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Aldo Dantas
Tásia Hortêncio de Lima Medeiros
Introdução à Ciência Geográfica
Aldo Dantas
Tásia Hortêncio de Lima Medeiros
Geografia
Vice-Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia
Ministro da Educação
Fernando Haddad
Vice-Reitora
Maria de Fátima Freire Melo Ximenes
FICHA TÉCNICA
Dantas, Aldo.
Introdução a Ciência Geográfica / Aldo Dantas e Tásia Hortêncio. – 2. ed. – Natal: EDUFRN, 2011.
ISBN 978-85-7273-874-3
CDU 91
D192i
© Copyright 2005. Todos os direitos reservados a Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – EDUFRN.
Nenhuma parte deste material pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização expressa do Ministério da Educacão – MEC
Sumário
Apresentação Institucional 5
A
Secretaria de Educação a Distância – SEDIS da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN, desde 2005, vem atuando como fomentadora, no âmbito local, das
Políticas Nacionais de Educação a Distância em parceira com a Secretaria de Educação
a Distância – SEED, o Ministério da Educação – MEC e a Universidade Aberta do Brasil –
UAB/CAPES. Duas linhas de atuação têm caracterizado o esforço em EaD desta instituição: a
primeira está voltada para a Formação Continuada de Professores do Ensino Básico, sendo
implementados cursos de licenciatura e pós-graduação lato e stricto sensu; a segunda volta-se
para a Formação de Gestores Públicos, através da oferta de bacharelados e especializações
em Administração Pública e Administração Pública Municipal.
Para dar suporte à oferta dos cursos de EaD, a Sedis tem disponibilizado um conjunto de
meios didáticos e pedagógicos, dentre os quais se destacam os materiais impressos que são
elaborados por disciplinas, utilizando linguagem e projeto gráfico para atender às necessidades
de um aluno que aprende a distância. O conteúdo é elaborado por profissionais qualificados e
que têm experiência relevante na área, com o apoio de uma equipe multidisciplinar. O material
impresso é a referência primária para o aluno, sendo indicadas outras mídias, como videoaulas,
livros, textos, filmes, videoconferências, materiais digitais e interativos e webconferências, que
possibilitam ampliar os conteúdos e a interação entre os sujeitos do processo de aprendizagem.
Assim, a UFRN através da SEDIS se integra o grupo de instituições que assumiram o
desafio de contribuir com a formação desse “capital” humano e incorporou a EaD como moda-
lidade capaz de superar as barreiras espaciais e políticas que tornaram cada vez mais seleto o
acesso à graduação e à pós-graduação no Brasil. No Rio Grande do Norte, a UFRN está presente
em polos presenciais de apoio localizados nas mais diferentes regiões, ofertando cursos de
graduação, aperfeiçoamento, especialização e mestrado, interiorizando e tornando o Ensino
Superior uma realidade que contribui para diminuir as diferenças regionais e o conhecimento
uma possibilidade concreta para o desenvolvimento local.
Nesse sentido, este material que você recebe é resultado de um investimento intelectual
e econômico assumido por diversas instituições que se comprometeram com a Educação e
com a reversão da seletividade do espaço quanto ao acesso e ao consumo do saber E REFLE-
TE O COMPROMISSO DA SEDIS/UFRN COM A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA como modalidade
estratégica para a melhoria dos indicadores educacionais no RN e no Brasil.
5
O saber geográfico
Aula
1
Apresentação
N
esta primeira aula da disciplina Introdução à Ciência Geográfica, vamos aprender o
que se entende por saber geográfico. Nesse sentido, estudaremos: como esse saber é
essencial para os homens; de que maneira os conhecimentos geográficos servem para
ordenar a superfície da Terra, gerir, explorar, organizar e substituir uma primeira natureza, que
chamamos “intocada”, por uma natureza segunda, entendida como a natureza transformada
pelo homem; e como a Geografia e os saberes geográficos ajudam a compreender as relações
humanas e as inter-relações do homem e do seu entorno, fazendo brotar, na superfície, os
meios humanos, as paisagens, as regiões, os territórios.
Objetivos
Compreender como o saber geográfico se relaciona à
1 aventura humana na Terra.
Você sabia que a geografia tem a idade da humanidade? Caso tenha respondido
positivamente, você deve ter entendido que ela é, como todo saber, a expressão de uma
curiosidade e a resposta a essa curiosidade. Habitante da superfície da Terra, o homem tem,
desde o início dos tempos, procurado saber onde se encontra, conhecer o que existe além
do lugar onde mora, inventariar cada elemento da extensão terrestre, identificar e nomear os
lugares, descrever e conferir representações.
Figura 2 – (a) Cópia de mapas gregos antigos representando o continente Antártico sem gelo; (b) Mapa de
Buache desenhado em 1737
O homem jamais se contentou em apenas observar a Terra. Por meio de uma constante
interação com o meio, ele tem deixado as suas marcas: tira da Terra os elementos essenciais
à sua vida. Com essa intervenção, as sociedades humanas “desnaturam” a superfície da Terra,
o que implica sua transformação.
Com este nosso papo, você já deve estar imaginando que o homem é um agente
geográfico quando ele descobre novos lugares, drena, cultiva, constrói, substitui o meio natural
por um meio artificial, ou melhor, por um meio “humano”.
Depois de ter “escutado”, atentamente, o que disse o professor Milton Santos, você
deve estar percebendo que o saber geográfico está relacionado à análise da paisagem, à
compreensão de seus significados e de seus valores.
Veja que o saber geográfico nasce da forma de olhar que os homens constroem sobre seu
meio, das questões que eles se colocam sobre o sentido de sua presença nesse meio, sobre
as influências que eles sofrem do meio e sobre os efeitos de suas intervenções.
A partir dessa breve exposição, você deve ter percebido que o saber geográfico surge da
curiosidade humana e das interrogações que os homens se colocam diante das possibilidades
e das limitações de suas ações frente às condições do meio; e que suas ações implicam marcas
e um perpétuo conflito entre a realização de suas necessidades e o meio.
Posições e contornos
Os homens desenvolveram esforços consideráveis para poder se situar e ter uma idéia
da forma, dos contornos e da articulação entre os continentes. De diversas maneiras, o
homem enfrentou as difíceis etapas do reconhecimento da Terra; os navegadores foram os
principais descobridores dos limites das terras e dos litorais. Sobre seus barcos, guiados
pelo fio condutor das costas, impulsionados pelos ventos e pelas correntes, esses homens
empreenderam viagens e expedições em direção a terras míticas, imaginárias ou reais. Eles
desenharam os contornos das costas; depois, com seus barcos mediram as distâncias,
a duração das navegações, identifi caram as posições topográfi cas. Deram às terras
descobertas milhares de nomes.
É fundamentar chamar sua atenção para o fato de que o inventário dos lugares
comporta um outro aspecto essencial: aquele de sua denominação. A toponímia é uma etapa
indispensável do conhecimento da superfície da Terra. A Terra torna-se Terra dos homens
quando deixa de ser anônima e é nomeada por eles. Todo lugar nomeado pelo homem torna-se
significativo no sentido forte do termo. Batizar o terreno e cobri-lo de uma camada de nomes
transforma o conhecimento dos lugares em saber coletivo. Desde o instante em que os lugares
têm um nome, eles são integrados a uma grade social de localização. Seu conhecimento
geográfico deixa de ser fechado no círculo estreito das pequenas comunidades e se socializa
para além do local.
A gente ouve falar de vilarejos, de cidades, de montanhas, de reinos que jamais vimos e
que não veremos nunca. A existência, além do que é pessoalmente conhecido, de uma esfera
muito mais ampla e que existe apenas como um universo de palavras tem efeitos múltiplos: ela
suscita, para alguns, uma fascinação por aqueles lugares dos quais ouviram falar; ela alimenta
sua imaginação; ela faz nascer uma necessidade de evasão.
A camada de nomes que constitui a toponímia alarga a esfera dos deslocamentos e das
trocas para além do que foi percorrido pelo indivíduo.
Localização e distribuição
Você já deve estar sabendo que o saber geográfico se particulariza por sua primazia com
os dados de localização. É importante salientar que, além de coletados através de critérios
rigorosos, é necessário que eles sejam cartografados.
O que o geógrafo procura ver na paisagem não é a simples localização deste ou daquele
objeto geográfico particular (fazenda, cidade, capela e outros), mas a distribuição de todos os
objetos de uma mesma espécie (as casas, as cidades, as vilas, a vegetação, as florestas) e as
diversas fisionomias de conjunto que revelam o meio.
O saber geográfico
como totalizador da superfície terrestre
Por sua vez, no século XIX, o nível de descrição da superfície da Terra já permitia uma
visualização de sua totalidade. Além das descrições de lugares particulares, de inventários
sobre as diversas partes da Terra, o saber geográfico segue na direção de compreender os
conjuntos de elementos naturais e humanos e a solidariedade entre seus componentes, numa
dimensão totalizante.
Agora, atenção, pessoal! Chegou o momento mais esperado da nossa aula. Vem aí...
Livro destinado ao ensino superior de Geografia, analisa a evolução dessa ciência desde
a Antiguidade. Para esta aula, merece destaque o capítulo 1.
Escrito por um geógrafo, este livro discute a formação das sociedades e mostra como
cada uma concebeu a natureza à sua maneira. Percorre a história das relações entre o homem
e o meio.
Livro fundamental para qualquer estudante das ciências humanas e sociais e especialmente
para aqueles que estudam a Geografia. Neste livro, o professor Paul Claval discute como nasce
a Geografia Cultural, de que maneira a cultura oferece aos homens os meios de apropriação
dos ambientes e de como estes imprimem aí suas características sociais e culturais. Merece
destaque para nossa aula o capítulo 8 denominado “Orientar-se e reconhecer-se. Marcar, recortar,
institucionalizar e apropriar-se do espaço”. A partir da denominação do capítulo, você já deve ter
percebido o porquê de sua importância para esta aula.
CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1991.
Este livro é uma coletânea de textos do professor Ruy Moreira, escritos em diferentes
tempos, mas que têm uma coerência interna. Trata de questões da história, da epistemologia e da
ontologia da Geografia. Merece destaque, para o nosso estudo, o texto “A sociedade e suas formas
de espaço no tempo”, dedicado ao esclarecimento de como as formas espaciais se distinguem
no tempo e de que maneiras os seus elementos se articulam e se solidarizam.
Autoavaliação
Identifique no seu município ou na sua comunidade uma história, um fato marcante
1 (pessoal ou coletivo), que poderíamos considerar um fato decorrente da curiosidade
e da aventura do homem e que tenha trazido conseqüências para a geografia do
lugar. Tome como exemplo um assentamento rural, que, a depender de sua história,
é uma aventura e um desejo coletivo que deixa marcas e impressões nos lugares. A
construção de Brasília também mostra como a aventura coletiva e pessoal podem
marcar uma nação inteira.
KAERCHER, Nestor André. A geografia é o nosso dia-a-dia. In: CASTROGIOVANNI, Antonio Carlos
(Org.). Geografia em sala de aula. Porto Alegre: Editora da Universidade/AGB, 1998.
Anotações
Aula
2
Apresentação
Nesta segunda aula da disciplina, pretendemos fazer um aprofundamento das questões
discutidas na aula 1 (O saber geográfico). Tomaremos como ponto fundamental o elemento
ação humana (atividades humanas) e suas relações com a produção do espaço geográfico.
Como você viu na aula passada, as necessidades dos homens criam espacialidades diversas.
Nesta aula, vamos ver como as cinco ações básicas para o desenvolvimento das atividades
humanas são importantes na produção do espaço geográfico e como elas se manifestam.
Objetivos
Compreender a relação de interdependência entre as
1 atividades humanas e o espaço geográfico.
1) tomada de posse de uma extensão do terreno. Ato que pode ser de cunho individual, mas
que se exprime em relação aos outros, e, nesse sentido, é um ato social. É, também, um
ato coletivo, de um grupo, de uma comunidade, de um povo. A apropriação cria malhas
no espaço sob diversas formas (do simples parcelamento do solo aos Estados) e limites
(divisão de parcelas, limites de propriedades, marcos, fronteiras). Se é verdade que a
apropriação é um elemento fundador da Geografia e contribui para o ‘ser’ e para existência
do individual e da coletividade, também é verdade que ela é a principal fonte de conflitos
entre os grupos humanos;
Atividade 1
Se você compreendeu bem os sentidos da apropriação, escreva, a partir do
fragmento da música a seguir, um pequeno texto mostrando relações de
apropriação (individual, coletiva, criação de malhas e limites, afeição, conflito
etc.) existentes no seu município.
A cerca
(Samuel Rosa, Chico Amaral e F. Furtado).
Atividade 2
Atividade 3
Descreva um conjunto de habitações e suas inter-relações que demonstre a idéia
de habitar em sentido amplo, ou seja, do habitat.
Atividade 4
Vá a um supermercado, loja, mercearia, padaria etc., selecione 10 produtos
diferentes, identifique a origem de sua produção e tente seguir o caminho
percorrido pelos mesmos. Procure produtos de origem local, regional, nacional
e, se possível, internacional.
Atividade 5
Livro fundamental para qualquer estudante das ciências humanas e sociais e especialmente
para aqueles que estudam Geografia. Neste livro, o professor Paul Claval discute como nasce
a geografia cultural, de que maneira a cultura oferece aos homens os meios de apropriação
dos ambientes e de como estes imprimem suas características sociais e culturais. Merece
destaque para nossa aula o capítulo 8, denominado Orientar-se e reconhecer-se. Marcar, recortar,
institucionalizar e apropriar-se do espaço. A partir da denominação do capítulo, você já deve ter
percebido o porquê da sua importância para esta aula.
LEFF, Enrique. Habitat/habitar. In: LEFF, Enrique. Saber ambiental. São Paulo: Vozes, 2002.
Neste texto, Leff levanta uma ótima discussão sobre “o sentido do habitat como suporte
ecológico e do habitar como forma de inscrição da cultura no espaço geográfico”.
Este livro é uma coletânea de textos do professor Ruy Moreira escritos em diferentes
tempos, mas com uma coerência interna. Trata de questões da história, da epistemologia e da
ontologia da Geografia. Merece destaque, para o momento, o texto A sociedade e suas formas
de espaço no tempo, dedicado ao esclarecimento de como as formas espaciais se distinguem
no tempo e de que maneiras os seus elementos se articulam e se solidarizam.
SANTOS, Milton; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. São
Paulo: Record, 2001.
Autoavaliação
Escreva um pequeno texto sobre seu município ou região mostrando: a) as
diferentes formas de apropriação (individual e coletiva), suas implicações na
especialização da produção e na geração de conflitos; b) a relação entre técnica
e ação humana, observe que as técnicas não são da mesma geração, existem
produções artesanais e produções com alta tecnologia; c) a diferença entre habitar
e habitat; d) a relação entre troca e especialização dos lugares; e) a existência de
diferentes formas de governar, organizar instituições e gerir conflitos.
Referências
BRUNET, Roger. Le déchiffrement du monde. Paris: Belin, 2001.
PINCHEMEL, Philippe; PINCHEMEL, Geneviève. La face de la Terre. Paris: Armand Colin, 1988.
ROSA, Samuel; AMARAL, Chico; FURTADO, F. A cerca. Intérprete: Skank. In: SKANK. Calango.
Rio de Janeiro: Sony Music, 1994.
SANTOS, Milton; SILVEIRA, M. L. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. São
Paulo: Record, 2001.
Aula
3
Apresentação
Como você aprendeu na aula 1 (O saber geográfico) e 2 (A ação humana), o conhecimento
geográfico está fundado na relação homem/natureza (notadamente a biosfera), na ação humana
e na maneira como estão distribuídos os fenômenos físicos e humanos na superfície da Terra.
Nesta aula, você irá estudar como se deu a evolução desse conhecimento na antigüidade,
principalmente a influência dos gregos e romanos na construção das idéias geográficas.
Objetivos
Compreender a evolução do pensamento geográfico
1 na Antiguidade.
P
ara darmos início ao conteúdo desta aula, poderíamos, antes, nos fazer a seguinte
indagação: qual é a questão específica que se coloca para a Geografia? Entre tantas
possibilidades de respostas, poderíamos responder da seguinte maneira: a questão
específica da Geografia é entender por que e como as distribuições espaciais estão estruturadas
Estruturas da maneira que estão. Lembramos a você que as distribuições espaciais são estruturadas
Estruturas são formas, a partir das ações humanas individuais e coletivas sobre a extensão terrestre. Para melhor
materiais e imateriais, compreensão retome a aula 2 desta disciplina.
de organização social
(habitações, edificações, Se hoje é relativamente fácil compreender que a distribuição das estruturas estão
cidades, redes rodoviárias,
relacionadas às ações e que elas dependem de nossa capacidade de percepção, representação
portos, aeroportos,
caminhos, formas de e orientação, nem sempre foi assim.
governo, leis, religiões,
cultura etc). Elas são
distribuídas de maneira Quando começam as indagações geográficas?
irregular, no entanto,
compõem um sistema Os primeiros indícios de uma preocupação com a distribuição dos fenômenos surgiram
de organização espacial desde os primórdios da humanidade. Nesse período, o homem pouco modificava a natureza,
que a Geografia tenta
entender em suas
uma vez que estava muito subordinado às condições naturais o que, provavelmente, lhe
causas e conseqüências. impunha uma condição de nômade. Essa condição se exprime no constante deslocamento
Lembramos ainda à procura de meios de subsistência ou em atividades guerreiras e condiciona a uma
que a Geografia se
preocupa também
necessidade de conservar informações sobre os caminhos percorridos e as suas direções.
com a irregularidade Dessa maneira, surgem os primeiros esboços representando a superfície da Terra, isto é,
da distribuição dos os primeiros mapas. Você pode confirmar essa informação perguntando a qualquer pessoa,
fenômenos físicos e
relaciona-os às estruturas
mesmo aquelas que não sabem ler, qual o melhor caminho para ir a um lugar. Ela será capaz
sociais. de fazer um esboço, mostrando o caminho a seguir, os fatos mais importantes que existem
ao longo do percurso e os principais obstáculos. Há mesmo quem diga que fazer mapas é
uma aptidão inata do ser humano.
Desde a Antiguidade, a cartografia tem grande importância. O mapa mais antigo de que
se tem notícia data de 2500 a.C. e é uma representação de um rio, provavelmente o Eufrates,
com uma montanha de cada lado desaguando por um delta de três braços.
Nesse período, a concepção existente era de uma Terra plana, com a forma de um disco e
constituída por uma massa flutuante na água, com a abóbada celeste por cima (veja os mapas
das aulas de Leitura Cartográfica e Interpretação).
O périplo mais antigo data do século VII a.C. e foi feito por marinheiros fenícios a serviço
do faraó egípcio.
O primeiro mapa grego de que se tem notícia foi elaborado por Anaximandro de Mileto
(650-615 a.C.), que viajou e escreveu relatos das suas viagens. Discípulo de Tales de Mileto, é
provável que Anaximandro de Mileto tenha sido o inventor do gnómon, instrumento que serve
para medir a altura do Sol.
O segundo mapa da Antiguidade foi elaborado por Hecateu de Mileto (560-480 a.C.).
Viajou por toda parte do mundo conhecido, escreveu a Descrição da Terra, obra ilustrada por
um mapa onde a Terra é representada por um disco com água em sua volta.
Outros documentos importantes dessa época são os poemas épicos Ilíada e Odisséia,
de Homero, conhecidos e apreciados por seu valor literário e pelas informações geográficas
contidas na descrição dos lugares distantes e das longas viagens marítimas.
Ptolomeu (90 – 168 d.C.) – É o último grande geógrafo da antiguidade, foi também
astrônomo e matemático. Interessou-se pelas técnicas de projeção cartográfica e
elaboração de mapas. Em sua obra Geographia, de 8 volumes, traz os princípios de
construção de globos e projeções de mapas, indica os princípios da Geografia, Matemática
e da cartografia, além de organizar um grande vocabulário com todos os nomes de 8000
lugares que conhecia, localizando-os por meio da latitude e da longitude.
Resumo
A pergunta, qual é a questão específica que se coloca para a geografia?
Acompanhada de uma resposta, coloca os elementos fundamentais desta
aula: distribuição e estruturação espacial e a forma como gregos e romanos
sistematizaram esta questão dando origem a uma geografia geral e regional.
Até recentemente, a superfície da Terra era utilizada segundo a divisão criada pela
natureza ou pela história, chamadas regiões, e que, de um modo geral, constituíam
a base da vida econômica, cultural e, não raro, política.
Anotações
Aula
4
Apresentação
N
a aula 1 (O saber geográfico), você observou a diferença existente entre o
conhecimento geral e o geográfico. Agora, você verá como esses conhecimentos e,
em particular, o geográfico, recrudescem no início da Idade Média. A partir desse
período, a influência do Cristianismo passa a ocorrer, também, no cerne do conhecimento e
as respostas para as indagações do homem passam a ser pautadas nos conhecimentos da
Bíblia e no desenvolvimento do conhecimento humano, como o incremento de tecnologias
que viabilizassem os empreendimentos da Igreja Católica – as cruzadas, por exemplo. Verá
ainda que a influência dos árabes é grande nesse período e que ela foi fundamental para o
desenvolvimento geográfico dessa época.
Objetivos
Compreender a evolução do pensamento geográfico na
1 Idade Média.
As invasões bárbaras vão provocar uma situação de guerra generalizada em boa parte
do espaço europeu ocupado pelo Império Romano. Tal situação irá provocar na Europa
conseqüências importantes que levaram ao isolacionismo espacial das sociedades e à
instauração do sistema feudal, conforme você pode perceber na passagem a seguir.
A Europa que daí surge está dividida em uma série de pequenas áreas politicamente
diferenciadas, deixando de existir uma política uniforme sobre todo o território.
Vale destacar que nesse período ocorre certo imobilismo populacional e uma diminuição
dos eventos das viagens e, com isso, um maior desconhecimento do mundo real. Esses fatores
aliados ao poder da Igreja provocam a diminuição da busca de respostas nas ciências. “Era
natural que em um período de lutas constantes houvesse grande dificuldade de comunicação
e uma queda no ritmo do comércio e nas preocupações filosóficas e, consequentemente, um
retrocesso do conhecimento na Europa Ocidental”. (ANDRADE, 2006, p. 46).
c) O que ocorre na Idade Média, como nas demais épocas, é a influência do mundo, da
maneira como se pensa em um determinado momento e o seu reflexo sobre a ciência.
Você consegue fazer um paralelo entre a influência da religião naquela época e a forma
como alguns de nós interpretamos o fenômeno do aquecimento global hoje?
A expansão Árabe-Muçulmana
A civilização Árabe-Muçulmana emerge depois da queda de Roma e se baseia na nova
e vigorosa religião do Islã. Surgida no século VII, seu fundador foi Maomé (570-632), um
próspero mercador da cidade de Meca.
Maomé acreditava ter visto o anjo Gabriel que lhe ordenou “recitar em nome do Senhor”.
Tomado por essa visão, Maomé se considera o escolhido e se transforma em profeta.
Nesse período, a maioria do povo árabe acreditava em deuses tribais, entretanto, nos
grandes centros, a maioria da população já havia tomado conhecimento do Judaísmo e do
Cristianismo, o que facilitou a aceitação de um Deus único anunciado por Maomé.
Os padrões islâmicos de moralidade e as normas que regulam a vida cotidiana são fixados
pelo Alcorão, que os muçulmanos acreditam conter a palavra de Alá, revelada a Maomé. Para
eles, o Islã é o aperfeiçoamento do Judaísmo e do Cristianismo e reconhecem Jesus como
um grande profeta, mas não divino.
Entre os séculos VIII e IX, a civilização muçulmana conhece o seu apogeu. Enquanto o
conhecimento estava em baixa na Europa ocidental, os muçulmanos desenvolviam grandes
conhecimentos embasados nas realizações dos gregos antigos através da tradução de obras
gregas para o árabe.
Com as suas conquistas, o império árabe estende-se desde a Espanha até a Índia e foi
unificado, principalmente, pela fé. Por volta do século XI, começam a perder seu domínio.
O Império Muçulmano dominava uma área muito vasta, desde o Afeganistão até
o Atlântico, com excepção da Itália, França, Turquia e Bálcãs. Devido a problemas
de ordem militar e administrativa (tal como nos Impérios Grego e Romano),
surgiu a necessidade de conhecer o mundo. Ao mesmo tempo surgia também
a necessidade religiosa de viajar, na medida em que todo mulçumano tem de ir
a Meca, pelo menos uma vez na vida. Assim, as viagens e o comércio sofreram
um novo impulso. A geografia verificou um novo avanço. Entre os viajantes
árabes destacam-se Al-Biruni, Al-Idrisi (1099-1164) e Ibn Battuta, que escreveram
extensos e valiosos relatos sobre as regiões por onde viajavam. Idrisi, ao serviço
do rei da Sicília, desenvolveu a escola de Palermo e pode elaborar o mapa árabe
mais completo que se conhece.
BRAGA, Marco; GUERRA, Andréia; REIS, José, C. Breve história da ciência moderna. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2003. v 1 – 2003; v 2 – 2004; v 3 - 2005.
Coleção prevista para cinco volumes, tendo sido publicados apenas três, trata do
conhecimento científico dos últimos tempos mostrando como este é parte da cultura humana.
Este livro traz uma visão geral do surgimento e evolução do pensamento humano, desde
os primeiros tempos até os dias atuais.
Resumo
Esta aula discute a influência das mudanças ocorridas na passagem da
Antiguidade para o medievo e suas repercussões no conhecimento geográfico,
assim como a influencia árabe no desenvolvimento da Geografia desse período.
Desafio
Assista aos filmes O Nome da Rosa, Marco Pólo e As montanhas da lua. Faça,
em seguida, um comentário geral confrontando os três filmes. Perceba que o
primeiro irá mostrar como a Igreja Católica se comportava frente ao conhecimento
e como este deveria, na concepção da Igreja, subordinar-se aos seus interesses.
No segundo, você verá que mesmo na Idade Média, com o sistema feudal, e
sob forte influência da Igreja Católica, o pensamento ocidental sofrerá influência
de árabes e de chineses. No terceiro, fica patente um outro momento histórico,
no qual a expansão colonial do Estado moderno é uma realidade e a busca por
novos territórios e mercados é o elemento dominante; perceba também como o
conhecimento geográfico é fundamental.
Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.
AS MONTANHAS da lua. Direção de Bob Rafelson. [S. l.]: Tel Vídeo/20.20 Vision, 1990.
O NOME da rosa. Direção de Jean-Jacques Annaud. São Paulo: Warner Bros, 1986.
Aula
5
Apresentação
Nesta aula, veremos as mudanças ocorridas no período de transição entre a Idade
Média e os Tempos Modernos, destacando os acontecimentos que deram origem à chamada
Renascença e ao Iluminismo e a forma como essas mudanças influenciaram e demandaram
uma nova ordem espacial.
Objetivos
Compreender a importância da Renascença e do Iluminismo para
1 os tempos modernos.
O
Renascimento Renascimento foi um dos mais importantes momentos de inflexão (mudança de
direção) da história do ocidente e significa uma ruptura entre o mundo medieval,
Segundo o dicionário
Michaelis, o Renascimento caracterizado como uma sociedade agrária, estamental, teocrática e fundiária,
pode ser definido como e o mundo moderno, caracterizado pela urbanização, pelo modo burguês de pensar e,
o movimento literário,
principalmente, por se caracterizar como uma sociedade de trocas.
cientifico e artístico
surgido na Itália, no
O Renascimento vai do século XV ao XVII. Neste momento ocorrem significativas
século XV, e difundindo-se
pelos outros países da mudanças. Na Europa, estas mudanças estão na origem do que viria a ser o mundo
Europa, no século XVI; sua contemporâneo.
característica principal foi
a imitação dos modelos da Como vimos na aula anterior, a Europa, da Idade Média, é uma sociedade relativamente
civilização grega e latina.
estável e fechada. Mas, esse período inicia grande processo de abertura e expansão comercial
e marítima.
A identidade das pessoas, de forte vinculação com o clã (tribo constituída de varias
famílias subordinadas a um chefe hereditário) com a propriedade fundiária, passa a ter como
referência o nacionalismo e o cultivo da própria individualidade.
Note que nesse processo de transição do medieval para a modernidade o mundo vai
tornando-se cada vez mais laico e independente da tutela da religião e o homem vai sendo
levado a pensar e analisar a realidade que o cerca em toda a sua objetividade e não como
resultado da vontade divina.
Perceba que neste momento aparecem novas instituições políticas e sociais – nações,
estados, novas legislações, novas classes sociais, exércitos etc. – o que implica também
numa nova maneira de pensar a vida social, a história e a geografia.
Atividade 1
Como você já conhece boa parte dos elementos que constituem o saber
geográfico, faça uma pequena lista destacando os elementos que surgem e são
importantes no Renascimento e escreva um pequeno texto mostrando como se
desenvolve o saber nesse período e como ele é importante para a sociedade que
a partir daí emana.
O desenvolvimento científico
Essas novas condições fizeram do comércio a principal atividade motora da sociedade
que daí emergia. Para esse fim, organizavam-se viagens internacionais e faziam-se guerras nas
quais eram disputadas as melhores rotas comerciais, as fontes de produtos e matérias-primas
e a clientela. As grandes navegações ocorreram nesse cenário.
Esse quadro passa a exigir dos produtores uma outra racionalidade e, principalmente,
planejamento. Além disso, a intensificação e ampliação dos mercados requerem um
desenvolvimento tecnológico que acompanhe os novos ritmos da produção em larga escala
para um mercado que já se reveste de tendências mundiais.
Perceba que nesse caso estão dadas as condições para o desenvolvimento tecnológico
voltado para a invenção e produção de máquinas que potencializasse a produção e o barateamento
dos produtos. Isso provoca um verdadeiro corre-corre por engenhos tecnológicos.
Veja a seguir o que o historiador Marvin Perry nos diz sobre esse período.
Leituras complementares
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.
Ótimo livro sobre o desenvolvimento das idéias que influenciaram o ocidente. Nos
capítulos V e VI, A Visão de Mundo Moderna e A Transformação da Era Moderna, o autor
mostra como a visão de mundo moderna é produto de uma convergência de eventos, idéias
e personalidades.
Autoavaliação
Releia a aula e as respostas que você elaborou para as atividades, em seguida,
elabore um texto mostrando a importância dos movimentos renascentista e
iluminista para o desenvolvimento do pensamento moderno e também como
a transição do feudalismo para o capitalismo implicou mudanças na estrutura
social e espacial.
Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.
TARNAS, Richard. A epopéia do pensamento ocidental. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
Aula
6
Apresentação
N
esta aula, tentaremos mostrar para você como as formas espaciais dão suporte às
práticas sociais e como essas práticas não se realizam sem as formas espaciais.
Mostraremos isso, notadamente, no período chamado moderno e que você conheceu
de forma sucinta na aula anterior. Sendo assim, retomar a aula 5 (Os tempos modernos), a
aula 1 (O saber geográfico) e a aula 2 (A ação humana) será procedimento obrigatório.
Caso ainda não tenha ficado claro, o intuito do nosso curso é mostrar para você que
existe uma dimensão espacial-geográfica das práticas sociais e que estas não se realizam sem
aquelas. Essas práticas espaciais (sociais) são a construção geográfica de uma sociedade, que
se reflete na paisagem e na configuração territorial. Lembre-se de que na aula 5 falamos de
grandes transformações sociais, políticas, culturais que ocorreram num processo histórico.
Nesta aula, mostraremos, mais claramente, as implicações espaciais dessas transformações
que correspondem à passagem da Idade Média para a Idade Moderna.
Objetivos
Compreender a relação entre produção social e
1 produção material.
Podemos dizer que, para existir concretamente, o ser humano tem, necessariamente,
que estabelecer relações com o seu entorno, com a natureza. Tal relação é seminal (está para
a Geografia como o pecado original está para a fé cristã) e o fundamento mesmo do espaço.
É possível desagregar essa relação em dois níveis: as relações com o mundo físico e
biológico, que são relações técnicas e as relações com os outros seres humanos, que são
relações sociais.
As relações do ser humano com o mundo físico e biológico estão no cerne dos estudos da
Geografia, ou seja, ela estuda a relação do homem com a natureza, e tais relações dão origem
ao que chamamos de espaço geográfico.
Como as relações entre homem e natureza não se dão de forma direta e sim mediada pelo
trabalho e por relações técnico-sociais, o espaço é, necessariamente, técnico-social, veremos
isso mais amiúde na aula 15 (Milton Santos: o filósofo da técnica).
É por demais sabido que a principal forma de relação entre o homem e a natureza, ou
melhor, entre o homem e o meio, é dada pela técnica. As técnicas são um conjunto de
meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao
mesmo tempo, cria espaço (SANTOS, 2006, p.29).
Através dos processos produtivos, o ser humano estabelece relações técnicas tanto com
a natureza orgânica quanto com a natureza inorgânica, com o propósito de gerar produtos úteis
a suas necessidades. Essa informação está dita de outra forma no texto a seguir.
Você deve ter apreendido da leitura do texto anterior que existe uma relação de implicação
entre a sociedade e a natureza, essa relação modifica-se segundo o nível de desenvolvimento
da técnica, dos conhecimentos tecnológicos e científicos e da amplitude da utilização do
entorno. Preste atenção também na afirmação presente no texto de que a reprodução da vida
social depende das formas de da produção material e que estas formas variam na história.
Se tomarmos essa reprodução material em sentido amplo, ou seja, como todas as formas
materiais existentes (estradas, portos, aeroportos, plantações, objetos eletro-técnicos, casas,
indústrias, igrejas, cidades, Estados, fronteiras etc.), podemos afirmar que a vida social se
reproduz geográfica e historicamente. É sobre isso que queremos que você reflita a partir das
atividades que se seguem.
O texto que você vai ler é parte de uma análise que o geógrafo americano David Harvey
faz do famoso texto de Marx e Engles “Manifesto do Partido Comunista”. A idéia de Harvey
é fazer uma análise considerando os aspectos geográficos, de certa forma, negligenciado
pelos autores.
Com esses recursos geográficos, a burguesia sobrepujou, solapou por fora e subverteu
por dentro os poderes feudais restritos a territórios. Também por meio deles a
burguesia transformou o Estado (com suas forças militar, organizacional e fiscal) no
executor de suas próprias ambições. E, uma vez no poder, continuou a realizar sua
missão revolucionária, em parte via transformações geográficas internas e externas.
Internamente, as criações de grandes cidades e as rápidas urbanizações fazem que as
cidades governem o campo (ao tempo em que resgatam da “estupidez” da vida rural e
reduzem o campesinato a uma classe subalterna). A urbanização concentra no espaço
as forças produtivas e a força de trabalho, transformando populações dispersas e
Atividade 1
Retome da aula 2 as noções de apropriação, exploração e troca e tenha
1 também em mente a noção de dominação (um dos domínios da ação do
homem), relacione tais noções com os aspectos geográficos expostos
no texto e diga de que maneira eles nos ajudam a entender o processo
de produção sócio-espacial.
Atividade 2
Identifique elementos comuns de complementaridade entre o texto de
1 Harvey e os fragmentos de Moreira.
Autor marxista, Harvey faz neste livro um balanço das possibilidades da análise geográfica
para a atualidade e destaca a necessidade de um novo tipo de pensamento utópico, que
denomina de “utopismo dialético”. Para as questões tratadas nesta aula recomendamos a
leitura do capítulo 2, A geografia do Manifesto, no qual o autor fará uma discussão, muito
interessante, sobre os tempos modernos e o seu “ajuste espacial”, tomando como parâmetro
as análises de Marx e Engles (do Manifesto) e mostrando em que medida essas análises nos
ajudam a pensar geograficamente.
Livro que traz vários textos do autor publicados em diversas revistas e escritos em
momentos distintos. Excelente livro de introdução a questões de história e epistemologia da
Geografia. Para o assunto tratado nesta aula, recomendamos a leitura do texto A sociedade e
suas formas de espaço no tempo.
Resumo
Nesta aula, vimos a necessária relação entre produção da vida social e produção
material da vida, destacando-se o período da modernidade e suas implicações
nas transformações espaciais.
Desafio
Retome os textos que você elaborou em resposta às atividades 1 e 2. Retome
também as noções dos cinco domínios da ação humana (aula 2). Elabore um texto
de uma lauda, considerando os seguintes elementos: o caráter social do espaço
geográfico decorre do fato de que os homens têm fome, sede e frio, necessidades
de ordem física decorrentes de pertencer ao reino animal e que esse animal,
para satisfazer suas necessidades, transforma a natureza através do trabalho
e da técnica mediadas por relações sociais que assumem formas diversas no
tempo histórico e que o período moderno é singular do ponto de vista de uma
ruptura com a Idade Média; as transformações da modernidade influenciaram
nas transformações materiais e deram origem a uma nova configuração espacial
com base em elementos nunca existentes (objetos técnicos, grandes cidades,
ferrovias, Estado-nação etc.).
Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.
PAULO NETTO, José; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica. São Paulo:
Cortez, 2007.
Aula
7
Apresentação
A Geografia moderna surge na Alemanha, a então Prússia, no século XIX, marcada pelas
particularidades desse país. Mostrar isso é um dos intuitos desta aula. Mostraremos também
que o contexto cultural, político e filosófico devem estar relacionadas quando se trata de
entender o desenvolvimento de qualquer ciência.
Objetivos
Compreender como as transformações ocorridas
1 na modernidade influenciaram o processo de
desenvolvimento das ciências em geral e da Geografia
em particular.
Veja no box a seguir o que nos diz Antônio Carlos Robert de Moraes, em seu famoso
Geografia – Pequena História Crítica, sobre esse período do pensamento geográfico.
Essas condições históricas a que nos referimos dizem respeito ao processo de transição
do Feudalismo para o Capitalismo, assunto já visto nas aulas 5 (Os tempos modernos) e 6
(Espaço e modernidade)
O conhecimento do planeta
O conhecimento efetivo da extensão real da Terra é um pressuposto fundamental
para a emergência da Geografia moderna e as condições materiais para a realização de tal
conhecimento encontram-se na expansão européia que se concretiza através das grandes
navegações e descobertas e na constituição de um espaço mundial de relações.
Se você retomar a leitura da aula 2 (A ação humana), verá que esse processo se baseia,
pelo menos, em dois elementos fundantes da Geografia: apropriação e exploração.
O acúmulo de informações
Como vimos, os grandes descobrimentos dão origem a um conhecimento cada vez
mais apurado da realidade do planeta, fator primordial para o surgimento de uma Geografia
moderna. Junto a esse conhecimento, faz-se necessária a sistematização de informações
sobre os diferentes pontos da Terra, ou seja, sobre os diferentes territórios que vão sendo
incorporados às relações mercantis.
A cartografia
O avanço e aprimoramento da cartografia (instrumento por excelência geográfico)
se constituem efetivamente num outro pressuposto da Geografia moderna. Esse avanço
na linguagem cartográfica é uma demanda primária e uma exigência prática para o pleno
desenvolvimento das relações comerciais que requer o estabelecimento preciso de rotas de
navegação, assim como a localização exata dos lugares e portos.
Assim, dos relatos ocasionais e intuitivos dos exploradores e aventureiros passa-se, com
a evolução da própria empresa colonial, às descrições ordenadas e imbuídas do espírito
objetivo das ciências modernas nascentes. Pode-se dizer que tal situação, plenamente
alcançada no século XVIII, é já o anteato imediato do processo de sistematização da
Geografia (MORAES, 2002, p.19)
Você deve estar se lembrando da aula 5, na qual falamos sobre a ordem feudal e sua
interpretação teológica do mundo. Essa ordem tinha como base de legitimação e interpretação
dos fenômenos a teleologia divina. Para se contrapor a essa visão, as idéias nascentes vão se
firmar sobre uma concepção racionalista do mundo na qual a valorização e as possibilidades
da razão humanas são privilegiadas em detrimento das explicações divinas. Os últimos anos
do século XVIII e os primeiros do século XIX marcam de modo especial esse embate.
Essas mudanças que começam já no século XV-XVI vão se consolidar com o projeto
científico levado a cabo no século XIX. Esse projeto tem como pontos de apoio fundamentais
a razão e uma fé generalizada no progresso.
Surge também nesse período, que começa com o Iluminismo, uma discussão
fundamental para a Geografia moderna: as relações entre a sociedade e o meio. Montesquieu
(1689-1755), por exemplo, em O espírito das leis, dedica um capítulo ao estudo das relações
natureza-sociedade. Rousseau (1712-1778) dizia, por outro lado, que seis meses passados
num lugar o instruía mais que cem livros.
Como você deve estar percebendo, a maior parte dos temas colocados pelo processo
de sistematização da Geografia constitui dificuldades vividas pela sociedade alemã ainda não
unificada. A Geografia nasce nesse contexto específico da Alemanha para dar respostas a
duas questões fundamentais: resolver uma questão territorial premente para a constituição
de um Estado Nacional e a conquista de um lugar de destaque para a Alemanha no cenário
apresentado pela realidade européia do século XIX.
Atividade
Leia os fragmentos a seguir e leia também, de Antônio Carlos Robert de Moraes, os
capítulos 3 e 4 do livro Geografia: pequena história crítica.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.
Leitura obrigatória para quem estuda Geografia. É uma síntese dos fundamentos e da
história do pensamento geográfico moderno. Para esta aula, veja especialmente os capítulos
3 e 4.
MORAES, Antônio Carlos Robert. A gênese da geografia moderna. São Paulo: ANNABLUME/
HUCITEC, 2002.
Se você quiser aprofundar os seus estudos sobre este período de desenvolvimento e gênese
da Geografia moderna, essa obra trata especificamente do processo de institucionalização e
gênese da Geografia moderna, analisando o contexto histórico específico da Alemanha e a
sistematização dessa ciência, que ocorre através das elaborações de Alexandre von Humboldt
e Karl Ritter.
Resumo
Esta aula mostra a relação entre o desenvolvimento da ciência geográfica e o das
condições materiais da vida social dentro do contexto histórico da modernidade.
Analisa os pressupostos para a sistematização da Geografia e a especificidade da
Alemanha no século XIX, país que primeiro fará a sistematização do conhecimento
geográfico, dando-lhe estatuto científico e institucional.
Referências
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia: ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.
MORAES, Antonio Carlos Robert. A gênese da geografia moderna. São Paulo: ANNABLUME/
HUCITEC, 2002.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.
Aula
8
Apresentação
N
o período que analisaremos nesta aula, você verá que a Geografia vai deixando de ser
apenas uma obra de erudição a serviço de outras ciências, no papel de auxiliar; que
ela deixa de ser um amontoado de conhecimentos, uma enumeração mais ou menos
ordenada de nomes de rios, montanhas ou cidades; e que deixa também de ser um agregado
de nomes e de números. Você verá ainda que a Geografia se beneficia dos acontecimentos
gerais e do desenvolvimento de outras ciências.
Objetivos
Compreender como o panorama de ampliação do
1 horizonte geográfico contribuiu para o alargamento das
ciências em geral e da Geografia em particular.
A navegação à vela aperfeiçoa-se. As caravelas dão lugar a navios mais longos, mais largos
e mais pesados, chamados galeotas. Os navios aumentam a sua capacidade de tonelagem e
de calado (distância vertical entre a superfície da água e a parte mais baixa do navio naquele
ponto). São navios que andam mais rápido e bem armados, e que vão munidos de aparelhos
de bordo que permitem uma navegação mais segura pela determinação exata, não apenas em
termos de latitudes, mas das longitudes.
Com essas medições, os erros das cartas vão sendo paulatinamente eliminados, dando
uma precisão cada vez maior à cartografia, que culmina com a publicação em 1780 do Atlas
Universal de Bourguignon d’Anville, no qual foram suprimidas indicações errôneas e as
deformações de representação que existiam desde Ptolomeu.
O avanço para o interior dos continentes e a ocupação colonial que daí resultam vão
colocar “frente a frente” povos, costumes, histórias e sociedades diferentes. O europeu
explorador deparar-se-á com novos climas, novas paisagens, novos gêneros de vida.
A Revolução Industrial, que começa a partir do fim do século XVIII, promove também uma
revolução nas técnicas de produção, nas formas de transformação da natureza, demandando
progressivamente matérias-primas e mercado.
Movida pelos avanços de outras ciências, a Geografia deixa de ser obra de erudição, deixa
de ser um conjunto de conhecimentos práticos, uma enumeração mais ou menos ordenada
de montanhas, rios ou cidades. Deixa der ser um agregado de nomes e números. À Geografia
cabe não apenas descrever, mas também explicar.
Datam também do final do século XVIII e início do XIX os primeiros censos, o que vai
incrementar os dados de outros fenômenos que já vinham sendo levantados. O interesse
em cartografar os fenômenos aumenta e, assim, surgem os primeiros mapas temáticos, em
que são representadas as distribuições de populações, os climas, a vegetação, o relevo, a
hidrografia etc.
Como já vimos, o século XIX é o século das grandes explorações ao interior dos
continentes e, ligadas a estas, surgem as sociedades de Geografia que vão organizar expedições,
conferências, exposições, elaborar mapas, instalar estações meteorológicas e editar revistas.
Humboldt (1769-1859)
Humboldt é considerado, juntamente com Ritter, o pai da Geografia moderna. Nascido
em 1769, pertencia a uma família aristocrática prussiana. Seu pai preocupou-se desde cedo
em dar uma esmerada educação aos filhos através de preceptores. Alexandre de Humboldt
recebeu precocemente uma boa formação em Economia Política, Matemática, Ciências
Naturais, Botânica, Física e Mineralogia.
Viaja para a Venezuela, onde sobe o rio Orenoco até o Cassiquiare que faz parte da
bacia do rio Negro, afluente do Amazonas. A etapa seguinte leva-o através da Colômbia até
o Equador e ao Peru. Esse deslocamento lhe dá a oportunidade de escalar alguns dos picos
mais altos dos Andes e de medir as suas altitudes. Através desse procedimento, observa
a variação do clima com a altitude, tendo introduzido a terminologia de quente, temperado
e frio, ainda hoje utilizada. Segue para o México e depois para Cuba. Volta à Europa após
passar pelos Estados Unidos. Essa viagem durou quatro anos e com ela recolhe uma riqueza
tão grande de dados que sua publicação leva vários anos.
Os trabalhos que decorrem de suas viagens estão voltados para a explicação daquilo
que diferencia as diversas áreas do globo, tentando encontrar as relações que se estabelecem
entre os diversos fenômenos da superfície da Terra, de modo a produzir espaços com
características diferentes. Ou seja, interessou-se pela diferenciação espacial e considerou a
paisagem resultante da interação de vários fenômenos.
Comparou as formações vegetais de regiões diversas entre si, como foi o caso da
América Latina e da Sibéria.
Tentou encontrar semelhanças entre as culturas dos povos asiáticos e dos índios
americanos. Das suas investigações feitas em escalas diferentes (mundial, continental ou
regional) resultou uma sistematização do conhecimento geográfico. Assim, com Humboldt,
a Geografia passa a ser uma ciência sistemática. Os fenômenos poderiam ser estudados
tanto no nível mundial quanto no regional. A utilização de comparações universais foi talvez
a sua contribuição mais importante. Ele comparava sistematicamente as paisagens das áreas
que estudava com outras partes da Terra. O seu método era empírico e indutivo. Partia dos
casos particulares para os gerais, tentando obter uma lei geral, válida também para os casos
não observados.
Humboldt igualmente sabe fazer uso dos dados estatísticos, que as administrações
coloniais acumulavam, para tratar das realidades humanas da América hispânica. Em um
de seus livros (Ensaio político sobre o reino de Nova Espanha, 1811), analisa a situação
calamitosa da escravidão em Cuba.
Para Humboldt a explicação dos fenômenos deve partir do meio, mas devemos ter
sempre em mente que este reflete realidades em outras escalas: outra marca de Humboldt.
Ritter (1779-1859)
Ritter nasce dez anos depois de Humboldt e morre no mesmo ano em que este; teve
uma vida pouco movimentada. Enquanto Humboldt foi um grande viajante, Ritter foi um
homem que se dedicou mais à reflexão, ao magistério e ao intuito explícito de sistematização
da Geografia. Sua obra é explicitamente metodológica, vemos isso, por exemplo, no título
de seu livro mais importante: Geografia comparada.
Com Ritter, a Geografia deixa de ser uma modesta descrição da Terra e torna-se
indispensável para quem quer compreender a cena mundial, a dinâmica das civilizações e a
maneira através da qual os povos exploram o seu ambiente.
O problema essencial estudado por Ritter é o das relações, das conexões que se
estabeleciam entre os fatos físicos e humanos. Para ele, a Terra e seus habitantes
desenvolvem mútuas e estreitas relações onde um elemento não pode ser considerado em
sua plenitude sem que se considerem tais relações. Nesse sentido, a História e a Geografia
devem estar sempre juntas.
Atividade
Leia o texto seguinte e responda à questão proposta.
Ritter é mais importante pela ambição que confere à Geografia do que pelos
resultados que traz: desse ponto de vista, a sua influência é complementar à
de Humboldt. A obra dos grandes pioneiros alemães da Geografia moderna
envelheceu, mas é graças a eles que a disciplina afirma a sua ambição explicativa:
deixa de ser simplesmente a descrição da diversidade terrestre. A partir daí vai
permitir que se compreendam as relações entre a natureza e o progresso humano.
É também graças a Ritter e Humboldt que os geógrafos aprendem, nas suas
explicações, a trabalhar de forma sistemática com a dialética das escalas, ou seja,
passam a inserir os fenômenos que condicionam o espaço em extensões mais
vastas ou menos restritas que o fenômeno específico que está interpretando.
Dessa maneira, conseguem vislumbrar como as forças gerais ou locais se
combinam para explicar a distribuição que analisam (CLAVAL, 1995).
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.
Leitura obrigatória para quem estuda Geografia. É uma síntese dos fundamentos e da
história do pensamento geográfico moderno. Para esta aula, veja especialmente os capítulos
03 e 04.
MORAES, Antonio Carlos Robert. A gênese da geografia moderna. São Paulo: ANNABLUME/
HUCITEC, 2002.
Resumo
Esta aula mostra a partir de que elementos Humboldt e Ritter partem para se tornar
os primeiros sistematizadores da Geografia moderna. Mostra também que existe
uma íntima relação entre o desenvolvimento da ciência geográfica e a expansão
colonial de desenvolvimento do Capitalismo, assim como o desenvolvimento da
vida material e aquele das idéias.
Referências
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia, ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.
Aula
9
Apresentação
F
riedrich Ratzel (1844-1904) e sua obra foram de fundamental importância para o processo
de sistematização da Geografia moderna. Foi de sua autoria uma das pioneiras formulações
de um estudo geográfico especificamente dedicado à discussão dos problemas humanos,
o qual denominou de antropogeografia. Seu projeto teórico, com forte caráter interdisciplinar,
teve a preocupação central de entender: a difusão e distribuição dos povos sobre a superfície da
Terra; as diversas formas de circulação de pessoas e bens materiais; a influência das condições
naturais sobre o comportamento humano; as formações territoriais e, intimamente vinculada a
estas, a dimensão política da relação homem-natureza.
Objetivos
Entender em que contexto histórico se desenvolve o
1 pensamento ratzeliano.
A
pós o falecimento, em 1859, dos dois principais pioneiros da Geografia moderna,
Ritter e Humboldt, o desenvolvimento dos estudos geográficos acelerou-se, uma vez
que esses dois estudiosos colocaram, por assim dizer, a pedra fundamental para a
construção e evolução da Geografia como ciência. A seguir, estudaremos três aspectos gerais
do desenvolvimento dessa ciência: o contexto político-econômico; a Geografia como ciência;
e o ensino da Geografia.
Contexto político-econômico
Com o processo de expansão colonial, os conflitos entre populações nativas e o elemento
europeu são cada vez mais intensos e demandam intervenções. O domínio político aparece
como garantia de abertura real dos espaços ao comércio mundial e impõe o respeito aos
interesses ocidentais.
Em 1859, Charles Darwin (1809-1882) publica o que seria o seu mais importante livro,
Origem das Espécies. Tal fato tem significado particular para a Geografia. A idéia de que os
seres vivos evoluem já estava formulada desde meados do século XVIII e início do século XIX.
Lamarck (1744-1829) será o primeiro a fazer uma sistematização dessa idéia concluindo que
o organismo se adapta ao meio onde está inserido e acaba por se modificar.
Um outro nome que vai influenciar os estudos da Geografia nesse período (e continua a
influenciar ainda hoje vários ramos da ciência) é o do biólogo alemão Ernest Haeckel (1834-
1919) que propõe em 1866, em seu livro Morfologia Geral dos Organismos, o termo ecologia
para designar o novo campo de estudo: aquele que investigará as relações dos seres vivos
com o ambiente.
O ensino de Geografia
O interesse por conhecimentos geográficos úteis à vida comercial internacional nunca
havia sido tão grande como nas últimas três décadas do século XIX. Nesse mesmo período, a
engenharia política dos estados europeus apontava em direção aos nacionalismos e essa tarefa
recai, entre outros, sobre o ensino da Geografia na escola elementar, que teria a função de dar
aos cidadãos uma consciência clara sobre o espaço em que se desenvolve a sua existência.
Por outro lado, as elites tinham a necessidade de um bom conhecimento dos mapas e das
rotas do comércio.
Na França, por exemplo, após a derrota de 1870 (derrota da França frente à Prússia), é
confiado a Emile Levasseur um estudo (Relatório Levasseur) sobre as causas da inferioridade
dos oficiais franceses frente aos prussianos. Esse relatório conclui que a inferioridade francesa
recai no baixo nível dos oficias quanto ao conhecimento das línguas e da Geografia. O relatório
recomenda que seja feita uma reforma do ensino, particularmente do ensino de Geografia.
O essencial das recomendações desse relatório está presente, ainda hoje, nos programas do
ensino primário e secundário da França (nas próximas aulas vocês estudarão como se deu o
desenvolvimento da Geografia na França).
Nos outros países da Europa Ocidental ocorre o mesmo com o ensino da Geografia,
pouco tempo antes na Alemanha e um pouco mais tarde na Inglaterra.
Como estamos vendo, em todo o nosso curso, o contexto intelectual no qual se desenvolve
a Geografia modifica-se par e passo com as mudanças econômicas, políticas e culturais. E você
deve estar lembrado que à medida que o Capitalismo se desenvolve exige mais racionalidade e
respostas da ciência; é a fé na ciência e no progresso. Esse cientificismo que vai se firmando
tem também a ambição de abarcar as realidades sociais tal como fez anteriormente com as
realidades do mundo físico e biológico.
Ratzel participa ativamente, como militar, da guerra de 1870 contra a França e em seguida
a sua carreira toma novos rumos, mas sua ligação com a política e com a conquista de
território continua através das análises científicas que irá fazer criando mesmo um novo ramo
da Geografia, a Geopolítica.
Depois da guerra, Ratzel parte para os Estados Unidos, como jornalista, onde passa vários
anos. Nesse período, visita também o México. De volta à Alemanha, defende uma tese sobre
a imigração chinesa na Califórnia.
Ratzel procura estabelecer leis gerais que rejam a influência do meio sobre os grupos
humanos, dedicando-se ao estudo das relações que se desenvolvem entre as sociedades e o
ambiente em que vivem, mas introduz uma outra idéia: o movimento é uma das características
centrais do mundo vivo, em especial do homem. Essa idéia leva-o a interessar-se pelos
fenômenos de circulação que as sociedades desenvolvem de um ponto da Terra a outro.
Veja no texto a seguir o que diz Antônio Carlos Robert de Moraes sobre a importância
da obra de Ratzel.
Além de ser o fundador da moderna Geografia humana, ao introduzir esta terceira questão,
Ratzel será também o primeiro geógrafo a trazer para essa ciência a discussão sobre os
elementos políticos na relação entre o homem e a natureza, tratados anteriormente apenas sob
o ponto de vista técnico e econômico. Para ele, há na relação homem-natureza uma dimensão
política essencial que se expressa e se materializa na propriedade e no Estado.
Positivismo e Determinismo
na obra de Ratzel
Você já deve ter lido ou ouvido alguém fazer relação entre o nome de Ratzel e o
Determinismo geográfico e/ou contrapondo este ao possibilismo de Vidal de la Blache (assunto
que estudaremos na próxima aula). Iremos, então, tentar entender o que é o Determinismo e
qual a ligação deste com a obra de Ratzel.
Essa idéia de que a ciência deveria ser positiva se espalhou para todos os ramos das
ciências, inclusive das chamadas ciências humanas e sociais, entre elas a Geografia.
Mas, é somente em meados do século XIX que surge o Positivismo. Embasado nas
elaborações de Auguste Comte (1791-1857), o Positivismo fundamenta-se no palpável, no que
é passível de comparação e de experimentação. Na concepção positivista, para se alcançar o
conhecimento, a observação é imprescindível.
Será que podem ser feitas afirmações tão peremptórias a respeito de Ratzel?
Afinal de contas, fala-se de um intelectual que, ao deparar-se com o problema das
condições geográficas e das conseqüências etnográficas das migrações, constata:
“Não podemos fugir das influências precisas de nosso ambiente, principalmente
das que atuam em nossos corpos; lembro as que se referem ao clima e à oferta
de alimentos. É sabido que também o espírito encontra-se sob influência dos
caracteres gerais do cenário que nos cerca. Mas, por outro lado, o grau que essa
influência desempenha vai depender, em grande medida, da força da vontade que
a ela resista. Podemos nos defender dela, contanto que o queiramos. Um rio que,
para um povo preguiçoso, constitui um limite para um povo decidido pode não
ser uma barreira [...] não há coação nem nenhuma lei inflexível, mas sim amplos
limites, dentro dos quais o homem consegue impor a sua vontade e até mesmo
seu despotismo. E é isto precisamente que tanto dificulta todos os estudos sobre
a relação entre história e ambiente natural, a ponto de podermos falar apenas de
gerais especificadas. Pois há um fator nessa relação, nessa ligação, que não é
precisamente calculável para cada caso isolado, porque é livre; trata-se da vontade
humana” (RATZEL, 1906, p. 36).
CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1991.
Neste livro, o autor discute dois conceitos fundamentais para a Geografia: região e
organização espacial. Ele o faz trazendo à tona a história da Geografia e as correntes de
pensamento que influenciaram esta ciência. No capítulo 2, faz uma boa discussão sobre a
idéia de determinismo geográfico. Livro de leitura introdutória e obrigatória para o estudante
de Geografia, pois além de trazer elementos para se compreender a história dela discute o
conceito de região a partir dessa história e introduz de maneira clara a idéia de organização
espacial, conceito fundamental para se entender a Geografia dos dias atuais.
MARTINS, Luciana de Lima. Friedrich Ratzel hoje: a alteridade de uma geografia. Revista
Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 54, n. 3, p. 105-113, jul./set. 1992.
Esse texto focaliza a obra de Ratzel a partir da uma reflexão crítica e faz uma revisão do
lugar que sua obra ocupa na memória da Geografia. Analisa a abrangência de temas estudados
por Ratzel e mostra quão redutoras são as leituras daqueles que relacionam de forma simplista a
obra desse pensador ao Determinismo geográfico e às estratégias expansionistas da Alemanha.
Autoavaliação
Leia o fragmento a seguir com bastante atenção e em seguida relacione-o
ao contexto em que se desenvolveu a obra de Ratzel e a discussão sobre o
Determinismo. Após isso, elabore um pequeno texto colocando no centro
da discussão a seguinte idéia: Ratzel – pensador determinista. Você deverá
entender que existe uma relação entre realidade histórica social e intelectual e a
originalidade de cada pensador. No caso de Ratzel, ele é fruto de uma realidade
histórica (séculos XIV-XVIII), cultural e científico. Do ponto de vista histórico,
Ratzel assiste à consolidação do capitalismo e um novo momento de expansão
colonial econômica, além da formação dos impérios. Do ponto de vista científico,
é herdeiro de Humboldt e Ritter e de toda a tradição geográfica. Vai sofrer a
influência do evolucionismo de Darwin e do surgimento das ciências sociais.
Referências
CLAVAL, Paul. Histoire de la gèogaphie. Paris: PUF, 1995.
CORRÊA, Roberto Lobato. Região e organização espacial. São Paulo: Ática, 1991.
MARTINS, Luciana de Lima. Friedrich Ratzel hoje: a alteridade de uma geografia. Revista
Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, v. 54, n. 3, p. 105-113, jul./set. 1992.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.
______. Ratzel. São Paulo: Ática, 1990. (Coleção Grandes Cientistas Sociais).
PINCHEMEL, Philippe; PINCHEMEL, Geneviève. La face de la Terre. Paris: Armand Colin, 1997.
Aula
10
Apresentação
E
m meados do século XIX, a disputa entre a Prússia e a França se acirra, culminando na
guerra de 1870. Dessa guerra, a França sai derrotada e perde o controle da Alsácia e
da Lorena. Nesse período, a Geografia obtém grande desenvolvimento e, apoiada pelo
Estado, é implantada em todo o Ensino Básico, surgindo as primeiras cátedras e os institutos
de Geografia. Até o advento da guerra, os estudos geográficos eram muito negligenciados pelos
franceses, ao contrário da Prússia, que já contava com grandes nomes no ramo da ciência
geográfica. Após terem sido derrotados, os franceses perceberam a importância do ensino da
geografia e do desenvolvimento da pesquisa geográfica, como mostraremos no decorrer desta
aula. Mesmo sendo derrotados pelos alemães, os franceses esforçaram-se para transferir para
seu país o modelo de ensino adotado na Alemanha.
Objetivos
Compreender o contexto em que a Geografia surge
1 como ciência na França, influenciada pelo pensamento
geográfico alemão.
Como estamos fazendo até aqui, é importante elucidar, minimamente, o contexto geral em
que se dá a implantação da Geografia na França. Para começar, esse é um período situado entre
duas grandes crises: a guerra de 1870 (guerra franco-prussiana) e a primeira guerra mundial.
É também um dos períodos cruciais na história da França, que corresponde à implantação de
um novo regime político, a Terceira República, o qual implicará em novos ajustamentos de base
ideológica e social. É uma época em que o interesse por questões geográficas se dissemina
entre os círculos cultos e a população em geral. Ocorre aí um clamor generalizado a favor
da acumulação de uma massa de informações sobre o globo e sobre o território nacional.
A Geografia se instala de forma impressionante na universidade e nos programas de ensino
primário e secundário.
Como vimos a pouco, a derrota de 1870 leva a França a uma política de promoção da
Geografia que começa pelo ensino primário e secundário, seguido pelo seu desenvolvimento
nas universidades e pela política de incentivo à criação de instituições geográficas. Vidal vai
saber tirar proveito dessa situação.
Vidal, mesmo sendo original, nunca escondeu o quanto foi devedor aos mestres alemães,
sobretudo Ritter e Ratzel.
O gênero de vida
Ao abordar a relação entre o meio e a ação humana, Vidal de la Blache, considerava
que o meio é uma força viva, que tem movimento próprio e regras de conexão que escapam
à intervenção humana. Por outro lado, a ação do homem tem grande capacidade de
transformação. O conjunto das ações e as formas através das quais os homens tiram proveito
das possibilidades oferecidas pela natureza é dada pela diversidade dos gêneros de vida. A
noção de gênero de vida permite à análise geográfica vidaliana compreender as relações que os
homens tecem com o seu meio. Relações que são estabelecidas pelas técnicas, pelas formas
de trabalho, pelas formas de habitação, pela cultura etc.
4) da força do hábito.
O possibilismo
O possibilismo é comumente reduzido à seguinte idéia: a natureza propõe, o homem
dispõe. Esta é, sem dúvida, a noção mais conhecida para definir a abordagem das relações
homem/meio da escola francesa de Geografia e, em particular, de seu fundador Paul Vidal de
la Blache. No entanto, o autor desse neologismo não é Vidal de la Blache e sim o historiador
Lucien Febvre, em seu livro A terra e a evolução humana. Nesse livro, Febvre, inspirado nas
elaborações de Vidal de la Blache, faz deste a referência para os “possibilistas” em oposição
aos “deterministas” e se arroga o papel de encarnar o espírito da escola francesa de Geografia.
Leituras complementares
BERDOULAY, Vincent. La formnation de l’école française de géographie. Paris: CTHS, 1995.
Excelente livro para quem se interessa pelo pensamento geográfico francês, especialmente
pelo período de sua institucionalização e a influência do pensamento de Vidal na constituição da
Geografia francesa. Obra que analisa o contexto histórico e intelectual da emergência da Geografia
na França, assim como se estruturou o seu conjunto conceitual e epistemológico. Infelizmente
não existe nenhuma tradução desta obra para o português nem mesmo para o espanhol.
CLAVAL, Paul. Histoire de la Géograhie française de 1870 à nos jour. Paris: NATHAN, 1998.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.
SILVA, Aldo A. D. da. A idéia de conexidade em Vidal de la Blache. In: SILVA, Aldo; GALENO,
Alex (Org.). Geografia ciência do complexus. Porto Alegre: Sulina, 2004.
Resumo
Esta aula mostra como, a partir da derrota sofrida pela França frente à Alemanha
em 1870, a Geografia obtém grande impulso no ensino francês. Mostra também
que Paul Vidal de La Blache é o grande nome da Geografia francesa desse
período e é quem desenvolverá os elementos constitutivos da análise geográfica
da Escola Francesa de Geografia. Para esse mestre francês, a Geografia deveria
ter como base para sua análise noções como totalidade, densidade, gênero de
vida e possibilismo.
Autoavaliação
Retome as suas respostas às questões propostas na atividade desta aula. Verifique se
1 você conseguiu relacionar o contexto histórico com o desenvolvimento da Geografia
na França.
Referências
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia, ciência da sociedade: uma introdução à análise do
pensamento geográfico. Recife: Editora Universitária/UFPE, 2006.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo: HUCITEC,
1983.
Aula
11
Apresentação
A
questão regional é uma das mais tradicionais em Geografia, sendo a região um conceito-
chave dessa ciência. Entretanto, trataremos, nesta aula, apenas da concepção de região
elaborada por Vidal de la Blache. Isso porque é esse geógrafo a maior expressão da
chamada Geografia regional. Como vimos na aula 10 (A Geografia vidaliana e o seu contexto),
até Vidal de la Blache, a Geografia não se constituía num ramo autônomo do conhecimento, é
com ele que atinge status de ciência na França. Ele é um pensador do possível, das diversas
possibilidades que o homem tem diante do imperativo de habitar a Terra. Procurou salientar a
importância da vinculação entre o geral e o particular e a complexidade das entidades (regiões)
geográficas, para tanto, desenvolve a idéia de unidade terrestre. Considerava fundamental para
análise geográfica a diferenciação da superfície terrestre, das sociedades e a compreensão
de como estão articuladas, ou seja, como as diversidades dos lugares se expressam numa
determinada organização espacial.
Objetivos
Compreender a noção de região para Vidal de la Blache.
1
Entender a importância do conceito de região para a análise geográfica.
2
Perceber, na análise regional, a dialética das escalas.
3
Desde 1889, Vidal propõe uma primeira concepção das “divisões fundamentais do solo
francês”. Quinze anos de reflexão sobre o tema o levam à elaboração de seu mais famoso
livro Tableau de la géographie de la France (Quadro da Geografia da França), em 1903, no
qual ele apresenta um espaço hierarquizado em graus diferenciados. No entanto, o ponto de
partida permanece sendo a “região natural”, apoiada na geologia, no relevo ou no clima –
Bassin parisien, Massif Central, Midi océanique. Essas regiões se diversificam em unidades
mais reduzidas e são compreendidas segundo aspectos históricos, em função de elementos
políticos e de desenvolvimento econômico – as rotas – ou em função de elementos oriundos
do raio de influência de uma cidade.
Por sua vez, tais regiões se revestem de aspectos e traços bastante diferenciados,
cuja originalidade se exprime numa certa fisionomia, num estilo particular de organização
espacial engendrada pelo casamento entre a natureza e a história. Essa fisionomia é o que nós
chamamos hoje de paisagem.
Essas regiões definiriam-se em função do seu centro. Num artigo escrito em 1917 e
intitulado “A renovação da vida regional”, diz Vidal: “Quando se trata de região, não é necessário
procurar os limites. É necessário conceber a região como uma espécie de auréola que se
estende sem limites bem determinados, que circunda e que avança” (VIDAL DE LA BLACHE,
1917, p. 104).
A cidade não é uma novidade para os geógrafos dessa época, uma vez que, em vários
momentos do desenvolvimento da humanidade, a cidade aparece como organizadora de um
espaço que a circunda. A novidade reside na amplitude do fenômeno, no raio de influência
das cidades, viabilizado pelo desenvolvimento das comunicações e das estradas de ferro.
Essa “renovação regional” Vidal sente perfeitamente – de forma mais marcante no final de
sua vida – e exprime, cabalmente, em sua obra La France de l’Est (1917). Ele se torna mesmo
um defensor de uma reforma administrativa do país, propondo, em 1910, um recorte em 17
regiões geográficas, concebidas a partir de espaços organizados pelas maiores cidades.
Entre os geógrafos de seu tempo, é Vidal quem coloca a reflexão e a análise regional no
centro de sua obra. Ele se interessa pela história da exploração do mundo, pelas formas de
povoamento, pelos gêneros de vida, pela demografia etc. No entanto, a preocupação regional,
que se esboça por volta de 1880, permanece central e evolui bastante até os seus últimos
trabalhos, dentre eles La France de l’Est, publicado às vésperas de sua morte, no ano de 1918,
em plena guerra mundial. Ao finalizar essa obra e deixar inacabado os Principes de Géographie
humaine, Vidal indica o peso que tem a demarche regional em suas elaborações.
É num artigo escrito em 1888, Des divisions fondamentales du sol français, que Vidal
inicia sua reflexão sobre a questão regional da França: questão capital em seu pensamento,
que o acompanhará até o fim de sua vida.
Uma das dificuldades, apontadas por esse geógrafo no ensino de Geografia é a incerteza
sobre as divisões que melhor convém para a descrição das regiões. Para ele, essa incerteza
implica a própria concepção que se tem da Geografia.
A noção que Vidal de la Blache tem de região é uma noção fundada no princípio da
“unidade terrestre”, segundo o qual a região se constituiria enquanto parte de um todo e
ela mesma se constituiria numa unidade, em que, havendo a quebra das ligações naturais,
seria impossível reconhecer o encadeamento que religa os fenômenos dos quais se ocupa a
Geografia e que é sua razão de ser científica.
Vidal de la Blache insiste no fato de que a Geografia deve ser tratada como ciência e
não como uma simples nomenclatura. A região, para ele, não é a descrição de um mosaico
de paisagens. Existe, na sua noção de região, uma visão de movimento, de imbricações dos
seres regionais. As regiões de um país são peças que mantêm relações entre si, formando
um todo.
Vidal mostra que existem regiões naturais, mas para a Geografia, interessa a relação entre
essa região natural e as regiões históricas, e essa unidade natural/histórica não se realiza sem
implicações complexas. Não existe uma superposição automática entre elas. A idéia é que
existe uma base geográfica no desenvolvimento histórico de um povo.
Não nos parece haver dúvidas de que a região é um tema central no pensamento de Vidal
de la Blache, que é um pensamento que evolui. Segundo Sanguin (1993, p. 327),
Vidal reconhece que é “verdadeiramente muito difícil desvendar, nas grandes sociedades
civilizadas, a influência do meio local”, mas elas “são resultado infinitamente complicados de
uma longa acumulação da atividade humana” (VIDAL DE LA BLACHE, 1896, p. 123). Nesse
ponto, Vidal de La Blache concebe a atividade humana como mediatizadora entre a influência
do meio e as formas de organização espacial das sociedades.
Na sua idéia mesma de região, está a marca dessa tensão entre as sociedades e a
natureza, entre liberdade e dependência.
Esse breve comentário revela duas orientações que Vidal, nessa época, dava à sua reflexão
sobre a região. De um lado, ele queria dotar a Geografia de uma definição do conceito de região
e de um método de análise regional. Ele sustenta, como vários outros, que a realidade regional
não corresponde necessariamente a divisões administrativas. Por outro lado, ele revela a sua
sensibilidade política e faz elogios às vantagens de Estados onde a diversidade regional se
exprime. Ao descrever a Suíça, deixa transparecer o valor moral que ele atribui à autonomia
dos organismos locais. Para ele, a Suíça havia atingido um alto nível de civilização porque cada
região era dotada de uma identidade política própria.
Se, por um lado, Vidal, ao comentar Foncin, concorda com a reforma regional, ele não
se torna efetivamente um advogado do movimento regionalista. No entanto, dá um passo
nessa direção quando publica, em 1903, o seu célebre Tableau de la géographie de la France.
Nesse trabalho, ele adota uma posição regionalista, sem se referir diretamente a nenhuma
Alguns anos mais tarde, Vidal decide defender mais abertamente o movimento regionalista.
Sua atitude se manifesta, primeiramente, (VIDAL DE LA BLACHE, 1909), quando comenta o
livro de Lucien Gallois, Régions naturelles et noms de pays, no qual denuncia abertamente e
sem rodeios “o despotismo” que mantém a França num “excesso de centralização”. Essa nova
coloração é o prelúdio de um outro artigo, publicado em 1910, Regions françaises.
Nesse artigo, Vidal ultrapassa, sem hesitação, os horizontes científicos, para elaborar e
legitimar um autêntico programa regionalista. Desde a primeira linha, ele denuncia a inércia da
classe política e se congratula com a clarividência dos partidários da reforma regional. Com
essa amostra, manifesta a sua intenção de tomar partido em um debate político de sua época.
Aliás, ele critica “a insuficiência das divisões administrativas atuais”. Mesmo reconhecendo
um certo valor nas divisões departamentais, lamenta a ausência de entidades regionais mais
amplas. Para ele, o departamento, criado no rasto da Revolução, trazia uma forte marca de uma
França largamente rural. Contudo, a geografia da França havia mudado bastante no século XIX.
A grande indústria havia ampliado consideravelmente a escala dos fenômenos econômicos e
isso simultaneamente à formação de centros urbanos que drenavam grandes hinterlândias.
Quando os critérios de partição são mudados, a forma do recorte toma toda sua amplitude.
É o que torna a démarche regional insubstituível no pensamento vidaliano. Ela revela, assim,
a complexidade dos objetos estudados quer se trate de nações, de grandes espaços, ou do
estudo do local.
Para descrever a França, Vidal utiliza sucessivamente várias perspectivas: ele a recorta em
regiões naturais (1988); analisa conjuntos onde se desenvolvem formas de sociabilidade originais,
mas que têm na França a particularidade de se completar (VIDAL DE LA BLACHE, 1979); faz
um inventário dos pequenos “pays” e das paisagens agrárias (VIDAL DE LA BLACHE, 1904).
Retornando dos Estados Unidos, se volta para a análise com base nas grandes cidades, nas
zonas de influência que elas talham no seio do território nacional (VIDAL DE LA BLACHE, 1993).
Nesse sentido, a démarche regional vidaliana não pode ser concebida de maneira estática,
uma vez que é dinâmica. Abrindo vários flancos, ela permite envolver na análise a natureza, a
natureza humana, a cultura e todo o conjunto complexo de “objetos e de ações” que constituem
a tessitura do território.
Atividade
Que elementos estão no cerne da discussão de região feita por Vidal
1 de la Blache?
O que se entende por dialética das escalas e que importância tem essa
2 idéia para a análise regional?
Neste livro, o autor discute dois conceitos fundamentais para a Geografia, a saber:
região e organização espacial. Para tanto, traz à tona a história da Geografia e as correntes de
pensamento que influenciaram essa ciência. No capítulo três, faz uma boa discussão sobre
região e as correntes do pensamento geográfico. Livro de leitura introdutória e obrigatória
para o estudante de Geografia, pois além de trazer elementos para se compreender a história
da Geografia discute o conceito de região a partir dessa história e introduz de maneira clara
a idéia de organização espacial, conceito fundamental para se entender a Geografia dos dias
atuais.
Resumo
Nesta aula, discutimos a evolução do pensamento regional de Paul Vidal de
la Blache. Você percebeu que, para esse autor, a região é um recorte espacial
relacionado à diferenciação natural e cultural dos lugares. Mostramos também
que elementos como clima, geologia, cultura, história e técnica se imbricam e
dão singularidades ao local e que o advento das cidades promovem um novo
reordenamento regional.
CLAVAL, Paul. Histoire de la Géographie française de 1870 à nos jour. Paris: NATAN, 1998.
DANTAS, Aldo. Pierre Monbeig: um marco da geografia brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2005.
MERCIER, Guy. La région e l´’état selon Friedrich Ratzel et Paul Vidal de la Blache. Annales de
Géographie, Paris, v. 583, p. 211-235, 1995.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.
______. Régions naturelles et noms de pays. Journal des Savants, p. 389-401, sept./oct. 1909.
______. De la significations populaire des noms pays. Roma: Tipografia Della R. Academia
dei Lincei, 1904.
Aula
12
Apresentação
A
Geografia começa a viver a partir da década de 1950, em todo o mundo, uma dramática
crise de transição. Essa crise adveio do rompimento de grande parte dos geógrafos
em relação à perspectiva tradicional, aquela que se fundamentava no positivismo. Esse
rompimento ensejou a busca de novos caminhos, de nova linguagem, de novas propostas,
enfim, de uma maior liberdade para reflexão e criação. Com o movimento de renovação, a
Geografia passa a trabalhar a partir de críticas e propostas; abrem-se novas discussões e
buscam-se caminhos até então desconhecidos. Instala-se, de maneira sólida, um tempo de
críticas e de propostas no âmbito dessa ciência. As principais propostas geradas a partir
desse momento são os movimentos que deram origem às geografias quantitativa, radial e da
percepção. São esses três movimentos que analisaremos nesta aula.
Objetivos
Compreender a realidade colocada para o mundo no pós
1 Segunda Guerra Mundial.
O progresso das técnicas de modelação e de cálculo encontra grande eco nas ciências.
Ocorre nesse momento grande expansão do Capitalismo, que vai permitir o desenvolvimento
das corporações transnacionais, as quais ampliam seus programas de ação, visando controlar
as matérias-primas e o mercado consumidor em escala mundial.
De modo geral, podemos dizer que essa corrente vai se apoiar no uso maciço da estatística,
com o emprego de diagramas, matrizes, análise fatorial e equações matemáticas. Dá pouca
importância aos trabalhos de campo, que é substituído pelo laboratório, onde seriam feitas
medições matemáticas e traçados gráficos estatísticos, procurando visualizar a problemática
da paisagem através de modelos sistêmicos.
Assim sendo, suas pesquisas, com base teórico-marxista, se voltaram para temas como
a produção do espaço, a pobreza, a fome, a saúde, a criminalidade, os problemas urbanos, o
imperialismo e a geopolítica.
Os autores da Geografia crítica vão fazer uma avaliação profunda das razões
da crise; são os que acham fundamental evidenciá-la. Vão além de um
questionamento puramente acadêmico do pensamento tradicional, buscando suas
raízes sociais. Ao nível acadêmico criticam o empirismo exacerbado da Geografia
Tradicional, que manteve suas análises presas ao mundo das aparências [...].
A vanguarda desse processo crítico renovador vai ainda mais além, apontando o
conteúdo de classe da Geografia tradicional. Seus autores mostram as vinculações
entre as teorias geográficas e o imperialismo, a idéia de progresso veiculando
sempre uma apologia da expansão. Mostram o trabalho dos geógrafos, como
articulado às razões do Estado. Desmistificam a pseudo-“objetividade” desse
processo, especificando como o discurso geográfico escamoteou as contradições
sociais. (MORAES, 1983, 112-113).
Desenvolvida nos Estados Unidos por Yifu Tuan, esta corrente ficou também conhecida
como Topofilia.
Topofilia quer dizer, literalmente, amor aos lugares (Topo, lugar, e filia, amor). Esse
termo foi utilizado pelo pela primeira vez pelo filósofo Gaston Bachelard, no seu livro
A poética do espaço. Para ele, tratava-se de considerar os “espaços felizes” e os espaços
vividos. Para Tuan, Topofilia designa a ligação afetiva que existe entre cada indivíduo e os
lugares. Nesse caso, trata-se de um sentimento extremamente particular.
Atividade
Tidas, até pouco tempo, como ramos antagônicas e excludentes, a Geografia
quantitativa, crítica e da percepção são hoje consideradas, por muitos autores,
como visões complementares para a análise dos fenômenos geográficos.
Livro destinado ao Ensino Superior de Geografia, analisa a evolução dessa ciência desde
a Antiguidade. Para esta aula, merece destaque os capítulos 9 e 10.
SANTOS, Milton. Por uma geografia nova. São Paulo: EDUSP, 2004.
Leitura obrigatória para todo estudante de Geografia, esta obra é a contribuição brasileira
mais importante sobre a história do pensamento geográfico. Nele, Milton Santos faz um balanço
da crise vivida pela Geografia nas décadas de 1950 a 1970, analisa apuradamente a ciência
geográfica e aponta caminhos para o seu desenvolvimento como ciência. Para esta aula, você
deverá ler principalmente os capítulos 3, 4, 5 e 6 da primeira parte.
Resumo
Considerando as transformações ocorridas com o final da Segunda Guerra
Mundial, você estudou os movimentos de renovação da Geografia, denominados
de quantitativo, radical e da percepção, os quais foram influenciados por
essas mudanças.
Referências
BACHELARD, G. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
MORAES, Antonio Carlos Robert. Geografia: pequena história crítica. São Paulo:
HUCITEC, 1983.
MOREIRA, Ruy. Para onde vai o pensamento geográfico? São Paulo: Contexto, 2006.
Aula
13
Apresentação
N
esta aula, trataremos da institucionalização da Geografia científica no Brasil e a sua
produção pelos institutos oficiais e universidades. Nesse sentido frisamos que antes
da década de 1930, não se pode pensar em uma Geografia científica no Brasil, pois
esta era apenas uma disciplina de ensino secundário, cujos conhecimentos interessavam a
políticos, militares e comerciantes, que procuravam tirar algum proveito destes. Não existia
uma Geografia autônoma e o conhecimento geográfico era produzido de forma dispersa e
disponibilizado em ensaios genéricos. Somente após a criação da Universidade de São Paulo
e da Universidade do Distrito Federal é que o ensino da Geografia passou a ser feito em
nível superior, desdobrando-se para a formação de pesquisadores. A criação do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), também na década de 1930, impulsionará a
profissão de geógrafo e a sistematização de dados estatísticos que subsidiarão os processos
de planejamento estatal. Uma outra instituição que contribuirá de forma definitiva para a
afirmação da Geografia no Brasil é a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB), fundada
em 1934, em São Paulo, que toma corpo em nível nacional e, através dos seus congressos,
serve de veículo de vulgarização da pesquisa científica em Geografia.
Objetivos
Compreender de que maneira a Geografia se institucionaliza
1 no Brasil.
Do ponto de vista teórico, a Geografia brasileira sofrerá grande influência, até a década
de 1950, do pensamento da escola Francesa de Geografia (tema a ser discutido na aula 14 –
Pierre Monbeig e a Geografia brasileira). Veja, em seguida, alguns elementos que contribuíram
para a institucionalização da Geografia no Brasil.
O ensino da Geografia que vai ser implementado em São Paulo é aquele da boa tradição
francesa, ou seja, um ensino vinculado à História e à Sociologia. Os dois professores franceses
convidados para implementar a Geografia no Brasil davam maior ênfase à Geografia Humana
e Regional; ao analisar as regiões, levavam em consideração os aspectos físicos, mas
sobrepunham a estes os demográficos e os econômicos. Estudos de Pierre Deffontaines sobre
o Brasil e de Pierre Monbeig, em ensaios e em teses, mostram bem a aplicação da doutrina
lablachiana. É verdade que Monbeig, certamente influenciado por sólida cultura histórica, já
na década de 1930, se preocupava com o papel desempenhado pelo capital na Geografia e já
utilizava a classe social como categoria de análise.
Uma outra universidade que vai contribuir sobremaneira para a implantação da Geografia
científica em nosso país é a Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, que teve também
o seu corpo docente formado por professores estrangeiros, como Pierre Deffontaines e
Francis Ruellan. O primeiro atuando na área da Geografia Humana e o segundo, na área da
Geomorfologia, desenvolvendo e publicando estudos importantes para o Brasil. Além desses
dois professores, teve a colaboração dos mestres brasileiros Victor Ribeiro Leuzinger, na área
da Geomorfologia, e Josué de Castro, na área da Geografia Humana.
A Universidade do Brasil, por ter forte ligação com o IBGE, teve grande parte dos
geógrafos recém-formados trabalhando neste instituto, o qual também recorria aos professores
da Universidade para ministrar cursos de férias para professores de vários estados. Mestres
estrangeiros que permaneceram por período relativamente longo no Brasil trabalharam
simultaneamente nas duas instituições.
Nas outras áreas do país esse movimento se dá com menos intensidade em lugares
onde já havia certa maturidade científica. Na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), um
pequeno grupo de geógrafos desenvolveu estudos de Geomorfologia e de Geografia Agrária,
ao mesmo tempo em que, em colaboração com o Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas
Sociais, realizou estudos sobre os problemas causados pelo lançamento do vinhoto nos rios. Na
A importância do IBGE
Esse primeiro momento de institucionalização da Geografia no Brasil, que, do ponto de
vista político, foi atravessado pela presença de Getúlio Vargas no poder, teve, na criação do
IBGE em 1937, um dos seus elementos constitutivos. A criação do IBGE foi um ato do Estado
Novo, tendo o seu Conselho Nacional de Geografia (talvez o único órgão institucional de caráter
geográfico diretamente ligado ao poder central de um Estado) logo aderido à União Geográfica
Internacional.
O fato mais decisivo para que se lhe imputasse esse caráter foi aquele assumido pela
necessidade de determinar as “divisões territoriais” do país.
Não será necessário insistir muito sobre o fato de que esse período esteve intimamente
ligado à dependência externa. Embora esse caráter lhe possa ser imputado até hoje, nesse
período de implantação, contudo, ela é mais direta, tanto na universidade quanto no organismo
geográfico estatal. É uma verdadeira tutela.
Embora sob influência direta desses mestres europeus, seria injusto afastar da formação
geográfica desse período, a contribuição indireta que, dentro do panorama cultural de então,
estudiosos brasileiros ofereceram à nossa formação. Desse período, destacam-se contribuições
fundamentais, dadas em obras respeitadas (e exaltadas inclusive pelos próprios mestres
europeus), como as de Caio Prado Junior, Roberto Simonsen, Sérgio Millet, Arthur Ramos,
dentre outros.
Em função desses esforços, inicialmente entre São Paulo e Rio de Janeiro, a Associação
começa a promover regularmente assembléias gerais em cidades, quase sempre de pequeno
tamanho populacional, nas quais os sócios apresentavam trabalhos a serem debatidos
e publicados nos Anais, quando aprovados pelos sócios efetivos, e realizavam pesquisas
de campo, das quais eram redigidos relatórios preliminares, também a serem publicados.
A primeira reunião científica ocorreu em Lorena, São Paulo, em 1946, e a ela sucederam-
se reuniões anuais em várias cidades do Brasil até 1955. Em 1956, não houve reunião da
associação em face do XVIII Congresso Internacional de Geografia, no Rio de Janeiro.
Entre 1948 e 1955, vai existir um modo peculiar e inconfundível das reuniões da AGB. Sem
muitos participantes, trabalhava-se ativamente em equipes no campo e na cidade hospedeira,
numa verdadeira extensão do treinamento recebido dos colegas vindos de outras regiões. E o
que era mais importante – um proveitoso debate de idéias a propósito das comunicações ali
apresentadas – cultivou um espírito crítico infelizmente fadado a posterior declínio.
Atividade
De que maneira a fundação da Universidade de São Paulo (USP)
1 contribuiu para a implantação, institucionalização e consolidação da
Geografia científica no Brasil?
______. Boletim paulista de geografia: seção de São Paulo. São Paulo: AGB, n. 60, 1982.
______. Boletim paulista de geografia: seção de São Paulo. São Paulo: AGB, n. 72, 1996.
Resumo
Esta aula trata do período de institucionalização da Geografia no Brasil. Toma
como referência a criação da USP e da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro,
como elementos fundamentais para a institucionalização e consolidação da
Geografia científica no Brasil. Toma também, como elementos complementares
desse processo, mas não menos importantes, a criação do IBGE e da AGB.
Referências
ANDRADE, Manuel Correia. Geografia, ciência da sociedade. Recife: Editora Universitária/
UFPE, 2006.
Aula
14
Apresentação
E
m 2008, faz 74 anos de institucionalização da universidade brasileira e também da
Geografia, que teve na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de
São Paulo o seu embrião. Em seu nascedouro, a Geografia tem a tutela da universidade
francesa através de dois jovens geógrafos: Pierre Deffontaines e Pierre Monbeig. Deffontaines
volta logo para a França, Monbeig permanece no Brasil durante 11 anos. É sobre esse geógrafo e
sua obra que trata esta aula, o qual, fiel discípulo da Geografia francesa, recolhe a concepção de
“paisagem” do mestre Vidal, no sentido em que a mesma reflete no espaço uma fisionomia de
algo essencialmente dinâmico e que se amplia na região, dotada de personalidade. Entretanto,
a sua análise vai mais longe ao acrescentar a esse conceito o jogo das combinações dos
diversos elementos que compõem a paisagem. Considerando a multidimensionalidade do
homem, Monbeig agrega ao seu pensamento a dimensão da cultura. Foi um geógrafo sério,
modesto, mas firme em suas convicções. Nunca se arvorou revolucionário nem criador de
“novas geografias”, entretanto, soube muito bem aproveitar o que de essencial havia sido
deixado pelos mestres do passado e, em seus trabalhos, soube introduzir novas propostas.
Objetivos
Compreender a importância da formação das
1 Universidades para a institucionalização da Geografia
brasileira.
Suas inquietações intelectuais desde cedo o levaram para os estudos humanísticos. Fez
seus estudos superiores na Universidade de Paris. Em 1927, com apenas 19 anos, concluiu o
curso de História e Geografia e em 1929 obteve o título de “Agregé” (título acadêmico francês
no qual se “agregam” cursos), preparando-se para a carreira de professor do ensino superior.
Entre 1929 e 1931 estudou na Escola de Autos Estudos Hispânicos, onde desenvolve
trabalho de pós-graduação, o que contribui para o seu desempenho como professor, carreira
que se inicia em 1931 no Liceu Malherbe, em Caen, na Normandia. Com a experiência adquirida
através dos estudos desenvolvidos na Espanha e com a atividade do magistério, Monbeig
qualifica-se profissional e intelectualmente. Essa qualificação lhe credencia para ser convidado
a fazer parte da missão de grandes nomes franceses que viriam para o Brasil trabalhar na recém
fundada Universidade de São Paulo-USP. Aqui, ele viveria a sua grande aventura intelectual,
pois vem para uma Universidade que foi a primeira pensada e estruturada de forma moderna
e aberta à formação profissional e intelectual das novas lideranças que surgiram no Brasil a
partir daquele momento.
A matriz regional
A Geografia regional, à qual Monbeig se vincula, nasce do quadro propiciado pelo Tableau
de la Géographie de la France (1903), de Paul Vidal de la Blache e das primeiras teses de
doutoramento (Doctorat d’Etat), orientadas por ele mesmo. Essas teses fizeram grande sucesso
entre 1919 e 1945 e correspondiam à necessidade de se dar uma dimensão concreta ao
inventário do espaço através de uma descrição minuciosa e tão exaustiva quanto possível dos
fatos observados sobre o terreno.
Nos anos 1920 e 30, essa Geografia é feita de maneira multidirecional: formas de
utilização do solo, habitat rural, gêneros de vida, sistemas de cultura etc. Depois, sob a
influência de historiadores como Marc Bloch, a análise da formação das paisagens agrárias
vai constituir abordagem central da Geografia rural e abrir a via de uma outra especialidade:
a Geografia histórica.
É com esses instrumentos que eles exploram novos domínios: a Geografia agrária, a
Geografia urbana, a Geografia política e, em certa medida, a Geografia econômica e tropical.
Estando no Brasil, Monbeig toma consciência dos desafios que se colocam à Geografia
mais cedo do que se permanecesse na Europa. Sendo sensível à exigência de desenvolvimento
que se apresenta no Brasil do Estado Novo, ele: mensura o papel das cidades na exploração
do espaço brasileiro e é tocado pela rapidez do desenvolvimento desse espaço; percebe que o
instrumento que constitui a análise dos gêneros de vida não dá conta do essencial num país
de povoamento recente, onde a economia está em reconstrução permanente.
Antes da Segunda Guerra Mundial, o método regional quase não havia sido aplicado fora
da Europa e do mundo mediterrâneo, onde alguns geógrafos haviam produzido excelentes teses.
Por volta da Segunda Guerra Mundial, dois geógrafos franceses tentam aplicar a démarche
regional no Novo Mundo: Pierre Monbeig, no Brasil, e Jean Gottmann, nos Estados Unidos.
Virginia at mid-century é o resultado da tentativa de Gottmann, que é bastante consciente
das insuficiências dos métodos que havia aprendido na França, um meio tão industrializado,
urbanizado e com economia tão flexível quanto a do lado leste dos Estados Unidos. Ele continua,
pois, a se interessar pela abordagem regional, no sentido mais amplo do termo aplicado ao
Novo Mundo. Publica, então, em 1958, Megalopolis, que é o resultado dessa reflexão.
Monbeig distingue-se dos geógrafos que trabalham então na França pela atenção que dá
ao meio como realidade viva. Ele insiste no papel da floresta e no cortejo de doenças que lhe
são associadas e sublinha, ainda, os problemas que causa o esgotamento dos solos. É um dos
primeiros a compreender que, se os geógrafos podem continuar a fazer pesquisa, ao mesmo
tempo, no domínio físico e no domínio humano, eles devem guardar presente no espírito o
papel que o meio tem na vida dos homens.
A exemplo de seus mestres e dos geógrafos de sua época, Monbeig perseguia dois
objetivos: encontrar um “terrain” e ensinar Geografia. Inicialmente, ele acreditava que o seu
“terrain” seria a Espanha, mais especificamente as ilhas Baleares, no entanto, as circunstâncias
o trouxeram ao Brasil, país que lhe abria várias possibilidades para o trabalho de campo e para
a implantação de uma Geografia “científica” numa Faculdade em processo de criação.
Não há qualquer dúvida de que esse estudioso foi formado na tradição das grandes teses
regionais da Escola Francesa de Geografia. No entanto, devemos reconhecer que sua obra
vai além da simples descrição empírica: chega a um nível explicativo geral e constantemente
enriquece a disciplina introduzindo elementos novos para a discussão geográfica, como foi o
caso, em sua tese, da pequena discussão que fez sobre a psicologia bandeirante, a qual passou
Com o passar do tempo e com a influência que sofre do “terrain” que adota para
desenvolver as suas pesquisas, a sua inserção na tradição da Escola Francesa exprime-se
não somente na importância que dá à história como elemento explicativo, mas também pela
descrição minuciosa da paisagem e dos homens, chamando a atenção, principalmente, para
o fato de que a caracterização dos tipos e personagens da sociedade local é de fundamental
importância para a análise geográfica.
Como a cultura de um grupo evolui, sua paisagem também evolui: o mesmo suporte
natural viu sucederem-se paisagens diferentes, sendo cada uma reflexo da civilização
do grupo em dado momento de sua história. Assim a paisagem não é mais considerada
como produto da geologia e do clima, mas como reflexo da técnica agrícola ou industrial,
da estrutura econômica ou social [...] (MONBEIG, 1940, p. 238-239).
Ver como a paisagem é reflexo da civilização, tal é uma das principais tarefas do geógrafo;
é um trabalho de análise que ele precisa fazer para distinguir o que provém do solo,
do clima e também da técnica agrícola, da organização social. A análise da paisagem
apresenta-se como um jogo de quebra-cabeças; mas, enquanto o jogo se torna logo
fastidioso, é apaixonante o estudo da paisagem: apaixonante porque nos põe em contato
com a humilde tarefa quotidiana e milenar das sociedades humanas; ela mostra o homem
lutando sem cessar para aperfeiçoar-se (MONBEIG, 1940, p. 248).
Geografia e cultura
A idéia de que o papel da Geografia é o de localizar, descrever e comparar é um lugar comum
da Geografia da época. Monbeig retoma isso à sua maneira e incorpora à análise os elementos
da cultura. Dessa maneira, caminha em direção à idéia de que a Geografia não estuda relações
de causalidade simples, mas recíprocas.
De maneira geral, a Geografia francesa, tal qual se desenvolveu no início do século XX,
mobilizava instrumentos que se adaptavam bem às realidades do mundo pré-industrial, mas não
eram capazes de dar conta de formas de organização do espaço que resultavam da modernidade.
O interesse pelas dimensões culturais da realidade geográfica é tão velho quanto pela
Geografia humana. Na primeira metade do século XX, no entanto, a concepção morfológica
ou naturalista, que prevalecia na disciplina, fazia com que se retivesse da cultura apenas seus
aspectos materiais – lugares de culto, em matéria de religião, e nada de doutrinas, da fé, das
práticas etc. Monbeig, aliás, lastima o fato de não se levar em consideração todas as dimensões
da vida religiosa. É um dos aspectos pelos quais ele se mostra o mais moderno.
Atividade
Qual o contexto em que se desenvolve a Geografia no Brasil e qual a
1 importância de Pierre Monbeig?
Mostre de que maneira a vinda para o Brasil contribui para que Monbeig
2 mude a sua maneira de fazer Geografia.
Neste artigo, o também geógrafo Aziz Ab’Sáber faz uma grande homenagem póstuma
ao seu mestre Monbeig, mostrando como ele era um professor diferenciado e que marcou,
além da Geografia brasileira, a memória de seus discípulos: “difícil relembrar a figura do bom,
seguro e inteligente mestre que adotou o Brasil como sua segunda pátria, até o fim de seus
dias”. Além da homenagem, Ab’Sáber faz uma retrospectiva que vai da chegada de Monbeig
ao Brasil, passando por suas atividades extraclasse, sua carreira acadêmica, o exemplo que
foi como intelectual e sua preocupação com os estudos geográficos no Brasil.
SALGUEIRO, Heliana Angotti (Org.). Pierre Monbeig e a geografia humana brasileira. Bauru:
EDUSC, 2006.
Resumo
A aula traz um breve histórico da trajetória pessoal e intelectual de Pierre Monbeig,
mostrando em que contexto este chega ao Brasil; a influência do pensamento
vidaliano em sua formação; e como a sua estada e contato com a Geografia de um
país em formação – o Brasil – influenciaram a sua forma de pensar.
c) que é fundamental entender que esse geógrafo é filho da Escola Francesa de Geografia e traz
consigo uma bagagem intelectual calcada no pensamento de Paul Vidal de la Blache (veja as
aulas 10 – A Geografia vidaliana e o seu contexto – e 11 – A abordagem regional vidaliana),
mas que ao chegar ao Brasil percebe a insuficiência dessa abordagem e, embasado em largo
trabalho de campo, cria novos conceitos para dar conta da nova realidade.
Referências
ANDRADE, Manuel Correia de. Pierre Monbeig e o pensamento geográfico no Brasil. Boletim
Paulista de Geografia, n. 72, p. 63-82, 1994.
DANTAS, Aldo. Pierre Monbeig: um marco da geografia brasileira. Porto Alegre: Sulina, 2005.
MONBEIG, Pierre. Ensaios de geografia humana brasileira. São Paulo: Livraria Martins, 1940.
Aula
15
É por demais sabido que a principal forma de relação entre o homem
e a natureza, ou melhor, entre o homem e o meio, é dada pela técnica.
As técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com
os quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria
espaço. (SANTOS, 2006).
Apresentação
A
Geografia é ainda, frequentemente, considerada por muitos políticos, administradores,
especialistas de outras áreas e, infelizmente, por um grande número de geógrafos,
como uma disciplina que se preocupa apenas com localizações. Entretanto, essa
concepção da Geografia, aceita durante muito tempo, mostra-se limitante do rol de relações
que se dão entre o homem e o meio e, por essa razão, revela-se insuficiente. É, sem duvida,
Milton Santos o geógrafo brasileiro que mais vai se preocupar com essa questão e trazer
efetivamente contribuições fecundas para que isso se revertesse. Para ele, isso deveria passar
por uma questão fundamental: o objeto da Geografia – o espaço geográfico, sinônimo de
território usado. Veremos nesta aula a trajetória intelectual desse grande mestre, assim como
o seu esforço em dotar a Geografia de conceitos e categorias de análise para tirá-la da situação
de uma disciplina meramente descritiva e levá-la à condição de teoria geográfica da sociedade.
Ele o faz através da técnica, ou melhor, de uma filosofia da técnica.
Objetivos
Perceber o entrecruzamento entre a vida pessoal e
1 a formação intelectual de um pensador: Milton Santos.
M
ilton Almeida dos Santos nasceu no dia três de maio de 1926 na cidade de Brotas de
Macaúbas, localizada na Chapada Diamantina, no estado da Bahia. Esta foi a primeira
paragem de seus país como professores primário da rede estadual de ensino. Em
seguida, a família Santos foi para a cidade de Ubaitaba, onde ficou por alguns anos e depois
para Alcobaça, no litoral Sul da Bahia. O pequeno Milton recebeu seus primeiros ensinamentos
com os próprios pais. Mesmo indo à escola regular, continuava estudando em casa e tendo
aulas de álgebra, francês e boas maneiras.
Em 1936, aos 10 anos, foi para Salvador como aluno interno do Instituto Baiano de
Ensino. Sua família, mesmo tendo morado sempre em cidades pequenas do interior da Bahia,
preparou-o sempre para ser um cidadão soteropolitano.
A cidade civilizada por excelência, com suas escolas universitárias de alto padrão,
onde se podia alcançar os patamares que haviam alcançado André Rebouças (1838-1898) e
Teodoro Sampaio (1855-1937), que se destacaram nacionalmente como modelos de ascensão
intelectual, valorizados pelos baianos de origem africana. Aliás, seus próprios pais e avós
haviam dado os primeiros passos nessa direção, para a qual foi destinado Milton, ainda mais
que eles.
Milton iniciou seu “primeiro exílio” em Salvador, já que sua família permaneceu em
Alcobaça, como aluno interno do Instituto Baiano de Ensino, aos 10 nos de idade (1936), tendo
ali residido até 1946, quando já era aluno da Faculdade de Direito. Realizou seu curso ginasial
de 1937 a 1941, o pré-jurídico de 1942 a 1943 e o curso de Direito de 1944 a 1948.
Pagava o internato onde moraria por uma década com o dinheiro que recebia lecionando
Geografia na própria escola. Milton atuou no jornalismo estudantil e foi um dos criadores da
Associação de Estudantes Secundaristas Brasileiros. Seus colegas se opuseram à candidatura
de um negro para presidente – alegaram a dificuldade para discutir com autoridades. Milton
era ótimo aluno em Matemática e queria seguir engenharia, mas acreditava-se que a Escola
Politécnica não aceitaria negros com facilidade. Como um tio seu era advogado, foi aconselhado
a estudar Direito. Formou-se na Universidade da Bahia, em 1948, mas nunca exerceu a
profissão. Dedicou-se à Geografia, que ensinava desde os quinze anos. Nessa época, também
Em 1948, Milton Santos publicou seu primeiro livro: O povoamento da Bahia. Prestou
concurso público para professor secundário e foi lecionar em Ilhéus. Nesse período, conheceu
livros e revistas de Geografia, alguns da Associação Brasileira de Geógrafos (AGB), então
concentrada no eixo Rio-São Paulo. Milton resolveu participar de uma reunião da AGB, que
acontecia em Uberlândia (MG), para perplexidade dos não mais de 30 profissionais reunidos.
Nessa ocasião, conheceu Aziz Ab’Sáber, de quem se tornaria amigo. Ab’Sáber recorda-se que
Milton insistia em discussões teóricas entre determinismo e possibilismo enquanto problemas
analíticos estavam em pauta.
Milton Santos combinava a seu rigor acadêmico outras virtudes, como a habilidade
política, que o levou a ocupar cargos políticos de destaque, e a produção de textos para a
imprensa, tornando-se colaborador de jornais na década de 1950 (A Tarde, de Salvador) e na
década de 1990 (Folha de São Paulo). Suas idéias contundentes despertaram os críticos. Seu
estilo causou-lhe problemas, como a prisão por três meses em 1964, durante o regime militar.
Ao sair da prisão, ganhou o mundo.
Primeiro, para a França, depois para outros países da África, da América do Norte e da
América Latina, para fazer pesquisas e ensinar. Deu aulas nas Universidades de Toulouse,
Bordeaux e Paris. Na América do Norte, lecionou nas Universidades de Toronto e de
Massachusetts e na Universidade Columbia, em Nova York. Na América Latina, passou algum
tempo no Peru, Universidade Politécnica de Lima; na Venezuela, Universidade Central de
Caracas; e na África, lecionou na Tanzânia, Universidade de Dar-es-Salaam.
É também nesta época que publica na França (1975) um de seus mais importantes livros,
L’espace partagé, publicado no Brasil, em 1978, com o título de O espaço Dividido – recentemente
reeditado pela Editora da Universidade de São Paulo, EDUSP. Essa publicação foi fruto de 8 anos
de preparação, pois entre 1972 e 1973 já havia publicado artigos sobre o tema desenvolvido no
livro. O livro foi publicado depois em português e em inglês.
Esse livro é o exemplo maior e mais significativo sobre as suas formulações dos aspectos
e faces da desigualdade no Terceiro Mundo e os impactos e repercussão sobre o território. É
nele que desenvolve uma teoria sobre o espaço geográfico urbano e o subdesenvolvimento,
tendo a interdisciplinaridade como leme. A obra se divide em quatro partes. A primeira introduz
a questão dos dois circuitos da economia urbana dos países subdesenvolvidos. O circuito
inferior: constituído de negócios de baixa intensidade de capital, pelos serviços não-modernos
e fornecidos a varejo e pelo comércio não-moderno de pequena dimensão. A segunda parte é
sobre o circuito superior: constituídos pelas atividades de grande intensidade de capital e pela
produção moderna. A terceira trata especificamente do circuito inferior. E a quarta parte é sobre
o espaço dividido, discutindo os dois tipos de industrialização e os dois subsistemas urbanos.
Sua tese é contrária ao conceito de setor informal.
Volta para o Brasil e participa, em 1978, da famosa reunião da AGB em Fortaleza. Essa
reunião é considerada um divisor de águas, pois mudou os rumos da Geografia brasileira com
a ascensão da “Geografia crítica”, que punha em xeque o paradigma dominante, neopositivista.
Naquele ano de 1978, foi publicado um de seus mais importantes livros, Por uma geografia
nova, composto de 18 capítulos, divididos em três partes – também com recente reedição da
EDUSP –, que se tornou um marco na Geografia brasileira. Na primeira parte, “Critica da geografia”,
faz uma revisão crítica da Geografia clássica, da New Geography e da Geografia da percepção,
concluindo com um texto sobre a Geografia como “viúva do espaço”, metáfora que usa para indicar
o abandono do espaço pelos geógrafos dessas correntes. Na segunda parte, Geografia, sociedade,
espaço, afirma que o objeto da Geografia é o espaço social e o define. Na terceira parte, Por uma
geografia crítica, menciona as noções de universalização perversa; de totalidade; de formação
social; de espaço visto como uma acumulação desigual de tempo; e de tempo.
Em 1994, é publicado o livro Técnica, espaço, tempo, com cinco partes e quinze capítulos,
o livro discute, principalmente, os pares “globalização – fragmentação” e “sistemas de objetos
– sistema de ações”, além de trazer uma noção bastante interessante, aquela de “tempo lento”,
que seria o tempo dos socialmente mais fracos. O livro traz ainda duas entrevistas com o autor.
Em 1996, publica a obra que vai coroar o seu pensamento teórico, A Natureza do
Espaço: técnica, razão e emoção. Reforça nessa obra sua epistemologia do espaço e contribui
definitivamente para a teoria social. Em 1997, o texto recebe o Prêmio Jabuti, como melhor livro
do ano em ciências humanas.
Composto de quatro partes, o livro aprofunda os temas já trabalhados pelo autor. Aparecem
conceitos e categorias como tecnoesfera e psicoesfera; tempos rápidos dominantes e tempos
lentos sujeitados; redes, como produto das condições contemporâneas da técnica; ações que
A primeira parte do livro, Uma ontologia do espaço: noções fundadoras, trata de questões
referentes à natureza e ao papel das técnicas; analisa o espaço como um sistema de objetos e
de ações; discute a intencionalidade e a inseparabilidade entre ação e objeto e faz a diferenciação
entre espaço e paisagem. Na segunda parte, Produção das formas-conteúdo, discute a noção de
totalidade; a diversificação da natureza; a divisão territorial do trabalho e o tempo empiricisado
a partir da idéia de eventos. A parte três, Por uma geografia do presente, é iniciada pela análise
do sistema técnico atual seguido por uma discussão sobre: a globalização financeira; as normas;
a crise ambiental; a tecnoesfera e a psicoesfera; a geografia das redes; os tempos rápidos e
lentos; as horizontalidades e verticalidades; e, por fim, os espaços de racionalidade hegemônica.
A última parte, A força do lugar, trata das relações entre o lugar e o cotidiano e sobre a ordem
universal e local.
Em 2000, foi publicado o livro Por uma outra Globalização, em que disserta sobre os pilares
da globalização, suas conseqüências territoriais e sociais. É um livro manifesto composto de seis
partes, que começa tratando a globalização como uma fábula (fantasia), como perversidade e
indica a possibilidade de uma outra globalização. Concebe a globalização a partir das condições
da unicidade técnica atual; a perversidade da globalização é analisada a partir da maneira como
se oferta a informação e do despotismo do consumo. Milton propõe a noção de “globalitarismo”,
analisa ainda o território do dinheiro e sua fragmentação e o que chama de esquizofrenia do
espaço; os limites da globalização e a possibilidade de reversão da globalização perversa.
Em 2001, com a publicação de seu último trabalho, em conjunto com Maria Laura da
Silveira, deixa explícito o seu esforço para compreensão do território brasileiro, além de nos
brindar com um excelente guia de trabalho. Nessa publicação, busca aplicar as categorias teóricas
elaboradas em outros livros.
Sobre o método
Uma das propostas metodológicas de Milton Santos é aquela em que se privilegia os fixos
e os fluxos. Os fixos (casa, porto, armazém, plantação, fábrica) emitem fluxos ou recebem
fluxos que são os movimentos entre os fixos. As relações sociais comandam os fluxos que
precisam dos fixos para se realizar. Os fixos são modificados pelos fluxos, mas os fluxos
também se modificam ao encontro dos fixos. Então, ao considerarmos que o espaço é formado
de fixos e de fluxos, esse seria um princípio fundamental do método para analisar o espaço e
podemos acoplar a essa idéia a idéia de tempo. Os fluxos não têm a mesma rapidez, a mesma
velocidade. As coisas que fluem e que são materiais (produtos, mercadorias, mensagens
materializadas) e não materiais (idéias, ordens, mensagens não materiais) não têm a mesma
velocidade. A velocidade de uma carta não é a de um telegrama, de um sedex, de um e-mail. Os
homens não percorrem as distâncias no mesmo tempo, há alguns que percorrem uma distância
x ou y em tempo muitas vezes maior devido à falta de meios para fazê-lo diferentemente.
Perceba que isso também constrói diferenças entre eles.
Nenhum método é eterno. Modifiquei o meu próprio várias vezes, em função da minha
experiência e da dos outros, mas sobretudo em função de como o mundo se apresenta,
já que não posso inventar o mundo: invento uma forma de interpretação, pois o mundo
existe independentemente de mim. Eu vejo o mundo constituído de fixos e de fluxos,
por uma paisagem e relações sociais; como um conjunto de lugares onde o acontecer
simultâneo dos diversos agentes supõe o uso diferenciado do tempo. O meu papel como
geógrafo é de entender como as relações e os objetos se mantêm em processo interativo.
Essa interação tem como uma das condições o tempo. O tempo é a base indispensável
para o entendimento do espaço. Se as ações sobre um conjunto de objetos se dessem
segundo tempos iguais, não haveria história; o mundo seria imóvel. Mas o mundo
é móvel, em transformação permanente – formando uma totalidade em processo de
mudança para surgir amanhã como nova totalidade (SANTOS, 1994, p.166).
Sobre o tempo
Para Milton Santos, na Geografia, a questão do tempo pode ser trabalhada ao menos
segundo dois eixos – um é o eixo das sucessões e o outro é o eixo das coexistências. O que
isso quer dizer exatamente? Com relação ao eixo das sucessões, consideremos inicialmente
que o tempo flui e, por conseguinte, um fenômeno vem depois de outro. Assim, há uma
sucessão de fenômenos ao longo do tempo. As coisas se dão em uma seqüência. Esta é uma
Sobre globalização
A globalização, segundo concepção de Milton, poderia ser entendida como o período
histórico no qual a ciência, a técnica e a informação comandam a produção e o uso dos objetos,
ao mesmo tempo em que impregna as ações e determinam as normas. Como evidências
dessas transformações atuais, temos o progresso das telecomunicações e dos transportes,
a agricultura moderna desenvolvida em áreas antes periféricas, as novas áreas industriais, o
papel das finanças, a informação que se irradia no território, os novos consumos (incluindo a
educação, a saúde, as viagens, a política), as regulações públicas e privadas e tantos outros
trações definidores da época atual. E uma das principais manifestações, dessa nossa época é,
sem dúvida, a descoberta de novas velocidades, de uma aceleração antes nunca vista, o que
concede às coisas e às pessoas grande fluidez.
Geografia
Desse modo, pode-se considerar que cidades globais são aquelas que dispõem dos
instrumentos de comando da economia e da sociedade em escala mundial, seja na condição
de pólo, seja na condição de relé da influência das grandes metrópoles globais. Mas o exercício
da ação hegemônica sobre a face da Terra não é um dado exclusivo das metrópoles de primeira
ordem; sem as outras cidades, a economia global não se realiza (SANTOS, 2002, p.81-83).
SOUZA, Maira Adélia A. de. Território Brasileiro: usos e abusos. Campinas: Edições
Territoriais, 2003.
Resumo
A aula aborda a trajetória pessoal e intelectual do mais reconhecido geógrafo
brasileiro: Milton Santos. Faz-se primeiramente uma abordagem biográfica do
autor e em seguida discute-se a sua produção intelectual e as suas formulações
teórico-metodológicas.
Referências
BRANDÃO, Maria A. Milton Santos e o Brasil. São Paulo: Editora da Fundação Perseu
Abramo, 2004.
SANTOS, Milton. Território e Sociedade: entrevista com Milton Santos. São Paulo: Editora
Fundação Perseu Abramo, 2000a.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal.
Rio de Janeiro: RECORD, 2000b.