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Geografia

Introdução à Ciência Geográfica

Aldo Dantas
Tásia Hortêncio de Lima Medeiros
Introdução à Ciência Geográfica
Aldo Dantas
Tásia Hortêncio de Lima Medeiros

Geografia

Introdução à Ciência Geográfica


2ª Edição

Natal – RN, 2011


Governo Federal
Presidenta da República
Dilma Vana Rousseff

Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia

Ministro da Educação
Fernando Haddad

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN


Reitora
Ângela Maria Paiva Cruz

Vice-Reitora
Maria de Fátima Freire Melo Ximenes

Secretaria de Educação a Distância (SEDIS)


Secretária de Educação a Distância Secretária Adjunta de Educação a Distância
Maria Carmem Freire Diógenes Rêgo Eugênia Maria Dantas

FICHA TÉCNICA

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS DIDÁTICOS EDITORAÇÃO DE MATERIAIS


Marcos Aurélio Felipe Criação e edição de imagens
Adauto Harley
Anderson Gomes do Nascimento
GESTÃO DE PRODUÇÃO DE MATERIAIS Carolina Costa de Oliveira
Luciana Melo de Lacerda Dickson de Oliveira Tavares
Rosilene Alves de Paiva Leonardo dos Santos Feitoza
Roberto Luiz Batista de Lima
Rommel Figueiredo
PROJETO GRÁFICO
Ivana Lima
Diagramação
Ana Paula Resende
REVISÃO DE MATERIAIS Carolina Aires Mayer
Revisão de Estrutura e Linguagem Davi Jose di Giacomo Koshiyama
Eugenio Tavares Borges Elizabeth da Silva Ferreira
Janio Gustavo Barbosa Ivana Lima
Jeremias Alves de Araújo José Antonio Bezerra Junior
Kaline Sampaio de Araújo Rafael Marques Garcia
Luciane Almeida Mascarenhas de Andrade
Thalyta Mabel Nobre Barbosa Módulo matemático
Joacy Guilherme de A. F. Filho
Revisão de Língua Portuguesa
Camila Maria Gomes
IMAGENS UTILIZADAS
Cristinara Ferreira dos Santos
Acervo da UFRN
Emanuelle Pereira de Lima Diniz
www.depositphotos.com
Janaina Tomaz Capistrano
www.morguefile.com
Priscila Xavier de Macedo
www.sxc.hu
Rhena Raize Peixoto de Lima
Encyclopædia Britannica, Inc.
Sandra Cristine Xavier da Câmara

Revisão das Normas da ABNT


Verônica Pinheiro da Silva

Catalogação da publicação na fonte. Bibliotecária Verônica Pinheiro da Silva.

Dantas, Aldo.

Introdução a Ciência Geográfica / Aldo Dantas e Tásia Hortêncio. – 2. ed. – Natal: EDUFRN, 2011.

210 p.: il.

ISBN 978-85-7273-874-3

Disciplina ofertada ao curso de Geografia a Distância da UFRN.

1. Geografia. 2. Ciência. 3. Introdução. I. Hortêncio, Tásia. II. Título.

CDU 91
D192i

© Copyright 2005. Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – EDUFRN.
Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educacão – MEC
Sumário

Apresentação Institucional 5

Aula 1 O saber geográfico 7

Aula 2 A ação humana 23

Aula 3 A Geografia na Antiguidade 35

Aula 4 A Geografia na Idade Média 47

Aula 5 Os tempos modernos 59

Aula 6 Espaço e modernidade 71

Aula 7 A institucionalização da Geografia 83

Aula 8 A Geografia de Humboldt e Ritter 97

Aula 9 A Geografia ratzeliana e seu contexto 109

Aula 10 A Geografia vidaliana e o seu contexto 127

Aula 11 A abordagem regional vidaliana 141

Aula 12 Os movimentos de renovação 157

Aula 13 A institucionalização da Geografia no Brasil 169

Aula 14 O nascimento da Geografia científica no Brasil 181

Aula 15 Milton Santos: o filósofo da técnica 195


Apresentação Institucional

A
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das
Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação
a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil –
UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a
primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo
implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se
para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações
em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a Sedis tem disponibilizado um conjunto de
meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são
elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfico para atender às necessidades
de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e
que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas,
livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que
possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra o grupo de instituições que assumiram o
desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como moda-
lidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o
acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente
em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de
graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino
Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e o conhecimento
uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual
e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e
com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLE-
TE O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade
estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil.

SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA


SEDIS/UFRN

5
O saber geográfico

Aula

1
Apresentação

N
esta primeira aula da disciplina Introdução à Ciência Geográfica, vamos aprender o
que se entende por saber geográfico. Nesse sentido, estudaremos: como esse saber é
essencial para os homens; de que maneira os conhecimentos geográficos servem para
ordenar a superfície da Terra, gerir, explorar, organizar e substituir uma primeira natureza, que
chamamos “intocada”, por uma natureza segunda, entendida como a natureza transformada
pelo homem; e como a Geografia e os saberes geográficos ajudam a compreender as relações
humanas e as inter-relações do homem e do seu entorno, fazendo brotar, na superfície, os
meios humanos, as paisagens, as regiões, os territórios.

Usando elementos do cotidiano e de nossa formação/informação básica, pretendemos


auxiliá-lo na compreensão de como se estrutura o espaço geográfico e de como ele é apreendido
pela Geografia enquanto ciência.

Objetivos
Compreender como o saber geográfico se relaciona à
1 aventura humana na Terra.

Identificar de que maneira as necessidades do homem


2 criam espacialidades diversas.

Relacionar os elementos que compõem o saber


3 geográfico.

Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica 9


A curiosidade do homem
e sua aventura na Terra

Antes de começarmos este estudo, é importante distinguirmos Geografia


(enquanto ciência) de conhecimento ou saber geográfico. O saber geográfico é
algo mais do que a Geografia enquanto ciência que se institucionaliza no século
XIX. Essa institucionalização significou a sistematização científica do saber
geográfico desenvolvido no processo civilizatório. Nesse sentido, não podemos
confundir ciência geográfica com saber geográfico, uma vez que este último não
se resume às formas instituídas pela academia. O saber geográfico enquanto
conhecimento acerca do mundo está presente em todos os tempos e em todas
as civilizações. Assim, quando falamos de geografia, antes da sua sistematização,
estamos, na verdade, falando de saber geográfico.

Você sabia que a geografia tem a idade da humanidade? Caso tenha respondido
positivamente, você deve ter entendido que ela é, como todo saber, a expressão de uma
curiosidade e a resposta a essa curiosidade. Habitante da superfície da Terra, o homem tem,
desde o início dos tempos, procurado saber onde se encontra, conhecer o que existe além
do lugar onde mora, inventariar cada elemento da extensão terrestre, identificar e nomear os
lugares, descrever e conferir representações.

Figura 1 – Relação do homem com a Terra

10 Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica


Poder se situar, de forma absoluta (onde estou?) e relativa (o que existe aquém e além do
lugar onde estou?); poder se deslocar e construir um itinerário; conhecer as terras longínquas
onde jamais se esteve e a diversidade dos homens que lá vivem, os recursos, as riquezas
para explorar; representar e transmitir saberes: tal é a longa busca empreendida pelo saber
geográfico. Essa aventura geográfica da humanidade comporta a história da exploração e da
descoberta da Terra, bem como a extraordinária história de sua representação cartográfica. A
seguir, vemos dois exemplos: um da Antiguidade grega e outro do século XVIII.

Figura 2 – (a) Cópia de mapas gregos antigos representando o continente Antártico sem gelo; (b) Mapa de
Buache desenhado em 1737

O homem jamais se contentou em apenas observar a Terra. Por meio de uma constante
interação com o meio, ele tem deixado as suas marcas: tira da Terra os elementos essenciais
à sua vida. Com essa intervenção, as sociedades humanas “desnaturam” a superfície da Terra,
o que implica sua transformação.

Com este nosso papo, você já deve estar imaginando que o homem é um agente
geográfico quando ele descobre novos lugares, drena, cultiva, constrói, substitui o meio natural
por um meio artificial, ou melhor, por um meio “humano”.

Figura 3 – Roma Antiga

Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica 11


A ação geográfica dos homens implica inscrição de traços, de linhas, de superfícies
de volume (áreas produtivas, manchas urbanas), sendo alguns destes visíveis, como rotas,
campos, construções, e outros não diretamente perceptíveis, como relações sociais, fronteiras,
fluxos de relações. Pontos, linhas, superfícies, volume, densidade são, de maneira ampla,
escrituras geográficas. As paisagens atestam a diversidade dessa escritura. Tomando por
Milton Santos
base Milton Santos (2006), podemos dizer que a paisagem é constituída por um conjunto
Um dos maiores geógrafos de formas que, num dado momento, exprime as heranças que representam as sucessivas
brasileiros que dedicou
relações localizadas entre o homem e a natureza. Conjunto de elementos naturais e
boa parte de sua vida
aos estudos urbanos do artificiais que fisicamente caracterizam uma determinada área.
terceiro mundo e à teoria e
metodologia geográficas.

Figura 4 – Milton Santos

Depois de ter “escutado”, atentamente, o que disse o professor Milton Santos, você
deve estar percebendo que o saber geográfico está relacionado à análise da paisagem, à
compreensão de seus significados e de seus valores.

Veja que o saber geográfico nasce da forma de olhar que os homens constroem sobre seu
meio, das questões que eles se colocam sobre o sentido de sua presença nesse meio, sobre
as influências que eles sofrem do meio e sobre os efeitos de suas intervenções.

A partir dessa breve exposição, você deve ter percebido que o saber geográfico surge da
curiosidade humana e das interrogações que os homens se colocam diante das possibilidades
e das limitações de suas ações frente às condições do meio; e que suas ações implicam marcas
e um perpétuo conflito entre a realização de suas necessidades e o meio.

12 Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica


Atividade 1
Para esta atividade, você deverá tirar duas fotos de lugares distintos. Caso não
tenha máquina fotográfica, pegue duas folhas de papel A4 e faça um desenho,
ou utilize-se de fotos de revistas e livros. Em seguida:

descreva a paisagem. O que você está vendo? Elenque os elementos


1 naturais e humanos (edificações, estradas, ruas, plantações etc.).
Observe pontos (uma indústria, uma praça, uma rodoviária, uma
escola), áreas (campos plantados), linhas (sistema viário, ruas,
caminhos) que chamem sua atenção.

o que você viu tem alguma função? Qual(is)?


2
estabeleça relações entre os elementos que você descreveu. Exemplo:
3 uma casa serve de moradia, a escola, para aprender e a criança é um
dos elos entre esses dois lugares.

e suas paisagens têm história? Descubra e conte um pouco para nós.


4

Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica 13


Elementos do saber geográfico
Neste item, veremos cinco elementos importantes para a compreensão do desenvolvimento
do saber geográfico, vá se familiarizando com eles, pois serão importantes para sua formação
como professor de Geografia. Esses elementos variam no tempo, mas são sempre importantes
para a análise geográfica.

Posições e contornos
Os homens desenvolveram esforços consideráveis para poder se situar e ter uma idéia
da forma, dos contornos e da articulação entre os continentes. De diversas maneiras, o
homem enfrentou as difíceis etapas do reconhecimento da Terra; os navegadores foram os
principais descobridores dos limites das terras e dos litorais. Sobre seus barcos, guiados
pelo fio condutor das costas, impulsionados pelos ventos e pelas correntes, esses homens
empreenderam viagens e expedições em direção a terras míticas, imaginárias ou reais. Eles
desenharam os contornos das costas; depois, com seus barcos mediram as distâncias,
a duração das navegações, identifi caram as posições topográfi cas. Deram às terras
descobertas milhares de nomes.

Foi subindo e descendo rios ou acreditando descobrir suas desembocaduras ou mares


interiores que os homens adentraram os continentes. As viagens de exploração por via terrestre,
mais difíceis, foram raras e tardias.

Veja que a identificação da configuração dos continentes e oceanos necessitava da


resolução de três séries de problemas: 1) o conhecimento da forma da Terra; 2) o conhecimento
de suas dimensões; e 3) a definição das coordenadas de um lugar. A esfericidade da Terra
foi admitida e suas dimensões foram medidas desde a Antigüidade. Entretanto, enquanto a
Latitude e Logitude latitude e a longitude não foram definidas com precisão, os homens não puderam “dominar”
Distância em graus de efetivamente o seu Planeta.
qualquer ponto da Terra
tomando como referência A partir disso, fica claro que a atitude de se orientar constitui uma das bases de todo
a linha do equador e saber geográfico.
distância em graus de
qualquer ponto da Terra
tomando como referência
o meridiano de Greenwich,
respectivamente. Você
Identificação e inventário dos lugares
verá melhor esses dois
O conhecimento dos contornos e das posições geográficas depende de outro
conceitos na disciplina
Leitura Cartografia e conhecimento, aquele do conteúdo de cada lugar da superfície terrestre. A curiosidade dos
Interpretações. homens apenas se satisfaz quando ele preenche os vazios das cartas e substitui os lugares
míticos e imaginários por lugares “reais”.

Diversas finalidades deram sustentação a esta empreitada: terras a conquistar, impérios


a dominar, riquezas para se apropriar, populações para descobrir, rios e fontes, montanhas e

14 Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica


lagos para inventariar. Assim, o desejo de conhecer foi sempre orientado e seletivo em relação
às intenções dos homens e das sociedades. Ele varia com a escala que se deseja atingir, ou seja,
varia em função da distância e do afastamento dos lugares que se quer conhecer. Conhecer
significa criar itinerários que são “memorizados” graças à observação dos traços da topografia
próxima e longínqua, à memorização das cores da vegetação, das nuances do relevo etc.

Para melhor inventariar e identificar, primeiramente, fixa-se os fenômenos mais


remarcáveis ou que fornecem os melhores marcos e sinais: o traçado dos rios, os obstáculos
montanhosos, os desfiladeiros, os vulcões, os lagos, os animais e também as cidades. Em
segundo lugar, elenca-se os fenômenos menos visíveis, relações de troca, tipos de organização
social, religiosidade etc.

Gostaríamos de frisar que um bom inventário leva em consideração também – e não


é menos importante – os lugares habitados, rotas, construções religiosas, riachos, paradas
etc. As cidades, os portos, as redes de rotas representam nós e linhas de funcionamento das
sociedades humanas e são reveladoras de dados essenciais.

É fundamentar chamar sua atenção para o fato de que o inventário dos lugares
comporta um outro aspecto essencial: aquele de sua denominação. A toponímia é uma etapa
indispensável do conhecimento da superfície da Terra. A Terra torna-se Terra dos homens
quando deixa de ser anônima e é nomeada por eles. Todo lugar nomeado pelo homem torna-se
significativo no sentido forte do termo. Batizar o terreno e cobri-lo de uma camada de nomes
transforma o conhecimento dos lugares em saber coletivo. Desde o instante em que os lugares
têm um nome, eles são integrados a uma grade social de localização. Seu conhecimento
geográfico deixa de ser fechado no círculo estreito das pequenas comunidades e se socializa
para além do local.

A gente ouve falar de vilarejos, de cidades, de montanhas, de reinos que jamais vimos e
que não veremos nunca. A existência, além do que é pessoalmente conhecido, de uma esfera
muito mais ampla e que existe apenas como um universo de palavras tem efeitos múltiplos: ela
suscita, para alguns, uma fascinação por aqueles lugares dos quais ouviram falar; ela alimenta
sua imaginação; ela faz nascer uma necessidade de evasão.

A camada de nomes que constitui a toponímia alarga a esfera dos deslocamentos e das
trocas para além do que foi percorrido pelo indivíduo.

Localização e distribuição
Você já deve estar sabendo que o saber geográfico se particulariza por sua primazia com
os dados de localização. É importante salientar que, além de coletados através de critérios
rigorosos, é necessário que eles sejam cartografados.

O que o geógrafo procura ver na paisagem não é a simples localização deste ou daquele
objeto geográfico particular (fazenda, cidade, capela e outros), mas a distribuição de todos os
objetos de uma mesma espécie (as casas, as cidades, as vilas, a vegetação, as florestas) e as
diversas fisionomias de conjunto que revelam o meio.

Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica 15


A relação homem-natureza
Os homens se colocam, desde sempre, questões relativas às relações entre as
sociedades e o seu meio, mesmo antes de ter um saber geográfico sistematizado. Hipócrates
(século V antes de Cristo), em seu tratado Sobre os Ares, as Águas e os Lugares, já opunha
os povos das regiões elevadas e úmidas a povos de regiões sem água e de variações
climáticas bruscas.
Veja que foi e ainda é normal que, inseridos em meios naturais diversos, os homens
tenham de retirar desses meios o seu sustento, os materiais para construir suas casas, as
matérias-primas para sua produção, dentre outras coisas. Bem como que se interroguem sobre
as influências desse meio no seu comportamento.

O saber geográfico
como totalizador da superfície terrestre
Por sua vez, no século XIX, o nível de descrição da superfície da Terra já permitia uma
visualização de sua totalidade. Além das descrições de lugares particulares, de inventários
sobre as diversas partes da Terra, o saber geográfico segue na direção de compreender os
conjuntos de elementos naturais e humanos e a solidariedade entre seus componentes, numa
dimensão totalizante.

Agora, atenção, pessoal! Chegou o momento mais esperado da nossa aula. Vem aí...

16 Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica


Atividade 2
Lembra-se das nossas paisagens? Você agora vai fazer o seguinte: adicione
outras paisagens àquelas do exercício anterior (se desejar) e muna-se do mapa
do seu município e do seu estado. Com esse material em mãos...

Tente descobrir o porquê dos contornos do mapa do seu município;


1 veja se existe algo de peculiar nele. Você notará que os contornos de
seu município têm relação com a sua história, coletiva ou de alguma
personagem (um político, um religioso).

Faça um pequeno inventário das suas paisagens e do seu município.


2 Localize pontos importantes (montanhas, rios, açudes, cidade, vilarejos,
estradas, edificações importantes etc.) Descubra o que deu origem aos
nomes dos lugares, faça a toponímia do seu município.

Faça um decalque do mapa do seu município e localize o que você


3 considera mais importante (plantações, assentamentos, núcleos
urbanos, lixões, indústrias, estradas etc.). Oriente-se pelo terceiro
elemento apresentado nesta seção.

Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica 17


Leituras complementares
ANDRADE, Manuel Corredia de. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária, 2006.

Livro destinado ao ensino superior de Geografia, analisa a evolução dessa ciência desde
a Antiguidade. Para esta aula, merece destaque o capítulo 1.

CARVALHO, Marcos de. O que é natureza. São Paulo: Brasiliense, 2003.

Escrito por um geógrafo, este livro discute a formação das sociedades e mostra como
cada uma concebeu a natureza à sua maneira. Percorre a história das relações entre o homem
e o meio.

CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Florianópolis: Editora da UFSC, 1999.

Livro fundamental para qualquer estudante das ciências humanas e sociais e especialmente
para aqueles que estudam a Geografia. Neste livro, o professor Paul Claval discute como nasce
a Geografia Cultural, de que maneira a cultura oferece aos homens os meios de apropriação
dos ambientes e de como estes imprimem aí suas características sociais e culturais. Merece
destaque para nossa aula o capítulo 8 denominado “Orientar-se e reconhecer-se. Marcar, recortar,
institucionalizar e apropriar-se do espaço”. A partir da denominação do capítulo, você já deve ter
percebido o porquê de sua importância para esta aula.

CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1991.

O autor discute de forma clara e rigorosa as idéias de região e organização espacial,


conceitos fundamentais para a Geografia. Para nossa aula, destacamos o capítulo 4,
“Organização espacial”, no qual o autor mostrará de forma bastante didática como os elementos
que constituem o saber geográfico estão imbicados e a função que exercem no processo de
produção espacial.

MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em geografia. Campinas: Contexto, 2007.

Este livro é uma coletânea de textos do professor Ruy Moreira, escritos em diferentes
tempos, mas que têm uma coerência interna. Trata de questões da história, da epistemologia e da
ontologia da Geografia. Merece destaque, para o nosso estudo, o texto “A sociedade e suas formas
de espaço no tempo”, dedicado ao esclarecimento de como as formas espaciais se distinguem
no tempo e de que maneiras os seus elementos se articulam e se solidarizam.

SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia. São Paulo: Cortez, 1993.

Livro introdutório sobre o conhecimento filosófico e que trata também da relação do


homem com a natureza, especialmente o capítulo 1.

18 Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica


Resumo
Nesta aula, aprendemos que a curiosidade do homem foi e é um importante
elemento para a constituição das sociedades e da Geografia. Vimos também que
as necessidades básicas nos impõem atividades diversas e que, para satisfazê-las,
deixamos as nossas marcas e impressões na superfície da Terra. Aprendemos
ainda que as paisagens são um elemento revelador para a análise da Geografia.

Autoavaliação
Identifique no seu município ou na sua comunidade uma história, um fato marcante
1 (pessoal ou coletivo), que poderíamos considerar um fato decorrente da curiosidade
e da aventura do homem e que tenha trazido conseqüências para a geografia do
lugar. Tome como exemplo um assentamento rural, que, a depender de sua história,
é uma aventura e um desejo coletivo que deixa marcas e impressões nos lugares. A
construção de Brasília também mostra como a aventura coletiva e pessoal podem
marcar uma nação inteira.

Observe o seguinte fragmento de texto.


2

As paisagens que compõem a Geografia – seja no campo ou na cidade – refletem


os usos que os seres humanos fazem do espaço e são a materialidade das marcas
e inscrições humanas. Na prática, os homens sempre fizeram geografia porque
sempre ocuparam e se deslocaram no espaço. Sempre mudamos a natureza,
pois é dela que tiramos o nosso sustento: alimento, matérias-primas, casa,
combustíveis, móveis etc. A Geografia também estuda os lugares, os quais estão
relacionados a diferentes necessidades e vontades: morar, comprar, se divertir,
trabalhar. Os lugares se relacionam e são interdependentes. Assim, estudar as
relações entre eles é fundamental.

A partir do fragmento textual, demonstre de que maneira os diversos elementos que


constituem o saber geográfico (materiais e imateriais) relacionam-se e criam geografias diversas.

Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica 19


Referências
DANTAS, Aldo. Pierre Monbeig: um marco da geografia brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2005.

KAERCHER, Nestor André. A geografia é o nosso dia-a-dia. In: CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos
(Org.). Geografia em sala de aula. Porto Alegre: Editora da Universidade/AGB, 1998.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP, 2006.

Anotações

20 Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica


Anotações

Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica 21


Anotações

22 Aula 1 Introdução à Ciência Geográfica


A ação humana

Aula

2
Apresentação
Nesta segunda aula da disciplina, pretendemos fazer um aprofundamento das questões
discutidas na aula 1 (O saber geográfico). Tomaremos como ponto fundamental o elemento
ação humana (atividades humanas) e suas relações com a produção do espaço geográfico.

Como você viu na aula passada, as necessidades dos homens criam espacialidades diversas.
Nesta aula, vamos ver como as cinco ações básicas para o desenvolvimento das atividades
humanas são importantes na produção do espaço geográfico e como elas se manifestam.

Objetivos
Compreender a relação de interdependência entre as
1 atividades humanas e o espaço geográfico.

Entender que o uso que fazemos da natureza, a partir de


2 nossas ações, cria uma diversidade de geografias.

Relacionar as cinco ações fundamentais (apropriar,


3 explorar/produzir, habitar, trocar, gerir) do homem com o
processo de produção do espaço e a atividade do geógrafo.

Aula 2 Introdução à CIência Geográfica 25


O espaço terrestre
e sua organização
Ao longo do tempo, temos visto que a ação e as atividades humanas têm criado espaços e
Espaço espaço. O que isso significa? Significa dizer que uma ação pontual tem repercussão no próprio
O espaço é, e somente
ponto e no que está à sua volta, ou seja, no seu entorno. E nesse sentido a idéia de espaço
pode ser, social, nele suas geográfico passou a ser constituída a partir do conjunto de localizações e de ações vividas.
leis têm lógicas sociais.
Como assinala Kant, o O espaço geográfico é a extensão terrestre utilizada e organizada pela ação das sociedades
espaço se define apenas com vistas à sua reprodução – entenda essa reprodução em sentido amplo, ou seja, o homem
do ponto de vista das
pessoas e dos grupos, os
para se reproduzir necessita de alimentos, de abrigo, de vestimentas, de repouso etc. Essa
quais nele se situam. Não reprodução material somente se realiza num contexto de complexidade dos atos sociais e é
há ‘espaço natural’, mas nesse sentido que dizemos que o espaço é constituído pelo conjunto de lugares e de suas
conjuntos de elementos
físicos do espaço
relações.
geográfico. Certamente,
a ausência dos homens
Então, para melhor contribuir com essa reflexão, podemos identificar cinco domínios de
não impediria a Terra e ação fundamentais para toda sociedade no espaço geográfico, que vão das sociedades mais
o Universo de ser; mas antigas às mais modernas, são eles:
não existiriam como
‘espaços’. Assim sendo,
é completamente inútil a) apropriação, apropriar;
empregar o adjetivo ‘sócio-
espacial’. Um espaço
b) exploração, explorar, produzir;
geográfico particular é
uma porção da superfície
c) habitação, habitar;
terrestre definida por uma d) troca, trocar;
extensão e por atributos
localizados em seu seio. e) gestão, gerir.

26 Aula 2 Introdução à CIência Geográfica


A seguir detalharemos para você cada um dos domínios de ação que o espaço
geográfico apresenta.

a) Apropriação – Atribuição a si. Ato fundamental, e mesmo fundador em Geografia.


Emprega-se em dois sentidos associados:

1) tomada de posse de uma extensão do terreno. Ato que pode ser de cunho individual, mas
que se exprime em relação aos outros, e, nesse sentido, é um ato social. É, também, um
ato coletivo, de um grupo, de uma comunidade, de um povo. A apropriação cria malhas
no espaço sob diversas formas (do simples parcelamento do solo aos Estados) e limites
(divisão de parcelas, limites de propriedades, marcos, fronteiras). Se é verdade que a
apropriação é um elemento fundador da Geografia e contribui para o ‘ser’ e para existência
do individual e da coletividade, também é verdade que ela é a principal fonte de conflitos
entre os grupos humanos;

2) afeição a um espaço, a uma atividade ou a uma produção determinada. Nesse sentido,


a apropriação cria especialização, exprime a divisão espacial do trabalho, produz a
diferença (campos de arroz, de milho, fruta irrigada, criação etc.), tanto em escala local
quanto regional.

Atividade 1
Se você compreendeu bem os sentidos da apropriação, escreva, a partir do
fragmento da música a seguir, um pequeno texto mostrando relações de
apropriação (individual, coletiva, criação de malhas e limites, afeição, conflito
etc.) existentes no seu município.

A cerca
(Samuel Rosa, Chico Amaral e F. Furtado).

Fazendo cerca na Fazenda do Rosário


Resto de toco velho mandado pelo vigário
Meu camarada, eu moro aqui do lado
O terreno que tu cerca já tá cercado
Não entendi assertiva do compadre
Se é lei chama o doutor
Se é milagre chama o padre
É muito simples, tu veja ali na frente
Tá vendo o laranjal, minha cerca passa rente

Aula 2 Introdução à CIência Geográfica 27


b) Explorar/produzir – Do espaço o qual nos apropriamos e dispomos é preciso tirar partido,
é preciso explorá-lo. Para efetivar essa exploração, a atividade humana mobiliza técnicas
variadas para produzir alimentos e matérias-primas, ou seja, produzir a própria vida.

As grandes famílias de tecnologias objetivam: 1) a produção dos gêneros agrícolas


e animais; 2) a exploração de minas e de pedreiras; 3) a transformação das
matérias-primas; 4) o transporte de bens obtidos. Acrescenta-se aí: 5) os métodos
utilizados para construir habitações, fábricas, lojas ou escritórios, edificar igrejas
ou palácios ou erigir monumentos (CLAVAL, 1999, p.227).

Atividade 2

Os pedaços da crosta terrestre utilizados pelos grupos humanos para


desenvolver sua base material nos primórdios da história constituem
o que estamos chamando de meio natural, também chamado de
pré-técnico. Todavia, a presença do homem já atribui um valor às coisas, que, assim,
passam a conter um dado social. Por outra parte, como toda ação supõe uma técnica, a
idéia de meio geográfico não pode ser desvinculada dessa noção de técnica (SANTOS;
SILVEIRA, 2001, p. 28, grifos nossos).

Identifique no seu município, estado ou região, formas diferentes de exploração


vinculando-as às técnicas utilizadas. Compare, por exemplo, uma produção
agrícola feita a partir de alta tecnologia e uma agricultura artesanal. A partir daí,
faça um mapa mostrando as diversas relações entre os lugares.

28 Aula 2 Introdução à CIência Geográfica


c) Habitar – Este verbo vem do latim habitare e evoca todo o conjunto do ser e do ter.
O ser humano é habitante, freqüentador de determinados lugares e habita em alguma
parte. No sentido banal, habitar é se abrigar, se alojar, morar. Morar é produzir espaço,
povoar de habitações, criar um habitat definido como o conjunto de habitações nas suas
inter-relações e na relação com o meio, com o entorno. Em sentido amplo, habitar não é
somente morar, é dar vida, é se apropriar. O habitat é o conjunto e o arranjo das habitações
num espaço dado, sendo um bom revelador das desigualdades sociais. O habitat urbano
corresponde ao conjunto da cidade, o rural a tudo que é edificado no campo. Exprimindo
as escolhas econômicas, sociais, religiosas e simbólicas das sociedades, o habitat é uma
das formas de apropriação do espaço e da formação de territórios; contribui eficazmente
para a formação das memórias tangíveis (palpáveis, as edificações em geral) e intangíveis
(a preferência por esta ou aquela forma).

Atividade 3
Descreva um conjunto de habitações e suas inter-relações que demonstre a idéia
de habitar em sentido amplo, ou seja, do habitat.

Aula 2 Introdução à CIência Geográfica 29


d) Trocar – A troca é um dos fundamentos das relações sociais entre indivíduos e grupos,
ela está presente, entre comunidades semelhantes e, mesmo, nas relações familiares.
Lembrando que a apropriação promove a fragmentação da extensão terrestre, gerando
diferenciações espaciais e criando espaços de produção especializados, é necessário
organizar essa diferenciação. A diferenciação e especialização dos lugares implicam na
necessidade da troca entre os lugares. Ela induz aos fluxos e a formação de redes. A troca
é o coração dos processos de desenvolvimento econômico; os lugares de sua realização
são os mercados cuja organização concreta contribui largamente para a formação do
espaço em todas as escalas geográficas.

Atividade 4
Vá a um supermercado, loja, mercearia, padaria etc., selecione 10 produtos
diferentes, identifique a origem de sua produção e tente seguir o caminho
percorrido pelos mesmos. Procure produtos de origem local, regional, nacional
e, se possível, internacional.

30 Aula 2 Introdução à CIência Geográfica


e) Gerir/governar – Todo corpo social tem necessidade de se governar, de se organizar. As
formas de organização podem assegurar interesses diversos, orientar a produção, gerir
conflitos internos. Governar é mais traçar caminhos, reger, organizar do que comandar.

Atividade 5

Mostre, a partir do seu local de trabalho, a forma de organização e de gestão do


grupo que compõe sua instituição ou sua empresa.

Aula 2 Introdução à CIência Geográfica 31


Leituras complementares
CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Florianópolis: Editora da UFSC, 1999.

Livro fundamental para qualquer estudante das ciências humanas e sociais e especialmente
para aqueles que estudam Geografia. Neste livro, o professor Paul Claval discute como nasce
a geografia cultural, de que maneira a cultura oferece aos homens os meios de apropriação
dos ambientes e de como estes imprimem suas características sociais e culturais. Merece
destaque para nossa aula o capítulo 8, denominado Orientar-se e reconhecer-se. Marcar, recortar,
institucionalizar e apropriar-se do espaço. A partir da denominação do capítulo, você já deve ter
percebido o porquê da sua importância para esta aula.

LEFF, Enrique. Habitat/habitar. In: LEFF, Enrique. Saber ambiental. São Paulo: Vozes, 2002.

Neste texto, Leff levanta uma ótima discussão sobre “o sentido do habitat como suporte
ecológico e do habitar como forma de inscrição da cultura no espaço geográfico”.

MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em geografia. Campinas: Contexto, 2007.

Este livro é uma coletânea de textos do professor Ruy Moreira escritos em diferentes
tempos, mas com uma coerência interna. Trata de questões da história, da epistemologia e da
ontologia da Geografia. Merece destaque, para o momento, o texto A sociedade e suas formas
de espaço no tempo, dedicado ao esclarecimento de como as formas espaciais se distinguem
no tempo e de que maneiras os seus elementos se articulam e se solidarizam.

SANTOS, Milton; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. São
Paulo: Record, 2001.

Interessa-nos especialmente os capítulos I e II. Neles são discutidas as noções de


território usado, as relações entre técnica e produção espacial e periodização.

32 Aula 2 Introdução à CIência Geográfica


Resumo
A partir de cinco domínios (apropriação, exploração, habitação, troca e gestão),
esta aula mostra que a ação humana constitui um dado fundamental para a
produção do espaço geográfico e para a compreensão das formas de organização
das sociedades.

Autoavaliação
Escreva um pequeno texto sobre seu município ou região mostrando: a) as
diferentes formas de apropriação (individual e coletiva), suas implicações na
especialização da produção e na geração de conflitos; b) a relação entre técnica
e ação humana, observe que as técnicas não são da mesma geração, existem
produções artesanais e produções com alta tecnologia; c) a diferença entre habitar
e habitat; d) a relação entre troca e especialização dos lugares; e) a existência de
diferentes formas de governar, organizar instituições e gerir conflitos.

Referências
BRUNET, Roger. Le déchiffrement du monde. Paris: Belin, 2001.

CLAVAL, Paul. A geografia cultural. Florianópolis: Editora da UFSC, 1999.

PINCHEMEL, Philippe; PINCHEMEL, Geneviève. La face de la Terre. Paris: Armand Colin, 1988.

ROSA, Samuel; AMARAL, Chico; FURTADO, F. A cerca. Intérprete: Skank. In: SKANK. Calango.
Rio de Janeiro: Sony Music, 1994.

SANTOS, Milton; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. São
Paulo: Record, 2001.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP, 2006.

Aula 2 Introdução à CIência Geográfica 33


Anotações

34 Aula 2 Introdução à CIência Geográfica


A geografia na antiguidade

Aula

3
Apresentação
Como você aprendeu na aula 1 (O saber geográfico) e 2 (A ação humana), o conhecimento
geográfico está fundado na relação homem/natureza (notadamente a biosfera), na ação humana
e na maneira como estão distribuídos os fenômenos físicos e humanos na superfície da Terra.

Nesta aula, você irá estudar como se deu a evolução desse conhecimento na antigüidade,
principalmente a influência dos gregos e romanos na construção das idéias geográficas.

Objetivos
Compreender a evolução do pensamento geográfico
1 na Antiguidade.

Relacionar as necessidades dos povos antigos com a


2 produção e compreensão do espaço geográfico.

Compreender a influência dos gregos e romanos no


3 desenvolvimento do conhecimento geográfico.

Perceber como surge a Geografia geral e regional.


4

Aula 3 Introdução à Ciência Geográfica 37


A indagação geográfica

P
ara darmos início ao conteúdo desta aula, poderíamos, antes, nos fazer a seguinte
indagação: qual é a questão específica que se coloca para a Geografia? Entre tantas
possibilidades de respostas, poderíamos responder da seguinte maneira: a questão
específica da Geografia é entender por que e como as distribuições espaciais estão estruturadas
Estruturas da maneira que estão. Lembramos a você que as distribuições espaciais são estruturadas
Estruturas são formas, a partir das ações humanas individuais e coletivas sobre a extensão terrestre. Para melhor
materiais e imateriais, compreensão retome a aula 2 desta disciplina.
de organização social
(habitações, edificações, Se hoje é relativamente fácil compreender que a distribuição das estruturas estão
cidades, redes rodoviárias,
relacionadas às ações e que elas dependem de nossa capacidade de percepção, representação
portos, aeroportos,
caminhos, formas de e orientação, nem sempre foi assim.
governo, leis, religiões,
cultura etc). Elas são
distribuídas de maneira Quando começam as indagações geográficas?
irregular, no entanto,
compõem um sistema Os primeiros indícios de uma preocupação com a distribuição dos fenômenos surgiram
de organização espacial desde os primórdios da humanidade. Nesse período, o homem pouco modificava a natureza,
que a Geografia tenta
entender em suas
uma vez que estava muito subordinado às condições naturais o que, provavelmente, lhe
causas e conseqüências. impunha uma condição de nômade. Essa condição se exprime no constante deslocamento
Lembramos ainda à procura de meios de subsistência ou em atividades guerreiras e condiciona a uma
que a Geografia se
preocupa também
necessidade de conservar informações sobre os caminhos percorridos e as suas direções.
com a irregularidade Dessa maneira, surgem os primeiros esboços representando a superfície da Terra, isto é,
da distribuição dos os primeiros mapas. Você pode confirmar essa informação perguntando a qualquer pessoa,
fenômenos físicos e
relaciona-os às estruturas
mesmo aquelas que não sabem ler, qual o melhor caminho para ir a um lugar. Ela será capaz
sociais. de fazer um esboço, mostrando o caminho a seguir, os fatos mais importantes que existem
ao longo do percurso e os principais obstáculos. Há mesmo quem diga que fazer mapas é
uma aptidão inata do ser humano.

38 Aula 3 Introdução à Ciência Geográfica


Atividade 1
Elabore um croqui (mapa feito à mão livre) representando o percurso de sua casa até
o Pólo ao qual você está vinculado. Coloque as principais informações e pontos de
referências para que qualquer pessoa seja capaz de fazer o percurso com a ajuda do
seu ‘mapa’.

Desde a Antiguidade, a cartografia tem grande importância. O mapa mais antigo de que
se tem notícia data de 2500 a.C. e é uma representação de um rio, provavelmente o Eufrates,
com uma montanha de cada lado desaguando por um delta de três braços.

Nesse período, a concepção existente era de uma Terra plana, com a forma de um disco e
constituída por uma massa flutuante na água, com a abóbada celeste por cima (veja os mapas
das aulas de Leitura Cartográfica e Interpretação).

A expansão política, comercial e marítima dos povos do mediterrâneo (Mesopotâmia,


Fenícia, Egito) levou à elaboração de mapas marítimos e, sobretudo, à descrição de lugares e
de povos. Tais descrições eram denominadas de périplos.

O périplo mais antigo data do século VII a.C. e foi feito por marinheiros fenícios a serviço
do faraó egípcio.

Aula 3 Introdução à Ciência Geográfica 39


A sistematização do
conhecimento geográfico
A palavra geografia (descrever a Terra) foi criada pelos gregos, povos que originalmente
vão se preocupar com a sistematização desse conhecimento.

O primeiro mapa grego de que se tem notícia foi elaborado por Anaximandro de Mileto
(650-615 a.C.), que viajou e escreveu relatos das suas viagens. Discípulo de Tales de Mileto, é
provável que Anaximandro de Mileto tenha sido o inventor do gnómon, instrumento que serve
para medir a altura do Sol.

O segundo mapa da Antiguidade foi elaborado por Hecateu de Mileto (560-480 a.C.).
Viajou por toda parte do mundo conhecido, escreveu a Descrição da Terra, obra ilustrada por
um mapa onde a Terra é representada por um disco com água em sua volta.

Outros documentos importantes dessa época são os poemas épicos Ilíada e Odisséia,
de Homero, conhecidos e apreciados por seu valor literário e pelas informações geográficas
contidas na descrição dos lugares distantes e das longas viagens marítimas.

Os dois pontos de vista da Geografia


Você deve ter percebido, até aqui, que duas são as preocupações que fundamentam
os conhecimentos geográficos desse período. Um está relacionado com a física terrestre –
forma, dimensão, posição sideral. A outra, com a descrição das diferenças da constituição da
superfície terrestre e com as diversas culturas que nela se instalam. Essas duas dimensões
dão origem a dois pontos de vistas: o da Geografia Geral e o da Geografia Regional.

40 Aula 3 Introdução à Ciência Geográfica


Dois “geógrafos” gregos

 Erastóstenes (276-194 a.C.) – Além de demonstrar a existência da curvatura da Terra


e calcular suas dimensões com notável precisão, também localizou mares, terras,
montanhas, rios e cidades no primeiro sistema de coordenadas geográficas, no qual
estavam presentes as latitudes e as longitudes. Estudou, ainda, questões relativas à
hidrografia e à climatologia, às zonas climáticas e às cheias dos rios, notadamente aquelas
relativas ao Nilo. Contudo, os níveis de generalização traziam consigo margens de erros
consideráveis, fortalecendo a abordagem regional.

 Heródoto (484-425 a.C.) – Filósofo e historiador, considerado o pai da História e da


Geografia, inseriu a história dos povos no contexto geográfico. Suas crônicas registram
a gênese da Geografia Regional e retratam os mais diferentes e distantes países. São
conhecidas suas viagens à Fenícia, ao Egito e à Babilônia. Ao estudar as cheias do rio Nilo,
Heródoto associou a sua desembocadura à letra grega delta, razão pela qual é encontrada
até os dias atuais a foz em delta nos livros escolares.

Dois “geógrafos” romanos

 Estrabão (64 a.C – 20 d.C) – Grande enciclopedista destaca o caráter filosófico e


transdisciplinar da Geografia. Em sua obra, afirmava que o amplo conhecimento,
necessário ao empreendimento de qualquer trabalho geográfico, deve estar relacionado
tanto com as coisas humanas como divinas, conhecimento que constitui a Filosofia.
Ao contrário dos gregos, interessava-se por uma abordagem mais humana, cujos
ensinamentos destinavam-se às ações de governo. Além do mais, ensinava que os
geógrafos não deviam preocupar-se com o que estava fora do mundo habitado. Assim
como Heródoto, Estrabão foi um grande viajante, tendo descrito no seu livro várias
partes do mundo daquela época. Por tal feito, é, ainda hoje, considerado um dos mais
importantes geógrafos da Antiguidade. Estrabão tinha como metodologia geográfica a
localização e delimitação dos aspectos físicos de uma região seguidas da descrição da
população, com suas lendas, costumes e atividades econômicas.

 Ptolomeu (90 – 168 d.C.) – É o último grande geógrafo da antiguidade, foi também
astrônomo e matemático. Interessou-se pelas técnicas de projeção cartográfica e
elaboração de mapas. Em sua obra Geographia, de 8 volumes, traz os princípios de
construção de globos e projeções de mapas, indica os princípios da Geografia, Matemática
e da cartografia, além de organizar um grande vocabulário com todos os nomes de 8000
lugares que conhecia, localizando-os por meio da latitude e da longitude.

Aula 3 Introdução à Ciência Geográfica 41


Atividade 2
Identifique a partir de que elementos surge a necessidade de uma Geografia
geral e regional e relacione com as elaborações dos quatro geógrafos destacados
anteriormente.

42 Aula 3 Introdução à Ciência Geográfica


Leitura complementar
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

Especialmente o capitulo 2, no qual o autor trata da Geografia na Antiguidade. Infelizmente,


em língua portuguesa, este é, praticamente, o único livro disponível que trata desse período
da história da Geografia.

Resumo
A pergunta, qual é a questão específica que se coloca para a geografia?
Acompanhada de uma resposta, coloca os elementos fundamentais desta
aula: distribuição e estruturação espacial e a forma como gregos e romanos
sistematizaram esta questão dando origem a uma geografia geral e regional.

Aula 3 Introdução à Ciência Geográfica 43


Autoavaliação
Leia o Texto a seguir.

Até recentemente, a superfície da Terra era utilizada segundo a divisão criada pela
natureza ou pela história, chamadas regiões, e que, de um modo geral, constituíam
a base da vida econômica, cultural e, não raro, política.

Hoje, graças ao progresso das técnicas e das comunicações, a esse território


das regiões superpõe-se um território das redes. Mas não se trata de um espaço
virtual, como alguns pretendem. As redes são realidades concretas, formadas de
pontos interligados que, praticamente, se espalham por todo o planeta, ainda que
com densidade desigual, segundo os continentes e países.

Essas redes são a base da modernidade atual e a condição de realização da


economia e da sociedade global. Elas constituem o veículo mediante o qual fluem
as informações, que são, hoje, o motor principal dos dinamismos hegemônicos.
As redes são a condição da globalização e a quintessência do meio técnico-
científico-informacional. Sua qualidade e quantidade distinguem as regiões e
lugares, assegurando aos mais bem dotados uma posição relevante e deixando
aos demais uma condição subordinada. São os nós dessas redes que presidem e
vigiam as atividades mais características deste nosso mundo globalizado.

Fonte: Santos (2002, p.82).

A partir da leitura do fragmento anterior, identifique e relacione semelhanças entre as


preocupações dos geógrafos da antiguidade e um geógrafo da atualidade (Milton Santos).
Identifique os elementos de estruturação e distribuição espacial e compare-os com a Geografia
geral e regional. Para elaborar sua resposta, perceba que, de formas distintas, no tempo e no
espaço, o pensamento geográfico grego já traz o germe do que chamaremos mais tarde de
ciência geográfica. Relacione também a idéia de necessidades àquela de produção do espaço
e de como ao produzir espaço também criamos regiões.

44 Aula 3 Introdução à Ciência Geográfica


Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

BAILLY, A.; FERRAS, R. Élements d’éspistemoligie de la géographie. Paris: Armand


Colin, 1997.

CLAVAL, Paul. Histoire de la géopgraphie. Paris: PUF, 1996.

SANTOS, Milton. O país distorcido. São Paulo: Publifolha, 2002. p. 82.

Anotações

Aula 3 Introdução à Ciência Geográfica 45


Anotações

46 Aula 3 Introdução à Ciência Geográfica


A Geografia na Idade Média

Aula

4
Apresentação

N
a aula 1 (O saber geográfico), você observou a diferença existente entre o
conhecimento geral e o geográfico. Agora, você verá como esses conhecimentos e,
em particular, o geográfico, recrudescem no início da Idade Média. A partir desse
período, a influência do Cristianismo passa a ocorrer, também, no cerne do conhecimento e
as respostas para as indagações do homem passam a ser pautadas nos conhecimentos da
Bíblia e no desenvolvimento do conhecimento humano, como o incremento de tecnologias
que viabilizassem os empreendimentos da Igreja Católica – as cruzadas, por exemplo. Verá
ainda que a influência dos árabes é grande nesse período e que ela foi fundamental para o
desenvolvimento geográfico dessa época.

Objetivos
Compreender a evolução do pensamento geográfico na
1 Idade Média.

Entender que as mudanças ocorridas na sociedade


2 com a queda do Império Romano e ascensão Medieval
repercutem no desenvolvimento do conhecimento
geográfico.

Compreender a influência dos árabes no desenvolvimento


3 da Geografia.

Aula 4 Introdução à Ciência Geográfica 49


Quadro geral do sistema feudal
A obra de Ptolomeu, que vimos no final da aula 3 (A Geografia na Antiguidade), encerra a
primeira etapa da Geografia. A própria riqueza que essa obra produziu por meio de uma ampla
sistematização e o método de documentação que preconizou mantiveram-se durante muitos
séculos presentes no pensamento geográfico. Como Aristóteles para a Filosofia, Ptolomeu
será, até o Renascimento, a autoridade inconteste em matéria do conhecimento da Terra e do
sistema Mundo. E, desse modo, a Idade Média é, para a Geografia, um período de estagnação
e mesmo de retrocesso do conhecimento produzido por essa ciência.

A queda do Império Romano e a difusão do Cristianismo dão início a esse novo


momento da história da humanidade, instalando um processo de fragmentação na produção
do conhecimento científico e geográfico. As causas para essa fragmentação podem ser
encontradas no contexto social, econômico e religioso daquela época.

As invasões bárbaras vão provocar uma situação de guerra generalizada em boa parte
do espaço europeu ocupado pelo Império Romano. Tal situação irá provocar na Europa
conseqüências importantes que levaram ao isolacionismo espacial das sociedades e à
instauração do sistema feudal, conforme você pode perceber na passagem a seguir.

O fervor intelectual que havia favorecido a reflexão sobre a forma e a configuração


da Terra desapareceu. O Estoicismo deixou de apoiar-se na hipótese geocêntrica e
na imagem de um mundo harmonioso que daí emanava. A deslocação progressiva
da administração tornou inúteis os levantamentos de informações tão procuradas
na época de Augusto. As formas de construção social que triunfaram na Idade
Média assentam em relações pessoais: é através de notáveis locais que o poder se
exerce à distância; como tal, não é necessário formalizar o saber geográfico nesta
sociedade: o conhecimento das pessoas é suficiente. (CLAVAL, 1996, p. 17-8).

A Europa que daí surge está dividida em uma série de pequenas áreas politicamente
diferenciadas, deixando de existir uma política uniforme sobre todo o território.

Veja que a desarticulação dos sistemas de comunicação ligada ao fato de a Europa se


encontrar relativamente despovoada dificultava o deslocamento de pessoas e a troca de idéias
e de bens entre suas diferentes áreas.

O sistema que se constitui é essencialmente isolacionista e tenta resolver seus problemas


a partir da auto-subsistência do próprio feudo, prejudicando a mobilidade de pessoas, as trocas
e a ampliação do horizonte geográfico que se verificou na Antigüidade.

50 Aula 4 Introdução à Ciência Geográfica


A influência da Igreja
Nesse período, a Igreja Católica representa o maior poder europeu associada às diversas
aristocracias, uma vez que se constitui na única instituição com influência sobre todos os
feudos. Dessa maneira, as respostas para as questões da vida cotidiana, individual, social e
políticas passaram a ser dadas a partir de interpretações bíblicas.

É claro que o homem continua se perguntando sobre as questões geográficas. Entretanto,


indagações sobre “como” e “onde” continuam a ser feitas, só que agora as respostas são
buscadas nas ordens religiosas e não nas cosmologias, como era mais comum anteriormente.
A Bíblia era um instrumento que continha referências cosmológicas e geográficas, as quais
davam respostas a tais perguntas. Veja que, no fundo, é a Igreja e não a ciência que busca
respostas para indagações da realidade sócio-espacial.

Vale destacar que nesse período ocorre certo imobilismo populacional e uma diminuição
dos eventos das viagens e, com isso, um maior desconhecimento do mundo real. Esses fatores
aliados ao poder da Igreja provocam a diminuição da busca de respostas nas ciências. “Era
natural que em um período de lutas constantes houvesse grande dificuldade de comunicação
e uma queda no ritmo do comércio e nas preocupações filosóficas e, consequentemente, um
retrocesso do conhecimento na Europa Ocidental”. (ANDRADE, 2006, p. 46).

Aula 4 Introdução à Ciência Geográfica 51


Atividade 1
Quanto ao desenvolvimento da Ciência e da religião, leia atentamente o texto a seguir
e depois responda às questões relacionadas com o texto e com as informações.

O desenvolvimento da ciência ou da religião depende do homem e do tipo


de respostas que ele procura. Assim, a ciência progride quando o homem se
preocupa com o mundo que o rodeia e ela pode responder de forma satisfatória
às perguntas formuladas sobre o mundo físico. Com a difusão do cristianismo
foram problemas de ordem religiosa, ou problemas que obtinham respostas na
religião, que passaram a interessar ao homem.

A adoção dos conhecimentos geográficos bíblicos tornou-se evidente na


cartografia. Utilizam-se mapas circulares romanos, nos quais introduziram
caracteres teológicos, e não geográficos. Assim, Jerusalém, a Cidade Santa,
ocupava o centro do mapa; o Paraíso, localizado a leste, ocupava a parte
superior do mapa; o Mediterrâneo tinha uma posição mediana (veja mapa). Foi
esquecido que a Terra era esférica e reapareceu o conceito de Terra plana: um
disco circundado de água. (FERREIRA; SIMÕES, 1990, p.45-46).

a) Que impactos ocorreram no conhecimento geográfico com o declínio do Império Romano?

b) De que maneira a influência da religião dá um outro direcionamento aos conhecimentos


geográficos?

c) O que ocorre na Idade Média, como nas demais épocas, é a influência do mundo, da
maneira como se pensa em um determinado momento e o seu reflexo sobre a ciência.
Você consegue fazer um paralelo entre a influência da religião naquela época e a forma
como alguns de nós interpretamos o fenômeno do aquecimento global hoje?

52 Aula 4 Introdução à Ciência Geográfica


Nem tudo foi
sombra na Idade Média
Se por um lado o conhecimento declinava no mundo ocidental “em outras áreas, porém,
a formação de Estados fortes e a intensificação das viagens e do comércio permitiram que
as tradições culturais gregas e latinas se integrassem com a de povos do Oriente e houvesse
maior difusão cultural” (ANDRADE, 2006, p.46). Aqui um fator merece destaque: a expansão
Árabe-Muçulmana.

A expansão Árabe-Muçulmana
A civilização Árabe-Muçulmana emerge depois da queda de Roma e se baseia na nova
e vigorosa religião do Islã. Surgida no século VII, seu fundador foi Maomé (570-632), um
próspero mercador da cidade de Meca.

Maomé acreditava ter visto o anjo Gabriel que lhe ordenou “recitar em nome do Senhor”.
Tomado por essa visão, Maomé se considera o escolhido e se transforma em profeta.

Nesse período, a maioria do povo árabe acreditava em deuses tribais, entretanto, nos
grandes centros, a maioria da população já havia tomado conhecimento do Judaísmo e do
Cristianismo, o que facilitou a aceitação de um Deus único anunciado por Maomé.

Os padrões islâmicos de moralidade e as normas que regulam a vida cotidiana são fixados
pelo Alcorão, que os muçulmanos acreditam conter a palavra de Alá, revelada a Maomé. Para
eles, o Islã é o aperfeiçoamento do Judaísmo e do Cristianismo e reconhecem Jesus como
um grande profeta, mas não divino.

Maomé unifica as tribos árabes, envolvidas em constantes disputas, através da difusão


da fé islâmica.

Entre os séculos VIII e IX, a civilização muçulmana conhece o seu apogeu. Enquanto o
conhecimento estava em baixa na Europa ocidental, os muçulmanos desenvolviam grandes
conhecimentos embasados nas realizações dos gregos antigos através da tradução de obras
gregas para o árabe.

Com as suas conquistas, o império árabe estende-se desde a Espanha até a Índia e foi
unificado, principalmente, pela fé. Por volta do século XI, começam a perder seu domínio.

Aula 4 Introdução à Ciência Geográfica 53


Atividade 2
Leia atentamente o texto a seguir.

O Império Muçulmano dominava uma área muito vasta, desde o Afeganistão até
o Atlântico, com excepção da Itália, França, Turquia e Bálcãs. Devido a problemas
de ordem militar e administrativa (tal como nos Impérios Grego e Romano),
surgiu a necessidade de conhecer o mundo. Ao mesmo tempo surgia também
a necessidade religiosa de viajar, na medida em que todo mulçumano tem de ir
a Meca, pelo menos uma vez na vida. Assim, as viagens e o comércio sofreram
um novo impulso. A geografia verificou um novo avanço. Entre os viajantes
árabes destacam-se Al-Biruni, Al-Idrisi (1099-1164) e Ibn Battuta, que escreveram
extensos e valiosos relatos sobre as regiões por onde viajavam. Idrisi, ao serviço
do rei da Sicília, desenvolveu a escola de Palermo e pode elaborar o mapa árabe
mais completo que se conhece.

Por outro lado, os monarcas muçulmanos promoveram as ciências e as artes.


Foi traduzida para o árabe a obra de Ptolomeu e desenvolveu-se a geografia, a
astronomia, a astrologia, a matemática e a geometria.

Apesar disso, o conhecimento e as descrições geográficas produzidas são muito


imprecisas e as localizações pouco rigorosas. Os Árabes não se serviam da
latitude e da longitude para localizar os lugares à superfície da Terra e elaborar
mapas. A latitude e a longitude são utilizadas pelos astrônomos (considerados,
aliás, como os melhores do mundo) nas suas observações, mas quem faz os
mapas são os geógrafos, que não se servem dos dados astronômicos. Surge,
assim, no mundo árabe uma separação entre geógrafos e astrônomos que não
existia na Antigüidade (FERREIRA; SIMÕES, 1990, p. 48-49).

Após a leitura, releia a aula 1. Em seguida, relacione o contexto apresentado no texto


anterior com os elementos desta aula: aventura do homem na Terra e necessidades versus
geração de espacialidades.

54 Aula 4 Introdução à Ciência Geográfica


Leituras complementares
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

Recomendamos especialmente o capítulo 3, no qual o autor trata da Geografia no período


que estamos focalizando.

BRAGA, Marco; GUERRA, Andréia; REIS, José, C. Breve história da ciência moderna. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2003. v 1 – 2003; v 2 – 2004; v 3 - 2005.

Coleção prevista para cinco volumes, tendo sido publicados apenas três, trata do
conhecimento científico dos últimos tempos mostrando como este é parte da cultura humana.

TARNAS, R. A epopéia do pensamento ocidental. Rio de Janeiro: Bertrand, 2000.

Este livro traz uma visão geral do surgimento e evolução do pensamento humano, desde
os primeiros tempos até os dias atuais.

Resumo
Esta aula discute a influência das mudanças ocorridas na passagem da
Antiguidade para o medievo e suas repercussões no conhecimento geográfico,
assim como a influencia árabe no desenvolvimento da Geografia desse período.

Aula 4 Introdução à Ciência Geográfica 55


Autoavaliação
Releia atentamente a aula e escreva um pequeno texto enfatizando a relação entre
o declínio do Império Romano implicando na consolidação do sistema medieval e
as conseqüências disso para o desenvolvimento da Geografia e de que maneira a
influência árabe significou uma quebra na lógica do pensamento medieval.

Desafio
Assista aos filmes O Nome da Rosa, Marco Pólo e As montanhas da lua. Faça,
em seguida, um comentário geral confrontando os três filmes. Perceba que o
primeiro irá mostrar como a Igreja Católica se comportava frente ao conhecimento
e como este deveria, na concepção da Igreja, subordinar-se aos seus interesses.
No segundo, você verá que mesmo na Idade Média, com o sistema feudal, e
sob forte influência da Igreja Católica, o pensamento ocidental sofrerá influência
de árabes e de chineses. No terceiro, fica patente um outro momento histórico,
no qual a expansão colonial do Estado moderno é uma realidade e a busca por
novos territórios e mercados é o elemento dominante; perceba também como o
conhecimento geográfico é fundamental.

Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

BAILLY, A.; FERRAS, R. Élements d’éspistemoligie de la géographie. Paris: Armand


Colin, 1997.

CLAVAL, Paul. Histoire de la géopgraphie. Paris: PUF, 1996.

FERREIRA, Conceição Coelho; SIMÕES, Natércia Neves. A evolução do pensamento geográfico.


Lisboa: Gradiva, 1990. (Panfletos Gradiva, 5).

MARCO Pólo. Direção de Giuliano Montaldo. São Paulo: Versátil, 1982.

AS MONTANHAS da lua. Direção de Bob Rafelson. [S. l.]: Tel Vídeo/20.20 Vision, 1990.

O NOME da rosa. Direção de Jean-Jacques Annaud. São Paulo: Warner Bros, 1986.

56 Aula 4 Introdução à Ciência Geográfica


Anotações

Aula 4 Introdução à Ciência Geográfica 57


Anotações

58 Aula 4 Introdução à Ciência Geográfica


Os tempos modernos

Aula

5
Apresentação
Nesta aula, veremos as mudanças ocorridas no período de transição entre a Idade
Média e os Tempos Modernos, destacando os acontecimentos que deram origem à chamada
Renascença e ao Iluminismo e a forma como essas mudanças influenciaram e demandaram
uma nova ordem espacial.

Objetivos
Compreender a importância da Renascença e do Iluminismo para
1 os tempos modernos.

Mostrar a relação entre mudanças sociais e estruturas espaciais


2 ocorridas na transição do Feudalismo para o Capitalismo.

Relacionar mudanças ocorridas na estrutura social com a


3 estruturação espacial.

Aula 5 Introdução à CIência Geográfica 61


O Renascimento

O
Renascimento Renascimento foi um dos mais importantes momentos de inflexão (mudança de
direção) da história do ocidente e significa uma ruptura entre o mundo medieval,
Segundo o dicionário
Michaelis, o Renascimento caracterizado como uma sociedade agrária, estamental, teocrática e fundiária,
pode ser definido como e o mundo moderno, caracterizado pela urbanização, pelo modo burguês de pensar e,
o movimento literário,
principalmente, por se caracterizar como uma sociedade de trocas.
cientifico e artístico
surgido na Itália, no
O Renascimento vai do século XV ao XVII. Neste momento ocorrem significativas
século XV, e difundindo-se
pelos outros países da mudanças. Na Europa, estas mudanças estão na origem do que viria a ser o mundo
Europa, no século XVI; sua contemporâneo.
característica principal foi
a imitação dos modelos da Como vimos na aula anterior, a Europa, da Idade Média, é uma sociedade relativamente
civilização grega e latina.
estável e fechada. Mas, esse período inicia grande processo de abertura e expansão comercial
e marítima.

A identidade das pessoas, de forte vinculação com o clã (tribo constituída de varias
famílias subordinadas a um chefe hereditário) com a propriedade fundiária, passa a ter como
referência o nacionalismo e o cultivo da própria individualidade.

O homem vai tornando-se, ao poucos, o centro das preocupações, possibilitando


paulatinamente a instalação de mentalidade laica (o que se opõe à eclesiástica), a qual vai
se desligando do sagrado e das questões transcendentais tão características da Idade Média.

Essas mudanças afetaram todas as esferas sociais. Na esfera econômica, o comércio


e a manufatura tiveram grande expansão e o capitalismo substitui amplamente as formas
medievais de organização econômica. Na esfera política, o governo central torna-se mais

62 Aula 5 Introdução à CIência Geográfica


forte e viabiliza a consolidação do Estado, nova forma de governar. Na esfera religiosa,
veremos a ascensão do protestantismo. Na esfera social, surge o que hoje chamamos
de classe média, que assume um papel importante no campo da política e da cultura. Na
esfera cultural, o clero perde o monopólio do ensino e a teologia cede lugar à ciência na
explicação do mundo.

A sociedade renascentista é uma sociedade fascinada pela vida da cidade, pelo


comércio e pelos prazeres terrenos. A idéia de viver bem neste mundo passa a rivalizar
com a promessa do paraíso.

Ao se afastarem da orientação religiosa predominante na Idade Média, a sociedade que


daí emerge vai discutir a condição humana na sua relação com o mundo, abrindo, assim,
novas possibilidades de reflexão sobre questões políticas e morais.

Note que nesse processo de transição do medieval para a modernidade o mundo vai
tornando-se cada vez mais laico e independente da tutela da religião e o homem vai sendo
levado a pensar e analisar a realidade que o cerca em toda a sua objetividade e não como
resultado da vontade divina.

Perceba que neste momento aparecem novas instituições políticas e sociais – nações,
estados, novas legislações, novas classes sociais, exércitos etc. – o que implica também
numa nova maneira de pensar a vida social, a história e a geografia.

As cidades ganham vida, atraindo pessoas de diferentes lugares dispostas a conquistar


um espaço no mundo, a competir e a enriquecer. A cidade vai transformar-se também no
lócus de sustentação do desenvolvimento do capitalismo, inaugurando também uma nova
divisão social e territorial do trabalho (trataremos melhor desse assunto na aula seguinte,
na qual veremos as conseqüências espaciais de toda essa transformação).

Leia os fragmentos de texto e, em seguida,


responda a atividade 1.
O fenômeno do Renascimento reside tanto na pura diversidade de suas expressões como
em seu caráter inovador. No espaço temporal de apenas uma geração, Leonardo da
Vinci, Michelangelo e Rafael produziram suas obras-primas, Colombo descobriu o Novo
Mundo, Lutero rebelou-se contra a Igreja Católica, dando início à Reforma, e Copérnico
apresentou a hipótese de um Universo heliocêntrico, inaugurando a Revolução cientifica.
Comparado a seus antecessores medievais, o Homem do Renascimento parece ter
subitamente saltado para uma situação virtualmente sobre-humana. Agora, era capaz
de compreender os segredos da natureza e refletir sobre eles tanto na Arte como
na ciência, com inigualável sofisticação matemática, precisão empírica e maravilhosa
orça estética. O mundo conhecido expandia-se imensamente; o Homem descobriu
novos continentes e deu a volta ao Globo. Desafiava a autoridade e podia afirmar uma
verdade com base em sua própria opinião. Apreciava a riqueza da cultura clássica
e, mesmo assim, ainda sentia-se rompendo os antigos limites para revelar campos

Aula 5 Introdução à CIência Geográfica 63


inteiramente novos. Todas as artes atingiram novos níveis de complexidade e beleza:
a música polifônica, a tragédia, a comédia, o drama, a poesia, a pintura, a arquitetura
e a escultura. A independência e a genialidade individual estavam em ampla evidência.
Nenhum domínio do conhecimento, da criatividade ou da exploração parecia estar fora
do alcance do Homem. (TARNAS, 2000, p.246).
As grandes descobertas não são a única causa dos progressos da geografia no
Renascimento. As sociedades ocidentais experimentam um longo processo de
racionalização que modificou profundamente as suas formas de organização social.
Às relações pessoais que estruturavam o mundo feudal substitui-se, lentamente, uma
administração moderna. O Estado sai reforçado; para atuar, o príncipe já não é mais
obrigado a conciliar com o poder local dos seus barões; emprega funcionários que
movimenta à sua vontade e que estão na sua direta dependência. [...] O Estado, cuja
base territorial se reforça, baseia o seu poder nos seus exércitos e na sua armada. [...]
A expansão ultramarina, que incita as Descobertas, reclama também ajudas gráficas.
Com o progresso da artilharia e, correlativamente, o das fortificações, os oficiais devem
saber ler e desenhar plantas (CLAVAL, 1996, p. 26).

Atividade 1
Como você já conhece boa parte dos elementos que constituem o saber
geográfico, faça uma pequena lista destacando os elementos que surgem e são
importantes no Renascimento e escreva um pequeno texto mostrando como se
desenvolve o saber nesse período e como ele é importante para a sociedade que
a partir daí emana.

64 Aula 5 Introdução à CIência Geográfica


O Iluminismo
Mais que um movimento, o Iluminismo foi um modo de pensar. Falando de modo geral,
foi uma conseqüência da “revolução científica” do final do século XVII, que havia transformado
a concepção que a maior parte das pessoas instruídas tinha a respeito do mundo habitado.

Como vimos a pouco, o Renascimento inicia o movimento de transição da sociedade


medieval para o capitalismo moderno. Sistema econômico voltado para a produção concentrada
de bens, para a troca, para a expansão comercial, para a circulação crescente de mercadorias
e para o adensamento populacional. Perceba que é um sistema que demanda constantemente
ajustes e ordenamento espacial (veja a aula 6 – Espaço e modernidade).

Essa sociedade que emerge é individualista e financista. Voltada para expansão


comercial e busca do lucro, ela engendra novos valores e atitudes que passam a reger o
comportamento social. Veja que a nova sociedade mexe de maneira radical com a estruturação
espacial: expansão significa busca e dominação de novos territórios; produção concentrada
exige deslocamento de população e novo papel para as cidades; circulação demanda vias de
comunicação e de fluxos, dando origem a redes urbanas hierarquizadas.

O desenvolvimento científico
Essas novas condições fizeram do comércio a principal atividade motora da sociedade
que daí emergia. Para esse fim, organizavam-se viagens internacionais e faziam-se guerras nas
quais eram disputadas as melhores rotas comerciais, as fontes de produtos e matérias-primas
e a clientela. As grandes navegações ocorreram nesse cenário.

A valorização e intensificação das trocas, a descoberta de novas rotas e do desenvolvimento


das redes urbanas, e a possibilidade, cada vez maior, de se auferir lucro repercutiram no estímulo
à produção. Tornava-se urgente produzir mais e em condições capazes de responder à demanda
que se tornava cada vez mais intensa.

Esse quadro passa a exigir dos produtores uma outra racionalidade e, principalmente,
planejamento. Além disso, a intensificação e ampliação dos mercados requerem um
desenvolvimento tecnológico que acompanhe os novos ritmos da produção em larga escala
para um mercado que já se reveste de tendências mundiais.

Perceba que nesse caso estão dadas as condições para o desenvolvimento tecnológico
voltado para a invenção e produção de máquinas que potencializasse a produção e o barateamento
dos produtos. Isso provoca um verdadeiro corre-corre por engenhos tecnológicos.

Aula 5 Introdução à CIência Geográfica 65


O planejamento, a racionalidade e o desenvolvimento da pesquisa científica vão,
aos poucos, sendo disseminados visando à produção, e também vão se disseminando
na vida cotidiana.

Essa turbulência provoca a curiosidade dos homens no sentido da busca do


entendimento dos mecanismos que regulam o mundo circundante, ou seja, o homem da
modernidade procura compreender os mecanismos da vida e da natureza.

Com a saída sistemática de populações do campo em direção à cidade, o interesse pela


produção agrícola tornou-se iminente dado que, pela primeira vez na história, dever-se-ia
produzir para um contingente de produtores não primários. Essa preocupação manifesta-se
numa verdadeira revolução agrícola que buscava aumentar a produção e a produtividade de
alimentos. E esse movimento somente foi possível porque junto com a revolução agrícola
vieram também a revolução científica, tecnológica e industrial.

Veja a seguir o que o historiador Marvin Perry nos diz sobre esse período.

O movimento em direção à modernidade iniciado pela Renascença foi significativamente


acelerado pela Revolução Científica do Século XVII. A Revolução Científica destruiu a
cosmologia medieval e estabeleceu o método científico – a observação e experimentação
rigorosa e sistemática – como meio essencial de desvendar os segredos da natureza.
No ocidente, um número crescente de pensadores sustentava que a natureza era um
sistema mecânico, governado por leis que podiam ser expressas matematicamente.
As novas descobertas ascenderam a imaginação. A ciência substituía a religião como
rainha do conhecimento, e a razão, que na Idade Média estivera subordinada à religião,
afirmou sua autonomia. A grande confiança na razão inspirada pela Revolução científica
contribuiu para o surgimento do Iluminismo, que rejeitou explicitamente as idéias e
instituições do passado medieval e articulou as normas essenciais da modernidade
(PERRY, 2002, p.282).

66 Aula 5 Introdução à CIência Geográfica


As grandes navegações
Imagine que, diante do quadro apresentado até aqui, os interesses econômicos e de
expansão manifestavam-se de forma nunca vista na história. São esses interesses que vão
provocar, entre os séculos XVI e VXII, o ingresso da Europa Ocidental numa era de agressiva
exploração ultramarina e expansão econômica que transformará em definitivo o mundo em
que vivemos. Os exploradores europeus descobriram um novo caminho para a Índia, fazendo
o contorno do continente Africano. Conquistaram, colonizaram e exploraram a América, o que
provocou um extraordinário aumento nas atividades mercantis e no suprimento monetário,
promovendo o desenvolvimento do capitalismo.

Leia o fragmento do texto a seguir e responda a atividade 2.


Dos séculos XIII ao XVII, surgiu no ocidente uma nova e singular forma de organização
política: o Estado dinástico ou nacional. O Estado-nação utilizou os recursos materiais de
seu território, dirigiu as energias da nobreza para o serviço nacional e centralizou cada
vez mais a autoridade política. Produto da consolidação dinástica, o Estado nacional é a
primeira instituição política do ocidente moderno.
A desintegração das formas políticas medievais e a emergência do Estado moderno
coincidiram com a ruptura gradativa do sistema sócio-econômico da Idade Média,
baseado na tradição, na hierarquia e nas ordens ou estados. No sistema medieval,
cada grupo – clérigos, senhores, servos e membros das guildas – ocupavam um lugar
especifico e desempenhava uma função própria. A sociedade funcionava melhor quando
cada pessoa cumpria o papel que lhe fora atribuído por Deus e pela tradição. O inicio dos
tempos modernos assistiu ao crescimento de uma economia de mercado capitalista, cujo
foco principal era o indivíduo auto-suficiente, diligente, de espírito prático e motivado por
interesses pessoais. Essa incipiente economia de mercado, fortemente impulsionada pelas
viagens de descobrimento e pela conquista e colonização de outras partes do mundo,
subverteu a tradicional comunidade medieval, hierarquicamente organizada. Buscando
enriquecer seus tesouros e ampliar seu poder, os Estados promoveram o desenvolvimento
comercial e a expansão ultramarina. A extensão da hegemonia européia à grande parte do
mundo já se encontrava bem adiantada por volta do século XVIII (PERRY, 2002, p. 248).

Aula 5 Introdução à CIência Geográfica 67


Atividade 2
Destaque os elementos mais importantes apresentados no texto e argumente
em que sentido eles são importantes para a nova configuração espacial e para o
desenvolvimento do pensamento geográfico.

Leituras complementares
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

Desta obra, interessa-nos especialmente os capítulos 3 e 4. No capítulo 3, Andrade refere-


se basicamente ao processo de expansão do capitalismo; e no 4, faz as relações entre esse
desenvolvimento e suas implicações para o pensamento geográfico.

PERRY, Marvin. Civilização ocidental. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Excelente compêndio sobre a história do ocidente. Na parte três, capítulos 8, 9 e 10, o


autor faz um ótimo resgate sobre as transformações ocorridas no processo de passagem da
Idade Média para os Tempos Modernos. Mesmo não se referindo diretamente às mudanças de
ordem espacial, como é comum entre os estudiosos das ciências humanas e sociais, o autor
mostra, involuntariamente, as implicações espaciais decorrentes das mudanças sociais e as
implicações sociais decorrentes das mudanças espaciais.

TARNAS, Richard. A epopéia do pensamento ocidental. Rio de Janeiro: Bertrand


Brasil, 2000.

Ótimo livro sobre o desenvolvimento das idéias que influenciaram o ocidente. Nos
capítulos V e VI, A Visão de Mundo Moderna e A Transformação da Era Moderna, o autor
mostra como a visão de mundo moderna é produto de uma convergência de eventos, idéias
e personalidades.

68 Aula 5 Introdução à CIência Geográfica


Resumo
Nesta aula, mostramos as principais mudanças ocorridas à época da Renascença
e do Iluminismo, dois momentos que significaram o período de transição entre
a Idade Média e a Idade Moderna. Destacamos ainda as relações entre o clima
intelectual, o desenvolvimento político, cultural, social e econômico e a relação
recíproca entre essas mudanças e as mudanças de ordem espacial.

Autoavaliação
Releia a aula e as respostas que você elaborou para as atividades, em seguida,
elabore um texto mostrando a importância dos movimentos renascentista e
iluminista para o desenvolvimento do pensamento moderno e também como
a transição do feudalismo para o capitalismo implicou mudanças na estrutura
social e espacial.

Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

BAILLY, A.; FERRAS, R. Élements d’éspistemoligie de la géographie. Paris: Armand


Colin, 1997.

CLAVAL, Paul. Histoire de la géopgraphie. Paris: PUF, 1996.

PERRY, Marvin. Civilização ocidental. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

TARNAS, Richard. A epopéia do pensamento ocidental. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.

Aula 5 Introdução à CIência Geográfica 69


Anotações

70 Aula 5 Introdução à CIência Geográfica


Espaço e modernidade

Aula

6
Apresentação

N
esta aula, tentaremos mostrar para você como as formas espaciais dão suporte às
práticas sociais e como essas práticas não se realizam sem as formas espaciais.
Mostraremos isso, notadamente, no período chamado moderno e que você conheceu
de forma sucinta na aula anterior. Sendo assim, retomar a aula 5 (Os tempos modernos), a
aula 1 (O saber geográfico) e a aula 2 (A ação humana) será procedimento obrigatório.

Caso ainda não tenha ficado claro, o intuito do nosso curso é mostrar para você que
existe uma dimensão espacial-geográfica das práticas sociais e que estas não se realizam sem
aquelas. Essas práticas espaciais (sociais) são a construção geográfica de uma sociedade, que
se reflete na paisagem e na configuração territorial. Lembre-se de que na aula 5 falamos de
grandes transformações sociais, políticas, culturais que ocorreram num processo histórico.
Nesta aula, mostraremos, mais claramente, as implicações espaciais dessas transformações
que correspondem à passagem da Idade Média para a Idade Moderna.

Objetivos
Compreender a relação entre produção social e
1 produção material.

Entender que a nossa existência está condicionada à


2 existência da natureza e que a técnica media essa relação.

Relacionar as transformações ocorridas no período da


3 modernidade com os “ajustes espaciais”.

Perceber que a acumulação mercantil e o desenvolvimento


4 do capitalismo demandaram uma nova ordem espacial.

Aula 6 Introdução à Ciência Geográfica 73


Relações sociais,
espaço e história
“Cada tempo se distingue de outro pela forma de seu espaço. Na verdade cada tempo é
a sua forma de espaço”.
Ruy Moreira

Podemos dizer que, para existir concretamente, o ser humano tem, necessariamente,
que estabelecer relações com o seu entorno, com a natureza. Tal relação é seminal (está para
a Geografia como o pecado original está para a fé cristã) e o fundamento mesmo do espaço.

É possível desagregar essa relação em dois níveis: as relações com o mundo físico e
biológico, que são relações técnicas e as relações com os outros seres humanos, que são
relações sociais.

As relações do ser humano com o mundo físico e biológico estão no cerne dos estudos da
Geografia, ou seja, ela estuda a relação do homem com a natureza, e tais relações dão origem
ao que chamamos de espaço geográfico.

Como as relações entre homem e natureza não se dão de forma direta e sim mediada pelo
trabalho e por relações técnico-sociais, o espaço é, necessariamente, técnico-social, veremos
isso mais amiúde na aula 15 (Milton Santos: o filósofo da técnica).

É por demais sabido que a principal forma de relação entre o homem e a natureza, ou
melhor, entre o homem e o meio, é dada pela técnica. As técnicas são um conjunto de
meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao
mesmo tempo, cria espaço (SANTOS, 2006, p.29).

Através dos processos produtivos, o ser humano estabelece relações técnicas tanto com
a natureza orgânica quanto com a natureza inorgânica, com o propósito de gerar produtos úteis
a suas necessidades. Essa informação está dita de outra forma no texto a seguir.

74 Aula 6 Introdução à Ciência Geográfica


A sociedade não pode existir sem a natureza – afinal, é a natureza, transformada
pelo trabalho, que propicia as condições da manutenção da vida dos membros da
sociedade. Toda e qualquer sociedade humana tem sua existência hipotecada à
existência da natureza – o que varia historicamente é a modalidade da relação da
sociedade com a natureza: variam, ao longo da história, os tipos de transformação
que, através do trabalho, a sociedade opera nos elementos naturais para deles
se servir, bem como os meios empregados nessa transformação. Vale dizer:
modificam-se, ao longo da história da humanidade, as formas de produção
material da vida social e, por conseguinte, as condições materiais de existência
nas quais vivem os homens. Mas é invariável o fato de que a reprodução da
sociedade depende da existência da natureza (a natureza, porém pode existir e
subsistir sem a sociedade).

Por natureza entendemos o conjunto dos seres que conhecemos no nosso


universo, seres que precederam o surgimento dos primeiros grupos humanos
e continuaram a existir e a se desenvolver depois desse surgimento. Ela se
compõe de seres que podem ser agrupados em dois grandes níveis: aqueles
que não dispõem da propriedade de se reproduzir (a natureza inorgânica) e
aqueles que possuem essa propriedade, os seres vivos, vegetais e animais (a
natureza orgânica). A distinção entre os níveis inorgânico e orgânico, contudo,
não significa a existência de uma “dupla natureza” – de fato, a natureza é uma
unidade, articulando seus diferentes níveis numa totalidade complexa.

(PAULO NETTO; BRAZ, 2007, p.35).

Você deve ter apreendido da leitura do texto anterior que existe uma relação de implicação
entre a sociedade e a natureza, essa relação modifica-se segundo o nível de desenvolvimento
da técnica, dos conhecimentos tecnológicos e científicos e da amplitude da utilização do
entorno. Preste atenção também na afirmação presente no texto de que a reprodução da vida
social depende das formas de da produção material e que estas formas variam na história.
Se tomarmos essa reprodução material em sentido amplo, ou seja, como todas as formas
materiais existentes (estradas, portos, aeroportos, plantações, objetos eletro-técnicos, casas,
indústrias, igrejas, cidades, Estados, fronteiras etc.), podemos afirmar que a vida social se
reproduz geográfica e historicamente. É sobre isso que queremos que você reflita a partir das
atividades que se seguem.

Aula 6 Introdução à Ciência Geográfica 75


Leia atentamente os fragmentos a seguir. O primeiro é um trecho do famoso
texto de Marx e Engels Manifesto do partido comunista, o segundo é uma análise
do geógrafo David Harvey sobre o texto de Marx e Engels. Destaque os fatores
que você considera mais relevantes para o entendimento da relação espaço-
sociedade-história.

A acumulação do capital foi uma questão profundamente geográfica. Sem as


possibilidades inerentes à expansão geográfica, à reorganização espacial e ao
desenvolvimento geográfico desigual, o capitalismo há muito teria cessado de funcionar
como sistema econômico-político. Essa perpétua realização do “ajuste espacial” das
contradições internas do capital (registrado de modo mais marcante como uma
hiperacumulação do capital numa área geográfica específica), associada com uma
inserção desigual dos diferentes territórios e das formações sociais no mercado mundial
capitalista, criou uma geografia histórica global de acumulação do capital cujo caráter
precisa ser bem entendido [...].
As mudanças revolucionárias que levaram a burguesia ao poder estavam vinculadas
com “o descobrimento da América, a passagem pelo Cabo da Boa Esperança” e a
abertura do comércio às colônias e com os mercados das Índias Orientais e da China.
A ascensão da burguesia está, desde o começo da discussão, intimamente ligada a
suas atividades e estratégias geográficas no palco do mundo:
A indústria moderna criou o mercado mundial, tendo o descobrimento da América aberto
o caminho para isso. Esse mercado tem proporcionado um imenso desenvolvimento
ao comércio, à navegação, à comunicação por terra. Esse desenvolvimento reagiu
por sua vez sobre extensão da indústria; e à medida que a indústria, o comércio, a
navegação, as vias férreas se desenvolviam, crescia a burguesia, multiplicando seus
capitais e relegando a segundo plano as classes legadas pela Idade Média (MARX,
ENGELS, 1952, p. 42-43).

O texto que você vai ler é parte de uma análise que o geógrafo americano David Harvey
faz do famoso texto de Marx e Engles “Manifesto do Partido Comunista”. A idéia de Harvey
é fazer uma análise considerando os aspectos geográficos, de certa forma, negligenciado
pelos autores.

Com esses recursos geográficos, a burguesia sobrepujou, solapou por fora e subverteu
por dentro os poderes feudais restritos a territórios. Também por meio deles a
burguesia transformou o Estado (com suas forças militar, organizacional e fiscal) no
executor de suas próprias ambições. E, uma vez no poder, continuou a realizar sua
missão revolucionária, em parte via transformações geográficas internas e externas.
Internamente, as criações de grandes cidades e as rápidas urbanizações fazem que as
cidades governem o campo (ao tempo em que resgatam da “estupidez” da vida rural e
reduzem o campesinato a uma classe subalterna). A urbanização concentra no espaço
as forças produtivas e a força de trabalho, transformando populações dispersas e

76 Aula 6 Introdução à Ciência Geográfica


sistemas descentralizados de diretos de propriedade em imensas concentrações de
poder político e econômico que acabam por se consolidar no aparelho legal e militar
da nação-Estado. As “forças da natureza” tornam-se sujeitas ao controle humano à
medida que o sistema de transporte e de comunicação, divisões territoriais do trabalho e
infra-estrutura urbanas são criadas para servir de fundamento à acumulação de capital.
Mas a conseqüente concentração do proletariado em fábricas e cidades torna
os proletários conscientes de seus interesses comuns. A partir disso eles criam
instituições como os sindicatos para articular suas reivindicações. Além disso, os
sistemas modernos de comunicação põem “os trabalhadores de localidades diferentes
em contato uns com os outros”, o que permite que “as numerosas lutas locais, todas
dotadas do mesmo caráter”, sejam centralizadas numa “única luta nacional entre as
classes”. Esse processo, à medida que ultrapassa as fronteiras nacionais, despoja os
trabalhadores de “todos os vestígios o caráter nacional”, dado que todos e cada um
deles se acham sujeitos ao regime unificado do capital. A organização da luta de classes
trabalhadora se concentra e se difunde no espaço de uma maneira que espelha as ações
do capital (HARVEY, 2004, p. 40-42).

Atividade 1
Retome da aula 2 as noções de apropriação, exploração e troca e tenha
1 também em mente a noção de dominação (um dos domínios da ação do
homem), relacione tais noções com os aspectos geográficos expostos
no texto e diga de que maneira eles nos ajudam a entender o processo
de produção sócio-espacial.

De que maneira a idéia de “ajuste espacial”, apresentada por Harvey,


2 nos ajuda a entender o processo de desenvolvimento global da
modernidade?

Leia os fragmentos de texto a seguir e procure identificar


semelhanças com o texto da atividade 1.
Entre o século X e o século XIX tem lugar um conjunto de mudanças de efeitos
estruturais no ocidente e no oriente, relacionados à evolução das trocas, que dará
início à formação dos espaços modernos. O grande eixo é o salto que ocorre na técnica
da produção e dos meios de circulação, impactando o intercâmbio cultural e as trocas
de produtos entre povos e civilizações. Mas o dia-a-dia da mudança tem origem no
desenvolvimento das trocas (MOREIRA, 2007, p.47).

Aula 6 Introdução à Ciência Geográfica 77


O Estado é o grande agente da nova ordenação. E a cidade e os meio de circulação, os
seus agentes geográficos por excelência. Visando dar a tudo essa direção mercantil,
o Estado uniformiza sob um mesmo padrão os pesos e as medidas, a moeda, as
diferenças étnicas, religiosas e lingüísticas, unificando e criando o território nacional
(MOREIRA, 2007, p.48).
A ferrovia cumpre aqui o papel-chave da integração espacial. Secundada pela navegação
marítima, forma de transporte de longo curso e custo menor. Apoiada na ferrovia e na
navegação marítima, a indústria põe entre si e o mercado uma enorme diversidade de
áreas e parte para a preponderância espacial. De início, a ferrovia é um complemento do
trabalho de transporte nas minas do carvão. Depois, liberta-se e espraia-se para além
desse âmbito, ajudando a indústria a espalhar-se entre as minas, a áreas agropastoris,
os portos e as grandes cidades. (MOREIRA, 2007, p.50).
A cidade povoa-se do operariado originado pelos camponeses e artesãos expulsos
do campo pela expropriação de suas propriedades e aumenta rapidamente os bairros
fabris. Estes se multiplicam entre as minas localizadas à beira dos rios, ferrovias ou
dos eixos portuários. A cidade ganha novo aspecto.
A divisão territorial do trabalho é o esqueleto de toda essa nova arrumação do espaço.
Antes de tudo, separam-se campo e cidade por sua diferença funcional. Doravante
campo é sinônimo de agricultura e pecuária. E a cidade é sinônimo de indústria e
serviços. E os espaços nacional e internacional se fragmentam em múltiplas áreas de
atividades especializadas e diversificam sua produção.
Logo a indústria transpõe para o plano mundial essa diferenciação cidade-campo,
criando uma relação que vai antepor países industrializados e países agrários. E integra-
os numa divisão internacional de trabalho e de trocas em que os países industrializados
importam produtos primários e exportam produtos manufaturados para os países
agrários e estes exportam produtos de pecuária e da mineração para o abastecimento
daqueles, deles recebendo em troca esses mesmos produtos na forma manufaturada
(MOREIRA, 2007, p.51).

Atividade 2
Identifique elementos comuns de complementaridade entre o texto de
1 Harvey e os fragmentos de Moreira.

Você acha que nos fragmentos de textos de Moreira encontramos mais


2 elementos que nos ajudem a entender a idéia de “ajuste espacial”,
colocada por Harvey? Que elementos são esses?

78 Aula 6 Introdução à Ciência Geográfica


Leituras complementares
HARVEY, David. Espaços de esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

Autor marxista, Harvey faz neste livro um balanço das possibilidades da análise geográfica
para a atualidade e destaca a necessidade de um novo tipo de pensamento utópico, que
denomina de “utopismo dialético”. Para as questões tratadas nesta aula recomendamos a
leitura do capítulo 2, A geografia do Manifesto, no qual o autor fará uma discussão, muito
interessante, sobre os tempos modernos e o seu “ajuste espacial”, tomando como parâmetro
as análises de Marx e Engles (do Manifesto) e mostrando em que medida essas análises nos
ajudam a pensar geograficamente.

MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em geografia. São Paulo: Contexto, 2007.

Livro que traz vários textos do autor publicados em diversas revistas e escritos em
momentos distintos. Excelente livro de introdução a questões de história e epistemologia da
Geografia. Para o assunto tratado nesta aula, recomendamos a leitura do texto A sociedade e
suas formas de espaço no tempo.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP, 2006.

Livro obrigatório para o estudante de Geografia. Trata da relação entre a técnica e o


espaço e entre o espaço e o tempo. É uma obra singular quanto ao desenvolvimento de
uma epistemologia da Geografia. Para esta aula, recomendamos a leitura do capítulo 1,
As técnicas, o tempo e o espaço geográfico. Neste capítulo, o autor mostra como o estudo
da técnica é fundamental para a compreensão do espaço geográfico e de como os geógrafos
tem negligenciado esse estudo.

Resumo
Nesta aula, vimos a necessária relação entre produção da vida social e produção
material da vida, destacando-se o período da modernidade e suas implicações
nas transformações espaciais.

Aula 6 Introdução à Ciência Geográfica 79


Autoavaliação
Elabore um texto traçando um paralelo entre produção social e produção
material, mostrando a relação seminal entre a existência da natureza e a
existência humana e de como a cada nova ordem social, econômica e política
faz-se necessária uma nova ordem espacial. Explicite ainda nesse texto o que
se entende por ajuste espacial.

Desafio
Retome os textos que você elaborou em resposta às atividades 1 e 2. Retome
também as noções dos cinco domínios da ação humana (aula 2). Elabore um texto
de uma lauda, considerando os seguintes elementos: o caráter social do espaço
geográfico decorre do fato de que os homens têm fome, sede e frio, necessidades
de ordem física decorrentes de pertencer ao reino animal e que esse animal,
para satisfazer suas necessidades, transforma a natureza através do trabalho
e da técnica mediadas por relações sociais que assumem formas diversas no
tempo histórico e que o período moderno é singular do ponto de vista de uma
ruptura com a Idade Média; as transformações da modernidade influenciaram
nas transformações materiais e deram origem a uma nova configuração espacial
com base em elementos nunca existentes (objetos técnicos, grandes cidades,
ferrovias, Estado-nação etc.).

Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

CLAVAL, Paul. Histoire de la géopgraphie. Paris: PUF, 1996.

HARVEY, David. Espaços de esperança. São Paulo: Edições Loyola, 2004.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do partido comunista. 1952.

MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em geografia. São Paulo: Contexto, 2007.

PAULO NETTO, José; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica. São Paulo:
Cortez, 2007.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP, 2006.

80 Aula 6 Introdução à Ciência Geográfica


Anotações

Aula 6 Introdução à Ciência Geográfica 81


Anotações

82 Aula 6 Introdução à Ciência Geográfica


A institucionalização
da Geografia

Aula

7
Apresentação
A Geografia moderna surge na Alemanha, a então Prússia, no século XIX, marcada pelas
particularidades desse país. Mostrar isso é um dos intuitos desta aula. Mostraremos também
que o contexto cultural, político e filosófico devem estar relacionadas quando se trata de
entender o desenvolvimento de qualquer ciência.

Você verá ainda como se dá o processo de sistematização e institucionalização da


Geografia, quais foram os pressupostos materiais e históricos que deram sustentação a essa
sistematização e quais os pressupostos imateriais/subjetivos. Esta aula tenta responder às
seguintes questões: por que a geografia, um conhecimento de longa data, vai se transformar
em um saber sistematizado e científico apenas no século XIX e por que é na Alemanha que isso
acontece? Quais as relações entre o contexto da modernidade e o surgimento dessa ciência? Modernidade

Estilo e costume de vida


Para bem compreender a discussão apresentada nesta aula, será fundamental que você ou organização social
releia a aula 3 (A Geografia na Antiguidade). que emergiram na Europa
a partir do século XVII e
que vai, paulatinamente,
influenciando todo o
mundo.

Objetivos
Compreender como as transformações ocorridas
1 na modernidade influenciaram o processo de
desenvolvimento das ciências em geral e da Geografia
em particular.

Identificar as mudanças ocorridas nesse período que


2 influenciaram, especificamente, o pensamento geográfico.

Relacionar os processos históricos, sociais, econômicos


3 e políticos com o desenvolvimento e sistematização do
conhecimento geográfico.

Articular a especificidade da Alemanha no século XIX com


4 o surgimento da Geografia moderna.

Aula 7 Introdução à CIência Geográfica 85


Contexto geral
Como você viu na aula 3 (A Geografia na Antiguidade), as primeiras indagações geográficas
sobre a localização e distribuição dos fenômenos remontam às origens da humanidade.
Entretanto, de forma mais rigorosa, a Geografia como conhecimento mais sistematizado nasce
na Grécia, onde Anaximandro de Mileto (650-615 a.C.) constrói o primeiro “mapa do mundo”
e Hecateu de Mileto (560-480 a.C.) constrói o segundo. Por outro lado, a Geografia enquanto
ciência autônoma e sua institucionalização ocorrerão somente no século XIX.

Perceba que desde o início o conhecimento geográfico apresentou-se polarizado


entre duas tendências opostas e complementares. De um lado, os geômetras (versados em
Geometria) e os astrônomos, com uma visão mais geral; de outro, os desbravadores, os
aventureiros e curiosos, os historiadores, os filósofos e os políticos que, preocupados com os
aspectos diferenciados da superfície terrestre, das diversas formas de produção, dos povos
e de seus costumes, refletem sobre as relações entre os diferentes territórios e as várias
sociedades humanas.

Vimos também que no decorrer da história da humanidade os périplos e conquistas se


multiplicam, os contatos com os povos “bárbaros” vão pari passu (simultaneamente) alargando
o horizonte geográfico.

Veja no box a seguir o que nos diz Antônio Carlos Robert de Moraes, em seu famoso
Geografia – Pequena História Crítica, sobre esse período do pensamento geográfico.

86 Aula 7 Introdução à CIência Geográfica


O rótulo Geografia é bastante antigo, sua origem remonta à Antigüidade Clássica,
especificamente ao pensamento grego. Entretanto, apesar da difusão do uso deste
termo, o conteúdo a ele referido era demais variado. Ficando apenas ao nível do
pensamento grego, aí já se delineiam algumas perspectivas distintas de Geografia:
uma de Tales e Anaximandro, privilegia a medição do espaço e a discussão da
forma da Terra, englobando um conteúdo hoje definido como Geodésia; outra,
com Heródoto, se preocupa com a descrição dos lugares, numa perspectiva
regional. Isto para não falar daquelas discussões, hoje tidas como geográficas,
mas que não apareciam sob esta designação, como a relação entre o homem
e o meio, presente em Hipócrates, cuja principal obra se intitula Dos ares, dos
mares e dos lugares [...].

Desta forma, pode-se dizer que o conhecimento geográfico se encontrava


disperso. Por um lado, as matérias apresentadas com essa designação eram
bastante diversificadas, sem um conteúdo unitário. Por outro lado, muito do que
hoje se entende por Geografia, não era apresentado com este rótulo. Este quadro
vai permanecer inalterado até o final do século XVIII (MORAES, 1983, p.32-33).

A gênese da Geografia moderna


A constituição da Geografia enquanto saber científico sistematizado e institucionalizado é
fruto de um processo lento que tem por base fatores diversos no que se refere aos fenômenos
históricos e estruturais relacionados a determinado grau de desenvolvimento material das
sociedades e às idéias a eles vinculadas, ou seja, o desenvolvimento da Geografia (assim como
de todas as outras ciências) prescinde do desenvolvimento da vida material e do pensamento
filosófico-científico.

Dessa forma, a Geografia moderna, em seu nascedouro, necessitou de uma série de


condições históricas para poder se tornar realidade.

Essas condições históricas a que nos referimos dizem respeito ao processo de transição
do Feudalismo para o Capitalismo, assunto já visto nas aulas 5 (Os tempos modernos) e 6
(Espaço e modernidade)

Aula 7 Introdução à CIência Geográfica 87


Podemos dizer que a grande revolução para o conhecimento geográfico começa
a ser preparada a partir da extraordinária expansão do espaço conhecido, do domínio da
configuração da Terra e do desprezo às idéias e crenças a respeito da superfície terrestre que
vem com a Idade Moderna. Mas, para que a Geografia desponte como um saber autônomo,
particular, faz-se necessárias ainda certas condições que só estarão suficientemente
amadurecidas no século XIX.

Pressupostos para o surgimento


da Geografia moderna
Como vimos anteriormente, a institucionalização da Geografia dependeu tanto de fatores
externos quanto de fatores de ordem interna à lógica do conhecimento científico em geral.
Vimos também que o desenvolvimento dessa lógica está intimamente ligada ao processo mais
amplo de desenvolvimento histórico da humanidade.

Em se tratando especificamente da institucionalização do conhecimento geográfico


moderno, que é o nosso caso, podemos dizer que quatro ordens de fatores ou pressupostos
fundamentais contribuíram para a erupção da sistematização da Geografia como ciência:

a) o efetivo conhecimento do planeta (alargamento do horizonte geográfico, ampliação do


ecúmeno – áreas da Terra habitadas pelo homem);

b) acúmulo de informações sobre os diferentes lugares;

c) aperfeiçoamento das técnicas cartográficas;

d) desenvolvimento do conhecimento científico-filosófico.

O conhecimento do planeta
O conhecimento efetivo da extensão real da Terra é um pressuposto fundamental
para a emergência da Geografia moderna e as condições materiais para a realização de tal
conhecimento encontram-se na expansão européia que se concretiza através das grandes
navegações e descobertas e na constituição de um espaço mundial de relações.

A consciência da magnitude real da superfície terrestre (em termos de sua forma,


dimensão, subdivisões e limites) representava o patamar mínimo para o afloramento da
reflexão sistematizada sobre esse espaço concreto. Tal apreensão mais elaborada sobre

88 Aula 7 Introdução à CIência Geográfica


a Terra requeria conhecimento factual considerável estabelecido e a possibilidade de
aferição empírica de uma visão de conjunto do globo (MORAES, 2002, p. 17).

No século XIX, a constituição de um espaço mundial já é uma realidade efetiva e consolida


definitivamente aquele processo que se inicia com as primeiras evidencias de decadência
do sistema feudal, ou seja, no século XIX, com a Revolução Industrial, o Capitalismo está
consolidado. Essa consolidação atua de forma decisiva no processo de reafirmação das
relações mercantis de produção que, ao se articular em escala planetária, estende a influência
das sociedades européias em todo o globo.

Preste atenção, também, ao fato de que a constituição de uma economia mundial


desembocou numa exploração colonial, pois esse processo de expansão econômica exigiu
uma necessária apropriação e submissão de novos territórios e sua incorporação ao
sistema produtivo.

Se você retomar a leitura da aula 2 (A ação humana), verá que esse processo se baseia,
pelo menos, em dois elementos fundantes da Geografia: apropriação e exploração.

A apropriação desses novos territórios ocorre de forma lenta e vai, paulatinamente,


fragmentando os modos de vida locais, promovendo novos ordenamentos e “ajustes
espaciais”. Além disso, coloca o europeu expansionista em contato com realidades espaciais
bastante diversas da sua. Para ter o conhecimento dessas novas realidades particulares e
de suas localizações (lembre-se de que localização e nomeação dos lugares são elementos
constitutivos do saber geográfico, veja aula 1), o levantamento de informações sobre esses
lugares singulares torna-se imprescindível.

O acúmulo de informações
Como vimos, os grandes descobrimentos dão origem a um conhecimento cada vez
mais apurado da realidade do planeta, fator primordial para o surgimento de uma Geografia
moderna. Junto a esse conhecimento, faz-se necessária a sistematização de informações
sobre os diferentes pontos da Terra, ou seja, sobre os diferentes territórios que vão sendo
incorporados às relações mercantis.

A descoberta de novas terras torna possível a expansão das relações capitalistas. A


apropriação e incorporação de novos territórios exigem, como já foi dito, o conhecimento
de realidades distintas entre si e distintas do quadro europeu de referência.

Assim, a exploração colonial demanda o levantamento constante de informações que


vai sendo feito de forma criteriosa, dando origem a grande acervo de dados.

O acúmulo de informações é primordial nesse momento de expansão, uma vez que


o “mundo”, tal qual o conhecemos hoje, está sendo descoberto e apropriado (dominado)
e do qual se tem poucas informações. Além disso, conhecer e localizar detalhadamente
os diferentes lugares é uma tarefa demandada pela própria necessidade de realização da

Aula 7 Introdução à CIência Geográfica 89


expansão capitalista que, para aumentar seu domínio e fortalecer suas atividades nos
territórios colônias, necessita de informação.

Basta pensar que das expedições exploradoras do século XV chega-se às expedições


científicas do século XVIII, todas financiadas diretamente pelas coroas européias.
Também a fundação das sociedades geográficas e dos escritórios coloniais atesta o
interesse fundamental dos Estados por essa coleta de informações. Decorre desse
interesse um revigoramento das descrições, que pela prática se vão aprimorando, fato
que é extremamente relevante para irrupção da Geografia moderna. O acúmulo das
descrições fornece base empírica para a comparação entre as áreas, núcleo germinador
das indagações associadas na sistematização geográfica (MORAES, 2002, p.18-19).

A cartografia
O avanço e aprimoramento da cartografia (instrumento por excelência geográfico)
se constituem efetivamente num outro pressuposto da Geografia moderna. Esse avanço
na linguagem cartográfica é uma demanda primária e uma exigência prática para o pleno
desenvolvimento das relações comerciais que requer o estabelecimento preciso de rotas de
navegação, assim como a localização exata dos lugares e portos.

O tráfego terrestre também se amplia em função da regularidade crescente das trocas


e do atendimento de distâncias maiores a serem percorridas.

É a economia “global” que emerge, articulando regiões diferentes e distantes e


demandando a confecção, cada vez mais detalhada, de mapas confiáveis que facilitem o
deslocamento mais rápido e seguro dos meios de transporte, os quais também sofrem grande
desenvolvimento nesse período. Mapas mais confiáveis propiciam ainda o conhecimento e
a extensão real das colônias.

A técnica de impressão, recém-descoberta nesse período, populariza o instrumental


cartográfico que vai se juntar às descrições dos viajantes naturalistas do século XVII, dando-
lhes cunho mais geográfico.

Assim, dos relatos ocasionais e intuitivos dos exploradores e aventureiros passa-se, com
a evolução da própria empresa colonial, às descrições ordenadas e imbuídas do espírito
objetivo das ciências modernas nascentes. Pode-se dizer que tal situação, plenamente
alcançada no século XVIII, é já o anteato imediato do processo de sistematização da
Geografia (MORAES, 2002, p.19)

90 Aula 7 Introdução à CIência Geográfica


Evolução das idéias
O período que estamos chamando aqui de transição do Feudalismo para o Capitalismo,
que promove grandes transformações materiais, é também marcado por um clima de grande
efervescência de idéias e de extraordinário alargamento do horizonte do pensamento humano.

Você deve estar se lembrando da aula 5, na qual falamos sobre a ordem feudal e sua
interpretação teológica do mundo. Essa ordem tinha como base de legitimação e interpretação
dos fenômenos a teleologia divina. Para se contrapor a essa visão, as idéias nascentes vão se
firmar sobre uma concepção racionalista do mundo na qual a valorização e as possibilidades
da razão humanas são privilegiadas em detrimento das explicações divinas. Os últimos anos
do século XVIII e os primeiros do século XIX marcam de modo especial esse embate.

De explicações de fundo teológico, baseadas na crença da origem divina


da ação dos eventos, passa-se para uma visão que defende a observação
sistemática em busca de constâncias, ritmos e relações entre os fenômenos
(MORAES, 2002, p.21).

Uma nova forma de saber se instala, configurando um novo sistema de conhecimento.


Surge daí as ciências modernas.

Essas mudanças que começam já no século XV-XVI vão se consolidar com o projeto
científico levado a cabo no século XIX. Esse projeto tem como pontos de apoio fundamentais
a razão e uma fé generalizada no progresso.

Como já assinalamos, ao contrário da ordem feudal, que se embasava numa visão


teocêntrica (Universo e homem são criaturas), a razão coloca o homem no centro do
Universo, e a Terra e a natureza são vistas como submissas e passíveis de apropriação
generalizada pelo homem.

A dessacralização da natureza vai permitir a intervenção humana na ordem natural e


a constituição da ciência moderna, entre elas a Geografia. O pensamento científico passa
a ter nessa concepção um papel fundamental. E é através da possibilidade de intervenção
racional do homem sobre a natureza e da eficácia científica que o homem moderno cimenta
sua fé no progresso.

Surge também nesse período, que começa com o Iluminismo, uma discussão
fundamental para a Geografia moderna: as relações entre a sociedade e o meio. Montesquieu
(1689-1755), por exemplo, em O espírito das leis, dedica um capítulo ao estudo das relações
natureza-sociedade. Rousseau (1712-1778) dizia, por outro lado, que seis meses passados
num lugar o instruía mais que cem livros.

Aula 7 Introdução à CIência Geográfica 91


Como se vê, essa mudança de mentalidade faz aflorar diversos temas pertinentes
à Geografia (além do já destacado), tais como: a questão da relação da sociedade com
o território; a influência do meio (especificamente do relevo e do clima) na organização
social; e as formas de governo e a extensão do território, que são temas recorrentes entre
os pensadores já referidos, como é o caso de Montesquieu e Rousseau.

Alemanha: berço da institucionalização


da Geografia moderna
Na Alemanha, emergem questões da prática social e da sua particularidade histórica que
irão estimular a sistematização e institucionalização da Geografia no seio da sociedade germânica.
Estado

Conjunto de instituições O repertório geográfico e os interesses sociais e políticos engendrados na sociedade


e de uma população alemã formam um par indissociável para a discussão dos problemas colocados para os alemães
fixado e delimitado por
e seu contexto histórico frente às mudanças e transformações por que passavam as diferentes
um território. O Estado
“monopoliza” a criação das sociedades européias.
regras dentro do
seu território Como você estudou na aula 6, um dos elementos fundamentais para a tessitura do “ajuste
espacial”, demandado pelo processo de modernização, é a constituição do Estado. Enquanto
outros países constituem seu Estado Nacional, a Alemanha encontra dificuldade para sua
unificação frente à extrema diversidade entre as várias unidades germânicas, a ausência de
relações mais duradouras entre elas e a falta de um centro organizador do espaço que faça
convergir as relações econômicas e amenizem as disputas de fronteiras.

A Alemanha é, nesse período, um país em situação de atraso em relação às demais nações


européias e tal situação parece ser um aspecto fundamental para fazer da discussão geográfica
um tema da maior importância para a sociedade alemã.

Essas singularidades germânicas vão

marcar profundamente todos os planos da história da Alemanha, das relações econômicas,


passando pela organização política, até as formas de pensamento. É nele inclusive que
residem as determinações históricas específicas explicativas do afloramento pioneiro do
processo de sistematização do pensamento geográfico nesse país (MORAES, 2002, p.26).

Como você deve estar percebendo, a maior parte dos temas colocados pelo processo
de sistematização da Geografia constitui dificuldades vividas pela sociedade alemã ainda não
unificada. A Geografia nasce nesse contexto específico da Alemanha para dar respostas a
duas questões fundamentais: resolver uma questão territorial premente para a constituição
de um Estado Nacional e a conquista de um lugar de destaque para a Alemanha no cenário
apresentado pela realidade européia do século XIX.

92 Aula 7 Introdução à CIência Geográfica


Os acontecimentos históricos e as necessidades práticas da sociedade alemã são
pontos importantes para a compreensão do surgimento da Geografia moderna, mas não são
suficientes. O nascimento de uma ciência ou de uma idéia depende de fatores históricos,
mas também de homens concretos. E em se tratando de Geografia alemã, esses homens são
Humboldt e Ritter, que teremos oportunidade de conhecer na próxima aula.

Atividade
Leia os fragmentos a seguir e leia também, de Antônio Carlos Robert de Moraes, os
capítulos 3 e 4 do livro Geografia: pequena história crítica.

Em seguida, assinale os aspectos fundamentais para compreender o processo de


sistematização da Geografia.

A sistematização do conhecimento geográfico só vai ocorrer no início do século


XIX. E nem poderia ser de outro modo, pois pensar a Geografia como um
conhecimento autônomo, particular, demandava certo número de condições
históricas, que somente nesta época estarão suficientemente maturadas. Estes
pressupostos históricos da sistematização geográfica objetivam-se no processo
de avanço e domínio das relações capitalistas de produção. [...]

A especificidade da situação histórica da Alemanha, no início do século XIX,


época em que se dá a eclosão da Geografia, está no caráter tardio de penetração
das relações capitalistas nesse país. Na verdade, o país não existe enquanto tal,
pois ainda não se constitui como Estado Nacional. A Alemanha de então é um
aglomerado de feudos (ducados, principados, reinos), cuja única ligação reside
em alguns traços culturais comuns. Inexiste qualquer unidade econômica ou
política, a primeira começando a se formar no decorrer do século XIX, a segunda
só se efetivando em 1870, com a unificação nacional (MORAES, 1983, p. 34/44).

Agora, responda as questões seguintes.

A partir da leitura dos textos, faça considerações pertinentes à afirmação:


1 “O surgimento de uma ciência depende de fatores históricos materiais e
imateriais, ou seja, de fatores objetivos e subjetivos”.

Em que medida esses fatores objetivos e subjetivos estão presentes na


2 Alemanha para que a Geografia se institucionalize?

Aula 7 Introdução à CIência Geográfica 93


Leituras complementares
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

Livro já citado no qual o autor analisa a evolução do pensamento geográfico desde a


Antigüidade até os dias atuais. É um livro de base para entender os fundamentos da Geografia
e suas conexões com as ciências naturais e sociais; além de traçar os contextos nos quais
se desenvolveram cada período de desenvolvimento da Geografia. Para esta aula, veja
especialmente os capítulos 4 e 5.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.

Leitura obrigatória para quem estuda Geografia. É uma síntese dos fundamentos e da
história do pensamento geográfico moderno. Para esta aula, veja especialmente os capítulos
3 e 4.

MORAES, Antônio Carlos Robert. A gênese da geografia moderna. São Paulo: ANNABLUME/
HUCITEC, 2002.

Se você quiser aprofundar os seus estudos sobre este período de desenvolvimento e gênese
da Geografia moderna, essa obra trata especificamente do processo de institucionalização e
gênese da Geografia moderna, analisando o contexto histórico específico da Alemanha e a
sistematização dessa ciência, que ocorre através das elaborações de Alexandre von Humboldt
e Karl Ritter.

Resumo
Esta aula mostra a relação entre o desenvolvimento da ciência geográfica e o das
condições materiais da vida social dentro do contexto histórico da modernidade.
Analisa os pressupostos para a sistematização da Geografia e a especificidade da
Alemanha no século XIX, país que primeiro fará a sistematização do conhecimento
geográfico, dando-lhe estatuto científico e institucional.

94 Aula 7 Introdução à CIência Geográfica


Autoavaliação
Elabore um texto mostrando de que maneira as mudanças ocorridas na
modernidade influenciaram no pensamento geográfico e de como isso culminou
na sua sistematização como ciência.

Referências
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

MORAES, Antonio Carlos Robert. A gênese da geografia moderna. São Paulo: ANNABLUME/
HUCITEC, 2002.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.

MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em geografia. São Paulo: Contexto, 2007.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP, 2006.

Aula 7 Introdução à CIência Geográfica 95


Anotações

96 Aula 7 Introdução à CIência Geográfica


A geografia de Humboldt e Ritter

Aula

8
Apresentação

N
o período que analisaremos nesta aula, você verá que a Geografia vai deixando de ser
apenas uma obra de erudição a serviço de outras ciências, no papel de auxiliar; que
ela deixa de ser um amontoado de conhecimentos, uma enumeração mais ou menos
ordenada de nomes de rios, montanhas ou cidades; e que deixa também de ser um agregado
de nomes e de números. Você verá ainda que a Geografia se beneficia dos acontecimentos
gerais e do desenvolvimento de outras ciências.

Ligados a essas mudanças, encontraremos os pais da Geografia moderna: Humboldt


e Ritter. São esses dois sábios geógrafos os primeiros a se preocuparem com a Geografia
enquanto ciência e como um saber sistematizado. Viveram na mesma época, caminharam
por vias diversas, mas suas idéias convergiam significativamente para os mesmos princípios.
De modo geral, podemos dizer que o conjunto da obra desses dois alemães respondia ao
desafio da sociedade européia em que viviam: desenvolvimento do Capitalismo, colonização
e a formação específica da Alemanha.

Objetivos
Compreender como o panorama de ampliação do
1 horizonte geográfico contribuiu para o alargamento das
ciências em geral e da Geografia em particular.

Identificar as mudanças ocorridas nesse período que


2 influenciaram, especificamente, o pensamento de
Humboldt e de Ritter.

Relacionar os processos históricos, sociais,


3 econômicos e políticos com o desenvolvimento e a
sistematização do conhecimento geográfico elaborado
por Humboldt e Ritter.

Refletir geograficamente, utilizando-se da relação entre


4 forças locais e gerais na explicação dos fenômenos.

Aula 8 Introdução à Ciência Geográfica 99


Panorama geográfico
Séculos XVIII e XIX
O século XVIII foi o século da exploração dos oceanos e da elaboração do material
cartográfico, o que preparou as vias para o desenvolvimento da Geografia moderna.

A navegação à vela aperfeiçoa-se. As caravelas dão lugar a navios mais longos, mais largos
e mais pesados, chamados galeotas. Os navios aumentam a sua capacidade de tonelagem e
de calado (distância vertical entre a superfície da água e a parte mais baixa do navio naquele
ponto). São navios que andam mais rápido e bem armados, e que vão munidos de aparelhos
de bordo que permitem uma navegação mais segura pela determinação exata, não apenas em
termos de latitudes, mas das longitudes.

Com o desenvolvimento de técnicas que tornaram as medições de longitude mais


precisas foi possível fazer medições, cada vez mais rigorosas, das dimensões da Terra que
vão possibilitar a precisão da forma do globo terrestre.

Em 1617, o holandês Snellius criou o método das medições geodésicas. Mas


a primeira medição exata do arco do meridiano foi do francês Picard em 1669-
1670. De 1638 a 1712, por instigação da Academia das Ciências, Cassini e Lahire
determinaram as medidas geométricas da França. Em 1735, Claivaut e Maupertuis
eram enviados à Lapónia para medirem o arco do meridiano, enquanto Bouguer
e La Condamine iam ao Peru a fim de realizarem uma operação semelhante;
achou-se que as dimensões do arco eram maiores no equador do que perto dos
pólos; estas missões forneceram assim prova do achatamento da terra junto dos
pólos (CLOZIER, [1974?], p.73).

Com essas medições, os erros das cartas vão sendo paulatinamente eliminados, dando
uma precisão cada vez maior à cartografia, que culmina com a publicação em 1780 do Atlas
Universal de Bourguignon d’Anville, no qual foram suprimidas indicações errôneas e as
deformações de representação que existiam desde Ptolomeu.

Esse desenvolvimento da cartografia permitiu a exploração dos oceanos. No século XVIII,


são feitas grandes e ousadas missões de reconhecimentos das localizações e descobertas dos
continentes. É graças a essa ousadia que se descobre que o hemisfério Sul é oceânico, se
estabelece a carta do Pacífico em suas grandes linhas e se pode afirmar que os mares cobrem
um espaço duas vezes maior do que as terras.

100 Aula 8 Introdução à Ciência Geográfica


Esse período é decisivo para o conhecimento geográfico da Terra. Os continentes se
revelam; as regiões mais hostis, como os desertos e as regiões polares, são exploradas; e são
feitas sondagens sobre o relevo submarino e a alta atmosfera.

Se o século XVIII foi de grande desenvolvimento para as descobertas marítimas, o século


XIX é o século, por excelência, da penetração dos continentes. Por volta de 1800, a África, exceto
algumas regiões, é ainda um continente incógnito; a Austrália é totalmente desconhecida; a Ásia
Central e o interior do continente americano mal começaram a ser conhecidos.

O avanço para o interior dos continentes e a ocupação colonial que daí resultam vão
colocar “frente a frente” povos, costumes, histórias e sociedades diferentes. O europeu
explorador deparar-se-á com novos climas, novas paisagens, novos gêneros de vida.

O desenvolvimento dos meios de transporte intensifica as viagens de mapeamento do


interior dos continentes, pois a mobilidade se torna mais eficaz com o advento da máquina a
vapor e, por terra, o desenvolvimento da rede de estradas de ferro vai se tornando uma realidade
concreta, o que permite um extraordinário progresso na circulação de bens e pessoas.

Com a expansão colonial, o mundo vai se revelando e as relações de apropriação,


exploração e dominação vão sendo tecidas em conjunto com a incorporação territorial e as
grandes vias de circulação demandadas pela expansão industrial.

A Revolução Industrial, que começa a partir do fim do século XVIII, promove também uma
revolução nas técnicas de produção, nas formas de transformação da natureza, demandando
progressivamente matérias-primas e mercado.

Tais revoluções, industrial e técnica, que ocorreram principalmente na França, Bélgica e


Holanda, modificam irreversivelmente o equilíbrio dos continentes e das sociedades. Graças a
essas revoluções, a Europa vai exercer, no século XIX, hegemonia política e econômica sobre
o mundo através dos Estados, das companhias de navegação e das sociedades capitalistas.

Panorama intelectual e científico


Como vimos em aulas passadas, as transformações materiais que se iniciaram com o
fim da Idade Média formam um par inseparável com as transformações no mundo das idéias.

A extraordinária expansão do conhecimento sobre o horizonte geográfico e sobre a


configuração da Terra, a dessacralização da natureza e a quebra de algumas crenças a respeito
da superfície terrestre marcam as transformações das idéias nos tempos modernos.

Algumas descobertas da Física e da Astronomia têm grande repercussão nos


conhecimentos geográficos. Newton descobre a lei da gravitação universal; Copérnico, com o
seu sistema heliocêntrico, joga por água abaixo a crença de que a Terra era o centro do sistema
planetário; Kepler descreve as leis dos movimentos planetários. Das explicações teológicas
de origem divina, passa-se para a sistematização com base na observação e experimentação.

Aula 8 Introdução à Ciência Geográfica 101


As indagações das ciências nascentes vão incidir sobre os fenômenos naturais, daí o
desenvolvimento fantástico que ocorre nos estudos sobre a natureza nos séculos XVII e XVIII.
É desse período a sistematização da Zoologia, da Botânica e da Geologia, que tiveram como
combustível principal as informações oriundas das grandes expedições que se tornaram
também missões científicas.

Movida pelos avanços de outras ciências, a Geografia deixa de ser obra de erudição, deixa
de ser um conjunto de conhecimentos práticos, uma enumeração mais ou menos ordenada
de montanhas, rios ou cidades. Deixa der ser um agregado de nomes e números. À Geografia
cabe não apenas descrever, mas também explicar.

O século XIX, do ponto de vista do desenvolvimento da ciência, é especialmente importante


para a sistematização e institucionalização da Geografia. É no final do século XVIII e início do
XIX que se instala um novo sistema de positividades, apoiado nas observações dos fatos,
sobretudo a partir dos estudos da Física por parte de Newton. Para Newton, o conhecimento
deve resultar da observação, do cálculo e da comparação dos resultados, o que permitiria a
elaboração de leis.

Dois fatos marcam as ciências, em geral, e a Geografia em particular, no século XIX:


o reconhecimento de que a história dos homens, seu passado e seu futuro dependem dos
próprios homens; e, a partir disso, o homem poderá manter uma outra relação com a natureza.
O homem agora depende de si mesmo e da relação que estabelece em sociedade e com a
natureza, abandonando assim os desígnios divinos.

Quatro grandes aportes (teorias de explicação), que já se esboçavam em tempos anteriores,


vão se consolidar no ideário científico do século XIX: 1) a racionalidade que dava primazia
à experiência, a explicação científica concerne sempre à razão pura; 2) a dessacralização e
banalização da natureza, o que possibilitará a intervenção humana na ordem natural e na
valorização da positividade do trabalho; 3) a fé na ciência; 4) a fé no progresso.

Datam também do final do século XVIII e início do XIX os primeiros censos, o que vai
incrementar os dados de outros fenômenos que já vinham sendo levantados. O interesse
em cartografar os fenômenos aumenta e, assim, surgem os primeiros mapas temáticos, em
que são representadas as distribuições de populações, os climas, a vegetação, o relevo, a
hidrografia etc.

Como já vimos, o século XIX é o século das grandes explorações ao interior dos
continentes e, ligadas a estas, surgem as sociedades de Geografia que vão organizar expedições,
conferências, exposições, elaborar mapas, instalar estações meteorológicas e editar revistas.

As sociedades geográficas são financiadas e apoiadas pelas políticas expansionistas


dos Estados colonialistas e essa ligação com as estruturas de poder levou a uma expansão do
ensino de Geografia nas universidades e ao reconhecimento oficial da Geografia como ciência.

102 Aula 8 Introdução à Ciência Geográfica


Outra marca que decorre do expansionismo e da formação dos Estados Nacionais é a
presença da Geografia no ensino primário e secundário. Para melhor conhecer a pátria, é
preciso saber Geografia.

Humboldt (1769-1859)
Humboldt é considerado, juntamente com Ritter, o pai da Geografia moderna. Nascido
em 1769, pertencia a uma família aristocrática prussiana. Seu pai preocupou-se desde cedo
em dar uma esmerada educação aos filhos através de preceptores. Alexandre de Humboldt
recebeu precocemente uma boa formação em Economia Política, Matemática, Ciências
Naturais, Botânica, Física e Mineralogia.

Viaja para a Venezuela, onde sobe o rio Orenoco até o Cassiquiare que faz parte da
bacia do rio Negro, afluente do Amazonas. A etapa seguinte leva-o através da Colômbia até
o Equador e ao Peru. Esse deslocamento lhe dá a oportunidade de escalar alguns dos picos
mais altos dos Andes e de medir as suas altitudes. Através desse procedimento, observa
a variação do clima com a altitude, tendo introduzido a terminologia de quente, temperado
e frio, ainda hoje utilizada. Segue para o México e depois para Cuba. Volta à Europa após
passar pelos Estados Unidos. Essa viagem durou quatro anos e com ela recolhe uma riqueza
tão grande de dados que sua publicação leva vários anos.

Os trabalhos que decorrem de suas viagens estão voltados para a explicação daquilo
que diferencia as diversas áreas do globo, tentando encontrar as relações que se estabelecem
entre os diversos fenômenos da superfície da Terra, de modo a produzir espaços com
características diferentes. Ou seja, interessou-se pela diferenciação espacial e considerou a
paisagem resultante da interação de vários fenômenos.

Comparou as formações vegetais de regiões diversas entre si, como foi o caso da
América Latina e da Sibéria.

Tentou encontrar semelhanças entre as culturas dos povos asiáticos e dos índios
americanos. Das suas investigações feitas em escalas diferentes (mundial, continental ou
regional) resultou uma sistematização do conhecimento geográfico. Assim, com Humboldt,
a Geografia passa a ser uma ciência sistemática. Os fenômenos poderiam ser estudados
tanto no nível mundial quanto no regional. A utilização de comparações universais foi talvez
a sua contribuição mais importante. Ele comparava sistematicamente as paisagens das áreas
que estudava com outras partes da Terra. O seu método era empírico e indutivo. Partia dos
casos particulares para os gerais, tentando obter uma lei geral, válida também para os casos
não observados.

Humboldt foi essencialmente um grande viajante naturalista de sua época. Ao


contrário de boa parte de seus colegas geógrafos, que permaneceram nos gabinetes, ele
entende que a pesquisa deve se iniciar no campo. Os seus conhecimentos de Mineralogia,
Geologia e Botânica permitem-lhe desvendar muitos traços interessantes nas paisagens e

Aula 8 Introdução à Ciência Geográfica 103


relacioná-los. Em lugar de justapor informações, procura compreender como os fenômenos
se condicionam. No caso dos Andes, visto há pouco, a partir da altitude, ele introduz um
escalonamento das formas de vegetação e tipos de agricultura, passando das terras quentes
para as terras temperadas e, em seguida, para as terras frias. Nas pesquisas de biogeografia,
introduz o conceito de meio.

Para melhor compreender a distribuição dos fenômenos geográficos, Humboldt utiliza-


se das observações que faz em diferentes escalas, inaugurando a idéia de que os lugares
não se explicam em si mesmos. Foi ele o primeiro a perceber a influência das correntes
marítimas sobre os climas. Percebe isso especialmente nas costas do Peru, onde empresta
o nome a uma corrente fria que se origina no pólo Sul e ameniza a temperatura nas costas
desse país. Foi ele também o primeiro a perceber os mecanismos que regem tais correntes.

Humboldt igualmente sabe fazer uso dos dados estatísticos, que as administrações
coloniais acumulavam, para tratar das realidades humanas da América hispânica. Em um
de seus livros (Ensaio político sobre o reino de Nova Espanha, 1811), analisa a situação
calamitosa da escravidão em Cuba.

Para Humboldt a explicação dos fenômenos deve partir do meio, mas devemos ter
sempre em mente que este reflete realidades em outras escalas: outra marca de Humboldt.

Ritter (1779-1859)
Ritter nasce dez anos depois de Humboldt e morre no mesmo ano em que este; teve
uma vida pouco movimentada. Enquanto Humboldt foi um grande viajante, Ritter foi um
homem que se dedicou mais à reflexão, ao magistério e ao intuito explícito de sistematização
da Geografia. Sua obra é explicitamente metodológica, vemos isso, por exemplo, no título
de seu livro mais importante: Geografia comparada.

A formação de Ritter em História e Filosofia também difere daquela de Humboldt.


Mas, a idéia de unidade terrestre e da relação entre o lugar, a região e o todo terrestre está
presente nos dois autores. Ritter propõe o método descritivo regional e utiliza comparação
para fazer compreender as especificidades da cada país e as configurações de sua história.

Com Ritter, a Geografia deixa de ser uma modesta descrição da Terra e torna-se
indispensável para quem quer compreender a cena mundial, a dinâmica das civilizações e a
maneira através da qual os povos exploram o seu ambiente.

O problema essencial estudado por Ritter é o das relações, das conexões que se
estabeleciam entre os fatos físicos e humanos. Para ele, a Terra e seus habitantes
desenvolvem mútuas e estreitas relações onde um elemento não pode ser considerado em
sua plenitude sem que se considerem tais relações. Nesse sentido, a História e a Geografia
devem estar sempre juntas.

104 Aula 8 Introdução à Ciência Geográfica


Dessa forma, foi um observador atento do devir histórico dos povos que habitavam em
cada uma das regiões que estudava. Entendia o espaço terrestre como o teatro da história e
considerava que quanto maior o desenvolvimento cultural maior harmonia seria estabelecida
entre o homem e a natureza.

Após a morte de Humboldt e de Ritter, a Geografia sofre certo declínio. No entanto,


mantém-se como disciplina com grande dinamismo e se expressa por duas vias: através
das inúmeras sociedades de Geografia e a permanência como disciplina lecionada no
ensino primário e secundário. Do ponto de vista da institucionalização, os impactos de
seus ensinamentos não foram imediatos: as cátedras de Geografia permanecem raras nas
universidades e os estudantes que freqüentam as suas aulas seguem carreiras variadas.

Atividade
Leia o texto seguinte e responda à questão proposta.

Ritter é mais importante pela ambição que confere à Geografia do que pelos
resultados que traz: desse ponto de vista, a sua influência é complementar à
de Humboldt. A obra dos grandes pioneiros alemães da Geografia moderna
envelheceu, mas é graças a eles que a disciplina afirma a sua ambição explicativa:
deixa de ser simplesmente a descrição da diversidade terrestre. A partir daí vai
permitir que se compreendam as relações entre a natureza e o progresso humano.
É também graças a Ritter e Humboldt que os geógrafos aprendem, nas suas
explicações, a trabalhar de forma sistemática com a dialética das escalas, ou seja,
passam a inserir os fenômenos que condicionam o espaço em extensões mais
vastas ou menos restritas que o fenômeno específico que está interpretando.
Dessa maneira, conseguem vislumbrar como as forças gerais ou locais se
combinam para explicar a distribuição que analisam (CLAVAL, 1995).

Além do fragmento que você acabou de ler, releia o início da aula no


1 tocante ao panorama geográfico e intelectual; em seguida, relacione
o contexto com o desenvolvimento da ciência geográfica e com o
pensamento de Humboldt e Ritter. Destaque, no pensamento dos
autores, a idéia de dialética das escalas e dê um exemplo atual que sirva
de confirmação para ela, ou seja, dê um exemplo no qual possamos
observar forças locais e gerais se combinando para estruturação de
um determinado fenômeno.

Aula 8 Introdução à Ciência Geográfica 105


Leituras complementares
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia, ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

Livro já citado no qual o autor analisa a evolução do pensamento geográfico desde a


Antigüidade até os dias atuais. É base para entender os fundamentos da Geografia e suas
conexões com as ciências naturais e sociais; além de traçar os contextos nos quais se
desenvolveram cada período de evolução da Geografia. Para esta aula, veja especialmente os
capítulos 04 e 05.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.

Leitura obrigatória para quem estuda Geografia. É uma síntese dos fundamentos e da
história do pensamento geográfico moderno. Para esta aula, veja especialmente os capítulos
03 e 04.

MORAES, Antonio Carlos Robert. A gênese da geografia moderna. São Paulo: ANNABLUME/
HUCITEC, 2002.

Leitura para quem deseja aprofundar os estudos sobre o período de desenvolvimento e


gênese da Geografia moderna. Esta obra trata especificamente do processo de institucionalização
e gênese da Geografia moderna, analisando o contexto histórico específico da Alemanha e a
sistematização dessa ciência, que ocorre por meio das elaborações de Alexandre von Humboldt
e Karl Ritter.

Resumo
Esta aula mostra a partir de que elementos Humboldt e Ritter partem para se tornar
os primeiros sistematizadores da Geografia moderna. Mostra também que existe
uma íntima relação entre o desenvolvimento da ciência geográfica e a expansão
colonial de desenvolvimento do Capitalismo, assim como o desenvolvimento da
vida material e aquele das idéias.

106 Aula 8 Introdução à Ciência Geográfica


Autoavaliação
Retome as leituras dos textos das atividades 1 desta aula e da aula 7. Destaque
nesses textos trechos que se refiram especificamente à relação entre o contexto
geral de desenvolvimento histórico e o desenvolvimento da Geografia. Em
seguida, retome o texto que você elaborou como resposta à atividade 1 desta aula
e verifique se nele você conseguiu desenvolver a idéia de dialética das escalas,
ou seja, a idéia de que os fenômenos estão imbricados em escalas diversas.
Verifique, por exemplo, se na localidade onde você mora, ou em algum lugar
que você conhece, existe alguma atividade local que tenha estreita relação com
lugares distantes. Feito isso, elabore um pequeno texto mostrando as imbricações
em escalas diversas.

Referências
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia, ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

CLAVAL, Paul. Histoire de la gèogaphie. Paris: PUF, 1995.

CLOZIER, René. História da geografia. Lisboa: Publicação Geral da América, [1974?].

MORAES, Antonio Carlos Robert. A gênese da geografia moderna. São

Paulo: ANNABLUME/HUCITEC, 2002.

______. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: HUCITEC, 1983.

Aula 8 Introdução à Ciência Geográfica 107


Anotações

108 Aula 8 Introdução à Ciência Geográfica


Geografia ratzeliana
e seu contexto

Aula

9
Apresentação

F
riedrich Ratzel (1844-1904) e sua obra foram de fundamental importância para o processo
de sistematização da Geografia moderna. Foi de sua autoria uma das pioneiras formulações
de um estudo geográfico especificamente dedicado à discussão dos problemas humanos,
o qual denominou de antropogeografia. Seu projeto teórico, com forte caráter interdisciplinar,
teve a preocupação central de entender: a difusão e distribuição dos povos sobre a superfície da
Terra; as diversas formas de circulação de pessoas e bens materiais; a influência das condições
naturais sobre o comportamento humano; as formações territoriais e, intimamente vinculada a
estas, a dimensão política da relação homem-natureza.

Objetivos
Entender em que contexto histórico se desenvolve o
1 pensamento ratzeliano.

Compreender a dimensão determinista da obra de Ratzel


2 para a sistematização da Geografia.

Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica 111


Contexto histórico

A
pós o falecimento, em 1859, dos dois principais pioneiros da Geografia moderna,
Ritter e Humboldt, o desenvolvimento dos estudos geográficos acelerou-se, uma vez
que esses dois estudiosos colocaram, por assim dizer, a pedra fundamental para a
construção e evolução da Geografia como ciência. A seguir, estudaremos três aspectos gerais
do desenvolvimento dessa ciência: o contexto político-econômico; a Geografia como ciência;
e o ensino da Geografia.

Contexto político-econômico
Com o processo de expansão colonial, os conflitos entre populações nativas e o elemento
europeu são cada vez mais intensos e demandam intervenções. O domínio político aparece
como garantia de abertura real dos espaços ao comércio mundial e impõe o respeito aos
interesses ocidentais.

A independência da América espanhola e portuguesa reduz fortemente o domínio ocidental


sobre o mundo no século XIX. É nesse momento que surge o que os historiadores chamam de
novo imperialismo (diferente do colonialismo de povoamento e comércio que floresceu entre
os séculos XVI e XVIII) e que foi o resultado direto da industrialização. Com isso, intensificam-
se a atividade e a competição econômica, os europeus disputam matérias-primas, mercados
para seus produtos manufaturados e lugares onde investir seu capital. Para tanto, os políticos
e industriais vão entender que somente garantirão as suas necessidades econômicas e de
suas nações através da aquisição de territórios ultramarinos. Mil oitocentos e sessenta é um
ano que marca um novo avanço ultramarino dos europeus, não mais apenas sob a égide de
Portugal e Espanha.

Percebemos que no século XIX progride rapidamente a constituição de um espaço


econômico mundial influenciado pelo desenvolvimento da navegação a vapor, o que provoca
uma reviravolta na relação dos homens com as distâncias.

112 Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica


A construção do Canal de Suez – ligando o mar Mediterrâneo ao mar Vermelho –,
terminada em 1869, promove a aproximação entre a Europa, a Ásia Meridional e Oriental
e a Austrália; as estradas de ferro já haviam alterado o ordenamento espacial da Europa; a
primeira estrada de ferro transcontinental é inaugurada nos Estados Unidos em 1866. Como
já estudamos, a integração dos espaços continentais, após os oceânicos, intensificam-se no
século XIX e integram esses espaços às relações internacionais: as imensidões interiores da
Ásia e da África são finalmente integradas às redes mundiais de troca.

Em 1860, somente a Grã-Bretanha e os Países Baixos dispunham de verdadeiros impérios


colônias. Entretanto, no espaço de uma geração, França, Portugal, Bélgica e Espanha dotam-
se de colônias mais ou menos extensas. Por volta de 1900, o movimento se alastra para
outros países, como é o caso da Itália e Alemanha que procuram aumentar o seu império
ainda modesto. Um novo ator entra em cena, os Estados Unidos, e retira da Espanha as suas
possessões no Pacífico e nas Antilhas, o Japão começa sua expansão sobre Coréia e China;
e a Rússia anexa-se à Ásia Central.

A Geografia como ciência


Essas alterações provocam um re-ordenamento e uma necessidade cada vez maior da
formalização dos saberes geográficos. Veja que, inicialmente, as práticas comerciais demandam
conhecimento apenas das redes de portos, que permanecem em certa estabilidade, relacionadas
às áreas produtivas e aos mercados que encontravam de modo geral, próximos ao litoral.
As novas possibilidades de troca exigem outras formas de organização. É nesse contexto
que vamos assistir à substituição das casas de comércio familiares por grandes firmas de
exportação e importação que demandam cada vez mais conhecimentos ligados à Geografia
para a formação de seus agentes deslocados para regiões remotas. É aí que as sociedades de
Geografia comercial, marítima e colonial se multiplicam e dão respostas a essas necessidades.

A História e a Geografi a que eram as ciências que vinham abordando os fatos


humanos deixam de ser exclusivas nesse aspecto à medida que a Sociologia, a Etnologia, a
Antropologia e as Ciências Políticas vão surgindo. É o período também de desenvolvimento
da economia política.

Com o aparecimento de outras ciências no campo dos estudos humanos e sociais os


geógrafos são confrontados com o problema da delimitação face aos novos campos científicos,
os quais evidentemente não ignoram a dimensão espacial dos seus domínios.

Em 1859, Charles Darwin (1809-1882) publica o que seria o seu mais importante livro,
Origem das Espécies. Tal fato tem significado particular para a Geografia. A idéia de que os
seres vivos evoluem já estava formulada desde meados do século XVIII e início do século XIX.
Lamarck (1744-1829) será o primeiro a fazer uma sistematização dessa idéia concluindo que
o organismo se adapta ao meio onde está inserido e acaba por se modificar.

É durante a viagem de circum-navegação que realiza entre 1831 e 1836 a bordo do


famoso Beagle que Charles Darwin formula a sua teoria. Darwin se depara, nas ilhas Galápagos

Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica 113


com uma flora e fauna muito ricas e que não se assemelham às dos espaços continentais
próximos. Para ele, essas diferenças explicam-se por meio da diferenciação no lugar e a partir
de uma origem comum longínqua, e o único fator que pode explicar as diferenças das formas
encontra-se no meio.

O evolucionismo darwinista leva à Geografia uma tarefa fundamental: a de identificar a


diferenciação das formas vivas. Lembre-se de que a idéia de que a Geografia deve ter vocação
explicativa e analisar os fenômenos em diversas escalas vem desde as obras de Humboldt e
Ritter. A explicação geográfica estaria na relação entre os fenômenos locais, regionais e gerais
e na relação do homem com o meio: o darwinismo é uma apelação ao desenvolvimento de
uma ciência das relações dos seres vivos com o ambiente.

Um outro nome que vai influenciar os estudos da Geografia nesse período (e continua a
influenciar ainda hoje vários ramos da ciência) é o do biólogo alemão Ernest Haeckel (1834-
1919) que propõe em 1866, em seu livro Morfologia Geral dos Organismos, o termo ecologia
para designar o novo campo de estudo: aquele que investigará as relações dos seres vivos
com o ambiente.

O ensino de Geografia
O interesse por conhecimentos geográficos úteis à vida comercial internacional nunca
havia sido tão grande como nas últimas três décadas do século XIX. Nesse mesmo período, a
engenharia política dos estados europeus apontava em direção aos nacionalismos e essa tarefa
recai, entre outros, sobre o ensino da Geografia na escola elementar, que teria a função de dar
aos cidadãos uma consciência clara sobre o espaço em que se desenvolve a sua existência.
Por outro lado, as elites tinham a necessidade de um bom conhecimento dos mapas e das
rotas do comércio.

Na França, por exemplo, após a derrota de 1870 (derrota da França frente à Prússia), é
confiado a Emile Levasseur um estudo (Relatório Levasseur) sobre as causas da inferioridade
dos oficiais franceses frente aos prussianos. Esse relatório conclui que a inferioridade francesa
recai no baixo nível dos oficias quanto ao conhecimento das línguas e da Geografia. O relatório
recomenda que seja feita uma reforma do ensino, particularmente do ensino de Geografia.
O essencial das recomendações desse relatório está presente, ainda hoje, nos programas do
ensino primário e secundário da França (nas próximas aulas vocês estudarão como se deu o
desenvolvimento da Geografia na França).

Nos outros países da Europa Ocidental ocorre o mesmo com o ensino da Geografia,
pouco tempo antes na Alemanha e um pouco mais tarde na Inglaterra.

Como estamos vendo, em todo o nosso curso, o contexto intelectual no qual se desenvolve
a Geografia modifica-se par e passo com as mudanças econômicas, políticas e culturais. E você
deve estar lembrado que à medida que o Capitalismo se desenvolve exige mais racionalidade e
respostas da ciência; é a fé na ciência e no progresso. Esse cientificismo que vai se firmando
tem também a ambição de abarcar as realidades sociais tal como fez anteriormente com as
realidades do mundo físico e biológico.

114 Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica


Ratzel e a Antropogeografia
Ao longo do século XIX, a Geografia vai se desenvolver mais rapidamente na Alemanha do
que na Grã-Bretanha. Nesta, a Geografia permanece vinculada aos modelos do século XVIII, no
qual se privilegia a exploração das pesquisas históricas em detrimento do estudo das relações
que estabelecem entre os grupos humanos e os meios em que vivem. Dessa forma, o impacto
do evolucionismo de Darwin foi mais direto na Alemanha que em sua pátria.

Friedrich Ratzel (1844-1904) é filho de uma modesta família do Sudoeste da Alemanha.


Na universidade, estuda Zoologia. Tem contato com o darwinismo através de Moritz Wagner
que introduziu as teses do cientista inglês na Alemanha e se distingue pelo papel que dava às
migrações para explicar a diferenciação das espécies. A primeira obra de Ratzel (Essência e
Destino do Mundo orgânico, 1869) é inspirada nesse mestre.

Ratzel participa ativamente, como militar, da guerra de 1870 contra a França e em seguida
a sua carreira toma novos rumos, mas sua ligação com a política e com a conquista de
território continua através das análises científicas que irá fazer criando mesmo um novo ramo
da Geografia, a Geopolítica.

Depois da guerra, Ratzel parte para os Estados Unidos, como jornalista, onde passa vários
anos. Nesse período, visita também o México. De volta à Alemanha, defende uma tese sobre
a imigração chinesa na Califórnia.

Ao doutor Ratzel é designada, em 1876, uma cátedra de Geografia na Universidade de


Munique. Em 1886, ele troca essa universidade pela Universidade de Leipzig, considerada de
maior prestígio.

Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica 115


A concepção de Geografia de Ratzel tem forte influência das formulações de Humboldt
e Ritter, autores que estudou detidamente. Mas essa concepção é estruturada também sob
forte influência de Darwin.

Ratzel procura estabelecer leis gerais que rejam a influência do meio sobre os grupos
humanos, dedicando-se ao estudo das relações que se desenvolvem entre as sociedades e o
ambiente em que vivem, mas introduz uma outra idéia: o movimento é uma das características
centrais do mundo vivo, em especial do homem. Essa idéia leva-o a interessar-se pelos
fenômenos de circulação que as sociedades desenvolvem de um ponto da Terra a outro.

Veja no texto a seguir o que diz Antônio Carlos Robert de Moraes sobre a importância
da obra de Ratzel.

A obra de Friedrich Ratzel representou um papel fundamental no processo de


sistematização da geografia moderna. Ela contém a primeira proposta explícita
de um estudo geográfico especificamente dedicado à discussão dos problemas
humanos. Foi, assim, de sua autoria uma das pioneiras formulações – sem dúvida
a mais trabalhada – de uma geografia do homem. A importância de sua obra
também emerge por ela ter sido uma das originárias manifestações do positivismo
nesse campo do conhecimento científico. Ratzel foi um dos introdutores desse
método – que posteriormente se assentou como dominante – no âmbito do
pensamento geográfico. O significado de sua produção para o desenvolvimento
da geografia pode ainda ser apontado no fato de ele ter aclarado aquela que viria
a ser a principal via de indagação dos geógrafos, ou seja, a questão da relação
entre a sociedade e as condições ambientais (MORAES, 1990, p. 7).

Ratzel dividiu a Geografia em três grandes ramos: Geografia Física, Biogeografia e a


Antropogeografia. Vai dedicar seus estudos fundamentalmente a esta última.

116 Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica


A Antropogeografia
Para Ratzel, a Antropogeografia seria dedicada a três questões básicas. A mais fundamental
seria aquela voltada para a indagação da influência que as condições naturais exercem sobre os
homens, sobre a sociedade e sobre a história. Para ele, a diversidade das condições naturais
deveria também ser considerada na explicação para a diversidade dos povos

pois o substrato da humanidade seria a Terra, onde as sociedades se desenvolvem em


íntimo relacionamento com os elementos naturais. O estudo da ação de tais elementos
sobre a evolução das sociedades seria o objeto primordial da pesquisa antropogeográfica.
(MORAES, 1990, p. 9).

A segunda questão colocada por Ratzel para os estudos da Antropogeografia é relativa à


circulação e distribuição das sociedades humanas. Para ele, a localização dos grupos humanos
estaria relacionada à mobilidade de seu passado, assim sendo, os estudos antropogeográficos
deveriam se interessar em levantar dados sobre as áreas de origem de cada povo e os seus
itinerários. Esse procedimento de pesquisa deveria fornecer elementos para se entender os
condicionantes pretéritos, os quais migrariam com os povos.

A terceira questão de interesse da Antropogeografia deveria ser o estudo da formação


dos territórios.

Além de ser o fundador da moderna Geografia humana, ao introduzir esta terceira questão,
Ratzel será também o primeiro geógrafo a trazer para essa ciência a discussão sobre os
elementos políticos na relação entre o homem e a natureza, tratados anteriormente apenas sob
o ponto de vista técnico e econômico. Para ele, há na relação homem-natureza uma dimensão
política essencial que se expressa e se materializa na propriedade e no Estado.

Positivismo e Determinismo
na obra de Ratzel
Você já deve ter lido ou ouvido alguém fazer relação entre o nome de Ratzel e o
Determinismo geográfico e/ou contrapondo este ao possibilismo de Vidal de la Blache (assunto
que estudaremos na próxima aula). Iremos, então, tentar entender o que é o Determinismo e
qual a ligação deste com a obra de Ratzel.

Como já vimos nas aulas 5 (Os tempos modernos), 6 (Espaço e modernidade), 7 (A


institucionalização da Geografia) e 8 (A Geografia de Humboldt e Ritter), o período de transição
da Idade Média para a Moderna e a conseqüente consolidação do Capitalismo foi um período
de grandes transformações sociais, econômicas, políticas, espaciais, culturais e também de

Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica 117


grandes mudanças nas ciências e nas formas de pensar o mundo. Vimos ainda que as formas
de pensar o mundo, originárias desse período, têm forte relação com o desenvolvimento
das Ciências Naturais, principalmente a partir dos estudos de Física de Newton. Para este,
o conhecimento deveria ser o resultado da observação, do cálculo e da comparação dos
resultados, de modo a permitir a elaboração de leis.

Essa idéia de que a ciência deveria ser positiva se espalhou para todos os ramos das
ciências, inclusive das chamadas ciências humanas e sociais, entre elas a Geografia.

Mas, é somente em meados do século XIX que surge o Positivismo. Embasado nas
elaborações de Auguste Comte (1791-1857), o Positivismo fundamenta-se no palpável, no que
é passível de comparação e de experimentação. Na concepção positivista, para se alcançar o
conhecimento, a observação é imprescindível.

O Determinismo geográfico tem suas raízes fincadas no Positivismo, principalmente em


sua fase evolucionista. Essa fase tem como base fundamental a teoria darwinista da evolução
das espécies, na qual o homem nada mais é que um ser dependente dos processos naturais.
O Determinismo considerava o homem com um produto do meio, logo, deveria adaptar-se
ao meio ambiente para que pudesse sobreviver. Para seus defensores, as condições naturais,
especialmente a climática, determinam o comportamento do homem, interferindo inclusive
na sua capacidade de progredir. Assim sendo, em áreas climáticas mais propícias (as zonas
climáticas temperadas) floresceriam povos mais desenvolvidos. Tais idéias foram adotadas
por alguns estudiosos da Geografia, e fora dela, que viam nelas a possibilidade de explicar a
sociedade através de mecanismos que ocorrem na natureza.
É comum, nos manuais e nas obras de vulgarização e/ou divulgação, a associação do
nome e da obra de Ratzel ao Determinismo geográfico. Como podemos ver nos trechos
que se seguem.

“Na geografia, no entanto, as idéias deterministas tiveram no geógrafo alemão


Frederic Ratzel seu grande organizador e divulgador, ainda que ele não tivesse
sido o expoente máximo” (CORRÊA, 1991, p. 9).

“Assim, dirá Ratzel, o homem, em todos os seus planos de existência, tanto


mental como civilizatória, é o que determina seu meio natural (teoria do
determinismo geográfico)” (MOREIRA, 1989, p. 32).

“A visão positivista de causalidade introduz um empobrecimento na formulação


ratzeliana que anula sua rica e complexa proposta de objeto. No equacionamento
da problemática das influências, frente à normatização mecanicista, as condições
naturais passam a ser vistas como lócus da determinação, como elemento de
causação a partir do qual a história humana se movimenta. A sociedade passa a
ser vista como elemento passivo, que apenas reage a uma causalidade que lhe é
exterior. O homem torna-se, assim, efeito do ambiente” (MORAES, 1990, p.13).

118 Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica


No entanto, hoje, existem vozes destoantes da idéia de que Ratzel possa ser vinculado,
de forma tão simplista e grosseira a um Positivismo cego e a um Determinismo absoluto.

Veja o texto a seguir.

Será que podem ser feitas afirmações tão peremptórias a respeito de Ratzel?
Afinal de contas, fala-se de um intelectual que, ao deparar-se com o problema das
condições geográficas e das conseqüências etnográficas das migrações, constata:
“Não podemos fugir das influências precisas de nosso ambiente, principalmente
das que atuam em nossos corpos; lembro as que se referem ao clima e à oferta
de alimentos. É sabido que também o espírito encontra-se sob influência dos
caracteres gerais do cenário que nos cerca. Mas, por outro lado, o grau que essa
influência desempenha vai depender, em grande medida, da força da vontade que
a ela resista. Podemos nos defender dela, contanto que o queiramos. Um rio que,
para um povo preguiçoso, constitui um limite para um povo decidido pode não
ser uma barreira [...] não há coação nem nenhuma lei inflexível, mas sim amplos
limites, dentro dos quais o homem consegue impor a sua vontade e até mesmo
seu despotismo. E é isto precisamente que tanto dificulta todos os estudos sobre
a relação entre história e ambiente natural, a ponto de podermos falar apenas de
gerais especificadas. Pois há um fator nessa relação, nessa ligação, que não é
precisamente calculável para cada caso isolado, porque é livre; trata-se da vontade
humana” (RATZEL, 1906, p. 36).

Citou-se apenas um exemplo, mas que deixa vislumbrar a acuidade de Ratzel ao


elaborar o problema, evitando as simplificações grosseiras que a memória de
geografia imputou-lhe. Como se vê, a sociedade, para Ratzel, não é um elemento
passivo. Dependendo das características de cada povo, a relação homem-meio
vai se dar de modo diferente; há casos em que o meio é realmente determinante,
mas há também casos em que o homem enfrenta e domina as dificuldades que o
meio lhe impõe, superando-as. Ratzel está preocupado em entender os diversos
casos, mas sabe da impossibilidade de se estabelecerem leis gerais quando é o
homem o objeto de interesse do conhecimento (MARTINS, 1992, p. 109).

Preste atenção também neste pequeno trecho de Las razas humanas, do


próprio Ratzel.

Quando um investigador, completamente encharcado pela teoria evolucionista,


encontra algum povo que, sob algumas ou muitas circunstâncias, se acha “atrás”
de seus semelhantes, converte involuntariamente este “atrás” e, “abaixo”, quer
dizer em um degrau inferior da escada pela qual a humanidade subiu desde o
estado primitivo até o cume da civilização.

Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica 119


Atividade
Releia esta aula e preste atenção aos elementos que envolvem a discussão sobre o
Determinismo geográfico; observe também o pequeno trecho que segue:

“Nós escrevemos no começo deste artigo que o determinismo estava no coração


da geografia. Estaríamos tentados agora em dizer que não pode haver geografia
sem determinismo e que isso deve estar presente constantemente no espírito do
geógrafo” (PINCHEMEL; PINCHEMEL, 1997, p. 225).

Agora, desenvolva as questões seguintes.

“Parece que o Determinismo é algo intrínseco à discussão geográfica”.


1 Escreva algumas linhas argumentando a favor ou contra essa afirmativa.

Depois do exposto na aula, qual a sua avaliação sobre o Determinismo na


2 obra de Ratzel?

120 Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica


Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica 121
Leituras complementares
CARVALHO, Marcos Bernardino de. Geografia e complexidade. In: SILVA, Aldo; GALENO, Alex
(Org.). Geografia ciência do complexus. Porto Alegre: Sulina, 2004.

Coletânea de textos inspirados no pensamento complexo de Edgard Morin e na idéia de


transdisciplinaridade, na qual a Geografia é o centro propulsor. O texto de Carvalho faz uma análise
profunda da obra de Ratzel e nos coloca frente a frente com disputas disciplinares ocorridas no
final do século XIX e começo do XX, o que, segundo ele, é um dos elementos explicativos para o
preconceito que se deu com relação à obra de Ratzel. É também desse período a pecha, imposta
ao criador da Antropogeografia, de determinista. O autor defende a tese de que, ao contrário de
determinista, Ratzel inaugura uma forma não disjuntiva de pensar o mundo. Encontraremos ainda
nesta coletânea textos sobre Vidal de la Blache, sobre Geografia e fenomenologia, Geografia e
poesia, Geografia e religião, Geografia e literatura, Geografia e cinema.

CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1991.

Neste livro, o autor discute dois conceitos fundamentais para a Geografia: região e
organização espacial. Ele o faz trazendo à tona a história da Geografia e as correntes de
pensamento que influenciaram esta ciência. No capítulo 2, faz uma boa discussão sobre a
idéia de determinismo geográfico. Livro de leitura introdutória e obrigatória para o estudante
de Geografia, pois além de trazer elementos para se compreender a história dela discute o
conceito de região a partir dessa história e introduz de maneira clara a idéia de organização
espacial, conceito fundamental para se entender a Geografia dos dias atuais.

MARTINS, Luciana de Lima. Friedrich Ratzel hoje: a alteridade de uma geografia. Revista
Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 54, n. 3, p. 105-113, jul./set. 1992.

Esse texto focaliza a obra de Ratzel a partir da uma reflexão crítica e faz uma revisão do
lugar que sua obra ocupa na memória da Geografia. Analisa a abrangência de temas estudados
por Ratzel e mostra quão redutoras são as leituras daqueles que relacionam de forma simplista a
obra desse pensador ao Determinismo geográfico e às estratégias expansionistas da Alemanha.

122 Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica


Resumo
A aula contextualiza o período em que Ratzel, fundador da moderna Geografia
humana, vive, assim como a influência que sofreu do desenvolvimento das
ciências naturais, principalmente aquelas oriundas do evolucionismo darwinista.
Discute as relações entre as elaborações ratzelianas e o positivismo, bem como
a pecha de que seria ele o maior representante e elaborador do Determinismo
geográfico. Mostra ainda que não se pode de forma simplista acusar esse
pensador de se utilizar de um Determinismo absoluto.

Autoavaliação
Leia o fragmento a seguir com bastante atenção e em seguida relacione-o
ao contexto em que se desenvolveu a obra de Ratzel e a discussão sobre o
Determinismo. Após isso, elabore um pequeno texto colocando no centro
da discussão a seguinte idéia: Ratzel – pensador determinista. Você deverá
entender que existe uma relação entre realidade histórica social e intelectual e a
originalidade de cada pensador. No caso de Ratzel, ele é fruto de uma realidade
histórica (séculos XIV-XVIII), cultural e científico. Do ponto de vista histórico,
Ratzel assiste à consolidação do capitalismo e um novo momento de expansão
colonial econômica, além da formação dos impérios. Do ponto de vista científico,
é herdeiro de Humboldt e Ritter e de toda a tradição geográfica. Vai sofrer a
influência do evolucionismo de Darwin e do surgimento das ciências sociais.

Os geógrafos não se contentam em estabelecer relações entre as condições


naturais e os fatos geográficos tal como o habitat. Eles procuram as influências
dos meios sobre as sociedades, seus comportamentos, seus caracteres,
seus níveis de desenvolvimento. Seguindo uma cadeia causal linear e em
curto-circuito com os relés intermediários, alguns geógrafos exprimiram
condensações deterministas confinadas ao absurdo: como a relação entre os
climas temperados e a densidade de telefones ou o clima quente e o grande
número de filhos de uma família.

A sólida formação histórica dos geógrafos franceses e seu espírito de observação


evitaram, na maior parte dos casos, a armadilha do Determinismo excessivo e
trouxe uma posição mais amena.

Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica 123


Paul Vidal de la Blache já havia assinalado as contingências das relações
homem-natureza. Seu mérito foi o de mostrar que não há Determinismo
absoluto, mas que a iniciativa fica com as sociedades humanas. Vidal insiste
sobre as múltiplas possibilidades de repostas dos homens às condições
impostas pelo meio. Esta insistência fez Lucien Febvre (historiador) considerá-lo
o teórico do Possibilismo.

O debate sobre o Determinismo e o Possibilismo fez a Geografia perder sua


unidade. Ele provocou a dicotomia Geografia física/ Geografia humana. Cada um
destes ramos se especializou num campo científico diferente: ciências naturais
e físico-química para a Geografia física e ciências sociais e econômicas para
a Geografia humana. Esta partição apenas reforçou as análises setoriais dos
estudos geográficos (PINCHEMEL; PINCHEMEL, 1997, p. 25-26).

Referências
CLAVAL, Paul. Histoire de la gèogaphie. Paris: PUF, 1995.

CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1991.

MARTINS, Luciana de Lima. Friedrich Ratzel hoje: a alteridade de uma geografia. Revista
Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 54, n. 3, p. 105-113, jul./set. 1992.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.

______. Ratzel. São Paulo: Ática, 1990. (Coleção Grandes Cientistas Sociais).

MOREIRA, Ruy. O que é geografia. São Paulo: Brasiliense,1989.

PINCHEMEL, Philippe; PINCHEMEL, Geneviève. La face de la Terre. Paris: Armand Colin, 1997.

RATZEL, F. Las razas humanas. Barcelona: Montaner y Simon, 1906. v 1.

124 Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica


Anotações

Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica 125


Anotações

126 Aula 9 Introdução à Ciência Geográfica


A Geografia vidaliana
e o seu contexto

Aula

10
Apresentação

E
m meados do século XIX, a disputa entre a Prússia e a França se acirra, culminando na
guerra de 1870. Dessa guerra, a França sai derrotada e perde o controle da Alsácia e
da Lorena. Nesse período, a Geografia obtém grande desenvolvimento e, apoiada pelo
Estado, é implantada em todo o Ensino Básico, surgindo as primeiras cátedras e os institutos
de Geografia. Até o advento da guerra, os estudos geográficos eram muito negligenciados pelos
franceses, ao contrário da Prússia, que já contava com grandes nomes no ramo da ciência
geográfica. Após terem sido derrotados, os franceses perceberam a importância do ensino da
geografia e do desenvolvimento da pesquisa geográfica, como mostraremos no decorrer desta
aula. Mesmo sendo derrotados pelos alemães, os franceses esforçaram-se para transferir para
seu país o modelo de ensino adotado na Alemanha.

Caberá a Paul Vidal de la Blache a tarefa maior de implantação e institucionalização da


Geografia francesa. Tomando como referência, as formulações de sábios alemães (Humboldt,
Ritter, Ratzel), Vidal de la Blache elabora com originalidade a sua geografia e dá sustentação
para a criação de Escola Francesa de Geografia, que irá, durante muito tempo, influenciar o
desenvolvimento dessa área em várias partes do mundo.

Para construir o edifício teórico e metodológico da Geografia, Vidal de la Blache se


embasará na idéia de totalidade, de “possibilismo”, de mapeamento das densidades e de
gênero de vida.

Objetivos
Compreender o contexto em que a Geografia surge
1 como ciência na França, influenciada pelo pensamento
geográfico alemão.

Perceber a partir de que fenômenos Vidal de la


2 Blache constrói os conceitos fundamentais para o
desenvolvimento da Geografia francesa.

Apreender qual a importância de elementos e


3 conceitos como totalidade, densidade, gênero de vida e
possibilismo para a análise geográfica.

Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica 129


Contexto geral
Para Vincent Berdoulay (grande especialista francês em história do pensamento
geográfico), a Escola Francesa de Geografia, formada nas últimas décadas do século XIX e
início do século XX, teve em Vidal de la Blache (1845-1918) o seu maior elaborador e ocupa
um lugar importante na história das idéias e das ciências. A formação dessa escola, como
veremos, corresponde a um momento crucial do desenvolvimento do pensamento geográfico.
Um dado importante é o fato da Geografia se desenvolver tanto como ciência como disciplina
escolar no Ensino Básico, Médio e Superior.

A escola de Vidal de la Blache vai ter grande influência e considerável notoriedade no


mundo até por volta dos anos 1950. Como veremos na aula 14 (Pierre Monbeig: o nascimento
da Geografia científica no Brasil), o pensamento geográfico de Vidal de la Blache terá grande
influência na implantação da Geografia no Brasil.

Como estamos fazendo até aqui, é importante elucidar, minimamente, o contexto geral em
que se dá a implantação da Geografia na França. Para começar, esse é um período situado entre
duas grandes crises: a guerra de 1870 (guerra franco-prussiana) e a primeira guerra mundial.
É também um dos períodos cruciais na história da França, que corresponde à implantação de
um novo regime político, a Terceira República, o qual implicará em novos ajustamentos de base
ideológica e social. É uma época em que o interesse por questões geográficas se dissemina
entre os círculos cultos e a população em geral. Ocorre aí um clamor generalizado a favor
da acumulação de uma massa de informações sobre o globo e sobre o território nacional.
A Geografia se instala de forma impressionante na universidade e nos programas de ensino
primário e secundário.

130 Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica


O desafio alemão
Na segunda metade do século XIX, a França e a Alemanha, no caso ainda a Prússia,
disputam a hegemonia, no controle continental da Europa. Havia, entre estes dois
países, um choque de interesses nacionais, uma disputa entre imperialismos. Tal
situação culminou com a guerra franco-prussiana, em 1870, na qual a Prússia
saiu vencedora. A França perde os territórios de Alsácia e Lorena, vitais para sua
industrialização, pois neles se localizavam suas principais reservas de carvão.
No contexto da guerra, caiu o Segundo Império de Luís Bonaparte, ocorreu o
levante da Comuna de Paris, e, sob as suas ruínas, ergueu-se, com o beneplácito
prussiano, a Terceira República francesa. Foi nesse período que a Geografia se
desenvolveu. E se desenvolveu com apoio deliberado do Estado francês. Esta
disciplina foi colocada em todas as séries do ensino básico, na reforma efetuada
pela Terceira República. Foram criadas, nessa época, as cátedras e os institutos
de Geografia.(MORAES, 1983, p. 63/64).

O resultado da guerra, ou seja, a derrota humilha profundamente grande parte da


população francesa. A partir dessa derrota, a Alemanha aparece para os franceses como um
desafio nos domínios político, intelectual e econômico.

Após a guerra, os franceses tomam, dolorosamente, a consciência da negligência com


os conhecimentos geográficos que tinham até então. Constataram que o inimigo estava mais
bem preparado no tocante ao conhecimento do território e descobriram, a duras penas, sua
ignorância geográfica. Para eles, a superioridade militar e econômica da Alemanha derivara Ignorância
de seu grande desenvolvimento científico. Dessa forma, a Alemanha se constituía, ao mesmo Geográfica
tempo, em inimigo e exemplo a ser seguido. Essa ignorância geográfica
pode ser observada em
um relatório feito a pedido
do governo francês, logo
após a guerra, em que se
chegou à conclusão de
que os soldados e oficiais
prussianos conheciam
melhor o território francês
do que eles mesmos.

Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica 131


O professor Vidal de La Blache
Vidal nasce no sul da França. Membro de uma família de professores e militares, seu pai,
professor, deseja para o filho a mesma profissão, por isso o envia para um colégio interno
em Paris onde teria melhores condições para fazer uma carreira brilhante. Na Escola Normal
Superior, onde estuda, se dedica, principalmente, aos estudos de história. Vai para Escola de
Atenas, onde fica por três anos, e prepara sua tese sobre a Ásia Menor. Percorrendo a Turquia
para preparação de seu trabalho, toma como guia a obra que Carl Ritter havia escrito sobre esse
país. A partir desse contato inicial, passa a se dedicar aos estudos geográficos, tornando-se
um dos grandes nomes dessa ciência.

Como vimos a pouco, a derrota de 1870 leva a França a uma política de promoção da
Geografia que começa pelo ensino primário e secundário, seguido pelo seu desenvolvimento
nas universidades e pela política de incentivo à criação de instituições geográficas. Vidal vai
saber tirar proveito dessa situação.

Em 1875, é nomeado conferencista de Geografia da Universidade de Nancy; em 1880, torna-


se subdiretor da Escola Normal Superior onde fica até 1898, ano em que vai para a Sorbonne.

Vidal foi um professor irrepreensível e um viajante incansável. Conheceu muito bem a


França e a Europa, assim como boa parte do norte da África e da América do Norte. Produziu
uma obra pouco volumosa, mas muito densa. Formou e incentivou os jovens que estavam à
sua volta e que em boa parte se transformaram em grandes geógrafos.

Vidal, mesmo sendo original, nunca escondeu o quanto foi devedor aos mestres alemães,
sobretudo Ritter e Ratzel.

132 Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica


Para ele, a Geografia deveria partir de uma idéia simples: explicar a desigual repartição
dos homens sobre a superfície da Terra e suas densidades. Para tanto, deveríamos dar um
tratamento cartográfico aos dados e considerar na análise os sinais expressos pela paisagem
e a relação dos assentamentos humanos com o solo.

A geografia de Vidal de la Blache


Veremos aqui quatros aspectos importantes da Geografia vidaliana – a idéia de totalidade,
a questão das densidades e do trabalho de campo, os gêneros de vida e o possibilismo. Na
aula seguinte, veremos especificamente a sua noção de região.

A influência de Ritter: a idéia de totalidade


Vidal toma como ponto de partida para as suas reflexões geográficas a idéia de totalidade
desenvolvida por Ritter, entretanto, ele vê nessa idéia um convite para a análise de relações
complexas e das conexões entre os diversos fenômenos e não um chamamento à reflexão
sobre o destino do mundo e da humanidade, como era a preocupação de Ritrter. Veja no texto
a seguir um trecho do próprio Vidal sobre esse ponto.

A idéia de que a Terra é um todo, cujas partes estão coordenadas, fornece à


Geografia um princípio de método cuja fecundidade aparece melhor à medida
que amplia a sua aplicação. Se nada existe isoladamente no organismo terrestre,
se por toda parte repercute leis gerais de modo que não se pode tocar em uma
parte sem provocar encadeamentos de causa e efeito, a tarefa do geógrafo toma
um caráter diferente daquele que lhe é atribuído. Qualquer que seja a fração da
Terra que ele estude, ele não pode aí se fechar. Um elemento geral se introduz em
toda pesquisa local. Não existe, efetivamente, região cuja fisionomia não dependa
de influências múltiplas e longínquas da qual importa determinar o foco. Cada
região age imediatamente sobre sua vizinha e é influenciada por ela. (VIDAL DE
LA BLACHE, 1896, p.122)

Os mapas de densidade e o trabalho de campo


Um dos pontos importantes para os estudos da Geografia vidaliana eram as cartas de
densidade. Para ele, essas cartas colocavam o problema fundamental de toda a Geografia
humana: aquele das relações que os grupos humanos estabelecem com os lugares onde vivem
e com o seu entorno.

Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica 133


Dessa forma, a Geografia deve analisar e explicar as relações entre os grupos humanos e
o meio ambiente onde moram. Nesse sentido, a tarefa mais importante dela é estudar e explicar
os mapas de densidades, porque eles dão uma idéia clara dessas relações.

A prática vidaliana do trabalho de campo é indissociável de suas pesquisas e de sua


compreensão de Geografia. O campo, em certa medida, deve substituir o livro, o texto e, até
mesmo, o arquivo histórico. Ele adquire um valor heurístico fundamental, visto que constitui
o substrato no qual se lê a relação homem/meio e que vai se transformar na problemática
explícita da Geografia humana francesa. Assim sendo, as manifestações elementares da vida,
as formas de trabalho, de deslocamentos, de habitat, de vestuário, observados no campo, são
consideradas como sinais das interações entre as sociedades locais e o meio.

O gênero de vida
Ao abordar a relação entre o meio e a ação humana, Vidal de la Blache, considerava
que o meio é uma força viva, que tem movimento próprio e regras de conexão que escapam
à intervenção humana. Por outro lado, a ação do homem tem grande capacidade de
transformação. O conjunto das ações e as formas através das quais os homens tiram proveito
das possibilidades oferecidas pela natureza é dada pela diversidade dos gêneros de vida. A
noção de gênero de vida permite à análise geográfica vidaliana compreender as relações que os
homens tecem com o seu meio. Relações que são estabelecidas pelas técnicas, pelas formas
de trabalho, pelas formas de habitação, pela cultura etc.

No seu entendimento, como os grupos humanos, necessariamente, têm que se adaptarem


(se defrontarem, estabelecerem relações com as condições ambientais), essa adaptação se
traduz na adoção de um modo de vida, de um gênero de vida: caça, pesca, criação de bovinos,
ovelhas, suínos, cavalos, agricultura etc.

O estabelecimento do gênero de vida seria a ação humana destinada a extrair do meio


ambiente o que se necessita para comer, vestir-se, proteger-se do vento, da chuva, do frio e
a forma como dispor de ferramentas diversas. O gênero de vida aparece como um conjunto
de técnicas e hábitos.

Para o mestre francês, a adaptação de um grupo humano a um meio ambiente


específico dependia:

1) das técnicas produtivas e da possibilidade de inventar novas técnicas;

2) da capacidade da tradição em transmitir, para gerações futuras, as técnicas produtivas;

134 Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica


3) das técnicas de transporte e da possibilidade de desenvolver trocas com grupos de
localidade diversa;

4) da força do hábito.

O possibilismo
O possibilismo é comumente reduzido à seguinte idéia: a natureza propõe, o homem
dispõe. Esta é, sem dúvida, a noção mais conhecida para definir a abordagem das relações
homem/meio da escola francesa de Geografia e, em particular, de seu fundador Paul Vidal de
la Blache. No entanto, o autor desse neologismo não é Vidal de la Blache e sim o historiador
Lucien Febvre, em seu livro A terra e a evolução humana. Nesse livro, Febvre, inspirado nas
elaborações de Vidal de la Blache, faz deste a referência para os “possibilistas” em oposição
aos “deterministas” e se arroga o papel de encarnar o espírito da escola francesa de Geografia.

O possibilismo constituiria-se, assim, numa alternativa ao determinismo do meio


físico na análise das relações que o homem mantém com esse meio. O possibilismo é a
rejeição à idéia de que o homem é, antes de tudo, passivo, submisso às condições locais
e constrangido a se adaptar.

Na análise vidalina a compreensão das relações homem/meio se dá em toda sua


complexidade, dando relevante atenção às iniciativas humanas transformadoras da natureza.
Sua posição é frontalmente anti-determinista, ou seja, contrário ao determinismo, mas
considera que o homem sofre influências do meio no sentido de que existe uma diferenciação
natural frente à qual o homem se depara e que em cada meio dado a natureza apresenta um
conjunto de possibilidades, com limites próprios e que é em função dos dados históricos,
culturais e técnicos que algumas dessas possibilidades serão exploradas pelos seus habitantes.

Uma individualidade geográfica não resulta da simples consideração da geologia


e do clima. Isso não é uma coisa dada de antemão pela natureza. É preciso partir
da idéia de que uma região é um reservatório onde dormem energias na qual a
natureza depositou o germe, mas cujo emprego depende do homem. É ele quem,
ao submetê-las ao seu uso, traz à luz sua individualidade. Ele estabelece uma
conexão entre os traços dispersos; aos efeitos incoerentes de circunstâncias locais
ele substitui um concurso sistemático de forças. É só então que uma região se
precisa e se diferencia e transforma-se, por extensão, numa medalha cunhada à
esfinge de um povo. (VIDAL DE LA BLACHE, 1979, p.8)

Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica 135


Atividade

Em que circunstâncias se institucionalizou a Geografia francesa?


1
Em que medida podemos dizer que a Geografia francesa é fruto do
2 desenvolvimento da Geografia alemã, sua maior rival?

Os principais elementos constitutivos do pensamento vidaliano são:


totalidade, densidade, gênero de vida e possibilismo. Elabore um
3 pequeno texto mostrando como poderíamos utilizar esses elementos
numa análise geográfica atual.

Leituras complementares
BERDOULAY, Vincent. La formnation de l’école française de géographie. Paris: CTHS, 1995.

Excelente livro para quem se interessa pelo pensamento geográfico francês, especialmente
pelo período de sua institucionalização e a influência do pensamento de Vidal na constituição da
Geografia francesa. Obra que analisa o contexto histórico e intelectual da emergência da Geografia
na França, assim como se estruturou o seu conjunto conceitual e epistemológico. Infelizmente
não existe nenhuma tradução desta obra para o português nem mesmo para o espanhol.

CLAVAL, Paul. Histoire de la Géograhie française de 1870 à nos jour. Paris: NATHAN, 1998.

Indiscutivelmente o livro mais abrangente sobre a história da Geografia francesa, desde


sua institucionalização. O livro traça a história da disciplina, de suas interrogações, de suas
crises e de seu enriquecimento ao longo dos anos. Infelizmente, como a obra anterior, não
existem traduções deste livro para o português nem para o espanhol.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.

136 Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica


Já indicamos este livro na aula 9 (A Geografia ratzeliana e seu contexto); para esta aula,
veja especialmente o capítulo 6.

SILVA, Aldo A. D. da. A idéia de conexidade em Vidal de la Blache. In: SILVA, Aldo; GALENO,
Alex (Org.). Geografia ciência do complexus. Porto Alegre: Sulina, 2004.

Coletânea de textos inspirados no pensamento complexo de Edgard Morin e na idéia


de transdisciplinaridade, na qual a Geografia é o centro propulsor. O texto de Silva faz uma
boa análise da obra de Vidal de la Blache, principalmente no tocante aos princípios da
Geografia humana.

Resumo
Esta aula mostra como, a partir da derrota sofrida pela França frente à Alemanha
em 1870, a Geografia obtém grande impulso no ensino francês. Mostra também
que Paul Vidal de La Blache é o grande nome da Geografia francesa desse
período e é quem desenvolverá os elementos constitutivos da análise geográfica
da Escola Francesa de Geografia. Para esse mestre francês, a Geografia deveria
ter como base para sua análise noções como totalidade, densidade, gênero de
vida e possibilismo.

Autoavaliação
Retome as suas respostas às questões propostas na atividade desta aula. Verifique se
1 você conseguiu relacionar o contexto histórico com o desenvolvimento da Geografia
na França.

Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica 137


Perceba que, na verdade, a Geografia francesa nasce de uma ambigüidade: ela tem no
seu maior inimigo seu maior exemplo. Na resposta à questão três, os elementos a serem
considerados diz respeito ao fato de que para Vidal o homem é um ser dotado de iniciativa
face ao meio; o meio é modificado em função da adaptação e da ação do homem (essa
adaptação e ação dependem do momento histórico de cada sociedade, de sua cultura e do
grau de desenvolvimento tecnológico); a idéia de totalidade poderia, muito bem, nos ajudar
hoje a pensar dois fenômenos: a globalização e o aquecimento global.

Verifique se as suas respostas contemplam os elementos elencados anteriormente;


2 em seguida elabore um pequeno texto sobre globalização e aquecimento global
tomando por base a idéia de totalidade.

Referências
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia, ciência da sociedade: uma introdução à análise do
pensamento geográfico. Recife: Editora Universitária/UFPE, 2006.

CLAVAL, Paul. Histoire de la Gèogaphie. Paris: PUF, 1995.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: HUCITEC,
1983.

VIDAL DE LA BLACHE, Paul. Le principe de la géographie générale. Annales de Géographie,


v. 5, n. 20, p. 122-142, 1896.

VIDAL DE LA BLACHE, Paul. Tableau de la géographie de la France. Paris: Tallandier, 1979.

138 Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica


Anotações

Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica 139


Anotações

140 Aula 10 Introdução à Ciência Geográfica


A abordagem regional vidaliana

Aula

11
Apresentação

A
questão regional é uma das mais tradicionais em Geografia, sendo a região um conceito-
chave dessa ciência. Entretanto, trataremos, nesta aula, apenas da concepção de região
elaborada por Vidal de la Blache. Isso porque é esse geógrafo a maior expressão da
chamada Geografia regional. Como vimos na aula 10 (A Geografia vidaliana e o seu contexto),
até Vidal de la Blache, a Geografia não se constituía num ramo autônomo do conhecimento, é
com ele que atinge status de ciência na França. Ele é um pensador do possível, das diversas
possibilidades que o homem tem diante do imperativo de habitar a Terra. Procurou salientar a
importância da vinculação entre o geral e o particular e a complexidade das entidades (regiões)
geográficas, para tanto, desenvolve a idéia de unidade terrestre. Considerava fundamental para
análise geográfica a diferenciação da superfície terrestre, das sociedades e a compreensão
de como estão articuladas, ou seja, como as diversidades dos lugares se expressam numa
determinada organização espacial.

Objetivos
Compreender a noção de região para Vidal de la Blache.
1
Entender a importância do conceito de região para a análise geográfica.
2
Perceber, na análise regional, a dialética das escalas.
3

Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica 143


A evolução do pensamento
regional vidaliano
Apoiando-se, por um lado, nos resultados obtidos pelos geólogos e, por outro, em sua
formação essencialmente de historiador, Vidal concebe o espaço dos países como sendo a
combinação da história do solo e a história dos homens.

Partindo de quadros naturais – geologia, geomorfologia, vegetação relevo, clima,


hidrografia –, ele mostra como a geologia e o clima oferecem uma série de possibilidades,
cujo emprego depende dos homens, e que é o grupo humano que, ao fazer uso da natureza,
diferencia uma região “transformando a sua extensão numa medalha cunhada como a esfinge
de um povo” (VIDAL DE LA BLACHE, 1979, p.8). Para Vidal, cabe ao geógrafo explicar e
compreender a lógica interna de cada fragmento da superfície terrestre revelando sua
individualidade, cuja réplica exata não se encontra em nenhuma outra parte. É atribuição do
geógrafo estudar a organização de cada espaço diferenciado e individualizado.

Desde 1889, Vidal propõe uma primeira concepção das “divisões fundamentais do solo
francês”. Quinze anos de reflexão sobre o tema o levam à elaboração de seu mais famoso
livro Tableau de la géographie de la France (Quadro da Geografia da França), em 1903, no
qual ele apresenta um espaço hierarquizado em graus diferenciados. No entanto, o ponto de
partida permanece sendo a “região natural”, apoiada na geologia, no relevo ou no clima –
Bassin parisien, Massif Central, Midi océanique. Essas regiões se diversificam em unidades
mais reduzidas e são compreendidas segundo aspectos históricos, em função de elementos
políticos e de desenvolvimento econômico – as rotas – ou em função de elementos oriundos
do raio de influência de uma cidade.

Por sua vez, tais regiões se revestem de aspectos e traços bastante diferenciados,
cuja originalidade se exprime numa certa fisionomia, num estilo particular de organização
espacial engendrada pelo casamento entre a natureza e a história. Essa fisionomia é o que nós
chamamos hoje de paisagem.

144 Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica


Compreendendo o Tableau
e o papel das cidades
Para compreendermos o espírito do Tableau de la France, é necessário lembrarmos
que foi encomendado a Vidal por Ernest Lavisse para servir de introdução a uma “História da
França” e que deveria tratar da geografia francesa até 1789. É em função desse aspecto que
encontramos no Tableau elementos fixos e permanentes inseridos em quadros que remontam
aos aspectos mais antigos e tradicionais daquele país. Mas, Vidal não ignora as transformações
que o desenvolvimento urbano e a concentração industrial promoveram, no início do século
XX, na estrutura regional da França. Ele demonstra isso em artigos que escreve entre 1910 e
1917. Mostrou como algumas cidades, Lyon em particular, passavam a ser grandes geradoras
de unidade regional e organizavam em torno de si uma região de tipo novo, que ele qualificou
de nodal, termo tomado emprestado ao geógrafo inglês Mackinder.

Essas regiões definiriam-se em função do seu centro. Num artigo escrito em 1917 e
intitulado “A renovação da vida regional”, diz Vidal: “Quando se trata de região, não é necessário
procurar os limites. É necessário conceber a região como uma espécie de auréola que se
estende sem limites bem determinados, que circunda e que avança” (VIDAL DE LA BLACHE,
1917, p. 104).

A cidade não é uma novidade para os geógrafos dessa época, uma vez que, em vários
momentos do desenvolvimento da humanidade, a cidade aparece como organizadora de um
espaço que a circunda. A novidade reside na amplitude do fenômeno, no raio de influência
das cidades, viabilizado pelo desenvolvimento das comunicações e das estradas de ferro.
Essa “renovação regional” Vidal sente perfeitamente – de forma mais marcante no final de
sua vida – e exprime, cabalmente, em sua obra La France de l’Est (1917). Ele se torna mesmo
um defensor de uma reforma administrativa do país, propondo, em 1910, um recorte em 17
regiões geográficas, concebidas a partir de espaços organizados pelas maiores cidades.

Entre os geógrafos de seu tempo, é Vidal quem coloca a reflexão e a análise regional no
centro de sua obra. Ele se interessa pela história da exploração do mundo, pelas formas de
povoamento, pelos gêneros de vida, pela demografia etc. No entanto, a preocupação regional,
que se esboça por volta de 1880, permanece central e evolui bastante até os seus últimos
trabalhos, dentre eles La France de l’Est, publicado às vésperas de sua morte, no ano de 1918,
em plena guerra mundial. Ao finalizar essa obra e deixar inacabado os Principes de Géographie
humaine, Vidal indica o peso que tem a demarche regional em suas elaborações.

É num artigo escrito em 1888, Des divisions fondamentales du sol français, que Vidal
inicia sua reflexão sobre a questão regional da França: questão capital em seu pensamento,
que o acompanhará até o fim de sua vida.

Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica 145


Região e ensino
O texto de 1888 destina-se aos professores de Geografia do Ensino Médio e pretende dar
algumas indicações de método apoiadas em exemplos da realidade francesa. A idéia é que os
alunos percebam que a Geografia é uma coisa viva. Segundo o próprio Vidal, o texto deveria,
sobretudo, inspirar o desejo de ver. Ver com os próprios olhos e compreender as diferenças das
regiões. Diferenças que escapam à observação superficial, mas que se descobrem de imediato
quando se tem um olhar atento e se associam a ele lembranças e impressões. Para Vidal de La
Blache, isso é o que de melhor poder-se-ia desejar para o estudo da escola da França.

Uma das dificuldades, apontadas por esse geógrafo no ensino de Geografia é a incerteza
sobre as divisões que melhor convém para a descrição das regiões. Para ele, essa incerteza
implica a própria concepção que se tem da Geografia.

Os fatos, diz Vidal, se esclarecem segundo a ordem na qual nós os agrupamos. A


Geografia não seria uma nomenclatura à qual se juntam outros conhecimentos práticos do
mesmo gênero. Se se separa o que deve ser relacionado, se se une o que deve ser separado,
toda a ligação natural está quebrada.

A noção que Vidal de la Blache tem de região é uma noção fundada no princípio da
“unidade terrestre”, segundo o qual a região se constituiria enquanto parte de um todo e
ela mesma se constituiria numa unidade, em que, havendo a quebra das ligações naturais,
seria impossível reconhecer o encadeamento que religa os fenômenos dos quais se ocupa a
Geografia e que é sua razão de ser científica.

Vidal de la Blache insiste no fato de que a Geografia deve ser tratada como ciência e
não como uma simples nomenclatura. A região, para ele, não é a descrição de um mosaico
de paisagens. Existe, na sua noção de região, uma visão de movimento, de imbricações dos
seres regionais. As regiões de um país são peças que mantêm relações entre si, formando
um todo.

Vidal mostra que existem regiões naturais, mas para a Geografia, interessa a relação entre
essa região natural e as regiões históricas, e essa unidade natural/histórica não se realiza sem
implicações complexas. Não existe uma superposição automática entre elas. A idéia é que
existe uma base geográfica no desenvolvimento histórico de um povo.

Não nos parece haver dúvidas de que a região é um tema central no pensamento de Vidal
de la Blache, que é um pensamento que evolui. Segundo Sanguin (1993, p. 327),

Há primeiro a região versão 1888 (a do artigo Des divisions fondamentales du sol


français), onde ele tenta encontrar um princípio integrador susceptível de clarificar o
conceito em geografia. Em outras palavras, esse artigo é um exercício para dar uma

146 Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica


definição funcional à palavra região. Passamos em seguida à região versão 1903 (a do
Tableau de la géographie de la France). Paul fez sua a idéia central desenvolvida por
Michelet. Existe uma base geográfica na história de um povo: tal é a pátria, tal é o homem,
segundo Michelet. Enfim, chegamos à região vidaliana versão 1910 (a do artigo Régions
françaises), no qual, de uma forma visionária, Paul propõe, 80 anos antes, uma França
constituída de regiões concebidas pela Europa do Mercado único e pela Comunidade
saída do Tratado de Maastricht!

Sem sombra de dúvida, a idéia de região evolui no pensamento vidaliano, no entanto,


parece-nos que toda essa evolução tem um fio condutor que acompanhou esse grande geógrafo
durante toda a sua carreira: aquele que se funda sobre a concepção da relação homem/natureza.

Em seu Principes de géographie humaine, e em outros escritos, Vidal expõe a sua


concepção geral da relação homem/natureza. Para ele, o homem participa da natureza. Homem
e natureza não são termos opostos: o homem faz parte da criação e é o seu colaborador mais
ativo. “Ele não age sobre a natureza senão nela e por ela” (VIDAL DE LA BLACHE, 1896, p.122).

Em função da realização de suas necessidades vitais – respiração, alimentação, habitação


etc. –, o homem, segundo Vidal, permaneceria, assim como os outros animais, embebido nas
influências do meio ambiente. Essa influência estabeleceria uma “ligação” entre as condições
naturais e os fatos geográficos. No entanto, considera o autor, essa ligação não seria absoluta
e sofreria as influências do tempo, pois os homens são dotados de capacidade criadora, o
que faria com que essas influências do meio se modificassem com a evolução técnica das
sociedades e o homem tiraria cada vez mais partido das possibilidades oferecidas pela natureza.
O poder de ação do homem sobre a natureza está ligado, na concepção vidaliana, ao grau de
evolução das sociedades humanas.

Vidal reconhece que é “verdadeiramente muito difícil desvendar, nas grandes sociedades
civilizadas, a influência do meio local”, mas elas “são resultado infinitamente complicados de
uma longa acumulação da atividade humana” (VIDAL DE LA BLACHE, 1896, p. 123). Nesse
ponto, Vidal de La Blache concebe a atividade humana como mediatizadora entre a influência
do meio e as formas de organização espacial das sociedades.

Em Vidal, existe uma concepção que explicaria, ao mesmo tempo, a dependência e a


liberdade do homem em relação à natureza. Para ele, o homem é definido como um ser saído
da natureza e que não pode e jamais poderá desligar-se dessa entidade, que o contém e à qual
deve sua existência.

Na sua idéia mesma de região, está a marca dessa tensão entre as sociedades e a
natureza, entre liberdade e dependência.

Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica 147


Região e Estado
Mesmo o Estado tem, na concepção vidaliana, um componente regional ligado às
condições naturais. Segundo Mercier (1995, p. 220/221), tanto Ratzel quanto Vidal:

sustentam que a diferenciação regional e a solidariedade inter-regional subjacente à


criação do Estado resultam de uma dinâmica geográfica determinada, ao mesmo tempo,
pela capacidade técnica das sociedades humanas, as condições naturais nas quais elas
evoluem e a intensidade das trocas entre uma sociedade e suas vizinhas.

O papel das trocas


As trocas ocupam um lugar significativo na análise de Vidal, uma vez que estão
diretamente ligadas à geração de uma rede de circulação que é ao mesmo tempo fruto e
causa da intensificação dessas mesmas trocas e que transformam e alteram profundamente
as formas de ocupação do espaço.

A intensificação das trocas geraria o que Vidal chama de solidariedade regional.


Isso deslocaria o foco da análise regional do princípio da homogeneidade para a da
solidariedade regional.

Vidal de la Blache é um homem atento às mudanças de seu tempo, essa idéia de


solidariedade regional tem em seu cerne o desenvolvimento das cidades. Para Vidal de la
Blache (1993, p. 309), “Cidades e rotas são as grandes iniciadoras da unidade; elas criam
a solidariedade das regiões. [...]. Esse papel nas condições econômicas do mundo atual, se
precisa e se define”.

148 Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica


As monografias regionais
Vidal de la Blache é, sem dúvida, a maior expressão da Geografia francesa, principalmente,
em se tratando de Geografia regional. Para ele, uma monografia regional, ou seja, um trabalho
científico em Geografia, deveria estar atenta para os elementos que compõem a região: os
elementos do meio físico, sobretudo, o solo; formas de habitação, atividades humanas, e como
as comunidades se integram com o meio físico e com outras comunidades; além de estar atenta
para elementos solidários que pudessem parecer estranhos à região estudada.

Vidal e o movimento regionalista


Por volta de 1860, por influência das idéias de Proudhon (1809-1865), Mistral (1830 -
1914) e Barres (1862 – 1923), desenvolveu-se na França um movimento regionalista, que se
articula em torno da revista L’Acion Régionaliste e da Federação Regionalista Francesa. Entre
1890 e 1910, esse movimento defendeu uma reforma territorial na França. A partir de 1910,
Vidal se insere nesse movimento.

A primeira tomada de posição regionalista de Vidal foi muito discreta. Manifestou-se em


um comentário que ele fez, em 1898, sobre o livro de Pierre Foncin “Les Pays de France. Projet
de fédéralisme administratif. (Compte rendu du livre de Pierre Foncin: Les pays de France)
Annales de Geographie, 1898). Nesse livro, Foncin propõe ao movimento regionalista uma
doutrina e um programa. Em seu comentário, Vidal subscreve a idéia de “livrar a França da
opressão da centralização” Como Foncin, ele lamenta a ineficácia da organização territorial
em vigor na França e concorda que seria necessário dotar a França de uma circunscrição
administrativa melhor adaptada às “unidades locais naturais”.

Esse breve comentário revela duas orientações que Vidal, nessa época, dava à sua reflexão
sobre a região. De um lado, ele queria dotar a Geografia de uma definição do conceito de região
e de um método de análise regional. Ele sustenta, como vários outros, que a realidade regional
não corresponde necessariamente a divisões administrativas. Por outro lado, ele revela a sua
sensibilidade política e faz elogios às vantagens de Estados onde a diversidade regional se
exprime. Ao descrever a Suíça, deixa transparecer o valor moral que ele atribui à autonomia
dos organismos locais. Para ele, a Suíça havia atingido um alto nível de civilização porque cada
região era dotada de uma identidade política própria.

Se, por um lado, Vidal, ao comentar Foncin, concorda com a reforma regional, ele não
se torna efetivamente um advogado do movimento regionalista. No entanto, dá um passo
nessa direção quando publica, em 1903, o seu célebre Tableau de la géographie de la France.
Nesse trabalho, ele adota uma posição regionalista, sem se referir diretamente a nenhuma

Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica 149


posição política ou debate partidário. Ele se situa “acima” de qualquer querela doutrinária
ou política e reclama para si tão somente a análise científica. Restringe-se a dizer, no final de
sua obra, que a reforma regional emana da própria Geografia e que uma regionalização está
verdadeiramente inscrita na história do solo e do povo francês, que somente “o esquecimento”
ou “a complacência” poderiam contrariar tal reforma. Ele explica que a centralização é uma
herança do século XVIII e que nessa época uma coação política externa havia favorecido essa
centralização. A França precisava rivalizar com os outros Estados europeus e esse esforço de
afirmação e de resistência exigia que a unidade do país fosse incontestável. Entretanto, essa
centralização havia, segundo Vidal, sufocado o pleno desenvolvimento e a manifestação da
Geografia francesa e no século XIX o dinamismo local começava a se manifestar, mostrando
que a Geografia regional da França iniciava a retomada de seus direitos.

Alguns anos mais tarde, Vidal decide defender mais abertamente o movimento regionalista.
Sua atitude se manifesta, primeiramente, (VIDAL DE LA BLACHE, 1909), quando comenta o
livro de Lucien Gallois, Régions naturelles et noms de pays, no qual denuncia abertamente e
sem rodeios “o despotismo” que mantém a França num “excesso de centralização”. Essa nova
coloração é o prelúdio de um outro artigo, publicado em 1910, Regions françaises.

Nesse artigo, Vidal ultrapassa, sem hesitação, os horizontes científicos, para elaborar e
legitimar um autêntico programa regionalista. Desde a primeira linha, ele denuncia a inércia da
classe política e se congratula com a clarividência dos partidários da reforma regional. Com
essa amostra, manifesta a sua intenção de tomar partido em um debate político de sua época.
Aliás, ele critica “a insuficiência das divisões administrativas atuais”. Mesmo reconhecendo
um certo valor nas divisões departamentais, lamenta a ausência de entidades regionais mais
amplas. Para ele, o departamento, criado no rasto da Revolução, trazia uma forte marca de uma
França largamente rural. Contudo, a geografia da França havia mudado bastante no século XIX.
A grande indústria havia ampliado consideravelmente a escala dos fenômenos econômicos e
isso simultaneamente à formação de centros urbanos que drenavam grandes hinterlândias.

150 Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica


O método regional
Vidal se interessa muito pelas realidades geográficas extensas: nações ou grandes zonas
geográficas, como o Mediterrâneo. Se ele efetua recortes regionais, é para melhor compreender
a natureza das entidades que lhe interessam. Seu método repousa sobre uma incessante
dialética das escalas. Para ele, essa dialética se realiza quando analisa a situação dos
lugares ou de pequenos conjuntos territoriais: pontos ou áreas mais ou menos extensos.
A outra vertente dessa dialética das escalas procede de modo inverso, indo das grandes
áreas naturais, das nações, das grandes regiões em direção aos “pays”, ao local. Essas
operações de regionalização que “revelam” componentes que existem no seio de um
grande espaço o apaixonam.

Quando os critérios de partição são mudados, a forma do recorte toma toda sua amplitude.
É o que torna a démarche regional insubstituível no pensamento vidaliano. Ela revela, assim,
a complexidade dos objetos estudados quer se trate de nações, de grandes espaços, ou do
estudo do local.

Para descrever a França, Vidal utiliza sucessivamente várias perspectivas: ele a recorta em
regiões naturais (1988); analisa conjuntos onde se desenvolvem formas de sociabilidade originais,
mas que têm na França a particularidade de se completar (VIDAL DE LA BLACHE, 1979); faz
um inventário dos pequenos “pays” e das paisagens agrárias (VIDAL DE LA BLACHE, 1904).
Retornando dos Estados Unidos, se volta para a análise com base nas grandes cidades, nas
zonas de influência que elas talham no seio do território nacional (VIDAL DE LA BLACHE, 1993).

Nesse sentido, a démarche regional vidaliana não pode ser concebida de maneira estática,
uma vez que é dinâmica. Abrindo vários flancos, ela permite envolver na análise a natureza, a
natureza humana, a cultura e todo o conjunto complexo de “objetos e de ações” que constituem
a tessitura do território.

Atividade
Que elementos estão no cerne da discussão de região feita por Vidal
1 de la Blache?

O que se entende por dialética das escalas e que importância tem essa
2 idéia para a análise regional?

Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica 151


Leituras complementares
CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1991.

Neste livro, o autor discute dois conceitos fundamentais para a Geografia, a saber:
região e organização espacial. Para tanto, traz à tona a história da Geografia e as correntes de
pensamento que influenciaram essa ciência. No capítulo três, faz uma boa discussão sobre
região e as correntes do pensamento geográfico. Livro de leitura introdutória e obrigatória
para o estudante de Geografia, pois além de trazer elementos para se compreender a história
da Geografia discute o conceito de região a partir dessa história e introduz de maneira clara
a idéia de organização espacial, conceito fundamental para se entender a Geografia dos dias
atuais.

LENCIONI, Sandra. Região e geografia. São Paulo: EDUSP, 1999.

Leitura obrigatória para quem se interessar em aprofundar a discussão sobre região. A


obra se realiza no âmbito da relação entre região e Geografia e procura demonstrar que a idéia
de região é parte constitutiva do desenvolvimento da disciplina geográfica. Ao entender que é
no interior do desenvolvimento histórico de uma disciplina que se constrói sua teoria, faz um
excelente resgate histórico da noção de região.

Resumo
Nesta aula, discutimos a evolução do pensamento regional de Paul Vidal de
la Blache. Você percebeu que, para esse autor, a região é um recorte espacial
relacionado à diferenciação natural e cultural dos lugares. Mostramos também
que elementos como clima, geologia, cultura, história e técnica se imbricam e
dão singularidades ao local e que o advento das cidades promovem um novo
reordenamento regional.

152 Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica


Autoavaliação
Elabore um texto descrevendo a região onde você mora. Tome por base a
proposta vidalianae perceba que na análise regional proposta por Vidal de la
Blache se evidenciam os detalhamentos do meio físico, das formas de ocupação
e das atividades humanas e de como o homem se ajusta à natureza. Note que o
olhar vidaliano contém uma perspectiva histórica para a análise da relação entre
homem e meio e que a integração dos elementos físicos e sociais constitui a
individualidade regional. Perceba, ainda, que o sentido de região, no pensamento
vidaliano, considera, pelo menos, três aspectos: as regiões se evidenciam na
superfície terrestre; as regiões se manifestam na paisagem e nas realidades físicas
e culturais; e os agrupamentos humanos tomam consciência dessa diversidade,
a nomeiam e a utilizam na criação dos quadros administrativos.

Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica 153


Referências
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia, ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

CLAVAL, Paul. Histoire de la gèogaphie. Paris: PUF, 1995.

CLAVAL, Paul. Histoire de la Géographie française de 1870 à nos jour. Paris: NATAN, 1998.

DANTAS, Aldo. Pierre Monbeig: um marco da geografia brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2005.

MERCIER, Guy. La région e l´’état selon Friedrich Ratzel et Paul Vidal de la Blache. Annales de
Géographie, Paris, v. 583, p. 211-235, 1995.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.

SANGUIN, André-Louis. Vidal de la Blache: un génie de la géographie. Paris: Belin, 1993.

VIDAL DE LA BLACHE, Paul. Le principe de la géographie générale. Annales de Géographie,


v. 5, n. 20, p. 122-142, 1896.

______. Régions naturelles et noms de pays. Journal des Savants, p. 389-401, sept./oct. 1909.

______. De la significations populaire des noms pays. Roma: Tipografia Della R. Academia
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______. La rénovaion de la vie régionale: foi et vie. Cheir, 1917.

______. Tableau de la géographie de la France. Paris: Tallandier, 1979.

______. Régions françaises. In: SANGUIN, André-Louis. Vidal de la Blache: un génie de la


géographie. Paris: Belin, 1993.

154 Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica


Anotações

Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica 155


Anotações

156 Aula 11 Introdução à Ciência Geográfica


Os movimentos de renovação

Aula

12
Apresentação

A
Geografia começa a viver a partir da década de 1950, em todo o mundo, uma dramática
crise de transição. Essa crise adveio do rompimento de grande parte dos geógrafos
em relação à perspectiva tradicional, aquela que se fundamentava no positivismo. Esse
rompimento ensejou a busca de novos caminhos, de nova linguagem, de novas propostas,
enfim, de uma maior liberdade para reflexão e criação. Com o movimento de renovação, a
Geografia passa a trabalhar a partir de críticas e propostas; abrem-se novas discussões e
buscam-se caminhos até então desconhecidos. Instala-se, de maneira sólida, um tempo de
críticas e de propostas no âmbito dessa ciência. As principais propostas geradas a partir
desse momento são os movimentos que deram origem às geografias quantitativa, radial e da
percepção. São esses três movimentos que analisaremos nesta aula.

Objetivos
Compreender a realidade colocada para o mundo no pós
1 Segunda Guerra Mundial.

Entender a relação entre realidade social e histórica do


2 período estudado e suas vinculações com os movimentos
de renovação da Geografia.

Perceber as especificidades que compõe as propostas da


3 geografia quantitativa, radical e da percepção.

Aula 12 Introdução à Ciência Geográfica 159


Contexto geral
O contexto do pós Segunda Guerra Mundial modifica profundamente a maneira de
se conceber os problemas da sociedade. O mundo que se reconstitui, depois da guerra, é
um mundo dominado por dois blocos antagônicos, no qual se firma um Terceiro Mundo
confrontado com grande explosão demográfica e miséria.

Um crescimento espetacular dos fluxos de homens, mercadorias, informações e finanças


se estabelecem fortemente nesse período e acirram as rivalidades geopolíticas: é o tempo da
Guerra Fria.

A evolução das técnicas e os processos históricos modificam profundamente as relações


econômicas e políticas até então estabelecidas. Começa a se estabelecer o período que Milton
Santos denominou de técnico-científico-informacional – assunto abordado na aula 15 (Milton
Santos: o filósofo da técnica).

Os meios de aquisição de dados também tornam-se mais sofisticados. A fotografia aérea,


desenvolvida desde a Primeira Guerra Mundial, toma novo impulso. As imagens de radar
atravessam as coberturas nebulosas. O aperfeiçoamento de satélites de observação possibilita
uma cobertura cada vez mais regular da Terra, com uma resolução cada vez melhor, chegando
à ordem de metro.

O progresso das técnicas de modelação e de cálculo encontra grande eco nas ciências.
Ocorre nesse momento grande expansão do Capitalismo, que vai permitir o desenvolvimento
das corporações transnacionais, as quais ampliam seus programas de ação, visando controlar
as matérias-primas e o mercado consumidor em escala mundial.

Os métodos matemático-estatísticos, para a confecção de modelos abstratos a serem


aplicados em realidades diversas, são a febre desse momento. É nesse ambiente que surgem
as correntes de renovação da Geografia.

160 Aula 12 Introdução à Ciência Geográfica


A Geografia quantitativa
Denominada também como Nova Geografia, Geografia Pragmática ou Geografia Teorética,
essa nova corrente de pensamento rompe com a chamada Geografia Clássica.

De modo geral, podemos dizer que essa corrente vai se apoiar no uso maciço da estatística,
com o emprego de diagramas, matrizes, análise fatorial e equações matemáticas. Dá pouca
importância aos trabalhos de campo, que é substituído pelo laboratório, onde seriam feitas
medições matemáticas e traçados gráficos estatísticos, procurando visualizar a problemática
da paisagem através de modelos sistêmicos.

Para os autores filiados a esta corrente, o temário geográfico poderia ser


explicado totalmente com o uso de métodos matemáticos. Todas as questões
aí tratadas – as relações e interações de fenômenos de elementos, as variações
locais da paisagem, a ação da natureza sobre os homens etc. – seriam passíveis
de ser expressas em termos numéricos (pela mediação de suas manifestações)
e compreendidas na forma de cálculos. Para eles, os avanços da estatística e da
computação propiciam uma explicação geográfica. Por exemplo, ao se estudar
uma determinada região, a análise deveria começar pela contagem dos elementos
presentes (número de estabelecimentos agrícolas, total de população, extensão,
número e tamanho das vilas e cidades etc.); este procedimento forneceria tabelas
numéricas de cada dado, as quais seriam trabalhadas estatisticamente pelo
computador (médias, variâncias, desvio-padrão, medianas etc.) e relacionadas
(correlação simples e múltipla, regressão linear, covariação, análise de
agrupamento etc.); ao final, surgiriam resultados numéricos, cuja interpretação
daria a explicação da região estudada. Poder-se-iam formular juízos do seguinte
tipo: a estrutura fundiária é explicável pela topografia, em relação ao tipo de
produto na razão de 70%; o tamanho das cidades relaciona-se com o sistema
viário em 0,6 numa escala de 0 a 1; variando a produtividade agrícola, variará
o volume de estradas asfaltadas, na proporção de 7.0 numa escala de 1 a 10;
e assim por diante. A relação de várias destas constatações permitiria chegar à
explicação geral da área estudada. (MORAES, 1983, p.103).

Aula 12 Introdução à Ciência Geográfica 161


A geografia crítica ou radical
Como já mencionamos no início desta aula, o mundo passa por grandes transformações
a partir do final da Segunda Guerra Mundial, tais como:

 início e fim da Guerra Fria, através da política de coexistência pacífica que amortece as


tensões entre os dois blocos hegemônicos, o que permite o florescimento da reflexão
marxista no ocidente;

 mudanças nos países do Terceiro Mundo;

 crise do sistema de dominação ocidental.

O processo de descolonização, ocorrido após a Segunda Guerra Mundial, de muitos


países da África, como a Guiné e a Argélia, é fruto dessas mudanças e contribuiu para alterar
de modo significativo as relações internacionais.
Subdesenvolvido Vêm a baila os problemas do chamado mundo subdesenvolvido, o que dá origem a
Conjunto de países que se movimentos com o dos Países não Alinhados – conjunto de países que tinham a pretensão de
formam com o processo não se alinharem nem ao bloco capitalista nem ao bloco comunista – e também à Conferência
de expansão capitalista
em que o enriquecimento
Mundial de Comércio e Desenvolvimento, realizada em Bruxelas em 1964, que permitiu levantar
de alguns de dá à custa muitos dos problemas sociais e econômicos do subdesenvolvimento e influenciou não só a
do empobrecimento de economia como também as outras ciências sociais.
outros. Esse conjunto de
países tem em comum Toma-se consciência que, em boa medida, os problemas do subdesenvolvimento são
a herança colonial,
atividades industriais e
conseqüência da dominação capitalista e se reconhece as relações entre o atraso econômico,
tecnológicas defasadas a dependência e a relações comerciais internacionais. Entra em crise o sistema de dominação
ou inexistentes e levado a cabo pela Europa e Estados Unidos da América (EUA).
são fornecedores de
matéria-prima. Essas mudanças refletem-se nas ciências sociais, que vão buscar uma nova
compreensão para os países dependentes e para o papel das potências ocidentais e do próprio
sistema capitalista.

No campo da Geografia, os procedimentos metodológicos descritivos da Geografia


Tradicional e o tecnicismo quantitativo da Geografia Teorética começam a ser criticados por
não conseguirem explicar a nova realidade posta. Esse movimento de crítica é denominado
de radical. Tem sua origem nos Estados Unidos, em meio à turbulência social originada pela
intervenção americana no Vietnã.

Para além da pesquisa sobre a produção e organização do espaço, das causalidades


estruturais e históricas ligadas às formações sociais, essa corrente acrescentava, às suas
formulações, forte contestação à realidade social, notadamente à sociedade capitalista
americana, onde se exacerbavam os problemas sociais, com destaque aos das grandes cidades.

162 Aula 12 Introdução à Ciência Geográfica


Esse movimento era composto, basicamente, de jovens geógrafos que criticavam
a inoperância das barreiras disciplinares, a falta de pertinência da Geografia social e sua
freqüente associação com os interesses e instituições dominantes e de todos aqueles que
contribuíam para a manutenção do status quo, ou seja, acreditavam que a Geografia de então
contribuía mais para o controle do que para a resolução dos problemas sociais tal como eles
se expressavam no território, tanto em escala mundial, das relações entre centro e periferia,
como em escala urbana.

Assim sendo, suas pesquisas, com base teórico-marxista, se voltaram para temas como
a produção do espaço, a pobreza, a fome, a saúde, a criminalidade, os problemas urbanos, o
imperialismo e a geopolítica.

O designativo de crítica diz respeito, principalmente, a uma postura frente


à realidade, frente à ordem constituída. São os autores que se posicionam
por uma transformação da realidade social, pensando o seu saber como uma
arma desse processo. São, assim, os que assumem o conteúdo político de
conhecimento científico, propondo uma Geografia militante, que lute por
uma sociedade mais justa. São os que pensam a análise geográfica como
instrumento de libertação do homem.

Os autores da Geografia crítica vão fazer uma avaliação profunda das razões
da crise; são os que acham fundamental evidenciá-la. Vão além de um
questionamento puramente acadêmico do pensamento tradicional, buscando suas
raízes sociais. Ao nível acadêmico criticam o empirismo exacerbado da Geografia
Tradicional, que manteve suas análises presas ao mundo das aparências [...].

A vanguarda desse processo crítico renovador vai ainda mais além, apontando o
conteúdo de classe da Geografia tradicional. Seus autores mostram as vinculações
entre as teorias geográficas e o imperialismo, a idéia de progresso veiculando
sempre uma apologia da expansão. Mostram o trabalho dos geógrafos, como
articulado às razões do Estado. Desmistificam a pseudo-“objetividade” desse
processo, especificando como o discurso geográfico escamoteou as contradições
sociais. (MORAES, 1983, 112-113).

Aula 12 Introdução à Ciência Geográfica 163


A Geografia da percepção
Também conhecida com Geografia comportamental, a Geografia da percepção surge
como uma corrente de pensamento que se aproxima da psicologia e tem nas formulações
fenomenológicas de Edmund Husserl (1859-1938) o seu suporte teórico. A fenomenologia
coloca importância primordial no indivíduo para o processo de construção do conhecimento.
Para esta corrente, o mundo deve ser descrito segundo a maneira como é visto, sentido e
percebido pelo indivíduo.

Desenvolvida nos Estados Unidos por Yifu Tuan, esta corrente ficou também conhecida
como Topofilia.

Topofilia quer dizer, literalmente, amor aos lugares (Topo, lugar, e filia, amor). Esse
termo foi utilizado pelo pela primeira vez pelo filósofo Gaston Bachelard, no seu livro
A poética do espaço. Para ele, tratava-se de considerar os “espaços felizes” e os espaços
vividos. Para Tuan, Topofilia designa a ligação afetiva que existe entre cada indivíduo e os
lugares. Nesse caso, trata-se de um sentimento extremamente particular.

Sabemos que os indivíduos estabelecem relações significativas com os lugares e que


os lugares significam sempre “alguma coisa” para os seres humanos. Assim sendo, caberia
ao geógrafo (da percepção) pesquisar essa “alguma coisa”, levando em consideração que
os seres humanos interpretam os lugares e, simultaneamente, lhes dão sentido. Trata-se,
então, de compreender as modalidades segundo as quais os seres humanos constroem suas
relações com os lugares, quer eles seja simbólicos, constitutivos de identidade, ou mais
banais e familiares. Entretanto, devemos chamar a atenção para o fato de que a ligação dos
seres humanos com os lugares é intermediada por fatores culturais, sociais, econômicos e,
mesmo, de origem biológica. Nesse sentido, para se compreender as preferências, afetividades
e atitudes de cada indivíduo ou grupo, é necessário levar em consideração aqueles fatores.

164 Aula 12 Introdução à Ciência Geográfica


Para compreender a preferência ambiental de uma pessoa, necessitaríamos
examinar sua herança biológica, criação, educação, trabalho e arredores físicos.
No nível de atitudes e preferências de grupo, é necessário conhecer a história
cultural e a experiência de um grupo no contexto de seu ambiente físico. Em
nenhum dos casos é possível distinguir nitidamente entre fatores culturais e o
papel do meio ambiente físico. Os conceitos de “cultura” e “meio ambiente” se
superpõem do mesmo modo que os conceitos de “homem” e “natureza” [...].

Na sociedade ocidental o mapa mental da dona de casa com crianças pequenas,


provavelmente, é diferente do de seu esposo. Os caminhos de circulação do
casal, durante os dias de trabalho, dificilmente coincidem, exceto dentro de
casa. Quando saem às compras, o homem e a mulher vão querer olhar lojas
diferentes. Eles podem ir de braço dado, mas com isso não vão ver ou escutar
as mesmas coisas. Ocasionalmente, são arrancados de seus próprios mundos
perceptivos para atender cortesmente ao pedido do outro, como por exemplo,
quando o marido pede à esposa que admire os tacos de golfe na vitrina.
Pense em uma rua movimentada e procure lembrar as suas lojas: certas lojas
aparecerão nitidamente, enquanto outras se dissolverão em uma névoa como
um sonho. Os papeis dos sexos têm muita a ver com as diferenças nos padrões
(TUAN, 1980 p. 68-70).

Atividade
Tidas, até pouco tempo, como ramos antagônicas e excludentes, a Geografia
quantitativa, crítica e da percepção são hoje consideradas, por muitos autores,
como visões complementares para a análise dos fenômenos geográficos.

Considerando essa afirmação, elabore um pequeno texto sobre seu município


utilizando-se de dados quantitativos (dados produzidos pela prefeitura, pelo
Estado e pela União). Faça algumas análises considerando os problemas sociais
e em seguida elabore alguns mapas mentais do município ou do bairro que
você mora (para a elaboração desses mapas, peça a pessoas de diferentes
idades, de diferentes condições sociais e de ambos os sexos que façam um
desenho da cidade).

Aula 12 Introdução à Ciência Geográfica 165


Leituras complementares
ANDRADE, Manuel Corredia de. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora
Universitária, 2006.

Livro destinado ao Ensino Superior de Geografia, analisa a evolução dessa ciência desde
a Antiguidade. Para esta aula, merece destaque os capítulos 9 e 10.

SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. São Paulo: EDUSP, 2004.

Leitura obrigatória para todo estudante de Geografia, esta obra é a contribuição brasileira
mais importante sobre a história do pensamento geográfico. Nele, Milton Santos faz um balanço
da crise vivida pela Geografia nas décadas de 1950 a 1970, analisa apuradamente a ciência
geográfica e aponta caminhos para o seu desenvolvimento como ciência. Para esta aula, você
deverá ler principalmente os capítulos 3, 4, 5 e 6 da primeira parte.

Resumo
Considerando as transformações ocorridas com o final da Segunda Guerra
Mundial, você estudou os movimentos de renovação da Geografia, denominados
de quantitativo, radical e da percepção, os quais foram influenciados por
essas mudanças.

166 Aula 12 Introdução à Ciência Geográfica


Autoavaliação
Elabore um texto contando um pouco da história da Geografia moderna e em
especial do chamado movimento de renovação, posicionando-se quanto a isso.
Considere que as mudanças ocorridas nas ciências se dão, de modo geral,
paralelas às mudanças sociais, econômicas e políticas. Assim sendo, veja que
os movimentos de renovação, de maneira diferente, tentam dar respostas para as
questões colocadas pela realidade vivida pelo mundo ao final da Segunda Guerra
Mundial. A Geografia quantitativa tentou dar respostas utilizando-se de métodos
matemáticos e com isso reduziu o homem e a sociedade a números. A Geografia
crítica, ao fazer uma análise profunda das contradições da sociedade capitalista,
reduziu-a à luta de classe e ideologizou a ciência. A Geografia da percepção coloca
o indivíduo, “o ser no mundo”, no centro de sua análise.

Referências
BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

BAILLY, A.; FERRAS, R. Élements d’éspistemoligie de la géographie. Paris: Armand


Colin, 1997.

CLAVAL, Paul. Histoire de la géopgraphie. Paris: PUF, 1996.

MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.

MOREIRA, Ruy. Para onde vai o pensamento geográfico? São Paulo: Contexto, 2006.

TUAN, Yi-fi. Topofilaia. São Paulo: Difel, 1980.

Aula 12 Introdução à Ciência Geográfica 167


Anotações

168 Aula 12 Introdução à Ciência Geográfica


A institucionalização
da Geografia no Brasil

Aula

13
Apresentação

N
esta aula, trataremos da institucionalização da Geografia científica no Brasil e a sua
produção pelos institutos oficiais e universidades. Nesse sentido frisamos que antes
da década de 1930, não se pode pensar em uma Geografia científica no Brasil, pois
esta era apenas uma disciplina de ensino secundário, cujos conhecimentos interessavam a
políticos, militares e comerciantes, que procuravam tirar algum proveito destes. Não existia
uma Geografia autônoma e o conhecimento geográfico era produzido de forma dispersa e
disponibilizado em ensaios genéricos. Somente após a criação da Universidade de São Paulo
e da Universidade do Distrito Federal é que o ensino da Geografia passou a ser feito em
nível superior, desdobrando-se para a formação de pesquisadores. A criação do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também na década de 1930, impulsionará a
profissão de geógrafo e a sistematização de dados estatísticos que subsidiarão os processos
de planejamento estatal. Uma outra instituição que contribuirá de forma definitiva para a
afirmação da Geografia no Brasil é a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), fundada
em 1934, em São Paulo, que toma corpo em nível nacional e, através dos seus congressos,
serve de veículo de vulgarização da pesquisa científica em Geografia.

Objetivos
Compreender de que maneira a Geografia se institucionaliza
1 no Brasil.

Diferenciar a Geografia produzida pelos institutos oficiais


2 daquela produzida pelas universidades.

Compreender em que medida a AGB contribuiu para a afirmação


3 da Geografia científica brasileira.

Aula 13 Introdução à Ciência Geográfica 171


Contexto geral
A Geografia no Brasil se institucionaliza na década de 1930 com a criação da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP), em 1934, e com a criação
da Universidade do Distrito Federal (1935), atualmente Universidade Federal do Rio e Janeiro.

Também na década de 1930 é criado, no Rio de Janeiro, o Instituto Brasileiro de Geografia


e Estatística (IBGE), composto de três conselhos – o de Geografia, o de Cartografia e o de
Estatística. O IBGE tinha como objetivo primeiro desenvolver o conhecimento do território
nacional através da racionalização de uma política de coleta de dados estatísticos que dariam
suporte à administração pública. O IBGE, mesmo tendo contribuído para a formação de muitos
professores para as universidades, é a primeira instituição a receber profissionais geógrafos
voltados exclusivamente para a pesquisa.

Em 1934, Pierre Deffontaines funda, em São Paulo, a Associação dos Geógrafos


do Brasil (AGB). Essa associação foi fundamental para o desenvolvimento da pesquisa
geográfica no país.

Do ponto de vista teórico, a Geografia brasileira sofrerá grande influência, até a década
de 1950, do pensamento da escola Francesa de Geografia (tema a ser discutido na aula 14 –
Pierre Monbeig e a Geografia brasileira). Veja, em seguida, alguns elementos que contribuíram
para a institucionalização da Geografia no Brasil.

A ação das universidades


No dia 25 de janeiro de 1934 é expedido o decreto de fundação da Universidade de São
Paulo. A partir daquele momento, concretizava-se a idéia de uma congregação de grandes
instituições de educação de ensino superior, que já existiam em São Paulo, sob a égide de
uma unidade universitária comum. A esta congregação de unidades de diversos campos do
conhecimento foi acrescida a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da qual fazia parte o
curso de Geografia.

Para a montagem da Universidade e da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras foram


convidados vários professores franceses. Na área de Geografia, a colaboração inicial foi dada
pelo professor Pierre Deffontaines, que foi substituído em 1935 pelo professor Pierre Monbeig.
Deffontaines vai para o Rio de Janeiro também com o propósito de montar, naquela cidade,
o curso de Geografia.

172 Aula 13 Introdução à Ciência Geográfica


É a partir da criação da Universidade de São Paulo e especialmente de sua Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras, logo, seguida pela criação da Universidade do Rio de Janeiro
e pela fundação do AGB, sob a égide de Pierre Deffontaines, que se iniciou o processo de
institucionalização da Geografia científica no Brasil.

O ensino da Geografia que vai ser implementado em São Paulo é aquele da boa tradição
francesa, ou seja, um ensino vinculado à História e à Sociologia. Os dois professores franceses
convidados para implementar a Geografia no Brasil davam maior ênfase à Geografia Humana
e Regional; ao analisar as regiões, levavam em consideração os aspectos físicos, mas
sobrepunham a estes os demográficos e os econômicos. Estudos de Pierre Deffontaines sobre
o Brasil e de Pierre Monbeig, em ensaios e em teses, mostram bem a aplicação da doutrina
lablachiana. É verdade que Monbeig, certamente influenciado por sólida cultura histórica, já
na década de 1930, se preocupava com o papel desempenhado pelo capital na Geografia e já
utilizava a classe social como categoria de análise.

Dispondo de maiores recursos e imprimindo um espírito mais comprometido com o


ensino e a pesquisa, a Universidade de São Paulo (USP) desmembrou a cadeira de Geografia
em disciplinas, que foram confiadas a professores nacionais e incentivou a produção de teses
de doutoramento. A primeira tese de doutoramento em Geografia, defendida no Brasil, ocorreu
em 1944, quando a professora Maria da Conceição Vicente de Carvalho apresentou um trabalho
intitulado Santos e a Geografia Urbana do Litoral Paulista.

A USP desdobrou-se não só ampliando os seus cursos de graduação, ao formar bons


mestres para o ensino médio, como também instituindo cursos de especialização e incentivou
a criação do doutoramento.

Uma outra universidade que vai contribuir sobremaneira para a implantação da Geografia
científica em nosso país é a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, que teve também
o seu corpo docente formado por professores estrangeiros, como Pierre Deffontaines e
Francis Ruellan. O primeiro atuando na área da Geografia Humana e o segundo, na área da
Geomorfologia, desenvolvendo e publicando estudos importantes para o Brasil. Além desses
dois professores, teve a colaboração dos mestres brasileiros Victor Ribeiro Leuzinger, na área
da Geomorfologia, e Josué de Castro, na área da Geografia Humana.

A Universidade do Brasil, por ter forte ligação com o IBGE, teve grande parte dos
geógrafos recém-formados trabalhando neste instituto, o qual também recorria aos professores
da Universidade para ministrar cursos de férias para professores de vários estados. Mestres
estrangeiros que permaneceram por período relativamente longo no Brasil trabalharam
simultaneamente nas duas instituições.

Nas outras áreas do país esse movimento se dá com menos intensidade em lugares
onde já havia certa maturidade científica. Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um
pequeno grupo de geógrafos desenvolveu estudos de Geomorfologia e de Geografia Agrária,
ao mesmo tempo em que, em colaboração com o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas
Sociais, realizou estudos sobre os problemas causados pelo lançamento do vinhoto nos rios. Na

Aula 13 Introdução à Ciência Geográfica 173


Universidade Federal da Bahia (UFBA), foram desenvolvidos estudos sobre a região cacaueira
e sobre a cidade de Salvador, possibilitando, a partir de 1956, a vinda de mestres estrangeiros
como Jean Tricart e a implantação do Laboratório de Geomorfologia e Estudos Regionais; na
Universidade de Minas Gerais, com a colaboração de mestres franceses, desenvolveram-se
estudos de Geografia Humana; e na Universidade do Paraná tiveram grande importância os
estudos de Geomorfologia.

Em 1956, foi realizado o XVIII Congresso Internacional de Geografia, no Rio de Janeiro,


onde grande número de professores e alunos compareceu e teve participação definitiva
redigindo guias de excursão, apresentando teses e comunicações e participando de debates.
Pode-se afirmar que a Geografia brasileira estava madura e que se encontrava apta a participar
das grandes transformações que se processavam na sua natureza e na sua metodologia.

Entre os grandes benefícios trazidos à Geografia brasileira pelo XVII Congresso


Internacional de Geografia, podem ser salientados os vários cursos ministrados pelos grandes
mestres europeus e norte-americanos, em universidades brasileiras. O principal deles foi o
curso de Altos Estudos Geográficos, coordenado por Hilgard Sterberg, na Universidade do
Brasil, para quarenta professores assistentes de universidades brasileiras, procurando dar-lhes
uma visão geral da situação em que se encontrava a ciência geográfica.

A importância do IBGE
Esse primeiro momento de institucionalização da Geografia no Brasil, que, do ponto de
vista político, foi atravessado pela presença de Getúlio Vargas no poder, teve, na criação do
IBGE em 1937, um dos seus elementos constitutivos. A criação do IBGE foi um ato do Estado
Novo, tendo o seu Conselho Nacional de Geografia (talvez o único órgão institucional de caráter
geográfico diretamente ligado ao poder central de um Estado) logo aderido à União Geográfica
Internacional.

Ligada a um caráter pragmático de subsídio político, a produção ibegeana de Geografia,


em contraste com aquela da universidade, que acabara de ser implantada, revestiu-se de um
caráter de comprometimento com o poder, o que fez com que a distinguisse como sendo uma
“Geografia do Estado Novo”, passando posteriormente o epíteto à “oficial”.

O fato mais decisivo para que se lhe imputasse esse caráter foi aquele assumido pela
necessidade de determinar as “divisões territoriais” do país.

Não será necessário insistir muito sobre o fato de que esse período esteve intimamente
ligado à dependência externa. Embora esse caráter lhe possa ser imputado até hoje, nesse
período de implantação, contudo, ela é mais direta, tanto na universidade quanto no organismo
geográfico estatal. É uma verdadeira tutela.

174 Aula 13 Introdução à Ciência Geográfica


Numa época em que o trabalho de campo e a observação direta da natureza eram
condições essenciais à Geografia, a influência de Léo Waibel (geógrafo alemão contratado
pelo IBGE e especialista em geografia agrária) e Francis Ruellan (francês especialista em
Geomorfologia, que trabalho na Universidade do Brasil e no IBGE) foi considerável. Nesse
campo, também, a atuação dos dois foi bem distinta. Ruellan, quase um diretor de massas,
desenvolvia seu trabalho sob disciplina militar, no qual os ensinamentos eram transmitidos
hierarquicamente, através dos “chefes de grupo”. Waibel, atuando junto a uma elite, preocupava-
se com o treinamento de uma observação objetiva e profundamente atenta aos fatos do campo,
complementando-as por meio da ordenação sistemática e das discussões interpretativas muito
cuidadosas, realizadas em seminários.

Embora sob influência direta desses mestres europeus, seria injusto afastar da formação
geográfica desse período, a contribuição indireta que, dentro do panorama cultural de então,
estudiosos brasileiros ofereceram à nossa formação. Desse período, destacam-se contribuições
fundamentais, dadas em obras respeitadas (e exaltadas inclusive pelos próprios mestres
europeus), como as de Caio Prado Junior, Roberto Simonsen, Sérgio Millet, Arthur Ramos,
dentre outros.

Fundado em 1937, quando as faculdades de formação de geógrafos davam os


primeiros passos, é natural que o novo instituto absorvesse, como geógrafos,
pessoas de outras formações profissionais, mas que se interessavam pelos
estudos geográficos, sobretudo os engenheiros civis; daí a colaboração dada
por Teixeira de Freitas, Cristovam Leite de Castro e José Veríssimo. Incluiu em
seus quadros jovens diplomados em Geografia pela Universidade do Distrito
Federal, como Orlando Valverde e Eloísa de Carvalho, recebeu estudantes de
Geografia como estagiários e trouxe professores estrangeiros para ministrar
cursos e conferências e dirigir trabalhos de pesquisa de campo.

Para a formação de geógrafos no Brasil, o IBGE organizou duas publicações que


tiveram a maior importância: o Boletim Geográfico, com 259 números editados,
no período de 1943/78; [...] a Revista Brasileira de Geografia, ainda em circulação,
onde são divulgados artigos de pesquisas, informações e resenhas de obras de
interesse geográfico [...].

Com ele se criava a carreira do profissional da Geografia no país e se encaminhava


o geógrafo para os trabalhos de planejamento. Também seria local de discussão
de idéias e de métodos e ponto de apoio para os cursos de aperfeiçoamento
ministrados anualmente, durante muito tempo, aos professores de ensino médio
e superior de vários pontos do País (ANDRADE, 2006, p.140).

Aula 13 Introdução à Ciência Geográfica 175


A contribuição da AGB
Pierre Deffontaines funda em 1934 em São Paulo, mesmo ano de criação do curso
de Geografia da USP, a Associação dos Geógrafos Brasileiros. Para a fundação da AGB,
Deffontaines reúne um grupo de intelectuais que se interessava por questões geográficas,
entre estes, estavam nomes como Caio Prado Júnior, Luiz Fernando Morais Rego e Rubens
Borba de Morais.

O resultado desse primeiro encontro, realizado na Biblioteca Municipal de São Paulo,


culminou com a imediata formação de uma revista intitulada Geografia, editada em apenas 8
números, saídos entre os anos de 1935 e 1936. A revista tratou fundamentalmente de temas
paulistas. Com a transferência de Pierre Deffontaines para o Rio de Janeiro, a AGB passou a
ser dirigida por Pierre Monbeig, seu sucessor na cadeira de Geografia, e se manteve durante
cerca de dez anos como uma instituição paulista.

Nesse período, a AGB organizou grupos que participaram de congressos nacionais,


promovidos pela antiga Sociedade Brasileira de Geografia, sediada no Rio de Janeiro.

A partir de 1944, os esforços e os constantes encontros entre os geógrafos de São


Paulo e do Rio de Janeiro começam a dar à associação dimensões nacionais. A associação
era composta inicialmente por sócios efetivos, geralmente geógrafos, os quais possuíam
trabalhos publicados e que teriam influência na administração superior da associação, e sócios
colaboradores, estudantes, pessoas interessadas em Geografia e iniciantes na profissão, de
todos os estados.

Em função desses esforços, inicialmente entre São Paulo e Rio de Janeiro, a Associação
começa a promover regularmente assembléias gerais em cidades, quase sempre de pequeno
tamanho populacional, nas quais os sócios apresentavam trabalhos a serem debatidos
e publicados nos Anais, quando aprovados pelos sócios efetivos, e realizavam pesquisas
de campo, das quais eram redigidos relatórios preliminares, também a serem publicados.
A primeira reunião científica ocorreu em Lorena, São Paulo, em 1946, e a ela sucederam-
se reuniões anuais em várias cidades do Brasil até 1955. Em 1956, não houve reunião da
associação em face do XVIII Congresso Internacional de Geografia, no Rio de Janeiro.

A grande contribuição da AGB ao desenvolvimento da Geografia brasileira, no período


em estudo, decorre do fato de que ela reunia geógrafos de pontos diversos do País para
debaterem temas e questões e realizar, em conjunto, trabalhos de pesquisa de campo;
divulgava os métodos e técnicas e também os princípios dominantes nos centros mais
adiantados. Ela difundiu métodos de trabalho numa época em que não havia cursos de
pós-graduação em Geografia, contribuindo para consolidar a formação de geógrafos
mais novos ou menos experientes. Realizando reuniões em pontos diversos do território
nacional e fazendo pesquisas, a AGB deu ensejo para que se conhecessem melhor estas
áreas e os seus problemas (ANDRADE, 2006, p.146).

176 Aula 13 Introdução à Ciência Geográfica


Sobretudo, o trabalho de campo se constituía, nessas reuniões, no principal elemento
motivador e incentivador para os neófitos da Geografia.

Entre 1948 e 1955, vai existir um modo peculiar e inconfundível das reuniões da AGB. Sem
muitos participantes, trabalhava-se ativamente em equipes no campo e na cidade hospedeira,
numa verdadeira extensão do treinamento recebido dos colegas vindos de outras regiões. E o
que era mais importante – um proveitoso debate de idéias a propósito das comunicações ali
apresentadas – cultivou um espírito crítico infelizmente fadado a posterior declínio.

Atividade
De que maneira a fundação da Universidade de São Paulo (USP)
1 contribuiu para a implantação, institucionalização e consolidação da
Geografia científica no Brasil?

Trace um paralelo entre a importância do IBGE e da AGB como elementos


2 constitutivos da afirmação da Geografia científica no Brasil.

Aula 13 Introdução à Ciência Geográfica 177


Leituras complementares
ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS. Boletim paulista de geografia: seção de São
Paulo. São Paulo: AGB, n. 54, 1977.

______. Boletim paulista de geografia: seção de São Paulo. São Paulo: AGB, n. 60, 1982.

______. Boletim paulista de geografia: seção de São Paulo. São Paulo: AGB, n. 72, 1996.

MORAES, Antonio Carlos R. Notas sobre identidade nacional e institucionalização de geografia


no Brasil. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 4, n. 8, p.166-176, 1991.

Neste artigo, o autor defende a tese de que a institucionalização da Geografia no Brasil


é fruto de sua formação colonial e do capitalismo hipertardio, em que a questão do estado e
do seu território precede à formação da nação. Nesse sentido, seria necessário um discurso
geográfico de legitimação da identidade nacional.

Resumo
Esta aula trata do período de institucionalização da Geografia no Brasil. Toma
como referência a criação da USP e da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro,
como elementos fundamentais para a institucionalização e consolidação da
Geografia científica no Brasil. Toma também, como elementos complementares
desse processo, mas não menos importantes, a criação do IBGE e da AGB.

178 Aula 13 Introdução à Ciência Geográfica


Autoavaliação
Após fazer uma releitura desta aula, elabore um pequeno texto mostrando a
importância da criação das universidades para a implantação da Geografia
científica no Brasil, como a Geografia das universidades se diferenciava daquela
do IBGE e de que maneira a AGB vai contribuir para a disseminação do saber
geográfico científico no Brasil.

Referências
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia, ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.

MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. A Geografia no Brasil (1934-1977): avaliação e


tendências. São Paulo: IGEO-USP, 1980. (Série Teses e Monografias, 37).

Aula 13 Introdução à Ciência Geográfica 179


Anotações

180 Aula 13 Introdução à Ciência Geográfica


Pierre Monbeig – O nascimento
da Geografia científica no Brasil

Aula

14
Apresentação

E
m 2008, faz 74 anos de institucionalização da universidade brasileira e também da
Geografia, que teve na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de
São Paulo o seu embrião. Em seu nascedouro, a Geografia tem a tutela da universidade
francesa através de dois jovens geógrafos: Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig. Deffontaines
volta logo para a França, Monbeig permanece no Brasil durante 11 anos. É sobre esse geógrafo e
sua obra que trata esta aula, o qual, fiel discípulo da Geografia francesa, recolhe a concepção de
“paisagem” do mestre Vidal, no sentido em que a mesma reflete no espaço uma fisionomia de
algo essencialmente dinâmico e que se amplia na região, dotada de personalidade. Entretanto,
a sua análise vai mais longe ao acrescentar a esse conceito o jogo das combinações dos
diversos elementos que compõem a paisagem. Considerando a multidimensionalidade do
homem, Monbeig agrega ao seu pensamento a dimensão da cultura. Foi um geógrafo sério,
modesto, mas firme em suas convicções. Nunca se arvorou revolucionário nem criador de
“novas geografias”, entretanto, soube muito bem aproveitar o que de essencial havia sido
deixado pelos mestres do passado e, em seus trabalhos, soube introduzir novas propostas.

Objetivos
Compreender a importância da formação das
1 Universidades para a institucionalização da Geografia
brasileira.

Entender como professores estrangeiros contribuíram


2 para a afirmação da Geografia científica no Brasil.

Perceber a importância de Pierre Monbeig na formação


3 de professores e no desenvolvimento da pesquisa
geográfica nacional.

Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica 183


Notas biográficas
Pierre Monbeig nasceu no norte da França, em Marissel, em 15 de setembro de 1908,
era filho de professores. Logo cedo foi com os pais para Paris, onde passou sua infância e
juventude. Viveu na Paris da Belle Epoque e conviveu com os infortúnios da Primeira Grande
Guerra. Foi nesse período de grandes agitações políticas e de ameaças sofridas pelo seu país
que realizou seus estudos primários no Liceu Montaigne e o secundário no Luis le Grand, na
capital francesa. Viveu na margem esquerda do rio Sena, conhecendo bem os bairros de Saint
Michel e de Saint Germain, onde havia, nesse período, grande agitação intelectual e onde se
situavam as escolas e institutos de ensino superior.

Suas inquietações intelectuais desde cedo o levaram para os estudos humanísticos. Fez
seus estudos superiores na Universidade de Paris. Em 1927, com apenas 19 anos, concluiu o
curso de História e Geografia e em 1929 obteve o título de “Agregé” (título acadêmico francês
no qual se “agregam” cursos), preparando-se para a carreira de professor do ensino superior.

Entre 1929 e 1931 estudou na Escola de Autos Estudos Hispânicos, onde desenvolve
trabalho de pós-graduação, o que contribui para o seu desempenho como professor, carreira
que se inicia em 1931 no Liceu Malherbe, em Caen, na Normandia. Com a experiência adquirida
através dos estudos desenvolvidos na Espanha e com a atividade do magistério, Monbeig
qualifica-se profissional e intelectualmente. Essa qualificação lhe credencia para ser convidado
a fazer parte da missão de grandes nomes franceses que viriam para o Brasil trabalhar na recém
fundada Universidade de São Paulo-USP. Aqui, ele viveria a sua grande aventura intelectual,
pois vem para uma Universidade que foi a primeira pensada e estruturada de forma moderna
e aberta à formação profissional e intelectual das novas lideranças que surgiram no Brasil a
partir daquele momento.

184 Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica


Contexto geral de implantação da
USP e da Geografia

A Revolução de Trinta abriu perspectivas de expansão e diferenciação da


economia brasileira colocando em xeque as velhas estruturas, entre elas as do
ensino baseadas em faculdades isoladas e com preocupação apenas de formação
profissional. As reflexões científicas, o desenvolvimento da pesquisa, a procura
de novos rumos científicos e sociais vão encontrar guarita nas Universidades,
principalmente a partir das Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras.

As lideranças paulistas, sobretudo após o insucesso da Revolução de 1932,


procuraram implantar as sementes da renovação educacional, visando a uma
transformação modernizadora da mentalidade e dos objetivos das lideranças das
classes mais favorecidas. Daí a fundação da Universidade, no estado mais rico
da federação, e a contratação de professores estrangeiros para ministrarem as
disciplinas em um país que não dispunha de quadros suficientes e qualificados.

Na nova Universidade a disciplina Geografia foi inicialmente confiada a


Pierre Deffontaines, geógrafo francês que teve uma grande influência no
desenvolvimento do ensino desta disciplina no Brasil e que permaneceria apenas
um anão na Universidade, transferindo-se em seguida para o Rio de Janeiro.
Pierre Deffontaines, brilhante e comunicativo, não só exerceu influência sobre
seus alunos como também, reunindo-se a intelectuais paulistas como Caio
Prado Júnior e Rubens Borba de Morais, fundou uma Associação dos Geógrafos
Brasileiros, inicialmente paulista, por atuar apenas naquele estado.

Através de viagens, de pesquisas e de conferências Deffontaines despertou


o interesse pela geografia e preparou o terreno para o trabalho que seria
desempenhado, a partir de 1935, por seu colega e compatriota Pierre Monbeig.
Este chegou a São Paulo muito jovem, com a experiência apenas do ensino
secundário, deparando-se com a responsabilidade de substituir um mestre
bem mais experiente e dinâmico. Não desanimou e continuou o trabalho do
seu antecessor, tendo a oportunidade de contribuir para a sistematização e
consolidação da geografia brasileira, por um longo período de 11 anos, já que a
Segunda Guerra, rebentando na Europa, forçou-o a permanecer no Brasil, podendo
consolidar o curso de Geografia da Universidade de São Paulo e expandir em
dimensões nacionais a Associação dos Geógrafos Brasileiros (ANDRADE,1994).

Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica 185


A Geografia de Monbeig

A matriz regional
A Geografia regional, à qual Monbeig se vincula, nasce do quadro propiciado pelo Tableau
de la Géographie de la France (1903), de Paul Vidal de la Blache e das primeiras teses de
doutoramento (Doctorat d’Etat), orientadas por ele mesmo. Essas teses fizeram grande sucesso
entre 1919 e 1945 e correspondiam à necessidade de se dar uma dimensão concreta ao
inventário do espaço através de uma descrição minuciosa e tão exaustiva quanto possível dos
fatos observados sobre o terreno.

A Geografia regional “à francesa” retrata perfeitamente a sua época, a de uma França


majoritariamente rural e estável, onde as regiões parecem imutáveis e congeladas pelo tempo. A
primazia dada à Geografia regional faz com que outros quadros de estudo, em escalas diversas,
não sejam desenvolvidos pelos geógrafos desse período.

Considerada como uma individualidade, como uma personalidade geográfica, como


alguma coisa única, e até mesmo excepcional, a região leva a Geografia a ser vista apenas
como uma disciplina pouco preocupada em fazer generalizações e sem instrumental capaz de
agrupar as similitudes espaciais a fim de criar princípios gerais.

A França do entre-guerras é um país ainda rural: em 1931, a população rural francesa


representa 49% do conjunto da população do país e apenas 17 cidades ultrapassam os 100.000
habitantes. Com um conjunto de cidades pouco extensas e com crescimento lento, não é
espantoso que os geógrafos franceses dessa época tenham desenvolvido a Geografia rural
como especialidade dominante da Geografia francesa.

Nos anos 1920 e 30, essa Geografia é feita de maneira multidirecional: formas de
utilização do solo, habitat rural, gêneros de vida, sistemas de cultura etc. Depois, sob a
influência de historiadores como Marc Bloch, a análise da formação das paisagens agrárias
vai constituir abordagem central da Geografia rural e abrir a via de uma outra especialidade:
a Geografia histórica.

Os geógrafos franceses têm o sentimento de que dispõem de dois instrumentos com


os quais seriam capazes de tratar de todos os problemas que se pode encontrar: a análise
regional, para tomar contato com as realidades em nível mais local e mais modesto; e a análise
de situação, que permite assinalar as relações existentes entre um ponto ou uma região e os
espaços que a cercam.

É com esses instrumentos que eles exploram novos domínios: a Geografia agrária, a
Geografia urbana, a Geografia política e, em certa medida, a Geografia econômica e tropical.

186 Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica


Através da análise de situação, a consideração das dimensões sociais e políticas das
distribuições geográficas progridem, mas sem grandes rupturas. A Segunda Guerra Mundial
constitui uma ruptura essencial. As questões com as quais a sociedade francesa se depara
passam a ser as da reconstrução do país, da modernização de uma economia que se retardou
com relação às dos países vizinhos, da descolonização e dos problemas do desenvolvimento
do Terceiro Mundo.

A vinda para o Brasil


Como afirmamos anteriormente, Monbeig, por sua formação, pertence à geração do entre-
guerras. Ele vem para o Brasil com a bagagem simples que os geógrafos, naquele momento,
sabiam manejar – o trabalho de campo, a análise regional, a análise de situação – e aplica esses
conhecimentos no intuito de conhecer e estudar o Brasil. O tema de sua tese inscreve-se na
tradição regional. Ele ensina os jovens geógrafos brasileiros a fazerem pesquisa de campo e
tenta compreender o país analisando sua situação sob o tabuleiro político e econômico mundial.

Estando no Brasil, Monbeig toma consciência dos desafios que se colocam à Geografia
mais cedo do que se permanecesse na Europa. Sendo sensível à exigência de desenvolvimento
que se apresenta no Brasil do Estado Novo, ele: mensura o papel das cidades na exploração
do espaço brasileiro e é tocado pela rapidez do desenvolvimento desse espaço; percebe que o
instrumento que constitui a análise dos gêneros de vida não dá conta do essencial num país
de povoamento recente, onde a economia está em reconstrução permanente.

Antes da Segunda Guerra Mundial, o método regional quase não havia sido aplicado fora
da Europa e do mundo mediterrâneo, onde alguns geógrafos haviam produzido excelentes teses.

Por volta da Segunda Guerra Mundial, dois geógrafos franceses tentam aplicar a démarche
regional no Novo Mundo: Pierre Monbeig, no Brasil, e Jean Gottmann, nos Estados Unidos.
Virginia at mid-century é o resultado da tentativa de Gottmann, que é bastante consciente
das insuficiências dos métodos que havia aprendido na França, um meio tão industrializado,
urbanizado e com economia tão flexível quanto a do lado leste dos Estados Unidos. Ele continua,
pois, a se interessar pela abordagem regional, no sentido mais amplo do termo aplicado ao
Novo Mundo. Publica, então, em 1958, Megalopolis, que é o resultado dessa reflexão.

Pierre Monbeig se dá conta muito rapidamente da insuficiência das ferramentas de que


dispõe e toma emprestado da Geografia americana a idéia de front pioneiro, zonas de expansão
de fronteira agrícola, e constata que ela permite compreender uma parte da dinâmica brasileira,
mas que o povoamento que caracteriza o front pioneiro é geralmente apenas provisório.

Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica 187


É através da evidência do papel da rede ferroviária – a rede ferroviária que ainda não
existia, e começa efetivamente por São Paulo, no Brasil teve papel fundamental para a circulação
de pessoas e mercadorias – e das cidades de São Paulo, em particular, que Monbeig chega
a fazer sentir a especificidade desse espaço brasileiro. Ele permanece, em certo sentido, fiel
ao espírito regional, mas apelando para um arsenal de métodos que ele teve de improvisar
durante sua estada no Brasil.

Trabalho de campo e paisagem


Uma das originalidades das geografias da primeira metade do século XX é demarcada
pelo trabalho de campo.

Em uma época em que os estudos de Letras e de Ciências Sociais eram exclusivamente


livrescos, o contato com o campo dava à Geografia uma forte especificidade. O romancista
Julien Gracq, que era inicialmente – sob seu verdadeiro nome, Jean Poirier – um geógrafo,
conta com emoção suas primeiras experiências de campo, sob a batuta de Martonne, por
volta dos anos 1930.

Para geógrafos como Monbeig, o campo constituía verdadeiramente uma das


especificidades essenciais da disciplina. Poderíamos mesmo falar, em relação aos geógrafos
de sua geração, de uma verdadeira mística do campo – não existiria trabalho científico em
Geografia sem trabalho de campo. A mística do campo caminhava junto com a da unidade da
Geografia. Sobre o terreno, o que a paisagem revela é uma mistura de traços físicos, de traços
ligados à vida, à vegetação, à vida animal e, numa certa medida, aos solos e às marcas da ação
humana. O geógrafo deveria, idealmente, ser capaz de abordar todos esses aspectos.

Monbeig distingue-se dos geógrafos que trabalham então na França pela atenção que dá
ao meio como realidade viva. Ele insiste no papel da floresta e no cortejo de doenças que lhe
são associadas e sublinha, ainda, os problemas que causa o esgotamento dos solos. É um dos
primeiros a compreender que, se os geógrafos podem continuar a fazer pesquisa, ao mesmo
tempo, no domínio físico e no domínio humano, eles devem guardar presente no espírito o
papel que o meio tem na vida dos homens.

A exemplo de seus mestres e dos geógrafos de sua época, Monbeig perseguia dois
objetivos: encontrar um “terrain” e ensinar Geografia. Inicialmente, ele acreditava que o seu
“terrain” seria a Espanha, mais especificamente as ilhas Baleares, no entanto, as circunstâncias
o trouxeram ao Brasil, país que lhe abria várias possibilidades para o trabalho de campo e para
a implantação de uma Geografia “científica” numa Faculdade em processo de criação.

Não há qualquer dúvida de que esse estudioso foi formado na tradição das grandes teses
regionais da Escola Francesa de Geografia. No entanto, devemos reconhecer que sua obra
vai além da simples descrição empírica: chega a um nível explicativo geral e constantemente
enriquece a disciplina introduzindo elementos novos para a discussão geográfica, como foi o
caso, em sua tese, da pequena discussão que fez sobre a psicologia bandeirante, a qual passou

188 Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica


quase despercebida (ou foi propositadamente deixada de lado) pela banca examinadora, o que
provocou certa indignação por parte do examinado. Monbeig considera que as “atitudes do
espírito” constituem um elemento fundamental e essencial para se compreender os modos de
ocupação do espaço e, nesse sentido, devem ser objeto de pesquisa na Geografia. Para ele, os
modos de pensar e os modos de vida caminham juntos, portanto, devem ser estudados como
um par. Monbeig escapa, assim, da crítica feita à tradição das monografias regionais, acusadas
de negligenciar a interação dos elementos explicativos.

Com o passar do tempo e com a influência que sofre do “terrain” que adota para
desenvolver as suas pesquisas, a sua inserção na tradição da Escola Francesa exprime-se
não somente na importância que dá à história como elemento explicativo, mas também pela
descrição minuciosa da paisagem e dos homens, chamando a atenção, principalmente, para
o fato de que a caracterização dos tipos e personagens da sociedade local é de fundamental
importância para a análise geográfica.

Para Monbeig, “o campo de estudo do geógrafo é a paisagem”. O domínio do geógrafo


é, primeiramente, o que se pode ver na superfície da Terra: as rochas, os solos, as águas, o
relevo, os vegetais, os animais, os homens. Mas paisagem é também o que se pode sentir: a
atmosfera, os ventos, os cheiros e odores. O geógrafo é aquele que ama viajar, olhar em torno
dele mesmo, farejar odores, sentir a atmosfera; é também o homem do “corpo-a-corpo”,
sempre pronto para interrogar as pessoas e para ouvi-las.

Indiscutivelmente, a noção de paisagem comporta pontos frágeis. Costuma-se reduzir a


paisagem à análise do visível. Sabemos que algumas realidades escapam à visão, mas cabe ao
geógrafo perceber na paisagem fatos da subjetividade e da cultura, assim como as estruturas
sociais. Para Monbeig, a paisagem é o reflexo das civilizações e evolui com estas.

Como a cultura de um grupo evolui, sua paisagem também evolui: o mesmo suporte
natural viu sucederem-se paisagens diferentes, sendo cada uma reflexo da civilização
do grupo em dado momento de sua história. Assim a paisagem não é mais considerada
como produto da geologia e do clima, mas como reflexo da técnica agrícola ou industrial,
da estrutura econômica ou social [...] (MONBEIG, 1940, p. 238-239).

O entendimento do autor é de que o geógrafo deve desenvolver a visão de observador


face à paisagem. Essa observação dar-se-ia através da escolha que ele faz entre os objetos
presentes na superfície do globo. Sua atenção deve voltar-se, por exemplo, na direção daqueles
elementos que são bastante grandes para serem claramente visíveis: os movimentos do terreno,
córregos e riachos, rios etc.; ele leva em consideração as plantas – mas percebidas em seu
conjunto –, estepes, pradarias, florestas, charneca, matagal e outras formas de vegetação
silvestre. Uma grande árvore chama sua atenção apenas se estiver isolada e servir de sinal na
paisagem. O geógrafo nota as culturas, as fazendas e suas construções, as vilas e as cidades.

Como sabemos, a especificidade da Geografia é caracterizada pela tensão entre as ciências


da natureza e as ciências humanas. A Geografia que se constitui no fim do século XIX e que é
praticada durante cerca de 60 anos sob o modelo da Escola Francesa de Geografia desenvolve
uma estratégia epistemológica do misto, ou melhor, do entre-dois, da passagem, entre o
físico e o social.

Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica 189


Monbeig, sem nenhuma dúvida, entende a Geografia como essa tensão, como esse
misto entre sociedade e natureza/entre senso comum e ciência, como é possível perceber no
trecho que segue:

Ver como a paisagem é reflexo da civilização, tal é uma das principais tarefas do geógrafo;
é um trabalho de análise que ele precisa fazer para distinguir o que provém do solo,
do clima e também da técnica agrícola, da organização social. A análise da paisagem
apresenta-se como um jogo de quebra-cabeças; mas, enquanto o jogo se torna logo
fastidioso, é apaixonante o estudo da paisagem: apaixonante porque nos põe em contato
com a humilde tarefa quotidiana e milenar das sociedades humanas; ela mostra o homem
lutando sem cessar para aperfeiçoar-se (MONBEIG, 1940, p. 248).

A prática vidaliana de trabalho de campo e a incorporação em suas pesquisas mostram


muito bem como o “terrain”, em certa medida, substitui o livro, o texto e, até mesmo, o arquivo
histórico. Ele adquire um valor heurístico fundamental, visto que constitui o substrato no qual
se lê a relação homem/meio, que se torna, a partir do início do século XX, a problemática
explícita da Geografia humana francesa. Desde então, as manifestações elementares da vida,
as formas de trabalho, dos deslocamentos, do habitat, da vestimenta e, mesmo, dos lazeres
são consideradas como sinais das interações entre as sociedades locais e o meio ambiente.
São elementos do “gênero de vida”, forma particular de uma ecologia específica, que Vidal
transforma em um conceito fundamental da Geografia humana.

Geografia e cultura
A idéia de que o papel da Geografia é o de localizar, descrever e comparar é um lugar comum
da Geografia da época. Monbeig retoma isso à sua maneira e incorpora à análise os elementos
da cultura. Dessa maneira, caminha em direção à idéia de que a Geografia não estuda relações
de causalidade simples, mas recíprocas.

De maneira geral, a Geografia francesa, tal qual se desenvolveu no início do século XX,
mobilizava instrumentos que se adaptavam bem às realidades do mundo pré-industrial, mas não
eram capazes de dar conta de formas de organização do espaço que resultavam da modernidade.

Monbeig é sensível aos limites da abordagem regional e do instrumental de análise


geográfico da época, o que o leva constantemente a buscar respostas em dimensões não
consideradas pela Geografia vidaliana. Uma dessas buscas é o interesse pelas questões da cultura.

O interesse pelas dimensões culturais da realidade geográfica é tão velho quanto pela
Geografia humana. Na primeira metade do século XX, no entanto, a concepção morfológica
ou naturalista, que prevalecia na disciplina, fazia com que se retivesse da cultura apenas seus
aspectos materiais – lugares de culto, em matéria de religião, e nada de doutrinas, da fé, das
práticas etc. Monbeig, aliás, lastima o fato de não se levar em consideração todas as dimensões
da vida religiosa. É um dos aspectos pelos quais ele se mostra o mais moderno.

190 Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica


A curiosidade pelos fatos culturais não deixa de mover os trabalhos desse homem de
ciência e inquieto. Ele parece antecipar o que é idéia dominante hoje: que não há fatos ecológicos,
demográficos, sociais, econômicos, políticos que não estejam situados num certo contexto
cultural. Monbeig parece sempre querer construir uma Geografia a partir de pressupostos mais
críticos que os de seu tempo. A cena geográfica monbeigana não é concebida como sendo estática;
ele a concebe como um feito de uma pluralidade de indivíduos cujas trajetórias se inscrevem no
espaço. O que se apreende não é a paisagem, mas uma série de paisagens superpostas, uma
sucedendo à outra. Para compreender essas paisagens, essa realidade geográfica, é necessário
partir dos dados de base, que constituem os indivíduos (ou agrupamentos) e as trajetórias que
eles descrevem.

Atividade
Qual o contexto em que se desenvolve a Geografia no Brasil e qual a
1 importância de Pierre Monbeig?

Mostre de que maneira a vinda para o Brasil contribui para que Monbeig
2 mude a sua maneira de fazer Geografia.

Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica 191


Leituras complementares
AB’SÁBER, Aziz. Pierre Monbeig: a herança intelectual de um geógrafo. Estudos Avançados,
v. 8, n. 22, p. 221-232, 1994.

Neste artigo, o também geógrafo Aziz Ab’Sáber faz uma grande homenagem póstuma
ao seu mestre Monbeig, mostrando como ele era um professor diferenciado e que marcou,
além da Geografia brasileira, a memória de seus discípulos: “difícil relembrar a figura do bom,
seguro e inteligente mestre que adotou o Brasil como sua segunda pátria, até o fim de seus
dias”. Além da homenagem, Ab’Sáber faz uma retrospectiva que vai da chegada de Monbeig
ao Brasil, passando por suas atividades extraclasse, sua carreira acadêmica, o exemplo que
foi como intelectual e sua preocupação com os estudos geográficos no Brasil.

SALGUEIRO, Heliana Angotti (Org.). Pierre Monbeig e a geografia humana brasileira. Bauru:
EDUSC, 2006.

Coletânea que reúne ensaios de historiadores e geógrafos brasileiros e franceses de


renome internacional em torno da obra de Pierre Monbeig. Os autores realçam o caráter
fundador e antecipatório da obra de Monbeig que, já em sua época, colocava em evidência
complexos problemas vividos por nós até hoje. Os ensaios trazem ainda inúmeras sugestões
de pesquisas.

Resumo
A aula traz um breve histórico da trajetória pessoal e intelectual de Pierre Monbeig,
mostrando em que contexto este chega ao Brasil; a influência do pensamento
vidaliano em sua formação; e como a sua estada e contato com a Geografia de um
país em formação – o Brasil – influenciaram a sua forma de pensar.

192 Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica


Autoavaliação
Elabore um pequeno texto sobre a importância de Pierre Monbeig para a Geografia
brasileira, considerando:

a) que a Geografia no Brasil surge no contexto de implantação das universidades na década de


1930, permitindo a vinda da missão francesa para a estruturação acadêmica das mesmas;

b) que, no caso específico da Geografia, a vinda de Pierre Monbeig é um marco;

c) que é fundamental entender que esse geógrafo é filho da Escola Francesa de Geografia e traz
consigo uma bagagem intelectual calcada no pensamento de Paul Vidal de la Blache (veja as
aulas 10 – A Geografia vidaliana e o seu contexto – e 11 – A abordagem regional vidaliana),
mas que ao chegar ao Brasil percebe a insuficiência dessa abordagem e, embasado em largo
trabalho de campo, cria novos conceitos para dar conta da nova realidade.

Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Pierre Monbeig e o pensamento geográfico no Brasil. Boletim
Paulista de Geografia, n. 72, p. 63-82, 1994.

DANTAS, Aldo. Pierre Monbeig: um marco da geografia brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2005.

MONBEIG, Pierre. Ensaios de geografia humana brasileira. São Paulo: Livraria Martins, 1940.

Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica 193


Anotações

194 Aula 14 Introdução à Ciência Geográfica


Milton Santos:
o filósofo da técnica

Aula

15
É por demais sabido que a principal forma de relação entre o homem
e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio, é dada pela técnica.
As técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com
os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria
espaço. (SANTOS, 2006).

Apresentação

A
Geografia é ainda, frequentemente, considerada por muitos políticos, administradores,
especialistas de outras áreas e, infelizmente, por um grande número de geógrafos,
como uma disciplina que se preocupa apenas com localizações. Entretanto, essa
concepção da Geografia, aceita durante muito tempo, mostra-se limitante do rol de relações
que se dão entre o homem e o meio e, por essa razão, revela-se insuficiente. É, sem duvida,
Milton Santos o geógrafo brasileiro que mais vai se preocupar com essa questão e trazer
efetivamente contribuições fecundas para que isso se revertesse. Para ele, isso deveria passar
por uma questão fundamental: o objeto da Geografia – o espaço geográfico, sinônimo de
território usado. Veremos nesta aula a trajetória intelectual desse grande mestre, assim como
o seu esforço em dotar a Geografia de conceitos e categorias de análise para tirá-la da situação
de uma disciplina meramente descritiva e levá-la à condição de teoria geográfica da sociedade.
Ele o faz através da técnica, ou melhor, de uma filosofia da técnica.

Objetivos
Perceber o entrecruzamento entre a vida pessoal e
1 a formação intelectual de um pensador: Milton Santos.

Apreender a produção intelectual de Milton Santos.


2
Entender o método geográfico a partir das noções de
3 fluxo e fixo e como um sistema de objetos e de ações.

Compreender o período atual da história a partir de um


4 ponto de vista geográfico – globalização via disseminação
da técnica.

Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica 197


Notas biográficas

M
ilton Almeida dos Santos nasceu no dia três de maio de 1926 na cidade de Brotas de
Macaúbas, localizada na Chapada Diamantina, no estado da Bahia. Esta foi a primeira
paragem de seus país como professores primário da rede estadual de ensino. Em
seguida, a família Santos foi para a cidade de Ubaitaba, onde ficou por alguns anos e depois
para Alcobaça, no litoral Sul da Bahia. O pequeno Milton recebeu seus primeiros ensinamentos
com os próprios pais. Mesmo indo à escola regular, continuava estudando em casa e tendo
aulas de álgebra, francês e boas maneiras.

Em 1936, aos 10 anos, foi para Salvador como aluno interno do Instituto Baiano de
Ensino. Sua família, mesmo tendo morado sempre em cidades pequenas do interior da Bahia,
preparou-o sempre para ser um cidadão soteropolitano.

A cidade civilizada por excelência, com suas escolas universitárias de alto padrão,
onde se podia alcançar os patamares que haviam alcançado André Rebouças (1838-1898) e
Teodoro Sampaio (1855-1937), que se destacaram nacionalmente como modelos de ascensão
intelectual, valorizados pelos baianos de origem africana. Aliás, seus próprios pais e avós
haviam dado os primeiros passos nessa direção, para a qual foi destinado Milton, ainda mais
que eles.

Com aproximadamente 10 anos de idade, Milton havia recebido o ensino primário


mais completo que uma criança da época poderia ter recebido, e herdou de sua família,
principalmente de sua mãe e de sua avó paterna, a energia, a coragem e a disciplina. No
entanto, foi convencido a rejeitar a cultura afro-baiana popular, o futebol, o samba, as rodas de
capoeira e o candomblé. Afinal de contas, uma parte da pequena burguesia negra intelectual
de Salvador tinha que negar sua “inferioridade” racial e cultural, influenciada pela cultura
“superior” branca dominante, da qual era parte integrante.

Milton iniciou seu “primeiro exílio” em Salvador, já que sua família permaneceu em
Alcobaça, como aluno interno do Instituto Baiano de Ensino, aos 10 nos de idade (1936), tendo
ali residido até 1946, quando já era aluno da Faculdade de Direito. Realizou seu curso ginasial
de 1937 a 1941, o pré-jurídico de 1942 a 1943 e o curso de Direito de 1944 a 1948.

Pagava o internato onde moraria por uma década com o dinheiro que recebia lecionando
Geografia na própria escola. Milton atuou no jornalismo estudantil e foi um dos criadores da
Associação de Estudantes Secundaristas Brasileiros. Seus colegas se opuseram à candidatura
de um negro para presidente – alegaram a dificuldade para discutir com autoridades. Milton
era ótimo aluno em Matemática e queria seguir engenharia, mas acreditava-se que a Escola
Politécnica não aceitaria negros com facilidade. Como um tio seu era advogado, foi aconselhado
a estudar Direito. Formou-se na Universidade da Bahia, em 1948, mas nunca exerceu a
profissão. Dedicou-se à Geografia, que ensinava desde os quinze anos. Nessa época, também

198 Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica


foi fundamental o contato com o livro Geografia Humana, de Josué de Castro. Nesse contexto,
descobriu a Associação dos Geógrafos Brasileiros e suas reuniões científicas.

Em 1948, Milton Santos publicou seu primeiro livro: O povoamento da Bahia. Prestou
concurso público para professor secundário e foi lecionar em Ilhéus. Nesse período, conheceu
livros e revistas de Geografia, alguns da Associação Brasileira de Geógrafos (AGB), então
concentrada no eixo Rio-São Paulo. Milton resolveu participar de uma reunião da AGB, que
acontecia em Uberlândia (MG), para perplexidade dos não mais de 30 profissionais reunidos.
Nessa ocasião, conheceu Aziz Ab’Sáber, de quem se tornaria amigo. Ab’Sáber recorda-se que
Milton insistia em discussões teóricas entre determinismo e possibilismo enquanto problemas
analíticos estavam em pauta.

O interesse pela Geografia, disciplina que acabaria consagrando-o, consolida-se com a


obtenção do título de doutor pela Universidade de Estrasburgo (França) em 1958. Segundo
o próprio, foi numa poltrona do Hotel Nacional de Salvador que recebeu um conselho que
talvez tenha selado seu futuro. O amigo Aziz Ab’Sáber acreditava que, como ele próprio fizera,
Milton se dedicava demais a questões teóricas. Aconselhou-o a se ater à análise de estudo
de casos e regiões. À questão de Milton sobre que tema abordar, Ab’Sáber deu uma resposta
fundamental para a projeção do colega: por que não estudar o centro urbano de Salvador?

Junto a um grupo de universitários, Milton empreendeu a pesquisa sobre Salvador,


que redigiu e apresentou com sucesso como tese de doutorado na Universidade. De volta ao
Brasil, permaneceu na Universidade Federal da Bahia (UFBA) onde fundou o Laboratório de
Geomorfologia e Estudos Regionais.

Milton Santos combinava a seu rigor acadêmico outras virtudes, como a habilidade
política, que o levou a ocupar cargos políticos de destaque, e a produção de textos para a
imprensa, tornando-se colaborador de jornais na década de 1950 (A Tarde, de Salvador) e na
década de 1990 (Folha de São Paulo). Suas idéias contundentes despertaram os críticos. Seu
estilo causou-lhe problemas, como a prisão por três meses em 1964, durante o regime militar.
Ao sair da prisão, ganhou o mundo.

Primeiro, para a França, depois para outros países da África, da América do Norte e da
América Latina, para fazer pesquisas e ensinar. Deu aulas nas Universidades de Toulouse,
Bordeaux e Paris. Na América do Norte, lecionou nas Universidades de Toronto e de
Massachusetts e na Universidade Columbia, em Nova York. Na América Latina, passou algum
tempo no Peru, Universidade Politécnica de Lima; na Venezuela, Universidade Central de
Caracas; e na África, lecionou na Tanzânia, Universidade de Dar-es-Salaam.

Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica 199


Notas biobibliográficas
Como já vimos anteriormente, em 1964, Milton Santos vai para o exterior, seguindo
primeiro para Toulouse, na França, e dando início à sua carreira internacional. Esse período foi
excepcionalmente rico para ele, pois viveu experiências acadêmicas, em contextos bastante
diversificados. Fez contato com colegas de várias nacionalidades e participou de congressos
internacionais, o que enriqueceu o seu domínio de várias línguas. Este período lhe permite
aprofundar suas reflexões sobre os temas de seu interesse.

É também nesta época que publica na França (1975) um de seus mais importantes livros,
L’espace partagé, publicado no Brasil, em 1978, com o título de O espaço Dividido – recentemente
reeditado pela Editora da Universidade de São Paulo, EDUSP. Essa publicação foi fruto de 8 anos
de preparação, pois entre 1972 e 1973 já havia publicado artigos sobre o tema desenvolvido no
livro. O livro foi publicado depois em português e em inglês.

Esse livro é o exemplo maior e mais significativo sobre as suas formulações dos aspectos
e faces da desigualdade no Terceiro Mundo e os impactos e repercussão sobre o território. É
nele que desenvolve uma teoria sobre o espaço geográfico urbano e o subdesenvolvimento,
tendo a interdisciplinaridade como leme. A obra se divide em quatro partes. A primeira introduz
a questão dos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. O circuito
inferior: constituído de negócios de baixa intensidade de capital, pelos serviços não-modernos
e fornecidos a varejo e pelo comércio não-moderno de pequena dimensão. A segunda parte é
sobre o circuito superior: constituídos pelas atividades de grande intensidade de capital e pela
produção moderna. A terceira trata especificamente do circuito inferior. E a quarta parte é sobre
o espaço dividido, discutindo os dois tipos de industrialização e os dois subsistemas urbanos.
Sua tese é contrária ao conceito de setor informal.

200 Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica


Em 1977, edita dois números da famosa Revista americana Antipode, nesse momento
incorpora às suas análises a categoria marxista de formação social, que se desdobrará
posteriormente em formação sócio-espacial.

Volta para o Brasil e participa, em 1978, da famosa reunião da AGB em Fortaleza. Essa
reunião é considerada um divisor de águas, pois mudou os rumos da Geografia brasileira com
a ascensão da “Geografia crítica”, que punha em xeque o paradigma dominante, neopositivista.

Naquele ano de 1978, foi publicado um de seus mais importantes livros, Por uma geografia
nova, composto de 18 capítulos, divididos em três partes – também com recente reedição da
EDUSP –, que se tornou um marco na Geografia brasileira. Na primeira parte, “Critica da geografia”,
faz uma revisão crítica da Geografia clássica, da New Geography e da Geografia da percepção,
concluindo com um texto sobre a Geografia como “viúva do espaço”, metáfora que usa para indicar
o abandono do espaço pelos geógrafos dessas correntes. Na segunda parte, Geografia, sociedade,
espaço, afirma que o objeto da Geografia é o espaço social e o define. Na terceira parte, Por uma
geografia crítica, menciona as noções de universalização perversa; de totalidade; de formação
social; de espaço visto como uma acumulação desigual de tempo; e de tempo.

Em 1985, publica Espaço e método, obra eminentemente metodológica. Com nove


capítulos, esse livro aprofunda temáticas já iniciadas em 1979, com o livro Pensando o espaço
do homem, em que são tratados temas sobre: as relações técnica e espacial, as repercussões
espaciais da revolução tecnológica, o que consagraria, segundo Santos, o período denominado
de técnico-científico-informacional, conseqüência espacial do período marcado pela globalização
da produção e do consumo. O espaço é considerado um sistema de sistemas e as noções de
“estrutura, processo, forma e função” são definidas como categorias do método geográfico.

Em 1988, publica o livro Metamorfoses do espaço habitado, concebido como uma


continuação de Por uma geografia nova. O livro é composto por dez capítulos e o autor passa
a tratar, sobretudo, de questões na escala mundial, apresentando as noções de mundialização
perversa, de globalização, de paisagem como domínio do visível e de configuração territorial.

Em 1994, é publicado o livro Técnica, espaço, tempo, com cinco partes e quinze capítulos,
o livro discute, principalmente, os pares “globalização – fragmentação” e “sistemas de objetos
– sistema de ações”, além de trazer uma noção bastante interessante, aquela de “tempo lento”,
que seria o tempo dos socialmente mais fracos. O livro traz ainda duas entrevistas com o autor.

Em 1996, publica a obra que vai coroar o seu pensamento teórico, A Natureza do
Espaço: técnica, razão e emoção. Reforça nessa obra sua epistemologia do espaço e contribui
definitivamente para a teoria social. Em 1997, o texto recebe o Prêmio Jabuti, como melhor livro
do ano em ciências humanas.

Composto de quatro partes, o livro aprofunda os temas já trabalhados pelo autor. Aparecem
conceitos e categorias como tecnoesfera e psicoesfera; tempos rápidos dominantes e tempos
lentos sujeitados; redes, como produto das condições contemporâneas da técnica; ações que

Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica 201


se distinguem pela sua racionalidade e intencionalidades; zonas opacas e zonas luminosas;
horizontalidades e verticalidades etc.

A primeira parte do livro, Uma ontologia do espaço: noções fundadoras, trata de questões
referentes à natureza e ao papel das técnicas; analisa o espaço como um sistema de objetos e
de ações; discute a intencionalidade e a inseparabilidade entre ação e objeto e faz a diferenciação
entre espaço e paisagem. Na segunda parte, Produção das formas-conteúdo, discute a noção de
totalidade; a diversificação da natureza; a divisão territorial do trabalho e o tempo empiricisado
a partir da idéia de eventos. A parte três, Por uma geografia do presente, é iniciada pela análise
do sistema técnico atual seguido por uma discussão sobre: a globalização financeira; as normas;
a crise ambiental; a tecnoesfera e a psicoesfera; a geografia das redes; os tempos rápidos e
lentos; as horizontalidades e verticalidades; e, por fim, os espaços de racionalidade hegemônica.
A última parte, A força do lugar, trata das relações entre o lugar e o cotidiano e sobre a ordem
universal e local.

Em 2000, foi publicado o livro Por uma outra Globalização, em que disserta sobre os pilares
da globalização, suas conseqüências territoriais e sociais. É um livro manifesto composto de seis
partes, que começa tratando a globalização como uma fábula (fantasia), como perversidade e
indica a possibilidade de uma outra globalização. Concebe a globalização a partir das condições
da unicidade técnica atual; a perversidade da globalização é analisada a partir da maneira como
se oferta a informação e do despotismo do consumo. Milton propõe a noção de “globalitarismo”,
analisa ainda o território do dinheiro e sua fragmentação e o que chama de esquizofrenia do
espaço; os limites da globalização e a possibilidade de reversão da globalização perversa.

Em 2001, com a publicação de seu último trabalho, em conjunto com Maria Laura da
Silveira, deixa explícito o seu esforço para compreensão do território brasileiro, além de nos
brindar com um excelente guia de trabalho. Nessa publicação, busca aplicar as categorias teóricas
elaboradas em outros livros.

O livro consta de duas grandes partes. Na primeira, O território brasileiro: um esforço


de análise, discute-se o uso do território; a passagem do meio natural brasileiro para o meio
técnico-científico-informacional, as principais infra-estruturas implantadas no território
brasileiro, assim como a pesquisa e a tecnologia; a informação e o conhecimento do espaço;
a reorganização produtiva do território; a guerra dos lugares; o reordenamento em função das
grandes corporações; os fluxos aéreos, ferroviário, rodoviários e aquáticos; o sistema financeiro
e a “financeirização” da sociedade e do território e a distribuição da população. Na segunda parte,
o tema é o “território utilizado”, que inclui, além da natureza, a ação humana, e que revelaria
as ações passadas e presentes. A história do território brasileiro, analisada através de suas
diferenciações de rapidez e lentidão; de espaços luminosos e opacos; de espaços que mandam
e espaços que obedecem; do papel das cidades médias e grandes e da rede urbana; finalmente,
é proposta uma nova divisão do Brasil em quatro regiões – A região concentrada, Nordeste,
Centro-Oeste e Amazônia

202 Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica


Notas teórico-metodológicas

Sobre o método
Uma das propostas metodológicas de Milton Santos é aquela em que se privilegia os fixos
e os fluxos. Os fixos (casa, porto, armazém, plantação, fábrica) emitem fluxos ou recebem
fluxos que são os movimentos entre os fixos. As relações sociais comandam os fluxos que
precisam dos fixos para se realizar. Os fixos são modificados pelos fluxos, mas os fluxos
também se modificam ao encontro dos fixos. Então, ao considerarmos que o espaço é formado
de fixos e de fluxos, esse seria um princípio fundamental do método para analisar o espaço e
podemos acoplar a essa idéia a idéia de tempo. Os fluxos não têm a mesma rapidez, a mesma
velocidade. As coisas que fluem e que são materiais (produtos, mercadorias, mensagens
materializadas) e não materiais (idéias, ordens, mensagens não materiais) não têm a mesma
velocidade. A velocidade de uma carta não é a de um telegrama, de um sedex, de um e-mail. Os
homens não percorrem as distâncias no mesmo tempo, há alguns que percorrem uma distância
x ou y em tempo muitas vezes maior devido à falta de meios para fazê-lo diferentemente.
Perceba que isso também constrói diferenças entre eles.

Um método é um conjunto de proposições – coerentes entre si – que um autor ou um


conjunto de autores apresenta para o estudo de uma realidade, ou de um aspecto da realidade.

Nenhum método é eterno. Modifiquei o meu próprio várias vezes, em função da minha
experiência e da dos outros, mas sobretudo em função de como o mundo se apresenta,
já que não posso inventar o mundo: invento uma forma de interpretação, pois o mundo
existe independentemente de mim. Eu vejo o mundo constituído de fixos e de fluxos,
por uma paisagem e relações sociais; como um conjunto de lugares onde o acontecer
simultâneo dos diversos agentes supõe o uso diferenciado do tempo. O meu papel como
geógrafo é de entender como as relações e os objetos se mantêm em processo interativo.
Essa interação tem como uma das condições o tempo. O tempo é a base indispensável
para o entendimento do espaço. Se as ações sobre um conjunto de objetos se dessem
segundo tempos iguais, não haveria história; o mundo seria imóvel. Mas o mundo
é móvel, em transformação permanente – formando uma totalidade em processo de
mudança para surgir amanhã como nova totalidade (SANTOS, 1994, p.166).

Sobre o tempo
Para Milton Santos, na Geografia, a questão do tempo pode ser trabalhada ao menos
segundo dois eixos – um é o eixo das sucessões e o outro é o eixo das coexistências. O que
isso quer dizer exatamente? Com relação ao eixo das sucessões, consideremos inicialmente
que o tempo flui e, por conseguinte, um fenômeno vem depois de outro. Assim, há uma
sucessão de fenômenos ao longo do tempo. As coisas se dão em uma seqüência. Esta é uma

Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica 203


das dimensões com que podemos trabalhar em Geografia e que nos levaria à idéia de uma
seqüência no acontecer, ou seja, uma ordem temporal. A cada momento, estabelecem-se
relações sociais que caracterizam e distinguem tempos diferentes, permitindo falar de hoje e
de ontem. Esse seria o eixo das sucessões.

O outro eixo seria aquele das coexistências, da simultaneidade. Imagine que em um


lugar, em uma área, o tempo das diversas ações e dos diversos agentes, a maneira como
utilizamos o tempo não é a mesma. Os respectivos fenômenos não são apenas sucessivos,
mas concomitantes, no viver de cada hora. Para os diversos agentes, as temporalidades variam,
mas se dão de modo simultâneo. Assim, um geógrafo deve considerar a simultaneidade das
temporalidades diversas.

Pensamos que a simultaneidade dos diversos tempos sobre um pedaço da crosta da


Terra é que seja o domínio propriamente dito da Geografia. Poderíamos mesmo dizer
com certa ênfase, talvez com algum exagero, que o tempo como sucessão é abstrato e
o tempo como simultaneidade é o tempo concreto, já que é o tempo da vida de todos. O
casamento entre tempo e o espaço se dá porque há, sempre, homens usando o tempo
e o espaço. Da mesma forma que não se entende o espaço sem o homem, a noção de
tempo também não existe sem o homem. Se as duas noções se casam, e aparecem
juntas e indissolúveis, é porque o homem vive no universo (SANTOS, 1994, p.163-164).

Sobre globalização
A globalização, segundo concepção de Milton, poderia ser entendida como o período
histórico no qual a ciência, a técnica e a informação comandam a produção e o uso dos objetos,
ao mesmo tempo em que impregna as ações e determinam as normas. Como evidências
dessas transformações atuais, temos o progresso das telecomunicações e dos transportes,
a agricultura moderna desenvolvida em áreas antes periféricas, as novas áreas industriais, o
papel das finanças, a informação que se irradia no território, os novos consumos (incluindo a
educação, a saúde, as viagens, a política), as regulações públicas e privadas e tantos outros
trações definidores da época atual. E uma das principais manifestações, dessa nossa época é,
sem dúvida, a descoberta de novas velocidades, de uma aceleração antes nunca vista, o que
concede às coisas e às pessoas grande fluidez.

204 Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica


Sobre geografia, filosofia e técnica

É difícil falarmos de nós mesmos, mas pouco a pouco já vinha se dando,


na minha obra, uma separação das prisões do empírico e a busca de uma
construção mais filosófica. Quando escrevi Por uma geografia nova, vivia fora
do país há muito tempo e a partir de certo momento não conhecia mais o Brasil,
porque o país mudou muito depois de 64, tanto em termos de materialidade como
de relações sociais. Então, a filosofia era o único refúgio para mim, a única forma
de continuar vivendo. O Brasil se distanciava e havia a incapacidade de apreender
intelectualmente os outros países onde trabalhei e sobre os quais escrevi muito
pouco. Escrevi um pouco mais sobre a Tanzânia, sobre a África Ocidental, porque
era uma história capitalista menos complexa e com as similaridades dadas pela
condição de Terceiro Mundo, questão que era central na minha base teórica. Isso
me levou a Por uma geografia nova, que era expressão de uma linha de duplo
combate: em relação aos meus colegas do Norte e em relação ao Brasil, onde eu
estava pisando de volta.

Aí eu passei quinze anos trabalhando na preparação desse outro livro,


A natureza do espaço, no qual queria mostrar que a geografia também é uma
filosofia. Eu tinha uma inconformidade com a minha disciplina e com o que
havia escrito antes sobre ela. Empreendi então a fundamentação da idéia de
que a geografia é uma filosofia das técnicas. E como tal, ela somente podia se
tornar teórica com a globalização, porque antes não havia técnicas planetárias e
a universalidade dos filósofos não havia se tornado empírica. Acho que a minha
pequena contribuição à filosofia é a idéia de universalidade empírica, que só
podia brotar da cabeça de um geógrafo, vendo como os lugares se tornaram
parecidos, na sua enorme diferenciação, com a globalização. Mas o que eles têm
de parecido não são só os vidros fumês das grandes cidades. Essa psicosfera tem
uma base técnica, a produção, as condições de vida das pessoas. Eu tive essa
idéia da geografia como filosofia das técnicas há 35 anos. Mas esta elaboração
só podia se tornar concreta e sistematizada num livro com a globalização. Aí é
visível a inseparabilidade do individual e do universal, através do lugar e do mundo
(SANTOS, 1999, p.5-6).

Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica 205


Atividade
Leia o texto a seguir:

Geografia

Nesta passagem de século, as realidades geográficas também se renovam, contribuindo


paralelamente para a emergência de novos conceitos. Vamos tratar aqui, todavia, apenas de
três noções: o meio técnico-científico-informacional, as redes e a cidade global [...].

O meio resulta de uma adaptação sucessiva da face da Terra às necessidades dos


homens [...].

A globalização leva à afirmação de um novo meio geográfico cuja produção é deliberada e


que é tanto mais produtivo quanto maior o seu conteúdo em ciência, tecnologia e informação.
Esse meio técnico-científico-informacional dá-se em muitos lugares de forma extensa e contínua
(Europa, Estados Unidos, Japão, parte da América Latina), enquanto em outros (África, Ásia,
parte da América Latina) apenas pode se manifestar como manchas ou pontos. Cria-se, desse
modo, uma oposição entre espaços adaptados às exigências das ações econômicas, políticas
e culturais características da globalização e outras áreas não dotadas dessas virtualidades,
formando o que, imaginativamente, podemos chamar de espaços luminosos e espaços opacos.
No caso do Brasil, o velho contraste entre país costeiro e país interior e a mais recente oposição
entre centro e periferia cedem lugar a uma nova oposição entre, de um lado, esse meio técnico-
científico-informacional, espaço do artifício, formado, sobretudo, pelo sul e pelo sudeste, e,
de outro lado, o resto do território nacional [...].

As redes são realidades concretas, formadas de pontos interligados que, praticamente,


se espalham por todo o planeta, ainda que com densidade desigual, segundo os continentes
e países [...].

As redes são a condição da globalização e a quintessência do meio técnico-científico-


informacional [...].

O processo atual de modernização leva a que todos os lugares se globalizem, graças à


difusão generalizada das técnicas e da informação. Criam-se, assim, lugares globais simples e
lugares globais complexos. Estes são, geralmente, as metrópoles, em que um grande número
de variáveis típicas de nossa época se combinam [...].

Desse modo, pode-se considerar que cidades globais são aquelas que dispõem dos
instrumentos de comando da economia e da sociedade em escala mundial, seja na condição
de pólo, seja na condição de relé da influência das grandes metrópoles globais. Mas o exercício
da ação hegemônica sobre a face da Terra não é um dado exclusivo das metrópoles de primeira
ordem; sem as outras cidades, a economia global não se realiza (SANTOS, 2002, p.81-83).

206 Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica


Elabore um texto sobre seu estado, tomando por base a leitura que você acaba de
1 fazer. Considere pontos como: de que maneira o seu estado se insere no processo
de globalização; que pontos poderemos considerar como sendo luminosos e
quais seriam opacos; qual o papel das cidades, qual ou quais têm instrumentos de
comando; qual o papel das redes etc.

Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica 207


Leitura complementar
Como você deve ter percebido, no item “Notas biobibliográficas” desta aula, encontram-se
comentadas as principais obras de Milton Santos. Acreditamos que se trata de um mini-guia
para quem desejar se aprofundar no pensamento de Milton Santos.

SOUZA, Maira Adélia A. de. Território Brasileiro: usos e abusos. Campinas: Edições
Territoriais, 2003.

Livro que resultou do I Encontro com o Pensamento de Milton Santos, realizado em


Campinas em junho de 2002. Nele, estão reunidos 36 textos divididos em seis partes – 1.
Reconhecendo o território: monitoramento, regulação e fluidez; 2. Lugar, lugaridades, paisagem
e construção do futuro do mundo; 3. As novas dinâmicas metropolitanas corporativas e
fragmentadas; 4. Os usos do território brasileiro e a dinâmica dos sub-espaços; 5. Território e
sociedade: conhecendo o Brasil do presente; 6. A Geografia renovada e os jovens geógrafos de
campinas: a melhor homenagem a Milton Santos. Todos os textos trazem como base reflexiva
pesquisas iniciadas por Milton Santos e têm como objetivo contribuir para o conhecimento
geográfico do Brasil.

Resumo
A aula aborda a trajetória pessoal e intelectual do mais reconhecido geógrafo
brasileiro: Milton Santos. Faz-se primeiramente uma abordagem biográfica do
autor e em seguida discute-se a sua produção intelectual e as suas formulações
teórico-metodológicas.

208 Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica


Autoavaliação
Após elaborar o texto, em resposta à atividade proposta, verifique se ele contém os
seguintes aspectos: a relação entre fixos e fluxos, que elementos você considerou
como fixo e em que medida eles emitem fluxos, ou seja, qual o movimento entre
os fixos; que temporalidades você percebeu ao analisar o seu estado, onde você
percebe os tempos lentos e os tempos rápidos; que lugares você considerou
luminosos e quais os opacos; que lugares mais recebem a influência dos agentes
hegemônicos globais; que lugares se globalizam através da difusão das técnicas
e da informação, a partir disto que lugares são simples e quais os complexos;
que usos são dados para o território.

Referências
BRANDÃO, Maria A. Milton Santos e o Brasil. São Paulo: Editora da Fundação Perseu
Abramo, 2004.

SANTOS, Milton. Técnica espaço tempo. São Paulo: HUCITEC, 1994.

SANTOS, Milton. Entrevista. Revista Teoria & Debate, fev./abr. 1999.

SANTOS, Milton. Território e Sociedade: entrevista com Milton Santos. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2000a.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
Rio de Janeiro: RECORD, 2000b.

SANTOS, Milton. O país distorcido. São Paulo: PUBLIFOLHA, 2002.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP, 2008.

Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica 209


Anotações

210 Aula 15 Introdução à Ciência Geográfica


Esta edição foi produzida em mês de 2012 no Rio Grande do Norte, pela Secretaria de
Educação a Distância da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (SEDIS/UFRN).
Utilizando-se Helvetica Lt Std Condensed para corpo do texto e Helvetica Lt Std Condensed
Black títulos e subtítulos sobre papel offset 90 g/m2.

Impresso na nome da gráfica

Foram impressos 1.000 exemplares desta edição.

SEDIS Secretaria de Educação a Distância – UFRN | Campus Universitário


Praça Cívica | Natal/RN | CEP 59.078-970 | sedis@sedis.ufrn.br | www.sedis.ufrn.br

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