não-capitalistas e o capitalismo dentro de formações econômico-sociais periféricas, determinando,
assim, suas especificidades históricas, e não simplesmente comparando-os com modelos ideais e clássicos
do desenvolvimento capitalista. Anos mais tarde, este método marxista seria apropriado por diversos
intelectuais latino-americanos na tentativa de se decifrar a natureza do capitalismo neste rincão mais
desigual do mercado mundial.

II. O pensamento econômico brasileiro e a hegemonia desenvolvimentista


Durante mais de meio século, desde a Era Vargas até a década de 1980, a corrente
desenvolvimentista obteve a hegemonia ideológica dentro do pensamento econômico brasileiro. Entre a
crescente bibliografia sobre o tema, o livro de Ricardo Bielschowsky sobre O pensamento econômico
brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo, escrito como tese doutoral nos anos 1980 – ou seja,
em pleno quebranto do desenvolvimentismo –, segue como referência de síntese, registrando com
competência a história dos inúmeros embates políticos e controvérsias teóricas que levou ao resultado
final da vitória desenvolvimentista. Neste período, tal hegemonia teria sido tão acentuada que as agendas
teóricas e políticas dos liberais e até mesmo dos socialistas giraram em torno daquele projeto.
Em suas linhas mais representativas6 – emanadas em grande medida da Comissão Econômica para
a América Latina e Caribe (CEPAL) durante seus três lustros iniciais, isto é, entre 1949 e 1964, e
condensadas em especial nos escritos de Raúl Prebisch e Celso Furtado –, o projeto desenvolvimentista
procurava entender o subdesenvolvimento latino-americano como resultado de estruturas históricas
derivadas da formação do mercado mundial desde a expansão marítima e comercial europeia, de modo
que a divisão internacional do trabalho teria desenvolvido mecanismos de extração do excedente
econômico produzido na periferia e canalizado para o centro, criando condições estruturais e sistêmicas
de assimetria nas relações internacionais. As forças de mercado, deixadas ao sabor da sua lógica interna,
não seriam capazes de mudar o estado de coisa vigente. Seria necessária, portanto, a firme atuação de um
agente externo ao mercado para o rompimento dos elos de dominação econômica, política e cultural que
ligam a periferia ao centro. Este agente era o Estado, controlado por uma espécie de burocracia iluminada.
A promoção do desenvolvimento nacional, segundo a CEPAL, seria resultado de uma política de
planejamento econômico orquestrada e conduzida pelo Estado, seja atuando diretamente como produtor
de bens e serviços, seja como indutor de investimentos privados. Cabe destacar que o processo de
industrialização e o planejamento estatal não previam o controle total da economia, como ocorria nas
economias centralizadas socialistas. Uma das intenções era corrigir anomalias, desvios e suprir carências
da otimização realizada pelos mercados. O Estado nacional era, assim, apontado como o agente social de
transformação, preservando-se, todavia, uma autonomia relativa do empresariado.7

6 Bielschowsky e Mussi definem os postulados desenvolvimentistas da seguinte forma (2005, p.4): “O ‘desenvolvimentismo’
foi a ideologia de transformação da sociedade brasileira cujo projeto econômico teve, na fase que vai [desde 1930] até 1980, os
seguintes postulados principais: i) a industrialização integral é o caminho para superar a pobreza e o subdesenvolvimento no
Brasil; ii) não há possibilidade de conquistar uma industrialização eficiente mediante o jogo espontâneo das forças do mercado,
e por isso é necessário que o Estado planeje o processo; iii) o planejamento deve definir a expansão desejada dos setores
econômicos e os instrumentos para promover essa expansão; iv) o Estado deve, ainda, orientara a expansão, captando e
orientando recursos financeiros, provendo estímulos especiais, e realizando investimentos diretos naqueles setores nos quais a
iniciativa privada é insuficiente.”
7 Este é um resumo absurdamente limitado das linhas gerais do pensamento econômico derivado da CEPAL, apenas válido

7
A ideologia desenvolvimentista ganhou força e se tornou hegemônica quando foi encampada pela
burguesia (e por amplos setores organizados do proletariado) como arma de combate contra os interesses
oligárquicos dos latifundiários agro-exportadores. Tal burguesia, conjuntamente com setores da
burocracia estatal, tomou-a para si e transformou-a numa ideologia para seus projetos de industrialização
e autonomia nacional. Nas primeiras formulações desenvolvimentistas, a industrialização era tida,
inclusive, como condição suficiente para acabar com a concentração de renda e reproduzir os índices
sociais homogêneos e convergentes do centro aqui na periferia.
De fato, até o golpe militar de 1964, no pensamento econômico brasileiro estabelecido havia uma
espécie de consenso desenvolvimentista, que, em uma de suas vertentes – mais ligada à CEPAL e ao
Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) –, pode ser ilustrado por uma frase clássica de Celso
Furtado (1962, p. 28), publicada no livro A pré-revolução brasileira:

O desenvolvimento econômico, hoje, é, basicamente, um processo de industrialização. Esse


desenvolvimento tem raízes profundas e alcançou uma fase de semi-automatismo: quaisquer que
sejam os obstáculos que se lhe anteponham, tudo indica que ele seguirá adiante. Este fato traduz-se
na consciência generalizada de que é dever de qualquer governo deste país fazer do
desenvolvimento o seu magno objetivo.

Este consenso era tão amplo que, mesmo nas fileiras da esquerda, as posturas desenvolvimentistas
chegaram a formar uma espécie de senso comum ideológico. E vale lembrar que, desde os anos 1930 até
meados da década de 1960 – ou, mais precisamente, até a Revolução Cubana de 1959 –, a esquerda na
América Latina tinha como referência fundamental seus respectivos Partidos Comunistas, que viviam, de
acordo com a periodização de Michael Löwy, seu “período stalinista”, dificultando a renovação do
pensamento marxista sobre a realidade latino-americana.8
Neste sentido, as teses para explicar – e transformar – a América Latina eram muitas vezes
“aplicadas” de acordo com as linhas traçadas pela III Internacional, que fazia poucos matizes entre a
realidade latino-americana e asiática ou africana. O conjunto heterogêneo destes países periféricos era
taxado de semi-feudais ou semi-coloniais, ignorando-se as suas particularidades nacionais. Com isso, e
colocado de forma extremamente resumida, tornou-se generalizada a tática de frente ampla ligada a uma
suposta burguesia nacional, que, sob direção do proletariado e junto também do campesinato e a pequena
burguesia, deveria leva a cabo a revolução democrático-burguesa, capaz de desenvolver a região e
“amadurecer” as condições para uma futura revolução socialista. Tal como resume Löwy, os Partidos
Comunistas latino-americanos adotaram uma “doutrina da revolução por etapas e do bloco de quatro
classes (o proletariado, o campesinato, a pequena-burguesia e a burguesia nacional) como fundamento da
sua prática política, cujo objetivo era a concretização da etapa nacional-democrática (ou anti-imperialista
ou anti-feudal).” (LÖWY, 2006, p. 27)
A postura do Partido Comunista Brasileiro (PCB), sobretudo após o suicídio de Getúlio Vargas
em 1954, é bastante clara nesta linha. Mesmo tomando como exemplo de forma pouco cuidadosa, a
famosa “Declaração sobre a política” do PCB de 1958 permite visualizar o consenso nacional-
desenvolvimentista que aqui se busca destacar: “O proletariado e a burguesia se unem em torno do

para a finalidade de síntese adequada ao espaço deste texto. Além dos próprios textos da CEPAL, existe uma vasta bibliografia
em torno à interpretação geral sobre a economia latino-americana que dali surgiu. Sem a menor intenção de esgotar as
referências, e se atendo apenas aos trabalhos feitos por integrantes da própria CEPAL, vale mencionar as compilações feitas
por Ricardo Bielschowsky (2000), Adolfo Gurrieri (1982), assim como as obras de Oswaldo Sunkel e Pedro Paz ([1971] 2007)
e Octávio Rodríguez (1981 e 2009).
8 Isso não implica a inexistência neste período de grandes contribuições ao pensamento marxista latino-americano. Como será
comentado na próxima parte deste texto, na década de 1940 surgiram algumas das mais valiosas análises historiográficas de
cunho marxista sobre a América Latina, representadas pelas obras de Caio Prado Jr., Sergio Bagú e Marcelo Segall, entre
outras. Destacamos que, onde há hegemonia, também há o seu contrário, a resistência, a contra-hegemonia. Ao recontarmos a
história do pensamento latino-americano sobre o desenvolvimento sócio-econômico, pretendemos resgatar vozes silenciadas
pelos vitoriosos, no melhor estilo da filosofia da história de Walter Benjamin. Na tese 7, o filósofo alemão escreve que “o dom
de despertar no passado as centelhas de esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos
não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer”. (BENJAMIN, [1940] 1996, p. 224-
225)

8
objetivo comum de lutar por um desenvolvimento independente e progressista contra o imperialismo
norte-americano”. As lutas políticas das forças de esquerda, segundo indicação do PCB, deveriam girar
em torno da determinação nacional do país frente aos ataques do imperialismo e da eliminação dos
resíduos feudais no campo, formulações típicas do nacional-desenvolvimentismo e da revolução
democrático-burguesa. Estas seriam as duas contradições fundamentais da Revolução Brasileira; a
contradição de classe burguesia x proletariado ficaria subordinada às outras duas, pois, segundo a
Declaração de Março de 1958, “nas condições presentes de nosso país, o desenvolvimento capitalista
corresponde aos interesses do proletariado e de todo o povo” (PCB, [1958] 1980, p. 13).
A história econômica, social e política da América Latina e a mobilização de organizações
populares, contudo, atestaram os descaminhos dos desenvolvimentistas. Durante as décadas de 1950 e
1960, a industrialização aprofundou, por exemplo, a desigualdade social e produtiva na periferia. Não
cabe aqui tratar da série de fatores ligados à conjuntura deste período que geraram crescentes contradições
do processo de desenvolvimento capitalista periférico, mas importa assinalar que o próprio desenrolar da
industrialização na América Latina – e, neste caso, no Brasil – foi minando, na prática, as bases da
hegemonia desenvolvimentista.9 Dito de outra forma, se bem nos escritos fundacionais da CEPAL existia
uma grande exaltação do processo de industrialização como forma da periferia “aproveitar” as supostas
vantagens do comércio internacional – o que encaminharia o desenvolvimento “para dentro” e não mais
“para fora” –, o surgimento de uma nova realidade nos anos 1960 de algum modo obrigou uma releitura,
por parte da equipe da própria CEPAL, sobre o processo de industrialização, que não teria permitido a
superação do caráter dependente e periférico da região.10
Neste novo contexto histórico, por diferentes caminhos teóricos e também políticos, as críticas ao
desenvolvimentismo foram tomando espaço no cenário ideológico, sendo contidas não mais pela sua
hegemonia, mas pela repressão direta, representada no Brasil pelo golpe civil-militar de 1964.11 Assim, se
iniciou uma crítica aos efeitos deletérios da industrialização latino-americana, o que se deu dentro do
próprio desenvolvimentismo, mas também, e de forma ainda mais radical e direta, no campo da esquerda
revolucionária e do marxismo.
É neste momento que o debate sobre o desenvolvimento e o subdesenvolvimento começa a dar
lugar à discussão mais detida sobre a dependência, conceito este que entra em disputa e concentra um dos
mais ricos debates do pensamento latino-americano.12 Despontam então análises como as do próprio
Celso Furtado sobre os obstáculos estruturais ao desenvolvimento – elevada concentração de renda,
estrutura agrária semifeudal, inflação, déficits, aumento da renda de grupos parasitários, entre outros
fatores. Pouco depois, mais precisamente em 1967 – com publicação ampla em 1969 –, surge o famoso
livro de Fernando Henrique Cardoso junto com Enzo Faletto, Dependência e desenvolvimento na
América Latina. Escrito como estudo interno do Instituto Latino-americano de Planificação Econômica e
Social (ILPES), órgão ligado diretamente à CEPAL, este livro teve grande impacto no debate sobre a
dependência latino-americana, dando novo corpo à hegemonia desenvolvimentista, ainda que agora não
mais focado nas políticas específicas para alcançar o desenvolvimento, mas articulando a reprodução
interna da dependência com o caráter associado ao centro do desenvolvimento na periferia.13
Importa ressaltar que, a partir da segunda metade da década de 1960, colocou-se em movimento
uma estratégia das classes proprietárias para a retomada da sua supremacia política e ideológica com o
objetivo de se implantar novos padrões de acumulação e dominação na América Latina, do qual o Brasil
foi um caso exemplar. Para isto as elites regionais, apoiadas pelo imperialismo, lançaram mão de recursos

9 É ampla a bibliografia sobre o tema. Para duas boas sínteses ainda pouco conhecidas no Brasil, cf. Ruy Mauro Marini (1993)
e Theotônio dos Santos (1978), em especial o capítulo XIV, sobre a crise do modelo de desenvolvimento da América Latina.
10 Cf. Jaime Osorio (1995), especialmente p. 32-36.
11 De certa forma, aliás, este golpe catalisou a crítica ao desenvolvimentismo, entre outras razões pela mera reunião física de
muitos intelectuais e militantes que, perseguidos pela ditadura e exilados do Brasil, terminaram por se exilar no Chile, país que
era sede da CEPAL e vivia um contexto de grande transformação social, que pouco depois levaria à “via chilena ao
socialismo” encampada pela Unidad Popular e liderada por Salvador Allende. Sobre as contradições que, em 1973, levariam
este país ao fatídico golpe militar e à ditadura de Augusto Pinochet, ver Ruy Mauro Marini (1976).
12 Cf. Theotônio dos Santos (1978), particularmente o capítulo XIX.
13 Sobre o impacto desta obra e, particularmente, sobre a forma como o debate sobre a dependência se deu no Brasil durante a
ditadura militar (1964-1985), ver Fernando Correa Prado (2011).

9
hegemônicos e ditatoriais, que tiveram um impacto profundo no silêncio em torno das críticas marxistas
ao desenvolvimentismo. A tais críticas é preciso retornar atualmente, sob o peso de reproduzirmos a
hegemonia desenvolvimentista já na sua fase de decadência ideológica.14

III. A crítica do marxismo brasileiro ao desenvolvimentismo


De acordo com a economia política cepalina, o subdesenvolvimento não deveria ser entendido
como uma etapa primitiva e originária do desenvolvimento econômico. Segundo suas principais teses, o
processo de desenvolvimento dos países atrasados não seria determinado naturalmente pela evolução
temporal, ao contrário do que pregavam o modelo de W.W. Rostow ou as teorias sociológicas da
modernização. O subdesenvolvimento significava uma condição histórica imposta pela expansão mundial
do capitalismo, e nada garantia que os padrões de vida dos países centrais seriam alcançados pelos
periféricos. Para lá chegar, argumentavam os desenvolvimentistas cepalinos, as nações subdesenvolvidas
deveriam fazer escolhas a partir de um determinado nível de consciência dos limites e possibilidades
contidos em cada etapa histórica, visando desenvolver ações políticas15 no sentido da industrialização,
tida, como vimos, como a tábua de salvação da periferia.

O subdesenvolvimento, assim, não se inscrevia numa cadeia de evolução que começava no


mundo primitivo até alcançar, por meio de estágios sucessivos, o pleno desenvolvimento. Antes,
tratou-se de uma singularidade histórica, a forma do desenvolvimento capitalista nas ex-colônias
transformadas em periferia, cuja função histórica era fornecer elementos para a acumulação de
capital no centro. (OLIVEIRA, F., 2003a, p. 126)

Tradicionalmente, a história do pensamento econômico brasileira aponta os seminais trabalhos da


CEPAL como o ponto de partida de uma genuína teoria latino-americana.16 De fato, a economia política
cepalina destaca-se pela postura combativa, força argumentativa e criatividade teórica nos embates
ideológicos enfrentados nas décadas de 1950/60, em especial nas suas críticas ao a-historicismo dos
neoclássicos – e, indiretamente, ao esquematismo histórico das teses dos Partidos Comunistas latino-
americanos, que reproduziam as teses estalinistas da III Internacional a respeito do caráter feudal/colonial
dos países periféricos.
No entanto, com maior profundidade e antes do desenvolvimentismo cepalino, o pensamento
marxista latino-americano gestou – por diferentes caminhos e influências, mas sempre na contramão da
hegemonia estalinista dentro do pensamento e da ação comunistas na América Latina ao longo dos anos
1920/30/40 – uma teoria capaz de desvelar as especificidades históricas desta região e de apontar rumos
políticos para determinados sujeitos históricos lutarem contra os elos externos e internos de dominação,
exploração e dependência. Como exemplos dessa tradição heterodoxa do marxismo, podemos citar
Mariátegui como o fundador nos anos 1920, seguido por historiadores do porte de Caio Prado Jr., Sergio
Bagú e Marcelo Segall nos anos 1940.
Já na década de 1960, com o choque político ao desenvolvimentismo dado pela Revolução
Cubana em 1959 e, pouco depois, pelo golpe militar no Brasil em 1964, temos o surgimento de diferentes
teorias marxistas brasileiras que irão se bater frontalmente com as teses desenvolvimentistas e seus
projetos políticos. Entre as essas críticas é possível destacar as obras de Caio Prado Jr., Florestan
Fernandes, Octavio Ianni e Francisco de Oliveira, assim como os teóricos marxistas da dependência, entre

14 Sobre a decadência ideológica do desenvolvimentismo, cf. Marini (1993) e Castelo (2010a).


15 No sentido de uma ação orientada para um determinado fim, os cepalinos valeram-se das teorias weberianas. Enquanto a
teoria evolucionista darwinista da seleção natural opera por uma finalidade pré-determinada aos animais – a da reprodução das
espécies –, a weberiana parte de ações realizadas com um sentido determinado pelo sujeito, a partir de escolhas. Ou seja, a
evolução histórica das nações e sua posição relativa dentro do sistema mundial capitalista não são determinadas por questões
naturais (como prega a teoria das vantagens comparativas de Ricardo), mas sim por escolhas políticas.
16 Esta apreciação se encontra até mesmo entre os mais duros e brilhantes críticos da CEPAL, como Ruy Mauro Marini, para
quem “somente se pode falar de uma concepção bem estruturada sobre a América Latina a partir do Informe económico de
América Latina de 1949, feito pela CEPAL, publicado em 1950, e que marca o início de uma teorização mais expressiva sobre
a região, criando uma corrente de pensamento que depois irá influenciar tudo que se produz aqui.” (MARINI, 1993, p. 14)

10
eles Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos e Vânia Bambirra.
É possível afirmar que, para a primeira parte deste conjunto de autores – com exceção do
historiador Caio Prado –, a categoria analítica desenvolvimento desigual e combinado aparece como
fundamento teórico-metodológico. Esta corrente do marxismo coloca questões importantes a respeito da
constituição histórica da América Latina como uma região integrada aos circuitos comerciais, produtivos
e financeiros do imperialismo, tais como a articulação de setores pré-capitalistas na dinâmica da
acumulação capitalista internacional, o papel das burguesias nacionais e a natureza da revolução na
periferia. Esta linha de interpretação é sustentada também por uma análise escrita pelo historiador Felipe
Demier sobre a influência de Trotsky e sua lei do desenvolvimento desigual e combinado no pensamento
nacional. No seu artigo, Demier (2007, p. 77) expõe como a referida lei teórica trotskista “acabou por se
constituir em uma matriz interpretativa para os estudos de renomados intelectuais acadêmicos brasileiros
que, nas décadas de 1960-70, opuseram-se às leituras ‘etapistas’ e ‘dualistas’ sobre as condições sócio-
históricas do Brasil”. Para isto, o autor cita as obras de Caio Prado Jr., Florestan Fernandes, Octávio
Ianni, Francisco de Oliveira, Fernando Henrique Cardoso e Francisco Weffort como referências daquela
influência – direta e/ou indireta – de Trotsky na intelectualidade brasileira. Cabe ressaltar que esta
influência varia de caso a caso: por exemplo, a categoria desenvolvimento desigual e combinado está
exposta nos textos de Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Francisco de Oliveira, mas como uma noção
(difusa) em Caio Prado Jr.
O núcleo irradiador da interpretação do Brasil sob a chave do desenvolvimento desigual e
combinado pode ser localizado na obra de Florestan Fernandes, que iniciou seus estudos sobre a realidade
nacional nos anos 1950 na Escola de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP). Temas como as
relações raciais, as mudanças sociais, a industrialização, a burguesia nacional, a dependência e a transição
da sociedade escravista para a capitalista foram tratados pelo mestre da sociologia brasileira, bem como
pela sua equipe de orientandos de pós-graduação, que mais tarde assumiriam a docência na USP e
consolidariam uma hegemonia nas ciências sociais brasileiras, como Octávio Ianni, Fernando Henrique
Cardoso, José de Souza Martins e Gabriel Cohn. Segundo depoimento do próprio Florestan ([1978] 2006,
p. 22),

O grupo não produziu como grupo, mas se estabeleceram certas convergências fundamentais. Há
certos diálogos que às vezes brotam em termos de antagonismos, mas no fim os resultados vão
sempre numa direção. Acabamos dando uma contribuição importante a uma área da Sociologia
que poderia ser chamada de Sociologia Econômica: a teoria do desenvolvimento econômico nas
nações capitalistas dependentes. Esse acabou sendo o nosso principal foco de trabalho.

A crítica ao desenvolvimentismo só ganharia corpo, todavia, nos anos 1960 e 1970, com os
escritos contidos nos livros A integração do negro à sociedade de classes (1964), Sociedade de classes e
subdesenvolvimento (1968), Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina (1971) e A
revolução burguesa no Brasil (1974).17
A mesma hipótese também pode ser corroborada nos escritos de Francisco de Oliveira, tanto na
produção bibliográfica sobre Celso Furtado quanto no clássico Crítica da razão dualista. No livro A
navegação venturosa, o cientista social pernambucano anota que

a tese cepalino-furtadiana da dualidade distingue-se da constatação geral e histórica do


‘desenvolvimento desigual e combinado’ da tradição marxista (Lenin e Trotski) precisamente
porque para Furtado e a Cepal o desenvolvimento é desigual – tanto pelas diferenças de grau e
ritmo de desenvolvimento quanto pelas diferenças qualitativas entre setores que se desconhecem
entre si –, mas não é combinado. Os dois setores não têm relações articuladas: o setor ‘atrasado’ é
apenas um obstáculo ao crescimento do setor ‘moderno’, principalmente porque, por um lado, não
cria mercado interno e, por outro, não atende aos requisitos da demanda de alimentos. Nem sequer
a clássica função de ‘exército [industrial] de reserva’ o ‘atrasado’ cumpre em relação ao ‘moderno’
(...). (OLIVEIRA, F., 2003b, p. 13, grifos originais)

De acordo com Francisco de Oliveira, os cepalinos haviam conseguido perceber determinadas

17 Para mais detalhes da crítica de Florestan Fernandes ao desenvolvimentismo, cf. Rodrigo Castelo (2010b).

11
relações internacionais de dominação do centro frente à periferia e correlacionar a condição de
subdesenvolvimento dos países do sul com o desenvolvimento dos países do norte. Este seria o grande
mérito de Furtado, que não entendia o subdesenvolvimento como ausência de desenvolvimento, mas sim
como condição histórica do processo de expansão espaço-temporal do capitalismo. A CEPAL, todavia,
não conseguia transpor tais relações de dominação para o interior dos países periféricos, nem estabelecer
os elos que ligam os setores modernos e arcaicos de cada formação econômico-social da América Latina.
O livro Crítica à razão dualista, escrito em 1972, auge do milagre econômico, insere-se nas
controvérsias da estagnação econômica e dos novos padrões de acumulação implementados na América
Latina, com destaque para o capitalismo monopolista e financeiro no Brasil18. O objetivo do autor, então
pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), é assumir uma nova forma de
analisar a realidade brasileira, utilizando o método marxista e algumas das suas categorias, como
totalidade, acumulação (capitalista e primitiva), exploração, mais-valia, nodo de produção, formação
econômico-social e o desenvolvimento desigual e combinado. Chico de Oliveira trabalha segundo um
ponto de vista sistêmico da economia brasileira, entendendo-a como uma unidade de subssistemas e
processos aparentemente desconectados uns dos outros, mas que operam, dialeticamente, segundo uma
mesma lógica, resultando em um padrão de acumulação especificamente brasileiro: setores arcaicos
transferem valores excedentes para a indústria – setor dinâmico da economia –, que realiza seus valores
através da alta concentração de renda do país. Conforme escreve o sociólogo pernambucano,

A evidente desigualdade de que se reveste que, para usar a expressão famosa de Trotsky, é não
somente desigual mas combinada, é produto antes de uma base capitalística de acumulação
razoavelmente pobre para sustentar a expansão industrial e a conversão da economia pós-anos
1930, que da existência de setores ‘atrasado’ e moderno’. Essa combinação de desigualdades não é
original; em qualquer câmbio de sistemas ou de ciclos, ela é, antes, uma presença constante. A
originalidade consistiria talvez em dizer que – sem abusar do gosto pelo paradoxo – a expansão do
capitalismo no Brasil se dá introduzindo relações novas no arcaico e reproduzindo relações
arcaicas no novo, um modo de compatibilizar a acumulação global (...). (OLIVEIRA, F., [1972]
2003, p. 59-60)

Em suma, temos no desenvolvimentismo cepalino a presença da noção do desenvolvimento


desigual das forças produtivas entre regiões – centro e periferia – da divisão internacional do trabalho,
bem como uma incapacidade teórica de articular dialeticamente as contradições internas entre os setores
moderno e arcaico de um país. Ou seja, a economia política cepalina, ao contrário do marxismo
heterodoxo brasileiro (e latino-americano), ignorava a dimensão combinada do desenvolvimento
capitalista na periferia, persistindo no erro de ver o setor atrasado como uma barreira ao pleno
desenvolvimento do capitalismo na periferia.
Por um caminho distinto, mais ligado à luta política direta e em contraposição não somente com a
CEPAL, mas sobretudo com certo etapismo e dualismo presente nas análises do PCB, e com uma
influência maior de Lenin que de Trotsky, outros intelectuais brasileiros também forjaram uma densa
crítica às posturas desenvolvimentistas de direita à esquerda, dando lugar à formação de uma “teoria
marxista da dependência”. Entre esses intelectuais se destacam Andre Gunder Frank, Theotônio dos
Santos, Vânia Bambirra e Ruy Mauro Marini.19 De fato, o primeiro ponto de encontro destes autores não
foi propriamente a academia, mas sim a política. De acordo com Ruy Mauro Marini:
Na realidade, e contrariando interpretações correntes, que vêem como subproduto e alternativa
acadêmica à teoria desenvolvimentista da Cepal, a teoria [marxista] da dependência tem suas
raízes nas concepções que a ‘nova esquerda’ – particularmente no Brasil, embora seu
desenvolvimento político fosse maior em Cuba, na Venezuela e no Peru – elaborou, para fazer
frente à ideologia dos partidos comunistas. (MARINI, [1990] 2005, p. 66)

18 Sobre as controvérsias da estagnação e dos padrões de acumulação no pensamento econômico brasileiro, recomendamos a
leitura do artigo de Pablo Bielschowsky (2010).
19 Uma análise mais detalhada sobre a formação da corrente marxista da teoria da dependência pode ser vista em Fernando
Correa Prado e Monika Meireles (2010).

12
Neste sentido, mesmo reconhecendo a grande influência da abordagem histórico-estrutural
cepalina, as análises e propostas daqueles teóricos fazem parte de um embate mais diretamente ligado aos
caminhos da esquerda revolucionária latino-americana. Por certo, com a exceção de Andre Gunder Frank,
todos eles foram membros fundadores da Organização Revolucionária Marxista-Política Operária
(POLOP), formada em 1961, e cuja linha de ação se voltava precisamente contra às teses etapistas,
dualistas e, ao final de contas, desenvolvimentistas do PCB naquele momento.20 Mais adiante, a partir de
1962, os quatro participaram como professores da então recém fundada Universidade de Brasília (UnB).
E após o golpe militar de 1964, com diferentes percursos pessoais, terminaram por reunir-se novamente,
já ao final dos anos 1960 – e até o golpe de 11 de setembro de 1973 –, no Centro de Estudos
Socioeconómicos (CESO) da Universidad de Chile, que foi dirigido por Theotônio dos Santos.21
Escrevendo e atuando no exílio, e ainda censurados em seu país, esses intelectuais deixaram uma
vasta obra, cuja recuperação é essencial, não apenas a título de reconstrução da história do pensamento
econômico brasileiro22, mas sobretudo para a crítica ao desenvolvimentismo. Mesmo limitando o foco às
suas publicações de 1968 a 1973, e num quadro mais pontual que de perspectiva ou aprofundamento, um
breve panorama de livros e argumentos diretos pode ser suficiente para o alentar da reivindicação.
Em 1967, Andre Gunder Frank publicou Capitalismo y subdesarrollo en América Latina, livro
que marcou época e foi alvo de inúmeras críticas. No caminho de argumentação para alcançar seu
objetivo – “esclarecer cómo la estructura y el desarrollo del capitalismo, después de haber permeado y
caracterizado, desde hace mucho, a la América Latina y a otros continentes, continúan generando,
manteniendo y haciendo más profundo el subdesarrollo” –, Frank disparou contra o pensamento
desenvolvimentista da CEPAL e também de vários dos Partidos Comunistas da América Latina. Ainda
que a pontaria nem sempre calibrava, seu alvo era certeiro: os diferentes dualismos – tradicional e
moderno, progressivo e atrasado, feudal e capitalista –, que levavam a um concepção etapista da história
e, em termos políticos, acabavam por se juntar na ideia de que a América Latina precisaria alcançar um
determinado patamar de desenvolvimento capitalista, seja para “internacionalizar os centros de decisões”
ou para superar a “contradição principal”, da nação frente ao imperialismo.
Apenas dois anos depois, Frank reuniu outros ensaios em América Latina: subdesarrollo y
revolución, livro em que disseca criticamente a sociologia do desenvolvimento estadunidense, mostra em
textos de conjuntura as diferentes formas de atuação do imperialismo, e trata do colonialismo interno e de
classe, e cujo capítulo final, titulado “Latinoamérica: subdesarrollo capitalista o revolución socialista”,
sintetiza sua visão política. Neste livro, por certo, o dualismo também aparece entre a crítica:
Tanto en la versión burguesa como en la supuestamente marxista de la tesis de la sociedad dual, un
sector de la economía nacional que se considera que también fue antes feudal, arcaico y
subdesarrollado, despegó y se convertió en el actual sector capitalista relativamente avanzado y
desarrollado, mientras que la mayoría de la población tradicional se quedó en el otro sector que
supuestamente se estancó en su etapa arcaica feudal y subdesarrollada. La estrategia politica
asociada usualmente a estas interpretaciones del desarrollo, erróneas desde el punto de vista
empírico como del teórico, son, para la burguesía, la conveniencia de externder el modernismo al
sector arcaico, así como incorporarlo al mercado nacional y mundial y para los marxistas la

20 Sobre a trajetória da Polop, ver Marcelo Badaró Mattos (2007). Os textos originais da Polop estão sendo republicados
atualmente pelo Centro de Estudos Victor Meyer dentro do projeto 50 anos da Polop (1961-2011). Vale mencionar as
coletâneas Polop: uma trajetória de luta pela organização independente da classe operária no Brasil (2009) e Conquistas e
impasses do socialismo: seleção de textos inscritos na tradição da Polop (2010).
21 Sobre a conjuntura do debate sobre a dependência, conferir o primeiro capítulo do livro de Vania Bambirra, Teoría de la
dependencia: una anticrítica. Para a trajetória política e intelectual de cada um desses autores, ver Andre Gunder Frank (1991)
e Ruy Mauro Marini ([1990] 2005). No caso de Theotônio dos Santos e Vania Bambirra, seus respectivos memoriais
acadêmicos – escritos, assim como o de Marini, no momento de seu reingresso à UnB, após o fim da ditadura – ainda não
foram publicados, mas parte de sua trajetória pode ser vista em Carlos Eduardo Martins (1998) e Fernando Correa Prado
(2011).
22 Andre Gunder Frank é alemão, radicou-se ainda na infância nos EUA, onde se doutorou-se em economia, e viveu e atuou
em diversos países do mundo, tendo se fixado, ao final de sua carreira, na Universidade de Amsterdã. Sua inserção aqui como
parte do pensamento econômico brasileiro não é forçada, pois parte de sua obra é dedicada à análise específica do Brasil e,
além disso, vários autores brasileiros o têm como fonte de inspiração e, o que é mais comum, de crítica. Para uma visão
espelhada de vida e obra, ver Andre Gunder Frank (1991).

13
conveniencia de completar la penetración capitalista en el campo feudal y la terminación de la
revolución democrático-burguesa. (GUNDER FRANK, [1969] 1973, p. 207)

Algumas de suas teses centrais – o subdesenvolvimento não é uma etapa do desenvolvimento e há


uma polarização entre metrópole e satélite – já não era novidade na época, mas a forma direta de colocá-
la e, sobretudo, a coerência com suas implicações políticas, terminavam por fazer de seus textos pontos
de referência ou de pleno ataque.
A tendência a sublinhar o sistêmico sobre específico e o que permanece sobre o que se transforma
gerou diversas críticas, parte das quais ele respondeu em 1970 com Lumpen-desenvolvimento: lumpen-
burgesia, livro em que assume um mea culpa e procura fazer uma análise mais específica em relação às
transformações da América Latina no seu processo de “desenvolvimento do subdesenvolvimento”, assim
como à formação interna de classes, com atenção para a “lumpenburguesia”. Tal como fecha o livro,

A lumpen-burguesia latino-americana só se pode valer da manu militari para optar por uma
‘alternativa da autonomia’ e impor uma ‘estratégia de desenvolvimento’ – concebidas pelos
ideólogos da autonomia individual e da dependência instutucional – que, ao mesmo tempo que
modernizam a dependência latino-americana, através de reformas dentro da sua aliança para o
progresso do imperialismo, agudizam cada vez mais as contradições do lumpensenvolvimento
latino-americano, até à sua resolução pelo povo por meio da única e verdadeira estratégia do
desenvolvimento: a revolução armada e a construção do socialismo. (GUNDER FRANK, 1971, p.
131)

Ainda que, vistas atualmente de fora da totalidade da obra, essas citações pinçadas acabem por
deixar um quadro unilateral de seu pensamento na época, o certo é que a obra inicial de Andre Gunder
Frank condensou posições e catalisou debates latentes, repercutindo em diversas frentes políticos e
teóricos. E foi esta atmosfera crítica que perpassou os trabalhos de Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra
e Ruy Mauro Marini.
Inicialmente, vale dizer que a obra de Theotônio dos Santos vai além de seus diversos livros, pois
também teve um papel fundamental como diretor do CESO da Universidad de Chile, organizando um
conjunto de abordagens em torno ao subdesenvolvimento e à dependência da América Latina. Entre seus
livros escritos no período 1968-1973, estão El nuevo carácter de la dependencia (1967), Socialismo o
fascismo: el dilema latinoamericano (1968) e Dependencia y cambio social (1969). Ainda que publicado
mais tarde, somente em 1978, vale destacar seu livro Imperialismo y dependencia, que reúne num volume
boa parte dos escritos antes mencionados. Na terceira parte deste livro, após traçar o caminho de ascensão
e queda das teorias do desenvolvimento, revelando suas limitações tanto teóricas como políticas, e
mostrar como o modelo de desenvolvimento prevalecente entre 1930 e 1960 havia entrado em crise,
Theotônio dos Santos se debruça especificamente na definição de um conceito de dependência e sua
aplicação dialética ao contexto latino-americano. Neste ponto aparece sua definição de dependência que
se tornou uma referência:

La dependencia es una situación en la cual un cierto grupo de países tienen su economía


condicionada por el desarrollo y expansión de otra economía a la cual la propia está sometida. La
relación de interdependencia entre dos o más economías, y entre éstas y el comercio mundial,
asume la forma de dependencia cuando algunos países (los dominantes) pueden expandirse y
autoimpulsarse, en tanto que otros países (los dependientes) sólo lo pueden hacer como reflejo de
esa expansión, que puede actuar positiva y/o sobre su desarrollo inmediato. De todos modos, la
situación de dependencia conduce a una situación global de los países dependientes que los sitúa
en retraso y bajo la explotación de los países dominantes. (Dos SANTOS, 1978, p. 305)

Além de propor uma definição específica para o conceito de dependência e buscar sistematizar os
aspectos teóricos, metodológicos e políticos que este mesmo conceito acarreta, Theotônio dos Santos
gerou uma interpretação própria sobre as formas históricas de dependência da América Latina: i) a
dependência colonial, comercial-exportadora; ii) a dependência financeiro-industrial; e iii) a dependência
tecnológico-industrial. Sua contribuição mais fundamentada se concentra na “nova dependência”,
buscando compreender sua realidade contemporânea a partir de um apurado esquema teórico-histórico.

14
As conclusões que Thetônio dos Santos alcança a partir da análise da “nova dependência” são
fundamentais no sentido de tentar superar as ilusões do desenvolvimentismo, chegando a um pressuposto
crítico – e, bem entendido, também contraditório:
[...] los nuevos modelos de desarrollo económico en América Latina deben partir de la aceptación
de que el desarrollo capitalista nacional y autónomo es una fase pasada de nuestra historia, una
alternativa que se pierde antes de consumarse, una oportunidad coyuntural que entra en choque
con las tendencias estructurales del sistema capitalista mundial. [...] (Ibid, p. 437)
La opción continúa siendo la misma a pesar de los cambios de coyuntura que favorecen a corto
plazo a los gobiernos y movimientos de centro-izquierda: la profunda crisis latinoamericana no
puede encontrar solución dentro del capitalismo. O se avanza revolucionaria y decididamente
hacia el socialismo y se abre un camino de desarrollo y progreso para las amplias masas de
nuestros países, o se apela a la barbarie fascista, única capaz de asegurar al capital las condiciones
de supervivencia política por un cierto tiempo para que pueda continuar su desarrollo dependiente,
basado en la superexplotación de los trabajadores, la desnacionalización de nuestra economía, la
exclusión de vastos sectores de la pequeña burguesía, la aventura exportadora en detrimento del
consumo de las masas nacionales. Tal tipo de “desarrollo económico” sólo podrá imponerse en
base a la más bárbara tiranía. (Ibid., p. 471)

De forma resumida e limitada, pode-se dizer que Theotônio procurou, através do conceito de
dependência, entender a especificidade histórica dos países periféricos – no caso, dos países latino-
americanos – visualizando-os como parte integrante do sistema mundial capitalista e se afastando de
qualquer ilusão igualitária em relação ao desenvolvimento capitalista dentro deste sistema, o que o levou
a apontar a luta pelo socialismo como a opção necessária.
Vania Bambirra também fundou e militou na POLOP e, após o golpe de 1964, se exilou no Chile,
e lá trabalhou no CESO, deixando contribuições fundamentais para o debate sobre a dependência e a
crítica ao desenvolvimentismo. Sua obra perpassa diferentes temas desta crítica, desde uma análise sobre
El capitalismo dependiente latinoamericano (1972), passando pela análise minuciosa das experiências
revolucionárias latino-americanas, em especial a Revolução Cubana – este trabalho se condensou em dois
livros, Diez años de insurrección en América Latina (1971), em que oferece uma visão de conjunto sobre
a situação do movimento revolucionário latino-americano e compila análises de intelectuais e militantes
de diversos movimentos, e La Revolución Cubana: una reinterpretación (1972), livro em que,
preocupada em entender as características que poderia assumir o processo de transição socialista na
América Latina, Vania Bambirra se dedicou a estudar a fundo a única experiência concreta de transição
que se vivia na região, isto é, a Revolução Cubana, aprofundando uma crítica que já vinha formulando
sobre os erros da “teoria do foco revolucionário”, que ao seu entender estava assentada numa concepção
espontaneísta e voluntarista da revolução. Mais adiante publicaria Teoría de la dependencia: una
anticrítica (1978), ensaio de fôlego que retorna aos debates que se travaram entre 1968 e 1973, apontando
alguns equívocos de interpretação da teoria da dependência. Para o que aqui interessa – fazer uma
aproximação, mesmo que demasiado breve e pontual, ao marxismo latino-americano como forma de
encontrar raízes da crítica ao desenvolvimentismo –, cabe retomar alguns trechos do primeiro capítulo
desta anticrítica, em que aponta a direção dos estudos que se faziam no CESO em torno da questão da
dependência:

A mi juicio la teoría de la dependencia debe entenderse como la aplicación creadora del marxismo-
leninismo a la comprensión de las especificidades que asumen las leyes de movimiento del modo de
producción capitalista en países como los latinoamericanos, cuya economía y sociedad, conformadas
después de la destrucción de las sociedades indígenas, fueron productos del desarrollo del modo de
producción capitalista primero en Europa, en seguida en Estados Unidos, y son redefinidas en
función de las posibilidades estructurales internas, vale decir de la diversificación del aparato
productivo. [...] Las formulaciones más rigurosas respecto del condicionamiento ejercido por los
países capitalistas más desarrollados en el siglo XIX sobre la formación económico-social
dependiente capitalista exportadora han tratado de fundamentar este condicionamiento en función de
los cambios sustanciales que ocurrieron en el sistema productivo de aquellos países. (BAMBIRRA,
1978)

Após resumir o centro de algumas análises surgidas no CESO - entre elas, sua interpretação do
15
“capitalismo dependente latino-americano” -, completa: “Son todos estos elementos los que permiten
explicar el agudo cuadro de crisis que atraviesan nuestros países y cuestionan radical y definitivamente la
posibilidad de un desarrollo nacional autonomo, cual preconizaba la CEPAL y en el cual creen los
partidos comunistas”. E Vânia Bambirra tinha claro que a superação de um pensamento não implica a
renúncia do anterior, mas sim sua incorporação crítica; sobre este ponto, vale citá-la mais extensamente:

[...] ningún nuevo pensamiento surge del vacío. Así como los estudios sobre la dependencia
asimilaron toda una vasta tradición del pensamiento marxista (como hemos dicho, no
23
ahondaremos en ella aquí, pues este análisis ya fue hecho por Theotonio Dos Santos) , de la
misma manera tuvo que incorporar avances provenientes del pensamiento nacionalista de
izquierda y desarrollista. Sería absurdo y grotesco negar que los teóricos de los partidos
comunistas como un R. Arismendi, o historiadores que buscan aplicar el materialismo histórico
como Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, Sergio Bagú, entre otros; o desarrollistas como
Prebisch y Aníbal Pinto, o un autor como Celso Furtado, no han aportado nada al conocimiento de
la realidad latinoamericana. Obviamente han aportado y bastante. En el caso de los de izquierda,
pese a varias limitaciones que se pueden encontrar en su obra, trataban de hacer los análisis más
objetivos posibles a fin de comprender para transformar. En el caso del desarrollismo, que fue la
expresión mejor elaborada en el continente de la ciencia social burguesa, por cierto desde la visión
del mundo burgués tenía que tratar de ser lo más objetiva posible pues la burguesía, sobre todo
mientras es revolucionaria necesita, para el funcionamiento y afirmación de su sistema, del
conocimiento objetivo. Por esto, para prestar servicios eficientes a su clase la CEPAL buscaba
siempre objetividad, obviamente dentro de sus límites, que están dados por el hecho de que siendo
una institución del sistema, en cuanto tal no puede cuestionarlo y, por eso, sus análisis tienden a
perder objetividad y adquirir un corte nítidamente ideológico. En 1949, cuando surgen los
primeros análisis de esta institución el nuevo carácter de la dependencia aún no estaba plenamente
configurado y era la propia burguesía latinoamericana quien soñaba con un desarrollo nacional
autónomo. En los años sesenta, consumado el cambio de situación y de posición de la propia
burguesía, la teoría cepalina deja de corresponder a los intereses propios de la clase que buscaba
orientar y pasa a corresponder a un utópico sueño pequeñoburgués. Pero muchos de los análisis
sobre aspectos parciales de la realidad que esta institución había realizado, mucha de la
documentación empírica que había organizado y procesado e incluso muchas de sus categorías de
análisis, correspondían a una descripción más o menos objetiva de sus objetos de investigación. Lo
que había de ser cuestionado a fondo era su método de análisis, sus supuestos teóricos y políticos,
el enfoque de los problemas y desde luego las soluciones que preconizaba.

Fica claro neste trecho que para esta crítica marxista ao desenvolvimentismo não há contradição
entre a postura revolucionária e a tradição estalecida em determinado momento histórico. Pelo contrário,
a crítica não pode ser tradicionalista, mas tampouco se origina num vácuo teórico. Em suma, a crítica
deve colocar em questão o núcleo central dos argumentos criticados, e para tanto deve, obviamente,
conhecer profundamente tais argumentos.
Isso remete à relação entre ortodoxia e heterodoxia, não apenas frente aos argumentos criticados,
mas também diante da própria matriz teórica da crítica, que, neste caso, está formada pelo marxismo. Há
um estreito limite entre o apego ao marxismo de forma criativa e sua deformação ou fusão com outros
corpus teóricos e políticos, levando ao ecletismo. É a superação deste perigoso limite que aponta parte da
obra de Ruy Mauro Marini.
Formada por excelentes "análises concretas de situações concretas" – tais como, por exemplo, os
ensaios que conformam seu primeiro livro, Subdesarrollo y revolución (1969), ou também seus trabalhos
sobre El reformismo y la revolución: estudios sobre Chile (1976) –, no qual figuram, por exemplo, a
temática do subimperialismo, além de valiosas compilações do pensamento crítico latino-americano24, a
obra de Marini se destaca por interpretações com maior nível de abstração sobre a Dialética da
dependência (1973) e o "ciclo do capital na economia dependente", sempre tratando de manter a
rigorosidade conceitual do marxismo, mas sem com isso deformar a realidade para encaixá-la no

23 Aqui Vania Bambirra se refere ao capítulo “Antecedentes teóricos de la teoría de la dependencia”, em Theotônio dos
Santos, Imperialismo y dependencia, op.cit.
24 Cf. Marini ([1969] 1974, [1973] 1991, 1976 e 1994). Grande parte de seus escritos estão disponíveis em: www.marini-
escritos.unam.mx.

16
conceito. Daí aparecer novas formulações teóricas, como o conceito de superexploração baseado nas
categorias marxianas de exploração, mais-valia absoluta e relativa. Por certo, foi esta característica que
levou à consideração comum entre diferentes autores de que a obra de Marini funda as bases de uma
teoria marxista da dependência.25
Não é a intenção aqui fazer uma retomada completa de sua obra – o que seria impossível neste
espaço e, por certo, tem sido cada vez mais realizado na atual conjuntura26 –, mas, já passando ao tom das
conclusões provisórias do presente escrito, convém apontar para uma percepção atinada de Marini ao
princípio dos anos 1990 em relação à volta do desenvolvimentismo como bandeira ideológica:
De fato, depois da luta ideológica da segunda metade da década de setenta, em que os intelectuais
da esquerda entraram divididos e em que intervieram os que respondiam ao comando da grande
burguesia, o pensamento social latino-americano não conseguiu retomar a elaboração crítica e
original que vinha realizando, o que tornou difícil a formulação de uma alternativa de esquerda às
pressões exercidas contra os povos da região. [...] Por parte das forças progressistas, que buscam
expressar as aspirações das grandes massas, o que se está verificando é o recurso ao nacional-
desenvolvimentismo tradicional e a certas teses da teoria da dependência, o que – pela falta de um
referencial dinâmico – tende a representar, às vezes, uma simples volta ao passado (MARINI,
1992, p. 99-100).

IV. Considerações finais


Atualmente, com a crise do neoliberalismo no mundo inteiro, e a crise orgânica na América
Latina, há uma volta ao passado desenvolvimentista, ideologia esta que, de fato, ainda hegemoniza o
pensamento econômico brasileiro. Trata-se aqui de resgatar a tradição marxista como fonte orientadora
para a necessária e renovada crítica do presente, sem com isso cair no tradicionalismo, que apenas repete
o passado, dando fórmulas anteriores para questões anacrônicas. De volta a Mariátegui, que abre este
breve ensaio de aproximações:

No hay que identidicarse con los tradicionalistas. El tradicionalismo [...] es en verdad el mayor
enemigo de la tradición. Porque se obstina interesadamente en definirla como un conjunto de
reliquias inertes y símbolos extintos. Y en compendiarla en una receta escueta y única.
La tradicción, en tanto, se caracteriza precisamente por su resistencia a dejarse a aprehenderse en
una nueva fórmula hermética. Como resultado de una serie de experiencias – esto es, de sucesivas
transformaciones de la realidad bajo la acción de un ideal que la supera consultándola y la modela
obedeciéndola –, la tradición es heterógena y contradictoria en sus componentes. Para reducirla a
un concepto único es preciso contentarse con su esencia, renunciando a sus diversas
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25 Cf. Jaime Osorio (2004), Nildo Ouriques (1995), Cristóbal Kay (1989) e Adrián Sotelo Valencia (2005).
26 Após sofrer um cerco sistemático no Brasil, há uma crescente recuperação da obra de Marini. Sem chance de esgotar as
referências aqui, e seguramente deixando de lado importantes trabalhos, é possível lembrar a seguinte bibliografia: Sader
([org.] 2000); Traspadini e Stédile ([org.] 2005); Luce (2007); Carcanholo (2008) e Bueno e Seabra (2009).

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