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31/07/2015 Imprima

O sujeito epistêmico de Piaget
Para explicar como todos podem aprender e o desenvolvimento da
inteligência, Jean Piaget reuniu saberes da Biologia, da Psicologia
e da Filosofia no conceito do sujeito epistêmico

Elisângela Fernandes

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Mesmo sem ser pedagogo, o cientista suíço Jean Piaget
(1896­1980) foi um dos pensadores mais influentes da
Educação. Sua atualidade e repercussão na sala de aula
devem­se, principalmente, ao incessante trabalho em
compreender como se desenvolve a inteligência humana.
Entre estudos e pesquisas, que renderam mais de 20 mil
páginas, um conceito perpassa toda a sua obra: a ideia do
sujeito epistêmico. Segundo Piaget, esse "sujeito"
expressa aspectos presentes em todas as pessoas. Suas
características conferem a todos nós a possibilidade de
construir conhecimento, desde o aprendizado das
primeiras letras na alfabetização até a estruturação das
PENSADOR PLURAL  Piaget (em foto no
seu escritório, no ano de 1976) incluiu
mais sofisticadas teorias científicas. 
saberes de várias áreas em sua obra
Que características tão especiais são essas? "Basicamente,
a capacidade mental de construir relações", explica Zélia
Ramozzi­Chiarottino, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
(USP). Essa habilidade permite o desenvolvimento de uma gama de operações essenciais
para a aquisição do saber: observar, classificar, organizar, explicar, provar, abstrair,
reconstruir, fazer conexões, antecipar e concluir ­ ações que, de fato, todos temos o
potencial de realizar. Um esquimó, por exemplo, é capaz de diferenciar a paisagem fria e se
localizar no gelo assim como um índio brasileiro sabe caminhar pela Floresta Amazônica
sem se perder. Em ambos os casos, o modo de classificar (no caso, mapear) e reconhecer o
espaço geográfico é o mesmo. O que muda é a coisa classificada, que varia de acordo com
o meio. 

O conceito de sujeito epistêmico (leia um resumo no quadro abaixo) começou a tomar
forma quando Piaget iniciou seus estudos sobre o processo de construção de conhecimentos
de Matemática e Física na criança pequena. "Ele é considerado o inaugurador da
epistemologia genética, teoria que investiga a gênese do conhecimento, tema que estava
ausente das pesquisas até o fim do século 19", diz Lino de Macedo, também do Instituto de
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Psicologia da USP. Até então, as formulações sobre o desenvolvimento da inteligência
eram uma exclusividade dos filósofos. As ideias de um deles, o alemão Immanuel Kant
(1724­1804), tiveram grande impacto na obra de Piaget. Kant foi um dos primeiros a
sugerir que o conhecimento vem da interação do sujeito com o meio ­ uma alternativa ao
inatismo, que considerava o saber como algo congênito, e ao empirismo, que encarava o
saber como um elemento externo que só podia ser adquirido pela experiência (leia mais no
quadro). 

Ao retrabalhar as proposições de Kant, Piaget concordou com a ideia da interação
sujeito/meio ­ mas foi além, afirmando que o desenvolvimento das estruturas mentais se
inicia no nascimento, quando o indivíduo começa o processo de troca com o universo ao
seu redor. Ele também destacou a necessidade de uma postura ativa para aprender.
Imagine, por exemplo, uma pessoa que more a vida inteira numa montanha. Ela pode nunca
saber que existem terras baixas, planícies e vales de rio. Por outro lado, se decidir fazer
uma viagem morro abaixo, vai conhecer a paisagem de seu entorno e, por meio das
relações (comparação e classificação, por exemplo), vai entender que a montanha é um
elemento natural diferente dos demais. "Para que o processo de estruturação cognitiva
ocorra, é fundamental a ação do sujeito sobre o meio em que vive. Sem isso, não há
conhecimento", completa Zélia (leia mais no quadro da página seguinte).

A cada nova informação, uma
constante reelaboração
A Filosofia não foi a única disciplina com a qual Piaget
dialogou. Da Biologia, o pesquisador considerou as ideias
evolutivas do naturalista francês Jean­Baptiste de
Lamarck (1744­1829). Da Psicologia, continuou os
estudos pioneiros de seu mestre, o suíço Édouard
Claparède (1873­1940), sobre o pensamento infantil.
Armado com o conhecimento dessas três áreas (e de
décadas de observação e entrevistas com crianças), o
pensador suíço terminou por se contrapor a vários pontos
APOIO PSICOLÓGICO  Em foto do ano de da filosofia de Kant, argumentando que as estruturas
1925, Piaget (primeiro à dir.) aparece junto
ao mestre Claparède (terceiro à dir.)
cognitivas não nascem com o indivíduo. À exceção da
habilidade de construir relações (para Piaget, essa é a
única característica pré­formada no ser humano), as
demais são construídas e reelaboradas ao longo do tempo. Cada nova informação atualiza
não só o que se aprende mas também as formas por meio das quais se aprende. 

Um exemplo ajuda a ilustrar essa ideia. Para a Ciência, a noção do espaço (e) como
resultado do produto da velocidade (v) pelo tempo (t) é uma verdade universal, expressa
pela fórmula e = v X t. Mesmo quem ignora essa equação sabe que percorrerá uma
distância maior num mesmo intervalo de tempo caso decida correr, em vez de andar, certo?
Isso é uma forma de conhecimento, ainda que não formalizada. Já indivíduos que

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conhecem a fórmula podem prever a velocidade necessária para cobrir determinada
distância no tempo estipulado, ou imaginar se uma equação semelhante pode explicar
outros processos e fenômenos da natureza. 

O conhecimento avança, mas num processo não
cumulativo 
Para o indivíduo que aprende, esse avanço de um nível de menor conhecimento para outro
maior inclui o questionamento constante do que já se sabe, revendo certezas e admitindo a
validade de determinadas afirmações apenas em alguns casos. Estudantes das séries
iniciais, por exemplo, geralmente supõem que, ao multiplicar um número por outro, o
resultado será invariavelmente maior. Entretanto, quando se deparam com os números
racionais (frações e decimais menores que 1), percebem que nem sempre a regra é
verdadeira. "O conhecimento não é cumulativo. Ao mesmo tempo que alguns saberes são
adquiridos, outros podem ser modificados ou superados", afirma Adrian Oscar Dongo
Montoya, professor da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquista Filho" (Unesp),
campus de Marília. 

No terreno da Educação, a concepção de sujeito epistêmico continua válida. Contribuiu,
aliás, para transformar definitivamente as ideias sobre o papel do aluno em sala de aula. Se
o conhecimento nasce da interação com o meio, não é mais possível pensar numa criança
que só escuta, passivamente, a exposição dos conteúdos. Estudos recentes vêm
confirmando os efeitos do meio ambiente sobre o funcionamento do cérebro, assim como o
valor de um comportamento ativo como motor da evolução. "Todo estudante precisa
enfrentar problemas para avançar. Não adianta o professor dizer como se resolve. Faz parte
do aprendizado tentar soluções e experimentar hipóteses para superar desafios", explica
Lino de Macedo. 

Justamente nesse ponto, aparece outra ressalva à teoria piagetiana. Segundo alguns críticos,
ele teria dado pouca atenção às interações sociais (como as que ocorrem com colegas e
professores), como se para adquirir conhecimento bastasse o indivíduo interagir
individualmente com o meio. "Não é isso o que Piaget defende. É um equívoco dizer que
ele fechou os olhos para as trocas sociais", acredita Macedo. "A cobrança de um colega por
argumentos ou o pedido para que explique melhor o que pensa sobre determinado tema faz
com que o indivíduo se desenvolva. O sujeito epistêmico é um sujeito social, que
compartilha e debate hipóteses", conclui.

Na Educação, a importância de testar hipóteses e soluções 
Outra concepção diretamente derivada da obra de Jean Piaget é a noção de que, se todos
têm as mesmas possibilidades de construir conhecimento, então todos podem aprender. A
essa altura, uma questão parece inevitável: o que explica as diferenças de conhecimento ­
por vezes tão acentuadas ­ entre os indivíduos? Por que algumas pessoas chegam à idade
adulta com um amplo domínio dos conteúdos científicos e outras não? 
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Para o grande pensador suíço, salvo nos casos de indivíduos com algum dano cerebral, a
capacidade de aprender está diretamente relacionada às oportunidades de troca. A
explicação para os distintos níveis de aprendizagem passa por aí: hoje sabe­se, por
exemplo, que crianças que possuem contato com livros em casa chegam à escola com mais
facilidade para se alfabetizar do que as que vivem em famílias que não têm o hábito da
leitura. "Tais defasagens, porém, são transitórias. Se tiverem mais oportunidades, essas
crianças podem perfeitamente superar as diferenças", completa Zélia.

Trecho de livro
"As coordenações de todos os sistemas de ação traduzem, assim, o que há de comum em
todos os sujeitos e se referem, portanto, a um sujeito universal, ou seja, sujeito epistêmico e
não ao sujeito individual." 
Jean Piaget e Beth Evert, no livro Épistémologie Mathématique et Psychologie. 

Comentário 
Para chegar ao conceito do sujeito epistêmico, Piaget investigou características comuns a
todas as pessoas no processo do desenvolvimento da inteligência. De acordo com ele, "o
que há de comum em todos os sujeitos" é a maneira como elas estruturam e organizam as
coisas que conhecem: a capacidade de relacionar, classificar, abstrair, separar e agrupar,
entre outras, que o autor chama de "coordenações de sistemas de ação". O sujeito
individual, por outro lado, é único: vive em época e cultura específicas, que influenciam suas
crenças e opiniões.

Questão de concurso 
Prefeitura Municipal Campina Grande, PB, 2002 
Processo seletivo para professor de Educação Básica I 

No âmbito educacional, a mudança do foco das discussões dos métodos de ensino para o
processo de aprendizagem da criança, entendendo­a como sujeito cognoscente, foi
promovida pelo pensamento: 
a) Inatista 
b) Marxista 
c) Crítico social 
d) Construtivista 
e) Estruturalista 

Comentário 
A alternativa correta é a D. A chave para responder à questão é entender que sujeito epistêmico,
sujeito cognoscente ou sujeito do conhecimento são sinônimos ­ e estão associados ao pensamento

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construtivista de Jean Piaget. Ao tratar a produção do conhecimento como resultado da interação
entre o indivíduo e o meio, Piaget concebe a criança como um sujeito ativo, criticando a escola
tradicional baseada nas perspectivas inatistas ou empiristas, em que os métodos de ensino são o
ponto central. Em relação às outras três concepções, a marxista defende um sistema de ensino
capaz de transformar a sociedade, enquanto a estruturalista e a crítico­social aproximam­se por
mostrar como a Educação atua para reproduzir (e, muitas vezes, aumentar) as desigualdades da
sociedade.

Resumo do conceito
Sujeito epistêmico
Elaborador : Jean Piaget (1896­1980) 

Também chamado de sujeito cognoscente ou do conhecimento, o conceito diz
respeito às estruturas mentais comuns a todos os seres humanos, que conferem a
possibilidade de aprender fazendo relações entre diferentes informações
(classificação, comparação, dedução etc.). Tais estruturas se desenvolvem do início
ao fim da vida por meio da ação dos indivíduos sobre o meio, num processo de
interação com o objeto de conhecimento e com as outras pessoas, o que possibilita a
construção de níveis de saber cada vez mais complexos.

Quer saber mais?
CONTATOS 
Adrian Oscar Dongo Montoya 
Clenio Lago 
Lino de Macedo 
Zélia Ramozzi­Chiarottino 

BIBLIOGRAFIA 
A Epistemologia Genética, Jean Piaget, 136 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3293­8150, 30,10
reais 
Épistémologie Mathématique et Psychologie, Beth Evert e Jean Piaget, Ed. Puf, não publicado no
Brasil, esgotado na França 
Psicologia e Epistemologia Genética de Jean Piaget, Zélia Ramozzi­Chiarottino, 104 págs., Ed.
Pedagógica e Universitária, tel. (11) 3168­6077, 44 reais 
Teoria da Aprendizagem na Obra de Jean Piaget, Adrian Oscar Dongo Montoya, 222 págs., Ed.
Unesp, tel. (11) 3242­7171, 29 reais

 O desenvolvimento da inteligência
 A cada nova informação, uma constante reelaboração
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 Na Educação, a importância de testar hipóteses e soluções
 Questão de concurso

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Publicado em NOVA ESCOLA Edição 238, Dezembro 2010. Título original: O
desenvolvimento da inteligência

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