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Resenha do livro: Capitalismo e Saúde

O livro “Capitalismo e Saúde”, publicado no ano de 2012 pela CEBES (Centro


Brasileiro de Educação e Saúde), escrito por Roberto Passos Nogueira e Rogério
Miranda, explora os aspectos e as designações capitalistas que regem o setor de
assistência à saúde. A obra é dividida em duas partes principais: "Tomo I: Introdução
ao estudo do capital nos serviços de saúde” e “Tomo II: Humanização e
desumanização no trabalho em saúde: algumas contribuições conceituais para uma
análise crítica”. Nesse presente trabalho será analisado especificamente o “Tomo I -
Parte 1: Para uma Teoria dos serviços”, que por sua vez é subdividido em cinco
tópicos que serão examinados mais adiante.

Em primeira análise, o Tomo I - Parte 1, escrito por Roberto Passos Nogueira, doutor
em Saúde Coletiva, pesquisador no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e
membro do Conselho Consultivo do CEBES, explora o conceito de assistência em saúde
como pertencente ao setor de serviços, segmento que compõe a divisão social do trabalho
e se enquadra no setor terciário da economia, tal designação foi proposta pelo fato desse
não produzir mercadorias. Contudo, poucos são os estudos aprofundados sobre esse
serviço de consumo, apesar da importância da sua concepção para o entendimento do
trabalho em saúde e a conexão com a economia capitalista. Desse modo, o autor aborda
inicialmente a noção de serviços, utilizando como base os livros e estudos realizados pelo
filósofo alemão Karl Marx. Além disso, é válido mencionar que essa esfera da economia
vem ganhando relevância no investimento de capital e também é pertinente esclarecer que
no exemplar são trabalhadas as empresas capitalistas de serviço de saúde, por serem a
forma economicamente mais desenvolvida.

Em segunda análise, o primeiro tópico discutido pelo autor é: “O conceito de Serviços:


Determinação Geral”, tendo como base a visão de Marx, ele apresenta o conceito geral de
serviços como um prolongamento do conceito de valor de uso, que por sua vez define-se
como um objeto ou atividade de trabalho que tem a finalidade de suprir as necessidades
humanas, logo o serviço é o consumo desse valor de uso de maneira a atender as
carências, ou seja, possui uma finalidade. Essa determinação não considera as relações
sociais de produção em que o trabalho está inserido, não diferencia a atividade de um
indivíduo e de um instrumento se ambos prestam seu serviço com um objetivo, ou seja,
ser útil a algo ou alguém. É destacado ainda, que o serviço é o valor de uso do trabalho,
assim como uma mercadoria, mas essa é apenas uma compreensão parcial do todo, que
envolve categorias não propriamente econômicas.

Outrossim, o segundo ponto de observação é “O conceito de Serviços: Determinação


Específica”, nele a determinação genérica é enriquecida por outros aspectos da sociedade
capitalista, o serviço de consumo é caracterizado como um conjunto atividades
econômicas heterogêneas, com o objetivo de fornecer valor de uso do trabalho para o
consumo privado, com valor não mercantil-capital, isto é, sem a finalidade de criar valor e
mais-valia. É um meio de consumo como outro qualquer, alguns de subsistência, como ir
ao médico por problemas de saúde, outros artigos de luxo, como a realização de
procedimentos meramente estéticos. Esse apoderamento dos meios de consumo dividem-
se em dois componentes, o primeiro é o valor de uso da força de trabalho e o segundo os
produtos necessários para a realização de tal trabalho, o que é vendido e adquirido são
esses elementos, sendo o resultado e os efeitos irrelevantes no valor do trabalho. No
campo extraeconômico as apropriações dos valores de uso são para o consumo pessoal,
uma ativação da força de trabalho, sendo a relação entre usuário e prestador de serviços
de natureza mercantil, uma troca de valores, quer dizer, nesse setor o dinheiro age como
um meio de circulação.

Ademais, outro tema abordado é: “A questão do valor na produção de mercadorias e nos


serviços", em que o trabalho em serviços não se converte em verdadeiras mercadorias,
mas o valor de uso pode se converter em um objeto dotado de utilidade imediata, como
fruto da força de trabalho. Nesse viés, o autor apresenta os conceitos de “força de trabalho
e trabalho” e de “trabalho concreto e trabalho abstrato”, para uma melhor apreciação dos
serviços, sendo a força de trabalho a denominação das habilidades e potenciais de cada
pessoa e o trabalho a aplicação dessas faculdades, já as atividades concretas são a ação
útil materializada num produto de uso objetivo, essa transformação em valor advém de
uma operação de mercado. Portanto, o trabalho em serviço não pode ser enquadrado em
trabalho abstrato, uma vez, que este é produzido visando o consumo privado, para um
objetivo certo, dessa forma, os valores de uso gerados não se destinam à venda, o
produto não se destina troca, ou seja, existe o processo de trabalho, mas não a produção
de valor, a parte econômica é a junção da força de trabalho e os meios técnicos de ação, o
que justifica seu pertencimento no setor mercantil.

Outro aspecto elucidado é: “Relações Sociais", inicialmente visto pela associação de um


valor de uso com a atividade útil dos serviços, em que as características do produto
resultante são verdadeiramente percebidas se consideradas as relações sociais que lhe
deram origem. Nesse contexto, apenas a força de trabalho e os meios materiais e técnicos
são mercadorias na prestação de serviços, não havendo diferença no mecanismo de
remuneração do trabalhador assalariado e o autônomo, já que ambos recebem pelos
custos de seu trabalho, e dependem da “venda” do valor de uso desse, para adquirir
artigos de consumo. Existem também os serviços não mercantis realizados com uma
finalidade, mas sem remuneração, como limpar a casa. A assistência à saúde, por
exemplo, também envolve serviços não mercantis, dado que, o próprio paciente executa
procedimentos, como seguir as instruções médicas, que completam a intervenção dos
profissionais. Assim, a força de trabalho pode ser comprada diretamente pelo usuário,
dando direito a esse de comandar o trabalho alheio para o seu consumo pessoal ou uma
relação de simples cliente, sem direito de interferir no trabalho, como acontece nos
atendimentos de saúde. Além disso, prestadores de serviço tendem a se tornar
assalariados com evolução do capitalismo, de duas formas principais, na primeira a força
de trabalho é comprada pelo empregador e na segunda é comprada com o objetivo de
transferir seu valor de uso para outro, uma terceira pessoa, geralmente feito por
empresários, que pretendem valorizar sua empresa, visando o lucro.

O último aspecto analisado é: "Ciclo do Capital-Dinheiro em Serviços”, que é representado


pela fórmula: D-M (FT+MT)...D’, em que as forças e os meios de trabalho se somam para
formar a mercadoria, que é o trabalho ou o serviço útil, consumido previamente e sem
agregar valor como capital-mercadoria, mantendo-se constante. Ao final o consumidor
paga o valor do trabalho somado ao valor dos meios para a realização desse, acrescido do
lucro, mais-valia gerada externamente. Então, as mercadorias vendidas são a própria força
de trabalho, por exemplo, no hospital o paciente está interessado no conhecimento do
médico para manejar os utensílios cirúrgicos de nada adianta adquiri-los sozinhos.
Portanto, a leitura do volume esclarece a relação entre os serviços de assistência à saúde
e a lógica capitalista atual, permitindo concluir que o setor de saúde não representa uma
simples relação de troca de produtos, com o acréscimo do lucro, ao contrário, faz parte de
um sistema mais complexo, em o que é adquirido é a força de trabalho, a capacidade de
diagnosticar, remediar, examinar, etc. Por conseguinte, no valor pago pelo trabalho não é
considerado o resultado, a cura ou a melhora, mas a atividade em si e os instrumentos e
aparelhos usados para sua realização. A obra desenvolve cada conceito de maneira
detalhada, demonstrando semelhanças, diferenças e apresentando exemplos, mostra
sobre diferentes ângulos as mesmas concepções, deixando, algumas vezes, a leitura um
pouco repetitiva, entretanto essa retomada não atrapalha a compreensão, ao contrário,
deixa clara as conclusões e opiniões do autor a fim explicar o lugar ocupado pelos serviços
de assistência à saúde dentro e fora da economia.

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